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Será que Deus existe?

[1]

O objectivo deste texto é expor tanto a versão como as objecções clássicas ao


argumento do desígnio e introduzir os seus desenvolvimentos contemporâneos,
sobretudo os que dependem das ideias de ajuste perfeito, princípio antrópico e
complexidade irredutível. Mas como o domínio da filosofia da religião é
frequentemente objecto de equívocos e confusões, irei primeiro distinguir esse domínio
de outros domínios próximos e elucidar alguns conceitos fundamentais desta área.
Assim, começarei por estabelecer o que é a filosofia da religião e por distingui-la da
teologia, da psicologia, da sociologia e da fenomenologia da religião. Em seguida,
esclarecerei o significado de alguns conceitos fundamentais, como os de teísmo e
deísmo. Exporei depois a versão clássica do argumento do desígnio, de William Paley, e
algumas objecções, também clássicas, de David Hume. Pelo meio elucidarei o que são
argumentos por analogia. Por último, irei expor alguns dos desenvolvimentos recentes
do argumento, como os que se devem a Richard Swinburne e Michael Behe.

O que é a filosofia da religião?

As religiões são, em geral, compostas por dois elementos principais: as verdades


religiosas, as crenças consideradas verdadeiras numa dada religião, e os rituais, isto é, o
conjunto de cerimónias com que os fiéis adoram a divindade. Quanto à forma como as
conhecemos, as verdades religiosas são de dois tipos: verdades reveladas (isto é, de que
o crente tem conhecimento por intermédio de revelação divina, como, por exemplo, a
Santíssima Trindade) e verdades de razão, isto é, verdades que podem ser ―
independentemente de serem ou não também conhecidas por revelação ― conhecidas
unicamente por intermédio da razão, como a da existência de Deus. As primeiras são
objecto da religião revelada e as segundas da religião natural ou teologia natural. São
estas últimas que interessam mais aos filósofos da religião. O seu objectivo é verificar
se podem ou não ser racionalmente justificadas. Assim, a filosofia da religião é o
domínio da filosofia que, por processos estritamente racionais, investiga as crenças
religiosas mais fundamentais, com o objectivo de determinar se são ou não justificadas.

Filosofia da religião e teologia

O que acabámos de dizer permite distinguir a filosofia da religião de algumas


disciplinas que lhe são próximas.
Em primeiro lugar, a filosofia da religião não se identifica com a teologia. A teologia é
o estudo sistemático do conjunto de crenças, tanto reveladas como de razão, de uma
religião específica, com o objectivo de compreender como podem formar um todo
coerente. Embora a teologia não seja exactamente o mesmo que apologética religiosa,
isto é, que a defesa das crenças de uma religião, está muito próxima dela. Ora, de acordo
com o que acabámos de dizer, há duas razões que impedem a teologia de se identificar
com a filosofia da religião. A primeira é que a filosofia da religião não é uma
apologética religiosa. Como veremos mais adiante, o género de estudo que se faz em
filosofia da religião é independente de qualquer religião particular. A segunda é que a
filosofia da religião não faz qualquer apelo à revelação.

Filosofia da religião e psicologia da religião


A filosofia da religião também não se confunde com a psicologia da religião. Podemos
dizer que, em geral, a psicologia é o estudo dos processos mentais e dos
comportamentos humanos. Por conseguinte, a psicologia da religião é o estudo dos
processos mentais e dos comportamentos associados com a religião. Em psicologia da
religião estuda-se, por exemplo, os fenómenos da conversão ou da experiência mística,
com o objectivo de formular teorias que expliquem os processos mentais a eles ligados.
Num sentido diferente, a psicologia da religião também pode ser entendida como a
busca das causas psicológicas das crenças religiosas. Um dos primeiros a fazer
psicologia da religião neste sentido da palavra foi David Hume, no século XVIII, com a
obra História Natural da Religião.

Filosofia da religião e sociologia da religião

A filosofia da religião também não é sociologia da religião. A sociologia é uma ciência


que estuda as sociedades humanas, as suas instituições, comunidades, populações,
grupos, etc., e procura determinar como interagem e evoluem. Assim, a sociologia da
religião estuda as instituições e comunidades religiosas e procura compreender a sua
distribuição e influência nos diferentes sectores da sociedade. Por muito interessante e
importante que este estudo possa ser ― e certamente é -, é muito diferente do estudo
efectuado em filosofia da religião.

Filosofia da religião e fenomenologia da religião

Uma crença muito difundida é a que identifica a filosofia da religião com a


fenomenologia da religião. A fenomenologia da religião é a tentativa, por um lado, de
descrever os fenómenos religiosos de modo a revelar as crenças e atitudes dos crentes e,
por outro, de classificar as actividades, as crenças e as instituições religiosas. Inclui-se
neste estudo a compreensão das categorias de sagrado e profano, assim como as
relações dos crentes com os objectos que se incluem nestas categorias. Uma vez mais,
este é certamente um estudo muito interessante, mas também não é filosofia da religião.
A filosofia da religião é apenas a busca da justificação racional das nossas crenças
religiosas.

Problemas principais da filosofia da religião

De todas as crenças religiosas, a principal é a crença em Deus e, por isso, de um modo


geral, os problemas mais importantes investigados pelos filósofos da religião estão
relacionados com essa crença. Esses problemas são os que dizem respeito à existência, à
natureza e à actividade de Deus.

A natureza de Deus: teísmo e deísmo

As grandes religiões monoteístas ocidentais ― o judaísmo, o islamismo e o cristianismo


― partilham uma concepção da natureza de Deus a que normalmente se chama teísta.
De acordo com esta concepção, Deus é um ser pessoal, espiritual, sumamente sábio,
sumamente bom e sumamente poderoso, que criou o mundo para o homem, que
intervém no mundo por intermédio de milagres e profecias e que, graças à sua
providência, protege o homem.
Para além desta concepção, é também relativamente frequente, sobretudo entre filósofos
e cientistas, uma concepção de Deus em tudo idêntica à anterior mas que nega a
providência divina e, por consequência, a sua intervenção no mundo. Nesta concepção,
Deus é uma espécie de grande arquitecto ou relojoeiro, que fez o mundo e o abandonou
à sua sorte. É costume chamar deísta a esta concepção da Divindade.

A existência de Deus

Um dos problemas tratados em filosofia da religião é o de saber se alguma destas


definições, em particular a primeira, é correcta ― discute-se, por exemplo, se, sendo
Deus sumamente poderoso, pode criar uma pedra que não pode levantar. Outro
problema é o de saber se um ser com uma natureza que corresponda a estas definições
existe. É este problema que as provas da existência pretendem resolver.

O argumento do desígnio

O argumento do desígnio é de uma grande simplicidade e elegância. É, como o


argumento cosmológico, um argumento a posteriori, isto é, um argumento que contém
premissas cuja verdade só pode ser conhecida por intermédio da experiência. Ainda
assim, há um aspecto que distingue estes argumentos. O argumento cosmológico é um
argumento dedutivo, ao passo que o argumento do desígnio é uma forma de argumento
não dedutivo. A consequência imediata deste facto é que mesmo que o argumento do
desígnio cumpra todas as condições necessárias para que seja um argumento não
dedutivo bom, não prova de modo incontestável a existência de Deus. O máximo que o
argumento pode fazer é mostrar que a probabilidade de a sua conclusão, a saber, que
Deus existe, ser verdadeira é elevada[2].

Sinopse histórica

De todas as provas da existência de Deus, o argumento do desígnio é, histórica e


filosoficamente, a mais importante. Na sua forma mais simples ― isto é, na forma de
que há uma ordem e, portanto, tem de haver um responsável pela ordem ― é certamente
a mais antiga de todas as provas. Na sua forma mais elaborada e filosófica, ele encontra-
se nos diálogos Fédon (97 c) e Timeu (46 d-e), de Platão, e é a quinta das 'Cinco Vias'
que S. Tomás de Aquino apresenta na Suma Teológica. Mas é nos séculos XVIII e XIX
que a prova é mais popular, sendo largamente aceite como prova da existência de Deus.
Nesta altura, ciências como a astronomia, a química e a biologia ― em particular esta
última ― forneceram uma grande quantidade de exemplos de sistemas ordenados, cuja
complexidade torna praticamente inconcebível que sejam o resultado do puro acaso. Na
primeira metade do século XX e na sequência da crítica de Hume e Darwin, o interesse
pelo argumento do desígnio diminuiu. Esse interesse foi, no entanto, aumentando à
medida que esse século caminhou para o fim e é hoje novamente grande, com filósofos
como Alvin Plantinga e Richard Swinburne e cientistas como Michael Behe a proporem
versões do argumento que têm provocado acesa controvérsia e debate.

Versão nomológica e teleológica do argumento do desígnio

É costume distinguir duas versões do argumento do desígnio, consoante se ponha ênfase


na ordem do mundo ou na adequação dos objectos aos fins. À primeira versão do
argumento chama-se nomológica, da palavra grega nomos, que significa norma ou lei; à
segunda chama-se teleológica, da palavra grega telos, que significa fim, propósito.
Assim, o argumento do desígnio pode, conforme os casos, ser uma tentativa de provar a
existência de Deus a partir da ordem do mundo (versão nomológica do argumento) ou a
partir da existência de um propósito ou fim, seja no mundo como um todo seja numa
classe de seres do mundo, como os organismos vivos (versão teleológica do
argumento).
A exposição de Paley do argumento mistura as duas versões: a ordem implica desígnio
e é depois este que vai implicar, como melhor explicação, um projectista cósmico. E
Hume, embora às vezes oscile entre uma e outra versão, também não faz em geral
qualquer distinção entre ambas.

A versão de William Paley

A apresentação clássica do argumento do desígnio é a que se encontra no livro Teologia


Natural que William Paley publicou nos começos do século XIX.
"Ao atravessar uma mata, suponha que tropeço numa pedra e me perguntam como foi
ela ali parar. Poderia talvez responder que, tanto quanto me é dado a saber, a pedra
sempre ali esteve; e talvez não fosse muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas
suponha que eu tinha encontrado um relógio no chão e procurava saber como podia ele
estar naquele lugar. Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado
antes ― que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia sempre ali ter estado.
Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não serve para o relógio?
Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no primeiro?
Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando inspeccionamos o relógio, vemos
(o que não poderia acontecer no caso da pedra) que as suas diversas partes estão
forjadas e associadas com um propósito; por exemplo, vemos que as suas diversas
partes estão fabricadas e ajustadas de modo a produzir movimento e que esse
movimento está regulado de modo a assinalar a hora do dia; e vemos que se as suas
diversas partes tivessem uma forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho
diferente do que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que
estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo uma outra ordem qualquer, a
máquina não produziria nenhum movimento ou não produziria nenhum movimento que
servisse para o que este serve. […] Tendo este mecanismo sido observado […],
pensamos que a inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador; teve de existir
num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou artífices que o fabricaram para o
propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua construção e projectaram o
seu uso. […] Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de desígnio, que existia
no relógio, existe nas obras da natureza, com a diferença de que na natureza são mais,
maiores e num grau tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da
natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em
curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número e
variedade; e, no entanto, num grande número de casos não são menos claramente
mecânicos, não são menos claramente artefactos, não são menos claramente adequados
ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função do que as produções mais
perfeitas do engenho humano. […] Em suma, após todos os esquemas e lutas de uma
filosofia relutante, temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os sinais de
desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio tem de ter um
projectista. Esse projectista tem de ser uma pessoa. Essa pessoa é DEUS."
William Paley, Natural Theology, 1802, Chap. 1, 3 e 27.
Note-se que o texto de William Paley não se limita a afirmar que o relógio é feito com
um propósito ou um desígnio para tirar daí depois a conclusão que tem de existir um
criador. Ele chama também a atenção para o facto de as partes do relógio estarem de tal
modo ajustadas entre si que a mais pequena alteração impediria que o relógio fizesse
aquilo para que foi concebido[3]. É esta complexidade, que exige explicação, mas que,
assim pensam os defensores do argumento, é também impossível de explicar por
processos estritamente naturais, o que conduz à ideia de desígnio e, por extensão, à ideia
de um criador. Tendo isto em conta, podemos apresentar o argumento de Paley da
seguinte forma:
Primeira premissa: O relógio tem as suas diversas partes forjadas e associadas com o
propósito de produzir movimento; esse movimento está regulado para assinalar a hora
do dia e se as suas diversas partes estivessem configuradas de forma diferente, tivessem
outro tamanho, estivessem colocadas de forma diferente ou segundo uma outra ordem
qualquer, o relógio não originaria nenhum movimento, pelo que o relógio tem de ter um
criador, o artífice que o fez.
Segunda premissa: Os seres vivos, por maioria de razão, também revelam ordem,
complexidade e desígnio. (Isto é, as suas diversas partes também estão organizadas e
associadas com um propósito e se essas partes estivessem configuradas de forma
diferente, tivessem outro tamanho, estivessem colocadas de forma diferente ou segundo
uma outra ordem qualquer, não cumpririam a sua função.)
Conclusão: Portanto, também os objectos naturais têm um criador. E como o criador
tem de ser proporcional à obra criada, esse criador é Deus.
No resto da obra, Paley estende o argumento ao universo e aos objectos naturais
existentes no universo, em particular, aos organismos vivos e, entre estes, dá especial
atenção ao olho humano que, pensa ele, constitui por si só uma prova da existência de
um criador inteligente.

O argumento por analogia

O ponto central do argumento do desígnio é a relação de semelhança que estabelece


entre os artefactos humanos e os objectos naturais: os objectos naturais ― tal como os
artefactos humanos ― revelam desígnio. Assim, o argumento do desígnio é um
argumento por analogia e isto tem algumas consequências interessantes. Vejamos
primeiro o que são argumentos por analogia e em seguida as consequências que daqui
resultam.
Os argumentos por analogia são argumentos indutivos. Daqui resulta uma consequência
óbvia para o argumento do desígnio, a saber, na melhor das hipóteses, isto é, se o
argumento for bom, mostrará apenas que é provável que a conclusão seja verdadeira.
Uma segunda consequência importante do facto do argumento por analogia ser um
argumento indutivo é que a sua força depende da informação disponível e, sobretudo, da
relevância dessa informação para a conclusão que procura estabelecer. Vejamos melhor
o que isto significa.
Um argumento por analogia tem, normalmente, a seguinte forma:
A entidade e tem as propriedades A, B, C, e Z.
A entidade n tem as propriedades A, B e C (Ou a entidade n é como a entidade e).
Logo, a entidade n tem a propriedade Z.
Uma aplicação muito conhecida do argumento por analogia é na investigação em
Farmacologia, quando se testam novas drogas ou medicamentos. Nestes casos, escolhe-
se em geral para testar essas drogas, animais que sejam semelhantes, naquilo que é
relevante para o que se pretende saber, àqueles nos quais essas drogas vão ser aplicadas.
Por exemplo, se a droga em questão tem por fim tratar uma qualquer afecção de coração
dos seres humanos, os animais escolhidos para testar a droga não podem ser répteis ou
peixes, mas aqueles que tiverem um sistema de circulação do sangue (e, em particular,
um coração) semelhante ao dos seres humanos. A razão de ser disto é óbvia: esta é a
forma de garantir ao máximo a fiabilidade dos resultados quando aplicados aos seres
humanos. O argumento por detrás disto tem a seguinte forma:
O animal a tem um sistema de circulação do sangue x e a droga y tem nele os efeitos A,
B, C e D.
O homem é, nos aspectos relevantes para o que se pretende saber (isto é, tem um
sistema sanguíneo), semelhante ao do animal a.
Logo, a droga y terá nele os efeitos A, B, C e D.
A força do argumento, isto é, a sua capacidade de nos persuadir de que a conclusão é
verdadeira depende
1) do grau efectivo de semelhança entre as propriedades das entidades comparadas. Se
essa semelhança é elevada, a probabilidade de a conclusão ser verdadeira é elevada; se
essa semelhança é baixa, a probabilidade de a conclusão ser verdadeira é também baixa.
2) da relevância das semelhanças para a conclusão a que se pretende chegar. Se as
propriedades comparadas são semelhantes e são relevantes para o que se pretende
concluir, a analogia é forte e a probabilidade da conclusão ser verdadeira também; mas
se a analogia não têm qualquer relação com o que se pretende concluir a probabilidade
de a conclusão ser verdadeira é baixa.
3) do número das semelhanças relevantes. Quanto maior o número de semelhanças
relevantes para a conclusão mais forte é a analogia.
4) da natureza e grau das diferenças. Estas diferenças podem enfraquecer ou fortalecer o
argumento analógico, consoante elas acentuem ou não a relevância das propriedades
para a conclusão. Quando Paley chama a atenção para a maior complexidade dos
organismos vivos (em relação aos artefactos), isso, supostamente, reforça a conclusão
de que têm desígnio e, portanto, um projectista.
A força ou fraqueza do argumento por analogia, por conseguinte, depende em larga
medida da semelhança das entidades comparadas e da relevância das propriedades para
a conclusão que se pretende estabelecer. Não é de admirar, portanto, que algumas das
críticas ao argumento se centrem nestes pontos. O primeiro será objecto das críticas de
Hume; o segundo, de Darwin.

Críticas ao argumento do desígnio

O argumento do desígnio parte da constatação de que os artefactos humanos têm um


conjunto de propriedades que revelam desígnio e, portanto, a existência de um criador.
Depois afirma que o universo (ou alguma parte dele, orgânica ou inorgânica) tem o
mesmo tipo de propriedades que os artefactos, para concluir daí que também o universo
(ou certas partes dele) revela desígnio e que, portanto, tem um projectista, Deus.
Tanto as premissas como a conclusão do argumento podem ser postas em questão,
incluindo a primeira premissa, ou melhor, a parte dela que sugere que a ordem e a
complexidade implicam a existência de desígnio. Esta ideia pode parecer-nos verdadeira
porque sendo os artefactos (isto é objectos feitos pelos seres humanos) os exemplos,
eles são-nos tão familiares que não temos dúvidas de que, no seu caso, a ordem e a
complexidade exigem desígnio. Repare-se, no entanto, que não é no facto de os
artefactos terem origem humana que Paley se apoia para dizer que têm desígnio, mas na
ordem e complexidade que revelam. Assim, a primeira premissa aparece como a
ilustração de uma outra mais geral que não é explicitamente formulada: "objectos
excessivamente complexos e ordenados revelam a existência de desígnio". Esta
afirmação é, por razões óbvias, muito mais contestável. Que da existência de ordem e
complexidade se siga a existência de desígnio é tudo menos evidente. Daí que alguns
filósofos tenham se dado ao cuidado de, primeiro, formular argumentos, a que se
costuma chamar argumentos da ordem, para tentar mostrar que a ordem implica
desígnio e só depois de isto feito procuraram mostrar que tem de haver uma causa para
esse desígnio, isto é, um projectista.[4] Contudo, como este problema se coloca também
a propósito da segunda premissa, que assume que a ordem e a complexidade do mundo
revelam a existência de desígnio, e como, além disso, há um conjunto de outros
problemas igualmente importantes que são específicos dessa premissa, é a ela que tem
sido dada mais atenção e é a respeito dela que têm sido formuladas as objecções mais
interessantes.
São algumas das objecções a essa premissa, quer no que respeita à sua pretensão de que
os objectos naturais revelam desígnio quer na pretensão de que são semelhantes aos
objectos artificiais, que iremos ver a seguir. Começaremos pelas críticas de Hume a essa
premissa, passaremos depois para as suas objecções à conclusão e, por fim, voltaremos
à segunda premissa para vermos as dificuldades que o darwinismo lhe coloca. Muitos
cientistas e filósofos consideram que, em conjunto, as críticas de Hume e Darwin tiram
completa e irreversivelmente a credibilidade ao argumento do desígnio. Como veremos
mais adiante, sobretudo na actualidade, há vários filósofos e cientistas que discordam.

A crítica de Hume

Por um capricho do destino, as principais críticas ao argumento do desígnio de Paley já


tinham sido publicadas vinte e três anos antes de Teologia Natural, numa obra póstuma
de Hume que Paley aparentemente desconhecia, os Diálogos sobre a Religião Natural.
Nessa obra, publicada pelo seu sobrinho, Hume faz uma crítica, considerada ainda hoje
definitiva, da versão de Paley do argumento do desígnio. São algumas dessas críticas
que iremos agora ver.

Analogia fraca

Como dissemos anteriormente, algumas das principais críticas de Hume ao argumento


do desígnio são dirigidas à analogia entre os artefactos humanos e os objectos naturais
quaisquer que eles sejam e qualquer que seja o seu tipo.
Para Hume, um argumento por analogia é tanto mais forte quanto maior a semelhança
entre os objectos comparados, sendo maximamente forte quando existe uma exacta
semelhança entre esses objectos, que permita, a partir daquilo que sabemos acerca de
uns, estabelecer algo acerca do outro ou dos outros com toda a certeza. Quando isso não
acontece, a analogia é fraca e tão mais fraca quanto menos semelhantes forem os
objectos comparados. "Observámos milhares e milhares de vezes que uma pedra cai,
que o fogo queima, que a terra tem solidez; e quando uma nova instância desta natureza
ocorre, tiramos sem hesitar a inferência habitual. A exacta semelhança dos casos dá-nos
a certeza absoluta de um acontecimento semelhante e nunca desejamos nem procuramos
uma evidência mais forte. Mas, sempre que vos afasteis, por pouco que seja, da
similaridade dos casos, diminuís proporcionalmente a evidência e podeis por fim
reduzi-la a uma analogia muito fraca, que está manifestamente sujeita ao erro e à
incerteza." (Diálogos, Parte II). E Hume dá exemplos: "Após termos observado a
circulação do sangue nas criaturas humanas, não temos dúvidas de que ela ocorre em
Titius e Mævius. Mas, da sua circulação nas rãs e nos peixes, só podemos chegar a uma
suposição, embora forte, por analogia, de que ocorre nos homens e nos outros animais.
Quando, a partir da nossa experiência de que o sangue circula nos animais, inferimos a
circulação da seiva nos vegetais, o raciocínio analógico é muito mais fraco." (Diálogos,
Parte II) ou "Se vemos uma casa (…) concluímos, com a maior das certezas, que teve
um arquitecto ou construtor, porque este é precisamente o género de efeito que vimos
proceder daquele género de causa." (Diálogos, Parte II). Ora, não é isto que acontece
com o universo. "Mas, certamente não ireis afirmar que o universo se parece de tal
modo com uma casa, que podemos com a mesma certeza inferir uma causa similar ou
que a analogia é aqui completa e perfeita. A dissimilitude é tão impressionante que o
máximo a que podeis aspirar neste ponto é a uma suposição, uma conjectura, uma
presunção a respeito duma causa similar." (Diálogos, Parte II) E, para piorar as coisas,
aquilo que a astronomia revela (obviamente no tempo de Hume) sobre o universo só
tem tornado mais evidente a dissemelhança que existe entre este e qualquer objecto
fabricado pelo homem: "Todas as recentes descobertas em astronomia . . . tornam-se
outras tantas objecções, por afastarem o efeito ainda mais de toda a semelhança com os
efeitos da arte e invenção humanos." (Diálogos, Parte V).
Em resumo, não é de todo possível estabelecer a semelhança entre os artefactos
humanos e os objectos naturais e, portanto, no caso destes não é de todo possível provar
a existência de desígnio e de um projectista cósmico.

A singularidade do universo

A fraqueza da analogia e a dissemelhança entre os artefactos e os objectos naturais


revela-se ainda mais flagrante quando, em vez de se procurar estabelecer a semelhança
entre os artefactos e os objectos naturais, se pretende estabelecer a semelhança entre os
artefactos humanos e o universo. É pela experiência que sabemos que os artefactos têm
desígnio e um criador. Temos boas razões, quando vemos um artefacto, para pensar que
tem desígnio e um criador porque nos habituámos a associar, pelo hábito ou costume,
um ao outro. No entanto, no caso do universo, esta vantagem não existe. O universo é
único e não temos, portanto, experiência anterior de outros universos. Assim, também
não temos experiência de como surgiram em que nos possamos basear para, a partir da
constatação da existência deste universo, podermos, por hábito ou costume, inferir a
natureza da sua causa. "Quando duas espécies de objectos foram sempre vistas juntas, o
costume permite-me inferir a existência de uma delas onde quer que veja a outra; e a
isto chamo um argumento a partir da experiência. Mas é difícil explicar como este
argumento se pode aplicar quando os objectos, como acontece neste caso, são
singulares, individuais, sem paralelo ou semelhança específica. E dir-me-á alguém, com
semblante sério, que um universo ordenado tem de provir de um pensamento e arte
como os humanos, porque temos disso experiência? Para verificar este raciocínio seria
necessário que tivéssemos experiência da origem dos mundos e não é seguramente
suficiente que tenhamos visto navios e cidades resultarem da arte e invenção humanas. .
." (Diálogos, Parte II)

Diversas fontes de ordem possíveis

Mesmo que se admita que a ordem que os objectos naturais revelam indicia a existência
de desígnio, real ou aparente, não se segue daí que a causa desse desígnio seja
semelhante aos seres humanos. Uma vez que, tanto quanto sabemos, um pensamento e
uma razão semelhantes às humanas são apenas causas de um número muito pequeno de
acontecimentos e há outras causas na natureza que também dão origem a objectos com
uma ordem e um arranjo semelhantes aos causados pelos seres humanos, é
perfeitamente possível que o desígnio, real ou aparente, dos objectos naturais não tenha
origem numa causa idêntica a nós.
Hume explora esta ideia em duas direcções diferentes.

A hipótese da geração e vegetação

Numa, parte da possibilidade da ordem e do desígnio dos objectos naturais, devido a


assemelharem-se igualmente bem aos efeitos dos animais e das plantas, terem origem
em causas desse tipo. Assim, o mundo seria o resultado da geração e da vegetação e não
de um agente inteligente semelhante a nós. "Só neste pequeno canto do mundo há
quatro princípios, razão, instinto, geração, vegetação, que são similares uns aos outros
e são as causas de efeitos similares. Que quantidade de outros princípios não
poderíamos naturalmente supor na imensa extensão e variedade do universo, se
pudéssemos viajar de planeta para planeta e de sistema para sistema, a fim de examinar
cada parte desta poderosa estrutura? Qualquer um dos quatro princípios acima
mencionados (e uma centena de outros que se abrem à nossa conjectura) pode fornecer-
nos uma teoria pela qual julgar da origem do mundo; e constitui uma parcialidade
manifesta e egrégia limitar inteiramente a nossa perspectiva ao princípio pelo qual as
nossas próprias mentes operam. Se com isso este princípio se tornasse mais inteligível,
tal parcialidade poderia ser um tanto desculpável. Mas a razão, na sua trama e estrutura
internas, é-nos realmente tão pouco conhecida quanto o instinto ou a vegetação e talvez
até aquela palavra vaga e indeterminada, natureza, à qual o vulgo reduz tudo, não seja
no fundo mais inexplicável. Conhecemos por experiência os efeitos destes princípios,
mas os próprios princípios e a sua maneira de operar são totalmente desconhecidos. E
dizer que o mundo surgiu por vegetação de uma semente lançada por outro mundo não é
menos inteligível ou está menos de acordo com a experiência, do que dizer que surgiu
de uma razão ou de uma invenção divinas, no sentido em que CLEANTES as entende."
(Diálogos, Parte VII).

A hipótese epicurista

Na outra, faz, como ele diz, reviver a hipótese epicurista (segundo a qual tudo o que
existe ― incluindo os deuses ― é produto do movimento da matéria devido a causas
estritamente mecânicas) com ligeiras alterações. "E se, por exemplo, eu fizesse reviver a
velha hipótese EPICURISTA? Este sistema é geralmente considerado ― e creio que
com inteira justiça ― o mais absurdo alguma vez proposto; apesar disso, não sei se,
com algumas alterações, não se pode fazer com que apresente uma ténue aparência de
probabilidade. Em vez de, como fez EPICURO, supor a matéria infinita suponhamo-la
finita. Um número finito de partículas é apenas susceptível de transposições finitas e,
numa duração eterna, tem de ocorrer que cada ordem ou posição possível seja tentada
um número infinito de vezes. Por conseguinte, este mundo, com todos os seus
acontecimentos, mesmo os mais insignificantes, foi antes produzido e destruído e será
novamente produzido e destruído, sem quaisquer limites ou restrições. Ninguém que
tenha uma concepção dos poderes do infinito em comparação com os do finito, duvidará
alguma vez desta determinação." (Diálogos, Parte VIII). Esta hipótese, tal como a outra,
é consistente com o que sabemos acerca do mundo e, portanto, tão possível quanto a
hipótese religiosa, que atribui a origem do universo a um deus com propriedades
intelectuais semelhantes às dos seres humanos, embora num grau muito superior.
Não existe, portanto, nenhuma boa razão para preferir a explicação teísta a qualquer das
outras alternativas. Tanto essa hipótese, como qualquer das outras explica igualmente
bem ― ou igualmente mal ― a ordem e o desígnio (ou aparente desígnio) e não há
nenhuma razão que justifique que optemos por essa hipótese em vez de qualquer das
outras.

Restrições à conclusão

Se admitirmos, por hipótese, que os objectos naturais são semelhantes aos artefactos
humanos e que o argumento do desígnio é válido, resultarão da aplicação do princípio
da proporcionalidade algumas consequências para a forma como a divindade pode ser
concebida. O princípio da proporcionalidade subjaz ao argumento do desígnio, pois é a
ideia de que os supostos efeitos são semelhantes (neste caso, o universo e os artefactos
humanos), que permite inferir que as causas têm características semelhantes e, que,
portanto, a causa do universo tem capacidades intelectuais semelhantes às nossas,
embora superiores. Hume chama a atenção para duas consequências principais que
resultam deste princípio:
1) Não é possível afirmar que os atributos da divindade são infinitos, porque, como a
causa deve ser proporcional aos efeitos e os efeitos não são infinitos, a causa também
não é.
2) Não é possível dizer que a Deidade, mesmo na sua capacidade finita, é perfeita ou
supor que os seus empreendimentos estão livres de todo o erro, engano ou incoerência.
Assim, se se aceitar o princípio da proporcionalidade, segue-se que Deus não é infinito
nem perfeito. Deste facto, Hume tira algumas consequências devastadoras para a
religião.

Conclusões incompatíveis com o teísmo

1) em vez de ser a obra de um único Deus, o mundo pode ser a obra de muitos deuses,
todos mais finitos e imperfeitos do que a sua própria obra. "Mas, mesmo que este
mundo fosse uma produção tão perfeita, continuaria a ser duvidoso que se pudesse
correctamente atribuir ao artífice todas as perfeições da obra. Se examinarmos um
navio, que ideia elevada não formaremos do engenho do carpinteiro que construiu uma
máquina tão complicada, útil e bela? E que surpresa não deveremos sentir ao
verificarmos que se trata de um estúpido mecânico que imitou outros e copiou uma arte
que, durante uma longa sucessão de épocas, após múltiplas tentativas, enganos,
correcções, deliberações e controvérsias, foi gradualmente melhorada? Muitos mundos
podem ter sido atamancados e destruídos ao longo de uma eternidade, antes que este
sistema tenha surgido; muito trabalho perdido; muitas tentativas infrutíferas feitas; e um
lento, mas gradual aperfeiçoamento na arte de fazer mundos ter sido levado a cabo
durante épocas sem fim." (Diálogos, Parte V).
2) se as divindades são, como resulta do que foi dito acima, semelhantes aos homens,
então é possível que se lhes assemelhem também em outras características físicas, a
saber, tenham sexo, olhos, bocas, narizes, etc. "Além disso, (...) os homens são mortais
e renovam a sua espécie por geração; e isto é comum a todas as criaturas vivas. Os dois
grandes sexos, macho e fêmea, diz MILTON, animam o mundo. Por que deve esta
circunstância, tão universal e tão essencial, ser excluída dessas Deidades numerosas e
limitadas? Contemplai então a teogonia dos tempos antigos a ser-nos trazida de volta.
E por que não se tornar um antropomorfista completo? Por que não afirmar que a
Deidade ou Deidades são corpóreas e têm olhos, nariz, boca, ouvidos, etc?" (Diálogos,
Parte V).
3) tem de se admitir todas as hipóteses imagináveis para explicar o mundo, desde uma
divindade infantil a um deus senil passando por uma divindade inferior e subalterna.
"Por aquilo que sabe, quando comparado com um padrão superior, este mundo é muito
defeituoso e imperfeito; e foi apenas a primeira e grosseira tentativa de uma Deidade
infantil, que a seguir o abandonou, envergonhada da sua defeituosa realização; é
meramente a obra de uma Deidade inferior e subalterna e constitui o objecto de troça
dos seus superiores; é a produção de velhice e de senilidade de uma Deidade aposentada
e, desde a sua morte, continua, à aventura, devido ao primeiro impulso e à força activa
que dela recebeu...." (Diálogos, Parte V).

O problema do mal

4) Por último, a semelhança do mundo com os artefactos e da causa do mundo com os


seres humanos torna difícil, se não impossível, sustentar que a Divindade tem as
características morais que o teísmo lhe atribui.

A crítica de Darwin

A última objecção de que irei falar é a que resulta da teoria da selecção natural de
Charles Darwin. O problema que Darwin procura resolver com a selecção natural é o da
diversidade da vida e não o de saber se Deus existe ou não (embora na altura, como
hoje, as duas questões não estivessem completamente desligadas). No entanto, a solução
que encontrou para aquele problema tem profundas implicações para o argumento do
desígnio. Vejamos primeiro em que consiste a solução de Darwin e depois de que forma
ela afecta esse argumento.
Até Darwin a teoria aceite para explicar a diversidade dos organismos vivos era a da
criação especial divina, isto é, a ideia de que Deus tinha criado todos os seres vivos tal
como existem actualmente. No entanto, com a descoberta de cada vez mais fósseis, esta
teoria foi-se tornando cada vez menos satisfatória e, antes mesmo de Darwin, houve
quem defendesse que as espécies não são fixas mas evoluem. Um dos primeiros a
defender a evolução das espécies foi o próprio avô de Darwin, Erasmus Darwin. Ele
pensava que as espécies actualmente existentes nem sempre tinham existido e que
outras existentes no passado tinham entretanto deixado de existir e propôs para
mecanismo explicativo da mudança um mecanismo idêntico ao proposto mais ou menos
na mesma altura por Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829). De acordo com essa teoria,
os seres vivos adquirem durante a vida certas características que transmitem depois aos
descendentes. O lamarkismo nunca foi suficientemente convincente para ter aceitação
geral e, no tempo de Darwin, a maior parte dos biólogos, geólogos, etc., incluindo o
próprio Darwin, pensavam que o criacionismo era verdadeiro. O primeiro
acontecimento a contribuir para que tudo isto mudasse foi a viagem que Darwin
efectuou em 1831 a bordo do navio HMS Beagle. O Beagle tinha por missão investigar
a costa ocidental e oriental do continente sul-americano. Darwin foi convidado para
participar na viagem na qualidade de naturalista de bordo e nos cinco anos que durou a
expedição, teve a oportunidade de estudar atentamente espécies e habitats
completamente desconhecidos na Europa. De tudo o que viu, nada chamou mais a
atenção e intrigou mais Darwin do que os animais que observou nas ilhas Galápagos ―
um conjunto de ilhas ao largo da costa sul-americana com uma fauna muito diferente da
fauna desse continente e suficientemente afastadas umas das outras para que as espécies
de uma ilha pudessem comunicar com as de outra ilha. Em particular, chamou a atenção
de Darwin os tentilhões, que diferiam de ilha para ilha, perfeitamente adaptados ao
habitat de cada ilha, com, por exemplo, bicos diferentes consoante o alimento
dominante na ilha fosse sementes, frutos ou insectos. Para Darwin, a única explicação
plausível para isto passava por admitir que os animais evoluíam de modo a adaptarem-
se às condições do seu habitat: "It was evident that such facts as these as well as many
others could be explained on the supposition that species gradually become modified;
and the subject haunted me." ('Autobiography' (1903), in Charles Darwin and T. H.
Huxley: Autobiographies, edited with an Introduction by Gavin de Beer, London,
Oxford University Press, 1974, p. 70.)
No entanto, isto não resolvia completamente o problema, porque, tal como aconteceu
com o seu avô, Darwin tinha ainda que encontrar um mecanismo que explicasse como é
que a evolução se faz. E encontrou-o na obra de Malthus. Thomas Malthus (1766-1824)
tinha publicado em 1798 o Ensaio sobre as Populações no qual afirmava que a
população humana cresce numa proporção geométrica enquanto os meios de
subsistência crescem numa proporção aritmética resultando numa pressão sobre os
recursos ambientais que origina a pobreza, a fome e a guerra. Darwin aplicou esta ideia
não apenas aos seres humanos, mas a todos os seres vivos e fez dela o princípio que está
por detrás do mecanismo da selecção natural: nascem mais seres vivos do que os que o
meio ambiente pode sustentar pelo que os dotados de variações que favoreçam a
sobrevivência sobrevivem e os outros não. Com o tempo, este processo faz as espécies
evoluírem e produz novas espécies.
Vejamos um pouco mais em detalhe como a selecção natural funciona. O exemplo que
vou utilizar segue de perto o formulado por Elliott Sober em Core Questions of
Philosophy.[5] Imaginemos que num grupo de zebras capazes de correr a cerca de 55
Km/h, surgia uma zebra capaz de correr a 56 Km/h, uma pequena diferença, mas que
representa uma vantagem adaptativa significativa para a zebra que a possui. Devido a
ser capaz de correr um pouco mais depressa, essa zebra tem mais possibilidades de
escapar aos predadores (que correm também a cerca de 55 Km/h) e de se reproduzir.
Imaginemos agora que os descendentes desta zebra herdam esta característica da sua
progenitora e correm também a 56 Km/h. Também eles vão usufruir das mesmas
vantagens adaptativas. Os predadores, tendencialmente, capturarão zebras menos
velozes e as mais velozes terão mais possibilidades de se reproduzirem. A consequência
última deste processo é que, com o tempo, todas as zebras do grupo correm a 56 Km/h.
Por que razão constitui a selecção natural, tal como é ilustrada por este exemplo, uma
objecção ao argumento do desígnio? Porque a selecção natural explica a complexidade
dos organismos vivos sem recorrer ao propósito ou ao desígnio e, portanto, sem uma
causa inteligente que seja a origem deste desígnio. Por outras palavras, a teoria da
selecção natural explica os organismos vivos por uma causalidade mecânica e não por
uma causalidade pessoal. O olho humano, que, segundo Paley, por si só seria prova de
um desígnio e de um criador inteligente, é afinal explicado por um processo cego e da
natureza. O desígnio da natureza é, portanto, um desígnio aparente e não real.
Repare-se que Darwin não se limita a fornecer uma hipótese alternativa para explicar
um fenómeno conhecido (a complexidade dos organismos vivos), o que por si seria
suficientemente destrutivo para a hipótese do desígnio inteligente, uma vez que se
houver uma outra explicação igualmente plausível se torna impossível dizer que a
hipótese do desígnio é verdadeira. Darwin vai mais longe e afirma que a selecção
natural é a explicação correcta para o fenómeno. Isto é, Darwin não se limita a levantar
dúvidas à hipótese do desígnio. Declara-a falsa.

As versões modernas

Pode-se pensar que a crítica de Hume e Darwin ao argumento do desígnio constituem o


dobrar a finados para este argumento. E durante algum tempo assim foi. Mas, a partir da
segunda metade do séc. XX começaram a surgir outras versões do argumento que,
melhor ou pior, procuram evitar as objecções de Hume e Darwin. Uma dessas tentativas
é a de Richard Swinburne; outra é a dos defensores modernos do desígnio inteligente.
São estas versões do argumento que, em traços gerais, vamos agora ver.

A versão do argumento do desígnio de Swinburne

Swinburne apresentou a sua versão do argumento do desígnio pela primeira vez em The
Existence of God, e depois disso com ligeiras diferenças em outros locais. Um desses
locais é o artigo da Think referido na bibliografia. Outro é o livro Será que Deus existe?.
Embora parta também, como as outras versões do argumento do desígnio, da ordem do
mundo para Deus, a versão de Swinburne não se baseia na analogia com os artefactos e,
por isso, não está sujeita às objecções a que está sujeita a versão de Paley.
Segundo Swinburne, há duas espécies de ordem no universo:
1) ordem espacial (regularidades de co-presença) e
2) ordem temporal (regularidades de sucessão, como as leis de Newton, em que os
objectos se comportam de acordo com certas leis da natureza).
O argumento de Paley é um argumento a partir da ordem espacial, isto é, baseado na
complexidade dos animais e das plantas. Swinburne pensa que Darwin, ao mostrar
como a complexidade natural tem origem, tornou definitivamente esta versão do
argumento do desígnio muito fraca.
Mas, a ordem temporal não está sujeita a esta dificuldade e é mais básica do que a
ordem espacial, uma vez que esta, qualquer que ela seja, depende da ordem temporal.
Swinburne considera extraordinária a existência desta ordem. O universo, em vez de ser
ordenado, poderia, pensa ele, ser completamente desordenado, isto é, poderia não
obedecer a quaisquer leis. Mas não é isso que acontece. O universo obedece e sempre
obedecerá a leis. Para Swinburne, não é a natureza que revela desígnio, mas as leis da
natureza, ou melhor, o facto de o universo comportar-se de acordo com leis da natureza.
Isto é, na opinião de Swinburne não são os acontecimentos do mundo (as regularidades
de co-presença que têm de ser explicadas), mas as leis da natureza (as regularidades de
sucessão) que carecem de explicação.
Mas como podem ser explicadas? Swinburne pensa que estas regularidades não podem
ser explicadas pela ciência, porque a ciência pode apenas explicar "como" as coisas
acontecem (neste caso, o "como" da ordem) e não "por que" acontecem; porque a
"explicação científica da operação de uma lei natural consiste em mostrar que é uma
consequência de algumas leis ainda mais fundamentais ― explicamos a operação das
leis da queda de Galileu mostrando que são uma consequência, para as circunstâncias
particulares da Terra, das leis do movimento de Newton..." (Think, Spring 2002, p. 50).
Para Swinburne, por conseguinte, a explicação da ordem temporal não pode estar em
leis científicas, porque é precisamente as leis científicas que é preciso explicar e, em
particular, as leis científicas, quaisquer que elas sejam, mais fundamentais de todas.
Assim, ou aceitamos essas leis como um facto bruto ou temos de encontrar outro tipo de
explicação.
Swinburne pensa que existe um outro tipo de explicação, aquilo a que chama uma
«explicação pessoal». É este tipo de explicação que está presente sempre que
justificamos qualquer acto que façamos. Mas, claro está, Swinburne não pensa que nós
sejamos a explicação para a uniformidade da natureza, mas uma explicação pessoal do
tipo que a nossa exemplifica. A explicação pessoal que Swinburne tem em mente é
Deus. As razões que Swinburne apresenta para isto são as seguintes:
1) a simplicidade de uma hipótese torna-a mais provável.
2) o teísmo, como é a hipótese mais simples, é mais provável do que qualquer outra.
Swinburne pensa que o teísmo é uma hipótese muito simples porque
1) postula um Deus muito simples, um ser omnipotente, omnisciente, omnipresente,
eterno, perfeitamente livre e bom;
2) reduz todas as formas de explicação a uma explicação pessoal. Isto leva a
simplicidade do teísmo ainda mais longe, porque a) a explicação pára onde
intuitivamente é mais natural parar, isto é, a escolha de um agente livre; b) tem como
consequência uma visão do mundo muito simples.
3) devido à omnipotência e completa liberdade de Deus, tudo depende Dele e Ele não
depende de nada, o que significa que a explicação acaba com Ele.
A tese de Swinburne tem, portanto, por base o critério de simplicidade. É mais plausível
que, ao escolher entre explicações rivais, escolhamos algo com a simplicidade de Deus
do que algo como o universo, com todas as suas características que exigem explicação.
Esta última é menos plausível porque deixa por responder demasiadas questões cruciais.
Por isso, mesmo que digamos que a probabilidade de ter sido um Deus a criar um
universo como este não é muito elevada, o facto de este universo existir (isto é, um
universo com estas características) torna mais provável que tenha sido Deus a criá-lo. A
probabilidade deste mundo existir sem Deus é menor do que a de existir com Deus.

Críticas

A versão do argumento do desígnio de Swinburne tem sido muito discutida e criticada.


Refiramos apenas dois aspectos. O primeiro é que ela exclui a possibilidade de uma
série de divindades com poderes finitos. É difícil ver o que é que justifica isso. Talvez o
facto de a hipótese teísta ser mais simples. Isto leva-nos à questão da simplicidade.
Será a hipótese teísta de facto a mais simples? É difícil perceber por que razão a
hipótese de Deus é a mais simples. A razão evocada por Swinburne é que Deus é
omnisciente, omnipotente, etc. Mas se nós, que não somos omniscientes, omnipotentes,
etc., somos complexos, como se justifica que um ser que tem todas estas propriedades
num grau máximo seja simples? Isso é logicamente possível, mas é contrário àquilo de
que temos experiência. Não há dúvida que somos mais sábios, mais poderosos, etc., do
que a maior parte dos animais. Mas somos também mais complexos. Portanto, a tese de
que Deus é simultaneamente sumamente sábio, poderoso, etc., e sumamente simples é
contrária à experiência e, por conseguinte, precisa ser justificada. Swinburne limita-se a
apresentá-la como se fosse um facto. Não é.
Quer a hipótese teísta seja a mais simples quer não seja, a razão última para a sua
adopção está na sua capacidade explicativa. É esta capacidade explicativa que pode
tornar a hipótese de Deus plausível. Se a sua capacidade explicativa for fraca, não há
qualquer razão para a sua adopção. Por outro lado, quanto mais elevada for a sua
capacidade explicativa, mais plausível ela é. Swinburne pensa que a capacidade
explicativa do teísmo é superior à das leis da natureza. Mas será que é?
Suponhamos que um objecto surgia no céu nocturno e que se pretendia explicar o que
esse objecto é. Há duas hipóteses possíveis: uma explicação teísta (Deus) e uma
explicação por intermédio de leis da natureza. Qual delas explica melhor o fenómeno,
qual delas tem maior poder explicativo? A resposta é óbvia. A hipótese com maior
poder explicativo é a das leis da natureza (e isto mesmo na hipótese de estas leis da
natureza serem, neste caso, um facto bruto irredutível, isto é, não poderem ser
explicadas por leis da natureza mais fundamentais). É hoje evidente, aliás, que a
hipótese teísta não só não explicaria nada como seria um obstáculo à explicação do
fenómeno. O mesmo parece ser verdade se em vez de ser necessário explicar um
objecto celeste for necessário explicar as leis da natureza. Pode-se alegar talvez, usando
a distinção de Swinburne, que as leis da natureza são de um tipo de ordem (temporal)
diferente do tipo de ordem do objecto celeste (que é de um tipo de ordem espacial) e
que, portanto, embora seja eventualmente verdade que as leis da natureza expliquem
melhor o objecto celeste, não se segue daí que o mesmo se passe quando se trata de
explicar as leis da natureza mais fundamentais, para as quais, diga-se de passagem, não
pode haver qualquer explicação com base em leis da natureza. Note-se, no entanto, que
aquilo que se pretende perceber com o exemplo é qual a capacidade explicativa da
hipótese teísta e isso parece ser independente do tipo de ordem (temporal ou espacial)
que pretende explicar. Deus parece ser assim um outro nome para a nossa ignorância,
com o inconveniente adicional, se for aceite, de ser um obstáculo a qualquer
investigação. Antigamente, era frequente atribuir-se a causa dos cometas a Deus e,
durante séculos, os homens acreditaram nisso. Claro que, durante todo esse tempo, o
nosso conhecimento dos cometas era nulo. Só começámos a conhecê-los ― a explicá-
los ― quando passaram a ser considerados objectos celestes naturais, como os planetas
e as estrelas, e a ser diligentemente observados e estudados. A "explicação" divina,
neste caso, em vez de nos permitir explicar o fenómeno, foi, por muito tempo, um
obstáculo ao seu conhecimento. E o mesmo se passa sempre que ela é evocada, seja
para explicar um acontecimento no interior do universo ou o próprio universo. A
história da ciência e do progresso do conhecimento é em grande parte a história da luta
contra a explicação divina dos fenómenos naturais.[6]
Um outro exemplo pode tornar tudo isto mais perceptível. Imaginemos que ao
entrarmos em casa constatávamos que ela estava inundada. Qual poderia ser a melhor
explicação para isso? Note-se que se trata de uma situação em que o nosso raciocínio
terá de ser abdutivo: a partir de um estado do mundo temos de determinar qual a melhor
explicação para ele. Há várias hipóteses possíveis, desde as mais extravagantes às mais
plausíveis. Imaginemos que, por hipótese, considerávamos que a explicação mais
provável (a melhor explicação) fosse que uma torneira tivesse ficado aberta. O que
poderá levar a que pensemos que esta é a melhor explicação? Eventualmente o
conhecimento ― directo ou indirecto ― de acontecimentos semelhantes com causas
semelhantes. Repare-se, no entanto, que não é possível justificar a hipótese teísta por
intermédio de considerações deste tipo. Não há qualquer experiência anterior de
acontecimentos similares que possam justificar a pretensão de que a explicação teísta é
a melhor explicação. Tanto quanto sabemos, o mundo em que vivemos é único. A
objecção de Hume tem também aqui razão de ser. Mas imaginemos que ignoramos
completamente a existência de acontecimentos semelhantes com causas semelhantes e
que tudo o que sabemos é que a hipótese da torneira aberta é a melhor explicação, isto é,
a mais plausível, a causa mais provável da inundação. Que explica isso? Se não
soubermos como, o processo pelo qual, a torneira aberta produz a inundação, a melhor
explicação é puramente verbal e não explica nada.
Por outro lado, se, como no caso da hipótese teísta, a única razão para pensar que a
melhor explicação (Deus) existe é o facto de ser a melhor explicação, então o
conhecimento do processo pelo qual essa melhor explicação causa o efeito que
supostamente explica é fundamental para estabelecer a sua existência.
Em resumo, sem a explicação do processo pelo qual a melhor explicação causa os
efeitos que supostamente explica, a melhor explicação não explica nada; e só o
conhecimento do processo pode justificar a crença na existência da melhor explicação.

As versões baseadas no ajuste perfeito e na complexidade irredutível


Nas últimas dezenas de anos, o nosso conhecimento do mundo físico e biológico
progrediu novamente imenso e o argumento do desígnio voltou à ordem do dia.
Começou-se a falar em princípio antrópico, ajuste perfeito e complexidade irredutível
num contexto em que se discutia e tentava provar a existência de desígnio e de Deus.
Não podemos, naturalmente, expor e discutir aqui em detalhe estas versões do
argumento do desígnio. Iremos apenas apresentar as suas ideias fundamentais.

O ajuste perfeito e o argumento antrópico-teleológico

A ideia por detrás desta versão do argumento é simples. A investigação levada a cabo
em astrofísica, cosmologia e biologia tem revelado a existência de um número
significativo de constantes cósmicas, aparentemente arbitrárias (não podem ser
determinadas a partir das teorias e têm, pelo menos por agora, de ser determinadas
empiricamente), sem as quais a existência de um universo como o nosso seria
impossível. O número destas constantes perfeitamente ajustadas à existência de um
universo como o nosso, com galáxias, estrelas, planetas e vida como a nossa dentro
dele, é impressionante. Além disso, uma ligeira diferença nos valores dessas constantes
teria produzido um universo tão diferente do nosso que as galáxias, as estrelas, os
planetas e a vida como conhecemos seria impossível. Por exemplo:
- se a carga eléctrica do electrão fosse ligeiramente diferente, as estrelas seriam
incapazes de queimar hidrogénio e hélio ou não teriam explodido
- a possibilidade de formação aleatória das 2000 enzimas existentes é de 10 elevado
40000 (isto é, 10 seguido de 40000 zeros)
Explicar estes ajustes perfeitos como sendo o resultado de uma mera coincidência tem
parecido a um grande número de cientistas e filósofos (o texto de Swinburne da revista
Think que referimos é mais um caso) na última dezena de anos extremamente
improvável e levou, em última instância, à ideia daquilo a que se pode chamar o
argumento antrópico-teleológico. Este argumento baseia-se no princípio antrópico, que
pode ter duas versões distintas: a fraca e a forte. A versão fraca limita-se a afirmar que
nós, os observadores, estamos cá, porque o universo é de modo a permitir a existência
de seres humanos. Esta observação é, obviamente, pacífica. Se o universo não fosse de
modo a permitir a existência humana, não estaríamos cá. A versão forte faz uma
afirmação muito mais controversa, a saber: nós, os observadores, estamos cá porque o
universo foi feito de modo a permitir a existência de seres humanos. Assim, a existência
dessas constantes é uma prova de desígnio e, por sua vez, a melhor explicação para este
desígnio é um projectista cósmico que, consoante os autores, tem características mais ou
menos cristãs.

Complexidade irredutível

Enquanto o ajuste perfeito chama a atenção para certas características absolutamente


extraordinárias do micro e macrocosmos físico, a complexidade irredutível põe ênfase
em certos aspectos da realidade biológica a nível molecular que, segundo os defensores
do desígnio inteligente, apontam para um Deus (outra vez, mais ou menos cristão) como
a melhor explicação.
O melhor exemplo desta nova defesa do argumento do desígnio e, ao mesmo tempo, de
ataque ao darwinismo é a do bioquímico Michael Behe no livro Darwin Black Box.
Behe define aí "complexidade irredutível" como sendo um "sistema único composto de
várias partes bem ajustadas e em interacção, que contribuem para a função básica, em
que a remoção de qualquer uma das partes faz com que o sistema deixe de funcionar"
(p. 39).
Qualquer sistema biológico irredutivelmente complexo que exista ― se existir algum ―
é, ao mesmo tempo, um desafio poderoso ao darwinismo (uma vez que a selecção
natural só pode operar sobre sistemas que já existem e se um sistema não pode ser
produzido gradualmente teve de surgir como uma unidade integrada, num golpe único,
para que a selecção natural tivesse algo sobre que agir) e uma poderosa razão a favor do
desígnio. Como exemplo de algo com complexidade irredutível, Behe apresenta as
armadilhas para ratos. Segundo ele, as ratoeiras têm uma estrutura tal que, para
funcionar, têm de ter todos os seus componentes presentes. A falta de um único
componente fará com que não funcione.
Behe pensa que também há sistemas biológicos irredutivelmente complexos na natureza
e aponta como exemplo o caso das bactérias que têm alguns componentes tão
complexos e essenciais que se forem ligeiramente alterados já não funcionam. Estes
sistemas não podem por isso ser explicados através da selecção e são uma prova da
existência de desígnio.
Behe é secundado pelo matemático e teólogo William Bemski e por outros, que,
motivados de forma nem sempre clara por razões de ordem religiosa, procuram mostrar
que existe desígnio inteligente. Este movimento tem provocado reacções que oscilam
entre levar a sério as dificuldades levantadas e tentar responder-lhes, como é o caso de
Michael Ruse, até ao puro desprezo, com base na alegação de falta de excelência
científica e filosófica e de utilização de técnicas desonestas para promover os seus
pontos de vista.

Bibliografia

David Hume, Diálogos sobre a Religião Natural, Lisboa, Edições 70, 2005.
Elliott Sober, Core Questions of Philosophy, Upper Saddle River, Prentice Hall, 2001.
J. C. A. Gaskin, Hume's Philosophy of Religion, Londres, Macmillan, 1988.
J. J. C. Smart e J. J. Haldane, Atheism & Theism, Oxford, Blackwell, 1996.
J. L. Mackie, The Miracle of Theism, Oxford, Oxford University Press, 1982.
Michael Palmer, The Question of God, Londres, Routledge, 2001.
Michael Ruse, Darwin and Design, Cambridge, Harvard University Press, 2003.
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Paul Davies, The Mind of God, Londres, Penguin Books, 1992.
Richard Dawkins, "The Improbability of God", in Free Inquiry, Volume 18, Number 3
[Trad. port: "A improbabilidade de Deus", in Filosofia e Educação
(http://www.filedu.com/rdawkinsaimprobabilidadededeus.html)].
Richard Swinburne, Será que Deus existe?,Lisboa, Gradiva, 1998.
Richard Swinburne, The Existence of God, Oxford, Oxford University Press, 2004.
Richard Swinburne, "Arguments from Design", in Think, Spring 2002, pp. 49-54 [Trad.
port: "Argumentos do desígnio", in Filosofia e Educação
(http://www.filedu.com/rswinburneargumentosdodesignio.html)]
Robin Le Poidevin, Arguing for Atheism, Londres, Routledge, 1996.
Stephen W. Hawking, Breve História do Tempo, Lisboa, Gradiva, 1988.
William Paley, Natural Theology (http://www.hti.umich.edu/cgi/p/pd-modeng/pd-
modeng-idx?type=header&id=PaleyNatur)].

[1] Texto da conferência proferida em 18 de Fevereiro de 2005 na Escola Secundária


Manuel Teixeira Gomes de Portimão.
[2] É frequente pensar-se que a probabilidade de uma afirmação ser verdadeira depende
do argumento que a suporta. Mas a verdade de uma afirmação, qualquer que ela seja,
depende do estado de coisas no mundo e será ou não verdadeira consoante corresponda
ou não a esse estado de coisas. A verdade ou falsidade de uma afirmação é, portanto,
independente de argumentos. O que os argumentos podem fazer ― e os bons
argumentos fazem-no ― é fornecer-nos razões para acreditarmos, no caso dos
argumentos dedutivos, que a conclusão é verdadeira, e, no caso dos argumentos não
dedutivos, que a probabilidade de que seja verdadeira é elevada. Mas, repetimos, os
argumentos, mesmo que sejam bons, nunca tornam uma afirmação verdadeira.
[3] As versões modernas do argumento do desígnio que se baseiam na existência de um
ajuste cósmico perfeito seguem Paley neste ponto de perto.
[4] Veja-se Michael Ruse, Darwin and Design, Cap. 1.
[5] Página 61.
[6] Stephen Hawking diz augures que, num encontro que teve com João Paulo II, este
lhe disse que estava muito bem estudar o universo até ao Big Bang, mas não o próprio
Big Bang porque este era um acto de criação divina.

Álvaro Nunes, 2006

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