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Nome

do aluno: Diogo Banzato Franco



Número USP: 8045738

Pergunta a ser respondida: Compare um dos filmes do curso a um outro filme, não árabe,
que na sua opinião trabalha com o mesmo gênero cinematográfico

Trabalho Final: O Drama Periférico

O Drama Periférico

1. Introdução:
O presente trabalho pretende comparar dois filmes, um egípcio visto e
analisado durante o curso, e outro proveniente do mundo não árabe. Mais
especificamente, aqui pretende-se comparar o primeiro filme de Shadi Abdel Salam,
Al-Mummia: The Night of Counting Years (que daqui para frente será chamado,
simplesmente, de Al-Mummia) com o primeiro filme de Glauber Rocha, Barravento.
Há uma série de paralelos entre os dois filmes que podem ser considerados
auto-evidentes, por exemplo: ambos são da década de 60, ambos são os primeiros
filmes dos dois diretores aqui considerados, ambos são provenientes do cinema
nacional de países “periféricos” e ambos são dramas feitos a partir de fatos históricos.
No entanto, para a presente análise, o que se terá como foco central de estudo
será o tema da ambiguidade, ou melhor, como a dúvida instaura-se para as
personagens de forma a transparecer uma decisão que precisa ser tomada em um
cenário onde nenhuma das alternativas de decisão se apresentam como a ideal. Assim
sendo, o que aqui se terá como foco de interesse será a inexorabilidade da má decisão
que a conjuntura histórica impõe ao ser humano.
A tese do presente trabalho é que esses filmes mostram como inexorabilidade
da má decisão retrata a realidade do drama periférico.
2. Al-Mummia
Como vimos ao longo do curso, para que se possa entender o “texto” que um
filme expressa é necessário se observar o “contexto” dentro do qual ele se insere.
Assim sendo, devemos entender Al-Mummia dentro da conjuntura do cinema egípcio
assim como dentro da conjuntura geopolítica que o Egito como um todo se encontrava
no final da década de 60.
Como vimos, o cinema egípcio passou por um momento inicial da busca por
uma linguagem universal. Assim, quando pensamos nos primeiros filmes produzidos
no pais temos em mente, naturalmente, os musicais que incorporavam dentro de si
uma grande diversidade de referências a várias culturas, incluindo, por exemplo, o
ritmo do samba e de figuras análogas à de Carmem Miranda. Passado esse primeiro
momento, o cinema do Egito buscou uma linguagem tipicamente nacional,
incorporando temas do país e preocupações que respondiam ao financiamento estatal
que o governo de Gamal Abdel Nasser patrocinava.
Contudo, a Guerra dos Seis Dias contra Israel representou um importante
marco de relativização do nacionalismo, dando margem ao surgimento de uma
desconfiança em relação às certezas que Nasser buscava passar para o povo. Com
efeito, a frustração da derrota em uma guerra que o governo de Nasser dava como
ganha abalou não só o povo de maneira imediata, mas instaurou no imaginário
popular um descrédito ao governante.
Dois anos após a guerra dos Seis Dias, Shadi Abdel Salam produziria seu
filme Al-Mummia. No longa-metragem o espírito ufanista e nacionalista seria
substituído pela dúvida e pela ambiguidade. O tempo todo o filme coloca questões
que as personagens parecem não conseguir responder e, quando as responde, parecem
demonstrar a frustração de que sabem que cometeram algum erro.
O filme como um todo é marcado por sequências no deserto muito bem
coreografadas. O movimento das personagens a céu aberto, no meio das antigas
ruinas egípcias, cria uma sensação de teatralização quase artificial. As personagens
correm umas atrás das outras, perdendo-se em labirintos criados pelas paisagens em
um ritmo similar ao de uma dança, elas se escondem e reaparecem, sempre em
lugares onde o espectador não poderia esperar.
Al-Mummia é baseado em uma história real, dramatizando os acontecimentos
de 1881 em que o clá Abd el-Resuls “atacava” um local chamado Deir al-Bahari, que
continha múmias reais de diversas dinastias. O clã encontrava nessas antiguidades
uma forma de sobrevivência à medida que vendia parte daquilo que encontrava para
comerciantes do Cairo. Entretanto, após o advento de um conflito interno nesse clã,
um membro decide ajudar as autoridades do Conselho Supremo de Antiguidades,
estabelecido em 1859 para a conservação, proteção e regulação de todas as
antiguidades e escavações arqueológicas no Egito.
Essa conjuntura histórica retratada no filme é utilizada como pretexto para a
elaboração de três discursões que se entrecruzam gerando o dilema a partir do qual se
instalará a inexorabilidade da má decisão, fruto da construção desse drama periférico:
Em primeiro lugar, há um conflito que contrapõe a tradição milenar contra um
pretenso respeito atemporal pelos mortos. De fato, o clã Abd el-Resuls realizava esse
meio de subsistência há aproximadamente três mil anos, isto é, mesmo nos tempos
dos Faraós os ataques aos túmulos eram comuns. No entanto, esta prática, já
incorporada e pensada como uma tradição duradoura, parece incomodar alguns
membros do clã como um sinal de desrespeito contra seus ancestrais. Assim sento,
podemos entender como sendo esse o primeiro dilema do filme: há uma troca moral
entre preservar uma tradição histórica e milenar contra honrar um respeito atemporal
a um lugar de descanso aos mortos.
Em segundo lugar, há um conflito entre duas civilizações: representados pelo
campo e pela cidade. Esse conflito gira em torno das diferenças de perspectivas que
esses dois grupos possuem em relação à administração cultural correta das
antiguidades que representam sua identidade. Um consenso em relação a essa disputa
talvez pudesse ser vislumbrada se não fosse o fato de que as civilizações lidam de
diferente maneiras com o “progresso” em direção à uma sociedade regida pela lógica
do capital. Este conflito, que tem a administração das antiguidades como pretexto, é
na verdade um conflito de forma de vida e pôde ser visto nessa mesma época em
outros países como o Japão.
Em terceiro lugar, há um conflito entre o espirito nacional e o espirito
cosmopolita que 1881 pôde dar margem na história do Egito. Indaga-se se as
antiguidades representam uma identidade tipicamente egípcia ou se a longa data da
história civilizatória não encarnaria as dinastias faraônicas como pertencente à
história da civilização universal. Assim, a identidade nacional seria incitada ao
mesmo tempo que sofreria um grande desafio pela ocupação de forças estrangeiras,
que com elas traria um conjunto de conceitos de cunho nacional e universal.
Em quarto e último lugar, há um conflito entre a praticidade do dia-a-dia, que
impõe demandas concretas de sobrevivência, contra todo o conjunto das ponderações
morais. Nesse sentido, a alimentação e a segurança de um povo é contrastada com
ponderações morais que assumem um caráter quase que metafísico na aridez do
cotidiano.
É a partir desses quatro dilemas que as personagens são colocadas, de maneira
mais ou menos direta, que uma decisão deve ser tomada. No entanto, o filme gera
uma ambiguidade que, independentemente da escolha, qualquer decisão parece ser
errada — isto é, qualquer decisão não é a ideal, todas são passiveis de arrependimento
e nenhuma parece ser suficientemente justificada para as personagens. Assim, os
conflitos se dão de forma que, no momento em que a protagonista vence o conflito
contra o seu clã ela se frustra e ao impor a sua vontade frente aos demais ela se vê
como derrotada.

3. Barravento
Barravento é um filme do início da década de 60 e o primeiro de Glauber
Rocha. O longa-metragem é sobre uma comunidade que vive da pesca e é
fortemente influenciada por religião de matriz africana. Assim, de forma bastante
direta, o diretor dispõe no início do filme algumas definições que elucidam sua
trama:

“No litoral da Bahia vivem os negros pescadores de “xareu”,
cujos antepassados vieram escravos da África. Permanecem até
hoje os cultos aos Deuses africanos e todo êste povo é dominado
por um misticismo trágico e fatalista. Aceitam a miséria, o
analfabetismo e a exploração com a passividade daquêles que
esperam o reino divino.
“Yemanja” é a rainha daságuas, “a velha mãe de Irecê”,
senhora do mar que ama, guarda e castiga os pescadores.
“Barravento” é o momento de violência, quando as coisas de
terra e mar se transformam, quando no amor, na vida e no meio
social ocorrem súbitas mudanças”.

Assim, Firmino está convencido de que precisa fazer com que as pessoas
da aldeia tomem consciência da exploração que sofrem daquele que detêm a
propriedade do seu meio de sobrevivência da comunidade, isto é, a rede que
usam para pescar. Para buscar gerar uma revolta o personagem vê como inimigo
a religião que aliena os trabalhadores e, assim, busca denuncia-la para os
trabalhadores.
O paralelo inicial com Al-Mummia é claro: o detentor da propriedade da
rede representa um modo de vida típico da cidade ao preocupar-se apenas com o
lucro que a pesca pode lhe trazer. Em contrapartida, a comunidade local se vê
como refém da cidade, mas, assim como no filme egípcio, acaba se sujeitando a
lógica da cidade visando sua subsistência.
Com o objetivo de tirar a população de uma posição passiva, o
protagonista corta a rede com uma navalha, que, assim como o protagonista de
Al-Mummia, coloca seus valores morais a frente das condições de sobrevivência
de seu povo.

4. Conclusão: O Drama Periférico


Em ambos os filmes o drama se expressa em um dilema que não pode ser
respondido de outra forma a não ser daquela capaz de gerar arrependimento.
Enquanto em Barravento o conflito se dá pela oposição da sobrevivência na vida
cotidiana contra a revolta à exploração do trabalho do negro, em Al-Mummia o
conflito aparece de quatro dilemas, em que entende-se ser o mais importante
aquele que contrapõe a subsistência cotidiana ao conjunto de valores morais
implicados na administração das antiguidades.

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