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e.p. thompSon e A experiênciA dA Um dos maiores méritos e da extrema atualidade dos trabalhos de Thompson
está justamente em recuperar a centralidade do processo de luta de classes na hist ria,
clASSe trAbAlhAdorA1 permitindo abordagens de aspectos m ltiplos da realidade social e da vida dos traba-
lhadores.4 Para ele, a classe é um processo eminentemente hist rico, os homens s o
agentes conscientes desse mesmo processo e a experiência é um conceito essencial
para compreendê-lo. Os homens est o, de fato, submetidos a determinadas condições
FaBiane popiniGis2 de existência. Entretanto, a formaç o da classe n o está atrelada apenas às relações de
produç o, mas à maneira como as pessoas experienciam a exploraç o.

A agência histórica dos trabalhadores:


crítica ao estruturalismo marxista

The Making of the English working class, - a mais conhecida obra de Thomp-
son, foi originalmente editada na Inglaterra, em 1963. Apenas 24 anos depois, em
1987, foi tradu ido para o português, sob o t tulo de A Formação da Classe Operária
introdução Inglesa, em três volumes: “A árvore da liberdade”, “A maldiç o de Ad o” e “A força
dos trabalhadores”.5 No Brasil, a obra foi extremamente in uente, em grande medida
devido à inspiraç o que forneceu para intelectuais interessados em aprofundar suas
Além de ser o “historiador do século XX mais citado em todo o mundo”,
análises sobre os trabalhadores, por quem os conceitos thompsonianos foram apro-
como a rmou Eric Hobsbawm3, E.P. Thompson é, sem d vida, uma das referências
priados de diversas formas. Ainda que este e outros trabalhos do autor já circulassem
fundamentais para a re ex o contempor nea sobre o conceito de classe. Com uma
nos programas de p s-graduaç o, a traduç o da obra marcou sua inserç o de nitiva
produç o vasta e marcante, o autor inglês ajudou rede nir tal conceito, incorporando
no debate historiográ co nacional, no qual se tornou referência obrigat ria.6 Num
a ele as din micas pr prias da Hist ria. Em grande parte, tal novidade se liga à sua
primeiro momento, no clima geral de transiç o para a democracia, o livro foi lido
tentativa de entender classe e consciência de classe em termos relacionais, ancorados
com especial interesse em torno da ideia de experiência e de autonomia por parte dos
na noç o de experiência.
estudiosos inspirados pelas greves de 1978.7
O objetivo deste texto n o é dar conta de toda a produç o de Thompson e
No contexto em que foi escrito, no entanto, A Formação da classe operária
de seus cr ticos a respeito do tema proposto, nem tampouco fa er uma abordagem
inglesa era tanto uma cr tica às análises estruturalistas e engessadas de autores mar-
exaustiva, mas destacar como o conceito de classe foi empregado em algumas de
xistas bastante in uentes no per odo, quanto aos pressupostos stalinistas de sobre-
suas obras. Seguindo os ensinamentos do pr prio autor, que se afasta de de nições
posiç o dos fatores econômicos aos culturais, e provocou intensa polêmica entre os
abstratas apartadas dos processos sociais que analisa, buscaremos discutir como os
intelectuais marxistas, dentro do PCGB e fora dele.8 Cabe lembrar que Thompson
conceitos de classes sociais, luta de classes e consciência de classe se mostram cen-
trais em sua produç o.
4. WOOD, Ellen Meiksins e FOSTER, John Bellamy (orgs.); Em defesa da história – marxismo e pós-
-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
5. THOMPSON, Edward P.; A Formação da Classe Operária Inglesa, Vol. I, “A árvore da liberdade”,
1. Agradeço a Leonardo Pereira e Cristiana Schettini pelas leituras cr ticas e sugestões a versões ante- vol. II, A maldiç o de Ad o e vol. III A força dos trabalhadores. Rio de Janeiro: Pa e Terra, 1987
riores deste artigo. 6. Principalmente o THOMPSON, E.P.; Tradición, revuelta y conciencia de clase – estudios sobre la
2. Professora adjunta do Departamento de Hist ria e Relações Internacionais e do PPGH da UFRRJ crisis de ‘la sociedade preindustrial , Ed. Cr tica: Barcelona, 1979.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 7. FORTES, Alexandre e NEGRO, Antônio Luigi; “Historiogra a, trabalho e cidadania no Brasil” em
3. “Nos anos 80, Thomspon era, de acordo com Arts and humanities citation index, o historiador do FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.) O Brasil Republicano – o tempo
século XX mais recorrentemente citado em todo o mundo e um dos 250 autores mais frequente- do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro:
mente citados de todos os tempos.” HOBSBAWM, E., “E.P.Thompson”, em E.P.Thompson, Pecu- Civili aç o Brasileira, 2003.
liaridades dos Ingleses e outros artigos; organi adores NEGRO, Antônio Luigi e SILVA, Sérgio; 8. Como explica Dorothy Thompson, esta n o foi uma especi cidade inglesa, e outros intelectuais
Campinas, Ed. Da UNICAMP, 2001, p.16. “travavam essa teori aç o a-hist rica da hist ria”, como Pierre Bourdieu na França e Herbert Gut-
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deixara o partido logo ap s o relat rio Kruschev e a invas o da Hungria pela URSS, à vida dos homens e das mulheres que dele tomaram parte, Thompson tra ia mais
em 1956.9 um elemento essencial que permeia toda sua obra: alçara os trabalhadores à condiç o
Seu interesse por escritores radicais do romantismo inglês esteve presente de sujeitos de sua pr pria hist ria. Haviam a nal sido agentes, que fa iam escolhas
desde essa época, com a publicaç o do seu primeiro trabalho importante, William conscientes, baseadas em sua pr pria experiência, e Thompson estava interessado
Morris Romantic to revolutionary, em 1956 obra que produ iu quando fa ia parte em fa er “ouvir” suas vo es. Da sua interlocuç o constante - e cr tica - com a pers-
do grupo de historiadores do PCGB -, até o ltimo, Witness agains the Beast, sobre pectiva economicista que tratava a classe trabalhadora como um dos subprodutos dos
William Blake.10 O engajamento em relaç o à tradiç o dissidente - que estava ligado processos técnicos e impessoais da revoluç o industrial.
à resistência critica desses escritores rom nticos ao capitalismo - preparava o terreno Finalmente, completando a noç o processual da formaç o da classe trabalha-
para o “humanismo socialista” de Thompson e sua intenç o de integrar uma “nova dora, esta também é, para Thompson, relacional. Assim, forjada no processo e na
esquerda”, com a publicaç o do The Reasoner e depois o New Reasoner: “Ao ini- relaç o, ela n o pode ser analisada isoladamente: “A classe acontece quando alguns
ciarmos a publicaç o, na forma impressa em 1956, o movimento comunista estava à homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e
beira da desgraça intelectual e do colapso moral... procuramos reabilitar as correntes articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos inte-
racionais, humanistas e libertárias dentro da tradiç o comunista, com a qual homens resses diferem (e geralmente se opõe) dos seus.”14
de coragem e honra... têm-se identi cado.”11 A pr pria experiência de Thompson no Se o prefácio aponta os caminhos trilhados por sua análise, é ao longo da obra
per odo de produç o de A Formação... foi como dissidente do Partido, e como pro- que a complexidade de sua compreens o do conceito de classe se expressa de ma-
fessor comprometido com a educaç o de adultos, em grande parte trabalhadores com neira mais evidente. O volume I se inicia com a formaç o da Sociedade Londrina de
quem também aprendia, como fa ia quest o de a rmar.12 Correspondência (London Corresponding Society), no ano de 1792. Eram artes os,
Por mais que n o se entregue a simpli cações e teori ações fáceis, no prefácio lojistas e art ces mec nicos que queriam uma Reforma Parlamentar, mas também
do livro o autor indica, em poucos parágrafos, algumas das diretri es te ricas de sua reclamavam mudanças econômicas. O que havia de singular na LCS era o princ pio
abordagem em trechos exaustivamente citados em trabalhos acadêmicos ulteriores. democrático da chamada para a organi aç o de adeptos de forma indistinta, “ilimi-
O t tulo da obra, descrito como “desajeitado” pelo pr prio autor, dava ao leitor uma tada”, n o a partir dos direitos de propriedade ou das corporações de of cio: “Abrir
primeira indicaç o sobre seu argumento, pois tra ia em si a noç o de processo, fun- as portas à propaganda e à agitaç o, dessa forma ‘ilimitada , implicava uma nova
damental para a pr pria compreens o do fazer-se da classe.13 Ao defender a ideia de noç o de democracia, que punha de lado as velhas inibições e con ava nos processos
que a classe tanto se fa ia quanto era feita, n o se tratando de um fenômeno exterior de auto ativaç o e auto-organi aç o da gente simples.”15 Tal iniciativa da LCS dava-
-se em um per odo que Thompson caracteri aria, em trabalhos posteriores, como de
decadência das práticas paternalistas da Coroa e da gentry em relaç o aos pobres e
man nos Estados Unidos. Cf. THOMPSON, Dorothy; “Fa endo movimentos sociais” em Cadernos
AEL, Vol. 11, No 20/21 (2004).
à multid o, e da resistência dos trabalhadores aos efeitos da Revoluç o Industrial.16
9. Entre outros Dorothy Thompson e John Saville e mais tarde Christopher Hill também deixaram No volume II, de A Formação..., cujo subt tulo é “A maldiç o de Ad o”, o
o partido nesse momento, mas grande parte do grupo deixaria o PCGB nos anos seguintes, ap s autor descreve com detalhes as condições de trabalho e habitaç o, o la er e a vivência
tentarem ações reformistas dentro do partido, que continuava a “endossar acriticamente cada aç o
cotidiana dos trabalhadores durante a revoluç o industrial, ou seja, a experiência de
da Uni o Soviética”. A respeito do impacto da guerra sobre o grupo de historiadores marxistas e a
dissidência do Partido Comunista na Inglaterra THOMPSON, Dorothy, op.cit. p.252. A esse respeito transformações sofridas naquele per odo, que levava várias categorias de trabalhado-
conferir também FORTES, A. ET AL; “As Peculiaridades de E.P.Thompson”; em As peculiaridades res a identi carem semelhanças entre si e oposições em relaç o aos patrões a partir da
dos ingleses e outros artigos, op,cit. exploraç o e da repress o. Nesse momento, eles tanto olham para trás, lamentando a
10. PEREIRA, Leonardo de Affonso Miranda; Resenha de Os românticos: a Inglaterra na era revolu-
cionária, de Edward Palmer Thompson. Cadernos AEL, v.11, n.20/21, 2004. perda da independência do status de artes o e das tradições de economia moral, quan-
11. PALMER, Bryan; Edward Palmer Thompson – Objeções e oposições. Rio de Janeiro: Pa e Terra, to se ancoram nelas para construir novas formas de luta e organi aç o. A formaç o
1996, p. 93. da classe se dá porque “o povo foi submetido à exploraç o econômica e à opress o
12. Idem, p.81-82.
13. Nesse sentido, o autor travou acirrado combate com o que considerava abstrações te ricas estru-
turalistas do l sofo francês Louis Althusser, que in uenciou toda uma geraç o de historiadores e
cientistas sociais, sobretudo em meados da década de sessenta e setenta. Um dos principais proble- 14. THOMPSON, A formação…, vol.I: p.10.
mas nas análises de Altusser apontado por Thompson, era sua vis o extremamente a-hist rica do 15. Idem, p.20.
processo hist rico. THOMPSON, E.P.; A Miséria da Teoria ou um planetário de erros; Zahar, Rio 16. THOMPSON, E.P.; “A economia moral da multid o” em Costumes em Comum estudos sobre a
de Janeiro: 1981. cultura popular tradicional. S o Paulo, Companhia das Letras, 1998.
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pol tica”17, o que contribuiu para “a transparência do processo de exploraç o e para a E é justamente dessa experiência que surge “a express o cultural e pol tica
coes o social e cultural do explorado.”18 No entanto, a agitaç o pol tica que se segue da consciência da classe operária”.24 A perda de seu modo de vida antigo e o longo
à intensi caç o da exploraç o do trabalho e às inovações tecnol gicas que substi- aprendi ado pol tico levaram à transformaç o de suas formas de luta. Assim, na dé-
tuem ou deslocam os trabalhadores n o podem ser vistas como uma relaç o causal cada de 1830 a classe estava formada, pois desenvolvera solidariedades mais amplas,
direta: “O fa er-se da classe operaria é um fato tanto da hist ria pol tica e cultural estava consciente de seus interesses em oposiç o aos interesses de outras classes e
quanto da econômica. Ela n o foi gerada espontaneamente pelo sistema fabril”19. tinha instituições para expressá-los e porta-vo es para representá-los.
É por isso que “A explicaç o para o descontentamento ‘deve ser procurada fora da Tal posicionamento revela o lugar do autor em relaç o a debates centrais do
esfera das condições estritamente econômicas ”.20 marxismo: para ele, o processo ativado pela Revoluç o Industrial é fundamental nas
Ent o, o que seria, para Thompson, o substrato a alimentar essa rica cultu- transformações econômicas e da cultura e instituições dos trabalhadores, bem como
ra pol tica dos trabalhadores que emerge com força no per odo considerado por ele de seu modo de atuaç o pol tica. No entanto, n o é este processo o responsável direto
como o de formaç o da classe? A tradiç o do inglês livre de nascimento, que tivera pela tomada de consciência da classe, bem como n o é necessária plena industriali-
origem no sentimento constitucionalista das lutas e reivindicações durante a Revolu- aç o e a cultura t pica de uma maioria de operários fabris, materiali ada em greves,
ç o Inglesa embora “derrotados”, levellers, diggers e os debates de Putney haviam sindicatos e partidos pol ticos para expressar a presença da classe e a constataç o de
deixado suas marcas - ancoradas na rica tradiç o de ideias antinômicas de dissidentes que efetivamente estaria formada25: os operários, longe de serem os “ lhos primo-
religiosos na Inglaterra.21 gênitos da revoluç o industrial , tiveram nascimento tardio. Muitas das suas ideias e
Discutindo com os “otimistas” a respeito dos efeitos da Revoluç o Industrial formas de organi aç o foram antecipadas por trabalhadores domésticos...”26.
sobre o conjunto da classe trabalhadora, Thompson põe-se ao lado daqueles que con- Para Thompson, como mostram os três volumes de A Formação..., essa ex-
sideram sua nature a catastr ca, como os pr prios sujeitos que a vivenciaram. Sem periência compartilhada de exploraç o econômica e opress o pol tica abrange todos
desconsiderar os dados estat sticos, expressa, entretanto, suas divergências em rela- os aspectos da vida dos trabalhadores: a religi o, o la er, a vida cotidiana, a atuaç o
ç o a empiristas que, analisando seus resultados isoladamente, afastam a possibilida- pol tica. N o é apenas a experiência da luta pol tica em sua forma mais instituciona-
de de descriç o de um quadro geral e perdem a “dimens o do trabalho humano” e o li ada (partidos, greves) que fornece materiais para a compreens o desse processo.
“contexto das relações de classe” 22: A nal, é do “pré-pol tico”, ou da grande maioria desarticulada, que surgem aqueles
que os representar o.27 Por isso sua famosa a rmaç o de que estaria tentando “...
“Durante o per odo de 1790-1840, houve uma ligeira melho- resgatar o pobre tecel o de malhas, o meeiro luddita, o tecel o do ‘obsoleto tear
ria nos padrões materiais médios. No mesmo per odo, obser- manual, o artes o ‘ut pico` e mesmo o iludido seguidor de Joanna Southcott, dos
vou-se a intensi caç o da exploraç o, a maior insegurança e imensos ares superiores de condescendência da posteridade.” Seus atos n o devem
aumento da miséria humana. Por volta de 1840, a maioria da ser “julgados” a partir da lu da evoluç o posterior da hist ria, pois “suas aspirações
populaç o vivia em melhores condições que seus antepassa- eram válidas nos termos de sua pr pria experiência”.28
dos cinquenta anos antes, mas eles haviam sentido e conti-
nuavam a sentir essa ligeira melhoria como uma experiência
catastr ca.”23 24. Idem, Ibidem.
25. Para Hobsbawm em “O fa er-se da classe operária, 1870-1914”. Cf. HOBSBAWM, Eric, Mundos
do Trabalho, Pa e Terra, 1987, a classe operaria “madura” e “tradicional” n o esta formada antes
da década de 1880. Essa cultura robusta da qual nos fala Thompson, foi partilhada por dissidentes
radicais e artes os autodidatas, que procuravam preservar seus valores e costumes lutando contra a
imposiç o da ideologia do livre mercado e da nova pauta capitalista. Mais tarde, durante e apos o
17. THOMPSON, A formação..., vol.II: p.23. processo de proletari aç o imposto pela Revoluç o Industrial, os trabalhadores transformaram sua
18. Idem, p.22. experiência em ferramentas de luta dentro do pr prio capitalismo. Para uma análise sobre o per odo
19. Idem, p.17. da formaç o da classe operaria inglesa ver NEGRO, Antônio Luigi, “Imperfeita ou refeita? O debate
20. Idem, p.34. sobre o fa er-se da classe trabalhadora inglesa” em Revista Brasileira de História, vol.16, n,31-32 ,
21. HILL, Christopher; The World Turned Upside Down: Radical Ideas During the English Revolution. 1996.
Harmondsworth: Penguin Books, 1975. 26. Thompson, 1987, vol.II: p.16.
22. Thompson, A formação…, vol.II, op.cit, p.30. 27. NEGRO, “Imperfeita ou refeita”, op.cit.
23. Idem, p.38 28. THOMPSON, A formação…, op,cit., p.13.
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Nesse sentido, Peculiaridades dos ingleses, publicado originalmente em 1965 individualmente ou em grupo, a experiência vivida, que é a mediadora entre o ser
no Socialist Register, e em 2001 no Brasil29, é uma resposta bastante irritada aos social e a consciência social.
artigos de Perry Anderson e Tom Nairn na New Left Review. Anderson havia assu- A cr tica de Thompson às perspectivas estruturalistas e economicistas vigentes
mido o cargo de editor da revista em 1963, seguido por Nairn, levando-a para uma no momento da escritura de A Formação e reelaboradas nos debates com seus con-
orientaç o muito distante da que o grupo de Thompson havia imprimido. Na análise tendentes, como Anderson e Althusser, se expressa de forma particularmente ferina
sobre as ra ões do fracasso da revoluç o na Inglaterra os autores criticavam a origem em relaç o à metáfora base/superestrutura.35 Um modelo de sociedade “que para ns
“prematura” da classe trabalhadora: “na Inglaterra, uma burguesia apática produ iu anal ticos, pode ser encarado como hori ontalmente estruturado segundo uma base e
um proletariado subordinado”.30 Anderson e Nairn, impondo um modelo de aç o re- uma superestrutura” identi caria sua base com os fatores econômicos, determinantes
volucionária à classe operária inglesa, terminavam por condená-la pela derrota em e preponderantes sobre normas, culturas e sistemas de valores.36 Para Thompson, a
levá-lo a cabo. Para Thompson, o modelo que orientava aqueles autores em sua aná- metáfora revelava uma leitura restrita por parte dos te ricos marxistas, que o autor
lise era o da Revoluç o Francesa, que institu ra um tipo ideal de revoluç o, “contra desa ou em sua proposta de ler a Marx numa perspectiva hist rica:
o qual todas as outras devem ser julgadas”.31 Argumentava que quando n o há lugar
para a hist ria no modelo “é o modelo que deve ser abandonado, ou re nado”.32 Pe- “em todas as formas de sociedade, é uma determinada produ-
culiaridades dos Ingleses compunha a ediç o original de A Miséria da Teoria, que ç o e suas relações que atribuem posiç o e in uência a qual-
seria publicado em português em 1978 como parte da, era uma cr tica contundente ao quer outra produç o e suas relações. É uma iluminaç o geral,
l sofo francês Louis Althusser, bastante in uente nos c rculos marxistas na década em que s o imersas todas as cores e que modi ca suas tona-
de 1970.33 lidades particulares. É um éter especial a de nir a gravidade
Criticando as análises puramente te ricas ou leituras teleol gicas da hist ria, especi ca de tudo o que dele se destaca.”37
Thompson defendia a necessidade de compreender as ações e escolhas dos traba-
lhadores, pautados pela sua pr pria experiência, diante das condições que lhes eram Sendo assim, e considerando a centralidade do conceito de modo de produ-
impostas e das alternativas que tinham. O conceito de experiência, portanto, é central ç o para a teoria marxista e todas as formas de dominaç o que engendra, a abran-
no debate de Thompson com o determinismo econômico das correntes estruturalistas gência de seus efeitos é muito mais ampla do que o restrito signi cado dado ent o
do marxismo e fundamental para compreender como o autor entende a consciência de ao “econômico”, que numa abordagem reducionista é tratado como predominante e
classe.34 Embora as relações de produç o de nam o meio em que as pessoas vivem, prioritário em relaç o aos aspectos culturais, sistemas simb licos e normas e valo-
n o determinam automaticamente sua consciência, e sim a maneira como signi cam, res. Rechaçando a utili aç o determinista do conceito de luta de classes, Thompson
expõe seu conceito de classe social, apoiando-se nos escritos hist ricos de Marx: O
29. FORTES, A. ET AL; As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, op,cit.
Dezoito de Brumário38, As Lutas de classes na França39 e A Ideologia Alemã. obras
30. ANDERSON, Perry Origins of the present crisis, apud, THOMPSON, Peculiaridades dos ingleses, nas quais Marx opera com tal conceito de forma din mica, com a uide de análise
op.cit. p.78. do processo hist rico.
31. THOMPSON, Peculiaridades dos ingleses, op.cit., p.99.
Atrelando-os e condicionando-os à base material e causal das determinações
32. Idem, p.31.
33. The Povery of Theory, originalmente publicado em 1978. Cf. THOMPSON, E.P., Miséria da Teoria estruturais do processo hist rico, n o redu as possibilidades de aç o humana dentro
ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
34. Para citar algumas cr ticas direcionadas ao conceito de experiência: a partir de um expoente do
Marxismo mais ortodoxo, o inglês Perry Anderson, constante interlocutor de Thompson, que o acusa
de idealismo e voluntarismo; ANDERSON, Perry. Teoria, Politica e Historia: un debate con E.P.
Thompson. Madri: Siglo XXI, 1985. p.12; Simona Cerruti analisa os limites de uso do conceito a 35. WOOD, Ellen Meiksins; “Falling Through the Cracks: EP Thompson and the Debate on Base and
partir de uma perspectiva micro-hist rica em seu texto “Processo e experiência: indiv duos, grupos Structure,” in KAYE, Harvey;. McCLELLAND, Keith (Ed.). E. P. Thompson: Critical perspectives.
e identidades em Turim no século XVII” em REVEL, Jaques (org.); Jogos de Escala: a experiência Philadelphia: Temple University Press,1990.
da microanálise. Traduç o Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora Fundaç o Get lio Vargas, 1998. 36. THOMPSON, E.P.; “Folclore e Antropologia” em Peculiaridades dos ingleses, op.cit., p.253.
W. Sewell sugere uma complexi caç o da análise a partir das bases lançadas por Thompson, acres- 37. MARX, K.; Grundrisse, apud THOMPSON, E.P; “Folclore e Antropologia” em Peculiaridades dos
centando-se a análise do discurso. Cf. SEWELL JR., William H. “How classes are made: critical ingleses, op.cit., p.254.
re ections on E. P. Thompson s Theory of Working-class formation”, in: KAYE, Harvey J. e Mc- 38. MARX, K.; O 18 Brumário e Cartas a Krugelmann; 6ªed. Pa e Terra, Rio de Janei-
CLELLAND, Keith (orgs.). E. P. Thompson critical perspectives. Philadelphia: Temple University ro: 1997.
Press, 1990. 39. MARX, K.; As lutas de classes na França (1848-1850); Global, S o Paulo: 1986.
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deste mesmo processo pois “...as circunst ncias fa em os homens assim como os grupos de trabalhadores para de nir se eles eram su ciente-
homens fa em as circunst ncias.”40 Segundo Thompson: mente combativos, se tinham maturidade pol tica, consciência
da sua pr pria posiç o de classe e interesses leg timos. A idéia
“Classe, na tradiç o marxista (é ou deve ser) uma categoria de que pudesse existir uma “falsa consciência” foi duramente
hist rica descritiva de pessoas numa relaç o no decurso do criticada pelo historiador. A nal, “uma classe n o pode existir
tempo e das maneiras pelas quais se tornam conscientes de sem um tipo qualquer de consciência de si mesma.”43
suas relações, como se separam, unem, entram em con ito,
formam instituições e formam valores de modo classista. Sua posiçao sobre a ‘‘falsa consciencia o levou a desenvolver duras cr ticas
Nesse sentido, classe é uma formaç o t o ‘econômica quanto às práticas de muitos estudiosos que se deixavam guiar por modelos normativos, im-
‘cultural ; é imposs vel favorecer um aspecto em detrimento pl citos ou expl citos. É o que fa no texto ‘‘Algumas observações sobre classe e falsa
do outro, atribuindo-se uma prioridade te rica.”41 consciência , originalmente publicado em 1977, ao atacar os modelos r gidos, os
determinismos econômicos e as análises a-hist ricas do processo hist rico, argumen-
É exatamente da cr tica avassaladora aos determinismos econômicos e mo- tando que muita atenç o se dava à classe, em detrimento da luta de classes: ‘‘Talve
delos conceituais a-hist ricos que surge o espaço para a compreens o da agência diga isso porque a luta de classes é evidentemente um conceito hist rico, pois implica
hist rica dos dominados e, portanto, um dos principais legados de Thompson para um processo, e, portanto, seja o l sofo, o soci logo ou o criador de teorias, todos
os estudiosos da classe trabalhadora: foi libertando os sujeitos hist ricos os tra- tem di culdade em utili á-lo 44 Entretanto, é na luta comum contra interesses anta-
balhadores - das amarras de análises te ricas mais preocupadas com a estruturaç o gônicos que se formam as classes, porque as pessoas começam a identi car-se em
de modelos explicativos do que com a experiência das pessoas comuns, que o autor oposiç o a outros grupos, e começam a se perceber como classe: “Classe e consciên-
inglês pode dar vo àqueles mesmos sujeitos. cia de classe s o sempre o ltimo e n o o primeiro degrau de um processo hist rico
Assim, sendo a formaç o da classe um processo hist rico e relacional, os tra- real.”45 Portanto n o há sentido em atribuir o termo “classe” a um grupo privado de
balhadores deixam de ser v timas passivas do laissez-faire ou manipulados por repre- consciência ou de cultura de classe, já que qualquer grupo que antagoni e com outros
sentantes de outras classes sociais, e passam a ser analisados sob o viés da dialética grupos em torno de seus interesses possui algum tipo de consciência correspondente,
do materialismo hist rico, dando complexidade às relações de poder: “A estrutura, ainda que n o seja a consciência atribu da a uma classe operária ou ao proletariado
em qualquer relaç o entre ricos e pobres, sempre corre em m o dupla, e essa mes- maduro.
ma relaç o, quando girada e vista em perspectiva inversa, pode expôr uma heur stica Por isso Thompson rejeita violentamente a noç o de “falsa consciência”, que
alternativa.”42 Esse processo s pode ser observado de forma diacrônica. pressupõe um tipo de consciência mais pertinente do que outros. Para ele, o conceito
de “falsa consciência” é uma a rmaç o destitu da de signi cado e uma “constru-
Classe, consciência e luta de classe ç o te rica absurda” de intelectuais prepotentes, é a “falsa consciência da burguesia
intelectual”46, a nal: “Uma classe n o pode existir sem um tipo qualquer de cons-
A ideia de “luta de classes sem classes” desenvolvida pelo au- ciência de si mesma” e, portanto, se n o há consciência, n o há classe, pois n o há
tor, segundo a qual o antagonismo e a luta a precedem e cons- “espécie alguma de identidade hist rica”.47 Portanto, a ideia de que exista um tipo de
tituem a pr pria classe, possibilitou o uso dessa ferramenta consciência de classe que n o se adeque ou n o responda de acordo com as condições
de análise para per odos anteriores ao da industriali aç o e objetivas que se lhe impõe ou ao que deveria ser a partir de determinados modelos
formaç o da classe operária, o que ele mesmo fe como te ricos é “historicamente sem sentido”.48
veremos adiante - em alguns de seus estudos posteriores à
Formação... Tal abordagem alia-se à cr tica ao falso problema
de medir o n vel de “consciência de classe” de determinados
43. THOMPSON, E.P.; Idem, p.279.
44. THOMPSON, “Algumas observações...” em Peculiaridades dos Ingleses, p.274.
40. MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alem . I- Feurbach . 2ª ed. Trad. José Carlos Bruni e Marco 45. Idem, ibidem, p.274
Aurélio Nogueira. S o Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979. 46. Idem, Ibidem, p.271.
41. THOMPSON, E.P., “Folclore e antropologia”, Peculiaridades dos Ingleses, op.cit.P.260. 47. Idem, Ibidem, p.279.
42. THOMPSON, E.P; “Folclore antropologia” em Peculiaridades dos ingleses,op.cit. P.246. 48. Idem, ibidem, Pp. 279.
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Finalmente, a ideia de falsa consciência nos di mais sobre os “modelos te - plebe em oposiç o à gentry no século XVIII, que se manifesta claramente no per odo
ricos absurdos” dos marxistas do que sobre uma realidade hist rica espec ca, que por ele abordado em A Formação... É aqui também que o autor contesta a ideia de
s existe em relaç o a um modelo normativo impl cito, contra o qual as realidades que as lealdades fraternais das corporações de of cio inibiam a possibilidade de de-
hist ricas s o julgadas. Contra isso, Thompson propõe entender a classe em seus senvolvimento de uma consciência de classe hori ontal. Como consumidores, os su-
pr prios termos, ou seja, de acordo com as estratégias e possibilidades que os agentes bordinados tinham objetivos comuns entre si e contrários aos dos seus antagonistas.
hist ricos consideravam ter em diversos momentos. É neste sentido que ele rati ca Assim, embora n o existisse a classe como viria a ser posteriormente, por ser
que a classe “n o pode ser verdadeira nem falsa. É simplesmente o que é”.49 uma categoria espec ca que se refere a relações sociais e a identidades surgidas no
O conceito de luta de classes sem classes e a reapropriaç o do conceito de século XX,55 Thompson utili a o conceito de classe de forma heur stica, para analisar
paternalismo por Thompson forneceram novos elementos para superar essas contra- antagonismos surgidos em formações sociais anteriores. O que n o signi ca a rmar
dições. O argumento foi inicialmente desenvolvido em “Eighteenth-century English que aquela era a inf ncia da classe, como se houvesse uma linha evolutiva em que
society: class struggle without class?”, Social History, III, no.2, maio-197850. Seguin- determinadas caracter sticas ideais hierarqui adas que faltassem ali, fossem ser ne-
do a linha de racioc nio de que n o existe classe sem consciência de classe, o autor cessariamente encontradas mais adiante, no seu momento de “maturidade”. Por isso
argumenta que a luta de classes antecede a pr pria formaç o da classe no sentido Thompson problemati a termos como “pré-industrial”, “tradicional”, “moderni a-
marxista tradicional, de uma classe operária madura e politicamente organi ada em ç o” e “paternalismo”, que pressupõe uma hist ria de nida, um caminho nico.
torno da luta pelos seus interesses através de instituições como o partido e o sindicato. O termo paternalismo, entretanto, mereceu exame cuidadoso, pois é central
Mas é na colet nea Costumes em Comum, reunindo artigos escritos nas déca- para a compreens o das relações entre proprietários e subalternos no século XVIII.
das de 1960 e 197051, que o autor desenvolve com precis o tais a rmativas, ressig- A sociedade inglesa setecentista era ent o palco de transformaç o da vida material
ni cando assim o termo paternalismo. No primeiro cap tulo da colet nea, intitulado de homens e mulheres, que resistiam ao assalariamento, à imposiç o das doutrinas
“Patr cios e Plebeus”, Thompson retorna ao século XVIII para mostrar que, longe de do laissez-faire, à destruiç o progressiva do seu modo de vida e à espoliaç o de seus
ser uma “sociedade de uma s classe”52, o distanciamento entre as culturas plebéias direitos consuetudinários. Era o in cio de disputas e de um longo aprendi ado de
e da gentry criavam uma ssura no interior da hegemonia exercida por essa mesma novas formas em relaç o aos acordos paternalistas que cada ve mais se esgarçavam.
gentry. Aqui a ideia de teatrali aç o é essencial para a compreens o do funcionamen- Em Senhores e Caçadores, originalmente publicado em 1975, e pensado para
to dessa sociedade, na qual a aparente homogeneidade e aceitaç o daquele sistema uma colet nea de hist ria social sobre o crime no século XVIII56, E.P.Thompson
eram permeadas por constante tens o.53 Através das ações teatrais, nas quais os go- esclarece as relações paternalistas como terreno de con ito social. Se por um lado os
vernantes e a gentry deviam demonstrar proteç o e atenç o em relaç o às necessida- magistrados regulavam a vida legal dos pobres com leis que protegiam os interesses
des da plebe, enquanto esta retribu a com a deferência e a humildade que lhe eram da Coroa e da gentry, por outro lado a lei tinha que ter a aparência de justa e igual
devidas, eles “vigiavam-se mutuamente, representavam o teatro e o contra teatro um para todos. Era exatamente este ponto que impedia atitudes mais arbitrárias e repres-
no audit rio do outro, moderavam o comportamento pol tico m tuo.”54 sões absolutas. A repress o tinha que ser mediada e essa mediaç o criava o terreno
A maneira como Thompson utili a “hegemonia” nada tem a ver com consen- de combate dos pobres e camponeses da Floresta de Waltham no per odo dos cerca-
so, ou com uma cultura homogênea e incontestada, mas com como a luta de classes mentos. A lei realmente importava, e era diante dela, em suas brechas, que os pobres
acontece sub-repticiamente, em per odos de aparente tranquilidade. O autor busca o arrancavam seus ganhos. O dom nio da lei é um “bem incondicional”, portanto, e n o
processo pelo qual se constr i, nesse nterim, uma s lida cultura compartilhada pela apenas um mecanismo de dominaç o utili ado pelas classes dominantes.57
Assim o paternalismo, longe de ser descrito como um sistema de dominaç o
49. Idem, Ibidem, p.280. coeso e inexpugnável que permite aos dominantes submeterem os dominados ao seu
50. Que circulou na forma de um dos artigos da colet nea: THOMPSON, E.P.; Tradición, revuelta y incontestável poder, é um campo de disputas, com correlaç o de forças desiguais,
conciencia de clase – estudios sobre la crisis de ‘la sociedade preindustrial , Cr tica: Barcelona,
1979.
51. THOMPSON, E.P.; Costumes em Comum – estudos sobre a cultura popular tradicional. S o Paulo, 55. FORTES, Alexandre. “Mir ades por toda a eternidade: a atualidade de E. P. Thompson”. Tempo
Companhia das Letras, 1998. Social, Vol. 16, No. 1, S o Paulo, Junho de 2006, p.16.
52. Idem, p.56. 56. HAY, D.; LINEBAUGH, P., RULE, John G.; E. P. Thompson, Cal Winslow; Albion’s Fatal Tree-
53. Isso foi desenvolvido e instrumentali ado para análises de outros contextos por SCOTT, James; Do- crime and society in the XVIII eighteenth-century England. London: A. Lane, 1975.
mination and the Arts of Resistance: Hidden Transcripts. New Haven: Yale University Press, 1990. 57. THOMPSON, E.P.; Senhores e Caçadores: a origem da Lei Negra. Rio de Janeiro: Pa e Terra,
54. THOMPSON, E.P; Costumes em Comum, op.cit., p.57. 1987.
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evidentemente. Se n o há revolta aberta, existe um permanente estado de tens o em consciência de classe e luta de classes, estimulando s lidas pesquisas emp ricas que
que est o presos os oponentes, estabelecendo limites para ambos os lados. passaram a levar em conta outros aspectos da vida dos trabalhadores para além de
Num de seus textos mais célebres, “A economia moral da multid o inglesa no suas dimensões puramente econômicas: por um lado, as lutas por direitos de traba-
século XVIII”, originalmente publicado em 1971, Thompson mostrou que os grupos lhadores no per odo republicano e, por outro, os estudos sobre a fam lia escrava e as
insurgentes nos motins pelo p o n o eram seres irracionais agindo em movimentos lutas dos escravos pela liberdade.61 A noç o thompsoniana de agência dos sujeitos no
espasm dicos simplesmente ditados pela fome, mas grupos que partilhavam objeti- processo hist rico inspirou muitos historiadores a agregarem categorias que até ent o
vos, valores culturais e uma consciência comum, podendo demonstrar solidariedade haviam sido relegadas a um segundo plano nas investigações acadêmicas, e ampliou
hori ontal, para além das identidades de of cio. Certamente n o se poderia exigir o interesse por diversas esferas da vida desses homens e mulheres.
deles uma “impecável consciência de classe”, mas a multid o n o deixava de agir Finalmente, as in meras contribuições recentes e por ocasi o da efeméride
segundo sua pr pria l gica: dos 50 anos da publicaç o do The Making... demonstram a vitalidade e atualidade
dos debates sobre sua obra.62 Sua maneira de fa er hist ria continua sendo um gran-
“É fácil caracteri ar esse comportamento como infantil. Sem de est mulo para os pesquisadores que procuram compreender a complexidade das
d vida, se insistirmos em olhar para o século XVIII apenas relações sociais pela lente que permita considerar a racionalidade e as estratégias dos
pela lente do movimento operário do século XIX, s veremos atores envolvidos.
o imaturo, o pré-pol tico, a inf ncia da classe”58
Bibliogra a:
Assim, Thompson trabalha com a classe de forma din mica e dá conta do mo-
vimento pr prio da hist ria, a partir do ponto de vista dos trabalhadores que viveram ANDERSON, Perry. Teoria, Politica e Historia: un debate con E.P. Thompson. Madri: Siglo XXI,
1985.
aquele processo. Suas cr ticas ao determinismo econômico e aos modelos r gidos de
análise ao qual o objeto tinha que se ajustar alimentam, tanto quanto s o alimentadas, CHALHOUB, S. e FONTES, P.; “Hist ria social do trabalho, hist ria p blica”. Revista Perseu
hist ria, mem ria e pol tica (Dossiê Mundos do trabalho: Permanências e Rupturas). S o Paulo: Ed.
pela sua ênfase na pesquisa emp rica, evidenciada pelo seu conhecimento erudito
Fundaç o Perseu Abramo, 2007, pp.219-230.
sobre aquela sociedade inglesa do século XVIII, pela atenç o a aspectos culturais na
experiência da classe, pela aproximaç o com a antropologia e pela centralidade da DUARTE, Adriano Lui ; MÜLLER, Ricardo Gaspar (Orgs.). E. P. Thompson: paixão e política.
Chapec : Editora Argos, 2012, 362p.
literatura em sua obra.
No caso do Brasil, a partir da década de 1980, no contexto da abertura po- FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.) O Brasil Republicano – o tempo
do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro:
l tica e de emergência de uma diversidade de movimentos sociais a abordagem ra- Civili aç o Brasileira, 2003.
dicalmente hist rica desenvolvida na obra thompsoniana alimentou as cr ticas aos
FORTES, Alexandre e NEGRO, Antônio Luigi; “Historiogra a, trabalho e cidadania no Brasil” em
paradigmas sociol gicos de inspiraç o estruturalista predominantes nas décadas de
1960 e 1970.59 A preocupaç o de acadêmicos e militantes com essa conjuntura de FORTES, Alexandre. “Mir ades por toda a eternidade: a atualidade de E. P. Thompson”. Tempo
forte atuaç o dos trabalhadores, paralelamente ao crescimento dos programas de p s- Social, Vol. 16, No. 1, S o Paulo, Junho de 2006, p.16.
-graduaç o no pa s, deu um novo impulso para a hist ria do trabalho e da escravid o, HILL, Christopher; The World Turned Upside Down: Radical Ideas During the English Revolution.
que estariam cada ve mais ancoradas em pressupostos da hist ria social.60 Harmondsworth: Penguin Books, 1975.
O salto de qualidade dessa historiogra a deveu-se em parte à forma inspira- HOBSBAWM, Eric, Mundos do Trabalho, Pa e Terra, 1987.
dora como Thompson reformulou a forma de emprego de conceitos como classe, MARX, K.; Grundrisse, apud THOMPSON, E.P; “Folclore e Antropologia” em Peculiaridades
dos ingleses, op.cit., p.254.

58. THOMPSON, E.P.; Costumes em Comum, op.cit. p.63.


59. Para um diagn stico das de nições restritas da classe trabalhadora sistemati ado na década de 1980 61. GOMES, “Ângela de Castro; Quest o social e historiogra a no Brasil do p s-1980: notas para um
conferir: PAOLI, Maria Célia; SADER, Éder; TELLES, Vera da Silva; “Pensando a classe operária: debate” Revista Estudos Históricos, vol.2, n.34, 2004.
os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico”. Revista Brasileira de História, n 6, 1984. 62. Recentemente foram publicados importantes trabalhos sobre a obra de Thompson, sobretudo: MAT-
60. CHALHOUB, S. e FONTES, P.; “Hist ria social do trabalho, hist ria p blica”. Revista Perseu TOS, Marcelo Badar . E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico. Rio de Janeiro:
hist ria, mem ria e pol tica (Dossiê Mundos do trabalho: Permanências e Rupturas). S o Paulo: Ed. Editora UFRJ, 2012 e DUARTE, Adriano Lui ; MÜLLER, Ricardo Gaspar (Orgs.). E. P. Thomp-
Fundaç o Perseu Abramo, 2007, pp.219-230. son: paixão e política. Chapec : Editora Argos, 2012, 362p.
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