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Torna-se necessário, de facto, ter em conta um quadro complexo de causas ou conexões que
levaram a este cenário de renascimento: Desde logo, a restauração do Império do Ocidente, o
chamado Sacro Império Romano-Germânico, que aí encontrava o seu sistema jurídico. Sob a
égide da Igreja, operou-se, não só essa renovação política, mas também a aplicação do direito
das coletâneas justinianeias às matérias temporais. Com a morte de Carlos Magno, as relações
entre o Papado e o poder temporal agudizaram-se, originando uma querela que se prolongaria
no tempo, relacionada com a relação e a (in)dependência entre o poder espiritual e o poder
político, procurando os defensores do poder imperial soluções que robustecessem a sua posição
no DR justinianeu, quer face à Igreja, quer face aos reinos medievais. Acrescem ainda o
universalismo da fé cristã, o surgimento das Universidades e progresso cultural, o aumento da
população, o êxodo rural ou o surgimento de uma economia citadina, assente na moeda. Desde
o século XI fez-se sentir este intenso interesse, redescoberto, pelo estudo do direito justinianeu.
Na literatura jurídica do século XI, denotava-se, de igual forma, o reflexo do Corpus Iuris Civilis,
nomeadamente obras como Exceptiones legum romanorum Petri (obra-síntese de todas as que
a antecederam) ou Brachilogus Iuris Civilis (uma exposição de todo o direito segundo o modelo
das Institutiones justinianeias). Na península ibérica a receção do DR renascido atrasou-se
relativamente à generalidade da Europa. Só ao longo do século XIII o movimento romanístico
tendeu a difundir-se em todos eles. A história dos nossos primeiros reis mostra que eles tiveram
colaboradores a quem não eram estranhas as coletâneas justinianeias, acompanhadas dos
estudos correspondentes (Mestre Alberto, Mestre Julião, Mestre Vicente). Contudo, para que
se possa falar em efetiva receção do DR renascido, torna-se necessária a prova de que este tenha
entrado na prática dos tribunais e do tabelionato e isso só se sucedeu nos começos do século
XIII. O verdadeiro renascimento do direito romano, isto é, o estudo sistemático e a divulgação,
em largas dimensões, da obra jurídica justinianeia, inicia-se apenas no século XII, com a Escola
de Bolonha ou dos Glosadores, que teve grande expressão na Europa graças à permanência em
Bolonha de escolares estrangeiros e à fundação de Universidades nos vários Estados europeus.
A escola dos glosadores viveu o seu período áureo durante o século XII, datando do início do
século XIII o princípio do seu declínio. A última grande glosa, a Magna Glosa foi aplicada nos
Tribunais dos países do ocidente europeu ao lado das disposições do CIC. Em Portugal, e por
força das ordenações, foi fonte de direito subsidiário. A magna glosa de Acúrsio marca o fim de
um ciclo e o início de um novo período de transição na metodologia da ciência jurídica. Surge
então o “tractarus”, uma exposição concentrada sobre um instituto jurídico e exaustiva, já
separada do texto legal. Assinala-se ainda alguma evolução em determinados ramos do Direito,
em direção à sua autonomia científica, como é o caso do Direito processual e das normas
notariais.
Durante o século XIV, desenvolveu-se a Escola dos Comentadores, primeiro em Itália (Revigny e
Belleperche) e depois em França. O seu método baseava-se na leitura de textos de autores,
através da técnica da quaestio: o debate em face de determinadas teses, dos argumentos pro e
contra e na apresentação da solução. O comentador não só procedia à exegese do texto sobre
o qual trabalhava, como procurava ainda sistematizar as normas e os institutos jurídicos de um
modo mais apurado, articulando a história das palavras, a análise crítica e a síntese. Os
comentadores levavam em consideração as glosas e comentários sucessivos de que o texto
interpretado já havia sido alvo, recorrendo ainda ao ius proprium (costumes, estatutos e leis
locais de cada país) e ao DC, acabando por criar novos institutos e mesmo novos ramos do
Direito. O auge desta escola medeia-se entre o início do século XIV e meados do século XV. O
principal nome é Bártolo (1314-1357). Os seus comentários, pelo prestígio generalizado que
mereceram, tornaram-se fonte subsidiária de direito nos diversos ordenamentos jurídicos
europeus, tendo entre nós sido supletivamente aplicados, por força das Ordenações, a par da
Glosa de Acúrsio.
Acima das diferenças cumpre realçar a comum matriz prudencial das escolas jurídicas medievais:
elas partem não do sistema jurídico no seu todo, mas da situação jurídica em concreto; a solução
não se obtinha a partir da subsunção do facto à norma legal, mas sim pela ponderação da justiça
no caso concreto, sendo em função desta que era encontrada a norma aplicável. Ia-se do facto
para a norma, não da norma para o facto, como se faz hoje em dia. Ao longo da segunda metade
do século XV, assiste-se ao declínio e ao esgotamento das possibilidades da Escola dos
Comentadores, devido ao emprego rotineiro do método do comentário, à estagnação da
produção jurídica, à perda de preocupação criativa e ao abuso da autoridade e repetição dos
argumentos por parte dos autores. Esta autoridade era aferida através da communis opinio, que
começou por ser o parecer ou sentimento generalizado que as pessoas nutriam em face de certo
assunto, mas que no século XIII passou a abranger o entendimento dos doutores, daqueles que
gozavam do “saber socialmente reconhecido”, e a partir do século XV passou a referir-se
exclusivamente ao parecer destes últimos. Ainda hoje se usa o argumento da autoridade, a par
dos argumentos racionais. Nas Ordenações Manuelinas, a não oposição à communis opinio dos
doutores chegou a ser requisito para a relevância subsidiária da Glosa de Acúrcio e do
Comentário de Bártolo. Paralelamente ao renascimento do DR e intimamente relacionado com
esse renascimento está a renovação do DC, aquém e além-fronteiras.
O DC, enquanto ordem, pode definir-se como a ordenação social imperativa que estrutura as
relações intersubjetivas de acordo princípios de justiça inerentes à realidade da comunidade
eclesial. O DC dá origem a “cânones”, os quais, em sentido estrito, abrangem apenas as normas
emanadas dos Concílios, por oposição aos decretos ou cartas decretais, normas provenientes da
direta iniciativa dos Papas. Os princípios fundamentais do DC baseiam-se na Revelação de Deus,
feita através de Cristo e dos seus seguidores diretos. Estes princípios constituem as fontes de
Direito divino. Estas são a Tradição viva (transmissão da mensagem de Cristo, através da
pregação, testemunho mediante as instituições e escritos inspirados por Deus) e a Sagrada
escritura (Bíblia). O DC conta também com fontes de Direito humano: costume, decretos dos
pontífices romanos, cânones dos concílios ecuménicos, concórdias e concordatas, doutrina,
jurisprudência e normas civis canonizadas.
No século XII, assiste-se ao movimento renovador do DC, avultando neste período a experiência
de o Direito sábio, fruto da aliança entre a Santa Sé e a Universidade. Considerava-se na época,
de resto, que só o jurista que dominasse os dois âmbitos do Direito (Canónico e Civil) é que teria
uma formação completa. Não devemos falar em renascimento do DC, na medida em que este
ordenamento se manteve sempre vigente, acompanhando a presença viva da Igreja Católica e
sobrevivendo à queda do IRO.
Liber Sextus (Papa Bonifácio VIII, 1298): aglutinou um conjunto de normas surgidas após as
Decretais de Gregório IX;
Clementinas (aprovada pelo Papa Clemente V, publicada em 1317, já no pontificado de João
XXII): reuniu num corpo os cânones decorrentes do concílio de Vienne (1311-12), bem como as
decretais de Clemente V;
Corpus Iuris Canonici (1580): versão revista das compilações anteriores, aprovada pelo papa
Gregório XIII;
Coletâneas privadas de leis gerais anteriores às O. Afonsinas: privadas, incluíam leis, costumes
gerais e jurisprudência. Podem ter constituído trabalhos preparatórios das Ordenações
Afonsinas, embora a tese seja contestada:
1) Livro das leis e posturas: compilação de preceitos do reinado de Afonso II ao de Afonso
IV;
2) Ordenações de D. Duarte: reunia as normas emanadas desde o reinado de D. Afonso
II até ao do próprio D. Duarte, constituem uma coletânea privada, na qual no seu prefácio aponta
como necessárias a um competente agente de justiça as qualidades da justiça, da prudência, da
temperança e da fortaleza. Nesta coletânea, verificamos várias normas de proteção jurídica das
pessoas, de bens jurídicos que hoje poderíamos integrar nos DLG ou até na chancela dos Direitos
Humanos.
Temos, pois, neste período monista, a conquista das fontes de Direito por parte do Estado, uma
fiscalização constante e uma burocratização minuciosa. Já posteriormente às Ordenações,
temos a fixação do absolutismo que, após a Revolução Liberal de 1820 se vai transformar em
centralismo parlamentar, gerando o Estado Moderno em Portugal, com a ideia de direitos
naturais do Homem, igualdade perante a lei, soberania popular, monarquia limitada e
Constituição.
A sua elaboração, conforme resulta do proemio do Livro I, foi impulsionada pelas Cortes,
descontentes perante as incertezas derivadas da grande dispersão e confusão das normas, com
graves prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça. Não se tratava apenas de
organizar o extenso número de leis portuguesas, pretendia-se também limitar as dificuldades
de compreensão e de interpretação do Direito Comum. Na sequência dos pedidos formulados,
D. João I incumbiu João Mendes de elaborar a referida coletânea. Após a morte de ambos, D.
Duarte incumbiu a continuação dos trabalhos ao Doutor Rui Fernandes. D. Duarte, que, já antes
de subir ao trono, havia sido avisado pelo seu irmão e duque de Coimbra, D. Pedro, do estado
de letargia dos administradores de Justiça no reino. A obra viria a ser concluída em 28 de julho
de 1446, na Vila da Arruda, depois de uma comissão revisora composta pelo próprio Rui
Fernandes, pelo DR. Lopo Vasques e pelos membros do Desembargo do rei, Luís Martins e
Fernão Rodrigues, foi aprovada em 1446/7, em nome de D. Afonso V e passou a aplicar-se a
partir de 1450. No entanto, devemos ter em consideração que não havia na época uma regra
prática definida sobre a forma de dar publicidade aos diplomas legais. Além disso, ainda não se
utilizava a imprensa, pelo que levaria considerável tempo a tirarem-se as cópias manuscritas,
laboriosas e dispendiosas. A efetiva generalização da compilação deve ter-se operado a partir
de 1450. A sua difusão foi facilitada, uma vez que não apresentava inovações profundas,
servindo-se numa larga escala, de fontes anteriores.
Utilizaram-se na sua elaboração as várias espécies de fontes anteriores: leis gerais, resoluções
régias, subsequentes a petições ou dúvidas apresentadas em cortes ou mesmo fora delas,
concórdias, concordatas e bulas, inquirições, costumes gerais ou locais, estilos da Corte e dos
tribunais superiores (jurisprudência ou costumes aí formados), bem como normas extraídas das
“siete partidas” e preceitos de DRC, designados, respetivamente, “leis imperiais” ou “direito
imperial” e “santos cânones” ou “decretal”. Quanto á técnica legislativa, empregou-se, por via
de regra, o estilo compilatório, transcrevendo-se na íntegra, as fontes anteriores, cujos termos
seriam confirmados, alterados ou afastados posteriormente, através de uma indicação expressa.
Contudo, nem sempre se adotou este sistema. Em quase todo o livro I, utilizou-se o estilo
decretório ou legislativo, que consiste na formulação direta das normas sem referência às suas
eventuais fontes precedentes.
SISTEMATIZAÇÃO E CONTEÚDO:
A sistematização das Ordenações Afonsinas foi inspirada sobretudo nas Decretais de Gregório
IX. As ordenações encontram-se divididas em 5 livros, cada um dos quais dividido em títulos com
rúbricas e, por vezes parágrafos. Os livros são ainda precedidos de um proémio:
1)Livro I, composto por 72 títulos e diz respeito aos estatutos dos cargos públicos, régios
e municipais, ou seja, ao foro jurídico-administrativo;
2)Livro II, composto por 123 títulos e dedica-se a diversas temáticas, tais como: a
disciplina dos bens e privilégios da Igreja, os direitos do rei e a sua cobrança, a jurisdição dos
donatários e o estatuto dos Judeus e dos Mouros. São normas materialmente constitucionais;
3)Livro III, composto por 128 títulos, comporta o processo civil;
4)Livro IV, composto por 112 títulos, contém desorganizadamente, o direito civil
substantivo;
5)Livro V, composto por 121 títulos e respeitante ao direito e processo criminais;
O livro II transparece a visão medieval dos direitos. Verifica-se uma proteção estamental e
concreta dos direitos dos súbditos.
Segundo o professor Paulo Ferreira da Cunha, não encontramos nas ordenações a consagração
oficial das cortes, tão importantes na História do Direito Português. PFC defende que as OA
tiveram como propósito organizar as normas jurídicas nacionais, e não coligir matéria de índole
política, na qual o acervo de normas relativo às Cortes se incluía. Convém afirmar que a
elaboração das ordenações não visou em momento algum, estabelecer uma qualquer
Constituição escrita no país. Assim, num texto tão diversificado como é o das OA, em que não
se pretendeu, tão só, compilar normas políticas e constitucionais ainda que de natureza
tradicional, no Livro II não encontramos nenhuma Constituição escrita. Numa visão abrangente,
parece dever-se pensar que estes textos faziam efetivamente parte de uma Constituição
material. Seriam, na verdade, uma sua muito relevante parte escrita e até compilada. PFC
considera que a matéria sobre direitos reais do livro II constitui uma “pedra de toque da
constituição de então. Muitos dos títulos subsequentes são desenvolvimentos ou
complementos dos seus parágrafos, tanto dos patrimoniais, como dos políticos. Há ainda
normas administrativas ou, no máximo, de procedimento constitucional.
IMPORTÂNCIA DA OBRA
TEXTOS A COMENTAR:
LIVRO I, TÍTULO 2º: A chancelaria é o segundo ofício do Estado, daqueles que têm o ofício da
“Puridade”, ou seja, da regulação da vida das pessoas. O chanceler corresponde ao
intermediário entre o rei que promulga as suas leis e os homens, que vão ser regulados por essas
normas. Antes de publicar as leis, o chanceler mor deve, teoricamente, analisar os diplomas,
salvaguardando os erros ou preceitos “contra direito” que neles possam estar incluídos. O
chanceler mor verá todas as cartas, e se encontrar alguma que seja contra os direitos do povo,
ou do clero, ou de qualquer pessoa, não a deve “selar”, isto é, publicar, o que significaria o início
da sua vigência. Deverá falar com o rei ou com aqueles que os reis determinarem para tratar
dessas questões na sua ausência. As cartas não devem ser seladas, salvo se primeiramente
forem registadas na fazenda pelo Escrivão…
LIVRO II, TÍTULO 71º: Sempre foi vontade do rei D. João I, bem como dos seus predecessores,
que os judeus tivessem jurisdição para os casos entre eles, a nível criminal e civil, sendo julgados
segundo os seus direitos e costumes. Estas orientações reais deviam ser guardadas por lei. O rei
manda que em todo e qualquer caso a apelação fique reservada para os oficiais cristãos e os
desembarguem para a jurisdição judia. Trata-se de uma norma que garante aos rabis a guarda
dos seus julgados, direitos e costumes, pretendendo-se deste modo, garantir a existência de um
foro próprio par aos judeus das comunas. A ideia, ainda assim, não é procurar aplicar uma
qualquer ideia de igualdade entre cristãos e judeus. Assumindo as diferenças entende-se,
todavia, essencial garantir que essas mesmas minorias tenham a oportunidade de viver em paz,
podendo praticar os seus usos e costumes, mesmo que à parte da maioria cristã.
LIVRO V, TÍTULO 37º: Da autoria de D. Dinis, versa sobre “do que disse testemunho falso, e do
que lho fez dizer”; Observando que no seu reino se faziam muitos testemunhos falsos e
aconselhado pelas Cortes, o rei decidiu que quem desse falsos testemunhos deveria ser morto
imediatamente, sendo-lhes tirados os pés, as mãos e os olhos. Manda aos tabeliães que
registem esta ordenação e que a leiam cada mês em Concelho uma vez. D. Dinis refere que,
ainda que fosse notado este fenómeno nas ordenações antigas, a verdade é que as penas nunca
eram executadas, uma vez que eram muito graves e a sua execução tornavam-se mais leves, o
que, para D. Dinis, contribuía para que se mantivessem estes testemunhos falsos. Daqui em
diante, aquele que seja apanhado em semelhante situação, será açoitado publicamente e ser-
lhe-á cortada a língua em praça pública (“com a língua pecou, através da língua será punido”). E
deverá pagar da cadeia aquilo que danificou com o seu falso testemunho, toda a perna e dano
que por sua falsidade se verificou. Esta pena servirá de exemplo para as outras pessoas.