Você está na página 1de 176

1

PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS


SOBRE A CRISE MUNDIAL

Organização:
Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento Humano do Programa
de Estudos Pós-graduados em Economia Política
Sociedade Brasileira de Economia Política - SEP

2008
2

SUMÁRIO

1) Até onde irá a crise financeira - François Chesnais........................... p. 3


2) El fin de un ciclo. Alcance y rumbo de la crisis financiera
...................................................................................François Chesnais......p. 14
3) Exposição de François Chesnais em encontro de Herramienta 39... p. 45
4) La crise du neo-liberalisme mundial – Michel Husson .....................p. 56
5) La crise financière au coeur de la situation politique après les élections
Municipales – François Chesnais.......................................................p. 58
6) Introduction à la discussion sur la crise – François Chesnais............p. 62
7) La fin d’un modèle – Michel Hussson ..............................................p 68
8) O pesadelo das finanças sem freios – Fréderic Lordon .....................p.81
9) O mundo refém das finanças – Fréderic Lordon ...............................p.90
10) ¿Recesión o crisis en EUA? O de cómo fallan los conjuros – Alejandro
Valle Baeza .....................................................................................p..101
11) Capital ficticio y ganancias fictícias – Reinaldo Carcanholo e Maurício
Sabadini ...........................p.118
9) A crise como essência da nova ordem, In PUV Viva, ano 9, n° 32, julho a
setembro de 2008. Rosa Maria Marques ...............................................p 131
10) O papel da finança no capitalismo contemporâneo – Rosa Maria Marques
e Paulo Nakatani..................................................................................p.136
11) Entrevistas sobre a crise – Revista do Instituto Humanitas Unisinos..p 153
11) Declaración de la Sociedad de Economía Política y Pensamiento Crítico
Latinoamericano ante la crisis económica mundial ............................p.174
3

1) Até onde irá a crise financeira – François Chesnais

Le monde diplomatique – 12 de novembro de 2007

Um dos maiores estudiosos das finanças internacionais investiga, em


diálogo com dois livros recém-publicados, os tremores dos últimos
meses. Seu diagnóstico: vêm aí grandes solavancos, que podem
atingir a Ásia e mudar a economia do planeta

No início de agosto, surgiu uma crise financeira no setor dos empréstimos


hipotecários, nos Estados Unidos. Imediatamente, ela se propagou para outras partes do
sistema financeiro mundial, com uma rapidez e uma amplitude que surpreenderam a
comunidade dos investidores e dos operadores (os “mercados”), bem como os
observadores. Os bancos centrais intervieram rapidamente, principalmente com o
fornecimento de crédito a taxas baixíssimas para os bancos em dificuldade (a que se dá o
nome de "criação de liquidez") [1] Desde o início de setembro, fases de tranqüilidade têm
alternado com o anúncio de novas dificuldades dos bancos e outras instituições financeiras.
Para compreender todo o alcance do processo iniciado no mês de agosto, é preciso
recorrer a uma obra assinada por Michel Aglietta e Laurent Berrebi (economista-chefe da
empresa Groupama Asset Management), Désordres dans le capitalisme mondial [2]. O
período de 2003-2007 constituiu-se de “anos milagrosos”, com efeitos euforizantes. Na
França, tanto a UMP (União para um Movimento Popular, centro-direita) quanto o PS
(Partido Socialista, de centro-esquerda), os políticos e a grande mídia louvaram o exemplo
norte-americano. O mesmo se deu na maioria dos outros países. Em seu trabalho, extenso e
bem documentado, os autores explicam a dinâmica perversa dessa alta conjuntura e
anunciam seu fim inevitável.
O interesse do livro deve-se à escolha metodológica dos autores — criar um quadro
analítico único, propriamente mundial —, bem como ao volume de fatos e análises
reunidos. Na introdução, eles definem “a globalização como um sistema de
interdependências multilaterais em que as potências emergentes (isto é, a China e, em
menor grau, a Índia) exercem uma influência determinante sobre as economias
desenvolvidas”, acrescentando que “foi a partir da virada do século 21 que o termo
‘globalização’ se tornou adequado aos fenômenos que ele supostamente deve designar”.
4

No terreno específico da macroeconomia, que é a especialidade deles, Aglietta e


Berrebi percebem a economia mundial como uma totalidade diferenciada e hierarquizada,
cujos pólos são os Estados Unidos e a China. Nesse quadro situam-se desenvolvimentos
muito mais tímidos na União Européia e no Japão. Esse aparece com uma economia e uma
sociedade marcadas por fatores de inegável debilidade, mas também com trunfos. Em
contrapartida, “a Europa está deserdada” (título do capítulo 6). A União Européia estimula
“as atitudes não-cooperativas dos governos, numa busca interminável de diminuição dos
custos salariais”. Trata-se de “uma zona de livre-câmbio que engloba uma falsa união
monetária”, já que “a zona do euro não tem nem federalismo orçamentário, nem
cooperação orçamentária entre seus membros, nem sequer regras mínimas comuns”.
Depreende-se do livro de Aglietta e Berrebi a quase certeza de que, em caso de crise
financeira acentuada e de recessão mundial, é na União Européia que os impactos serão os
mais graves [3].
Inverte-se a dinâmica da década passada: agora, crise começa nas finanças (EUA) e se
espraia para produção (Ásia)
A referência à virada do século 21 também é importante. O ano de 2001 não é
somente o dos atentados de 11 de setembro e da declaração da “guerra sem fim” por
George W. Bush. É também o ano da entrada da China na OMC (Organização Mundial do
Comércio), que representa o ponto mais avançado das medidas para fazer do planeta um
espaço único de valorização do capital. Enfim, 2001 é o ano que vê as autoridades
monetárias norte-americanas adotarem a ampliação do crédito hipotecário, como resposta à
crise da bolsa de ações de alta tecnologia (a Nasdaq) e a seus desdobramentos industriais
(falência da Enron etc.). A análise parte das interconexões entre a crise asiática de 1997-98,
que Aglietta e Berrebi apresentam corretamente como uma crise de superprodução. Trata
das medidas de salvaguarda de fundos especulativos e de criação de liquidez tomadas pelo
Federal Reserve e, em seguida, do estouro da bolha das bolsas de valores na primavera de
2001.
A seqüência mostra a que ponto essas interconexões se consolidaram e seus efeitos
se agravaram. A análise nos prepara para a interconexão, análoga, porém bem mais grave,
entre uma crise de superprodução, centrada no Sudeste Asiático — e, principalmente, na
China — e uma crise financeira sistêmica mundial, cujo epicentro só pode se situar nos
5

Estados Unidos. A primeira lição da crise iniciada em agosto é a de que a direção dos
desdobramentos se inverteu em relação a 1997-98/2001. Dessa vez, a crise financeira
internacional, nascida nos Estados Unidos, precede a crise de superprodução, cuja lenta
gestação na Ásia aparece em muitos índices.
Comecemos pelos sobressaltos financeiros e tentemos compreender suas raízes
profundas. A leitura conjunta dos livros de Paul Jorion — Vers la crise du capitalisme
américain? — e de Aglietta e Berrebi é muito útil desse ponto de vista. O primeiro permite
compreender por que era quase inevitável que o choque ocorresse no setor hipotecário
norte-americano. O autor, decerto porque não vem das finanças, nem da economia, lança
um olhar bem severo sobre práticas financeiras que ele não hesita em caracterizar como
quase permanente e intrinsecamente fraudulentas, mesmo nos casos em que, como no da
Enron (que ele analisa bem), não se abriu nenhum processo penal.
Aglietta e Berrebi, por seu turno, explicam de que modo a atual fase do capitalismo,
posta sob o signo do valor acionário, só pode gerar, em intervalos próximos, crises
financeiras cujo epicentro são os Estados Unidos. Também revelam como a globalização
financeira se propaga rumo ao conjunto das praças mundiais. Colocar o interesse dos
acionistas à frente dos objetivos das empresas e estabelecer normas de rendimento dos
capitais investidos (o return on equity ou ROE) [4] tem como resultado, fora das fases
muito curtas de difusão de novas tecnologias, onerar o investimento produtivo e permitir “a
uma elite financeira, no topo da hierarquia profissional das grandes empresas e das
profissões jurídicas e financeiras associadas, capturar a maior parte dos ganhos de
produtividade”.
Crédito imobiliário: durante décadas, a rede principal que protegeu economia dos
EUA das grandes crises
Para manter um nível de atividade elevado, “é necessária uma demanda dinâmica”.
Ao menos por enquanto, ela não provém dos países emergentes (China, Índia, Brasil), onde
a distribuição de renda e as relações entre cidade e campo freiam o crescimento do
consumo interno e onde os excedentes externos asseguram o financiamento dos déficits dos
Estados Unidos. A demanda “também não pode ter como origem as rendas salariais, cujo
crescimento é fraco. Ela provém das rendas distribuídas aos acionistas e à elite dirigente,
mas sua massa global é insuficiente para sustentar uma demanda agregada em crescimento
6

rápido. A resposta a esse dilema encontra-se no poder de expansão do crédito. É aí que o


capitalismo contemporâneo encontra a demanda que permite realizar as exigências do valor
acionário. Esse mecanismo atinge seu paroxismo nos Estados Unidos. […] Empurrando
para o alto os preços dos ativos patrimoniais, o crédito desconecta o consumo da renda
disponível”.
Esses ativos não têm, necessariamente, a forma de títulos. Contrariamente ao que se
pensa, os lucros com a bolsa são, nos Estados Unidos, a segunda fonte de enriquecimento
patrimonial das famílias (20%). A primeira fonte (60%) provém dos lucros realizados na
compra e na revenda das residências individuais. Portanto, não é por acaso que o Fed
escolheu o imóvel residencial como base das medidas para impedir a quebra da bolsa de
2001 e relançar a economia por meio do consumo dos particulares.
Da análise minuciosa de Jorion depreende-se que o objetivo de dar ao capitalismo
norte-americano uma base social ampla, favorecendo o advento de uma “sociedade de
proprietários” (ownership society), vem sendo perseguido há quase um século. Desde 1913,
uma lei permite deduzir do imposto os juros sobre os empréstimos para a habitação. A
isenção foi estendida aos lucros com as vendas. Entre as medidas tomadas durante o New
Deal, para enfrentar os efeitos da crise de 1929, aparece a criação de uma agência federal
da habitação (Federal Housing Authority, FHA). Ela ainda existe e continua a ajudar na
constituição do patrimônio pessoal. É o caso também das entidades semipúblicas, com
nomes pitorescos, encarregadas de assegurar um mercado secundário para os empréstimos
concedidos pelos bancos e instituições financeiras.
A primeira (Fannie Mae) foi estabelecida, em 1938, para compensar os impactos
políticos e sociais da grande crise. Foi preciso criar uma segunda, em 1970 (Freddy Mac),
para enfrentar o aumento rápido das necessidades de transformação dos empréstimos
hipotecários em ativos realizáveis. O recurso à securitização [5] das hipotecas, portanto, é
antigo e sua utilização vem aumentando sem parar. Ao longo dos anos, as entidades
semipúblicas beneficiaram, sobretudo, as classes média e alta, permitindo-lhes realizar
lucros na revenda de sua residência. O ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, avaliava-os,
em 1999, em 25 mil dólares em média. Dois terços das famílias tiveram acesso, desse
modo, à propriedade. Em 2003, o objetivo da “sociedade proprietária” foi novamente
fortalecido, ao menos no nível da propaganda, pela criação de um fundo de auxílio à
7

primeira residência cujo nome é um programa em si mesmo: “American Dream


Downpayment Initiative” (iniciativa de aporte inicial para o sonho americano).
Empresas de crédito sem controle concedem empréstimos usurários a famílias pobres.
Os bancos garantem o jogo
Jorion explica que, de fato, metade dos “proprietários” só são proprietários no
nome, pois possuem apenas 10% do valor real de suas casas. Num contexto econômico em
que as disparidades de riqueza são extremamente elevadas para um país industrializado (os
50% mais pobres da população possuem somente 2,8% do patrimônio, e o 1% mais rico,
32,7%), o sonho norte-americano de “todo mundo proprietário” sempre foi, diz o autor, “no
melhor dos casos, um sonho, e no pior, um simples efeito de propaganda”.
A partir de 2001, num contexto de taxas de juros muito baixas e de
desregulamentação financeira, tal sonho imobiliário serviu de fundamento para numerosas
operações fraudulentas. Desde então, ele transformou-se em pesadelo, sobretudo para as
famílias mais pobres submetidas a um regime de “empréstimos de rapina”. Entre os fatos
pouco conhecidos citados por Jorion figura o voto, em 1980 (no momento da liberalização
financeira orquestrada por Paul Volker, no final da presidência de Jimmy Carter), de uma
lei revogando as disposições sobre a repressão das taxas de juros usurárias.
A desregulamentação acelerada das décadas de 1990 e 2000 permitiu o crescimento
rápido das empresas independentes de empréstimos hipotecários, e o Fed reconhece que
não pode fiscalizá-las ou controlá-las. Em 2002 (último indicador citado), tais empresas
ofereciam apenas 12% dos empréstimos, mas 62% dos mutuários tinham vínculos com
elas. Foram elas que apanharam na armadilha as famílias pobres, que têm pagado
prestações usurárias, por se endividar a taxas elevadíssimas. Jorion analisa minuciosamente
técnicas que em muitos países seriam consideradas fraudulentas. Ele anuncia a catástrofe
social atualmente em curso. Os processos de arresto de moradias atingiram 180 mil só no
mês de julho, ou seja, duas vez mais do que em julho de 2006. Eles ultrapassaram a linha
do milhão desde o início do ano, isto é, 60% a mais do que um ano atrás. A expectativa é de
que haja no total 2 milhões de arrestos em 2007.
Para que o mercado mafioso (não há termo mais conveniente) dos empréstimos
“subprime” [6] se desenvolvesse, era preciso satisfazer uma última condição: que as
empresas independentes de empréstimos hipotecários encontrassem empresas financeiras
8

sólidas (ao menos na aparência), junto às quais pudessem securitizar os contratos assinados
com elas. A partir de 2005, esse mercado encontrou fundos especulativos de alto risco (os
hedge funds), filiais de grandes bancos de investimento ou de grandes bancos comerciais
americanos e estrangeiros, prontos para comprar “lotes de ativos” contendo promissórias
hipotecárias “subprime”.
O fator-China empobrece assalariados em todo o mundo. Mas cria enorme massa de
recursos financeiros
É aqui que voltamos ao trabalho de Aglietta e Berrebi e à ênfase que eles dão à
passagem dos mercados de ações a um regime “de inclinação deflacionista”. É o efeito não
desejado e não previsto da extensão da globalização no rumo da Ásia. Ele se traduziu por
uma baixa do rendimento das ações e das obrigações, enquanto volumes crescentes de
fundos líquidos buscavam se valorizar. Provocou a enxurrada dos fundos especulativos e
das aplicações cada vez mais arriscadas.
Com algum atraso, a plena integração da China à economia mundial — e, em grau
menor, a da Índia — provoca uma tomada de consciência dos efeitos planetários que ela
acarreta para os assalariados. Que efeitos? Os da competição direta entre os trabalhadores,
em razão da “duplicação da oferta de trabalho global”, como o “excesso estrutural de mão-
de-obra” que ela cria no seio de uma economia mundial liberalizada e desregulamentada.
Isso permite que as empresas “façam incidir sobre os assalariados o essencial do ajuste às
novas condições de concorrência”.
A transformação da China em “fábrica do mundo” e da Índia em país de relocação
das atividades de serviços de informática e de produção de softwares teve também efeitos
importantes no domínio financeiro. A transferência para os assalariados das pressões
deflacionistas sofridas pelas empresas se fez acompanhar, na esfera financeira, de uma
baixa das taxas de juros a longo prazo e de uma modificação do movimento de longa
duração das ações.
Do lado das empresas, as aposentadorias com prestações definidas foram
maciçamente convertidas em fundos de previdência privada, onde são os assalariados que
suportam os riscos. Do lado dos fundos de aplicação financeira, ocorreu uma fuga na
direção das operações cada vez mais arriscadas sobre ativos cada vez mais opacos. O
“regime de inclinação deflacionista” empurra para as aplicações especulativas. Ele fortalece
9

as “finanças carniceiras”, dos quais os fundos de “private equity”, freqüentemente filiais de


bancos, se tornaram a expressão mais temida [7].O acúmulo de excedentes comerciais e de
reservas em divisas, sobretudo em dólares, pelos países asiáticos, mas também por grandes
países fornecedores de matérias-primas, que foram colocados em bônus do Tesouro, em
obrigações privadas e em ações, em Nova York, tem permitido, aos Estados Unidos, exibir
índices financeiros invejáveis e deixar escoar os déficits externos. Também vem permitindo
que o governo Bush financie suas guerras, sem parar de baixar os impostos. Esses
excedentes também vêm constituindo a base de um processo de criação de “liquidez”, isto
é, de meios amplamente fictícios de financiamento de operações especulativas de alto
rendimento.
Crescimento da China é dependente das vendas aos EUA. Será possível encontrar
outros mercados?
Um dos meios encontrados pelos grandes bancos de investimento de Nova York,
por bancos internacionais (como BNP-Paribas), mas também, para surpresa geral, pelos
bancos regionais alemães, foi a criação de filiais com status de hedge funds. Os riscos
incorridos foram subestimados, pois a “comunidade financeira” acreditou ter criado
anteparos importantes sob a forma, principalmente, de mecanismos de parcelamento do
risco. A crise de agosto mostrou a extrema vulnerabilidade e o potencial de contágio muito
elevado.
Hoje, é nos Estados Unidos e, em menor grau, no Reino Unido que se situam os
impactos mais fortes da crise hipotecária e seus desdobramentos bancários. Em prazos um
pouco mais longos, o elo crítico se situará na Ásia, sobretudo na China. Ainda que a crise
financeira tenha sido (mais ou menos) contida, a baixa dos preços imobiliários — e,
portanto, dos ativos e das capacidades de endividamento dos proprietários — vai provocar
uma desaceleração da demanda global. Ora, mais de 70% da economia chinesa depende de
seu comércio exterior. Desde 2005, as exportações brutas representam mais de um terço de
seu crescimento econômico.
Os Estados Unidos são o principal mercado da China. O grupo de distribuição Wal-
Mart, que possui uma densa rede de franqueados na China, assegura quase 10% das vendas
chinesas no estrangeiro — a maior parte para os Estados Unidos. Pequim buscará
compensar a desaceleração da demanda norte-americana voltando-se para outros mercados,
10

mas pode chegar um momento em que, como no caso da Coréia do Sul em 1997, os efeitos
do superacúmulo transformem-se em fator imediato de crise.
É aqui que precisamos nos deter nos capítulos que Aglietta dedica à China em seu
livro com Berrebi, bem como no trabalho centrado exclusivamente nesse país — (La Chine
vers la superpuissance) —, escrito com Yves Landry. Aglietta considera que as chaves da
estabilidade macroeconômica internacional nos próximos anos, e independentemente do
futuro da economia mundial, encontram-se na China. Embora dê mostras de muita
solicitude para com os dirigentes chineses [8], ele não consegue esconder sua grande
preocupação. É o caso da criação de sobrecapacidades muito fortes.
Aglietta e Berrebi observam que “o governo chinês decidiu esfriar o motor do
investimento e até mesmo, em alguns setores (imobiliário, siderúrgico e automobilístico),
proibir quaisquer novos investimentos. No entanto, os números recentes disponíveis
mostram que, apesar dessas medidas estritas, ele tem dificuldades para frear os gastos no
imobiliário, nas infra-estruturas rodoviárias e nas construções de outras fábricas. Essa
situação se deve, em parte, às províncias e aos industriais locais. As províncias buscam
afirmar sua autonomia frente ao poder central, encorajando sem discernimento a
implantação de indústrias locais, e os industriais locais tentam se aproveitar da euforia
geral”.
Nos EUA e China, nós políticos dificultam a adoção de soluções que poderiam
reverter a crise
Atenuando suas críticas com observações sobre a herança positiva do
confucionismo, Aglietta detém-se longamente nos estragos da corrupção (ver a introdução
do livro escrito com Landry). O único remédio para a superprodução, dizem os autores,
seria “uma reorientação da atividade de um crescimento extrovertido para um crescimento
mais autocentrado”.
Aqui se coloca, evidentemente, a questão da liberdade de organização política e o
direito dos assalariados de construir verdadeiros sindicatos. Aglietta e Landry sublinham
assim que, “passada a fase de recuperação quantitativa, em que basta investir para gerar
crescimento, vem a fase qualitativa, em que só a melhoria da produtividade e o
fortalecimento institucional fundamentam o crescimento e o transformam em
desenvolvimento sustentável. Nesta segunda etapa, os fatores-chave são a educação, a
11

valorização da iniciativa e a criatividade, que permitem a emergência de novos modos de


organização e de novas estruturas. A liberdade dos debates e a presença de contrapoderes
são então elementos essenciais que dão uma flexibilidade indispensável às estruturas”. Os
autores sublinham que “a China ainda está longe disso”.
Um dos fios condutores do diagnóstico de Aglietta sobre a economia mundial, e
sobre os remédios que seria preciso aplicar a ela, diz respeito à taxa de poupança. Ela é
baixa demais em alguns países, alta demais em outros. Os Estados Unidos, onde ela se
tornou negativa, e a China representam os pólos extremos dessa distorção. A reconstituição
de uma taxa de poupança que deixasse de fazer dos Estados Unidos a sede, quando não o
transmissor mais imediato, de crises financeiras sucessivas “requer uma consolidação
orçamentária incompatível com as orientações políticas da maioria conservadora no poder.
Implica sobretudo uma recuperação considerável da poupança das famílias. Isso supõe uma
revisão dilacerante do consumo a crédito, combinado com o desperdício aterrorizante dos
recursos não-renováveis, que constitui o modo de vida norte-americano”.
Dúvida: será necessária uma grande crise econômica global para reintroduzir a
regulação da moeda e crédito
Coincidindo com as conclusões de Jorion, eles acrescentam que “isso supõe também
uma mudança na concepção que os dirigentes norte-americanos têm do lugar dominante e
do papel hegemônico dos Estados Unidos no mundo”. Quanto à China, além dos reflexos
de entesouramento que mergulham suas raízes na história, lida-se com “uma poupança de
precaução ante a degradação dos sistemas públicos de proteção social, de educação, de
aposentadoria, diante do risco de perda de emprego nas empresas estatais subsistentes”,
problemas, portanto, que conduzem à liberdade de organização e de reivindicação.
O concentrado dos mecanismos suscetíveis de conduzir a uma situação em que as
“mudanças estruturais maiores [sejam] impostas por uma crise” encontra-se na moeda
internacional (as divisas e suas taxas de câmbio). Em razão do “caráter de bem público da
moeda”, sua regulação “só pode ser política”. Para Aglietta e Berrebi, “a responsabilidade
de sua gestão é necessariamente intergovernamental”. Os Estados Unidos sempre se
opuseram a isso por causa dos privilégios que tiram do regime de semipadrão dólar. Mas,
atualmente, uma responsabilidade compartilhada seria de absoluta necessidade.
12

Não existe nenhum outro meio de criar “uma estrutura ordenada das taxas de
câmbio, de um lado, e de regular a liquidez global em função da demanda de meios de
pagamentos internacionais, do outro”. Ora, o que fizeram os bancos centrais desde meados
de agosto senão criar mais liquidez ainda e travar entre si uma espécie de guerra das
moedas, da qual o euro sofreu as piores conseqüências pelas razões vistas anteriormente?
Será necessário que o sistema capitalista mundial passe por uma crise enorme antes de
serem recriados os fundamentos de uma regulação monetária e financeira? É preciso se
preparar para isso? Seja como for, Aglietta e Berrebi terão soado o alarme.
[1] Ver Frédéric Lordon, O mundo refém das finanças, em Le Monde Diplomatique
Brasil setembro de 2007.
[2] Michel Aglietta e Laurent Berrebi, Désordres dans le capitalisme mondial, Paris, Odile
Jacob, 2007. O livro se beneficiou dos recursos do serviço de estudos econômicos da
empresa, bem diferentes dos de um laboratório universitário.
[3] Ver, no mesmo sentido, o livro bem recente de Patrick Artus, Les incendiaires: les
banques centrales dépassées par la globalisation, Paris, Perrin, 2007, que examina a
possibilidade de uma explosão do euro.
[4] Para uma definição desses conceitos e de sua importância, ver Frédéric Lordon, Enfin
une mesure contre la démesure de la finance, le SLAM!, Le Monde Diplomatique, fevereiro
de 2007.
[5] A securitização consiste em “transformar os créditos em posse dos bancos, das
instituições financeiras, das companhias de seguro ou das sociedades comerciais (as contas
clientes) em títulos negociáveis” (ver Bertrand Jacquillat, Les 100 mots de la finance, Paris,
PUF, 2006). A etapa seguinte, que se desenvolveu principalmente a partir de 2002, consiste
em “fundir” junto certo número de créditos para fazer deles uma linha de obrigações
negociáveis. Os títulos assim “manufaturados” podem ser vendidos nos mercados em
pequenos pacotes aos diversos investidores institucionais ou fundos especulativos que
quiserem comprá-los.
[6] A palavra pode ser traduzida pela perífrase “inferior à norma de qualidade”. Designa os
empréstimos com risco de falência elevado.
[7] Ver por exemplo “Public versus private equity”, The Economist, 7 de julho de 2007. Há
alguns meses, o semanário da City londrina se tornou o eco da preocupação crescente de
uma parte dos melhores financistas quanto aos private equity, cujos perigos agora são
sistematicamente expostos.
[8] É espantoso ver Aglietta e Berrebi retomarem, por conta própria, uma das
“justificativas” dadas pela direção do Partido Comunista Chinês para a repressão do
movimento estudantil da praça Tiananmen em 1989, isto é, “a ajuda considerável que o
movimento recebia do exterior”.
13

2) El fin de un ciclo. Alcance y rumbo de la crisis financiera

François Chesnais, In Herramienta, n° 37

La marcha de la crisis financiera que estalló en el sector de préstamos hipotecarios


de los Estados Unidos en agosto del año pasado no es lineal. Los momentos de regreso a
una calma relativa se alternan con expresiones más visibles de crisis, a veces
espectaculares. El estallido de esta crisis representa un giro en el curso de la economía
mundial.
En primer lugar, marca el fin del ciclo económico estadounidense iniciado con la
recuperación de comienzos de 2003. Ya en este sentido su alcance es mundial, pues el
consumo interno norteamericano representó, entre 2003 y 2006, la principal salida para la
oferta de mercancías producidas en los otros países. Y hay más: aún antes de que la
demanda interna de los Estados Unidos sufriese todos sus efectos, la crisis hipotecaria
comenzó a propagarse casi en todo el mundo, mediante los mecanismos propios del sistema
financiero globalizado, hacia los bancos y las sociedades de colocación financiera (los
mutual funds, los hedge funds y las sociedades especializadas en préstamos hipotecarios).
No son afectados sólo los países fuertemente interconectados con las finanzas
estadounidenses. Lo son también los que tienen monedas más expuestas a los efectos de la
caída del dólar. Por lo tanto, los niveles de actividad económica, de empleo y de
disposición al consumo o la inversión en un conjunto de países pueden disminuir a
consecuencia de lo que ocurre en los Estados Unidos. Son de prever interacciones a este
nivel, pues la OCDE precisó que la desaceleración había comenzado entre los países
miembros antes del inicio de la crisis financiera.[1]
El mecanismo de contagio en el que más se interesan los diarios es el de la
cotización de las acciones en las bolsas. La transmisión de las fluctuaciones bursátiles
puede ser espectacular, pero más allá del efecto "subjetivo", en términos de imagen del
capitalismo, no es el canal de propagación más importante. Sólo en los Estados Unidos y en
menor medida en Gran Bretaña el consumo interno está directa y rápidamente afectado por
los movimientos bursátiles. La inquietud inmediata de los observadores tiene que ver sobre
todo con otras tres cuestiones. La primera se refiere a la amplitud de la contracción del
crédito interno en el sector financiero, provocada por los títulos "podridos" de "nueva
14

generación" (ver más adelante) que los bancos y los fondos de colocaciones de riesgo (los
hedge funds ) tienen en sus carteras. No se trata todavía de una contracción del crédito a las
empresas, sino de un paso en esa dirección. La segunda tiene que ver con al ritmo y la
violencia del estallido de la burbuja inmobiliaria en otros países en que existe, sobre todo
los de la Unión Europea como España o Irlanda, pero también Australia. El tercero se
refiere a los efectos al menos parcialmente antagónicos de las políticas de tasas de interés y
tasas de cambio adoptadas por los principales países. Un ejemplo es el alza de las tasas de
cambio del euro con respecto al dólar, que se aceleró con la baja de las tasas de interés
norteamericanas.
Un poco a más largo plazo, a seis u ocho meses, el principal interrogante, del que
realmente depende el curso de la crisis financiera, se refiere al Asia. Esta crisis financiera
no podría desembocar en una crisis mundial grave del tipo de la de 1929, si no se produjera
una desaceleración general de la demanda mundial que revelase que hubo -desde 2002 y
más aún luego de 2003- un proceso de sobreacumulación en todas las economías asiáticas
de la costa del Pacífico (en China, pero también en Japón, Corea y Taiwán). Muchos
economistas piensan que en esta región clave del sistema capitalista mundial, la capacidad
de producción instalada excede ampliamente las posibilidades de absorción del mercado
mundial. Pero siguen esperando que, a pesar de la contracción de la demanda externa -que
es absolutamente necesaria para las economías de Asia- los países en cuestión sabrán
compensar esa limitación aumentado su demanda interna. En todo caso, se entra en un
contexto en el que la presión de la competencia de las mercancías asiáticas engendra
tensiones proteccionistas que enfrentarán a los Estados Unidos y otros países con China.
Finalmente, está la situación de los países productores del mismo tipo de mercancías, por
ejemplo textiles: incluso una contracción limitada de la capacidad de los Estados Unidos y
de la Unión Europea para recibir importaciones provenientes de China y otros países de
Asia acentuará la presión de la mercancías asiáticas sobre ellos y agravara sus dificultades.
¿Qué puntos de apoyo brinda Marx para abordar las crisis financieras?
Marx no conoció una situación de hipertrofia de la esfera financiera comparable a la
actual. Sin embargo dejó algunas indicaciones metodológicas importantes y sobre todo una
teoría del capital ficticio en la que nos apoyaremos más adelante. Recordemos por ahora
que lo denominado en el siglo XIX "crisis monetaria" o "de dinero" más que financiera,
15

constituía para él "un momento de las crisis industriales", pero un momento muy
significativo porque en él se desnuda una contradicción fundamental contenida en la
moneda:
la función del dinero como medio de pago envuelve una brusca contradicción. En la
medida en que los pagos se compensan unos con otros, el dinero sólo funciona idealmente,
como dinero aritmético o medida de valor. En cambio, cuando hay que hacer pagos
efectivos, el dinero ya no actúa solamente como medio de circulación, como forma
mediadora y llamada a desaparecer de la asimilación, sino como la encarnación individual
del trabajo social, como la existencia autónoma del valor de cambio, como la mercancía
absoluta. Esta contradicción estalla en ese momento de las crisis comerciales y de
producción a las que se da el nombre de crisis de dinero.[2]
El reemplazo del oro por las monedas estatales de los países más fuertes
(actualmente, un "semi-patrón oro"[3]) así como el desarrollo extraordinario que
adquirieron los efectivos bancarios exigiría transcribir esta contradicción a las condiciones
actuales.[4] Queda en pie sin embargo el hecho de que en esta crisis ya se ha perfilado una
situación en la cual
el crédito se reduce o desaparece en absoluto, el dinero se enfrenta de pronto de un
modo absoluto a las mercancías como medio único de pago y como la verdadera existencia
del valor. De aquí la depreciación general de las mercancías, la dificultad, más aún, la
imposibilidad de convertirlas en dinero".[5]
Es muy útil una distinción introducida por Marx respecto a las "crisis monetarias" o
"de dinero". Por un lado, "es una fase de cualquier crisis". Por el otro, y sin que existan
barreras infranqueables entre ambas, está
esa modalidad especial de crisis a que se da también el nombre de crisis de dinero,
pero que puede producirse también de un modo independiente, influyendo luego de rechazo
sobre la industria y el comercio. Son estas crisis que tienen como centro de gravitación el
capital-dinero y que, por tanto, se mueven directamente dentro de la órbita de los Bancos,
de la Bolsa y de la finanza.[6]
Las crisis monetarias de este tipo son las que llamamos ahora crisis financieras.
Traducen la maduración de las contradicciones a nivel de la formación de la tasa de
ganancia así como de las condiciones de realización del valor y plusvalor. El hecho de que
16

estas crisis se forman de manera "independiente" es consecuencia de la acumulación de


capital-dinero y de la formación de capital ficticio a gran escala. Pero estas son a su vez la
expresión de graves "disfunciones" que hunden sus raíces en las relaciones de producción y
de propiedad y en las medidas de política económica utilizadas para contenerlas.
El tiempo de la crisis financiera
Así se comienza a percibir el alcance de la crisis financiera que se abrió y la
importancia de las cuestiones en juego. Ocurre en un momento en que los instrumentos
utilizados por los bancos centrales comenzaron a mostrar sus limitaciones, a fuer de haber
sido utilizados repetidamente desde hace veinte años. Se produce después de una fase
excepcionalmente larga de acumulación sin ruptura. Se sitúa, finalmente, cuando la
configuración del marco geoeconómico y geopolítico del capitalismo mundial está
experimentando modificaciones profundas.
El acento se debe poner, en primer lugar, sobre el alcance y consecuencias de lo que
denomino una muy larga fase de "acumulación sin ruptura". Considerando que la
reconstrucción de lo destruido en la Segunda Guerra Mundial terminó a mediados de los
años 1950, el capitalismo como sistema mundial conoció desde entonces más de cincuenta
años de acumulación casi ininterrumpida. Es la fase de este tipo más larga de toda su
historia. La acumulación se dio con momentos de ritmos diferentes, pero sin que se
produjese ninguna ruptura, como una gran crisis económica o una guerra análoga a las dos
grandes conflagraciones del siglo XX. La recesión mundial de 1974-76 puso fin al largo
movimiento cíclico llamado "los treinta gloriosos". Cerró un período, pero luego de una
fase de transición la acumulación recomenzó sobre la base, especialmente, de un
desplazamiento progresivo de su centro de gravedad geográfico. Ninguna ruptura se
produjo tampoco desde el flanco de la lucha de clases. El capitalismo mundial tuvo las
manos libres para responder a lo que pudo parecer en su momento una ruptura por medio de
la revolución neoliberal o más exactamente neoconservadora. Con el beneficio de la
distancia histórica y la destrucción (al menos parcial) de las anteojeras de aquella época,
podemos ver ahora que su esfera de acción e influencia sobrepasó las fronteras de la
dominación imperialista del momento. Las "reformas" de Margaret Thatcher tuvieron como
contrapartida las de Deng Xiaoping en China, que comenzaron como las suyas en 1979-80
y pasaron desapercibidas para la izquierda mundial.
17

La falta de ruptura en la acumulación durante un período tan largo no es algo


secundario. Facilitó considerablemente el trabajo del capital "para apropiarse de la praxis
social en toda su extensión y toda su profundidad" y forjar como dice Alain Bihr, a nivel
ahora verdaderamente mundial, "un tipo de sociedad global profundamente marcado por el
dominio del capital, mucho más allá de la esfera puramente económica".[7] Es en esta
sociedad en la que estallará cualquier eventual crisis de sobreproducción mundial, tomando
a la mayor parte de sus componentes sociales, es decir los asalariados, en un estado de total
falta de preparación "subjetiva" y por tanto política.
Una de las principales consecuencias y manifestaciones de "la acumulación sin
ruptura" es por supuesto el nivel alcanzado y los mecanismos engendrados por la
acumulación de capital de préstamo a interés, que se valoriza exteriormente a la
producción de valor y plusvalor, sin salir de la esfera de los mercados financieros.[8] La
fuerza económica y social del capital de inversión financiera es consecuencia directa de la
duradera falta de ruptura en la acumulación. No hay que olvidar que una de las primeras
causas de la reaparición de este tipo de capital a fin de los años 1960 fue el aumento de las
ganancias no reinvertidas en la producción directa de valor y plusvalor. Era preciso que
tales capitales no quedaran "ociosos" y fue necesario abrirles posibilidades de valorización
como capital de préstamo. Fue la función jugada transitoriamente por el mercado de
eurodólares offshore en la City, hasta que la liberalización financiera orquestada desde
Washington sentara las bases de los mercados de activos planetarios. Las otras dos grandes
fuentes de acumulación de un capital que viene a compartir la plusvalía manteniéndose
fuera de la producción han sido (y siguen siendo) la renta basada en las fuentes de energía o
de materias primas, con la renta petrolera a la cabeza, y los fondos acumulados en títulos de
los sistemas de jubilación privada. Mientras más importante pasó a ser la concentración del
capital de préstamo a interés, especialmente en los Estados Unidos, más crucial se volvió
garantizarle condiciones que le permitiesen concretar su pretensión de compartir la
plusvalía, cuya masa debería estar en constante aumento. Una política monetaria
consistente en tasas de interés bajas e inyecciones de liquidez ante cada sobresalto
financiero pasó a ser el principal sino el único instrumento de política macroeconómica.
La nueva configuración de la dominación mundial del capital y sus contradicciones
18

El segundo gran factor en el que es preciso detenerse, son los cambios en la


configuración geoeconómica de la dominación del capital, comenzando por la identidad de
los países y los sitios precisos donde se efectúan la acumulación del capital productivo y la
extracción del plusvalor. Comentando el debate sobre el "intercambio desigual", Louis Gill
sostenía no hace mucho tiempo (su libro es de 1996) que
para que exista transferencia de plusvalor mediante el cambio, es preciso primero
que exista producción de plusvalor. Pero la masa de plusvalor producida en los países
subdesarrollados es débil porque su productividad es débil. La fuente principal de la
acumulación a escala mundial se encuentra allí donde la productividad es más elevada, en
los países capitalistas industrializados y no en los países subdesarrollados.[9]
Ya no es así. Por supuesto, siguen siendo los países capitalistas avanzados (y sobre
todo los Estados Unidos) los lugares en donde la tasa de plusvalía, entendida como
diferencia entre el tiempo de trabajo necesario para la reproducción de la fuerza de trabajo
y el tiempo efectivamente trabajado, es la más elevada del mundo. La productividad del
trabajo es muy alta y el tiempo de trabajo necesario muy bajo, y una de las razones de esto
es la importación masiva de muy baratos "bienes salarios" (los que entran en el costo de
reproducción de la fuerza de trabajo). Pero si consideramos el cuadro en términos de masa
y no de tasa, la mayor parte de la plusvalía que permite la reproducción del capital ahora
proviene de Asia y sobre todo de China.
Lo que ha cambiado en poco más de una década en estos países y los ha hecho tan
atractivos al capital extranjero es lo que Marx denominaba en las indagaciones expuestas en
el primer tomo del El capital "el precio proporcional del trabajo", refiriéndose a su precio
en comparación con la plusvalía o con el valor de lo producido. En Asia, el precio
proporcional del trabajo bajó, a medida que al efecto de la duración y la intensidad del
trabajo se le sumó el del aumento de la productividad por la modernización del
equipamiento, lo que fue estimulado y parcialmente asegurado por la presencia de grupos
industriales extranjeros, pero también por inversiones autónomas.[10]
Durante la primera mitad de los años 1990 se dio un primer desplazamiento de la
acumulación hacia Asia, principalmente hacia Corea y Taiwán, pero también a Singapur y
otros países cuya vulnerabilidad se reveló durante el curso de la "crisis asiática" de 1997-
19

1998. Después de esa fecha, tomaron la posta China y, en menor medida, también la India
en determinadas industrias y con grandes interrogantes.
Hay que considerar la distancia recorrida desde hace un siglo. En el momento en
que se elaboró la teoría "clásica" del imperialismo en sus diferentes versiones, China estaba
sometida a un estatus semicolonial y la India a una dominación imperial que exigían una
importante ocupación militar permanente. Hoy, en condiciones políticas y grados
diferentes, ambas entidades constituyen elementos centrales en el funcionamiento de la
economía mundial. No es preciso decidir si corresponde o no darles el estatus de potencias
económicas de primera línea, o decir si dominarán o no el siglo XXI, para comprender que
la plena incorporación de estos dos países-continentes a la economía mundial, y en
particular la de China, impone dejar de lado los análisis ordenados a partir de un solo país,
aunque sea todavía el más poderoso. Lo seguro es que China no se hubiese transformado
tan rápido y en tal escala en "la fábrica del mundo" sin el movimiento masivo de
deslocalización de la producción de las mayores empresas estadounidenses y luego
japonesas y sin la tercerización internacional masiva organizada por las grandes
distribuidoras de características casi industriales, como Wal-Mart.
Las relaciones económicas y políticas de la época de la "globalización" deben ser
consideradas, más que nunca, como "articulaciones de una totalidad, diferenciaciones en el
interior de una unidad"[11]. Hasta comienzos de los años 2000, todavía se podían hacer
análisis colocando a los Estados Unidos en el centro de las relaciones jerarquizadas
constitutivas de la mundialización, concediéndole incluso un lugar aparte, el de potencia
hegemónica en el sentido fuerte de la palabra. Ya no. Los Estados Unidos estuvieron en el
origen de la mundialización del capital contemporáneo y fueron en gran medida los
arquitectos del correspondiente régimen institucional. Pero ahora ya no son más que uno de
los elementos constitutivos centrales, uno de los polos, pero no el único. El análisis del
movimiento de acumulación, de sus contradicciones y de su crisis debe hacerse
concediendo todo su lugar al que tal vez ya sea, en la configuración actual, su piedra
angular: China. Los Estados Unidos siguen disponiendo de potentes palancas económicas y
políticas, la más importante de las cuales es el rol que conserva aún el dólar. Pero la crisis
en gestación debe ser pensada en un marco donde Asia ha pasado a ser un componente
esencial.[12]
20

El Asia industrializada (economías enteras como las de Corea o Taiwán, o los


grandes polos industriales de China y la India) aseguró una longevidad suplementaria a la
larga fase de acumulación sin ruptura. Pero contradictoriamente, y debido a las condiciones
en que funciona la economía mundial, sembró algunos gérmenes de la crisis actual. La
plena integración de China a la economía mundial y también la de la India, tuvieron como
efecto poner en competencia directa a los trabajadores de todo el mundo. Desde hace dos o
tres años los bancos de inversiones vienen multiplicando los análisis referidos a la
"duplicación de la oferta de trabajo mundial debido a la entrada en la globalización de
China y la India" y a sus efectos sobre los salarios, los precios y las perspectivas de
ganancia. Pero la transformación de China en "fábrica del mundo" y de la India en país de
relocalización de las actividades de servicios informáticos y de producción de
computadoras han tenido una contrapartida muy importante, tanto en la economía real
como en el dominio financiero.
El redespliegue de las inversiones de los grupos industriales de los países de la
Tríada (EE.UU., Europa, Japón) y la importación de mercancías baratas producidas en
China y otros lugares de Asia dieron un fuerte apoyo (y en algunos casos llegaron a
sustituir) a políticas económicas y presupuestarias (en el caso de los Estados Unidos,
política monetaria) dirigidas a contener los salarios. En muchos sectores industriales, los
precios de los "bienes salarios" de origen industrial cayeron tanto que las empresas
enfrentaron una situación casi deflacionista y fueron "acogotadas" (y con ellas sus
asalariados). En Alemania el efecto depresivo del estancamiento e incluso la baja de los
salarios reales en la demanda y la actividad económica interna terminó siendo compensado
por el aumento de las exportaciones. En otras partes, fue al endeudamiento o a las medidas
fiscales a lo que recurrieron los gobiernos para sostener el empleo. El resultado fue en gran
medida insignificante debido a la magnitud de las importaciones. Las medidas aplicadas
alentaron sobre todo el alza artificial de los activos financieros y patrimoniales que termina
actualmente.
Pero poner en competencia directa a los trabajadores tuvo también repercusiones
muy importantes en la esfera financiera, especialmente con la baja de las tasas de interés a
largo plazo. Michel Aglietta dice que nació un "régimen financiero con tendencia
deflacionista"[13], que condujo al aumento de las inversiones especulativas. Los fondos de
21

colocación financiera, pero también los bancos, se lanzaron en una fuga hacia adelante en
operaciones cada vez más riesgosas con activos cada vez más "opacos", es decir ficticios.
Paralelamente, se asistió a la acumulación de excedentes comerciales y de reservas en
divisas -principalmente dólares- por los países asiáticos, pero también por países que son
grandes proveedores de materias primas. Estos excedentes fueron colocadas en bono del
Tesoro y en acciones y obligaciones privadas (entre ellas, los créditos hipotecarios). Los
Estados Unidos pudieron dejar que se acumularan los déficits externos y financiar sus
guerras al mismo tiempo que la administración Bush se permitía seguir bajando los
impuestos. Pero los excedentes fueron también una fuente de la creación de "liquideces" y
de financiamiento de operaciones especulativas de alto rendimiento. Hoy la economía
capitalista está mundializada como campo de valorización del capital y terreno de
competencia entre los trabajadores. Pero todavía no lo está en un terreno crítico, el de la
moneda, las políticas monetarias y las decisiones de los bancos centrales; en esto sigue
siendo "transnacional", es decir marcada por las decisiones soberanas de los países más
fuertes. En el terreno monetario, las relaciones actuales entre el dólar, el euro, la libra
esterlina, el yen y ahora la moneda china el yuan son en gran medida "no cooperativas",
para utilizar una expresión de moda. Lo que es, potencialmente, un factor de aceleración de
la crisis.
Desde 1982: crisis financieras a repetición
La acumulación de capitales que buscan valorizarse como capital-dinero a interés y
el crecimiento y complejidad cada vez mayor de los mercados financieros conllevan crisis
multiformes propias de las finanzas. El lugar ocupado por lo que frecuentemente se
denomina el "capital financiero" (al que prefiero denominar "capital-dinero concentrado" o
"capital de colocación financiero") torna prácticamente seguro que las primeras fases de
cualquier eventual crisis de superproducción pasarán por los mercados financieros y la
acumulación de préstamos y deudas. La liberalización y la mundialización financieras
estuvieron continuamente jalonadas por crisis y sobresaltos menores. Debido al rol jugado
por el alza de las tasas de interés norteamericanas y por el dólar en la creación de las
condiciones para la dominación de las finanzas en la acumulación, el primer episodio fue la
crisis mexicana de 1982. Fue el punto de partida de la crisis de la deuda del tercer mundo,
especialmente en América latina en países dirigido por clases dominantes parasitarias
22

desprovistas de renta petrolera. Pero incluso en los Estados Unidos, las quiebras bancarias
(Penn Square, Seattle First Bank, Continental Illinois) jalonan la primera mitad de la
década de 1980. Luego, los choques y sobresaltos financieros continuaron a medida que la
masa de capital ficticio en busca de valorizarse se incrementó y las formas de colocación y
especulación se multiplicaron y diversificaron. Se dio el crack bursátil de mediana amplitud
de Wall Street en 1987. Fue seguido en 1989 por la quiebra y salvataje de las cajas de
ahorro norteamericana (loan and savings) que marcó el debut de una primera crisis mundial
inmobiliaria. Su punto culminante es el crack del Nikkei y del sector inmobiliario en Japón,
cuyas consecuencias realmente nunca desaparecieron, pese a que la potencia de los grupos
industriales fue salvaguardada mediante su implantación en los Estados Unidos y en China.
El estallido de esta primera burbuja inmobiliaria internacional en 1990 provocó una
recesión, caracterizada por algunos economistas como "financiera" para subrayar que su
causa era cierta forma de especulación.
Al comienzo de los años 1990 se vieron también graves crisis en los mercados
cambiarios de Europa, provocados por el capital-dinero concentrado de los inversores
institucionales. Estas crisis les permitieron lograr ganancias especulativas, imponiendo al
mismo tiempo políticas económicas centradas en "el manejo de la inflación", garantizado
por el Banco Central Europeo según los tratados de Maastricht y de Amsterdam. Estos años
fueron marcados sobre todo por el desplazamiento temporario de las crisis financieras y las
recesiones nacionales que las acompañaban hacia la zona periférica del capitalismo
mundial (donde se encontraban las economías y los mercados financieros llamados
"emergentes"). Así se asistió primero a la muy grave segunda crisis de la deuda en México
en 1995, con repercusiones sobre la producción estadounidense, pese a la intervención
rápida de la Fed (Banco Central de los Estados Unidos ) y del Departamento del Tesoro. El
episodio siguiente tuvo como escenario al Asia. Lo que se ha llamado la "crisis asiática",
desarrollada entre junio de 1997 y los primeros meses de 1998, tocó fuertemente a siete
economías y tuvo efectos en muchos otros países. Fue inmediatamente sucedida por la
crisis rusa, antes de tener fuertes impactos en Brasil y la Argentina, tras provocar la quiebra
y exigir el salvataje en octubre de 1992 de un gran fondo especulativo (un hedge fund) con
base en Nueva York, el Long Term Capital Management. La importancia de la crisis
asiática es que la propagación de la crisis se produjo por la transmisión de la contracción de
23

la producción y del empleo desde los países en los que se produjo la crisis financiera hacia
otras economías. Esto se dio a través del comercio internacional. En el caso del Sudeste
Asiático, la crisis afectó sobre todo los intercambios intrarregionales de productos
complementarios y menos a las exportaciones de productos directamente competitivos.
Pero en el caso de Corea, en octubre de 1997, se asistió a una crisis financiera que reveló
una fuerte sobreacumulación y desembocó en una verdadera crisis de superproducción con
repercusiones mundiales.
Por primera vez desde los años 1930, se conformó a fines de 1997 una situación de
deflación, es decir de baja de precios y de competencia salvaje entre exportadores de
algunas categorías específicas de mercancías. Hubo también un momento de crisis bursátil.
Tocó a las principales bolsas asiáticas, especialmente Hong Kong, donde el hundimiento de
las cotizaciones provocó un comienzo de contagio bursátil a la baja realmente mundial.
Durante dos días (27 y 28 de octubre de 1997), las acciones cayeron fuertemente en Nueva
York, y la caída se extendió hacia Europa.
Completemos por ahora la cronología volviendo a los Estados Unidos en la fase
expansiva del ciclo de la "Nueva Economía" de 1998-2001. En este momento se completó
el montaje del actual régimen de "gobierno de empresa", que hace del "valor accionarial" el
objetivo prioritario de las firmas (con los stock-options como estímulo para los ejecutivos).
Los capitales de los inversores institucionales refluyeron desde Asia hacia sus bases de
origen. Las dos bolsas de Nueva York, el NYSE y el Nasdaq (especializado en las acciones
de las firmas de "alta tecnología"), volvieron a ser el principal terreno de operación de los
inversores financieros y de los managers "de nuevo estilo" cuya personificación fueron los
ejecutivos de Enron. El "valor accionarial" no exige solamente un reparto de las ganancias
que prioriza los dividendos. Supone también mantener las cotizaciones de la bolsa en un
nivel alto. Los grupos industriales pasaron a comprar sus propias acciones, endeudándose
en el mercado de préstamos. Las adquisiciones de las firmas más débiles fueron financiadas
por intercambios de títulos con precios que no tenían ninguna relación con su valor real.
Cuando la "burbuja Internet" estalló a comienzos de 2001, el Nasdaq conoció un verdadero
crack mientras que el NYSE sufrió una seria caída y se mantuvo en niveles bajos hasta
fines de 2002. Incluso las empresas que no corrieron la misma suerte que Enron o Vivendi,
quedaron muy endeudadas y siguieron estándolo hasta 2003 o incluso 2004. Las opciones y
24

medidas tomadas por el gobierno de los Estados Unidos para contener los efectos del crack
del Nasdaq y apoyar aún más que antes al sector inmobiliario, sembraron la semilla de la
crisis financiera que ahora vemos y privaron también al actual presidente de la Fed de
medios de acción efectivos.
Los mecanismos de propagación de la crisis
Es preciso regresar a 2007 para precisar el punto de inflexión de la coyuntura
estadounidense e identificar los mecanismos de propagación de la crisis financiera desatada
en agosto.
El primer mecanismo de propagación es interno a la economía norteamericana.
Tiene como origen el estallido de una burbuja inmobiliaria que se formó progresivamente
desde 2004. Comenzó afectando la actividad económica estadounidense en el sector de la
construcción, pero también a la economía en general. El ritmo de la creación neta de
empleos cayó en promedio mensual de 189.000 en el 2006 a 118.000 en el curso de los
meses de agosto-septiembre-octubre.[14] Implicó la quiebra de algunas sociedades
financieras, de dos tipos: las sociedades de préstamo hipotecario y las especializadas en la
actividad de titulización de préstamos hipotecarios riesgosos, su compra y su reventa
(explicaremos mas adelante en que consiste esta titulización). Hablar de "burbuja
inmobiliaria" se justifica porque casas y departamentos no representan sólo un valor de uso
para el propietario, sino también un "activo financiero", que se compra pensando en
revenderlo y que sirve de garantía para otros préstamos. En el origen de una burbuja se
encuentra siempre, junto con candidatos a especuladores que tienen dinero para colocar,
procesos que alientan la idea de "buena colocación" de bienes patrimoniales -títulos
financieros, departamentos o casas- a ser comprados para revenderlos con ganancia segura
y alta rentabilidad. Una vez que este convencimiento colectivo (siempre con carácter "de
manada") toma cuerpo, comienza un alza de precios de los activos implicados que impone
durante cierto tiempo un proceso de autorrealización. La suba de los precios atrae nuevos
compradores cuya llegada empuja los precios aún más arriba. En el caso de los títulos de
empresas (acciones u obligaciones privadas) esto dura hasta que se dé un cambio de
coyuntura como resultado de la marcha lenta de las inversiones o del consumo o de un
choque exterior, que rompa la inercia de los inversores y los empuje a deshacerse de los
títulos más expuestos. En el caso del sector inmobiliario, el momento en que termina la
25

suba de precios proviene de la saturación de la demanda, el grado de sobreinversión


resultante de "anticipaciones" excesivamente optimista de los promotores inmobiliarios y
también de la simple disminución del crecimiento de los ingresos en los hogares.
En los Estados Unidos, la utilización de la casa individual como activo financiero
viene de lejos. En el curso de la última década y a despecho del mundo bursátil, las
plusvalías realizadas con la compra y venta de casas de habitación individuales fueron la
primera fuente (60%) de enriquecimiento patrimonial de los hogares estadounidenses y las
plusvalías bursátiles (20%) ocuparon la segunda posición. La práctica de préstamos
hipotecarios se generalizó desde hace mucho, pero también y de manera aún mas
importante la de titulización de los préstamos hipotecarios poseídos por los bancos. Sobre
este dispositivo descansa el sueño americano (más exactamente, el mecanismo de
estabilidad social) de acceso a la propiedad de la vivienda. Por eso en 2002 el sector
inmobiliario fue elegido por la Fed y el gobierno federal para relanzar la actividad
económica. A medida que la burbuja inmobiliaria se formó, los préstamos hipotecarios ya
no fueron ofrecidos solamente a los hogares que disponían de ingreso relativamente altos y
estables, sino también a los que no estaban en esa situación. La desregulación acelerada de
los años 1990 y 2000 permitió el florecimiento de sociedades de préstamos hipotecarios
independientes (que hoy la Fed reconoce no poder controlar y ni siquiera supervisar). Son
las que están directamente en el origen del mercado de préstamos "subprime" (literalmente
"inferiores a la norma de calidad"). Pero para que no sólo fuesen acordados préstamos de
riesgo muy frágiles y dudosos, sino también que fueran revendidos, era preciso que las
sociedad de préstamo hipotecario independientes encontraran sociedades financieras
robustas (al menos aparentemente) frente a las cuales pudiesen titulizar los contratos que
habían hecho firmar. Y los fondos especulativos de alto riesgo (los hedge funds), en general
filiales de grandes bancos de inversión o grandes bancos comerciales, aceptaron hacerlo.
Estos fondos y sus sociedades madres no son sólo norteamericanos, sino también
extranjeros. Esto es lo que provocó un proceso de la rápida propagación de una crisis
realmente mundial con el sistema financiero como escenario.
¿Por qué los fondos de colocación especulativos ocuparon un lugar cada vez más
importante desde 2002-2003? Debido al débil rendimiento de las obligaciones derivado de
la baja en las tasas de interés, así como al estrechamiento de los mercados de acciones
26

(achicamiento relativo, en relación a la masa de "liquideces" que buscaban valorizarse), los


inversores institucionales adoptaron y propusieron a sus clientes lo que se llama una
"gestión dual". Por un lado constituyeron carteras de "gestión pasiva", para cubrir sus
costos. Por el otro delegaron la gestión activa de las colocaciones destinadas a ofrecer
rendimientos elevados, ya sea a los hedge funds (los ya existentes o los que ellos mismos
crearon), ya sea a los "fondos de fondos", especialmente de private equity, especializados
en las OPA con un fuerte efecto de palanca, que también constituyeron solos o asociándose.
Los hedge funds buscan colocaciones con rendimiento alto. Sus estrategias descansan en
palancas de préstamos muy elevados, activos de alto riesgo y una rotación muy rápida de
sus carteras. Con el 5% de los activos gestionados en el mundo, los hedge funds realizan
entre un tercio y la mitad de las transacciones diarias combinadas de Nueva York y
Londres. El ingreso de nuevos actores en la industria de inversiones financieras en un
contexto de liquideces masivas (cuya causa se explica más adelante) exacerbó la
competencia. Se asistió entonces a la creación de instrumentos de colocación cada vez más
complejos, generalmente basados en la titulización y la creación de lo que la jerga
denomina los "productos sintéticos" en los que se realiza un "empaquetamiento" de
acreencias de origen y fiabilidad muy distintos. Son los RMBS (residential mortgage
backed securities), es decir los títulos adosados a préstamos inmobiliarios; los CDS (credit
default swaps) que son derivados de créditos que implican transferencias a través de un
interés del riesgo ligado a la tenencia de obligaciones de empresas; y finalmente los CDO
(collateralied debt obligation), que son "títulos derivados", es decir el resultado de dos
operaciones sucesivas de titulización. Como pudo verse desde agosto, estos títulos
mantenidos en "gestión dinámica" por los bancos contenían generalmente acreencias
hipotecarias insolventes.
La desregulación del crédito interbancario
La quiebra en julio del 2007 de dos fondos de riesgo de la banca de inversiones
neoyorquina Bear Stearns fue seguida el 4 de agosto por el anuncio de que el banco
regional alemán IKW estaba en grandes dificultades y el Ministerio de Finanzas había
intervenido para su salvataje. Después se anunció, el 9 de agosto, que BNP-Paribas había
congelado tres fondos de riesgo invertidos en subprime, para detener el retiro de los
capitales allí colocados por los inversores. La sacudida siguientes se produjo el 22 de
27

agosto cuando se supo que en Nueva York tres grandes bancos habían recurrido a la
facilidad de descuento de la Fed por cuenta de sociedades financieras clientes en
dificultades, así como también que ese mismo día en Londres Barclays había sufrido el
rechazo por el HSBC del crédito interbancario llamado "over night ", usual entre bancos
para cerrar sus cuentas del día, abriendo lo que The Economist llamó una "guerra fría" entre
los mayores bancos de la City. Ellos saben que todos tienen inversiones en "productos
sintéticos" con títulos sin valor, aunque ignoran en qué grado ni con qué nivel de pérdidas
potenciales. La incertidumbre se tradujo en una fuerte alza a mediados de agosto del
mercado interbancario londinense (el Líbor) en el que los bancos, británicos y extranjeros,
se financian y prestan mutuamente, afectando el funcionamiento del crédito interno del
sector financiero.
En la configuración del sistema financiero de los años 2000, los fondos de inversión
y otras sociedades financieras pudieron volverse, en tiempos normales, hacia el mercado
monetario para emitir títulos de deuda de corto plazo (llamados commercial paper),
garantizados con algunos de sus activos, de ahí su nombre asset backed commercial paper
(ABCP). Después de agosto, tuvieron grandes dificultades para hacerlo. La capacidad de
obtener fondos emitiendo estos ABCP depende de la calidad de los activos a los cuales se
adosa la emisión. Hasta agosto los antes mencionados "productos sintéticos" satisfacían ese
criterio, pero ya no es así, de modo que los compradores de ABCP escasearon y el mercado
se achicó. El estrechamiento del crédito interno del sector financiero, combinado por
supuesto con la fuerte disminución de los precios del sector inmobiliario en el Reino Unido,
provocó el episodio siguiente, la situación de cuasi quiebra de Northern Rock. Durante
varios años, esta sociedad que es el quinto establecimiento de préstamos hipotecarios y el
octavo banco del sistema británico, obtuvo fuertes ganancias financieras con el ahorro de
particulares, pero sobre todo logrando muy fuertes sumas en el mercado de títulos ABCP.
Su gestión, al igual que la de las sociedades de Private Equity, se basó en "el efecto
palanca" que exige una rotación continua de préstamos elevados de corto plazo. Desde
fines de agosto los bancos y los fondos ya no quisieron conceder préstamos a Northern
Rock. El banco fue obligado a comunicarlo, provocando la primera fuga de depositantes
(bank run) en un país capitalista avanzado desde los años 1930. El Banco de Inglaterra y el
gobierno británico se vieron obligados a intervenir para evitar la quiebra. Un proceso
28

análogo de estrechamiento del crédito interno del sector financiero hizo caer una amenaza
de quiebra sobre él hedge funds de capitales familiares franceses Oddo, considerado hasta
el mes de agosto como un modelo de "gestión dinámica " exitosa. La contracción del
crédito interno en el sector financiero es uno de los canales posibles de propagación de la
crisis financiera hacia los mercados bursátiles, pues los hedge funds en dificultades, pero
poseedores de una cartera de acciones, podrían verse obligados a venderlas. Después de
agosto es sobre todo la caída de las cotizaciones de los bancos en su calidad de sociedades
cotizantes en Bolsa lo que provocó la caída de los índices bursátiles. Las dificultades que
conocieron fondos especulativos importantes acentuaron también las de los bancos.
Hipertrofia de los mercados de activos, acumulación de deudas y teoría del
capital ficticio
Si hiciera falta un hilo conductor para caracterizar la historia económica de los
países capitalistas industriales avanzados durante las tres últimas décadas, sería el de la
acumulación de un monto extremadamente elevado de capital ficticio y la modificación de
las políticas económicas y políticas para asegurar su mantenimiento. En este período y
debido a la misma acumulación, se han producido cambios profundos en la composición
del capital ficticio, en el sentido de un continuo aumento del carácter puramente ilusorio,
imaginario, de los títulos que componen ese capital y que deben liberar "ganancias", así
como de los peligros cada vez mayores que su emisión y su intercambio hacen pesar sobre
el sistema financiero mundializado. Los mismos defensores de este sistema hablan de "fuga
hacia adelante" y de decisiones que permitieron "que el genio se escape de la botella",
etcétera.
La categoría de "capital ficticio" se encuentra únicamente en Marx. Esboza sus
contornos cuando escribe sobre el capital de préstamo a interés, pero también cuando
examina la actividad de creación de crédito por los bancos. El término define la naturaleza
de los títulos emitidos en contrapartida de préstamos a las entidades públicas o empresas
(las obligaciones), o en reconocimiento a la participación en el financiamiento
(generalmente inicial) del capital de una empresa (las acciones).
El contenido económico de estos títulos está dado por la pretensión de participar en
la distribución de la ganancia (en una magnitud fijada por normas referidas al valor de las
acciones) o a obtener beneficios vía el servicio de la deuda pública y la redistribución de
29

ingresos centralizados impositivamente.[15] Para sus poseedores estos títulos, que pueden
ser negociables en cualquier momento en mercados especializados, representan un
"capital", del que se espera un rendimiento regular bajo la forma de intereses y dividendos
(una "capitalización"). Vistos desde el ángulo del movimiento de capital productivo de
valor y plusvalor, tales títulos no son capital, en el mejor de los casos son el "recuerdo" de
una lejana inversión; pero para sus poseedores son un "capital", no solamente por la
apropiación de valor que posibilitan, sino por la posibilidad de cederlos en los mercados
financieros y recuperar sumas líquidas que pueden ser nuevamente colocadas, consumidas
o invertidas en el sentido preciso de la palabra.
El crédito creado por los bancos conlleva también una dimensión de creación de
capital ficticio, y aunque asume diversas formas y puede ser más o menos importante,
significa en definitiva que los bancos ponen a disposición de los "agentes económicos"
sumas que no tienen. Para las empresas, son sumas que les permiten ya sea esperar pagos
por venir, ya sea completar su propio capital en el momento de inversiones en actividades
creadoras de valor y plusvalor. Para los particulares a los que se concede crédito, son sumas
superiores a su ahorro y a sus ingresos corrientes que les permiten construir o comprar una
casa o comprar bienes de consumo. Las operaciones de creación de capital ficticio para las
empresas o de medios ficticios para hacer compras implican un aumento de la masa
monetaria en circulación. Son también un factor de riesgo. Los créditos creados
necesariamente sobrepasan ampliamente el monto de las sumas depositadas en los bancos
(cuya principal fuente en los países capitalistas avanzados es hoy el depósito de los salarios
mensualizados): la cuestión es saber cual es la amplitud tolerable sin que el riesgo sea
excesivo. Por ambas razones, durante mucho tiempo la principal misión de los bancos
centrales fue vigilar a los bancos y controlar la amplitud de esta actividad de creación de
crédito. Haciéndolo limitaban, de hecho, el monto de capital ficticio creado en el sector
bancario.
Marx, que había advertido la importancia crucial de sistema de crédito para la
fluidez de la producción, subrayó también que existían fuerzas que dificultaban su control:
No solamente la mayor parte de los activos de los bancos es ficticio, puesto que está
compuesto por títulos y esta clase de riqueza en dinero imaginario constituye una parte
30

considerable no sólo de la riqueza en dinero de los particulares, sino también, como ya


hemos dicho, de los banqueros.[16]
Pero además
Al desarrollarse el capital a interés y el sistema de crédito, parece duplicarse y a
veces triplicarse todo el capital por el diverso modo a como el mismo capital o simplemente
el mismo título de deuda aparece en distintas manos bajo distintas formas.
Y precisa:
La mayor parte de este "capital-dinero" es puramente ficticio. Todos los depósitos
con excepción del fondo de reserva, no son más que saldos en poder del banquero, pero no
existen nunca en depósito. Cuando sirven para las operaciones de giros, funcionan como
capital para el banquero, una vez que éste los presta. Los banqueros se pagan
recíprocamente las mutuas asignaciones sobre los depósitos no existentes mediante
operaciones de descargo en estos saldos.[17]
La acumulación de títulos y acreencias que ha tenido lugar desde hace casi cuarenta
años fue inicialmente resultado por así decirlo mecánico del proceso en que intereses y
dividendos pasaban a ser colocados en nuevos títulos. Y dado que el carácter ficticio de esta
forma de capital no anula, sino que por el contrario exacerba su peso económico, político y
social, el aumento del "poder de las finanzas" contribuyó a reforzar el conjunto de los
mecanismos conducentes a la acentuación de la desigualdad de ingresos, alimentando un
flujo continuo de sumas en busca de colocación.
Estas sumas llegaron del conjunto del mundo y se incrementaron aún más con el
reflujo en 1997-98 de los capitales que estaban colocados en Asia. El aumento de la masa
de capitales a colocar o recolocar provocó ulteriores desarrollos. En primer lugar, los
inversores financieros, comenzando por los inversores institucionales, ya no se
conformaron con el rendimiento de sus carteras en intereses y dividendos. Ellos pasaron,
para satisfacer las normas del "corporate gobernance" a una gestión llamada de "total
return" en la cual el monto de las ganancias resultantes de la venta o del intercambio de
títulos con alta cotización bursátil pasó a ser un elemento decisivo, e incluso el más
decisivo para la evaluación de la performance de los administradores. Los grupos
industriales comenzaron a recomprar sus títulos en Bolsa para sostener su valor y
obtuvieron los fondos para tal inversión endeudándose. Este disparate es la expresión de
31

una situación en que las exigencias de acumulación de capital ficticio se imponen por
encima de las del capital orientado hacia la puesta en marcha del trabajo asalariado y la
apropiación de plustrabajo.
La titulización y la naturaleza de las ganancias obtenidas en la esfera financiera
El "total return" no fue más que una etapa. Con la atonía de los mercados bursátiles
después de 2001-2002 y la caída de las tasas de interés a mediano y largo plazo provocada
por los efectos inflacionistas nacidos con la crisis asiática y luego por el monto cada vez
más elevado de los excedentes comerciales y las reservas cambiarias de China, de India e
incluso de Brasil en busca de colocación, los inversores institucionales adoptaron la
"gestión dual", como explicamos. E hicieron que los hedge funds, tratados con mucha
desconfianza tras el salvataje obligado de LTCM, pasaran a ser instituciones "respetables"
cuyos resultados de rendimiento para los inversores fueron esperados y admirados. Nadie lo
objetó. ¿Por qué? Porque los inversores financieros, así como también los bancos centrales,
creyeron tener finalmente una técnica milagrosa que garantizaba al sistema bancario contra
el riesgo: la titulización generalizada. ¿Qué es esta titulización (en francés "titrisation",
aunque la expresión original en inglés es "securitization")? Pues consiste en "transformar
las acreencias en manos de establecimientos de crédito, sociedades financieras, compañías
de seguros o sociedades comerciales (las cuentas-cliente) en títulos negociables"[18]. Estos
títulos tienen nombres estrafalarios pero es obligado mencionarlos. Están en primer lugar
los RMDS (resiential mortgage backed securities), adosados a los préstamos inmobiliarios.
Se encuentran luego los CDS (credit default swaps), derivados de crédito que conllevan la
transferencia con intereses y elevadas comisiones del riesgo ligado a la posesión de
obligaciones de empresas (estos CDS eran instrumentos de cobertura de riesgo, pero
pasaron a ser instrumentos de colocación especulativa). Están finalmente los CDO
(collateralized debt obligations), que son "títulos derivados de títulos" que suponen dos
operaciones sucesivas de titulización y una total opacidad sobre la composición del
"producto sintético". Han jugado un rol muy importante en la marcha de la crisis.
El autor del pequeño léxico del que tomé la definición de titulización agrega que
esta técnica presenta múltiples ventajas:
brinda la oportunidad de diversificar las fuentes de financiamiento, la transferencia
a terceros de la gestión de los reembolsos anticipados y por lo tanto del riesgo de la tasa de
32

refinanciamiento, el respeto de las porcentajes de solvencia bancaria (ratio Cooke) y la


creación de un nuevo producto financiero que pasa a ser negociable en un mercado.
Y concluye:
el advenimiento de la titulización constituye una revolución financiera fundamental
en la medida en que esta técnica representa la generalización de la transferencia de los
riegos a quienes están en mejores condiciones de asumirlos.[19]
Son palabras que reflejan la opinión casi unánime de los profesionales de las
finanzas, que siguen proclamando que no hay que cuestionar la titulización. Pero como lo
ha mostrado el curso de la crisis hipotecaria y su transformación en crisis de liquidez del
sistema financiero, es un espejismo creer que existirían prestamistas "en mejores
condiciones de asumir el riesgo" asegurando la perennidad de la cadena de créditos
transferidos en cascada. Lo único que hay son fondos dispuestos a asumir riesgos más
elevado que otros en el marco de un sistema extraordinariamente opaco, desprovisto del
cualquier mecanismo de regulación y alimentado por la "sobreliquidez" de capital ficticio y
que, en determinado momento, ya no encuentran a nadie sobre quien descargarse.
Las "ventajas" que se atribuyen a la titulización parecen responder como un eco a la
cita de Marx que antes hicimos. Y una de estas "ventajas", completamente contemporánea,
tiene que ver con la utilización de la titulización por los bancos para evadir (aunque
respetando formalmente) las reglas que el Banco de Reglements Internacionales (BRI)
intentó montar, especialmente en lo referido a los niveles mínimos de fondos propios. La
titulización permitió que los bancos colocaran en una contabilidad paralela, llamada "fuera
de balance", un monto cada vez más elevados de acreencias. La incertidumbre relativa a la
dimensión de estos compromisos fuera de contabilidad formal es una de las causas de
inquietud de los especialistas en cuanto la posibilidad de que se produzca un "crédit
crunch" en el sentido fuerte, es decir una contracción del crédito a la economía. El recurso
a la titulización así como la filialización por los bancos de los fondos riesgosos es una etapa
más en la desespecialización de los bancos desde que la liberalización financiera puso fin a
su primacía en materia de préstamos a las empresas. Bajo efectos de la competencia de los
fondos de pensión y de los mutual funds, los bancos se lanzaron a préstamos remunerativos
pero cada vez más riesgosos. Estuvieron en el corazón de la crisis hipotecaria de 1990-92.
Luego se hicieron cargo del refinanciamiento de los créditos bancarios emitidos en los
33

países del sudeste asiático hasta retirarse brutalmente en 1997, con pérdidas en algunos
casos, especialmente en Indonesia. Después del 2004, se lanzaron a los mercados de efectos
titulizados por intermedio de filiales de alto riesgo. Y hoy están tocados por el estallido de
la burbuja inmobiliaria.
Queda por abordar un último aspecto de los cambios que tuvieron lugar en la
composición del capital ficticio en estos veinte años: la aparición, al lado de la búsqueda de
intereses y de dividendos, de lo que se puede llamar "ganancias ficticias". Venían de antes,
pero con un rol muy secundario. Es lo que expresaba el término "windfall profits" utilizado
en los años 1920-1930 para designar las ganancias resultantes de especulaciones bursátiles
exitosas. Las "ganancias ficticias " se oponen a las "acreencias fuertes " asociadas a la
acumulación de capital-dinero a interés, es decir con pretensiones de llegar a compartir el
valor y plusvalor bajo la forma de pago de intereses sobre los préstamos al estado y
dividendos a que alude la expresión "dictadura de los acreedores". Las "acreencias fuertes"
están asentadas sobre mecanismos económicos y medios de coerción política que
garantizan su efectividad excepto en caso de muy grandes crisis, guerras o revoluciones
(por ejemplo, los "títulos rusos" perdidos en 1917). Se está ante "capital ficticio" en el
sentido ya explicado (capital para los poseedores de títulos, vestigio de inversiones pasadas
desde el punto de vista del movimiento de acumulación propiamente dicho), pero posibilita
transferencia de valor y de plusvalor hacia grupos sociales con rasgos parasitarios que no
son para nada de ficticios. En el momento de los cracks financieros, el carácter ficticio de
los títulos se descubre a expensas de su poseedores. Pero hasta entonces, son instrumentos
de transferencias muy reales, que modifican la distribución del ingreso y que pesan sobre
las inversiones.
La otra gran forma de acreencias que da lugar a una transferencia efectiva de
ingresos, tomado sobre los salarios para los préstamos a los particulares y sobre las
ganancias para los préstamos a las empresas, es la que nace del crédito. La fuerza de estas
acreencias es menor, a veces muy débil. La capacidad de los acreedores de imponer el pago
tiene límites. Así lo prueban las "acreencias dudosas" que exigen precauciones especiales
por parte de los bancos, pues la quiebra de los deudores ocasiona verdaderas pérdidas para
los prestamistas. En todo caso, lo novedoso fue la aparición (desde mediados de los años
1990 y más aceleradamente a partir de 2001) junto a las acciones y las obligaciones, de un
34

monto cada vez más elevado de títulos cuya valorización descansa únicamente en un
proceso de circulación interno a la esfera financiera. La ficción alcanza su punto culminante
pues el "valor" de estos títulos sólo se mantiene en tanto y en cuanto su circulación no se
interrumpa, y las sociedades financieras continúen aceptándose los títulos de unas y otras
entre sí. Las "ganancias" provenientes de ocuparse de estos títulos y de la liquidación
exitosa de las deudas subyacentes son "ganancias ficticias". Con el pasaje al "total return"
y la formación de la burbuja del Nasdaq, las "ganancias ficticias" cobraron mayor
importancia. La crisis en desarrollo demuestra que la titulización pero también un conjunto
de prácticas desarrolladas por los bancos de inversiones y los "hedge funds" han relegado
esta forma a un segundo plano. En un reciente trabajo, Reinaldo Carcanholo y Paulo
Nakatani[20] atribuyen a las "ganancias ficticias" la recuperación de la curva de la tasa de
ganancia durante los años 90. Un artículo de The Economist atestigua de la importancia de
las sumas provenientes de las especulaciones y las comisiones por la gestión de las
sociedades financieras así como de su inclusión (en los Estados Unidos) en las
contabilidades bajo la rúbrica "ganancias".[21] También son incluidos por las sociedades
cotizantes en Bolsa en sus ganancias operacionales (operating earnings) y además están
incluidas en las ganancias registradas en la contabilidad nacional. Las "ganancias" sacadas
de las colocaciones y las especulaciones financieras representan el 27% de las ganancias de
las 500 sociedades del índice Standard & Poors y una tercera parte del crecimiento de las
ganancias de las sociedades norteamericanas en la última década se debería a las sociedades
financieras (todas las cifras provienen del artículo de The Economist). Pero es imposible
acordar con Carcagnolo y Nakatani cuando escriben que estas ganancias fueron un "nuevo
factor poderoso que vino a contrarrestar la baja tendencia de la tasa de ganancia". Los
factores que contrarrestaron pasajeramente la baja de la tasa de ganancia deben ser
buscados en otra parte: sólo los factores que afecten la tasa de explotación o el precio de los
elementos constitutivos del capital constante pueden hacerlo. Las "ganancias ficticias" son
una emanación de la hipertrofia financiera y están condicionadas por su extrema
vulnerabilidad. Hoy los especialistas, incluido el autor del artículo del The Economist,
esperan que caigan fuertemente provocando impactos macroeconómicos coyunturales
posiblemente serios, y por lo tanto con rebote sobre la actividad de las empresas.
Los gastados medios de acción de los bancos centrales y la rivalidad de las monedas
35

La política monetaria se ha convertido en el principal medio de política económica


anticíclica. Está conducida por los bancos centrales junto con los gobiernos en todas partes,
excepto en la zona del euro donde prevalece la sacrosanta independencia del Banco Central
Europeo. Esta política descansa esencialmente en dos instrumentos: la creación de liquidez
en beneficio de los bancos o de otras sociedades financieras en dificultad y la baja de las
tasas de interés directrices que fijan el precio de los préstamos a corto plazo. Pero lo que
estos dos medios de manejo de la crisis financiera tienden a mostrar, es que los bancos
centrales han quemado sus cartuchos o tienen en el mejor de los casos cartuchos mojados.
La Fed, el Banco de Inglaterra y el Banco Central Europeo pusieron a disposición de las
sociedades financieras en dificultades créditos importantes sin lograr con esto detener la
progresión de la crisis en el seno del sistema financiero. La Fed bajó sus tasas medio punto,
lo que es una baja importante, el 18 de septiembre. La Bolsa se regocijó, pero al día
siguiente los comentadores serios explicaban que eso no tendría ningún impacto sobre el
mercado hipotecario y como máximo frenaría el proceso de contagio hacia otros sectores de
la economía norteamericana.
Estos instrumentos están gastados por dos razones: su utilización reiterada, y el
desborde de los bancos centrales por mecanismos resultantes de la mundialización
financiera. Michel Aglietta es quien da la explicación más seria del primer aspecto: son las
exigencias y los efectos del régimen del valor accionarial que llevaron a su utilización
reiterada. Vale la pena citar a Aglietta extensamente, testimoniando de paso el abandono
implícito pero impactante de las tesis que defendía en 1997 con respecto a los
encadenamientos virtuosos del "capitalismo de mañana": para mantener una ganancia alta y
regular hace falta una demanda dinámica. La misma no puede provenir de los países
emergentes, porque están en situación estructural de balanza de pagos excedente. No puede
provenir de los ingresos salariales, cuyo crecimiento es débil. Proviene de los ingresos
distribuidos a los accionistas y a la elite dirigente, pero la masa global de estos ingresos es
insuficiente para sostener una demanda agregada y creciente rápida. El capitalismo
contemporáneo encuentra la demanda que permite realizar las exigencias del valor
accionarial en el crédito a los hogares. Este proceso alcanza su paroxismo en los Estados
Unidos. Alimenta los desequilibrios financieros globales que se acumulan siguiendo una
pendiente sin contratendencia. El lazo del crédito y el principio del valor accionarial es
36

estrecho. Empujando al alza de los precios de los activos patrimoniales, el crédito


desconecta el consumo del ingreso disponible.[22]
El recurso a tal procedimiento necesariamente tiene un límite. Llega el momento en
que el precio de los activos patrimoniales, sobre todo los activos inmobiliarios, ya no puede
subir, comienza a estancarse y luego a bajar, a causa de los mecanismos endógenos de todo
ciclo, especialmente los que terminan en burbuja financiera. El consumo no puede tampoco
ser relanzado indefinidamente mediante el crédito, porque el endeudamiento ya es muy
alto. El banco central quiere socorrer a sociedades financieras proveyéndoles liquideces de
urgencia y bajando la tasa de interés sobre la que todavía se apoya: pero no es suficiente, y
el movimiento hacia la recesión continúa. Así se constata tras dos meses de intervención de
la Fed bajo la dirección de Ben Bernanke, el desdichado heredero de Alan Greenspan, que
fue quien utilizó los "instrumentos de banquero central" hasta gastarlos.
El agotamiento de la eficacia de medios demasiado utilizados se conjuga con la total
pérdida del control de los bancos centrales sobre variables que tradicionalmente debían
manejar si no controlar: la cantidad de las monedas de distinto tipo en circulación. La
integración de los mercados financieros nacionales en un espacio de circulación de capital
dinero ahora mundializado en el sentido fuerte de la palabra se lo impide. Para lograrlo,
deberían desarrollar entre ellos una cooperación muy estrecha. El aumento descontrolado
de la masa de divisas y de simples escrituras que se presentan como "monedas" tuvo en
particular dos causas. La primera es lo que se llama "carry trade". Sobre todo se acusa a
Japón. El banco central fue forzado a mantener sus tasas de intereses directrices en un nivel
muy bajo con la esperanza de relanzar la demanda interna. En otras partes, las tasas fueron
más altas, siempre superiores en tres o cuatro puntos y en el caso de países como Brasil, la
distancia fue mucho mayor aún. Cualquier sociedad financiera instalada en la plaza de
Tokio, fuese japonesa o filial extranjera, tuvo la posibilidad de jugar sobre el diferencial de
remuneración del dinero para comprar activos financieros donde les resultaban muy
baratos. Como dijimos, sólo una estrecha cooperación entre los bancos centrales para poder
nivelar las tasas directrices podría terminar con esa práctica. ¡Y sería necesario mucho más
todavía para controlar el monto de las liquideces mundiales! Y aquí llegamos a la segunda
causa: el aumento de la liquidez mundial. Son las reservas, sobre todo en dólares y un poco
en otras grandes monedas, resultantes de los excedentes comerciales de los nuevos países
37

industriales de Asia, de los países beneficiarios de rentas energéticas "petróleo y gas"


(mientras duren) y de los países exportadores de productos mineros y agroindustriales
(Brasil, etcétera). Su monto justificaría una cooperación entre bancos centrales que
condujese a la esterilización de una fracción muy alta de las reservas. Pero estamos lejos de
esto. Los Estados Unidos no mostraron hasta el presente ningún interés, pues las reservas
extranjeras han financiado el déficit presupuestario norteamericano y fueron incluso
llevadas a los mercados de titulización de las deudas de los particulares. Michel Aglietta da
estas cifras: sobre los 850 mil millones de dólares de capitales extranjeros que requiere el
financiamiento de la economía norteamericana, solamente 170 mil provienen de otros
bancos centrales y 680 mil de los inversores privados, 600 mil millones de ellos como
billetes de Tesorería u obligaciones en promedio, al primer trimestre del año 2006. Estos
títulos están emitidos por empresas no financieras y financieras y surgen sobre todo de la
titulización de los créditos. Los no residentes aseguran el 50% del refinanciamiento de la
deuda de los hogares. Y subraya que "esta repartición del financiamiento externo de los
Estados Unidos entre los bancos centrales y los inversores privados extranjeros es
estructural".[23]
Lejos de sentar las bases de una cooperación sobre tasas de cambio y regulación de
la liquidez global en función de las necesidades de pagos internacionales, las autoridades
políticas y monetarias de los países o de las uniones económicas con monedas importantes
se encierran en atender cada uno sus intereses o en políticas que traducen impases
institucionales profundos. Vemos algunos pocos ejemplos. La Fed bajó su tasas de interés
respondiendo a presiones internas en los Estados Unidos, la medida no tenía prácticamente
ninguna posibilidad de lograr algo más que frenar el movimiento hacia la recesión, pero
tuvo en cambio un impacto inmediato en la tasa de cambio del dólar con las otras monedas.
El alza del euro así provocada, contribuirá de rebote a propagar la recesión hacia los países
miembros de la zona euro, con el inmediato aumento de las tensiones entre esos países, que
deben enfrentar a la mundialización desde economías sensiblemente diferente. El estallido
del euro, en caso de que el Banco Central Europeo siga conduciendo una política cuyo peso
solo Alemania puede soportar, está siendo discutido abiertamente por economistas con
responsabilidades en la esfera financiera. El principal escenario de riesgo sistémico
monetario y financiero es el que podría nacer de la baja del dólar más allá de cierto umbral
38

(que nadie puede adivinar). La pérdida de confianza en el dólar en los mercados financieros
internacionales obligaría a los bancos centrales de Asia a dejar de sostener la moneda
norteamericana. La especulación contra el dólar se desencadenaría.
Las interdependencias de mercado harían entonces su trabajo: alza de las tasas de
interés norteamericanas; caída de los precios de los activos en el mundo; revelación de los
sobreendeudamientos de numerosos agentes económicos en muchos países; y por lo tanto
recesión mundial por deflación de balances.[24]
La posición estratégica de Asia en el desarrollo de la crisis financiera
A fin de octubre del 2007, parecía perfilarse una desaceleración de la producción y
el empleo en los Estados Unidos, pero también en Europa. En los Estados Unidos, lo
motoriza el cambio de signo del mercado inmobiliario. Más allá del desgaste de los medios
de intervención monetarios, los efectos de la burbuja en las actividades inmobiliarias son en
todo caso mucho más amplios y mucho menos fáciles de absorber que un crack bursátil. El
servicio de estudios económicos de Goldman Sachs titula "Sector inmobiliario de los
Estados Unidos, un círculo vicioso con raíces profundas " y calcula que sus efectos durarán
varios meses. El 16 de octubre, la publicación del índice de los indicadores de las
previsiones de los profesionales (las peores desde 1985) y sobre el número de quiebras
individuales (las más numerosas desde hace 20 años), fue continuado por las declaraciones
del presidente de la Fed y del Secretario de Estado del Tesoro sobre la gravedad de la crisis
del inmobiliario privado. The Economist plantea interrogantes sobre la situación en el
sector inmobiliario de oficinas. Los operadores en la Bolsa actúan de manera
completamente irracional. El Wall Street Journal del 1 de octubre 2007 ironiza tras la suba
de cotizaciones que siguió al anuncio de las pérdidas del tercer trimestre de los bancos
Citibank y UBS, "¿qué calamidad será necesaria para hacer que los inversores comprendan
la situación?". A fin de octubre The Economist constata que "la euforia de fines de
septiembre de los inversores financieros se evaporó". La tasa de crecimiento del tercer
trimestre fue superior a lo esperado, pero en los Estados Unidos se espera un cuarto
trimestre en el que se conjuguen el efecto de la crisis inmobiliaria y de la suba del precio
del petróleo. Por esto la Fed nuevamente bajó sus tasas un cuarto punto el 31 de octubre de
2007. Europa sufre ahora los efectos no sólo de las tasas de cambio muy elevadas del euro,
sino también los de la suba del barril de petróleo y los productos alimenticios. La coyuntura
39

alemana muestra signos contradictorios. En septiembre el índice de confianza de los


empresarios alemanes publicado por el instituto privado de coyuntura IFO bajó por cuarta
vez consecutiva. El choque subjetivo del anuncio de que los bancos alemanes fueron
bañados por la especulación subprime fue seguido por la disminución del consumo interno
a consecuencia del fuerte alza de los precios alimenticios y el aumento del IVA. La
economía está motorizada por las exportaciones, es decir por Asia.
Asia y sobre todo China determinarán el rumbo de la crisis financiera. Esta parte de
la economía mundial es escudriñada por los economistas de los países industriales. Buscan
mecanismos estabilizadores capaces de contrarrestar los riesgos de crisis que operan en los
Estados Unidos y Europa. Buscan también datos que confirmen o desmientan los temores
de sobreacumulación. El "modelo de crecimiento" de China es del tipo llamado "arrastrado
por las exportaciones". Más del 40% del producto interno bruto chino depende de sus
exportaciones. Desde 2005 las exportaciones netas representan la tercera parte del
crecimiento chino. Los Estados Unidos son el principal mercado de China. Se estima que el
grupo de distribución Wal-Mart, que posee una red densa de tercerización en China,
asegura cerca del 10% de las ventas chinas en el exterior, la mayor parte a los Estados
Unidos. China buscará compensar la desaceleración de la demanda norteamericana
volviéndose hacia otros mercados, pero puede llegar el momento en el que, como ocurrió
con Corea en octubre de 1997, los efectos de la sobreacumulación se transformen en factor
inmediato de propagación internacional de la crisis. Las inversiones representan el 45% del
producto interno bruto y siguen aumentando a un ritmo del 25% anual.
China tiene mecanismos de sobreacumulación específicos, de los que habla Michel
Aglietta en el libro que escribió con Laurent Berrebi. La anarquía de la competencia
inherente al capitalismo, uno de cuyos efectos clásicos es la sobreacumulación, en China
está también alimentado por las rivalidades entre los aparatos políticos de las ciudades
grandes o muy grandes y de las provincias, así como por la corrupción. A pesar de las
medidas en principio estrictas prohibiendo nuevas inversiones,
el gobierno tiene dificultad para frenar los gastos en el sector inmobiliario, las
infraestructuras camineras y nuevas construcciones de fábricas. Esta situación se debe en
parte a las provincias y a los industriales locales. Los primeros buscan afirmar su
40

autonomía frente al poder central y alientan indiscriminadamente la implantación de


industrias locales, los segundos buscan aprovechar la euforia general. [25]
Los bancos, que las autoridades controlan con mucha dificultad, alimentan las
inversiones con créditos y a pesar del anuncio de que el monto de las acreencias bancarias
dudosas disminuyó, una crisis del sistema bancario es posible en cualquier momento. Con
ganas de encontrar en China los mecanismos estabilizadores que necesita el capitalismo
mundial, The Economist se tranquiliza diciendo que las inmensas reservas cambiarias
permitirán que el gobierno evite el hundimiento del sistema bancario. Pero todos los
observadores acuerdan en que el único remedio para la superproducción sería una
reorientación de la actividad económica desde un crecimiento extravertido a un crecimiento
más autocentrado. Más allá de la nueva "clase media" beneficiada por las repercusiones de
la integración de China a la economía mundial, esto supondría cambios relativos a la
libertad de organización política, el derecho de los asalariados a construir sindicatos
independientes y defender sus reivindicaciones mediante huelgas. En un libro
específicamente referido a China escrito por Michel Aglietta con Yves Landry, se recuerda
que pasada la fase de recuperación cuantitativa donde bastaba invertir para generar
crecimiento, viene la fase cualitativa donde sólo el mejoramiento de la productividad y el
reforzamiento institucional sostienen el crecimiento y lo transforman en desarrollo durable.
En esta segunda etapa, los factores clave son la educación, la valorización de la iniciativa y
la creatividad, que permiten la emergencia de nuevos modos de organización y nuevas
estructuras. La libertad de debate y la presencia de contrapoderes son entonces elementos
esenciales que dan una flexibilidad indispensable a las estructuras.
Estos autores constatan sobriamente que "China todavía está lejos".[26] El tenor de
los debates en el Congreso del Partido Comunista chino acaba de confirmarlo
estrepitosamente.
En su dossier sobre China[27], The Economist da mucha importancia a las
exportaciones chinas hacia la Unión Europea, que han comenzado a crecer más que las
dirigidas hacia América del Norte. La Unión Europea está totalmente abierta a la economía
mundial y está paralizada políticamente. Ambas cosas son mucho menos ciertas en los
Estados Unidos. Sin duda se asistirá entonces a un ascenso de medidas proteccionistas que
los enfrentarán con China. Para completar la valoración del lugar de China en la red
41

mundial de mecanismos potenciales de propagación de crisis se debería incluir sus


relaciones con los países vecinos de Asia, así como también con la parte de la economía
mundial que no hemos considerado en este texto y quedará para otro artículo. Los países
que proveen a China los productos de base y los productos alimenticios que requiere, sólo
serían afectados si entrara en recesión y crisis abierta de sobreacumulación. No ocurre lo
mismo con los países que producen el mismo tipo de productos, por ejemplo textiles. Ellos,
por ejemplo Túnez y Marruecos, sufren ya de lleno la competencia de China. Incluso una
contracción limitada la capacidad de los Estados Unidos y de la Unión Europea para recibir
las importaciones provenientes de China y otros países de Asia acentuará la presión de las
mercancías asiáticas sobre ellos y agravará sus dificultades.
La hipótesis sostenida en este artículo es que la economía mundial se dirige hacia
una crisis relativamente importante. Dado que toda crisis lleva la marca del momento en
que surge y de las contradicciones características del mismo, esto es lo que el artículo
procuró aclarar. Toda crisis de cierta amplitud nos recuerda el carácter y los límites
históricos del capitalismo: seguramente tendremos más oportunidades de referirnos a ello,
sabiendo de todos modos que eso no basta para asegurar su superación.

* Destacado marxista francés, autor de numerosos libros y trabajos referidos a la


mundialización del capital, el capital financiarizado y los nuevos requerimientos teórico-
estratégicos de la lucha emancipatoria. Es miembro del Consejo Asesor de Herramienta y
uno de los editores responsables de la nueva revista Carré rouge / La brèche en cuyo Nº 1
(diciembre 2007-enero-febrero 2008) se publicó este artículo, traducido al castellano para
Herramienta por Aldo Casas.
[1] Nota del economista jefe del 5 de septiembre de 2007, en www.oecd.org
[2] Marx, El Capital, libro I, FCE t. 1, pag. 95.
[3] Es la justa expresión utilizada por Michel Aglietta en el libro escrito con Lurent Berrei
Désordres dans le capitalismo mondial, Paris, Odile Jacob, 2007.
[4] El útil libro de Suzzane de Brunhoff La monnaie chez Marx tiene ya cuarenta años.
[5] Marx, El Capital, libro III, México, FCE 1973, t. 3, pag. 484.
[6] Idem, ob. cit., Libro I, t. 1, nota al pie en la pag. 95.
42

[7] Alain Bihr, La préhistoire du capital. Le devenir-monde du capitalisme I, Lausana,


Page Deux, 2006, pag. 23.
[8] François Chesnais, "La preeminence de la finance au sein du ‘capital en general’, le
capital fictif et le mouvement contemporain de mondialization du capital", en Séminaire
d’Etudes Marxistes, La finance capitaliste, Paris, PUF, 2006. [Este libro será publicado
próximamente en castellano por Ediciones Herramienta.]
[9] Louis Gill, Fondements et limites du capitalisme, Montreal, Boréal, 1996, pag. 489-90.
[10] Pongamos "el punto sobre la i". Hemos subrayado el rol de las inversiones de grupos
industriales estadounidenses y, desde la entrada de China a la OMC, también de los grupos
industriales japoneses que la convirtieron en una de sus bases industriales externas. Sin
embargo, el lugar ocupado en la economía mundial por China y en mucho menor grado por
la India no puede reducirse solamente a la "exportación" de las relaciones de producción
capitalista desde los países de la Tríada. Está basado en un proceso autóctono de
acumulación impulsado por fuerzs sociales endógenas. Lo que distingue a tales "paises-
continentes" de otros "grandes países emergentes" a los que suele aproximárselos.
[11] C. Marx, "Introducción" en Elementos fundamentales para la crítica de la economía
política (borrador) 1857-1858, vol. 1, pag. 20. Buenos Aires, Siglo XXI, 1971.
[12] Aglietta y Berrebi entienden a "la globalización como un sistema de interdependencia
multilateral en donde las potencias emergentes (es decir China y en menor grado la India)
ejercen una influencia determinante sobre las economías desarrolladas", agregando que "a
partir del giro del siglo XXI el término ‘globalización’ devino adecuado a los fenómenos
que designa" (0b. cit., pag. 8).
[13] Idem, capítulo 3.
[14] The Economist 17 -11- 2007, pág. 73)
[15] Sobre la teoría del "capital ficticio" esbozada por Marx a la que ahora toca dar pleno
desarrollo, ver mi capítulo en Seminario Marxista La finance capitaliste, op. cit.
[16] C. Marx, El Capital, Libro III, t. 3, ob. cit., pag. 449.
[17] Idem, pag. 443.
[18] Bertrand Jacquillat, Les 100 mots de la finance, Paris, PUF, 2006, pag. 91.
[19] Idem.
43

[20] "Capitalismo especulativo y alternativas para América Latina", en Herramienta nº 35,


junio 2007.
[21] The Economist, 15/9/2007, pag. 88.
[22] "Le capitalisme de demain" en Notes de la Fondation Saint-Simon nº 101, noviembre
1998.
[23] M. Aglietta y L. Berrebi, Désordres... op. cit., pag. 311.
[24] Idem, pag. 382.
[25] Ibíd., op. cit. pag. 267.
[26] M. Aglietta e Yves Landry, La Chine vers la superpuissance, Paris, Economica, 2007,
pag. 66.
[27] "How fit is the panda?", The Economist 29/11/2008.
44

3)"La crisis va a desenvolverse de tal modo que las primeras y realmente brutales
manifestaciones de la crisis climática mundial que hemos visto van a combinarse con
la crisis del capital en cuanto tal"
François Chesnais* ** - In Herramienta, n° 39

La tesis que voy a presentar sostiene que el año pasado se produjo una verdadera
ruptura que deja atrás una larga fase de expansión de la economía capitalista mundial; y que
esa ruptura marcó el inició de un proceso de crisis con características que son comparables
con la crisis de 1929, aunque se desarrollará en un contexto muy distinto.
Lo primero que hay que recordar es que la crisis de 1929 se desarrolló como un
proceso: un proceso que tuvo comienzo en 1929, pero cuyo punto culminante se dio
bastante después, en 1933, y que luego abrió paso a una larga fase de recesión. Digo esto
para subrayar que, en mi opinión, estamos viviendo las primeras etapas, pero realmente las
primeras, primerísimas etapas, de un proceso de esa amplitud y esa temporalidad. Y que lo
que por estos días está ocurriendo y tiene como escenario los mercados financieros de
Nueva York, de Londres y de otros grandes centros bursátiles, es solamente un aspecto -y
tal vez no sea el aspecto mas importante- de un proceso que se debe interpretar como un
proceso histórico.
Estamos frente a uno de esos momentos en los que la crisis viene a expresar los
límites históricos del sistema capitalista. No se trata de alguna versión de la teoría de "la
crisis final" del capitalismo o algo por el estilo. De lo que sí se trata, en mi opinión, es de
entender que estamos enfrentados a una situación en la que se expresan estos límites
históricos de la producción capitalista. Y aunque no quisiera aparecer como un Pastor con
su Biblia marxista, quiero leerles un pasaje de El capital:
El verdadero límite de la producción capitalista es el mismo capital; es el hecho de
que, en ella, son el capital y su propia valorización lo que constituye el punto de partida y la
meta, el motivo y el fin de la producción; el hecho de que aquí la producción sólo es
producción para el capital y no, a la inversa, los medios de producción simples medios para
ampliar cada vez más la estructura del proceso de vida de la sociedad de los productores.
De aquí que los límites dentro de los cuales tiene que moverse la conservación y
valorización del valor-capital, la cual descansa en la expropiación y depauperación de las
45

grandes masas de los productores, choquen constantemente con los métodos de producción
que el capital se ve obligado a emplear para conseguir sus fines y que tienden al aumento
ilimitado de la producción, a la producción por la producción misma, al desarrollo
incondicional de las fuerzas sociales productivas del trabajo. El medio empleado -desarrollo
incondicional de las fuerzas sociales productivas- choca constantemente con el fin
perseguido, que es un fin limitado: la valorización del capital existente. Por consiguiente, si
el régimen capitalista de producción constituye un medio histórico para desarrollar la
capacidad productiva material y crear el mercado mundial correspondiente, envuelve al
propio tiempo una contradicción constante entre esta misión histórica y las condiciones
sociales de producción propias de este régimen. [1]
Bueno, seguramente hay algunas palabras que hoy ya no utilizaríamos, como esas
de "misión histórica"... Pero creo que lo que iremos viendo en los años que vendrán, se dará
precisamente sobre la base de que ya se ha creado en toda su plenitud ese mercado mundial
intuido por Marx. Es decir, tenemos un mercado y una situación mundial diferentes a las de
1929, porque en ese entonces países como China y como India eran todavía semicoloniales,
en tanto que ahora ya no tienen ese carácter; son grandes países que, más allá de que tengan
un carácter combinado que requiere un cuidadoso análisis, son ahora partícipes de pleno
derecho dentro de una economía mundial única, una economía mundial unificada en un
grado desconocido hasta esta etapa de la historia. La cita puede ayudarnos a entender el
momento actual y la crisis que se ha iniciado precisamente en este marco de un sólo
mundo.
Un nuevo tipo de crisis
En mi opinión, en esta nueva etapa, la crisis va a desenvolverse de tal modo que las
primeras y realmente brutales manifestaciones de la crisis climática mundial que hemos
visto van a combinarse con la crisis del capital en cuanto tal. Entramos en una fase que
plantea realmente una crisis de la humanidad, dentro de complejas relaciones en las que
están también los acontecimientos bélicos, pero lo más importantes es que, incluso
excluyendo el estallido de una guerra de gran amplitud que en el presente solo podría ser
una guerra atómica, estamos enfrentados a un nuevo tipo de crisis, a una combinación de
esta crisis económica que se ha iniciado con una situación en la cual la naturaleza, tratada
sin la menor contemplación y golpeada por el hombre en el marco del capitalismo,
46

reacciona ahora de forma brutal. Esto es algo casi excluido de nuestras discusiones, pero
que va a imponerse como un hecho central.
Por ejemplo, muy recientemente, leyendo el trabajo de un sociólogo francés, me
enteré de que los glaciares andinos de los que fluye el agua con que se abastecen La Paz y
El Alto, están agotados en más de un 80% y se estima que dentro de quince años La Paz y
El Alto ya no tendrán agua... y sin embargo, esto es algo que nunca se trató, nunca se
discutió un hecho de tal magnitud que puede hacer que la lucha de clases en Bolivia, tal
como la conocimos, se modifique sustancialmente, por ejemplo haciendo que el tan
controvertido traslado de la capital a Sucre se imponga como algo "natural", porque se
acabe el agua en La Paz.
Estamos entrando a un período de ese tipo y el problema es que casi no se habla de
eso, mientras que en los ambientes revolucionarios se sigue discutiendo de cosas que en
este momento resultan minucias, cuestiones completamente mezquinas en comparación con
los desafíos a los que estamos enfrentados.
Límites inmanentes del capitalismo
Para seguir con la cuestión de los límites del capitalismo, quiero llamar la atención
sobre una cita de Marx, inmediatamente anterior a la ya citada: "La producción capitalista
aspira constantemente a superar estos límites inmanentes a ella, pero solo puede superarlos
recurriendo a medios que vuelven a levantar ante ella estos mismos límites todavía con
mayor fuerza".[2] Esta indicación nos introduce al análisis y a la discusión de los medios a
los que se recurrió, durante los últimos treinta años, para superar los límites inmanentes del
capital.
Esos medios han sido, en primer lugar, todo el proceso de liberalización de las
finanzas, del comercio y de la inversión, todo el proceso de destrucción de las relaciones
políticas surgidas a raíz de la crisis del 29 y de los años treinta, después de la Segunda
Guerra Mundial y de las guerras de de liberación nacional... Todas esas relaciones, que
expresaban la dominación del capital pero representaban al mismo tiempo formas de
control parcial del mismo capital, fueron destrozadas y, por algún tiempo, al capital le
pareció que con esto se superaban los límites puestos a su actuación.
La segunda forma que se eligió para superar esos límites inmanentes del capital ha
sido recurrir, en una escala sin precedentes, a la creación de capital ficticio y de medios de
47

crédito para ampliar una demanda insuficiente en el centro del sistema.


Y la tercera forma, la más importante históricamente para el capital, ha sido la
reincorporación, en cuanto elementos plenos del sistema capitalista mundial, de la Unión
Soviética y sus "satélites", y de China.
Sólo en el marco de las resultantes de estos tres procesos es posible captar la
amplitud y la novedad de la crisis que se inicia.
Liberalización, mercado mundial, competencia…
Comencemos por interrogarnos sobre qué ha significado la liberalización y la
desregulación llevadas a cabo a escala mundial, con la incorporación del antiguo "campo"
soviético y la incorporación y modificación de las relaciones de producción en China... El
proceso de liberalización y desreglamentación ha significado el desmantelamiento de los
pocos elementos regulatorios que se habían construido en el marco internacional al salir de
la Segunda Guerra Mundial, para entrar en un capitalismo totalmente desreglamentado. Y
no sólo desreglamentado, sino también un capitalismo que ha creado realmente el mercado
mundial en el pleno sentido del término, convirtiendo en realidad lo que era en Marx una
intuición o anticipación. Puede ser útil precisar el concepto de mercado mundial e ir tal vez
más allá de la palabra mercado. Se trata de la creación de un espacio libre de restricciones
para las operaciones del capital, para producir y realizar plusvalía tomando este espacio
como base y proceso de centralización de ganancias a escala verdaderamente internacional.
Ese espacio abierto, no homogéneo pero con una reducción drástica de todos los obstáculos
a la movilidad del capital, esa posibilidad para el capital de organizar a escala universal el
ciclo de valorización, está acompañada por una situación que permite poner en competencia
entre sí a los trabajadores de todos los países. Es decir, se sustenta en el hecho que el
ejército industrial de reserva es realmente mundial y que es el capital como un todo el que
rige los flujos de integración o de repulsión, en las formas estudiadas por Marx.
Este es entonces el marco general de un proceso de "producción para la producción"
en condiciones en que la posibilidad para la humanidad y las masas del mundo de acceder a
esa producción es totalmente limitada... y por lo tanto, el cierre exitoso del ciclo de
valorización del capital, para el capital en su conjunto, y para cada capital en particular, se
hace cada vez más difícil. Y por eso se incrementan y se hacen más determinantes en el
mercado mundial "las leyes ciegas de la competencia". Los bancos centrales y los
48

gobiernos pueden proclamar que acordarán entre sí y colaborarán para impedir la crisis,
pero no creo que se pueda introducir la cooperación en el espacio mundial convertido en
escenario de una tremenda competencia entre capitales. Y ahora, la competencia entre
capitales va mucho más allá de las relaciones entre los capitales de las partes más antiguas
y más desarrolladas del sistema mundial con los sectores menos desarrollados desde el
punto de vista capitalista. Porque bajo formas particulares e incluso muy parasitarias, en el
marco mundial se han dado procesos de centralización del capital por fuera del marco
tradicional de los centros imperialistas: en relación con ellos, pero en condiciones que
también introducen algo totalmente nuevo en el marco mundial.
Durante los últimos quince años, y en particular durante la última etapa, se han
desarrollado, en determinados puntos del sistema, grupos industriales capaces de integrarse
como socios de pleno derecho en los oligopolios mundiales. Tanto en la India como en
China se han conformado verdaderos y fuertes grupos económicos capitalistas. Y en el
plano financiero, como expresión del rentismo y del parasitismo puro, los llamados Fondos
Soberanos se han convertido en importantes puntos de centralización del capital bajo la
forma dinero, que no son meros satélites de los Estados Unidos, tienen estrategias y
dinámicas propias y modifican de muchas maneras las relaciones geopolíticas de los puntos
clave en que la vida del capital se hace y se hará.
Por eso, otro elemento a tener en cuenta es que esta crisis tiene como otra de sus
dimensiones la de marcar el fin de la etapa en que los Estados Unidos pudieron actuar como
potencia mundial sin parangón... En mi opinión, hemos salido del momento que analizara
István Mészáros en su libro Más allá del Capital, (2001), y los Estados Unidos serán
sometidos a prueba: en un plazo temporal muy corto, todas sus relaciones mundiales se han
modificado y deberá, en el mejor de los casos, renegociar y reordenar todas sus relaciones
en base al hecho de que deberán compartir el poder. Y esto, por supuesto, es algo que nunca
se produjo de forma pacífica en la historia del capital... Entonces, primer elemento: uno de
los métodos elegidos por el capital para superar sus límites se ha transformado en fuente de
nuevas tensiones, conflictos y contradicciones, indicando que una nueva etapa histórica se
abrirá paso a través de esta crisis.
Creación incontrolada de capital ficticio
El segundo medio utilizado para superar los limites para el capital de las economías
49

centrales fue que todas ellas recurrieron a la creación de formas totalmente artificiales de
ampliación de la demanda efectiva, las que, sumándose a otras formas de creación de
capital ficticio, generaron las condiciones para la crisis financiera que se está desarrollando
hoy. En el artículo que los compañeros de Herramienta tuvieron la gentileza de traducir al
castellano y publicar,[3] abordé con cierto detenimiento esta cuestión del capital ficticio y
los nuevos procesos que se han dado dentro del proceso mismo de acumulación de capital
ficticio. Para Marx, el capital ficticio es la acumulación de títulos que son "sombra de
inversiones" ya hechas pero que, como títulos de bonos y de acciones aparecen con el
aspecto de capital a sus poseedores. No lo son para el sistema como un todo, para el
proceso de acumulación, pero sí lo son para sus poseedores y, en condiciones normales de
cierre de los procesos de valorización del capital, rinden a sus poseedores dividendos e
intereses. Pero su carácter ficticio se revela en situaciones de crisis. Cuando sobrevienen
crisis de sobreproducción, quiebra de empresas, etcétera, se advierte que ese capital no
existía... por eso también puede leerse a veces en los periódicos que tal o cual cantidad de
capital "desapareció" en algún sacudón bursátil: esas sumas nunca habían existido como
capital propiamente dicho, a pesar de que, para los poseedores de esas acciones,
representaban títulos que daban derecho a dividendos e intereses, a percibir ganancias…
Por supuesto, uno de los grandes problemas de hoy es que en muchísimos países los
sistemas de jubilación están basados en capital ficticio, con pretensiones de participación en
los resultados de una producción capitalista que puede desaparecer en momentos de crisis.
Toda la etapa de la liberalización y globalización financiera de las décadas de los ochenta y
los noventa estuvo basada en acumulación de capital ficticio, sobre todo en manos de
Fondos de inversión, Fondos de pensiones, Fondos financieros... Y la gran novedad desde
finales o mediados de los años 90 y a todo lo largo de la primera década del siglo XXI fue,
en los Estados Unidos y en Gran Bretaña en particular, el empuje extraordinario que se dio
a la creación de capital ficticio en la forma de crédito. De crédito a empresas, pero también
y sobre todo de créditos a los hogares, créditos al consumo y más que nada créditos
hipotecarios. Y eso hizo dar un salto en la masa de capital ficticio creado, originando
formas aún más agudas de vulnerabilidad y fragilidad, incluso frente a choques menores,
incluso frente a episodios absolutamente predecibles. Por ejemplo, en base a todo lo
estudiado anteriormente, se sabía que un boom inmobiliario se termina, que
50

inexorablemente hay un momento en el que, por procesos internos muy bien estudiados, se
acaba; y si puede ser relativamente comprensible que en el mercado accionario existiera la
ilusión de que no había límites para la suba en el precio de las acciones, en base a toda la
historia previa se sabía que eso no podía ocurrir en el sector inmobiliario: cuando se trata de
edificios y casas es inevitable que llegue el momento en que el boom acaba. Pero se
colocaron en tal situación de dependencia que ese acontecimiento completamente normal y
previsible se transformó en una crisis tremenda. Porque a todo lo que ya dije, se añadió el
hecho de que durante los dos últimos años los préstamos se hacían a hogares que no tenían
la menor posibilidad de pagar. Y además, todo eso se combino con las nuevas "técnicas"
financieras que traté de explicar con un grado aceptable de vulgarización en mi artículo de
Herramienta, permitiéndose así que los bancos vendieran bonos en condiciones tales que
nadie podía saber exactamente qué estaba comprando… hasta el fuerte estallido de los
"subprime", en 2007.
Ahora están en el proceso de desmontaje de ese proceso. Pero dentro de ese
desmontaje hay procesos de concentración del capital financiero. Cuando el Bank of
America compra Merrill Lynch, estamos ante un proceso de concentración clásico. Y
vemos además estos procesos de estatización de las deudas, que implican la creación
inmediata de más capital ficticio. La Reserva Federal de los Estados Unidos crea más
capital ficticio para mantener la ilusión de un valor del capital que está a punto de
derrumbarse, con la perspectiva de tener en algún momento dado la posibilidad de
aumentar fuertemente la presión fiscal, pero en realidad no puede hacerlo porque eso
significaría el congelamiento del mercado interno y la aceleración de la crisis en tanto crisis
real. Asistimos, pues, a una fuga hacia adelante que no resuelve nada. Dentro de ese
proceso existe también el avance de los Fondos Soberanos que buscan modificar la
repartición intercapitalista de los flujos financieros a favor de los sectores rentistas que han
acumulado estos fondos. Y esto es un factor de perturbación aun mayor en el proceso.
Quiero recordar, para terminar con este punto, que ese déficit comercial de 5 puntos
del PBI es lo que ha conferido a los Estados Unidos la particularidad de ser un lugar clave
para la concreción del ciclo del capital en el momento de realización de la plusvalía, para el
proceso capitalista en su conjunto. Enfrentados ahora a una casi inevitable retracción
económica, se plantea como el gran interrogante si, en un corto lapso, la demanda interna
51

China podrá pasar a ser el lugar que garantice ese momento de realización de la plusvalía
que se daba en los Estados Unidos. La amplitud de la intervención del Tesoro es muy fuerte
y logró que la contracción de la actividad en los Estados Unidos y la caída en las
importaciones haya sido hasta ahora muy limitada. El problema es saber cuánto tiempo se
podrá tener como único método de política económica crear más y más liquidez... ¿Será
posible que no haya límites a la creación de capital ficticio bajo la forma de liquidez para
mantener el valor del capital ficticio ya existente? Me parece una hipótesis demasiado
optimista, y entre los mismos economistas norteamericanos, muchos lo dudan.
¿Sobreacumulación en China?
Para terminar, llegamos a la tercer manera en la cual el capital superó sus limites
inmanentes, que es en definitiva la más importante de todas y plantea los interrogantes más
interesantes. Me refiero a la extensión, en particular a China, de todo el sistema de
relaciones sociales de producción del capitalismo. Algo que Marx mencionó en algún
momento como una posibilidad, pero que sólo se hizo realidad durante los últimos años. Y
se realizó en condiciones que multiplican los factores de crisis.
La acumulación del capital en China se hizo en base a procesos internos, pero
también en base a algo que está perfectamente documentado, pero poco comentado: el
traslado de una parte importantísima del Sector II de la economía, el sector de la
producción de medios de consumo, desde los Estados Unidos hacia China. Y esto tiene
mucho que ver con el grueso de los déficits norteamericanos (el déficit comercial y el
fiscal), que sólo podrían revertirse por medio de una "reindustrialización" de los EUA.
Esto significa que se establecieron nuevas relaciones entre los Estados Unidos y
China. No se trata ya de las relaciones de una potencia imperialista con un espacio
semicolonial. Los Estados Unidos crearon relaciones de un tipo nuevo, que ahora tiene
dificultades en reconocer y en asumir. En base al superávit comercial, China acumula
millones y millones de dólares, que luego presta a los Estados Unidos. Una ilustración de
las consecuencias que esto trae, lo tenemos con la nacionalización de esas dos entidades
llamadas Fannie Mae y Freddy Mac: parece ser que la banca de China tenía el 15% de los
fondos de estas entidades y le comunicó al gobierno americano que no aceptaría su
desvalorización. Son relaciones internacionales de un tipo totalmente nuevo.
52

Pero ¿qué ocurre en el seno mismo de China? En mi artículo en Herramienta ya


citado, había una sola página sobre esto, y al final, pero de alguna manera es la cuestión
más decisiva para la próxima etapa de la crisis. En China se ha dado internamente un
proceso de competencia entre capitales, que se combinó con procesos de competencia entre
sectores del aparato político chino, y de competencia para atraer a empresas extranjeras,
todo lo cual ha resultado en un proceso de creación de inmensas capacidades de
producción, además de violentar a la naturaleza en una escala grandísima: en China se
concentra una sobreacumulación de capital que en un momento dado se tornará
insostenible. En Europa es evidente la tendencia a una aceleración de la destrucción de
capacidades productivas y de puestos de trabajo, para trasladarse al único paraíso del
mundo capitalista que hoy es China. Considero que este traslado de capitales a China ha
significado una reversión de procesos anteriores hacia un alza de la composición orgánica
del capital. La acumulación es intensiva en medios de producción y es intensiva y muy
dilapidadora de la otra parte del capital constante, es decir las materias primas. La masiva
creación de capacidades de producción en el Sector I estuvo acompañada por todos los
mecanismos y el empuje económico que caracteriza el crecimiento de China, pero el
mercado final para sostener toda esa producción es el mercado mundial, y una retracción de
éste pondrá en evidencia esa sobreacumulación de capital. Alguien como Aglietta, que ha
estudiado específicamente esto, afirma que realmente hay sobreacumulación, hay un
acelerado proceso de creación de capacidad productiva en China, un proceso que, en el
momento en que se termine -y tiene que terminar- la realización de toda esa producción va
a plantear problemas. Además, China es realmente un lugar decisivo, porque incluso
pequeñas variaciones en su economía determinan la coyuntura de otros muchos países en el
mundo. Fue suficiente que la demanda china de bienes de inversión cayera un poco para
que Alemania perdiera exportaciones y entrara en recesión. Las "pequeñas oscilaciones" en
China tienen repercusiones fuertísimas en otros lugares, como debería ser evidente para el
caso de la Argentina.
Para seguir pensando y discutiendo
Y vuelvo a lo que decía en el comienzo. Aunque sean comparables, las fases de esta
crisis van a ser distintas a las del 29, porque en aquel entonces la crisis de sobreproducción
de los Estados Unidos se verificó desde los primeros momentos. Después se profundizó,
53

pero se supo enseguida que se estaba ante una crisis de sobreproducción. Ahora, en cambio,
con diversas políticas están aplazando ese momento, pero no podrán hacerlo mucho más.
Simultáneamente, y como ocurriera también con la crisis de 1929 y los años treinta, aunque
en condiciones y bajo formas distintas, la crisis se combinará con la necesidad, para el
capitalismo, de una reorganización total de la expresión de sus relaciones de fuerzas
económicas en el marco mundial, marcando el momento en el que los Estados Unidos
verán que su superioridad militar es solamente un elemento, y un elemento bastante
subordinado, para renegociar sus relaciones con China y otras partes del mundo. O llegará
el momento en el cual dará el salto a una aventura militar de imprevisibles consecuencias.
Por todo ello, concluyo que esto es mucho más que una crisis financiera, incluso si
estamos por ahora en esa fase, incluso si el artículo publicado por Herramienta debió
concentrarse en tratar de iluminar los enredos del capital ficticio y permitir entender por
qué es tan difícil el desmontaje de ese capital, pero estamos ante una crisis muchísimo más
amplia. Ahora bien, tengo la impresión, por el tenor de las distintas preguntas u
observaciones que se me hicieron, que muchos opinan que estoy pintando un escenario de
tipo catastrofista, de derrumbe del capitalismo... En realidad, creo que estamos ante el
riesgo de una catástrofe, pero no ya del capitalismo, sino de una catástrofe de la humanidad.
En cierta forma, si tomamos en cuenta la crisis climática, posiblemente ya existe algo de
eso... Yo opino (junto con Mészáros, por ejemplo, pero somos muy pocos los que damos
importancia a esto) que estamos ante un peligro inminente. Lo dramático es que, por el
momento, esto afecta directamente a poblaciones que no son tomadas en cuenta: lo que
pueda estar pasando en Haití pareciera que no tiene la menor importancia histórica; lo que
ocurre en Bangladesh no tiene peso más allá de la región afectada; tampoco lo ocurrido en
Birmania, porque el control de la Junta militar impide que trascienda. Y lo mismo en
China: se discuten los índices de crecimiento pero no sobre las catástrofes ambientales,
porque el aparato represivo controla las informaciones sobre las mismas.
Y lo peor es que esa "opinión", que está siendo constantemente construida por los
medios, está interiorizada muy profundamente, incluso en muchos intelectuales de
izquierda. Yo había comenzado a trabajar y a escribir sobre todo eso, pero con el comienzo
de la crisis de alguna manera debí volver a ocuparme de las finanzas, aunque no lo hago
con mucho gusto, porque lo esencial me parece que se juega en un plano distinto.
54

Para terminar: el hecho de que todo esto ocurra después de esa tan larga fase, sin
paralelo en la historia del capitalismo, de 50 años de acumulación ininterrumpida (salvo
una pequeñísima ruptura en 1974/1975), así como también todo lo que los círculos
capitalistas dirigentes, y en particular los bancos centrales, aprendieron de la crisis del 29,
todo ello hace que la crisis avance de manera bastante lenta. Desde septiembre del año
pasado, el discurso de los círculos dominantes viene sosteniendo, una y otra vez, que "lo
peor ya pasó", cuando lo cierto es que, una y otra vez, "lo peor" estaba por venir. Por eso
insisto en el riego de minimizar la gravedad de la situación, y sugiero que en nuestros
análisis y forma de enfocar las cosas deberíamos incorporar la posibilidad, como mínimo la
posibilidad, de que inadvertidamente estemos también interiorizando ese discurso de que,
en definitiva "no pasa nada"...

* Exposición realizada en el encuentro organizado por Herramienta el 18 de septiembre de


2008. La desgrabación y preparación para su publicación es de Aldo Casas.
** Destacado marxista, es parte del Consejo científico de ATTAC-Francia, director de
Carré rouge, y miembro del Consejo asesor de Herramienta, con la que colabora
asiduamente. La finance capitaliste, último libro publicado bajo su dirección, está siendo
traducido para ser publicado por Ediciones Herramienta.
[1] Carlos Marx, El capital México, FCE, 1973, Vol. III, pág. 248.
[2] Idem.
[3] "El fin de un ciclo. Alcance y rumbo de la crisis financiera", en Herramienta Nº 37,
marzo 2008.
55
56
57

1
Etats-Unis : la fin d’un modèle
Michel Husson, La Brèche n°3, 2008
Cet article propose une analyse structurelle du modèle de croissance qui
s’est mis en place aux Etats-Unis au début des années 1980, et de ses
contradictions. Il cherche à montrer comment la crise des subprimes a
déclenché une réaction en chaîne qui en sape les fondements.
Une croissance tirée par la consommation des riches
Sur les dix dernières années (du 1er trimestre de 1998 au 1er trimestre de
2008), le Pib des Etats-Unis a augmenté de 31 %, soit 2,7 % par an.
L’élément moteur de cette croissance a été la consommation des ménages :
elle a progressé en moyenne de 3,4 % par an. Sur cette période, la part de la
consommation dans le Pib a donc augmenté, passant de 67,1 % à 71,6 %.
Cette augmentation de 4,5 points sur 10 ans permet d’évaluer à un demipoint
la contribution de la consommation à la croissance. Sans ce
dynamisme de la consommation, la croissance des Etats-Unis n’aurait pas
été plus rapide que celle de l’Union européenne. Cette proximité aurait
encore été plus grande en raisonnant en Pib par tête, puisque la population
augmente plus rapidement aux Etats-Unis. En sens inverse, la croissance
européenne aurait été plus soutenue si la consommation des ménages avait
pu y être aussi rapide qu’aux Etats-Unis. C’est donc bien là que se trouve un
facteur essentiel du dynamisme économique des Etats-Unis.
Quand une composante aussi importante de la demande croît plus vite que la
moyenne, il y a, quelque part dans l’économie, des évolutions qui
compensent cette déformation. Dans le cas des Etats-Unis, la plus
importante est la baisse continue du taux d’épargne. Au début de 1998, les
ménages américains consommaient 95,3 dollars sur 100 dollars de revenu
disponible (après impôts) ; dix ans plus tard, ils en dépensaient 99,8 %. Sur
les dix dernières années, le taux d’épargne des ménages est donc passé de
4,7 % à 0,2 % : on retrouve donc exactement les 4,5 points de différentiel de
croissance entre la consommation et le Pib. C’est donc la baisse du taux
d’épargne qui a stimulé la consommation et par suite la croissance du Pib.
Cette corrélation existe d’ailleurs depuis plus longtemps, et s’est mise en
place au début des années 1980 (graphique 1).
58

ET
PANIQUE B
59

ANCA
60

IR
61

Continua - Carré Rouge n° 3, março 2008


62

Introduction à la discussion sur la crise par François Chesnais. (samedi 11 octobre 2008)

Notes prises lors de l’exposé

Nous sommes toujours dans la phase initiale d’une crise qui sera très longue. Du point
de vue capitaliste, la solution se trouve essentiellement en Asie. C’est le type de crise dont
Marx disait qu’elle marquait les limites historiques du capitalisme, où l’ensemble des
contradictions se conjuguent. Aujourd’hui, cette dimension de limites historiques va être
intimement liée à une crise de civilisation, puisque son déroulement long et ses soubresauts
vont se conjuguer avec l’accélération des impacts dans les différentes parties du monde de
la crise du réchauffement climatique. On entre dans une période où la crise de civilisation
va intégrer ces deux dimensions.

Pour les propriétaires des moyens de production, pour le capital, vont se poser des
questions aiguës et nouvelles de reproduction de la domination où cela peut être dans des
formes de concertation commune ou de rivalités inter-impérialistes aiguës. Et la Chine
faisant partie de la domination inter-impérialiste y jouera son rôle.

On a intérêt à ne surtout pas se limiter aux dimensions financières de la crise pour


prendre cette mesure plus large : la question « socialisme ou barbarie ? » se trouve
posée de manière immédiate. Ce moment coïncide avec l’épuisement complet de toutes
les formes d’organisation politiques et syndicales issues du combat de la classe ouvrière
depuis la fin du 19ème siècle
On est dans une situation où, comme jamais à un degré aussi fort, les exploités ne peuvent
compter que sur leurs propres moyens.
Nous avons affaire à une situation inédite et grave.
63

Comment interpréter la forme que la crise a prise jusqu’à présent et comment pressentir les
formes ultérieures de son développement ?

La crise du système financier logée principalement dans le système bancaire est le résultat
d’un processus dont le début remonte à la fin des années 60, quand, après avoir été très
largement effacé par la crise des années 30, et ensuite mis, dans beaucoup de pays, dans les
mains des États capitalistes, le capital porteur d’intérêt (au début sous la forme de bons du
trésor, puis d’actions) a commencé à se reconstituer et a acquis des rythmes spécifiques
d’accumulation en tant que capital de placement1. Ce faisant, il est devenu l’élément
dominant au sein du capitalisme et a donné aux gouvernements directement à son service
des moyens d’action pour mettre en œuvre la révolution conservatrice.

L’origine lointaine de cette crise se trouve dans la reconstitution d’un capital argent de prêt
concentré. L’ensemble des développements qui ont eu lieu ensuite dans les politiques
impérialistes ont visé à donner à ce capital de plus en plus de pouvoir, mais aussi à lancer
un processus par lequel ce capital se nourrissait d’intérêt et de dividendes et restait
cantonné dans la sphère des marchés financiers, mais il manifestait pourtant des prétentions
à venir en partage du profit, à prendre une fraction croissante des budgets publics, et cette
prétention augmentait en même temps qu’augmentait son caractère fictif.

La crise est très difficile à lire si on rejette (comme beaucoup d’économistes le font) la
notion de capital fictif. Le capital fictif se présente deux fois : d une fois comme capital
qui a été réellement investi, et une fois comme son ombre qui prend la forme particulière
d’actifs monnayables qui s’échangent sur le marché en prétendant croître indépendamment
de l’économie. Les gens pensent avoir du capital, alors qu’ils n’ont que des titres.

1
Ce capital vient en partage du profit sous formes de dividendes et d’intérêts. Il vit de l’appropriation du
surtravail et en aggrave l’intensité. Sa centralisation et sa concentration sont l’œuvre des sociétés financières,
grandes banques, compagnies d’assurance, fonds de pension et de placements collectifs (les Mutual funds).
Leur objectif est de valoriser cet argent (en obtenir des rendements) sans quitter la sphère des marchés
financiers, en extériorité à la production. Ce capital nourrit l’illusion de valoriser l’argent à partir de l’argent
sans passer par la production.(cf article F Chesnais in revue Savoir/Agir- juin 2008)
64

Dans les années 80 à 90, on assiste au formidable développement de ce type de capital qui
doit se nourrir, au moins en partie, d’une plus-value réellement produite quelque part.
C’est là qu’interviennent la Chine et dans une moindre mesure l’Inde : c’est le prolétariat
chinois qui a apporté à Wall Street et à la City des flux de plus-values au travers des
opérations internationales.

Au début du 21ème siècle, en dépit de l’entrée de la Chine à l’OMC, l’écart s’est creusé
entre la quantité effective de plus-value centralisée et l’ampleur des besoins du système qui
vise à la satisfaction de ses prétentions à venir de façon rentière en partage de cette masse
de plus-value.. Tendanciellement, il n’y a pas eu assez de plus-value pour satisfaire les
prétentions du capital financier.

Un saut a été effectué en 2001-2002 dans le type d’opérations censées offrir des profits
financiers construits sur un double fondement : d’une part, une formidable poussée aux
États Unis et au Royaume Uni poussée aux Etats-Unis du crédit aux ménages, d’autre part
une chaîne de prise en compte par des banques et des fonds spéculatifs d’actifs porteurs
potentiels de profit (en fait des titres contenant des créances hypothécaires irrécouvrables),
purs facteurs d’insolvabilité.

Une explication de la crise qui semble voisine, celle de l’orthodoxie de l’extrême gauche
(donnée par exemple par Michel Husson) est la suivante: ce seraient les changements dans
la répartition de la valeur ajoutée (au profit du capital) qui auraient conduit au recours
massif au crédit. Mais cette explication ne prend pas en compte l’économie mondiale
comme un tout, et gomme complètement le fait que ce développement du crédit et le
changement même dans la répartition de la valeur ajoutée sont le résultat de cette longue
période d’accumulation d’un capital qui se valorise sur les marchés financiers et conduit à
l’amplification des capitaux fictifs.

La crise a éclaté et s’est développée dans ces secteurs par petits sauts qui sont autant de
paliers (refus des banques de se prêter, faillite de la banque Northern Rock en GB, puis
celle de Bear Stearns aux États Unis). Tout au long il y a eu injection d’argent, c’est-à-dire
65

d’ouvertures de lignes de crédits par les banques centrales qui donnaient de plus grandes
facilités d’escompte à des taux d’intérêt inférieurs au taux d’inflation (c’est en particulier ce
que fait la Fed depuis septembre 2007).
En août-septembre 2008 : accélération du nombre des entreprises financières près de la
faillite (la présence de ces actifs pourris dans leur « bilan bis » est une source
d’insolvabilité majeure). Les autorités étasuniennes volent à leur secours en rachetant ces
actifs « toxiques ». Signalons au passage que ces actifs « toxiques » ne sont pas a priori
reconnaissables, ce qui est une partie du problème.
La crise s’aiguise entre le 15 et le 17 septembre quand le département du Trésor étasunien,
dirigé par un ancien de Goldman Sachs, prend la décision, soit par orthodoxie républicaine,
soit pour en finir avec une maison rivale, de ne pas soutenir l’entreprise Lehman Brothers,
(laquelle avait effectué des prêts 30 fois plus importants que ses fonds propres, rapport
pourtant préconisé par les spécialistes…). Cette décision a amené d’autres sociétés
financières, qui avaient caché leur véritable position financière à la révéler tout de suite (ex
AIG) et le Trésor américain a débloqué des milliards de $ (85 milliards le 17 septembre,
puis une rallonge de 38 milliards cette semaine pour la seule AIG qui avait refait ses
comptes entre temps !), puis le plan Paulson de 700 milliards de $ a été voté, le déblocage
d’une telle somme exigeant une loi puisqu’elle engage les contribuables.
Dans l’immédiat, ces 700 milliards sont des jeux d’écriture, du capital fictif désigné qui
vient au secours de capital fictif accumulé. Ensuite, si une partie de ces actifs peut être
vendue dans un ou deux ans, la note pour le contribuable sera un peu moins salée, mais il
s’agira d’une ponction par les impôts, sur le revenu courant du pays (comme ce fut le cas
pour la crise dans les années 80 des petites caisses d’épargne étasuniennes : coût 50
millions de$ pour les contribuables américains). A moyen terme, il y aura donc une
ponction sur le pouvoir d’achat.

De même, des mécanismes ont été appliqués sous le nom de « nationalisation » qui ne
recouvre que diverses formes d’ingérence de fonctionnaires des finances et autres
départements d’État dans la gestion des entreprises. C’est un mot abusif : il s’agit du
sauvetage par les États, gagé sur les budgets à venir, d’institutions financières qui vont
continuer à fonctionner de la même manière qu’avant dans un système inchangé.
66

En France, après la seconde guerre mondiale, la nationalisation du système du crédit dans


son ensemble (banques et système financier), impliquait que l’État contrôle de bout en bout
l’allocation du crédit par l’intermédiaire du commissariat au plan qui décidait quels secteurs
de l’économie, quelles entreprises en bénéficieraient.: : on était alors dans le cadre des
rapports de production capitaliste et d’Etats qui contrôlaient totalement l’allocation du
crédit. On n’est pas dans cette configuration. Personne n’y songe. La presse spécialisée
prend d’ailleurs bien soin de le préciser, insistant sur le fait qu’il s’agit d’une aide
passagère aux banques accordée par les États mais que leur préoccupation commune est
qu’ils en sortent le plus vite possible, les mains plus libres que jamais. « De la re-
régulation, disait J-C Casanova ce midi même sur France Culture, mais pas trop ! » Des
représentants des banques centrales iront dans les murs des banques aidées par les Etats
mais ils ne vont pas les diriger.

La crise a commencé dans le système financier et affecte le système de crédit, mais


l’écrasante majorité des banques de détail avaient des filiales aux avoirs purement
spéculatifs. Il n’y a pas de cloison étanche entre les différents marchés et dans un système
totalement internationalisé, les intermédiaires étasuniens ont proposé aux banques du
monde entier des actifs toxiques. Dans le cadre de cette crise bancaire, un processus
spécifique de concentration/centralisation s’est mis en route (cf. le rachat de Fortis par la
BNP) qui va aller en s’accélérant. D’où l’inquiétude des Allemands, par exemple, devant
une concentration bancaire dont ils ne seraient pas bénéficiaires.

Le resserrement du crédit aux particuliers et aux entreprises a lieu sur la base d’une
économie américaine ordonnée autour du secteur de l’immobiliser et de la finance. Une
récession mondiale est en cours. Beaucoup d’éléments nous sont inconnus (personne ne
sait !) : l’effondrement du système financier va-t-il être évité ? A quel rythme la récession
mondiale va-t-elle se propager ? Y aura-t-il saut qualitatif ? En Asie, la Corée qui avait été
au cœur de la crise asiatique dans sa phase finale, s’est reconstitué un appareil de
production très dépendant du marché mondial. Sera-t-elle en surcapacité ? Quels en seront
les effets ? baisse Et l’Argentine qui, après 2002, s’est récupérée sur la base de ses
67

exportations de matières premières vers la Chine, va-t-elle être touchée ? . En Allemagne,


du fait de la baisse des commandes chinoises de biens d’équipements, la récession apparaît.
Nous avons devant nous un moment nécessaire : le processus de propagation de la
récession se transformera en crise de surproduction brutale ( aux États Unis, « la
guerre des prix » pour les jouets d’enfants, qui représentent 80% des exportations chinoises
a commencé, préfigurant ce processus).

En ce qui concerne la Chine, un des leitmotivs des revues spécialisées est le raisonnement
suivant : les Chinois ont la possibilité de compenser sur leur marché intérieur ce qu’ils ne
peuvent plus écouler à l’étranger, ils ont assez de réserves de change pour stimuler leur
consommation interne. Tout le monde attend d’eux qu’ils le fassent. Mais, et c’est là que la
politique et l’économie sont en interconnexion, beaucoup pensent qu’il n’est pas certain
que les dirigeants chinois soient capables de faire ça étant donnés les rapports antagoniques
entre la population et ces dirigeants. Ceux-ci ont peur que tout signe donné dans ce sens
soit interprété comme un signe de faiblesse et soit le signal de multiples revendications et
contestations qui les dépasseraient. Or, ce sont là les seules mesures stabilisatrices possibles
du capitalisme mondial : que la plus-value produite en Chine se réalise sur le marché
chinois et non sur le marché mondial. La lutte des classes en Chine sera un des éléments
déterminants dans l’avenir.
Là est la pierre de touche de la situation actuelle : l’évolution et la gravité de la crise
renvoient à la lutte des classes.
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81

O pesadelo das finanças sem freios - Frédéric Lordon - LMD


Os mercados pressionaram os Estados por anos, para se tornarem
cada vez mais "livres" de limites e regulamentações. Embriagados
por seu próprio poder e riqueza, criaram a pirâmide de dívidas que
agora ameaça desabar. Mas há alternativas para um sistema de
crédito sustentável e socialmente útil

Quando notícias normalmente tidas como boas passam a ser interpretadas como
péssimas, a gravidade da crise fica clara. O FED (Federal Reserve, banco central norte-
americano) reduz cada vez mais a taxa de juros? Nunca é o bastante. Anuncia, em 12 de
dezembro último, de comum acordo com outros grandes bancos centrais, uma ampliação
espantosa de seus procedimentos de refinanciamento [1]? É porque a situação tornou-se
bem mais grave que se imaginava. Seu presidente, Ben Bernanke, numa atitude sem
precedentes, defende, em 17 de janeiro, a ampliação dos incentivos orçamentários? Só pode
ser porque, tendo esgotado suas margens de manobra, não vê outro recurso senão pedir ao
Estado para tomar iniciativas. Como isso era apenas o primeiro ato de uma comédia mal-
encenada, eis que George W. Bush anuncia, logo no dia seguinte, um pacote de incentivos
quase perfeitamente ajustado às “sugestões” do banqueiro central. Se os dois chegaram ao
ponto de coordenar tal esquete burlesco, é porque as coisas realmente são graves...
Tamanha ineficácia das medidas clássicas constitui o sinal mais espetacular, e mais
preocupante, de como é profunda a confusão em que se encontra o mundo das finanças, que
já não responde às orientações da política monetária, a não ser de maneira errática.
A crônica cotidiana das movimentações nos mercados financeiros, que de outra
forma estaria fadada a permanecer incompreensível, ou dissolvida no caos das notícias
despejadas pelas agências de informação, só passa a fazer sentido quando inserida em uma
perspectiva de médio prazo, que confere à crise seu perfil característico e sua real extensão
temporal. Os amigos do sistema, que se apressaram em garantir a inocuidade de uma crise
tida como desprezível, e anunciaram a iminência do retorno à ordem, sem dúvida vão ficar
decepcionados: os seus escritos permanecem… mas as turbulências também.
Há boas razões para a crise persistir e se ampliar. Para imaginar que o episódio seria
solucionado com facilidade, como se fosse uma insignificante anomalia de mercado,
teríamos que esquecer a gravidade do fato que o gerou: o aliciamento delirante de
multidões de famílias inadimplentes para contraírem a mais pesada de todas as formas de
dívida, o empréstimo hipotecário. Por efeito de uma reviravolta, que parece ter sido gerada
82

por uma justiça imanente, a cláusula do reset [2], que serviu para atrair maciçamente os
clientes (e provocou uma disparada dos preços do setor imobiliário, que alcançaram valores
recordes, da mesma forma que os ganhos especulativos obtidos com os derivativos),
tornou-se uma maldição no mundo das finanças. Este, que tanto gosta de viver na
instantaneidade, está agora obrigado a lidar com um “atrasado” de famílias endividadas, do
qual é impossível se livrar. O pico dos resets, ou seja, dos reajustes de taxas de juros que
jogam as famílias na inadimplência, deverá chegar em março-abril de 2008.
Supondo — hipótese favorável — que a sedução dos candidatos ao crédito tenha
sido suspensa no início de 2007, será preciso esperar até o início de 2009 para que termine
a emergência dos falidos potenciais, cuja situação não apresentaria absolutamente nenhum
interesse para o mundo das finanças se suas derrocadas vulgares não fossem a origem do
desmoronamento dos produtos especulativos derivados de seus créditos imobiliários
(definitivamente, os pobres não sabem estar à altura da criatividade dos ricos...). O mundo
das finanças, que gosta acima de tudo da liquidez dos fluxos de dinheiro, está
redescobrindo a inércia dos estoques: todas as pessoas que ele tratou como “carne para
canhão” hipotecária nada mais são agora do que obstáculos incômodos.
A esta altura, a saída da crise está cada vez menos na ordem do dia. A
dinâmica do desmoronamento financeiro começou a espalhar seus efeitos mais tóxicos
Enquanto isso, a quebradeira geral vai se ampliando. Ela atinge uma categoria de
protagonistas da qual ninguém havia ouvido falar até então: as monolines, instituições
especializadas que seguram os detentores de carteiras de obrigações (em geral, fundos de
investimentos ou bancos). A princípio, dedicavam-se, sossegadamente, a cobrir os riscos
simples das obrigações municipais nos Estados Unidos — por meio das quais, os governos
locais têm a possibilidade de financiar suas atividades, emitindo títulos nos mercados. Mas,
assim como aconteceu com todos, estas instituições foram tomadas pela febre e viram-se
tentadas a segurar produtos mais atraentes, cujo volume, em plena expansão, garantia um
faturamento polpudo, e que todo mundo gostava de considerar como pouco arriscados: os
derivados de subprimes, obviamente!
Quem se surpreenderá com o que aconteceu em seguida? As duas monolines mais
importantes, a MBIA e a Ambac, estão em quase-falência. Bancos e fundos são instados a
recapitalizá-las em regime de emergência. O caso está longe de ser apenas anedótico, uma
83

vez que os bancos haviam colocado no seguro seus colossais volumes de produtos
derivados, e a degradação da contabilidade das seguradoras monoline obriga a revisão da
contabilidade de todos os títulos que elas seguravam, cujo valor, tal como está estipulado
nos balanços de seus clientes, deverá ser revisto para baixo.
A esta altura, a saída da crise está cada vez menos na ordem do dia, pois a dinâmica
do desmoronamento financeiro começou a difundir seus efeitos mais tóxicos. A
deterioração dos balanços dos bancos, em conseqüência das perdas com os derivados de
subprime, e as tensões que persistem sobre a liquidez interbancária, em razão da extrema
incerteza que motiva todos eles a se enxergarem uns aos outros como contaminados
potenciais, resultam fatalmente numa contração do crédito, da qual a economia produtiva,
por mais distante que esteja das peripécias especulativas, acabará padecendo. Por causa de
sua resistência em reconhecer os fatos, comparável apenas à dos intelectuais orgânicos do
liberalismo, as instituições financeiras demoraram mais de seis meses até se renderem à
idéia de uma iminente redução do ritmo do crescimento, e possivelmente de uma recessão.
Ora, o crescimento da idéia da recessão vem alterar muitas coisas, principalmente
no que diz respeito à ampliação do campo financeiro, ameaçado pela desestabilização. Os
abalos mais violentos dos mercados de ações, no começo de 2008, constituem uma prova
disso. Não que eles estivessem em uma forma olímpica, nestes últimos oito meses. Mas as
reduções de lucros estiveram limitadas, primeiro, aos valores bancários das hipotecas —
ainda que de primeira linha. Depois, a partir de setembro, tornaram-se sensivelmente mais
fortes, nos períodos em que a seca do mercado monetário e a impossibilidade de nele
levantar fundos obrigaram bom número de instituições a efetuar vendas emergenciais de
parte de suas carteiras de ações, de modo a obter rápida liquidez. No momento em que a
perspectiva do desaquecimento fica mais nítida, toma corpo uma interrogação geral sobre a
atividade e a rentabilidade de todos os setores.
Os bancos vêm chegar o momento em que suas dívidas ativas de private-equity
também irão desmoronar, relegadas à categoria dos “maus créditos”
O ingresso provável dos mercados de ações em um ciclo de baixa promete rudes
efeitos colaterais. Em particular, no setor tão discreto quanto sensível da private-equity —
esta forma brutal de capitalismo, na qual as empresas consideradas promissoras são
compradas, retiradas da Bolsa e reestruturadas, com o objetivo de, em um prazo de dois ou
84

três anos, serem revendidas a peso de ouro, na maioria dos casos por meio da reintrodução
na Bolsa [3]. Se esta última se mostrar desanimada, será preciso abrir mão dos lançamentos
de novas ações, promovidos com grande estardalhaço e cotações fulgurantes. Com isso, a
“descostura” de um bom número de operações de private-equity é particularmente delicada
— seja porque as sobrevalorizações não correspondem às expectativas, seja pelo fato de os
compradores se verem obrigados a adiar a sua “saída” e a carregar a dívida por muito mais
tempo do que haviam previsto. Essas operações foram financiadas por meio de créditos
fantasmáticos, alocados em certos casos dentro de condições tão escabrosas quanto as das
subprimes. Enquanto isso, os bancos estão vendo se aproximar o momento em que gordas
fatias de suas dívidas ativas de private-equity também irão desmoronar, sendo relegadas à
categoria dos “maus créditos” – com todas as depreciações que podem decorrer de tal
situação.
Entre estas, incluem-se a redução direta do valor de suas carteiras de ações, a queda
do ritmo de suas atividades de geração [4] e de fusão-aquisição, a ameaça sobre os créditos
de private-equity (que também recai sobre muitos outros, tais como os cartões de crédito, o
financiamento de veículos etc.) e a redução dos lucros de trading (operações especulativas)
nos mercados, marcados por uma tendência à queda: tudo, no desaquecimento econômico,
concorre para comprometer a situação financeira dos bancos e para diminuir sua inclinação
a emprestar. No mundo maravilhoso das finanças, a crise alimenta a crise…
Nada disso foi fruto da ira divina. Contra todos aqueles que, a exemplo do
presidente do banco francês Société Générale, Daniel Bouton, pensam poder se eximir de
sua responsabilidade, valendo-se da tese do “deplorável acidente de percurso”, é preciso
lembrar o quanto estes eventos são expressão das lógicas puras das finanças de mercado.
Quem se espantaria ao ver que os agentes financeiros correm atrás de todas as
oportunidades para saciar sua gula? Ou que, em caso de necessidade, acabam inventando
essas oportunidades, por meio de “inovações” que os levam a acreditar, por um tempo, que
estão livres do risco? Ou que se precipitam sobre toda dinâmica altista e que a transformam
imediatamente em bolha? E, finalmente, que são capazes de apenas vigiar o seu risco
individual e considerar que o risco global não lhes diz respeito?
Quem ficaria espantado ao tudo isso acabar em catástrofe? Quem poderia se
surpreender, quando o próprio objetivo da desregulamentação financeira é abolir todo
85

entrave à ação dos investidores e devolver-lhes, sem a menor restrição, a mais viciadora das
formas do lucro e o mais forte dos poderes: a rentabilidade financeira?
Presidente do banco francês Société Génerale, particularmente afetado pela crise,
Daniel Bouton está numa posição especialmente embaraçosa para permitir-se alegar que
enfrentou “um acidente fora de norma e absolutamente lamentável” [5]. O banco dirigido
por ele desliza regularmente, há 25 anos, rumo ao delírio. O Société Générale,
tradicionalmente um banco de varejo de um classicismo cinzento, com suas agências, seus
balcões e seus executivos medianos, uma instituição bastante fraca no que diz respeito a
atividades como banco de investimento, foi mordido tardiamente pela tarântula da
globalização. Sonha com sofisticação e telões cintilantes. Gostaria de ser o Goldman Sachs.
Aprende inglês, instala seus golden boys em Londres e respira o ar revigorante dos
mercados de capitais — algo muito diferente de renovar o crédito do moleiro que mora em
uma remota aldeia da província. Por isso, quando Bouton afirma, em entrevista a Le
Figaro, que “o modelo do Société Générale de maneira alguma foi atingido ou
contestado” [6], é preciso entender exatamente o contrário: tal modelo acaba de sofrer um
grande tombo. O fascínio pelos mercados, que já lhe rendeu bastante dinheiro, poderá agora
custar muito caro. O Société Générale ilustra com perfeição esta fantástica distorção do
universo bancário, em sua abertura para os mercados, movido pela atração magnética da
desregulamentação.
No leque das alternativas, o Tributo Tobin, impostos sobre os ganhos
especulativos com ações, taxas de juros diferenciadas para empreendimentos
produtivos...
Nem todas as negações do mundo impedirão que a crise atual apareça tal como é:
uma experiência real, que demonstra a nocividade intrínseca de mercados e operadores de
mercado livres de qualquer controle. Mas esta experiência não é a primeira do tipo. Quem
não se lembra das cenas grandiloqüentes de indelicadeza e fraude proporcionadas pelo
krach das empresas de alta tecnologia, em 2000? Do apelo solene das autoridades
financeiras à regulação, à transparência, à reintegração das transações que as empresas
excluíam de seus balanços? “Nunca mais”, juram toda vez os atores do mundo das finanças,
antes de partirem para uma nova rodada. Mas os seus juramentos de bêbados; a idéia de que
eles enriquecem de maneira solitária e fabulosa durante a bonança e põem a economia
86

inteira em perigo quando suas imperícias vêm à tona, obrigando os poderes públicos a
salvá-los da difícil situação na qual qualquer falido ordinário seria abandonado à sua
própria sorte; tudo isso dá vontade de "virar a mesa”, o que parece ser a única solução para
que esta seja verdadeiramente a “última rodada”.
Um balanço um pouco mais analítico das “realizações” das finanças
desregulamentadas, nas quais os danos causados superam de maneira tão evidente os
serviços prestados, deveria ao menos convencer da urgência de se quebrar algumas de suas
engrenagens. Ao contrário do que dizem, não faltam idéias em relação a esta questão. A
Taxa Tobin é uma delas. Sugerida em 1972 pelo Nobel de Economia James Tobin, consiste
em uma taxação das transações monetárias internacionais de modo a desencorajar a
especulação. Mas caiu prematuramente no esquecimento. Já o SLAM, um projeto para
limitar a rentabilidade acionária máxima, e suprimir com isso os estímulos à exploração
cada vez mais intensa dos assalariados, é outra dessas idéias [7]. Uma política monetária
desmembrada, que financie por meio de taxas de juros diferenciadas a economia produtiva
e a economia especulativa, é uma terceira proposta. A exemplo do que foi feito nos Estados
Unidos pelo Glass Steagall Act [8], a lei adotada em decorrência do desmoronamento dos
anos 1930, por que não considerar a possibilidade de se estabelecer uma separação
hermética entre os bancos comerciais e os bancos de investimento? O princípio da
separação estanque tem como propriedade atenuar sensivelmente a transmissão dos
desastres financeiros para a economia real, que se dá por intermédio do canal do crédito.
À medida que exerce uma pressão permanente e sempre crescente sobre os preços
— portanto, sobre os custos, e, finalmente, sobre o custo salarial, a concorrência instaura
um regime de “preços-salários”, no qual toda discussão sobre o poder aquisitivo remete
imediatamente à questão dos preços. Quando o assalariado reivindica aumentos, a resposta
acaba sendo dirigida ao consumidor. Mas a redução dos preços que é oferecida a este
último tem por efeito imediato reduzir o salário do primeiro! Os assalariados colocados no
olho da rua por um plano de terceirização, por exemplo, não têm outro recurso senão fazer
suas compras nas grandes lojas de preços baixos — que constituem a extremidade mais
feroz da corrente concorrencial. Mas ao fazê-lo, ativam novamente todos os mecanismos
que acabaram de causar o seu infortúnio. Contra a vontade, os assalariados dão deste modo
“razão” à rede de relações que os castiga. Na falta de qualquer outra solução, contribuem
87

para assegurar a continuidade dos ataques a seus direitos [9]. Deste processo notavelmente
perverso resulta um regime de baixa pressão permanente do poder aquisitivo, que deprime
em conseqüência o consumo e a demanda global.
Mas o modelo neoliberal se gaba de oferecer, ele mesmo, as soluções para os
problemas que gera. Assim, a resposta ao menor consumo, uma característica inerente do
regime de “preços-salários” concorrencial, é o endividamento! Se o poder aquisitivo das
famílias tende a ficar estagnado ou regredir, enquanto o capital reclama um mercado mais
dinâmico, haverá algo mais lógico do que ampliar, por meio do crédito, a capacidade de os
assalariados gastarem além da conta? Ninguém há de se surpreender ao verificar que nos
Estados Unidos e no Reino Unido, que já têm uma boa “dianteira” em relação à França
nesta descida íngreme, a taxa de endividamento das famílias em relação à sua renda
disponível é respectivamente de 120% e 140%. Isso explica por que as economias anglo-
saxãs tendem a sofrer mais do que as outras: nelas, o crédito para o consumo constitui uma
válvula indispensável, que está prestes a ser brutalmente fechada.
Na França, o presidente Nicolas Sarkozy comemora o fato de a situação ser muito
diferente. Mas todos os seus atos conduzem o país ainda mais rapidamente na direção dos
EUA e Reino Unido. Na França, a taxa de endividamente das famílias, que era de 68% em
2006, vem explodindo literalmente nos últimos dez anos.
A falência das instituições financeiras não chega a arrancar lágrimas… até o
momento em que nos perguntamos qual é a origem dos fundos perdidos por elas
É no envolvimento financeiro maciço dos assalariados que a coerência liberal torna-
se mais refinada. Vertente simétrica da alienação pela dívida, chegou a vez da poupança ser
o protagonista. A falência das instituições financeiras não chega exatamente a arrancar
lágrimas… até o momento em que nos perguntamos qual é a origem dos fundos perdidos
por elas. Ora, é mesmo em parte com a poupança dos assalariados que essas instituições
jogam e perdem.
A situação da França, também neste caso, continua sendo uma exceção relativa,
uma vez que a maioria dos assalariados não tem dinheiro suficiente para ir além da
caderneta de poupança e apenas os mais ricos têm acesso ao mercado de investimentos.
Mais uma vez, o exemplo é indicado pelas economias anglo-saxãs, que tiveram a
interessante idéia de acabar de vez com os sistemas de aposentadoria por repartição, de
88

modo a captarem enormes massas de poupança salarial, injetadas nos mercados por
intermédio dos sistemas de aposentadoria privada.
No que vem a ser um charme particular da “universalidade financeira”, são todos os
assalariados que pagam o pato quando os mercados afundam. O fato de encontrar um
substituto ao salário direto — cujo aumento todos entenderam agora que não está mais na
ordem do dia — já caracteriza por si só uma manobra fraudulenta. Mas efetuá-la expondo
diretamente os assalariados às instabilidades do mercado financeiro, e ainda por cima
tentando torná-los solidários daquilo que os escraviza, é algo muito sério.
Presos dentro da armadilha da concorrência, que só promove a redução dos preços
com a condição de que os salários sejam diminuídos, e capturados pela servidão do
endividamento, que se tornou tão indispensável quanto a renda para viver, os assalariados
desfrutam, ainda por cima, da “sorte” de serem tiranizados às suas próprias custas, uma vez
que a poupança que abastece as finanças acionárias, aquela mesma que exige rendimentos
que não acabam mais, é justamente a deles! E a perversidade confina com a estética
quando, de um lado, todos os acidentes do mercado financeiro estão fadados a recaír sobre
eles, já que eles pagarão pelas perdas de crescimento; e, de outro, no que vem a ser o
desfecho supremo, passa a ser proibido mexer em qualquer coisa que seja das estruturas
financeiras, pelo motivo (razoável, eis o pior!) de que isso equivaleria a atentar contra as
suas aposentadorias. Afinal, dentro desta armadilha perfeita, o fato de investir contra a
rentabilidade financeira não equivale a investir contra a renda dos idosos?
Sejamos justos: não existem, do lado do liberalismo, apenas macacos amestrados
que passam os dias entoando incansavelmente os mantras do evangelho dos mercados. Na
maioria dos casos, os seus apoiadores mais eficientes não são necessariamente os mais
visíveis. Estes deixam ao entusiasmo um pouco tolo dos economistas de plantão a tarefa de
transfigurar em “ciência natural dos mercados” (reputada por lidar apenas com “ofertas” e
“demandas”, e, portanto, supostamente livre de toda ideologia e toda política) um processo
de transformação do capitalismo que é só ideologia e só política! Este cinismo lúcido e
atuante (que faz política intensamente, enquanto o economicismo teima na negação e vive
repetindo que os mercados dizem respeito apenas à neutra “administração das coisas”)
compreendeu muito bem que existe efetivamente uma economia política da
“financeirização”. A meta de envolver os assalariados no mercado financeiro representa a
89

sua estratégia — e ela é muito perigosa. Como melhor consagrar os mercados de capitais do
que tornando os assalariados solidários? Afinal, reconstruir seus interesses por meio das
finanças não equivale a reconstruir o salariato como apoio objetivo da “financiarização”?
É evidente que essa “solidariedade” não passa de uma fraude: algumas migalhas de
participação financeira contra uma servidão adquirida para a eternidade. Além disso, a
servidão procede de mecanismos abstratos, remotos, e que sabem se fazer esquecer, ao
passo que as migalhas, mesmo sendo migalhas, exercem um peso concreto que pode ser
suficiente para deixar acreditar que “mexer com as finanças” equivale a “mexer com os
interesses dos assalariados”.
[1] Por meio dos quais, a instituição abastece os bancos, aumentando sua liquidez.
[2] No qual uma taxa inicial vantajosa é concedida durante os primeiros dois anos, até ser
reajustada para a taxa “plena”, que passa a vigorar durante os 28 anos seguintes.
[3] Ler “Comment la finance a tué Moulinex”, Le Monde Diplomatique, março de 2004.
[4] Emissões de títulos (ações, obrigações etc.) por conta des seus clientes.
[5] “Mensagem aos nossos clientes”, anúncio publicitário do banco Société Générale,
publicado em Les Echos no dia 4 de fevereiro de 2008.
[6] Le Figaro, 25 de janeiro de 2008.
[7] Ler “Enfin une mesure contre la démesure de la finance: Le SLAM”, em Le Monde
Diplomatique, edição francesa, fevereiro de 2007.
[8] Posta em vigor em 1933, essa lei foi abolida por Bill Clinton em 1998.
[9] Ler Serge Halimi, “O preço dos preços baixos”, Le Monde Diplomatique Brasil, janeiro
de 2006.
90

O mundo refém
refém das finanças - Frédéric Lordon LMD

Por que o estouro da bolha imobiliária dos EUA é uma ameaça


à economia internacional. Quais as novas formas de
especulação nos mercados financeiros, e de que modo elas
podem propagar a crise. Como os grandes bancos e fundos de
investimento transferem a conta de sua irresponsabilidade para
os Estados e sociedades
Há dois séculos, Hegel deplorava a incapacidade crônica dos Estados de aprender
com as experiências da história. Os governos não são os únicos poderes incapazes de
aprender. O capital – notadamente o financeiro – também parece condenado à perseverança
no erro, à aberração recorrente e ao eterno retorno da crise financeira. Apesar de envolver
novos “produtos”, a atual crise dos mercados de crédito permite entrever, uma vez mais, os
ingredientes quimicamente puros do desastre. Também oferece, a quem quiser enxergar,
uma oportunidade a mais para refletir sobre as “vantagens” da liberalização dos mercados
de capitais.
É que a crença financeira não se dissipa com facilidade. Logo ela, que se vangloria
de ser a encarnação do princípio de realidade, que submete as empresas à “validação dos
fatos”, segundo os critérios do “reporting” (prestação de contas trimestral) e do “track
record” (histórico de desempenho), mantém-se ignorante do que a história recente — sua
própria história — lhe entrega de bandeja. É que o “track record” da liberalização
financeira não tem boa reputação. Desde que ela se impôs, tem sido difícil passar mais de
três anos seguidos sem um incidente de envergadura. Quase todos poderiam figurar nos
livros de história econômica: 1987, quebra dos mercados de ações; 1990, quebra dos “junk
bonds” (“títulos podres”) e crise das “savings and loans” (instituições financeiras de
poupança e empréstimos) norte-americanas; 1994, crise de debêntures norte-americanos;
1997, primeira fase da crise financeira internacional (Tailândia, Coréia, Hong Kong); 1998,
segunda fase (Rússia, Brasil); 2001-2003, estouro da bolha da Internet.
E aqui estamos nós, em 2007. Leitura dos devotos: “A globalização é auspiciosa,
mas dolorosa” [1]. No Le Monde, Pierre-Antoine Delhommais deleita-se com a resistência
da besta diante de tantos choques de vulto — que parecem prestes a matá-la, apenas para
vê-la reerguer-se caminhar com ânimo renovado. Omite-se quanto custou, aos assalariados,
pagar a conta da embriaguez financeira em cada ocasião. Invariavelmente, o solavando dos
91

mercados atinge os bancos, e portanto o crédito; em seguida, os investimentos, o


crescimento e o emprego.
Seria necessário quem sabe, que o jornal fosse adquirido por um fundo de
investimentos um pouco impiedoso para que, ao viver a experiência concreta do
“downsizing” (“enxugamento”), o jornalista se visse mais impelido a calcular o número de
empregos destruídos em função das práticas do mundo financeiro e de suas crises.
A crise dos mercados de crédito que castiga a economia norte-americana oferece
uma visão quase ideal das relações fatais da especulação desenfreada. Como em uma
parada, desfilam novamente as toxinas gerais do mundo financeiro, sempre as mesmas e
numa ordem absolutamente idêntica: 1. as tendências “Ponzi” da especulação; 2. a lassidão
das avaliações de riscos na fase de alta do ciclo financeiro; 3. a vulnerabilidade estrutural a
uma pequena mudança de ambiente e o efeito catalizador de um enfraquecimento pontual
do sistema, que precipita a reviravolta; 4. a revisão instantânea das estimativas; 5. o
contágio de outros setores do mercado; 6. o choque dos bancos excessivamente expostos; 7.
a ameaça de um acidente sistêmico, ou seja, de um colapso global, seguido de uma recessão
generalizada por estrangulamento do crédito e um pedido de socorro aos bancos centrais
feito por todos os fanáticos da livre iniciativa privada.
1. AS TENDÊNCIAS “PONZI” DOS MERCADOS
Como "pirâmides da felicidade", as bolhas especulativas apóiam-se numa
hipótese impossível: a de que novos investidores sempre entrarão na ciranda, para
sustentar os ganhos dos que chegaram antes
Provavelmente, ninguém melhor do que Hyman Minsky evidenciou os
encadeamentos da economia de mercado, resumidos por ele na eloqüente expressão
“cegueira ao desastre” [2]. Minsky dedicou particular atenção aos distúrbios provocados
por Charles Ponzi, especulador dos anos 20, que iludiou pessoas ingênuas, seduzidas por
promessas de rendimentos extraordinários. Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir
os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus primeiros clientes o capital aportado
pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto, a manutenção
infinita do fluxo de novos clientes.
Próximas à fraude, todas as bolhas especulativas baseiam-se num mecanismo
bastante semelhante. Elas requerem uma entrada constante de investimentos, para manter o
92

mercado em alta e a ilusão de que, assim, todo mundo ganha. O segredo da bolha é a
adesão especulativa. Investimentos de alta rentabilidade atraem aplicadores cada vez mais
comuns — portanto, cada vez menos esclarecidos, porém mais numerosos.
Para que o crescimento do mercado imobiliário norte-americano se prolongasse, se
possível ad aeternum, era necessário que grupos cada vez mais significativos de famílias
fossem levados a procurar o mercado de empréstimos hipotecários. Com a ajuda do sonho
norte-americano de ser proprietário, não foi difícil convencê-los no início. Escaldados pela
queda das ações no estouro da bolha da internet, eles estavam à procura de outras formas de
investimento. Mas o contingente de tomadores de empréstimo “saudáveis” esgotou-se
rapidamente. Como o mercado precisava imperativamente ser sustentado, as instituições
financeiras foram à procura de novos clientes. Os rios de dinheiro emprestados levaram os
preços dos imóveis às alturas.
Mesmo que não seja possível manter o pagamento da dívida, famílias e
emprestadores julgam que o imóvel poderá ser vendido com valorização para uns e
comissão para outros. A crença no crescimento incessante do mercado leva a aprovar
qualquer empréstimo. As torneiras do crédito são abertas por completo, e a alta
especulativa parece dar razão a todos. Surge a categoria das hipotecas de segunda linha
(subprime mortgages) — cujos beneficiários têm capacidade de pagamento mais que
duvidosa. Como a euforia está no auge, todos os limites podem ser ultrapassados. Criam-se
figuras como os empréstimos “Ninja”: “No Income, No Job or Asset”, ou seja concedidos a
clientes, “sem renda, sem emprego ou sem ativo (a ser dado como garantia)” — e o
champanhe de brinde, talvez.
2. LASSIDÃO NAS AVALIAÇÕES DE RISCOS
Fantástico milagre da securitização: em teoria, qualquer empréstimo pode ser
fatiado em infinitos pedaços, para que os riscos de inadimplência sejam pulverizados
até se tornarem irrisórios
Mas o mercado financeiro, que costuma se dizer especialista em controle de riscos
tem alternativas. Ele não peca jamais por falta de criatividade. A grande mágica? Os
“produtos derivados”. O problema de um crédito, ainda mais quando de risco, é que ele
continua nos livros contábeis de quem o concedeu até sua liquidação — seja ela boa ou
ruim. O grande achado, que remonta ao início dos anos 90, consiste em “fundir” um certo
93

número de créditos para, com lastro neles, emitir títulos negociáveis. A grande vantagem
dessa operação, adequadamente chamada de “securitização”, é o fato de que os títulos
assim “fabricados” podem ser vendidos nos mercados em pequenos lotes a múltiplos
investidores (institucionais). E eis que, então, os créditos duvidosos saem do balanço do
banco. Compreende-se agora que ele os conceda com tanta facilidade: pode livrar-se deles
assim que forem securitizados!
Por que os investidores querem comprar aquilo de que o banco quer se livrar? Para
começar, porque adquirem os títulos em pequenas quantidades e, sobretudo, porque esses
papéis são negociáveis, ou seja, podem ser novamente vendidos. Além disso, a linha de
títulos derivada do grupo inicial de créditos é recortada em diferentes fatias de risco
homogêneas. Conforme seu próprio perfil, cada investidor institucional garimpará na fatia
que lhe convém, sabendo que sempre encontrará algo — especialmente os “hedge
funds” [3]. Mesmo as fatias de alto risco são atraentes, por oferecerem maior retorno...
enquanto tudo vai bem.
Evidentemente, a instituição que fez o empréstimo inicial transfere todos os direitos
(juros e amortizações) e riscos (de inadimplência) aos portadores desses títulos, chamados
de RMBS (“Residential Mortgage Backed Securities”, ou seja, títulos amparados em
créditos imobiliários). Porém, esses portadores são tantos — e mudam tanto — que daí
decorre uma extraordinária dispersão do risco global. Antes, o banco enfrentava sozinho a
inadimplência relativa a um de seus empréstimos. Agora não somente está totalmente
desembaraçado como também as conseqüências do não-pagamento estão pulverizadas entre
uma miríade de investidores. Cada um assume uma parte mínima do risco, diluída no
conjunto de sua própria carteira.
Riscos diluídos… ou subestimados?
Mas então, por que o alarme se, com o milagre da securitização, o mercado
financeiro resolveu a quadratura do círculo? Ocorre que as piores fatias de uma dívida
recebem um tratamento especial, para serem mais facilmente escoadas. Alguns investidores
re-fatiarão os próprios RMBS que adquiriram. Emitirão um novo tipo de títulos
negociáveis, os CDO (Collateralised Debt Obligations). Títulos derivados de títulos, os
CDOs podem ser de três tipos, correspondentes ao risco de inadimplência da fatia da dívida
a que se referem. A fatia superior, chamada de “investment grade”, torna seus portadores
94

imunes aos primeiros 20% ou 30% de inadimplência sobre os créditos imobiliários iniciais.
Segue-se uma fatia intermediária, chamada de “mezzanino”, e finalmente uma mais baixa,
que sofrerá o choque das primeiras insolvências.
Dá-se o nome pudico de “equity” a essa fatia, mas a linguagem dos mercados diz as
coisas mais na lata: “toxic waste”, ou seja, “resíduos tóxicos”. Esses produtos elevam o
risco ao quadrado, pois representam a fatia de maior risco dos CDOs, derivada da fatia mais
arriscada dos RMBSs, retirados da carteira inicial de créditos. Mas, enquanto o mercado
imobiliário seguir em alta e as famílias continuarem pagando as dívidas, sempre haverá
quem compre os papéis. Como a toxicidade ainda não está materializada, o que aparece são
as remunerações espetaculares.
Um dos segredos do desempenho dos “hedge funds” é levantar fundos a taxas mais
baixas e investir em títulos de alto risco, que remuneram proporcionalmente — ou seja,
muito. As margens são enormes, os “resíduos tóxicos” são vistos como minas de ouro e os
golden boys fazem a festa. Os lucros faraônicos mascaram os riscos objetivos, que ninguém
quer enxergar para que a ciranda gire o maior tempo possível.
3. DA VULNERABILIDADE ESTRUTURAL À INSOLVÊNCIA
A construção cresce como um enorme castelo de cartas. Em certo ponto,
qualquer pequeno incidente é capaz de ameaçar todo o edifício
A dispersão dos riscos por meio das operações de securitização em cadeia acabou
levando a crer que eles não mais existiam. É uma ilusão. Ainda mais porque essa doce
embriaguez logicamente induziu a comportamentos cada vez mais aventureiros. Já que
estou me desfazendo dos meus créditos, mesmo dos piores, diz a si mesmo o financiador
imobiliário, então o negócio é ir cada vez mais fundo nos empréstimos. E já que o mercado
está com liquidez, diz a si mesmo, na outra ponta, o “hedge fund”, por que não comprar os
CDO mais podres, que são os mais lucrativos? Os riscos certamente foram diluídos, mas a
própria diluição engendrou um crescimento totalmente descontrolado de seu volume global
e a situação caminha suavemente para as zonas críticas.
A fragilidade estrutural do edifício agora é tal que ele se torna vulnerável a
modificações do ambiente a priori insignificantes. A elevação de 0,25% na taxa de juros
pelo banco central dos EUA (o Federal Reserve, FED) aparentemente não é nada. Exceto
pelo fato de que, na outra ponta da curva de riscos, o crédito imobiliário de Mrs. Brimmage
95

passou dos 6,3%, em 2005, para 11,25%, e suas parcelas mensais subiram de 414 para 691
dólares [4]. Razão mais que suficiente para ela deixar de pagar. Como ela, 14% dos
tomadores de empréstimo subprime entraram em inadimplência no primeiro trimestre de
2007.
Falando em termos modestos, as altas da taxa de juros do FED têm um duplo efeito
de corte. De um lado, há menos gente entrando no mercado imobiliário e os preços
começam a baixar. De outro, aqueles que estão nele vêem as parcelas de suas dívidas se
tornarem insuportáveis. A própria possibilidade de "sair" do sistema fica comprometida. A
eventual venda da propriedade, para tentar saldar a dívida, se fará por um preço inferior ao
previsto. E a multiplicação das vendas acentua a pressão de baixa generalizada dos preços
dos imóveis.
Como sempre ocorre nas crises financeiras, uma instituição financeira tem uma
grande perda e o abalo provocado por seu colapso dá o sinal da grande virada. Nesse caso,
duas falências — nas duas pontas da corrente — vieram colocar um ponto final na
embriaguez dos mercados. Primeiro, foi o banco de investimentos Bear Stearns, que teve de
fechar dois de seus fundos "dinâmicos", ou muito lucrativos. Mas também o American
Home Mortgage (AHM), agente imobiliário, teve de se colocar claramente sob a proteção
do capítulo 11 da lei de falências norte-americana [5]. Esse fato é mais inquietante que o
anterior. O AHM não está especialmente comprometido no compartimento dos
empréstimos “subprime”. Será sinal de que as inadimplências estão se generalizando?
Haverá outras instituições em dificuldades?
4. A REVISÃO IMEDIATA DAS AVALIAÇÕES DE RISCOS
A crise está provavelmente no começo. A queda do preço dos imóveis
provocará uma onda de inadimplência que pode atingir os poderosos "hedge funds"
Desta vez, houve uma leve brisa de pânico. Os “toxic wastes” já cheiram bem mal e
as pessoas começam a dizer que os CDOs antes tidos como mais seguros talvez estejam
bastante contaminados. Mas como se pôde chegar a erros de avaliação tão monumentais?
Com certeza, a complexidade objetiva da avaliação dos produtos derivados não tem nada a
ver com isso. Com certeza, as agências de avaliação de risco (rating) avaliam essas fatias
de CDO e RMBS às centenas. Entretanto, elas são, num certo sentido, impotentes. Seu
próprio faturamento provém das instituições financeiras, que emitiram incessantemente
96

títulos a serem avaliados — 40% do rendimento de 2006 da Moody’s foi conseguido com
avaliações de produtos estruturados. Para que haja novos produtos a analisar, sem dúvida é
preferível que os antigos sejam declarados saudáveis.
As agências de rating nunca souberam ser independentes dos entusiasmos do
mercado que deveriam moderar. Na maior parte do tempo, lhe serviram de coro. Quem está
próximo ao meio financeiro e vive às suas custas, tem dificuldade se mostrar independente,
num momento em que todo mundo está enchendo os bolsos. Catastroficamente pró-cíclicas
quando deveriam ser contra-cíclicas, as agências mantêm-se alheias durante a alta. Quando
a reviravolta acontece, lançam-se, apavoradas, a fazer à revisão das avaliações anteriores,
contribuindo para transformar o sobressalto em colapso.
E a crise provavelmente está apenas no começo. As falências imobiliárias que estão
por vir caminham lado a lado com as teasing rates, as taxas muito atraentes que os
corretores usam para seduzir os clientes. Nos últimos anos, uma das modalidades mais
praticadas ficou conhecida como “2 + 28”. Nos dois primeiros anos, uma taxa de juros
simpática. Nos 28 seguintes, a taxa plena, que causa problemas. Portanto, ainda não
irrompeu a inadimplência relativa às vendas em 2006, e quase nada da de 2005 — as mais
fortes da bolha imobiliária. Sem dúvida serão notáveis. Trarão grandes prejuízos aos
“hedge funds”, empanturrados de seus produtos derivados.
E com a globalização das finanças e a estupidez financeira, nada disso se detém nas
fronteiras norte-americanas. É nos EUA que o mercado hipotecário delira, mas a
securitização daí derivada se oferece a todos os fundos especulativos do planeta. Os
alemães, durante muito tempo considerados mornos e tediosos, agarrados a seus
melancólicos bancos de varejo, decidiram, na virada do século, tornar-se “modernos” e se
voltar mais decididamente para as atividades de mercado. Resultado: depois do grande
susto de 1998 (risco russo) e das surras da bolha de internet (2001), eis que um banco, o
IKB, encontra-se à beira da falência por causa da superexposição aos papéis subprime…
5. SUSPEITAS POR CONTÁGIO
Num dominó típico das crises financeiras, a descoberta de riscos num setor da
economia desperta dúvidas sobre outros. Ninguém confia na solidez de atividades
contaminadas pela especulação
97

Agora, tudo se encadeia de um canto a outro do globo e dos mercados. O frágil


equilíbrio dos produtos derivados resistia enquanto ninguém o provocava — ou seja,
enquanto todos fingiam acreditar que o mercado tinha liquidez. Mas assim que um dos
atores sofre perdas exageradas e considera a hipótese de sair do sistema, vendendo seus
CDO, o medo latente se cristaliza e todos os compradores desaparecem. Com a liquidez
evaporada, os papéis, formalmente negociáveis, praticamente deixam de sê-lo. Torna-se
quase impossível avaliá-los, já que seu preço pode virtualmente cair a zero.
Engraçado — até a hora em que se começa a chorar —, o comunicado do BNP-
Paribas, que, em 9 de agosto, fechou três de seus fundos (também eles “dinâmicos”): “O
desaparecimento em certos segmentos do mercado da securitização nos Estados Unidos
conduz a uma ausência de preço de referência e a uma falta de liquidez quase total dos
ativos dos fundos, não importa qual seja a sua qualidade ou classificação” [6]. Tudo isso
não havia impedido que Baudoin Prot, controlador do banco, afirmasse categoricamente,
uma semana antes, que a liquidez dos três fundos estava assegurada. Significa, sobretudo,
que a inquietação ultrapassa amplamente o perímetro dos produtos de maior risco e
contamina as fatias consideradas mais seguras.
Nesse seara tão fértil, o contágio não vai parar. Além de atingir todas as classes de
risco dos RMBS e seus derivados, ele também se estende a outras partes do mercado que
nada têm a ver com crédito imobiliário — exceto o fato de terem também caído na orgia
dos créditos indiscriminados. É exatamente o caso do setor de private equity, esses fundos
de investimento, vedetes das finanças nos últimos anos, que recompram integralmente
empresas tidas como promissoras, fazem-nas sair da bolsa, reestruturam-nas no tranco para
revendê-las, dois a quatro anos mais tarde, com forte valorização.
Tais fundos comprometem muito pouco dos seus capitais próprios. Mergulham
fundo em dívidas, cujo serviço, aliás, transferem à empresa recomprada. A rentabilidade
que resulta é excepcional. Atingiu tais níveis que os bancos literalmente se precipitaram
para financiar tais operações. Num estado de quase mistificação, e persuadidos de que se
ganha de todos os lados, concederam a esses fundos condições de empréstimo
surpreendentes. É o caso dos chamados empréstimos covenant-lite, ou seja, livres de todas
as cláusulas relativas a coeficientes financeiros elementares a que são normalmente
98

submetidos os tomadores de empréstimo — “aconteça o que acontecer, nós estamos do seu


lado".
Melhor ainda são os chamados empréstimos PIK (Payment In Kind – pagamento em
espécie) ou ainda IOU (I Owe You), cujos juros e principal são reembolsados não em
dinheiro, mas em adicional de dívida acrescentado à dívida inicial. Os encargos de crédito
orientados para os fundos de private equity atingiram volumes astronômicos. Ora, as
operações desse tipo são particularmente vulneráveis no momento de desatá-las, já que se
trata de revender ativos notoriamente sem liquidez: não blocos de ações, mas empresas
inteiras. Ao primeiro acidente que ocorra em meio a essa operação — revenda impossível,
adiada ou com desvalorização — será a vez de todo o setor viver seu momento dramático.
As recentes operações para captação de recursos financeiros acontecem de forma
bastante trabalhosa, se comparadas com a facilidade exuberante dos meses anteriores. É que
os bancos, antes cúmplices lassivos, tornam-se subitamente reticentes. Por um efeito de
amálgama, típico das crises financeiras, a súbita revelação dos riscos em um setor suscita
questionamentos paralelos em outros, onde a euforia quase produziu o mesmo estrago. Em
1994, os insucessos do México induziram a dúvida em relação à Tailândia, por um puro
efeito de amálgama, com base na categoria “mercados emergentes”. Da mesma forma, hoje,
o mercado imobiliário produz efeitos sobre a private equity.
6. CHOQUE NOS BANCOS
Expulso pela porta, o risco implícito nos empréstimos retornou pela janela.
Para reequilibrar as contas, será preciso fechar as torneiras do crédito, atingindo
trabalhadores e empresas não-financeirizadas
Ainda que tenham conseguido se desfazer de suas carteiras de créditos imobiliários
por meio da securitização, os bancos suportam o giro da manivela, por múltiplas vias. Para
começar, deixaram seus fundos de gestão se encarregar dos produtos derivados, e o risco
hipotecário expulso pela porta voltou pela janela. Mas é, também, o contágio lateral que os
ameaça, marcadamente por meio da private equity, onde estão diretamente expostos.
Ora, a regulação prudente do setor bancário não brinca: os bancos são forçados a
manter cuidadosos coeficientes de solvência entre seus capitais próprios e compromissos.
Se houver desvalorizações de patrimônio — e elas se anunciam com muito mais força,
levando as agências de rating a despertar e rever todas as avaliações para baixo —, os
99

bancos devem contabilizar as provisões correspondentes. Para manter seus coeficientes,


terão de reduzir o denominador (os créditos concedidos) proporcionalmente à contração do
numerador (os capitais próprios onerados pelas provisões).
Em conseqüência, e como sempre, serão os agentes da economia real —
assalariados e empresas não-financeirizadas, distantes de todas as piruetas da especulação
— que encontrarão as torneiras de crédito fechadas, sem nem mesmo compreender o que
fizeram para merecer isso. Porque, para recompor os balanços dos bancos, a contração do
crédito será geral, e todos os tomadores de empréstimos serão atingidos.
7. O PEDIDO DE SOCORRO AOS BANCOS CENTRAIS
Quando a crise bate à porta, as finanças engolem o discurso privatista e
aconchegam-se nas tetas do Estado. O prejuízo imposto às sociedades é idêntico ao
resgate que se cobra de um seqüestrado
Bela figura fazem agora os heróis do mundo das finanças. Modernos e arrogantes
quando os mercados estavam em alta, ei-los pendurados nas tetas do Estado, que tanto
desprezam, quando a fortuna os estimula ao discuro ideológico privatista. Os bancos
centrais, chamados a livrá-los da ruína cortando as taxas de juros para restaurar a liquidez
geral, não são o próprio Estado — mas integram o setor público, o fora-do-mercado,
detestado quando os lucros correm soltos, requisitado quando fecha o tempo.
Jim Cramer, que tem um programa de aconselhamento financeiro na rede norte-
americana de negócios CNBC, teve um ataque de nervos em 3 de agosto. Aos berros e
vestindo camisa de mangas curtas, com um fundo musical de hard rock saturado, de
buzzers e bulls [7] sobrepostos, insultou [8] Ben Bernanke, presidente do FED, aos gritos
de “cut! cut!” — "corta! corta!” (as taxas de juros). E como Bernanke parece dispor de
tempo, Cramer premia-o com o insulto supremo: ele não entende nada, não passa de um
“intelectual” (acadêmico) [9].
Bem vestidos e não tão vulgares, os outros gestores de fundos consultados no
mesmo canal estão totalmente de acordo. Ah, que saudade de Alan Greenspan, que
“cortava” as taxas de juros sem reclamar. Um verdadeiro clínico, não se deixava atrapalhar
por estudos inúteis. Bastava-lhe simplesmente tatear o lombo da besta, para saber que era
preciso afrouxar o nó.
100

Os menos idiotas começam, porém, a dizer que essa longa tolerância monetária com
os excessos das finanças tem algo a ver com o surgimento e multiplicação dos riscos que
irromperam agora. Bernanke tendeu, de início, a deixar os operadores mais imprudentes
suportarem as conseqüências de sua inconseqüência. Mas não devemos nos enganar. Essa
posição do banqueiro central só pode ser mantida se os problemas continuarem localizados.
Quando eles se concentram e precipitam um “risco sistêmico” — ou seja, uma quebra
generalizada, por efeito-dominó —, não há outra escolha a não ser intervir, e maciçamente.
Aliás, é esse o aspecto mais insuportável dos danos causados pelo mundo das
finanças. Sempre encorajado a ir longe demais, ele avança muito além do limite a partir do
qual o Estado é obrigado a entrar de cabeça — e a atingir a sociedade — para lhe salvar o
pescoço. Nada mais parecido com um seqüestro de reféns.

[1] Delhommais, Pierre-Antoine, Le Monde, 9 ago. 2007.


[2] Minsky, Hyman P. Stabilizing an Unstable Economy. Yale University Press, 1986.
[3] Fundos de investimentos aplicados em diversos mercados visando diminuir riscos e reduzir
eventuais prejuízos ao mesmo tempo (Nota da Edição brasileira
[4] Mortgage Maze May Increase Forclosures , The New York Times, 6 ago. 2007.
[5] Entre outros aspectos, este capítulo libera o empregador de suas obrigações trabalhistas e
permite renegociar os acordos salariais.
[6] Comunicado do BNP-Paribas, 9/8/2007
[7] O touro – bull – é o animal que representa a alta da Bolsa.
[8] CNBC, 3 ago. 2007. Veja no YouTube
[9] Ben Bernanke tem um longo passado de economista acadêmico.
101
102
103
104
105
106
107
108
109
110
111
112
113
114
115
116
117
118

: Reinaldo A. Carcanholo* y Mauricio de S. Sabadini**

¿Qué características presenta la nueva etapa del capitalismo mundial iniciada a fines de los años 70 y principios de los
80? ¿Cuáles son las perspectivas para su continuidad y para su superación? Esas son preguntas sumamente
relevantes en la actualidad, y la respuesta adecuada, como hemos señalado en trabajos anteriores, pasa por el
concepto marxista de capital ficticio.[1]

Ese concepto, descrito por Marx en el tercer libro de El Capital, no es de fácil aceptación por parte de aquellos que
tienen deudas con las concepciones positivistas y metafísicas, sean de perfil keynesiano o no. Algunos tienden incluso
a aceptarlo, dada la intensidad de su existencia y de su predominio en los días actuales, pero lo hacen "a
regañadientes" y, en verdad, no son capaces de entenderlo con propiedad desde el punto de vista dialéctico,
perspectiva esa sin la cual el concepto tiende a perder mucho de su capacidad explicativa. El hecho de que el capital
ficticio sea, al mismo tiempo, ficticio y real debe parecerles simplemente una contradicción en los términos. Y es
justamente en esa dialéctica real/imaginaria que el concepto gana toda su pertinencia.

Si por un lado el concepto de capital ficticio no es de fácil asimilación, el de ganancias ficticias no encuentra
prácticamente a nadie que lo considere aceptable desde el punto de vista teórico, incluso entre aquéllos que se
presentan como pertenecientes al campo marxista.

En primer lugar, no se trata de un concepto que haya sido desarrollado por Marx y eso puede ser definitivo para
muchos. Por supuesto que en la época de ese autor, en la que la idea de un capital ficticio dominante sobre el capital
sustantivo[2] estaba lejos de ser posible, pensar que una parte de las ganancias no fuera derivada de la plusvalía y ni
siquiera del excedente-valor de formas de producción no salariales constituía un contrasentido.

En nuestra época, sin embargo, en la que el capital ficticio efectivamente se ha transformado en dominante, a punto
tal que hemos necesitado darle otro nombre (capital especulativo parasitario), la idea de ganancias ficticias surgió
para nosotros como algo poco menos que automático, totalmente inspirada en los análisis que Marx hace en los
diversos capítulos del tomo III de El Capital.

Hagamos, en primer lugar, un esfuerzo para, por lo menos en forma resumida, esclarecer los conceptos de capital
ficticio y de capital especulativo parasitario[3] para después explicar en qué consisten las ganancias ficticias.

Del capital ilusorio al capital especulativo parasitario

En primer lugar, debemos aclarar que capital a interés, que financia la producción o la circulación, y capital ficticio son
cosas totalmente diversas, aunque el segundo nace como consecuencia de la existencia del primero[4].

Lo primero que hay que considerar es el hecho de que el capital a interés, por si mismo, produce una ilusión social y
es precisamente a partir de ella que aparece el capital ficticio. En el capitalismo, la existencia generalizada del capital
a interés, cuyo significado aparente es el hecho de que toda suma considerable de dinero genera una remuneración,
produce la ilusión contraria, es decir, la de que toda remuneración regular debe tener como origen la existencia de un
capital. Dicho capital en sí no tiene mayor significación para el funcionamiento del sistema económico y puede ser
llamado de capital ilusorio (valor presente de un rendimiento regular).

Sin embargo, cuando el derecho a tal remuneración está representando por un título que puede ser comercializado,
vendido a terceros, se convierte en el capital ficticio. El título comercializable es la representación legal de esa forma
de capital. El ejemplo tal vez más simple de la existencia de capital ficticio está constituido por una concesión pública,
a particulares, del derecho de utilización comercial de una frecuencia de radio o televisión, cuando dicha concesión,
realizada a cambio de favores políticos o de cualquier otro tipo, puede ser vendida a terceros.

Así, el capital ficticio nace como consecuencia de la existencia generalizada del capital a interés, pero es el resultado
de una ilusión social.[5] Y ¿por qué debemos llamarlo capital ficticio? La razón está en el hecho de que, por detrás de
él no existe ninguna sustancia real y porque no contribuye en nada para la producción o la circulación de la riqueza,
119

por lo menos en el sentido de que no financia ni el capital productivo, ni el comercial.

En el capital a interés, el capital aparece como si fuera una fuente autónoma de valorización. Y dicha fuente se
presenta, según Marx, de forma mistificadora, una vez que el interés es apropiado sin trabajo y su existencia aparece
al mundo capitalista separada de toda conexión con el excedente producto del trabajo.

Al desarrollarse el sistema de crédito, con el objetivo primordial de financiar la producción, el capital a interés
adquiere gran importancia y dimensión en el sistema capitalista, al estar directamente subordinado a la lógica del
capital industrial. Al mismo tiempo que se apropia de una parte de la plusvalía generada en el sector productivo, el
capital a interés aumenta la eficiencia de la producción del excedente, así como la velocidad de reproducción del ciclo
del capital.

Marx destacó el carácter dependiente y complementario de ese capital a interés al capital productivo en pasajes como
el siguiente:

...una vez que la producción capitalista se encuentra totalmente desarrollada y una vez que se constituye en forma
dominante de producción, el capital a interés pasa a ser dominado por el capital industrial y el capital comercial, no es
más que un aspecto de éste, derivado del proceso de circulación. Aunque formas autónomas, se encuentran
subordinados al capital industrial. (Marx, 1976, p. 554.)[6]

Afirmaciones como ésta nos aseguran que la autonomización de las formas funcionales del capital, representadas en
este momento por el capital a interés, interfiere de manera positiva en el sistema capitalista al proporcionar su
crecimiento.

De ese modo, si bajo la forma de capital a interés el capital adquiere una forma mistificadora, bajo la forma de capital
ficticio, asume un aspecto aún más complejo y más desmaterializado. Aparentemente, se desarrolla de manera
independiente de la dinámica de la producción:

Al desarrollarse el capital a interés y el sistema de crédito, parece duplicarse y a veces triplicarse todo el capital por el
diverso modo como el mismo capital o simplemente el mismo título de deuda aparece en distintas manos bajo
diversas formas. La mayor parte de este "capital-dinero" es puramente ficticio. (Marx, 1968, tomo III, p. 443)

Así, el capital ficticio disimula aún más las conexiones con el proceso real de valorización del capital, al consolidar la
imagen de un capital que se valoriza por sí mismo, particularmente en el mercado de compra y venta especulativa:

De este modo se borra hasta el último rastro del verdadero proceso de valorización del capital y se refuerza la idea
del capital como un autómata que se valoriza a sí mismo y por su propia virtud. (Marx, 1968, tomo III, p. 439)

Comprendido el surgimiento teórico del capital ficticio, Marx pasa a referirse a algunas formas de su existencia. Entre
otras formas, se refiere al valor de las acciones correspondientes al real patrimonio de empresas. Para facilitar el
razonamiento, en ese particular, pensemos exclusivamente en empresas productivas.

¿Qué razón lo lleva a clasificar las acciones, aunque en monto total correspondiente al real patrimonio de una
empresa productiva, como capital ficticio? La primera de ellas es que las acciones permiten obtener un rendimiento
anual y, además, pueden ser vendidas en el mercado. Pero, aun así, debemos descartar que no tengan sustancia por
detrás; en verdad, representan el patrimonio de la empresa.

En verdad, las acciones constituyen capital ficticio por el hecho de que representan una riqueza contada dos veces:
una, el valor del patrimonio de la empresa; otra, el valor de ellas mismas. La prueba de que eso es verdad es que
pueden ambos valores servir de garantías, por ejemplo, para créditos bancarios. Pueden ser contadas dos veces, o
tres, o más, gracias a la existencia de empresas holdings.

Eso significa que el capital ficticio no surge solamente como resultado de la ilusión mencionada anteriormente,
cuando se convierte en título negociable. Es también resultado algo más directo del capital a interés, del sistema de
crédito, cuando éste duplica aparentemente la riqueza real, como es el caso de las acciones[7] de una empresa. Ese
tipo de capital ficticio constituido por acciones con valor igual al del patrimonio real de empresas productivas, lo
120

vamos a llamar capital ficticio de tipo 1.

Sin embargo, hay una segunda razón para que las acciones deban ser consideradas como capital ficticio: es el hecho
de que su valor se mueve muchas veces con independencia del valor del patrimonio de las empresas. Así, una
valorización especulativa de las acciones constituye un incremento del volumen total del capital ficticio existente en la
economía. Pero ese incremento posee una característica distinta del valor original: no constituye una duplicación
aparente de un valor real. En realidad, detrás de él no hay ninguna sustancia real. Por eso, a ese incremento lo
vamos a llamar capital ficticio de tipo 2. Así, el capital ficticio también aparece como resultado de la especulación,
cuando esta eleva el valor de mercado de cualquier tipo de activo (sea real o fiduciario). Obviamente, si tenemos una
reducción especulativa del valor de activos, nos encontramos con una destrucción de capital ficticio.

Así, y por extensión, podemos clasificar a toda valorización especulativa de activos reales o mobiliarios como capital
ficticio de tipo 2.

Marx también destaca que los títulos de la deuda pública constituyen capital ficticio. Pero también aquí debemos
distinguir entre los tipos 1 y 2. Cuando los títulos públicos son emitidos para financiar inversiones reales, tales como
carreteras, puertos, puentes, túneles, ferrocarriles, edificios, se trata de capital ficticio de tipo 1. Al contrario, cuando
el incremento de la deuda pública ocurre en razón de gastos improductivos[8] o gastos corrientes o aún de
transferencias[9], estamos frente a la creación de un nuevo capital ficticio de tipo 2, una vez que no sobrevive nada
sustancial por detrás de ese incremento de la deuda.

De esa manera, el capital ficticio tiene como origen tres fuentes: a) la transformación en títulos negociables del
capital ilusorio, b) duplicación aparente del valor del capital a interés (en el caso de las acciones y de los títulos
públicos) y c) valorización especulativa de los diferentes activos. Ese capital ficticio de tres diferentes orígenes tiene
en común el hecho de que, al mismo tiempo que es ficticio, es real. Es real desde el punto de vista del acto individual
y aislado, en el día-a-día del mercado, es decir, desde el punto de vista de la apariencia; es la dialéctica ficticio/real,
que quedará más clara posteriormente.

Pero hay otra cosa que aclarar. ¿Si la deuda pública constituye, en manos de sus acreedores, capital ficticio, por qué
no pasa lo mismo con la deuda privada, cuando esta se refiere a créditos para el capital industrial? Sobre todo, ¿por
qué no pasa eso si, incluso, la deuda privada puede estar representada por un título transferible a terceros, en el
mercado? Eso significaría que también los créditos a particulares para financiar la inversión productiva o comercial
deberían ser considerados, en las manos de los prestadores, capital ficticio.

De hecho, cuando el crédito es destinado al sector privado y se formaliza por medio de un título negociable en el
mercado, también debe ser considerado capital ficticio. Debe ser considerado así porque aparentemente el valor se
ha duplicado. Por detrás de él hay una sustancia y por eso se trata de capital ficticio del tipo 1.

Es, en verdad, el mismo caso de las acciones de una empresa privada, con una diferencia. El préstamo a una
empresa tiene como contrapartida una deuda de ésta, lo que no es el caso de las acciones. A pesar de que haya la
contrapartida de la deuda, y la suma de ella con el crédito es igual a cero, en realidad hay una duplicación aparente
de la riqueza: el título de crédito en manos del prestatario y los bienes reales comprados por el prestamista.

Sin embargo, es indispensable destacar que en el caso señalado del crédito, estamos frente a dos cosas complemente
diferentes: el capital a interés no puede ser confundido con el capital ficticio que genera. Aquél corresponde a una
riqueza real que fue producida bajo la forma de excedente[10]; este es puramente ficticio desde el punto de vista
global. El capital ficticio generado en esas condiciones es como el reflejo en un espejo del capital a interés. Son dos
capitales diferentes: uno real y el otro sometido a la dialéctica real/ficticia. Tal vez, más adelante en este texto, el
asunto pueda quedar más claro, pero el hecho es que el monto del capital a interés destinado, por ejemplo, a
inversiones del capital sustantivo no puede jamás ser mayor que el excedente económico producido después de todas
las deducciones relativas al consumo.

Corazza tiene alguna razón cuando apunta que, en la práctica, el capital a interés tiende a confundirse con el ficticio.

Así, en la complejidad de las finazas capitalistas actuales, parece difícil saber cuando el capital es real, cuando es sólo
financiero y cuando es puramente ficticio, toda vez que sus movimientos están de tal forma entrecruzados que el
capital productivo presupone el capital financiero y éste puede financiar la acumulación real. (Corazza, 1999)
121

Ahora, hay algo en que Corazza no tiene razón ninguna: cuando afirma que el capital ficticio puede financiar la
acumulación real[11]. Como vimos, una cosa es el capital ficticio, otra el capital a interés.

Por otra parte, aunque haya sido uno de los autores marxistas pioneros en la discusión sobre el capital ficticio[12] y
haya hecho una descripción de dicha categoría con rigor científico, Harvey también sugiere la existencia de aplicación
del capital ficticio en la esfera real de la producción, cuando afirma:

Dicho capital (ficticio) es definido como capital que posee valor monetario nominal y existencia como papel, pero que,
en un momento dado del tiempo, no posee peso en términos de actividad productiva real o de activos físicos. El
capital ficticio se convierte en capital real en la medida en que son realizadas inversiones que lleven a un incremento
adecuado en activos útiles (por ejemplo, instalaciones y equipos que puedan tener empleo rentable) o mercancías
útiles (bienes y servicios que puedan ser vendidos con ganancia). Harvey (1996, pp. 171-172)

Con perspectiva algo similar, Paula et alli (2001) afirman, apoyados en las ideas de Hilferding, que el capital ficticio se
dirige al capital industrial a partir de diferentes maneras: cuando el capital dinero es destinado a la bolsa de valores
que lo transforma en capital ficticio en la forma de acciones y, en el movimiento inverso, cuando la bolsa lo transfiere
a las manos de las sociedades industriales; y gracias a la multiplicación de las instituciones financieras (fondos de
pensión, por ejemplo), cuando ellas pongan los recursos a la disposición de nuevas inversiones productivas. Si
consideramos tales palabras en sí mismas, tienen razón en esas ideas, pero puede quedar la impresión de que exista
una cierta indiferenciación entre el capital ficticio y el capital a interés.

Es verdad que un determinado titular de capital ficticio puede convertir fácilmente su capital para financiar la
producción. Pero si lo hace, el capital ficticio simplemente cambia de manos, de manera que el valor total, en la
economía como un todo, de uno u de otro, no se altera.[13]

Decíamos anteriormente que el capital ilusorio no tiene mayor significación para el funcionamiento del sistema
económico, pero no se puede decir lo mismo del capital ficticio, aunque uno derive del otro. Eso es verdad
especialmente cuando, en ciertas circunstancias históricas, el volumen de este último tipo de capital alcanza magnitud
significativa, como es el caso en la actual etapa capitalista. En ella, el capital ficticio ha alcanzado predominio sobre el
capital sustantivo[14] y ésa es la marca propia de la mencionada etapa. Ha cambiado de carácter al transformarse de
polo dominado en dominante y por esa razón pasamos a llamarlo capital especulativo parasitario y llamamos
capitalismo especulativo a la fase actual del sistema.

La existencia y la magnitud del capital especulativo parasitario han hecho que la contradicción principal de la actual
fase del capitalismo sea la que existe entre la apropiación y la producción del excedente-valor producido
socialmente.[15]

Sobre las ganancias ficticias

¿Qué es y cómo se demuestra la existencia de las ganancias ficticias y por qué no es de fácil aceptación una categoría
de ese tipo?

Demostrar la existencia de las ganancias ficticias no es una tarea fácil, o mejor, en cierto sentido no es posible. En
primer lugar, entender su existencia presupone a nuestro juicio, además de la ya mencionada perspectiva dialéctica
de las cosas, una adecuada interpretación de la teoría del valor de Marx, algo poco frecuente. En segundo lugar,
pensar en una demostración empírica de su existencia es algo completamente fuera de la lógica científica; dentro de
la perspectiva dialéctica no tiene sentido. Tal vez, lo máximo posible sea describirla y sugerir sus formas de
existencia, al mismo tiempo que esclarecer su dimensión teórica y su relación con las demás categorías de la teoría
del valor.

Comencemos con la forma tal vez más simple de explicarla: la valorización especulativa de activos físicos. Vamos,
para ser muy didácticos, a describir el surgimiento de ganancia ficticia en lo que se refiere a algo muy trivial, que
sería la valorización especulativa de un inmueble:

1) Supongamos que, en condiciones económicas normales, compro un terreno por $ 100 y construyo una casa, a
través de una empresa constructora, y que, al final, ella me exija como pago exactamente el valor de la construcción,
ni más ni menos. Eso significa que estoy suponiendo que el precio corresponde exactamente al valor, en ese caso.
122

Supongamos que haya pagado a la constructora $ 300.

2) Por supuesto que no quedo más pobre ni más rico. Era propietario de $ 400 en dinero y continúo con la misma
magnitud de riqueza, sólo que ahora en la forma de un inmueble, una casa con su respectivo terreno.

3) Obviamente que en la construcción de la casa hubo producción de plusvalía, pero ella fue apropiada por la
empresa constructora o por empresas que le suministraron insumos o le prestaron dinero. Pero eso no importa lo más
mínimo.

4) Mi riqueza en valor no se ha alterado, pero la riqueza global de la sociedad se ha incrementado en un valor


correspondiente a $ 300 (menos el valor correspondiente al capital constante consumido, allí contenido).

5) Supongamos ahora que, por razones especiales, ocurra en la sociedad una valorización especulativa de todos los
inmuebles y que ahora yo pueda vender mi casa por $ 1.000 y que de hecho lo haga.

6) Supongamos que los precios medios de la economía no se hayan alterado, o lo que es la misma cosa, que los $
1.000 sean valores reales y no nominales.

7) ¿Puedo considerarme más rico que antes? Por supuesto que sí: antes mi patrimonio era de $ 400, ahora es de $
1.000, en dinero constante y sonante. El comprador de mi casa, con razón, no podrá considerarse más pobre que
antes de su compra, pues invirtió $ 1.000 en dinero y ahora posee una casa cuyo precio es $ 1.000 y puede venderla
en el momento que desee (mientras no cambien las condiciones del mercado).

8) Hagamos ahora cuentas de la riqueza de la sociedad como un todo, simplemente sumando la de cada uno de sus
miembros. La especulación hizo que la sociedad sea ahora poseedora de una riqueza más elevada. Yo poseía 400,
ahora poseo 1.000. El comprador de mi casa poseía 1.000 y sigue con los 1.000, sólo que bajo una forma distinta.

9) No sé exactamente cómo considerar el aumento de mi patrimonio. ¿Como ganancia? Tal vez; pero eso no es lo
que importa. Sin embargo, supongamos ahora que el poseedor de la casa, cuando valía 400, fuera una empresa
comercial cuyo objetivo fuese vender inmuebles y que efectivamente la lograra vender por 1.000. ¿No debería
considerar los 600 como legítima ganancia suya? Por supuesto que sí. Y de hecho es una ganancia.

10) A ese tipo de ganancias es al que damos el nombre de ganancias ficticias.

Sin embargo, hay una objeción a ese razonamiento que necesita ser superada.[16] Esa objeción consiste en recordar
algo indiscutible: que si una mercancía cualquiera es vendida por un precio superior al correspondiente a su valor, lo
que ocurre es simplemente una transferencia de valor desde el comprador hacia el vendedor. Así, la ganancia
obtenida por el vendedor en la operación mercantil corresponde a una pérdida del comprador de la misma magnitud,
de manera que la riqueza total no se ha alterado. En ese caso se observa una pura transferencia de valor.

Eso es completamente cierto, pero lo es para una mercancía que inmediatamente o en breve será destinada al
consumo y que, por medio de él, será destruida. Si compro una mercancía por precio superior al correspondiente a su
valor, mientras no la consuma y si su precio no se altera, puedo seguir pensando que no he perdido valor en la
compra, pero eso es una pura ilusión. Al consumir la mercancía, he consumido su valor de uso y he disfrutado de una
mercancía cuyo valor, cuya riqueza social representada por ella, es en verdad menor de lo que imaginaba.

Sin embargo, algo diferente ocurre cuando se trata de una mercancía que no voy a destinar al consumo, sino que
vaya a agregarse a mi patrimonio; cuando se trata de activos reales o incluso activos financieros. Activos de ese tipo
hacen parte de mi patrimonio y si durante la posesión que mantengo sobre ellos hay valorización especulativa de sus
precios, paso a sentirme más rico que antes y puedo contabilizar eso como una ganancia obtenida por mí. Si vendo
uno de esos activos mientras su precio siga sobrevalorizado, mi ganancia se efectiviza ahora en dinero. El comprador
de ese activo, desde que no haya reducción del precio, se va a sentir propietario de la misma riqueza que antes de la
compra, sólo que ahora con la riqueza bajo una forma diferente. Es verdad que, desde el punto de vista global, si el
precio del activo llegara a bajar, lo que antes aparecía como ganancia, desaparecería como resultado de un prejuicio
para el poseedor en aquel momento. Eso significa que la ganancia ficticia existe mientras se mantenga la valorización
especulativa de un activo cualquier y desaparece si, eventualmente, desaparece dicha valorización.

¿Qué características presentan las ganancias ficticias? Hay una característica básica: ellas constituyen ganancias
123

verdaderas, reales, tan reales como cualesquiera otras, desde el punto de vista del acto individual y aislado. Y eso
queda muy claro si tenemos en cuenta que, con la cantidad de dinero correspondiente a esas ganancias, puedo
obviamente comprar cualquier cosa. El punto de vista del mercado, el que permite observar un individuo aislado o un
acto mercantil aislado, es fundamental en ese aspecto: en esas condiciones, las ganancias ficticias son reales y no se
distinguen de cualquier otro tipo de ganancia.

Ahora bien, abandonemos nuestras limitaciones positivistas y hagamos un esfuerzo para pensar dialécticamente.
Abandonemos el punto de vista del acto individual y aislado, que es el que permite ver poco más que la simple
apariencia, y veamos el fenómeno de un punto de vista distinto. Desde el punto de vista de la totalidad, de la
sociedad como un todo, ¿esas ganancias son reales? ¿tienen sustancia derivada de la acción productiva del trabajo?
¿tienen detrás suyo la plusvalía (o excedente-valor producido por trabajadores no salariales) que le confiera realidad
sustantiva?

La respuesta es negativa; esas ganancias son puro humo. De la misma manera que aparecieron como por arte de
magia, de la noche a la mañana, pueden desaparecer a cualquier momento, en razón de oscilaciones especulativas de
los valores de los activos.

Hilferding, analizando la ganancia especulativa, había destacado que la compra y venta de títulos es un fenómeno
que no presenta ninguna influencia en la producción u obtención de la magnitud total de las ganancias del capital:

Las ganancias o pérdidas de la especulación surgen, por lo tanto, solamente de las diferencias de valorización de los
títulos de interés. No son ganancias reales, ni participación en la plusvalía, pero nacen a partir de la capitalización de
apropiación diferenciada de plusvalía que sale de la empresa y que cabe a los propietarios de las acciones (…)
Constituyen puras ganancias diferenciales. Mientras la clase capitalista se apropia, sin compensación, de una parte del
trabajo del proletariado, obteniendo de esa manera sus ganancias, los especuladores ganan solamente unos de los
otros. La pérdida de unos es lo que ganan los otros. Les affaires, c’est l’argent des autres. (1985, p.139).

De hecho, el análisis de Hilferding sobre las "ganancias diferenciales" destaca el movimiento especulativo de los
precios de los activos y su independencia en relación con la producción de plusvalía. En ese sentido, se aproxima de
lo que aquí hemos llamado ganancias ficticias. Sin embargo, existe por lo menos una diferencia importante: la
ganancia diferencial de unos, para ese autor, es pérdida especulativa de otros, siendo el resultado de las
transacciones una suma igual a cero. Para nosotros, al contrario, eso no es necesariamente correcto. La valorización
especulativa de los activos, mientras se mantenga, constituye una ganancia que no corresponde a pérdida para nadie.
Además, los intereses de la deuda pública recibidos por el capital, desde que no es financiada con superávits
primarios, sino pagados con el incremento de la propia deuda, constituyen ganancia para los propietarios del capital,
sin que constituya pérdida para ningún otro particular, aunque no provenga de la explotación de los trabajadores.

Es verdad que, en los movimientos especulativos, por ejemplo en el caso de la bolsa de valores, algunos players (sic)
ganan y otros pierden. Aquéllos que compran en la baja y venden en el alza obviamente que ganan. Pero eso es
totalmente otra cuestión; ahí se trata de una cuestión de distribución entre los especuladores del patrimonio ficticio
(del capital ficticio) existente. Lo que nos interesa en el análisis, en este momento, es el punto de vista de la
totalidad: así, el alza especulativa de la bolsa resulta en un incremento del total del capital ficticio del tipo 2 y, por
tanto, del surgimiento de ganancia ficticia.[17] La quiebra de la bolsa va a significar una reducción del volumen del
capital ficticio y, de esa manera, el surgimiento de una pérdida que puede representar simple destrucción de
ganancias ficticias anteriores. Estas son puro humo.

Cuando las ganancias ficticias son "producidas" por la especulación, elevan el volumen total del capital ficticio
existente en el conjunto de la economía; cuando el mercado presenta una reversión de su trayectoria, destruye
capital ficticio y esa destrucción va a aparecer como si fuera una destrucción de riqueza real y, de hecho lo es, sólo
que exclusivamente desde el punto de vista del acto individual y aislado.[18]

Debemos recordar que, conforme se deduce de los capítulos XXI y XXII del primer libro de El Capital, el punto de
vista del acto individual y aislado corresponde a la apariencia y el punto de vista de la reproducción y de la totalidad
corresponde a la esencia. Además, es indispensable reafirmar que la apariencia es una de las dos dimensiones de la
realidad no es falsa, que no se trata de un engaño del observador; ella es tan real como la esencia.

Volvamos a nuestro inmueble sobrevalorizado. Con las ganancias ficticias obtenidas con su venta puedo, en verdad,
comprar cualquier cosa, y supongamos que compro bienes de lujo o hago una inversión en capital fijo. ¿En ese caso,
el producto que compro no fue producido como excedente económico? ¿Esos bienes que compro, no son parte del
124

excedente material producido en la sociedad o, en otras palabras, el excedente producido bajo la forma de plusvalía
no tiene como componente suyo ese tipo de bienes (de lujo y de inversión)? ¿No se trata de riqueza real, desde todo
punto de vista? Y más, es real y material al mismo tiempo. Si es así, ¿mis ganancias llamadas ficticias no
corresponden a una plusvalía que ha sido producida en algún momento? En ese caso no serían ganancias ficticias; en
verdad, parecen no ficticias. Veamos la cosa más de cerca.[19]

Plusvalía, excedente económico capitalista y ganancias ficticias

Comencemos por aclarar algunas cuestiones sobre el concepto marxista de la plusvalía, en particular sobre las
posibilidades de su destino. El destino de la plusvalía está condicionado por la forma material que asume el
excedente-valor producido de forma capitalista. Tal vez fuera mejor decir, al contrario, que la decisión sobre el
destino de la plusvalía, derecho de aquéllos que la reciben sea bajo la forma de ganancia u otra cualquiera (salarios
improductivos, alquileres, interés, impuestos, etcétera), condiciona la forma bajo la cual debería poseer el excedente
capitalista al final de un determinado período productivo. Si recordamos los esquemas marxistas de la reproducción,
descritos por Marx en el tomo II de El Capital, fácilmente nos damos cuenta de ese hecho: la plusvalía necesita
presentar un contenido material específico, sin lo cual no habrá reproducción adecuada de la economía. En cierto
sentido, es lo que dice Marx:

En una palabra, la plusvalía sólo es susceptible de transformarse en capital, porque el producto excedente cuyo valor
representa, encierra ya los elementos materiales de un nuevo capital" (1968, Tomo I, p. 489)

En pocas palabras podemos afirmar que a la magnitud total de la plusvalía, corresponde un excedente físico,
sustantivo. Decir que ese excedente debe ser material sería una impropiedad, pues una parte de él, con seguridad,
está formada por mercancías-servicio, tan mercancías cuanto cualquier mercancía material.

Así, la plusvalía, después de transformada en ganancia, puede convertirse en capital fijo, por la acumulación, porque
el excedente sustantivo contiene anticipadamente los elementos materiales correspondientes; puede transformarse
en capital constante circulante, porque las materias primas y auxiliares necesarias fueron producidas y componen el
excedente sustantivo; puede convertirse en salarios adicionales, pues los bienes de consumo de los trabajadores han
sido producidos como excedente; puede convertirse en bienes de lujo, materiales de guerra, etcétera, pues una parte
del excedente que corresponde a la plusvalía producida está constituida por esos bienes, esas mercancías. Si vamos
destinar una parte de la plusvalía a la adquisición de nuevos inmuebles, tendrán que ser producidos esos inmuebles y
así determinada parte del excedente producido tendrá esa forma...

Lo anterior significa que no es posible efectuar una inversión real si los elementos materiales necesarios para ella no
están físicamente contemplados en la plusvalía. El trabajo, por ejemplo, en la construcción de una planta productiva
es integralmente trabajo excedente, plusvalía en proceso de producción, desde el punto de vista global. Por eso,
cualquier crédito (capital a interés) para esa inversión está limitado por el volumen susceptible de ser producido en el
sistema como excedente. Cualquier crédito adicional a la producción y a la inversión, resultaría en inflación,
reduciendo, por ejemplo, el salario de los trabajadores y ampliando de manera forzosa el excedente.

Por otra parte, cuando se trata de ampliación del capital ficticio, la situación es distinta. Este puede crecer por encima
de los límites permitidos por la producción de riqueza y de excedente, por medio de las ganancias ficticias. Mientras el
capital a interés está limitado por el volumen disponible del excedente, el capital ficticio no tiene ese límite.

De esa manera, contestando a la pregunta planteada anteriormente, de hecho mis ganancias ficticias que compraron
bienes suntuarios o capital fijo, corresponden en verdad a una plusvalía producida en algún momento anterior. Y eso
es indiscutible. Sin embargo, veamos ahora el otro lado.

Volvamos al ejemplo de la compra del inmueble. Vamos a suponer que el comprador del mencionado inmueble haya
efectivamente obtenido el dinero correspondiente a partir de ganancias directamente derivadas de la producción
material industrial y, por lo tanto, de ganancias reales (plusvalía, simple y llanamente). ¿Cuál fue el destino que ha
dado a su ganancia? Compró un inmueble sobrevalorizado especulativamente. El destino de sus ganancias fue en
parte valor real ($ 400) y en parte pura riqueza ficticia, capital ficticio ($ 600). En resumidas cuentas las ganancias
reales estaban en manos de A y pasaron a las manos de B con la compra; y las ganancias ficticias quedaron en las
manos de A, bajo la forma de sobrevaloración especulativa de un activo real, el inmueble.

Así, es verdad que el vendedor, que fue beneficiado por la valorización especulativa del inmueble, se apropió
inicialmente de ganancias ficticias. Al comprar bienes de lujo o medios de producción, transformó su propiedad ficticia
125

en riqueza real. Pero eso sólo fue posible por que el comprador hizo justamente lo contrario. Transformó
parcialmente su plusvalía bajo la forma de ganancia en dinero en la forma ficticia de sobrevaloración del inmueble. Y
entonces, si hacemos una vez más un esfuerzo dialéctico de mirar las cosas del punto de vista de la totalidad, nuestra
respuesta a la cuestión anterior es que las ganancias ficticias no tienen nada de plusvalía, no tienen nada de valor-
excedente mercantil.

Todo eso nos lleva a concluir que, en resumidas cuentas, las ganancias ficticias, generadas por la especulación, van
simplemente a incrementar el valor total de la riqueza ficticia o del capital ficticio. Podríamos incluso invertir la
afirmación y sería rigurosamente correcta, aunque tal vez solo comprensible más adelante: el incremento del capital
ficticio (nos referimos aquí exclusivamente al capital ficticio del tipo 2) de un año para otro, en una economía, es
exactamente igual al monto generado de ganancias ficticias.

Por otra parte, la afirmación de que la plusvalía apropiada, la ganancia real, pueda ser destinada a la acumulación
ficticia sólo tiene sentido desde el punto de vista individual. Así, si el individuo B obtuvo su ganancia real y compró
capital ficticio, sea un inmueble sobrevalorizado, sea un título público, de hecho transformó su ganancia real en
ganancia ficticia, por lo menos en parte. Pero eso sólo es la contrafaz del fenómeno inverso. Alguien en la economía,
que obtuvo ganancia ficticia la convirtió en excedente real, sustantivo, y en la misma magnitud. Por lo tanto, desde el
punto de vista global, la plusvalía apropiada como ganancia y no consumida, incrementa el capital real; las ganancias
ficticias apropiadas, no reducidas por una eventual desvalorización de activos, incrementan en la misma magnitud el
capital ficticio. El consumo suntuario total y la acumulación real sólo pueden tener como origen a la plusvalía, fruto
real de la explotación del trabajo productivo. El capital ficticio del tipo 2 crece como resultado de las ganancias
ficticias.

Con otras palabras, todo lo anterior significa que desde el punto de vista global, la plusvalía producida sólo puede ser
consumida individualmente ("consumo individual" en el sentido que Marx le da), acumulada como capital productivo o
comercial, destruida o desperdiciada. Por lo tanto, la expresión "acumulación financiera de la plusvalía" sólo puede
llevar a engaño; es una afirmación que implica una contradicción en los términos.[20]

Veamos una cuestión paralela. ¿Qué lo que ocurre con el crecimiento del patrimonio de los fondos de pensión de
asalariados? ¿Se trata de crecimiento del capital ficticio, del capital especulativo parasitario?

Una respuesta positiva podría ser objetada, por lo menos en lo que se refiere al crecimiento resultado de las
aplicaciones en los fondos de parte de los salarios de los trabajadores que piensan en su jubilación. De hecho, por
detrás del valor de esas aplicaciones está una sustancia real que puede ser considerada o como parte del excedente-
valor producido socialmente o, al contrario, como parte del valor de la fuerza de trabajo. En cualquier de los casos no
podría ser considerado como incremento del capital ficticio.

Sin embargo, ¿y si el destino de ese incremento de los fondos es la compra de títulos públicos? ¿No se trata de
crecimiento del capital ficticio? Por supuesto que sí. Lo que hay que entender en ese caso es que el capital
especulativo parasitario global no se ha incrementado, pero que una parte correspondiente de lo que era capital
ficticio anterior, de propiedad de otros titulares, puede convertirse y se convierte de ficticio en capital a interés o
directamente en inversión productiva o comercial. Desde el punto de vista global el capital ficticio no ha crecido por
esa razón, pero la distribución entre riqueza real y la ficticia se ha alterado, ha cambiado parcialmente de manos.

La deuda pública y los mercados de derivados

Por supuesto que los nuevos títulos de la deuda pública, emitidos por un gobierno cualquiera, y destinados a financiar
sea una inversión física en infraestructura de transportes, por ejemplo, o cualquier otra inversión, poseen un
correspondiente real (la inversión) y son la contraparte de esa riqueza real. Marx considera esos títulos (así como las
acciones de cualquier empresa), aunque no se presenten sobrevaloradas especulativamente, como capital ficticio.
Pero es un capital ficticio que algo posee de correspondiente al mundo de la riqueza real. Por eso, como hemos
señalado, llamamos a ese capital de capital ficticio de tipo 1.

Lo mismo ocurre con el crecimiento de la deuda si ella va a financiar gastos en educación o salud, en la medida en
que agregan valor a la fuerza de trabajo. Ese incremento de los títulos públicos en circulación tiene correspondencia
con una riqueza real producida. Constituyen capital ficticio de tipo 1.

Diferente es el caso de los títulos de la deuda pública, cuando la emisión se debe a una insuficiencia de fondos
derivados de superávits primarios, para el pago de intereses de la deuda pública anterior.[21] Esa emisión crea
126

ganancias ficticias e incrementa el capital ficticio global.

Algo que podría oscurecer la naturaleza ficticia del capital constituido por títulos públicos es la afirmación de Marx de
que la deuda pública es un poderoso mecanismo de la acumulación originaria.[22] Esa afirmación la hace en el
capítulo referente a esa acumulación, en el libro I de El Capital:

La deuda pública se convierte en una de las más poderosas palancas de la acumulación originaria. Es como una varita
mágica que infunde virtud procreadora al dinero improductivo y lo convierte en capital sin exponerlo a los riesgos ni al
esfuerzo que siempre lleva consigo la inversión industrial e incluso la usuraria. En realidad, los acreedores del estado
no entregan nada, pues la suma prestada se convierte en títulos de la deuda pública, fácilmente negociables, que
siguen desempeñando en sus manos el mismísimo papel del dinero. (Marx, 1968, tomo I, p. 641)

El Banco de Inglaterra comenzó prestando su dinero al gobierno a un 8 por 100 de interés; al mismo tiempo,
quedaba autorizado por el parlamento para acuñar dinero del mismo capital, volviendo a prestarlo al público en forma
de billetes de banco. Con estos billetes podía descontar letras, abrir créditos sobre mercancías y comprar metales
preciosos. No transcurrió mucho tiempo antes de que este mismo dinero fiduciario fabricado por él le sirviese de
moneda para saldar los empréstitos hechos al estado y para pagar por cuenta de éste, los intereses de la deuda
pública. No contento con dar con una mano para recibir con la otra más de lo que daba, seguía siendo, a pesar de lo
que se embolsaba, acreedor perpetuo de la nación hasta el último céntimo entregado. (Marx, 1968, tomo I, p. 642)

Con la deuda pública, surgió un sistema internacional de crédito, detrás del cual se esconde con frecuencia, en tal o
cual pueblo, una de las fuentes de la acumulación originaria. (Marx, 1968, tomo I, p. 642)

Hay que observar, sin embargo, que para Marx la deuda pública puede cumplir el papel de impulsar la acumulación
originaria por el hecho de que los poseedores de los títulos públicos, además de recibir sin riesgos los intereses
debidos a un dinero que de otra manera sería improductivo, pueden utilizarlos, si es el caso, para financiar el capital
industrial, obteniendo remuneración adicional. Por otro lado, observa el autor que la deuda pública permitió al Banco
de Inglaterra, con su derecho de banco emisor de dinero fiduciario, "dar con una mano para recibir con la otra más
de lo que daba".

Utilizar los títulos públicos para financiar la producción, por ejemplo, sólo significa convertir capital ficticio en capital a
interés, como debe haber quedado claro anteriormente, desde el punto de vista del individuo poseedor de esos
títulos. El financiamiento de la producción presupone la existencia de excedente-valor producido. Esa conversión para
el poseedor de los títulos, significa, como contraparte, que otro agente convirtió su capital real en capital ficticio. Es la
dialéctica apariencia/esencia, acto individual/totalidad.

El hecho de que el capital ficticio presente dicho efecto sobre la acumulación originaria o sobre la acumulación regular
no es más que el resultado de su naturaleza dialéctica real/ficticia, difícil de comprender. Y así, la dificultad se
duplica: dialéctica real/ficticia, dialéctica esencia/apariencia.

Dejando de lado ahora la deuda pública, observemos el mercado de derivados. Las ganancias obtenidas en ese tipo
de mercados, por constituir un importante rendimiento del capital especulativo parasitario, pueden llegar a ser
consideradas como ganancias ficticias. Sin embargo, en realidad esto no es adecuado. Esas ganancias, cuando
constituyen rendimientos derivados de pérdidas de la misma magnitud sufridas por otros agentes que operan en esos
mercado, no pueden ser consideradas como ficticias y ni aún como ganancias. Son, en verdad, puras transferencias
de valor. Por otro lado, tal vez la mayor parte de las veces constituyen pérdidas de pequeños inversionistas
(especuladores sí, pero algunas o muchas veces no capitalistas en el sentido riguroso del término). En esa medida,
van a contribuir al incremento de la rentabilidad del gran capital especulativo y, de esa manera, de la misma forma
que las ganancias ficticias, deben ser consideradas como factor contrarrestante de la tendencia a la caída de la tasa
de ganancia del capital, o por lo menos, del gran capital. Ahorros de los asalariados, clase media o no, y de pequeños
empresarios, aplicados como inversión especulativa en mercados de derivados o en mercados secundarios de títulos o
acciones, pueden, por transferencia, aumentar las ganancias del capital especulativo parasitario, sin constituir, en
verdad, ganancias ficticias.

Algo más sobre el capital ficticio

Así, y en resumen, podemos decir que las ganancias ficticias están formadas anualmente por el aumento de la deuda
pública destinada a financiar los gastos improductivos y el pago de intereses, además de la valorización especulativa
de los activos, sean reales (como inmuebles) o fiduciarios, mobiliarios (títulos privados de diferentes tipos, incluso
127

acciones). Esas ganancias tienen el exacto volumen del crecimiento del capital ficticio del tipo 2.[23]

Existe un argumento que nos parece definitivo para que la categoría de ganancia ficticia sea aceptada y, además,
para mostrar que está en la lógica de lo que nos presentó Marx cuando analizó el capital ficticio. Podría ser
presentado de la siguiente manera: si no es por la existencia de las ganancias ficticias, ¿cómo es posible que surja
nuevo capital ficticio?, ¿cómo es posible que el valor global del capital ficticio, por lo menos el del tipo 2, se
incremente tanto? Por supuesto que la plusvalía o el excedente-valor producido, en el caso de ser acumulado, amplía
el valor del capital industrial y jamás el del ficticio. Así, la única respuesta posible es que el incremento del capital
ficticio del tipo 2 sólo puede tener como origen las ganancias ficticias.

Algunas veces el capital ficticio es visto como simple acumulación de derechos de apropiación de plusvalía en el
futuro. Por lo anterior, esperamos que sea comprensible que tal visión es equivocada. El capital ficticio es mucho más
que eso. Es, en el presente, tan real como cualquier otro capital, desde el punto de vista del acto individual y aislado.
Además, como cualquier otro, exige remuneración hoy y en el futuro y tal vez sea de su misma naturaleza una
voracidad aún mayor que la presentada por todas la demás formas del capital, en lo que se refiere por lo menos al
corto plazo... Verlo como una forma de capital que se preserva para usufructuar de plusvalía futura, tal vez exprese
una perspectiva limitada por la visión keynesiana, incapaz de se dar cuenta de la dialéctica que lo determina y
explica.

El crecimiento de las ganancias ficticias y del capital ficticio es, sin duda, esencial para entender por qué la etapa
especulativa del capitalismo sobrevive hasta hoy, a pesar de haberse iniciado hace más de dos décadas. Sin embargo,
esa supervivencia no seria posible si, al mismo tiempo, no se hubiera producido un enorme incremento de la
explotación de los trabajadores asalariados, tanto de los países centrales[24] como de los periféricos, así como de los
no asalariados de todo el mundo, sin olvidarse de aquellas regiones más miserables de la tierra.

La lógica capitalista seria totalmente absurda si estuviera simplemente sostenida, y por tanto tiempo, por el simple
crecimiento de las ganancias ficticias. Aunque se hayan constituido en un curioso y poderoso mecanismo para
contrarrestar la tendencia a la caída de la tasa de ganancia, no pueden constituirse en sostén de la continuidad del
capitalismo. El mencionado incremento de la explotación tuvo como origen el aumento de la plusvalía relativa (gracias
al desarrollo tecnológico del periodo), a la plusvalía absoluta (expansión e intensificación de las jornadas de trabajo),
el incremento de la superexplotación (reducción de los salarios reales directos e indirectos) y el incremento de la
miseria de los trabajadores no asalariados.

Dos cosas son importantes de señalar en este momento. En primer lugar, la continuidad de la etapa actual del
capitalismo especulativo sólo podrá mantenerse por el incremento adicional de la explotación del trabajo en todo el
mundo y por la intensificación de las transferencias de valor de la periferia a los países centrales. Por otra parte, la
eventual superación de esa etapa especulativa por una nueva etapa, en la cual el dominio del capital especulativo
parasitario sea destruido, o por lo menos reducido significativamente, sólo sería posible por medio de un proceso que
significara ulterior incremento sustancial de la explotación del trabajo, aunque ella ya haya alcanzado niveles
sorprendentes.

Nuestra concepción de que el futuro de la sociedad, mientras sobreviva como capitalista, implica elevación del grado
de explotación de los trabajadores y de crecimiento absoluto de la miseria en amplias camadas de la población, deriva
directamente de la teoría marxista del valor, entendida adecuadamente. Para ella, la riqueza capitalista y, en
particular, la ganancia capitalista tienen origen, y sigue (como no podría dejar de ser) teniendo origen en la etapa
actual, en el trabajo humano. El avance tecnológico tiene papel importante, pero como mecanismo de transferencia
de plusvalía (por medio de las ganancias extraordinarias y de las rentas de monopolio) y no como productor de la
misma (salvo por el mecanismo de la plusvalía relativa, mecanismo este más que contrarrestado, en lo que se refiere
a la tasa de ganancia, por la elevación de la composición orgánica del capital).

Así, la ley de la tendencia a la caída de la tasa general de ganancia es consecuencia necesaria de esa teoría.[25] Las
críticas a la ley, expresadas en diversas oportunidades y de diferentes maneras, no son más que críticas "autoritarias"
que parten de supuestos extraños a la propia teoría de Marx y que, por eso y por el hecho de que no pueden ser
comprobadas empíricamente, son absolutamente irrelevantes.[26]

Dentro de esa perspectiva, las ganancias ficticias surgen como otro factor contrarrestante de la tendencia;
curiosamente se trata de algo que no tiene origen en la plusvalía, que no proviene de la explotación. Así, el capital se
acercó a su ideal: ganar e incrementarse sin necesidad de ensuciar sus manos con la explotación. Pero eso, ¿a qué
128

precio?

Bibliografía

Alves Pinto, Nelson Prado. O capitalismo financiero. In: Revista Crítica Marxista, v. 1, tomo 5. São Paulo, Xamã, 1997.
pp. 9 - 26.

Carcanholo, R. A. Resenha do livro Uma nova fase do capitalismo? de François Chesnais, Gérad Duménil, Dominique
Lévy e Immanuel Wallerstein. In: Revista Crítica Marxista, v. 19, p. 146-151. São Paulo, Editora Revan, 2004.

_____________ y Nakatani, P. Capital especulativo parasitario versus capital financiero. In: Revista Problemas del
Desarrollo (Revista Latinoamericana de Economia), vol 32, nº 124. México, D.F., janeiro-março de 2001. pp. 09-31.
(versión anterior, in: Arriola, J. y Guerrero, D. (Eds). La Nueva Economía Política de la Globalización. Bilbao, Servicio
Editorial - Universidad del Pais Vasco, 2000. pp. 151 a 170)

Coletti, Lucio. El Marxismo y el ‘Derrumbe’ del Capitalismo. México, D.F., Siglo XXI, 1978.

Foster, John Bellamy. Monopoly-Finance Capital. In: Monthly Review. New York, volume 58, number 7, december
2006.

Harvey, David. The Limits to Capital. England, Basil Blackwell Publisher Limited, 1982.

______________ Condição Pós-Moderna : uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Edições
Loyola, 6a edição, 1996.

Hilferding, Rudolf. O Capital Financiero. São Paulo, Nova Cultural, 1985.

Katz, Claudio. Enigmas contemporáneos de las finanzas y la moneda. (fevereirto de 2002). In:

www.socialismo-o-Barbarie.org/teoria_de_la_revolucion/040606_enigmascontemporaneos.htm. Obtenido el
26/03/2007

Lénine, Vladimir I. L’impérialisme, stade suprême du capitalisme. In: Oeuvres choisies. Moscou, Éditions en Langues
Étrangers, tome I, deuxième partie, pp.433-572, 1954.

Marx, K. El Capital. Crítica de la Economía Política. México, D. F., FCE, 1968.

_________ Théories sur la plus-value. Paris, Éditions Sociales, tome III, 1976.

Paula, João Antonio de. & Cerqueira, Hugo Eduardo A. da G. & Albuquerque, Eduardo da M. Finance and industrial
evolution: introductory notes on a key relationship for the capitalist accumulation. In: Revista Econômica. Niterói (RJ),
Universidade Federal Fluminense (UFF), v. 3, no 1, pp. 05-53, junio de 2001. O entonces:
http://www.uff.br/cpgeconomia/v3n1/2-eduardo-hugo-jantonionota18.pdf

Sraffa, Piero. Producción de Mercancías por Medio de Mercancías. Barcelona, Oikos-Tau, 1966.

Trindade, José Raimundo Barreto. Dívida Pública e teoria do crédito em Marx. Tese (Doutorado em Desenvolvimento
Econômico) - Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paraná (PR). 2006.

* Profesor del "Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais" y del Departamento de Economia de la Universidad
Federal do Espírito Santo (UFES) -E-mail: reinaldo.carcanholo@terra.com.br - Página WEB:
http://sites.uol.com.br/carcanholo
129

** Profesor del Departamento de Economia de la UFES - Brasil. E-mail: sabadini@npd.ufes.br

[1] Desde luego conviene decir que nuestra interpretación difiere de la de Katz (2002), aunque compartimos muchas
de sus críticas a lo que el llama de teóricos del "capital rentista" y compartimos también varias de sus conclusiones
sobre la etapa actual del capitalismo, en particular en lo que se refiere al incremento del grado de explotación de la
fuerza de trabajo y a la importancia de la tendencia a la caída de la tasa de ganancia.

[2] Por capital sustantivo entendemos el capital productivo más el capital comercial o mercantil.

[3] En trabajos anteriores se ha tratado un poco más ampliamente ese asunto (cf. Carcanholo y Nakatani, 2001).

[4] Varios autores tienen interpretación distinta. Véase, por ejemplo, Trindade (2006): "El capital ficticio es, por lo
tanto, una forma específica del capital monetario de empréstito y cumple funciones específicas, pero en nombre del
capital monetario de empréstito".

[5] Ilusión esa que, sin embargo, tiene una realidad económica muy precisa.

[6] En presente trabajo, cuando la edición citada está en otra lengua, la traducción es nuestra.

[7] Para Marx, las acciones constituyen un instrumento de crédito. Su remuneración, llamada dividendos, es en
realidad fundamentalmente interés.

[8] Por ejemplo, gastos militares. Es interesante notar, en ese aspecto, que los gastos militares sólo difieren de los
gastos suntuarios de la burguesía porque unos se destinan a garantizar el disfrute de la burguesía, y los otros para
garantizar su poder, desde que son financiados por ingresos tributarios. Ambos constituyen el destino de una parte
del excedente-valor producido socialmente, que no puede ser usada para otro fin. Sin embargo, difieren mucho más
cuando aquéllos son financiados por deuda pública, toda vez que su valor aparecerá como incremento del capital
ficticio en manos de la burguesía.

[9] Por ejemplo, pago de intereses de la deuda existente por encima de lo que queda disponible en razón de un
superávit primario.

[10] Una vez que la empresa destina el crédito recibido a algún tipo de inversión.

[11] Katz (2002) también parece sugerir lo mismo, aunque eso no sea tan claro: "La frontera entre el capital ficticio y
otras modalidades del capital-dinero es bastante borrosa, ya que en la acumulación su papel no es ilusorio" (p. 6).

[12] Destacamos principalmente su obra The limits to capital. England, Basil Blackwell Publisher Limited, 1982.

[13] Lo cierto es que el titular de una determinada masa de capital ficticio puede cambiar, en el mercado, su capital
por cualquier otra forma, sea productiva (comprando una fábrica, por ejemplo) o comercial (adquiriendo una empresa
comercial). Sin embargo, el volumen total del capital ficticio no cambia; lo que pasa es que su masa cambia de
manos.

[14] En la unidad contradictoria llamada "capital", el capital ficticio pasa a ser dominante sobre el capital sustantivo.

[15] Utilizamos la expresión excedente-valor pues, además de la plusvalía, está constituido por el excedente
producido bajo relaciones no salariales existentes en el capitalismo contemporáneo.

[16] Agradezco a Claus Germer (UFPR) haberme presentado esa objeción en nuestras discusiones.

[17] Quien se apropia de ella o de la mayor parte de ella es otro problema. Obviamente que casi siempre ganan los
grandes especuladores.

[18] Es necesario destacar que las condiciones del mercado que producen destrucción de capital ficticio, determinan
130

también, en grado mayor o menor, destrucción de capital sustantivo.

[19] Esa es, rigurosamente, una frase usada por Marx en el capítulo sobre la mercancía de El Capital.

[20] Cabe destacar, sin embargo, que si por acumulación financiera también se entiende el incremento del capital a
interés de la economía, en tal caso la expresión es correcta. En paralelo con el volumen adicional de capital a interés,
que se destine a financiar, por ejemplo, el incremento de la producción, ocurre la existencia de un excedente material
bajo la forma de medios de producción, producido como excedente y bajo la forma de plusvalía.

[21] En el caso brasileño, por ejemplo, los intereses pagados por el sector público durante 2006 alcanzaron la suma
de 160 mil millones de reales (7,7% del PBI), mientras que el superávit primario fue de 90 mil millones (4,3% del
PBI), según el Banco Central de Brasil. Así, en un año, el Estado brasileño creó algo como 70 mil millones de reales
como ganancia ficticia para el capital rentista, aumentando el capital ficticio que opera en el país, por tanto, en cerca
de unos 32.000 millones de dólares.

[22] Agradecemos a Julio Gambina, de la Universidad de Buenos Aires, haber presentado esa cuestión que
aparentemente podría contradecir nuestra interpretación sobre el capital ficticio.

[23] Ese capital puede crecer adicionalmente, pero en volumen poco significativo, por decisión del Estado, al
conceder pensión regular a particulares o derecho de exploración, por ejemplo, de frecuencias de radio, etcétera.

[24] Es lo que destaca Foster (2006) sobre el incremento de la explotación de los trabajadores de los Estados Unidos
de América: "…los salarios reales para la gran mayoría de ellos están contenidos; el desempleo y el subempleo se
incrementan; la creación de empleos es frágil; los servicios sociales gubernamentales para la población (incluyendo la
educación) están en regresión; y los impuestos pagados por los trabajadores se incrementan".

[25] La relación entre teoría del valor, la ley de la tendencia a la caída de la tasa de ganancia y el capital ficticio es
central en la interpretación de las crisis capitalistas financieras, formando, por sí mismas, categorías marxistas que
explican perfectamente el carácter de esas crisis.

[26] Cf. Coletti (1978, pp. 58 a 91). Cuando aún se consideraba marxista, produjo textos significativos.
131

A crise como essência da nova ordem


Rosa Maria Marques1

Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drumond de Andrade

Nos anos 1980, quando os Estados Unidos e a Inglaterra capitanearam a


desregulamentação monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados
financeiros nacionais e a desintermediação bancária, os defensores do livre mercado
entenderam que, finalmente, depois de décadas, a economia teria liberdade para
desenvolver todo seu potencial. E de fato a liberdade se impôs. Mas não aquela que
permitiria aos homens trilhar caminhos para uma vida melhor, e sim aquela do capital.
Dessa forma, depois de mais de trinta anos, o capital portador de juros (também
chamado de financeiro por alguns) retornou soberano e se colocou no centro das relações
sociais e econômicas do mundo contemporâneo. É ele que, enquanto porta-estandarte do
capital, abriu as portas ao capital em geral em todos os cantos do planeta. É ele que,
somado à entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), colocou os
trabalhadores, pela primeira vez, em concorrência internacional. Vale lembrar que o
retorno do capital portador de juros somente foi possível porque, tanto nos EUA como na
Inglaterra, os trabalhadores sofreram derrotas memoráveis, tal como a infringida aos
aeroviários e aos mineiros.
O retorno do capital portador de juros, dado em bases muito mais profundas e
complexas do que no passado (final do século XIX até 1929), foi acompanhado pela
construção de uma nova relação entre os diferentes componentes do capital (portador de
juros, industrial e comercial) e por uma nova correlação de forças entre o capital e o
trabalho, desfavorável a este último.

1
Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia
Política da PUCSP.
132

Essa nova relação se expressa no domínio relativo do capital financeiro (portador de


juros) sobre o capital produtivo, o que se evidencia não só pelo aumento de sua exigência
na participação da mais valia, como nas inúmeras formas de fazer valer sua lógica de
rentabilidade de curto prazo nas empresas, incorporando como seus aliados, os altos
executivos. Em outras palavras, isso impede que as empresas invistam (dado que o tempo
de maturação é de médio a longo prazo) e que os departamentos ou filiais sejam tratados
não como partes de um todo, mas como se fosssem a empresa “em si”. A consequência
disso é a exigiência que todos – departamentos e filiais – produzam pelo menos 15% de
rentabilidade (PLIHON, 2005).

Contudo, para as 500 maiores empresas, isso não chegou a ser um problema. Depois
que um período de baixa, recompuseram seu nível de lucratividade fazendo um mix entre o
lucro da empresa e a rentabilidade das aplicações junto ao sistema financeiro dos lucros não
reinvestidos. Além disso, a liberdade de ir e vir alcançada pelo capital financeiro permitiu
que os outros capitais (industrial e comercial) também ganhassem mobilidade, fazendo do
mundo objeto de sua ação e intervenção, o que exacerbou a concorrência capitalista e
colocou, como nunca antes visto, os trabalhadores em concorrência no plano mundial. A
concorrência estabelecida entre os trabalhadores implicou o aumento brutal da taxa de
exploração, isto é, da mais valia, a outra base sob a qual as grandes empresas
recompusseram seus lucros. Para as demais empresas é a forma preferencial assumida para
se defenderem do aumento da punção do capital portador de juros sobre seus lucros.

Essa nova configuração resulta em um baixo padrão de acumulação (enquanto


norma), na manutenção de elevadas taxas de desemprego, na redução dos salários, na
precarização das relações de trabalho (aumento da intensidade do trabalho, contrato por
prazo determinado, ausência de direitos trabalhistas e sociais, trabalho noturno, trabalho em
fim de semana, entre outros), ma transferência de plantas para os países da Europa do
Leste, anteriormente sob a influência da antiga URSS, e mesmo para a China e outros
países onde o custo da força de trabalho é irrisório. Dessa forma, o capitalismo hoje se
apresenta como um regime de baixa acumulação (daí decorre o pouco investimento que lhe
caracteriza e as baixas taxas de crescimento) e elevado nível de lucro (Husson, 2006).
133

Nessa situação, tanto o capital financeiro quanto o produtivo não têm nenhum
interesse em algo parecido com o pleno emprego: a manutenção de desemprego elevado
(exército industrial de reserva, para Marx) é condição para a continuidade da nova situação
criada a partir dos anos 1980: recuperação dos níveis anteriores da taxa de lucro, baixo
crescimento, e aumento colossal do volume do capital financeiro aplicado em títulos de
todos os tipos e em ações, praticamente no mercado secundário. Isso significa que não há,
no marco do processo de acumulação atual, a possibilidade de crescimento econômico
expressivo e duradouro.

Se a China parece negar essa afirmação é porque as condições de seu crescimento


são similares às da acumulação primitiva, onde as condições de trabalho e a remuneração
dos trabalhadores não têm termos de comparação com as existentes nos outros países.
Apenas para citar um exemplo, o custo médio da hora do trabalhador industrial é de U$
0,60 na China, enquanto que na Alemanha é de U$ 24 e na França U$ 17 (Choen; Richard,
2005). Para isso foi fundamental a transferência para a China de grande parte das indústrias
norte-americanas e de parte de suas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento, as quais
aproveitaram-se do fato de os custos serem bem mais reduzidos nesse país.

A rigor, a força assumida pelo capital portador de juros, cujos atores são as Bolsas,
as instituições financeiras, os fundos de pensão, entre outros, deriva da própria lógica do
capital. O capital portador de juros, como expressão máxima do fetiche no capitalismo -
dinheiro que gera dinheiro, sem passar pela produção - é a forma mais acabada do capital
(MARX, 1980). Se durante os “30 anos gloriosos” ele estava contido, e a dominância era a
do capital produtivo (industrial), isso foi resultado de uma determinada configuração que
passou pela específica correlação de forças entre o capital e o trabalho existente no período
pós-guerra, particularmente devido à vitória da União Soviética na 2ª Guerra Mundial; aos
interesses americanos em rapidamente fazer a Europa retomar seus fluxos comerciais e
financeiros; ao reconhecimento de que a crise dos anos 1930 devia-se à liberdade do capital
financeiro (JUDT, 2008), entre outros fatores.

Dessa forma, expressiva parte do capital portador de juros é fictícia, referindo-se à


negociação de títulos públicos ou privados que não guardam mais nenhuma relação com
sua origem, sendo negociados várias vezes no mercado secundário.
134

No momento atual, quanto o aprofundamento da crise financeira nos Estados


Unidos ameaça o mercado mundial, mais um vez se escancara a verdadeira natureza do
capital hoje dominante. Trata-se de um capital que garante altas taxas de rentabilidade e
garantias, até que suas bases, assentadas em material podre, começam a desmantelar a
intrincada relação de cobertura criada nessas últimas décadas.

Apesar de um pouco longa, vale à pena citar o que Krugman (2008) diz sobre a crise
norte-americana provocada pelo subprime:

“Acreditava-se que o novo sistema trabalharia melhor, diluindo e


reduzindo os riscos. Mas, com a crise da habitação e a consequente crise
do crédito hipotecário, ficou evidente que o risco não chegou a ser
reduzido, mas ocultado: os invesidores, em sua maior parte, não tinham
idéia do grau de exposição em que se encontravam.
E, como as incógnitas desconhecidas se tornaram incógnitas conhecidas,
o sistema presencia corridas pós-modernas aos bancos. Ão as mesmas que
se viam na versão antiga: com poucas exceções, não estamos falando de
multidões de poupadores desesperados batendo futiosos nas portas
fechadas dos bancos. Falamos de telefonemas frenéticos e mouses
clicando, enquanto os operadores do mercado financeiros conseguem
arrrancar linhas de crédito e tentam reduzir o risco dos parceiros. Mas os
efeitos econômicos – congelametnto de créditos, queda abrupta do valor
dos ativos – são os mesmos das grandes corridas aos bancos da década de
30”
É preciso dizer, contudo, que o capital portador de juros não constitui um vilão, ao
lado do qual coexistiriam o capital industrial e o comercial como expressão da face “boa”
do capitalismo. Ao contrário, as últimas décadas demonstraram que os diferentes
segmentos do capital atuam de forma imbricada e coesa, mantendo alta rentabilidade a
despeito do nível elevado de desemprego e do aumento da exploração dos trabalhadores.

Bibliografia
COHEN, Philippe; RICHARD, Luc. La Chine será t-elle notre cauchemar? Paris, Mille et
Une Nuits, 2005.
JUDT, Tony. Pós-Guerra – Uma história da Europa desde 1945. São Paulo, Objetiva,
2008.
KRUGMAN, Paul.Roleta-russa financeira. OESP, 16 de setembro de 2008.
HUSSON, Michel. Finança, hiper-concorrência e reprodução do capital. In A finança
capitalista. Paris, PUF, 2006.
135

MARX. K. O Capital. Livro III, volume IV. São Paulo, Civilização Brasileira, 1980
PLIHON, D. As grandes empresas fragilizadas pela finança. In CHESNAIS, F. (org.) A
finança mundializada, raízes sociais e políticas, configuração, conseqüências. Boitempo,
São Paulo, 2005.
136

O papel da finança no capitalismo contemporâneo


Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani2

Resumo:
Este artigo trata da evolução dos estudos de François Chesnais realizados em busca da compreensão
do capitalismo contemporâneo, dominado atualmente pela esfera financeira. Nele procuramos
mostrar que desde A mundialização do capital até o artigo mais recente, no livro La finance
capitaliste, a visão de Chesnais sai da esfera produtiva e avança gradativamente para a dominância
da esfera financeira. Para tanto, nesse último trabalho, ele volta aos estudos do livro III d´O Capital,
no qual Marx analisa o papel do capital dinheiro e o sistema de crédito, desde o “capital de
comércio de dinheiro”, passando pela forma de capital portador de juros até a de capital fictício, e
procura apreender essas categorias como elementos fundamentais para a compreensão do
capitalismo contemporâneo globalizado e liberalizado.
Palavras-chave: capitalismo contemporâneo, globalização, capital fictício, capital financeiro,
finança.
JEL: B51; F37.

Apresentação
Alguns economistas franceses, entre eles François Chesnais, Gérald Duménil, Dominique
Lévy, Michel Husson e outros, têm dedicado seu tempo para pesquisar os traços gerais do
capitalismo contemporâneo. Essa linha de pesquisa já abrange mais de uma década e encontra eco
em alguns centros de pesquisa no mundo, especialmente no Brasil, onde a maioria de suas
contribuições foi traduzida e publicada, recebendo excelente recepção pelo público especializado.
Este artigo busca mostrar quais foram os caminhos percorridos por François Chesnais,
evidenciando, de nosso ponto de vista, quais foram as principais conclusões a que chegou ao longo
de sua pesquisa. Embora o estudo seja centrado nesse autor, utiliza-se também, quando pertinente,
as contribuições de Gerald Duménil e Dominique Lévy e Michel Husson. O principal material
utilizado são os livros Mundialização do Capital (Xamã, 1996), A Mundialização Financeira (Xamã
1998), A Finança Mundializada (Boitempo, 2006) e La Finance Capitaliste (PUF, 2006). Também
foram objeto de análise artigos isolados dos autores. Ao final, a título de conclusão, são discutidos
os avanços que os estudos de François Chesnais aportam para a compreensão tanto do capitalismo
contemporâneo quanto da inserção do Brasil nessa fase do capital.

1 – A evolução do pensamento de François Chesnais sobre o capitalismo


contemporâneo.
O livro A mundialização do capital, publicado no Brasil pela primeira vez em 1996a, pela
editora Xamã, é em parte resultado da pesquisa desenvolvida por Chesnais e equipe quando este
ainda estava na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa
pesquisa deu origem à publicação, em 1992, de La technologie et l’économie: les relations
déterminantes, dentro do programa Tecnologia e Economia da OCDE. Talvez por isso, Chesnais,

2
Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em
Economia Política da PUCSP, líder do Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento
Humano e professor de economia e de política social na Universidade Federal do Espírito Santo.
137

nesse livro, tenha explorado a mundialização do capital como mais uma etapa no processo de
internacionalização do capital produtivo, com ênfase nos aspectos organizacionais e operacionais
das multinacionais. Dito de outra forma, a interpretação do movimento do conjunto do capitalismo
mundial tinha como base as operações do capital industrial, embora não estivesse ausente de sua
análise o papel exercido pelas elevadas taxas internacionais de juros (provocadas pelo Federal
Reserve - Fed) na determinação da orientação dos investimentos e mesmo na financeirização das
empresas. Esse último aspecto, contudo, era acessório em sua interpretação e não por acaso somente
é abordado nos dois últimos capítulos desse livro, quando anuncia que o capital-dinheiro,
concentrado nos bancos e nos fundos de pensão, estava ganhando força no capitalismo
contemporâneo. Essa observação, contudo, não anunciava, ainda, o entendimento que teria sobre a
dinâmica do capitalismo contemporâneo.
Em Notes en vue d’une caractérisation du capitalisme (CHESNAIS, 1996b), novamente o
autor dedica boa parte do artigo em expor de que forma o processo de internacionalização das
empresas estava ocorrendo: principalmente entre países desenvolvidos (ou adiantados) e mediante
fusões e aquisições, acentuando, agora no plano mundial, a centralização e a concentração da
produção e da comercialização. Isso só foi possível porque:
.... estamos num contexto novo de liberdade quase total do capital para se
desenvolver e se valorizar sem ter que continuar a se submeter a entraves e
limitações que ele havia sido constrangido a aceitar, especialmente na Europa,
depois de 1945. Esse capitalismo liberado [...] não é de nenhuma maneira um
capitalismo renovado. Ele reencontrou simplesmente a capacidade de exprimir
brutalmente os interesses de classe sobre os quais está fundado (CHESNAIS,
1996b, p.16).
Os entraves a que Chesnais se refere, embora não explore nesse artigo, assim como as
condições que permitiram que o capital retomasse sua liberdade, é objeto de outro artigo O capital
portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos, publicado em
A finança mundializada, pela Boitempo, em 2006. Os entraves foram resultado das condições
políticas e sociais do imediato pós Segunda Guerra mundial, quando os trabalhadores estavam na
iniciativa da luta de classes e por isso puderam impor condições de remuneração, de emprego e de
proteção social, mas também, dos controles que passaram a existir sobre o capital financeiro, este
entendido por muitos, inclusive por representantes da classe dominante, como o responsável pela
crise que se instala a partir de 19293.
Em relação às mudanças ocorridas nas últimas décadas, que viabilizaram a liberdade
assumida pelo capital, um pouco mais adiante diz Chesnais:
É nos domínios da moeda e da finança, de uma parte, e do emprego e das
condições contratuais de trabalho, de outro, que as políticas de liberalização,
de desregulamentação foram levadas mais longe e de maneira mais
homogênea de um país capitalista a outro. É claro que as prioridades ditadas
pelo capital são as engajadas na extração da mais valia na produção de
mercadorias e de serviços, mas, depois de quinze anos, são, sobretudo, de
maneira sempre mais importante, as de um capital extremamente centralizado
que conserva a forma dinheiro e que pretende se frutificar como tal no interior
da própria esfera financeira. [...] as operações do capital-dinheiro incluem um
componente sempre mais importante de capital fictício.[...] (Op. cit, 16).
No artigo de 2006, acima citado, o autor faz uma longa descrição das condições que
permitiram a desregulamentação monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados

3
Além do autor, ver Dúmenil e Lévy (2006).
138

financeiros nacionais e a desintermediação, salientando o papel exercido pelos principais estados


nacionais (Estados Unidos e Inglaterra), as medidas adotadas e as pressões que já se gestavam no
interior do padrão de acumulação anterior, dominado pelo capital produtivo, para que os controles
sobre o capital financeiro fossem abolidos. Isto é, embora não desconsidere a chamada
flexibilização do mercado de trabalho, dá principalidade às alterações ocorridas no campo
monetário e financeiro.
Segundo Chesnais, para uma análise da economia mundial, é necessário se apropriar do
conceito de capital, o qual deve ser pensado como uma unidade diferenciada e hierarquizada. Das
diferenças entre as três formas de capital (industrial, comercial e financeiro) podem surgir
contradições, mas essas, por mais profundas que sejam, não podem fugir ao fato de que o capital é
fundado na propriedade privada e que hoje, mesmo o capital produtivo, é marcado por um “timbre
rentista”. Mas na página 18 desse mesmo artigo afirma que, no capitalismo contemporâneo:
O caráter de fetiche das relações capitalistas foi multiplicado por dez com o
ressurgimento, numa escala sem precedente histórico, das operações do capital
que conserva a forma dinheiro e se valoriza por punções nas rendas formadas
na produção de valor e de mais-valia, mas sem sair da esfera financeira. [...]
No momento em que Marx escrevia [...] as operações do capital dinheiro eram
ainda de um montante muito pequeno. Elas eram, sobretudo, subordinadas ao
movimento do capital industrial e não pretendiam reger a atividade social, de
parte à parte, como hoje.
Mais adiante se pergunta quanto tempo um “regime de acumulação rentista” pode ser
suportado? Isso porque, segundo ele, o capital que conserva a forma dinheiro se valoriza no interior
da esfera financeira, mas se alimenta de punções sobre as rendas criadas ao longo da produção e de
mais-valia. Ainda nesse artigo, Chesnais lembra que Marx, no Livro II do Capital, explica que as
condições gerais de acumulação incluem a capacidade do capital industrial ou capital produtivo
estabelecer sua hegemonia sobre o capital comercial e sobre o capital dinheiro e subordinar suas
operações às suas. Contudo, no capitalismo contemporâneo, o capital comercial, sob suas formas as
mais concentradas, reencontrou uma capacidade considerável, seja de se colocar como rival direto
do capital industrial efetuando certas operações (dando ordens para a produção de bens de consumo
final) que eram tradicionalmente de competência dele, seja de lhe impor punções sobre a mais-valia,
mediante um controle eficaz da cadeia de valor, isto é, do acesso ao mercado. No caso do capital
dinheiro, trata-se de a emergência de uma situação onde é o movimento próprio desta forma do
capital que tende a imprimir sua marca sobre o conjunto das operações do capital, onde há então a
afirmação pelo capital dinheiro de uma autonomia frente ao capital industrial como jamais vista
antes: “autonomia” na qual os limites estão fixados, contudo, pela viabilidade de médio ou curto
prazo de um regime de acumulação rentista.
O artigo Contribution au débat sur le cours du capitalisme à la fin du XXe siècle
(CHESNAIS, 1996c) constrói uma versão ampliada e modificada do texto anterior. Mas nele
Chesnais dá contornos diferentes, enfatizando no início de sua exposição, o papel do capital
dinheiro. Diz ele já na sua introdução:
“Às vésperas do XXe século, a humanidade vive, com efeito, sob a palmatória
de um capitalismo rentista e parasitário, cujo funcionamento e modo de
reprodução são comandados cada dia mais claramente pelas prioridades do
capital-dinheiro concentrado. Esse capital-dinheiro, ou capital financeiro vive
de rendas que derivam da partilha da mais-valia, isto é, em dedução do lucro
bruto de exploração do capital industrial. As figuras ou as modalidades de
valorização cada vez mais variadas que o capital dinheiro imaginou derivam
todas daquela do capital portador de juros, do qual Marx diz que ela é “a forma
mais reificada, a mais fetichizada da relação capitalista” (Op. cit. p. 64).
139

No corpo do texto, contudo, Chesnais retoma a discussão que recebeu parte importante de
sua atenção em A mundialização do capital, isto é, a controvérsia globalização versus
mundialização. Para ele, na nova fase da internacionalização do capital produtivo, a centralização,
no lugar de implicar a continuidade da expansão das sociedades transacionais observada já no
período anterior, consiste no predomínio de estratégias propriamente globais e de formas de
organização de grupos de ‘firmas-redes’. Ao mesmo tempo, a fase atual seria caracterizada por
relações novas tanto entre o capital e o Estado, quanto entre o capital em suas diferentes
determinações ou componentes, especialmente o capital produtivo e o capital-dinheiro. Dessa
forma, o conteúdo efetivo da
globalização é dado não pela mundialização das trocas, mas das operações do
capital, sob a tripla forma do capital industrial, do capital concentrado
engajado no negócio e na grande distribuição e, sobretudo, cada dia de
maneira mais evidente, sob aquele do capital-dinheiro concentrado que se
valoriza no seio da esfera financeira, mas que se nutre de punções sobre a
esfera produtiva onde se formam o valor, a mais-valia e outras variedades de
sobre-produto. (Idem, Ibidem. p. 67).
Tal como no artigo anterior, o autor chama atenção para o fato de o capital constituir uma
unidade diferenciada e hierarquizada, e que dessa diferenciação podem surgir contradições
profundas, mas que elas estão limitadas pelo fato de o sistema ser fundado na propriedade privada.
No plano mundial, o caráter diferenciado e hierarquizado impõe relações de rivalidade, de
dominação e de dependência política entre os Estados. Daí que os Estados Unidos impõem aos
outros países exatamente as regras do jogo que lhe convém e que são fundadas sobre as
necessidades do capital financeiro de caráter rentista, que eles são o epicentro. Ao final desse artigo,
Chesnais aparentemente faz a mesma pergunta que no anterior. Contudo, nele ele precisa a
estagnação provocada pelo peso crescente do capital-dinheiro ao dizer: “Quanto tempo pode durar o
processo acumulativo que gera estagnação?” (Idem, Ibidem, p. 85).
De nosso ponto de vista, trata-se de uma interpretação que vê a expansão do capital-dinheiro
como obstáculo à expansão capitalista, pois as crescentes punções exigidas pelo capital-dinheiro
impediriam o desenvolvimento do capital produtivo na medida em que, no limite, o tamanho da
punção é definido pelo lucro do capital industrial.
Mas, ao mesmo tempo, Chesnais chama atenção para o fato de a mundialização permitir,
pelo menos em parte, o restabelecimento da rentabilidade do investimento mediante redução dos
salários e dos preços de muitas matérias primas. Ao mesmo tempo, como já foi mencionado
anteriormente, houve uma forte mudança no comportamento do investimento, que prioriza as
aquisições e fusões, bem como a reestruturação produtiva, a racionalização e a seletividade na
definição dos locais para implantação de novas plantas. Embora Chesnais não explicite neste artigo,
essas ações do capital produtivo seriam resultado da ação defensiva do capital, particularmente do
industrial, à queda da taxa de lucro evidenciada nos Estados Unidos ao final da década de 1960 e,
na Europa, a partir de meados dos anos 19704. Essa postura do capital produtivo teria como objetivo
muito mais a redução de custos do que ganhos de produtividade, muito embora, tecnicamente, o
aumento da produtividade resulte necessariamente em redução de custo. Dito de outra forma, o
aumento de produtividade decorrente da reestruturação do processo de trabalho e da organização da
produção não foi utilizado, em geral, com vista ao aumento da quantidade produzida5.
Paralelamente a isso se somava, como diz Chesnais nesse artigo, o
efeito de atração poderoso sobre os capitais potencialmente disponíveis para o

4
Aglietta (1979) e Mistral e Boyer (1983).
5
Entre outros ver Coriat (1985).
140

investimento de operações e aplicações financeiras, que oferecem rendimentos


superiores e [...] mais fáceis que o investimento na produção. O resultado
líquido é um investimento de dinamismo médio ou fraco, altamente seletivo no
plano espacial, que parece pouco realista de se esperar que jogue um papel de
locomotiva de uma retomada cíclica mundial sustentada (Idem. Ibidem. p. 84).

Até esse momento, então, apesar de no início desse artigo Chesnais dizer que a
“humanidade vive, com efeito, sob a palmatória de capitalismo rentista e parasitário”, seu enfoque
centra-se no capital produtivo, isto é, sob os obstáculos que a ele se interpõem e sobre as medidas
que este, principalmente o industrial, assume para fazer frente às punções do capital-dinheiro.
Em 1998, foi publicada, pela editora Xamã, o livro coordenado por François Chesnais
intitulado A mundialização financeira: gênese, custos e riscos. Nesse livro Chesnais, além do
prefácio à edição brasileira, é responsável pela Introdução Geral e pelo último capítulo, chamado
de Mundialização financeira e vulnerabilidade sistêmica. Corroborando com nossa interpretação
acima, diz Chesnais no prefácio desse livro:
O livro anterior havia sido escrito [A mundialização do capital] partindo da
idéia de que a mundialização do capital constituía uma etapa a mais no
processo de internacionalização e nas operações contemporâneas das
multinacionais. Destacava-se o fato de que a mundialização do capital era mais
impulsionada na esfera financeira que em qualquer outro domínio. Mas,
apesar, de tratar-se do papel desempenhado pelas taxas de juros reais positivas
sobre o nível e a orientação da acumulação, como da financeirização dos
grupos industriais, a interpretação do movimento de conjunto do capitalismo
partia, ainda, das operações do capital industrial. A partir dos dados e das
análises reunidos neste novo livro, um deslocamento qualitativo se impõe. É
da esfera financeira que é necessário partir se desejarmos compreender o
movimento em seu conjunto. (Op. cit. p. 7).
Dessa maneira, somente em A mundialização financeira Chesnais assume claramente que as
tendências essenciais do capitalismo mundial contemporâneo “são comandadas pelas operações e
opções de um capital financeiro mais concentrado e centralizado que em nenhum outro período
precedente do capitalismo” (Idem, Ibidem, p. 7). Apesar disso, sua contribuição (tanto no Prefácio,
como na Introdução e no capítulo A mundialização financeira e vulnerabilidade sistêmica)
caracteriza-se por: a) evidenciar o crescimento das transações financeiras na década de 1980 e nos
primeiros anos da de 1990, comparando-o ao da formação bruta de capital fixo para os países da
OCDE; b) descrever a gênese da mundialização financeira; c) evidenciar as etapas da liberalização e
da mundialização financeira; d) salientar o papel assumido pelos fundos de pensão em relação a
outros atores institucionais (tais como bancos, companhias de seguro, entre outras); e) analisar as
crises financeiras ocorridas entre 1970 e 1997, apontando, para o descolamento entre “os abalos
financeiros e a economia real”, referindo-se à expressão utilizado por Robert Guttman (1994, p.
234) e o surgimento de riscos sistêmicos específicos de um regime de acumulação
predominantemente financeiro.
Vale salientar de que forma Chesnais enfatiza as condições do nascimento da mundialização
financeira:
O contexto geral é o fim dos ‘anos dourados’. Ou seja, embora ela tenha
começado a se manifestar em fins da década de 60, a mundialização financeira
não pode ser compreendida fora do que os regulacionistas chamam de ‘crise
do modo de produção fordista’ (BOYER, 1986) e que os marxistas descrevem
como ressurgimento, num contexto determinado, de contradições clássicas do
modo de produção capitalista mundial, que haviam sido abafadas entre 1950 e
141

a recessão de 1974. A gradativa reconstituição de uma massa de capitais


procurando valorizar-se de forma financeira, como capital de empréstimo, só
pode ser compreendida levando em conta as crescentes dificuldades de
valorização do capital investido na produção. Com esses lucros não
repatriados, mas também não investidos na produção e depositados pelas
transnacionais norte-americanas em Londres, no setor off-shore, o mercado de
eurodólares deu sua arrancada, a partir de meados da década de 60, bem antes
do ‘choque do petróleo’ e da recessão de 1974-75. (Idem, Ibidem. p. 17)
Em relação ao crescimento da esfera financeira, é interessante verificar sua preocupação em
dizer que:
Os termos ‘autonomia’, ‘autonomização’, etc., devem ser utilizados com
cautela. É verdade que uma parcela extremamente elevada das transações
financeiras tem lugar no campo fechado formado pelas relações entre
instituições especializadas, e não tem nenhuma contrapartida a nível de
intercâmbio de mercadorias e serviços nem do investimento. [...] Mas isso não
significa que não existam vínculos fortes, e sobre tudo de grande alcance
econômico e social, entre a esfera da produção e comércio internacional e a
das finanças. A esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo
investimento e pela mobilização de certa força de trabalho de múltiplas
qualificações. Os capitais que os operadores financeiros põem para valorizar,
através de suas aplicações financeiras e das arbitragens entre diversos tipos de
ativos, nasceram invariavelmente no setor produtivo e começaram por assumir
a forma de rendimentos que se constituíram na produção e intercâmbio de bens
e serviços. Uma parcela desses rendimentos – hoje em dia uma parcela elevada
- é captada ou canalizada em benefício da esfera financeira, e transferida para
esta. Só depois dessa transferência é que podem se dar, dentro do campo
fechado da esfera financeira, vários processos de valorização, em boa parte
fictícios, os quais fazem inchar ainda mais o montante nominal dos ativos
financeiros. (Idem, Ibidem. p. 15).
Em outras palavras, nessa passagem Chesnais tem claramente a preocupação em indicar que
o crescimento exagerado ou hipertrofiado do capital financeiro tem origem primeira na produção de
valor e de mais valia, isto é, constituem parte do lucro realizado pelo capital produtivo, mas que, ao
não serem reutilizados como capital de empréstimo, ganham vida própria no mercado secundário de
ativos. Mesmo assim, a chamada autonomia não é nesta obra explorada, nem seus efeitos sobre as
demais formas do capital.
Será em A finança mundializada, publicada pela Boitempo em 2005, que François Chesnais,
em seu artigo O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e
políticos, irá finalmente dizer que o “mundo contemporâneo apresenta uma configuração específica
do capitalismo, na qual o capital portador de juros está localizado no centro das relações
econômicas e sociais” (Op. cit. p. 36). Um pouco mais adiante afirma, pela primeira vez, que as
instituições bancárias, mas, sobretudo, as não bancárias, são constituídas “de um capital com traços
específicos, que busca fazer dinheiro sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de
empréstimos, de dividendos e outros pagamentos recebidos a título de posse de ações e, enfim, de
lucros nascidos de especulação bem-sucedida”. Note-se que na contribuição imediatamente acima
citada, já mencionava as bases do aumento do capital-dinheiro, tendo utilizado, inclusive, o termo
“fictícios”. Contudo, é dado aqui peso à palavra especulação e o capital portador de juros é
colocado no centro das relações econômicas e sociais do mundo capitalista. Isso significa que, para
o autor, não há como entender a dinâmica atual do capitalismo sem que se analise de que maneira
esse capital se relaciona com as demais formas do capital e com a classe trabalhadora em geral.
142

Nesse capítulo, Chesnais retoma, de maneira sucinta, aspectos desenvolvidos em


contribuições anteriores, tais como descrever as etapas e os mecanismos que levaram ao
ressurgimento da finança. Aliás, é nesse texto que o autor insiste em utilizar o termo retorno e / ou
reaparecimento do capital financeiro, enfatizando que no passado, embora de forma diferente, o
capital financeiro já havia reinado de forma relativamente soberana6. Depois de descrever os
elementos - presentes no período chamado de trinta anos gloriosos ou de compromisso keynesiano,
a depender da filiação teórica e ideológica do analista - que irão pressionar para que os controles
sobre o capital financeiro sejam retirados a partir do final dos anos 1970, e depois de descrever as
medidas tomadas pelos Estados Unidos e pela Inglaterra nessa direção, dedica-se a caracterizar o
que vem chamar de “um regime específico de propriedade do capital”. Em suas palavras, “A tese
aqui defendida sustenta que os detentores das ações e de volumes importantes de títulos da dívida
pública devem ser definidos como proprietários situados em posição de exterioridade à produção, e
não como ‘credores’” (Idem, Ibidem. p. 48). Mais adiante afirma que “A instituição central da
finança é o mercado secundário de títulos, o qual negocia somente ativos já emitidos, cujos
resultados do financiamento, se existiram, pertencem ao passado” (Idem, Ibidem. p. 49).
É essa caracterização, de proprietário e não credor, que lhe permite anunciar as
conseqüências das normas de rentabilidade vigentes dos fundos (os famosos 15%) nas estratégias
das empresas, que é tema de pesquisa de Dominique Plihon (2005). É dessa forma que os grandes
grupos industriais e comerciais são movidos pela lógica de curto prazo do capital financeiro, sendo
regulados pela cotação das ações de suas empresas na Bolsa. Essa lógica - que contradiz o prazo de
maturação de certos investimentos - também leva a que cada departamento e cada filial sejam
tratados como um ente à parte, cada um deles devendo reproduzir a rentabilidade mínima exigida
pelos acionistas. Diz Chesnais: “Os grupos são dirigidos por pessoas para as quais a tendência da
Bolsa é mais importante do que qualquer coisa” (Idem, Ibidem. p. 54).
Essa afirmação, que poderia ser entendida como exagerada por alguns, é objeto de estudo de
Gérard Duménil e Dominique Lévy, em La finance capitaliste: rapports de production et rapports
de classe7. Neste artigo, entre outros aspectos, esses pesquisadores dedicam-se a comparar a ação
dos altos funcionários das empresas no período chamado de compromisso keynesiano com o atual.
Defendem que, se no primeiro havia uma autonomia dos administradores em relação aos
proprietários, de forma que as taxas de juros eram baixas, eram distribuídos poucos dividendos e os
lucros eram largamente retidos nas empresas e serviam para investir; no segundo, a nova hegemonia
financeira repousa sobre uma reversão dessa relação, sendo os administradores disciplinados em
favor dos proprietários, isto é, dos acionistas. É, então, estabelecida uma ligação estreita entre a
propriedade e a alta gestão. Segundo esses autores, esta relação entre proprietários capitalistas e as
frações superiores dos assalariados é estendida até englobar a totalidade do decil 90-99 na escala
das rendas (no caso americano). Esse fenômeno, segundo eles, os leva a falar de um compromisso
neoliberal, opondo-se ao que se convencionou chamar de compromisso keynesiano, onde haveria
uma ligação de interesses entre os administradores e as classes populares, interessadas em uma
política de quase pleno emprego e de salários reais crescentes (Op. cit. p. 149 e 159).
Dessa forma, além da centralização do capital provocada pela finança, “... que resulta das
fusões e aquisições orquestradas pelos investidores financeiros e seus conselhos [...], a finança
conseguiu alojar a ‘exterioridade da produção’ no próprio cerne dos grupos industriais”
(CHESNAIS, 2005, p. 54).
Como seria de esperar, o resultado da transposição da lógica de curto prazo para o interior

6
Destaque-se que na Introdução geral de A Mundialização Financeira, Chesnais considera que o período
anterior de mundialização financeira se encerrou em 1914. Já Duménil e Levy (2005), consideram que essa
fase, a que chamam de hegemonia financeira, termina em 1929.
7
Este artigo está em La finance capitaliste, 2006.
143

das empresas é o estabelecimento de um crescimento mundial a taxas muito baixas, com exceção do
que ocorre na China e sobre a qual se tratará mais adiante. Sobre o baixo crescimento mundial, vale
mencionar a interpretação de Michel Husson (2006). Para esse autor, a financeirização do
capitalismo conduziu a uma situação onde os lucros foram retomados ao nível anterior à crise do
chamado regime fordista sem que, contudo, a acumulação do capital tenha voltado a dinamizar a
economia. Em outras palavras, a retomada do lucro ocorreria mediante aumento descomunal da
exploração da força de trabalho, sendo que a distribuição de dividendos e os lucros não reinvestidos
alimentariam a crescente expansão do capital financeiro junto ao mercado secundário de ações e
títulos. Além disso, na medida em que a economia passa a ter como parâmetro normas
internacionais, desde os famosos 15% de rentabilidade para os fundos até o custo da força de
trabalho (já que a entrada da China na Organização Mundial do Comércio - OMC opôs os
trabalhadores no plano mundial, pressionando os salários para baixo), altera-se o processo de
equalização da taxa de lucro. Como diz Husson:
Dizer que o espaço de valorização se estende ao conjunto da economia
mundial implica que as normas de exploração tendem também a se
universalizar, por um tipo de determinação inversa. Esse resultado pode
parecer evidente: a busca da taxa de lucro máximo implica a de uma taxa de
exploração a mais elevada possível. O que mudou é a escala do espaço, no
interior do qual, se exercem esses mecanismos. A financeirização se traduz por
uma equalização mais estreita, tanto intra quanto intersetorialmente. No
interior de um setor, assiste-se à formação de um preço mundial de referência
do qual é mais difícil de se distanciar e que tende a se alinhar (para baixo) ao
preço mínimo e não ao preço médio definido por cada zona econômica. (Op.
cit. p. 233).
Contudo, antes de ser uma solução – “uma situação de equilíbrio de sub-acumulação” - a
“gigantesca negação da produção em escala mundial: vale mais não produzir do que produzir
abaixo da norma de lucro” indica que a
diferença crescente entre os lucros excedentes e de ocasiões raras de
investimentos rentáveis expressa a contradição irredutível entre a satisfação
das necessidades sociais e a busca do lucro máximo. A finança é, ao mesmo
tempo, um meio de preencher (parcialmente) esta diferença, e um dos
principais instrumentos que permitiram estabelecer esta nova configuração de
conjunto. Ela não é, então, uma doença que viria ‘gangrenar’ um corpo sadio,
mas o sintoma de uma crise que toca aos princípios essenciais do capitalismo.
(Idem, Ibidem. p. 246).
Com suas diferenças em relação a esse autor, Chesnais (2006), em seu último artigo
intitulado La preeminence de la finance au sein du ‘capital em general’, le capital fictif et le
mouvement contemporain de mondialisation du capital, vai ao centro da questão sobre o
capitalismo contemporâneo. Antes, porém, destaca que finalmente, com a entrada da China na
OMC, a tendência de o capitalismo formar um mercado mundial constitui uma realidade e que seu
traço característico é o volume extraordinariamente grande de títulos (ações e obrigações) que se
apresentam aos olhos dos que os detém como um capital que lhes auferem o direito permanente de
receber rendas regulares (Op. cit. p. 66).
Para discutir essa realidade Chesnais faz uma acurada releitura de Karl Marx (O Capital,
Grundrisse) e de Rudolf Hilferding (O capital financeiro). Entre todas suas contribuições, essa é,
sem dúvida, a mais teórica, onde a maior parte do artigo é dedicada à retomada e a discussão das
categorias marxistas presentes nos treze capítulos da quinta seção do Livro III d´O Capital, bem
como uma “releitura inicial de Hilferding”. Após isso, na terceira parte deste seu longo artigo,
retoma, a partir das categorias analisadas, a reconstituição em larga escala do capital que se valoriza
144

nos mercados financeiros, isto é, o processo em curso que tem início a partir dos anos 1980.
No escopo deste artigo, seria impraticável resumir todos os passos trilhados por Chesnais ao
revisitar Marx e Hilferding. Por isso nos contentamos em fazer apenas um resumo de sua leitura de
Marx, deixando, para uma outra oportunidade, a de Hilferding. Mesmo assim, esperamos estar
auxiliando na compreensão de seu desenvolvimento teórico sobre o capitalismo contemporâneo.
Para isso nos utilizamos tanto do denvolvimento de sua pesquisa, como do esforço de síntese, feito
pelo próprio Chesnais, quando inicia sua apreciação sobre a contribuição de Hilferding em relação a
Marx.
Antes de apresentar esse resumo, destacamos, tal como faz o autor, que duas categorias se
fazem essenciais para a compreensão do capitalismo contemporâneo: a de capital em geral e a de
capital fictício. Isso porque, de acordo com Chesnais:
a importância assumida pela centralização e valorização de uma poupança ou
de somas de dinheiro que devem simultaneamente vir com a partilha do valor
e da mais-valia, permanecer “líquida” e servir de forma fictícia de “capital”,
significa que a teoria atualizada do “capital portador de juros” não pode mais
ser excluída da análise do movimento contemporâneo da acumulação e da
reprodução do capital. (Op. cit. p. 68).

2 – A teoria marxista do capital portador de juros e o capital fictício segundo


Chesnais8
2.1 A acumulação do dinheiro e sua conversão em capital de empréstimo, portador de juros.
O campo da teoria da finança em Marx é o da conversão do dinheiro em capital. Esta
conversão aparece pela primeira vez no capítulo IV do Livro I de O Capital sob a forma da
transformação do possuidor do dinheiro individual em capitalista industrial. Na parte quinta do
Livro III, o possuidor do dinheiro pode operar a conversão do dinheiro em capital como prestamista
e assumir, assim, o status de “capitalista passivo” frente ao “capitalista ativo”. Dessa forma, o
dinheiro assume outro valor de uso, aquele de produzir lucro, quando transformado em capital. Por
isso constitui uma mercadoria sui generis, pois seu valor de uso (a capacidade de transformar-se em
capital) é cedido apenas por um tempo determinado. Na sua formulação mais geral, a teoria é
aquela do “capital prestamista enquanto massa de dinheiro que se conserva e que cresce, que volta a
seu ponto de partida e pode sempre recomeçar o mesmo processo”. Chesnais, utilizando uma
terminologia contemporânea, diz que essa seria, então, a teoria de um capital de empréstimo, ou
mais amplamente de aplicação financeira. A formação desse capital resulta de formas específicas de
centralização que Marx chama “acumulação de capital-dinheiro propriamente dita”. Ela conduz em
seguida a uma “acumulação” de “capital fictício”, que ele designa também em certas passagens
como uma “acumulação financeira”.
De acordo com Chesnais, a análise do crédito é, senão apoiada na teoria do “capital de
empréstimo enquanto massa de dinheiro”, ao menos ligada a ela de maneira indissolúvel. No plano
da centralização das somas suscetíveis de serem valorizadas pelo empréstimo, a atividade dos
banqueiros é aquela das instituições financeiras, exercendo a atividade dos “investidores” atuais. A
“geração do capital portador de juros”, que Marx diz que é “o outro aspecto do sistema de crédito” é
uma das funções dos banqueiros. Por seu lado, a valorização das “massas de dinheiro” assim
centralizadas em empréstimos e em aplicações, abre a via ao que Marx chama de “a acumulação de
capital-dinheiro propriamente dito” pela oposição à “acumulação verdadeira do capital”. Essa
conhece um rápido crescimento qualitativo assim que os bancos, depois de ter operado esta

8
Esta parte constitui um resumo do entendimento de Chesnais sobre a finança em Marx.
145

centralização, ampliam o sistema de crédito.

2.2 - O “capital em geral” e o lugar respectivo do capital industrial e do capital-dinheiro.


De acordo com Chesnais, este aparecimento do dinheiro “vadio” (ou ocioso), sob uma
forma maciça, pronto a, ou desejoso de, se valorizar sob a forma de empréstimo ou de aplicação em
ações, vê o nascimento de uma tensão interna no movimento do capital que Marx pressentiu sem
imaginar a amplitude que ela atingiria no século XX e hoje no século XXI. Destaca Chesnais, que
Marx, em uma passagem pouco comentada, escreve que “o capital industrial é o único modo de
existência do capital onde sua função não consiste somente em apropriação, mas igualmente em
criação de mais-valia [...] de sobre-produto” de modo que é necessário que “as outras variedades de
capital [...] se subordinem a ele”, fazendo a constatação seguinte alguns parágrafos adiante:
[O] aspecto dinheiro do valor é sua forma independente e tangível, a forma de
circulação D – D’, cujo ponto de partida e o ponto de chegada são o dinheiro
real, exprime da maneira mais tangível a idéia “fazer dinheiro”, princípio
motor da produção capitalista. O processo de produção aparece somente como
um intermediário inevitável, um mal necessário para fazer dinheiro. (citado
por Chesnais, Idem, Ibidem, na página 72)
Diz Chesnais,
com o recuo da história, se vê que o reforço das instituições, que encarnam um
segmento de classes possuidoras e uma fração do capital, dispostas a abraçar
esta ‘idéia’, era inerente às relações sociais de produção enquanto relações de
distribuição e que o processo devia necessariamente ser alimentado também
pelos refluxos em direção à valorização financeira de capitais que não
encontrassem uma taxa de lucro satisfatória para investir na produção, devido
aos limites internos à acumulação (Idem, Ibidem. p. 92).
Dessa forma, quanto mais se amplia a centralização do capital-dinheiro, centralizado nos
bancos e em instituições não bancárias, mais seu possuidor entende que o único motivo de suas
operações é a apropriação crescente da riqueza abstrata, tal como “pensa” o capital em geral.
Quanto mais a forma D – D’ (dinheiro que faz dinheiro) torna-se predominante, mais o fetichismo,
as representações fantasmagóricas das fontes da riqueza se apossam da sociedade.
O capital aumentado, isto é, o D’, pode ser utilizado para uma outra operação de
empréstimo, ou para uma operação industrial ou comercial. Assim é anunciada a exigência de
liquidez que somente pode ser assegurada pelos mercados secundários de títulos. Segundo
Chesnais, Hilferding será o primeiro teórico marxista a desenvolver esse aspecto.
2.3 A partilha quantitativa do lucro entre juros e lucro da empresa.
Em relação ao juro, Chesnais retoma que o que está muito claro em Marx, que o mesmo é
parte do lucro e não participa da formação do lucro médio. Dessa forma, o juro deriva da partilha
do lucro e depende, então, da produção e da realização bem sucedida de uma massa de mais-valia.
Contudo, tanto para o capital função, como para o capital propriedade, a aparência das coisas é
exatamente inversa. Isso porque, enquanto a taxa de lucro médio não é perceptível aos capitalistas
individuais, que conhecem somente sua própria taxa de lucro, a todo momento existe somente uma
taxa de juros fixada pelo mercado para cada categoria dada de empréstimo, dada a relação de forças
entre quem empresta e quem toma emprestado. Segue-se daí, diz Chesnais, que o juro parece vir em
primeiro lugar e o lucro da empresa é somente o que resta, cujo nível é imposto pelo prestamista
(Idem, Ibidem. p. 76),
2.4 O movimento D – D’ e o fetichismo do capital portador de juros.
146

O dinheiro tornado capital de empréstimo, portador de juros, descreve o movimento D – D’,


melhor conhecido sob o nome de “ciclo abreviado do capital”. Esse movimento expressa ao mesmo
tempo a essência do dinheiro que se faz capital de aplicação depois de ser tornado “forma
independente e tangível do valor” e a quinta-essência do fetichismo que açoita o modo de produção
capitalista. A forma D – D’ expressa “a idéia ‘fazer dinheiro’, [que é o ] principal motor da
produção capitalista”. Por conseqüência: “No capital portador de juros, a relação capitalista atinge a
forma mais reificada, mais fetichista. Temos nessa forma D - D’, dinheiro que gera dinheiro, valor
que se valoriza a si mesmo sem o processo intermediário que liga os dois extremos”. (MARX,
1981, Livro III, volume V, p. 450).
Diz Chesnais: “A forma D – D’ leva ao paroxismo um fetichismo profundo que não é
somente inerente ao dinheiro que se valoriza em massa, mas ao capitalismo enquanto tal, como
modo de produção e como sistema de dominação social” (Idem, Ibidem. p. 80). O fundamento do
fetichismo se encontra na troca no mercado e no valor enquanto valor de troca, cujo efeito é dar a
“uma relação social determinada entre os homens [...] a forma fantástica de uma relação de coisas
entre eles” (MARX,1981, Livro I, Volume I, p. 81). Mas a partir dessa base, o fetiche estará
presente em todas as relações econômicas e sociais capitalistas, na qual o capital-dinheiro é sua
expressão máxima.
2.5 O capital fictício
De acordo com Chesnais, em sua leitura sobre Marx, o capital fictício concretiza a análise
do fetichismo inerente ao capital portador de juro ou de aplicação financeira mais geral. O que
parece, aos olhos do portador de títulos ser para ele “capital”, “seu capital”, deve ser analisado
como sendo uma pura ficção do ponto de vista do movimento do capital entendido como
reprodução do capital produtivo.
No curso de suas operações, os bancos criam formas determinadas de capital fictício,
especialmente com o crédito para fins de investimento. Paralelamente, o capital próprio dos bancos
é amplamente composto de títulos sobre uma produção futura que são, no melhor dos casos,
duplicatas fictícias de um capital real. No Livro III, os bancos são estudados ao mesmo tempo como
instituições financeiras que centralizam “o dinheiro em massa” e como fornecedores de crédito.
Mesmo se os dois papéis tornam-se hoje mais estreitamente imbricados, é importante respeitar essa
distinção.
Para fazer essa distinção Chesnais se apoia em Robert Guttman, que fez uma leitura atenta
de Marx a ponto de dizer que, de um lado, ele destaca sem ambigüidade que “a criação de crédito ex
nihilo é em si uma fonte de capital fictício e a razão pela qual a moeda de crédito não tem valor
intrínseco”. De outro, ele procede a uma análise da “dominação do capital fictício” onde se refere à
configuração específica do capitalismo que resulta do pleno ressurgimento de instituições que
abraçam títulos aos quais ele deu anteriormente o nome de capital fictício9. Nas palavras de
Gutrmann, citadas por Chesnais:
A integração da finança e da indústria por via do crédito portador de juro dá
nascimento ao “capital financeiro”, enquanto que “as transações das
instituições financeiras engendram sua forma específica própria de capital [...]
Marx explicou que essas atividades servem de fundamento ao que ele chama
de capital fictício. O conceito designa todos os ativos financeiros cujo valor
repousa sobre a capitalização de um fluxo de rendas futuros, que não têm
nenhuma contrapartida no capital industrial efetivo. Partindo desta definição,
Marx identificou várias formas de capital “fictício”, que tornaram-se todas
bases da economia de portfólio contemporânea (Idem Ibidem. 41).

9
Guttmann. R. Op cit. P. 85..
147

2.6 – As formas do capital fictício.


Em sua leitura do capital e apoiado nos autores acima referidos, Chesnais destaca as três
principais formas de capital fictício, que encontramos em Marx e que são as mais comentadas pelos
autores marxistas: o capital bancário, a dívida pública e o capital acionário nas bolsas de valores.
Mas, Chesnais desenvolve seu estudo avançando para a nova configuração dos bancos e suas
mudanças com a criação de novos ativos financeiros, com as novas formas de atuação dos bancos
na expansão da dívida dos países do Terceiro Mundo, e a ascenção dos fundos de pensão e fundos
de investimentos, que assumem um papel preponderante no capitalismo contemporâneo.
O traço novo, o mais saliente, de conseqüências decisivas, da reconstituição de
um capital de aplicação altamente concentrado, foi a perda de proeminência
dos bancos – que eram praticamente um monopólio em certos países – em
benefício dos fundos de pensão e dos Mutual Funds, na centralização e na
valorização de dinheiro em busca de aplicação. (CHESNAIS, 2006. p. 100)
Antes disso, porém, ocorreu uma primeira fase de expansão financeira ainda dominada pelo
sistema bancário com uma enorme criação de capital fictício em escala internacional. A recuperação
da economia européia no pós-Segunda Guerra, a abertura do mercado interbancário na City, em
Londres, e a internacionalização bancária foram os fundamentos para a criação dos eurodólares, na
década de 60, e dos petrodólares na década seguinte, após as guerras no Oriente Médio, com a
consequente crise do petróleo.
Tendo como base os as reservas acumuladas pelos Bancos Centrais e a massa de depósitos
efetuados pelos países produtores de petróleo, os bancos internacionalizados procederam à criação
secundária de dólares através de empréstimos, ou seja, de capital fictício, principalmente aos países
do Terceiro Mundo. A mudança na política monetária do FED, a partir de 1979, na tentativa de
superar a própria crise que abatia a economia Norte-Americana, lançou os países endividados em
uma crise sem precedentes que durou mais de uma década, desestruturou a maior parte das
economias lançando várias delas na hiperinflação. Por um lado, essa crise permitiu submeter ainda
mais fortemente os países do Terceiro Mundo através de uma gigantesca punção sobre a riqueza
produzida, através dos pagamentos de juros e amortizações da dívida externa. Por outro, colocou as
bases para uma nova forma do capital fictício, na qual, as renegociações efetuadas conduziram à
securitização das dívidas, transformando dívidas contratuais em dívidas mobiliárias, negociáveis
nos principais mercados financeiros internacionais. Enfim, permitiu a emergência e a consolidação
dos novos atores da finança globalizada, os fundos mútuos, os fundos de pensão e os fundos de
aplicação financeira.
A primazia desses dois tipos de investidores institucionais, aos quais se somam
as grandes companhias de seguro, abre um novo período na história do
capitalismo mundial. Os fundos de pensão foram os beneficiários imediatos do
golpe financeiro de 1979, no qual um dos componentes centrais foi a criação
de mercados liberalizados de obrigações públicas. A “securitização” dos
títulos da dívida pública dos países capitalistas avançados permitiu aos
governos diminuir a tributação sobre o capital e a renda das classes superiores
e médias. Em proporções variáveis segundo os países, a aplicação dos bônus
do Tesouro e outros títulos da dívida nos mercados financeiros permitiu a
explosão dos déficits orçamentários. O objetivo da liberalização dos
movimentos de capitais, da securitização e da alta das taxas de juro era de
quebrar a inflação criando condições de “segurança financeira” para as
aplicações e de baixa relativa dos salários (a deflação salarial). (Idem, Ibidem,
p. 103)
148

Os fundos de pensão Norte-Americanos haviam acumulado enormes volumes de pequenas


poupanças, cujas aplicações eram muito restritas e controladas. A liberalização das aplicações
desses fundos, junto com a expansão, em outros países, desde os anos 70, de sistemas privados de
aposentadoria criados por sociedades seguradoras carreou para os mercados financeiros uma massa
de capital dinheiro em busca de valorização. Ela encontrou, nesses mercados, a dívida pública
securitizada, e com altas taxas de juros, como uma primeira via para suas aplicações. Essa expansão
do capital fictício, na forma da dívida pública trouxe como consequência os enormes déficits
orçamentários, através dos quais parte da mais valia arrecadada pelo Estado transforma-se em
pagamento de juros. A parte dos juros que não é paga, transforma-se normalmente em nova dívida,
expandindo essa forma de capital fictício sem nenhum fundamento na economia real.
Os fundos de pensão e aposentadoria, juntamente com os novos fundos de investimento e
aplicação financeira – que também aplicam seus recursos no capital fictício da dívida pública –
dirigem-se igualmente para o capital fictício das bolsas de valores. Essas novas instituções
adquirem uma predominância na finança mundializada, mas não suprimem os bancos que não só
continuam a manter suas atividades fundamentais como criam novas formas de participação através
das inovações financeiras e novos produtos. Essas instituições reúnem, então, massas enormes de
recursos, seja de assalariados, pequenos poupadores e dos grandes capitalistas. “Os assalariados
aposentados cessam de ser simples “poupadores” e tornam-se, geralmente sem que eles tenham uma
clara consciência, partes constitutivas de mecanismos que comportam a apropriação de rendas
fundadas sobre a exploração dos assalariados no trabalho, tanto nos países onde o sistema de pensão
por capitalização foi criado quanto naqueles onde as aplicações e as especulações serão realizadas”.
(Idem, Ibidem, p. 105). Chesnais, seguindo a Marx, enfatiza mais os primeiros e não faz referências
importantes sobre a reconcentração da riqueza ocorrida após os anos 80, tanto nos Estados Unidos,
como mostram Duménil e Lévy, quanto em todo o resto do mundo.
Essas instituições, conhecidas hoje como investidores institucionais, modificaram tanto a
natureza das relações entre o capitalista proprietário e o administrador do capital, quanto a própria
natureza dos “novos investimentos”, do chamado “investimento estrangeiro direto” e das relações
entre o capital produtivo e o capital financeiro.
A bolsa de valores tornou-se o centro das aplicações financeiras e a distribuição de
dividendos o mecanismo principal de apropriação de mais-valia.
Esse poder aparece quando da vaga de OPAs hostis dos anos 1980 e da
emergência da Bolsa como “mercado para o controle das empresas”. Os
fundos de pensão e os Mutual Funds aí jogaram um papel ativo, se colocando
como compradores de títulos de recompra de empresas alavancando ou
participando das operações de fusões-aquisições e de OPAs hostis de maneira
direta. Eles consolidaram a afirmação de uma concepção puramente financeira
da empresa, que faz dela uma coleção de ativos divisíveis e líquidos,
suscetíves de serem vendidos ou comprados conforme as ocasiões de
rendimento financeiro. Elas, enfim e sobretudo, introduziram os
procedimentos altamente padronizados da “governança corporativa” que
codificam as formas contemporânas da relação entre a finança e a indústria.
(Idem, Ibidem, p.106).
Assim, o capital produtivo passou a ser comandado pela finança, através dos preceitos da
governança corporativa, e os administradores pressionados a obterem sempre mais resultados.
Principalmente porque o aumento na distribuição de dividendos eleva os preços das ações, portanto,
os ganhos de capital, expandindo o capital fictício acionário. Nesse mecanismo, os administradores
recebem as stock options como meio através do qual procuram sempre obter o aumento máximo no
valor acionário. Esse mecanismo, levado ao extremo gerou as falcatruas que levaram a falência a
Enron, WorldCom, Tyco, etc.
149

As relações entre a finança e o capital produtivo também modifica as relações entre os


proprietários, os gestores de fundos e os administradores das empresas, incluindo aí uma terceira
categoria, os “analistas financeiros e os bancos de investimentos”. Nessas relações, os
administradores devem estabelecer uma acirrada concorrência entre eles, fonte de uma forte
instabilidade, buscando sempre atingir as metas que são determinadas de forma “impessoal”, pelos
mercados financeiros.
As consequências da predominância da finança no capitalismo contemporâneo, e a disputa
pela mais valia a ser produzida no futuro, é o acirramento das contradições próprias do capitalismo,
com a intensificação da exploração da força de trabalho e a destruição cada vez mais acelerada dos
recursos naturais e da própria natureza.

Notas Finas
Dentre as novas formas de capital fictício, Chesnais deixou de incluir as gigantescas
operações nos mercados de câmbio e de derivativos como opções, futuros e swaps. No fim de
2006, de acordo com a Associação Internacional de Swaps e Derivativos, o valor de swaps de juros,
swaps cambiais e opções de juros no mercado tinham atingido US$ 286,0 trilhões,
aproximadamente seis vezes o Produto Mundial Bruto (...), em comparação com meros US$ 3,45
trilhões em 1990.” (WOLF, 2007). Apesar desse mercado não afetar diretamente a punção sobre a
mais valia gerada na esfera produtiva enquanto operavam mais especulativamente, pois os ganhos e
perdas ocorriam, em sua maior parte, entre os próprios capitalistas e especuladores, atualmente, ele
se constitui em uma poderosa fonte de tensão e instabilidade dos mercados financeiros que podem
afetar o próprio capital produtivo.
Além disso, essas operações com derivativos podem afetar gravemente as novas instituições
que operam com esses hedges e derivativos, e que atuam ao mesmo tempo como gestores de
carteira e como fundos privados de investimentos em participações, devido ao seu crescimento
alucinante. “Estima-se que o número de fundos de hedge tenha crescido de apenas 610, em 1990,
para 9.575 no primeiro trimestre de 2007, com um montante de aproximadamente US$ 1,6 trilhão
sob sua administração”. (WOLF, 2007). Segundo o mesmo artigo de Wolf, o volume de negócios
“explodiu”, passou de 109% da produção mundial, em 1980, para 316%, em 2005. No mesmo ano,
o estoque mundial de ativos financeiros atingiu US$ 140 trilhões.
Esse gigantesco volume de negócios, cujos rendimentos vão além do que pode ser extraído
da mais valia produzida pelo capital industrial, deve ser continuamente alimentado por mais capital
fictício. Enquanto os mercados conseguirem transferir para o futuro uma parte importante desses
ganhos ou perdas e os Estados, através de seus Bancos Centrais, principalmente o Fed, conseguirem
administrar a instabilidade financeira gerada pela especulação, as crises financeiras, que já
assolaram o capitalismo na década passada serão ainda adiadas.
A causa primordial dessas crises se encontra na diferença entre o montante,
sempre mais elevado, dos créditos sobre a produção em curso e futura e a
capacidade efetiva do capital engajado na produção os honrar, mesmo com a
ajuda de políticas macro-econômicas dos Estados, mesmo com crescimento
sem cessar das taxas de exploração da força de trabalho. Na raíz das crises
financeiras se encontra, então, a propensão do capital regido pelo movimento
D – D’ demandar à economia “mais do que ela pode”. Vista assim, as crises
são uma manifestação da exterioridade da finança em relação à produção. Os
mercados financeiros aumentam a probabilidade. (CHESNAIS, 2006, p. 115).
150

Os estudos de Chesnais permitem, então, mostrar que o aguçamento das contradições


fundamentais do capitalismo contemporâneo apontam seriamente para mais uma crise, que terá
origem provavelmente na esfera das finanças globais. O volume global de capital fictício
acumulado na esfera financeira, gerida em parte através da reprodução e acumulação das dívidas
estatais, e pela ação dos Bancos Centrais apresentam certos limites. Da mesma forma, a massa de
capital fictício acumulada nas bolsas de valores e de mercadorias e futuros, além dos mercados de
câmbio, presssionam continuamente ao desencadeamento da crise. Segundo Martin Wolf, em
oposição aos argumento dos otimistas que não crêem em outra grande crise financeira, “Os
pessimistas podem argumentar que as condições monetárias têm sido tão benignas há tanto tempo,
que enormes riscos estão sendo acumulados, não identificados e não controlados, no interior do
sistema”.
Da leitura dos trabalhos de Chesnais e dos demais pesquisadores franceses, apreende-se,
então que, é a partir dos 1980, quando da desregulamentação monetária e financeira, da
descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e da desintermediação bancária,
promovidas pelos Estados nacionais, particularmente pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, que se
verifica o retorno do capital financeiro, isto é, do capital portador de juros, tal como definiu Marx.
Esse retorno, dado em bases muito mais profundas do que no passado (final do século XIX até
1929), foi acompanhado da construção de uma nova relação entre o capital produtivo, o capital
comercial e o capital financeiro e por uma nova correlação de forças entre o capital e o trabalho,
desfavorável a este último.
A condição principal, mas não a única para a instalação dessa nova realidade, foi a derrota
infringida pelo capital aos trabalhadores. Entre os vários momentos desse processo, destaca-se a
vitória de Tatcher sobre a greve dos mineiros.
Essa nova relação se expressa no domínio relativo do capital financeiro (portador de juros) sobre o
capital produtivo, o que se evidencia não só pelo aumento de sua exigência na participação da mais
valia, como nas inúmeras formas de fazer valer sua lógica de rentabilidade de curto prazo nas
empresas, incorporando como seus aliados, os altos executivos. Além disso, a liberdade de ir e vir
alcançada pelo capital financeiro permitiu que os outros capitais (industrial e comercial) também
ganhassem mobilidade, fazendo do mundo objeto de sua ação e intervenção, o que exacerbou a
concorrência capitalista e colocou, como nunca antes visto, os trabalhadores em concorrência no
plano mundial.
Nos últimos anos, particularmente o capital produtivo recuperou o nível da taxa de lucro,
não só devido às aplicações financeiras quando é o caso das grandes empresas, mas principalmente
porque promoveram um aumento brutal da taxa de exploração, isto é, da mais valia.
É esse o resultado da manutenção de elevada taxa de desemprego, da redução dos salários,
da precarização das relações de trabalho (aumento da intensidade do trabalho, contrato por prazo
determinado, ausência de direitos trabalhistas e sociais, trabalho noturno, trabalho em fim de
semana, entre outros), da transferência de plantas para os países da Europa do Leste, anteriormente
sob a influência da antiga URSS, e mesmo para a China e outros países onde o custo da força de
trabalho é irrisório. Dessa forma, o capitalismo hoje se apresenta como um regime de baixa
acumulação (daí decorre o pouco investimento que lhe caracteriza e as baixas taxas de crescimento)
e elevado nível de lucro.
Nessa situação, tanto o capital financeiro quanto o produtivo não têm nenhum interesse em
algo parecido com o pleno emprego: a manutenção de desemprego elevado (exército industrial de
reserva, para Marx), é condição para a continuidade da nova situação criada a partir dos anos 1980:
recuperação dos níveis anteriores da taxa de lucro, baixo crescimento, e aumento colossal do
volume do capital financeiro aplicado em títulos de todos os tipos e em ações, praticamente no
mercado secundário. Isso significa que não há, no marco do processo de acumulação atual, a
151

possibilidade de crescimento econômico expressivo e duradouro, mesmo para os países do chamado


Terceiro Mundo.
Se a China parece negar essa afirmação é porque as condições de seu crescimento são
similares às da acumulação primitiva, onde as condições de trabalho e a remuneração dos
trabalhadores não têm termos de comparação com as existentes nos outros países. Para isso foi
fundamental a transferência para a China de grande parte das indústrias norte-americanas e de parte
de suas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento, as quais aproveitaram-se do fato de os custos
serem bem mais reduzidos nesse país.
A rigor, a força assumida pelo capital portador de juros, cujos atores são as Bolsas, as
instituições financeiras, os fundos de pensão, entre outros, deriva da própria lógica do capital. O
capital portador de juros, como expressão máxima do fetiche no capitalismo - dinheiro que gera
dinheiro, sem passar pela produção - é a forma mais acabada do capital. Se durante os “30 anos
gloriosos” ele estava contido, e a dominância era a do capital produtivo (industrial), isso foi função
de uma determinada correlação de forças entre o capital e o trabalho, particularmente devido à
vitória da União Soviética na 2ª Guerra Mundial.
Além disso, é absolutamente necessário enfatizar que expressiva parte do capital financeiro
é fictícia, que se refere à negociação de títulos públicos ou privados que não guardam mais
nenhuma relação com sua origem, sendo negociados várias vezes no mercado secundário, ou que
simplesmente foram emitidos para a realização da compra de empresas pré-existentes.
Nesse contexto maior, o imperialismo americano ganhou força, apesar da criação do euro,
assumindo de uma forma mais explícita sua posição primeira na hierarquia entre os países
capitalistas. Seu lado militarista, mais evidente para as grandes massas, constitui o outro lado da
equação da situação atual: a nação mais poderosa do mundo, posto que sua moeda continua sendo a
moeda preferencial nas transações internacionais, trabalha por ter o controle das fontes de energia
(petróleo e gás), de água e das vias marítimas. Não é por outro motivo que, finda a chamada Guerra
Fria com a dissolução da União Soviética, o número de bases americanas aumentou em todo o
mundo, principalmente na Europa do Leste.
A resistência dos povos iraquianos e afegãos, bem como as manifestações ocorridas no
mundo inteiro contra à invasão do Iraque, não muda essa realidade. Faz parte integrante da lógica
do imperialismo americano: a guerra contínua e sem limites, e os demais países imperialistas têm
interesse de mantê-la, apesar de seus discursos as vezes inflamados contra a ação militar dos
Estados Unidos.
Contudo, é necessário dizer que essa força dos Estados Unidos é apenas relativa, pois do ponto de
vista econômico, sua economia está fortemente estruturada na acumulação de capital fictício, na
maximização do valor das ações e no crescimento exorbitante do consumo, o que a fragiliza e
reforça a necessidade de sua ação militar no mundo.

Abstract
This article deals with the evolution of the studies of François Chesnais carried through in search of
the understanding of the capitalism contemporary, dominated currently for the financial sphere. In it
we look for to show that since the globalisation of the capital until the article most recent, in the
book La finance capitaliste, the vision of Chesnais leaves the productive sphere and advances
gradual for the financial sphere. Toward in such a way, in this last work, it's comes back to the
studies of Capital book III, in which Marx analyzes the paper of the capital money and the system
of credit, since the “capital of money commerce”, passing for the form of carrying capital of
interests until the one of fictitious capital, and looks for to apprehend these categories as basic
elements for the understanding of the global capitalis and liberalized contemporary.
Key words: "finance" , "fiction capital"
152

Bibliografia
AGLIETTA, M. Regulación y Crisis del Capitalismo. México, Siglo Ventiuno Editores, 1979.
BOYER, R. La théorie de la régulation : une analyse critique. La Decouverte, « Agalma », Paris,
1987. Na citação de Chesnais, à página 6 deste artigo, é mencionado o ano de 1986.
CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996a.
____________. Notes en vue d’une caractérisation du capitalisme – à la fin du XX siècle. Paris,
Carré Rouge, n° 1, 1996b.
____________. Contribuition au débat sur le cours du capitalisme à la fin du XXe siècle. In
Actualiser l’économie de Marx, actuel Marx confrontation. Paris, Presse Universitaire de France,
1996c.
____________. Prefácio à edição brasileira; Introdução geral; Mundialização financeira e
vulnerabilidade sistêmica e Posfácio. In CHENAIS, F. (org). A Mundialização Financeira: gênese,
custos e riscos. São Paulo, Xamã, 1998.
____________. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos
e políticos. In CHESNAIS, F. (Org). A finança mundializada. São Paulo, Boitempo, 2005.
____________. La preeminence de la finance au sein du ‘capital em general’, le capital fictif et le
mouvement contemporain de mondialisation du capital. In La finance capitaliste. Paris, Presse
Universitaire de France, 2006.
CORIAT, B. Crise e automação eletrônica da produção - robotização da fábrica e modelo
fordiano da acumulação de capital.In Pesquisa e Debate. São Paulo, PUCSP, no 1, 29-59, 1985.
DUMÉNIL, Gerard e LÉVY, D. O neoliberalismo sob a hegemonia norte-americana. In
CHESNAIS, F. (Org). A finança mundializada. São Paulo, Boitempo, 2005.
__________________________. A finança capitalista: relações de produção e relações de classe.
In La finance capitaliste. Paris, Presse Universitaire de France, 2006.
GUTTMANN, R. How credit money shapes the economy. The United States in A Global system.
M. E. Sharpe, Armank, New York, 1994. Citado por CHESNAIS, F (1998).
HUSSON, M. Finance, hyper-concurrence et reproduction du capital. In La finance capitaliste.
Paris, Presse Universitaire de France, 2006.
MARX, K. O Capital, Livro I, volume I. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981.
________. O Capital, Livro III, volume V. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981..
MISTRAL, J. e BOYER, R. Politiques économiques et sortir de crise - Du carré infernal a un
nouveau New Deal? Futuribles, Futuribles Sarl, Paris, 37-66, octobre, 1983.
ORGANISATION DE COOPÉRATION ET DE DÉVELOPPEMENT ÉCONOMIQUES (OCDE).
La technologie et l’économie : les relations détermiantes. Paris, OCDE, 1992.
WOLF, Martin. O novo capitalismo financeiro provoca revolução global. Valor Econômico,
28.06.2007.
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
174

Declaración de la Sociedad de Economía Política y Pensamiento Crítico


Latinoamericano ante la crisis económica mundial.
Salvar a los pueblos, no a los bancos.

Vivimos una crisis estructural del sistema capitalista. No es hora de creer en su


salvataje, pero sí de trabajar para su transformación. Los pueblos latinoamericanos se
han visto obligados, más de una vez, a socorrer a los banqueros a costa de sus
sufrimientos. Es hora de cambiar la historia y no repetir el rescate de los financistas.
Nuestra prioridad son las necesidades populares.

La crisis económica que se deriva de la financiera y que está en curso en estos días
puede prolongarse por mucho tiempo. No es posible establecer, seriamente, el tiempo en
que ella se mantendrá y la forma de su desarrollo, pero lo que se puede decir es que es la
más grave y más profunda desde 1929/30, que se propaga a una velocidad mucho mayor
que aquella por poseer un carácter totalmente global.

Hay que decir, además, que la crisis económico-financiera actual ocurre dentro de un
contexto de múltiples otras crisis, como la de los alimentos, de las materia primas, de la
energía, del ambiente y, también, de una crisis militar donde no se descarta el uso de
armas de destrucción masiva.

La economía norteamericana, en razón de sus tres deudas (privada, pública y con el


exterior) se encuentra en riesgo de fuerte inestabilidad. Su hegemonía económica está
debilitada y cuestionada. Su hegemonía geoestratégica sobrevive, aunque ya ha sufrido
reveses significativos. Por las mismas razones, el momento actual es particularmente
peligroso para toda la humanidad ya que EEUU no renuncia a la hegemonía y dominio
unipolar en los diferentes campos. Ese país intenta incluso mantener su hegemonía
ideológica y cultural, que sin duda se ve afectada por las contradicciones que surgen de la
misma crisis a nivel interno y con sus aliados.

A partir de la crisis, se agudizará la contradicción antagónica con el capitalismo a


escala global. Se abre un extenso periodo de convulsiones cuyos resultados están
abiertos. Las clases dominantes intentaran reconstituir el sistema con mayores
niveles de explotación de los trabajadores, quienes deberán fortalecer sus
organizaciones para enfrentar esa agresión. América Latina ha sido el subcontinente que
mayor resistencia opuso al neoliberalismo escenario también de grandes rebeliones
populares. La experiencia social y política acumulada en algunos de nuestros países
puede marcar un camino en la articulación de esa necesaria respuesta.

Los gobiernos neoliberales y social liberales de nuestra región, aun los llamados
"progresistas", mantendrán su creencia en la lógica del capital y su intervención buscara
preservar el funcionamiento del mercado capitalista y el dominio de las empresas
transnacionales que ocupan nuestros territorios. Permitirán la quiebra de una u otra gran
empresa especulativa o productiva, pero intervendrán inmediatamente en aquellas que
puedan poner en riesgo la lógica del capital en el ámbito de su país. Eso significa que
175

seguirán permitiendo y aun promoviendo la voracidad de la ganancia exigida por los


mencionados capitales. La crisis fiscal de Estado se profundizará reduciendo la inversión
pública, el gasto social y los subsidios.

Dichas políticas incrementarán aun más el desempleo, la precariedad del trabajo,


la reducción de salarios y pensiones, con lo que aumentarán la pobreza, la miseria
y la exclusión social.

Hay, sin embargo, en América Latina gobiernos que, sin necesariamente plantear una
ruptura completa con el sistema del capital, intentan encontrar una política capaz de
enfrentar de manera distinta las inevitables consecuencias de la crisis mundial en sus
países.

En cualquiera de estas circunstancias los trabajadores y los movimientos sociales


deben conquistar y preservar su independencia frente a los Estados y luchar
decididamente contra las políticas antipopulares que pretenden trasladar los costos de la
crisis del capital al trabajo y de los países centrales a los periféricos.

Por eso necesitamos definir una pauta de política económico-social dentro de una
estrategia de sobrevivencia y resistencia de los sectores populares, en particular de los
trabajadores, para el difícil periodo que se avecina, acompañada de una ofensiva
ideológica contra el sistema capitalista que muestra con esta crisis su absoluta
incapacidad para atender las necesidades de nuestros pueblos.

Proponemos entonces este conjunto de medidas de política económica:

1.. Es urgente e indispensable la custodia de la banca privada que, dependiendo de


cada país, puede ser por control, intervención o nacionalización sin indemnización,
siguiendo el principio de no estatizar deudas privadas ni volver a transferir esos activos
a manos privadas.

2.. Control y bloqueo de la salida de capitales, evitando su fuga.

3.. Centralización y control cambiario con política de cambios múltiples y diferenciados.

4.. Moratoria e inmediata auditoria de la deuda pública, liberando recursos para


atender las necesidades sociales.

5.. Control de precios de los productos básicos.

6.. Mantenimiento y recuperación de los salarios reales de los trabajadores,


asociado a una política de tributación progresiva que afecte al capital y sobre todo a la
especulación.

7.. Políticas de protección e incentivo al mercado interno y a las actividades


económicas con alta generación de empleo. Para ese fin la inversión pública juega un
papel fundamental.
176

8.. Seguro de desempleo y políticas de protección social a los trabajadores


desempleados e informales.

9.. Re-estatización de las empresas estratégicas. Nacionalización de las grandes


empresas privadas en proceso de quiebra. Recuperación del control nacional de los
recursos naturales.

10. Promover una integración regional al servicio de los pueblos y no del capital.

Tales medidas inmediatas constituyen una respuesta al drama social que impone la
crisis e iniciarán transformaciones que, para realizarse plenamente, requieren avanzar
hacia un horizonte socialista.

Salvar a los pueblos, no a los bancos, este es el objetivo de la Sociedad


Latinoamericana de Economía Política y Pensamiento Critico frente a la crisis y sus
consecuencias sociales.

Dada en Buenos Aires, a los 23 días de octubre de 2008.

Junta Directiva de la SEPLA

Você também pode gostar