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/ Edição 1 Ano 1, Nº 01, Junho de 2011 | ISSN 2238–3336

Biblioteca Escolar
no Brasil
Os desafios e as
oportunidades que a Lei
12.244/10 impõe a
biblioteconomia
/ ENTREVISTAS
José Adolfo Snajdauf e Maria Alice Ciocca
O que experiências de profissões tão díspares, como
são os casos da Biblioteconomia e da Astronomia,
podem trocar

/ COTIDIANO
Roma Antiga e o Rodo Cotidiano
O que a sociedade moderna guarda em comum às
sociedades antigas

/ OPINIÃO
Mídia e Excitação 1
Uma arqueologia da palavra sensação, de quando
apenas significava sensação
/ Edição 1
Ano 1, Nº 01 – Junho de 2011
ISSN 2238–3336

SUMÁRIO
/ EDUCAÇÃO / NA ÍNTEGRA
Mudanças no INEP, será? Isaura Lima Maciel Soares
Por Luan Yannick Por Chico de Paula
05 32
/ COTIDIANO / NA ÍNTEGRA
Roma Antiga e o Rodo Cotidiano Jonathas Carvalho
Por Albert Vaz Por Chico de Paula
07 35
/ COTIDIANO / ESTANTE
Sobre o acesso ao conhecimento Mídia e excitação
no Brasil Por Claudio Rodrigues
Por Allan Rocha 11 41
/ CONECTADO / REPORTAGENS
Cinema, filosofia e tecnologia Biblioteca Escolar no Brasil
Por Conceição Gomes Por Chico de Paula
13 44
/ DIÁLOGOS
José Adolfo Snajdauf e Maria
Alice Ciocca
Por Chico de Paula 17

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EXPEDIENTE / Edição 1

EDITORES
Chico de Paula

Emilia Sandrinelli

Filipe Santos

Hanna Gledyz

Jailton Lira

Rodolfo Targino

COLABORADORES
Albert Vaz

Allan Rocha

Claudio Rodrigues

Conceição Gomes

Luan Yannick
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Fala, editor!

CULTURA INFORMACIONAL
eis que surge uma nova opção de informação
Por Chico de Paula

A
primeira Conferência Nacional de representa cada vez mais um campo de força
Comunicação (ocorrida em política, cuja consequência é inerente a cada
dezembro de 2009 em Brasília) indivíduo.
evidenciou uma verdade dura, Embora o surgimento da revista tenha se
contudo, remediável: o desprezo dos dado pelo somatório de forças de um grupo
grandes veículos de comunicação por de bibliotecário inconformados, a ideia é abrir
qualquer iniciativa de discutir o setor. Tanto a este espaço de discussão a um número cada
ABERT (Associação Brasileira de Emissoras vez maior de categorias profissionais que
de Rádio e Televisão) quanto a ANER estejam de alguma forma envolvida com esta
(Associação Nacional dos Editores de tal cultura informacional. Nesta primeira
Revistas) divulgaram carta criticando a edição a reportagem da biblioo traz uma
Confecom por, supostamente atentar contra matéria especial sobre a Lei nº 12.244/10
a “liberdade de expressão”. Liberdade de (que acaba de completar um ano), a qual
expressão esta, como se sabe, reservada dispõe sobre a universalização das
somente aos mandatários destes veículos. A bibliotecas escolares no Brasil. O diretor de
revista biblioo nasce da necessidade de, por redação Chico de Paula e o diretor de
um lado, contribuir com o fim do monopólio comunicação e marketing Jailton Lira
da comunicação, mesmo que de forma conversaram com especialistas e trazem
modesta, e de outro, pela necessidade informações relevantes para o debate sobre
gritante de se discutir a fundo a isto que se este tema.
vem denominando Cultura Informacional, que Biblioo foi até Olinda em Pernambuco e
nada mais é do que o imperativo de uma colheu uma entrevista exclusiva com o
sociedade pautada pelo crescente fluxo de Bibliotecário Edson Nery da Fonseca, cuja
informação no mundo, sobretudo em virtude militância intelectual colocou a
do aumento na utilização do aparato biblioteconomia como uma das atividades
tecnológico, que ora se denomina Novas profissionais mais respeitadas entre a
Tecnologias. intelectualidade. Além disso, nesta edição,
A informação constitui objeto de trabalho de apresentamos aos leitores uma variedade de
um número crescente de profissionais que textos de profissionais destacados que se
vão do jornalismo à informática, passando propõem a discutir temas importantes no
pela educação, pelo direito, letras, cenário nacional, como a indicação de
museologia, arquivologia, biblioteconomia Malvina Tutemam para presidir o INEP (Luan
etc. Sendo assim, ninguém pode se eximir de Yannick). Esperamos que aproveitem. Boa
discuti-la. Primeiro porque esta permeia toda leitura!
a vida em sociedade; segundo porque esta
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/ EDUCAÇÃO

Mudanças no INEP,
Por Luan Yannick
será?
O que representa a indicação Malvina as campanhas eleitorais.
Tuttman para presidir a instituição
organizadora do Enem Plano de Reestruturação das
A professora Malvina Tânia Tuttman assumiu a Universidades
presidência do INEP (Instituto Nacional de No caso das propostas oriundas do Ministério da
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Educação, durante a implementação do REUNI
Teixeira) após dois anos de problemas com o (Plano de reestruturação das universidades) e a
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em utilização do ENEM como vestibular, a reitoria da
2009, depois de um vazamento das provas, caiu UNIRIO as tratou como se fossem a “salvação da
Reynaldo Fernandes, entrou Joaquim Soares lavoura”, a solução dos problemas do Ensino
Neto, quando em 2010, além de vazamento, Superior público no país, quando na verdade a
houve também erro na confecção dos gabaritos. primeira, em médio prazo, acarretará em
Fui estudante da Universidade Federal do Estado superlotação nas salas de aula, o que, sem
do Rio de Janeiro (UNIRIO) entre março de 2005 dúvida, é péssimo para a qualidade do ensino
e abril de 2010, e pude acompanhar a maior (quem já teve aula numa sala com mais de 100
parte da gestão da professora Malvina bem de alunos pode detalhar mais!). Mesmo
perto. Nesse período passei pelo Diretório considerando o ponto positivo da ampliação de
Acadêmico do meu curso e pelo Diretório Central vagas, sem entrar no mérito se foi eleitoreiro ou
dos Estudantes da instituição e por vezes tive não, o problema da superlotação existe e só o
opiniões divergentes da reitora, como, por governo e as reitorias das Instituições Federais
exemplo, com seu modo de lidar com as de Ensino Superior parecem não ter percebido,
propostas do governo e com demagogia durante defendendo o projeto a ponto de violar princípios

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democráticos em diversos conselhos superiores mesma coisa. E foi isso que a magnífica reitora
universitários. fez. Dessa vez com um molho especial,
estipulando uma data para a conclusão da obra.
O fim do vestibular O início do ano letivo de 2009. Adivinhem: até o

O caso do tão propagado “fim do vestibular”, que fim do mês de abril de 2011, nenhum tijolo havia

na verdade foi substituído pelo ENEM, mostrou sido colocado. Entendo que problemas técnicos

novamente a incoerência da reitoria. Estive no existem, a burocracia existe e mais outras

Conselho que aprovou a proposta dezenas de empecilhos existem. Mas assim

governamental. Presenciei a professora Malvina como eu, à época estudante, entendia, acredito

Tuttman alegar que a medida promoveria a que os que tivessem na gestão da Universidade

democratização do ensino. Durante a minha fala, também entendessem e se privassem de utilizar

fiz questão de repetir o que a reitora havia falado algo que não tinham garantia (e, portanto, uma

e apresentar uma página de jornal, do mesmo mentira) para se eleger.

dia, apontando as escolas com maior média no Passar por esses momentos me faz concluir que

ENEM e quantas eram públicas, o que no mínimo há uma ideologia cega por trás das

simplesmente acaba com a teoria da atual decisões da reitoria e irresponsabilidade na hora

presidente do INEP. Ora, em 2009, das 20 de assumir compromissos com a comunidade

maiores médias do país, apenas duas eram que representa. Essas atitudes sem dúvidas

públicas, e essas duas públicas são os colégios geraram ótimos frutos para a carreira da

de aplicação da Universidade Federal de Viçosa professora Malvina, mas será que trouxe

e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, benefícios também para a sociedade?

que como todos sabem, têm seu acesso através É cogitada pelo INEP nesse momento a criação

de prova. Não precisa ser nenhum gênio pra de um órgão específico para cuidar do ENEM,

perceber que a média de renda da família de tirando assim a bomba das mãos da instituição.

seus estudantes é infinitamente superior as dos Detalhe: essa hipótese foi cogitada no último ano

que estudam em colégios ligados às secretarias pelo ministro Fernando Haddad. Ou seja, a

estaduais e municipais de educação. primeira grande mudança no INEP na gestão


Malvina Tuttman pode ser justamente tirar a
batata quente chamada ENEM de suas mãos, o
Promessa não cumprida
que sem duvida pode ajudar a “limpar” a imagem
Outro caso curioso é o do Restaurante
do órgão junto à sociedade. Segue o ciclo que
Universitário. Promessa de campanha em 2004,
presenciei na UNIRIO: apoio incondicional a
nenhum tijolo foi colocado até 2008, quando
qualquer proposta do governo e esconder os
ocorreram novamente eleições para a reitoria. E
problemas debaixo do pano.
o que se faz com promessa não cumprida? Pode-
Tais mudanças garantem a ascensão individual,
se fazer um balanço honesto, assumir a falha e
mas como sociedade, é esse tipo de mudança
explicar o que aconteceu ou simplesmente seguir
que esperamos?
o manual do demagogo e prometer novamente a

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/ COTIDIANO

ROMA ANTIGA E O RODO COTIDIANO


O que a sociedade moderna guarda em comum às sociedades antigas
Por Albert Vaz

O
entendimento muitas vezes que se faz dos hábitos e costumes de civilizações antigas é de
distanciamento e indiferença por parte de sua abrangência. Mas algumas dessas peculiaridades
desses povos refletem e estão presentes na nossa vida cotidiana, e estamos acostumados a
achar que os homens sempre e em toda parte viveram como nós vivemos hoje, como Pedro Paulo Abreu
Funari já tinha retrato em seu Roma: vida pública e vida privada, no qual temos a interpretação
tendenciosa amparada na compreensão de humanidade na contemporaneidade. É alicerçado nesse
engajamento do que se habituava antigamente a como isso tem a ver um pouco com hoje em dia que
faremos a retrospectiva a Roma Antiga.

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Apesar de alguns pesquisadores atentarem para o fato de que o deslocamento histórico no parâmetro de
épocas distintas ser um equívoco, constata-se um espelhamento sutil de diversos atributos da sociedade
antiga com a sociedade atual, com ponderações e sem uma visão moralizante taxativa. Assim, podemos
visualizar o cotidiano implicado no meio social em Roma Antiga no propósito em questão, principiando na
noção das camadas sociais. Mas tinha classes sociais em Roma? A princípio, esta possibilidade seria
descartada, pois não haveria distinção social por grupos já que essa noção está vinculada à formação da
massa proletária que está relacionada à indústria, o que era impensável para a época. Ao invés de
classes, haveria estamentos que denominavam grupos que seriam juridicamente separados, como os
homens livres e os libertos, que poderiam acumular a mesma riqueza, porém seriam enquadrados em
estatutos jurídicos distintos, com o ultimo não tendo o tratamento de cidadão romano e,
consequentemente, tendo algumas privações, como no caso de concorrer a cargos públicos. O que nos
faz observar que poderia haver uma ascensão social, pois também não se tinha o domínio absoluto das
riquezas. O liberto poderia se tornar uma pessoa enriquecida e ter status de pessoa importante naquela
região em que vive, mas não teria a refinação aristocrata e nem chegaria a ter um titulo de nobreza.

Escalas sociais
Com isso, poderia haver então uma divisão baseada em valores sociais pautados pelos níveis das
fortunas dos indivíduos, que é o que se aplica na prática na Era Contemporânea. Isso quer dizer também
que o tratamento perante o Estado será diferenciado, exemplificado bem no caso dos humildes
(humiliores), a plebe das pessoas insignificantes sem capitais declarados, à menor contravenção eram
açoitados e, ao menor crime, eram sentenciados à morte. Isso se espelha um pouco com o elemento da
massa miserabilizada atual que tem uma imagem estereotipada e ao menor deslize perante a sociedade e
o Estado pode ter uma crucificação moral ou física sem muitas vezes ter um julgamento justo dos fatos
ocorridos. Noutra escala desse plano social estão os decentes (honestiores), compreenderiam os
burgueses de nossos tempos, no qual tinham que ter uma posse mínima de quantia – na base de 5.000
sestércios – valeria uma situação mais assegurada: em caso de atos mais graves, castigos mais leves e
menos infamantes, como confiscação e proscrição. Essa característica poderia ser refletida na classe
média atual, que na maioria das vezes chega a ter o mínimo para usufruir seus bens e quando tem alguma
falta com Estado é referente ao atraso ou calote de tributos e afins que deveram ser corrigidos, senão
poderá “sujar” seu nome perante a lei e assim não poderá gozar dos plenos direitos cívicos, como disputa
por cargos públicos ou manutenção de conta bancária. E acima desses na escala seriam os Ordos, que
compreenderiam a ordem senatorial e que poderiam ter vários segmentos – com uma base que continha
uma quantia acima de 400.000 sestércios – podendo desfrutar dos mais restritos privilégios. Esta
atribuição se assemelha à considerada classe alta da atualidade – a elite, no qual quando está em apuros
diante o Estado, normalmente consegue dar um “jeitinho” de apadrinhamento ou aparato financeiro para a
não execução correta por seu ato falho.

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Isto ajuda a formar uma conjectura social favorável à articulação de artimanhas na política, pelo qual se
entendia que a plebe constituía em elemento a ser cativado e não coagido, evidenciando a presença do
clientelismo. No que denominaria “popular”, que seria o representante do povo comum, pois agradaria em
ações e palavras a massa e o “ótimo”, membro das classes altas e elegíveis para o Senado e procuraria a
aprovação dos bons cidadãos, englobava integrantes da classe alta de reconhecimento na sociedade.
Esta efervescência social necessitava em curto prazo de medidas amenizadoras para manter em equilíbrio
o poder dominador e as determinadas camadas sociais com a implementação da política do “pão e circo”,
que se baseava em medidas imediatistas em proporcionar a maior parcela dos miseráveis da população
alimentação e diversão, como as lutas de gladiadores no Coliseu. Servia para abrandar
momentaneamente a inquietude da massa com relação à fome e a negligência do Estado em acolhê-los
para ter condições mínimas de sobrevivência. Esta ação política caracterizaria hoje o “populismo”, no qual
é fundamentado na relação particular entre o Estado e as classes sociais na incorporação das massas
populares ao processo político, adotando uma atitude agregadora por parte do Estado e podendo ser
alinhada ao clientelismo. Do mesmo modo, a propaganda eleitoral tinha mecanismos aprimorados no
alcance do apoio popular tanto no tratamento de generosidade com a plebe como um instrumento de
divulgação de campanha. Veja o exemplo a seguir:
P(ublium) (P)aquium Proculum duumvirum j(ure) d(icundo) d(ignum) r(ei) p(ublicae) (oro vos faciatis) (CIL
IV 1122)
Tradução aproximada: Voto para Publius magistrado Próculo Paquius responsável pela justiça, pois ele é
digno de gerir os negócios públicos
Isto demonstra a presença de cartazes pintados nas paredes referentes a candidaturas políticas, mas
também podia se referir a manifestações populares sobre qualquer assunto através do grafite e/ou
pichação para divulgar alguma ideia, o que sobrepuja a observar que esses integrantes das camadas
populares tinham algum grau de instrução para poderem se expressar em palavras escritas. O grafite nos
dias contemporâneos é tratado como manifestação cultural ligada ao gueto e as ruas ou simplesmente
como poluição visual urbana.

A questão do trabalho
A questão de trabalho também implica nesse entendimento das classes sociais, pelo qual o trabalho braçal
tinha uma imagem degradante por parte da elite que enaltecia o ócio, porém os próprios trabalhadores
braçais se orgulhavam daquilo e se sentiam dignificados. Tanto é que chegavam a fazer representações
de seus ofícios em “sarcófagos” com a ideia de preservar a memória e a representação do falecido na sua
vida. Além de não ser muito bem visto pelas classes privilegiadas nos dias de hoje, o trabalho braçal da
mesma forma não tem seu devido reconhecimento econômico, tendo na maioria das vezes baixa
renumeração. Pois tal como o trabalho, a moradia era um reflexo das diferenças e privações impostas às
diversas camadas sociais, pois ao povo era designado apartamentos minúsculos em grandes edifícios –
até 6 metros de altura – presentes nas grandes cidades, com risco de desabamentos a incêndios. Essa

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questão se clareia bem com os cortiços existentes na atualidade que consistem em pequenos quartos com
um banheiro coletivo para todos residentes daquela moradia e os riscos vão exatamente a desabamentos,
pela má conservação do imóvel, e aos incêndios, pela instalação precária da rede elétrica ou por motivos
adversos, cujos habitantes desses imóveis são justamente indivíduos das camadas mais carentes, pois
sem condições e recursos de morar em lugar mais agradável devido à especulação imobiliária, ficam
fadados a morarem nesse tipo de lugar. Aos ricos restavam as grandes e sofisticadas moradias,
ostentando luxo e um cômodo que era restrito a muito poucos: banheiro. Já para a maioria da população,
restava usar os banheiros públicos que seriam as latrinas públicas de uso coletivo com jarros individuas
para cada pessoa.
Portanto, verifica-se que problemas sociais concernidos à estruturação e ao planejamento de uma cidade
que afligem as mais diversas camadas de uma sociedade daquele respectivo recinto podem se efetivar em
condições adversas, com variação de tempo histórico, época, lugar e cultura. A questão não é comparar
os problemas, procurando ver quais são maiores e piores de cada um, até por que isso é uma visão
descontextualizada dos componentes, mas de constatar que tal problemática não é exclusividade de um
determinado grupo de pessoas de sua época e que todos estão sujeitos a tais angústias, pois isso está
inserido na questão de humanidade que ao menor ato de desenvolvimento desigual e heterogêneo facilita
a criação de mecanismo de distinção socioeconômica que propícia a conflitos e até mesmo ao caos. E
essa angústia e aflição que nos acomete no dia-a-dia são retratadas um pouco na letra de Marcos Lobato
em Rodo Cotidiano: “amarrotada social; no calor alumínio; nem caneta nem papel; e uma ideia fugia; era o
Rodo Cotidiano”

ACESSE. INFORME-SE.
www.biblioo.info
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/ COTIDIANO
Sobre o acesso ao conhecimento no Brasil
Por Allan Rocha

Difundindo ideias para contribuir com o principalmente daqueles que concluíram seus
desenvolvimento científico cursos e faculdades. É possível constatar, com

O compromisso com a verdade é um discurso um exemplo bem simples, que a digitalização dos

comum entre todos os profissionais da área de TCC’s, dissertações, teses e outros trabalhos

informação e pesquisadores em geral. Mas ainda afins, por bibliotecas digitais, facilitam e

é comum encontrarmos muitas informações sem proporcionam uma pesquisa acadêmica de

procedência e até mesmo equivocadas nos melhor qualidade. Sem contar que evitam um

trabalhos acadêmicos e entre as vastas problema muito comum, provavelmente

ferramentas de recuperação da informação. O enfrentado por acadêmicos das universidades de

google, ferramenta de pesquisa mais utilizada todo o país, que é a perda desses trabalhos

entre as que temos acesso, tem seu valor e é pelas bibliotecas das universidades, sobretudo

imprescindível para auxiliar qualquer que seja a aqueles trabalhos mais antigos (embora os mais

necessidade. Porém, no meio acadêmico, sabe- recentes também padeçam desse problema), por

se que existem bases de dados onde é possível conta de extravios, má conservação, etc. São

encontrar informações mais seguras, mais problemas muito comuns

confiáveis e utilizadas por pesquisadores sérios e enfrentados por bibliotecas de todos os tipos.

respeitados. Entretanto, os acadêmicos em


iniciação científica ainda desconhecem essas Pela democratização do conhecimento
bases e ficam reféns de ferramentas Uma questão de contribuição acadêmica e
como Wikipédia, Yahoo responde e o próprio responsabilidade social, entre outras que estão
Google. intrínsecas, o fato de permitir a digitalização
O acesso à informação científica enfrenta alguns para disseminação gratuita é pertinente e
problemas, ainda muito discutidos e que fundamental para o melhor aproveitamento das
precisam ser melhor trabalhados para se chegar pesquisas. Infelizmente é possível perceber que
a um denominador. Isso por que parece existir nem todos seguem esta linha de raciocínio que
certa relutância entre os pesquisadores em viabilizaria o acesso aos textos. Entre as várias
disseminar as reflexões, descobertas, razões possíveis, o individualismo parece imperar
comprovações e resultados das pesquisas, sobre a problemática. Citando apenas como

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exemplo as revistas da área de Direito e Saúde apresenta também uma problemática que se
são as que mais dificultam o acesso aos seus encontra intrínseca, que é a baixa produção
conteúdos (gratuitamente). Tudo bem que elas cientifica de nosso país. Obviamente só a
têm direito de escolher o que fazem com seus disponibilização dos trabalhos dos pesquisadores
conteúdos e é de se entender, já que vivemos não vai resolver este problema, mas é uma ajuda
numa sociedade capitalista. Pois então vamos que pode proporcionar um incentivo maior para
aos pesquisadores. Se fosse possível colocar em os futuros mentores da produção acadêmica
prática uma conduta ética e de responsabilidade deste País. Conhecer o Estado da Arte é
social, onde a questão mais importante para fundamental para desenvolver uma pesquisa de
todos fosse a simples contribuição para o qualidade. O ineditismo também é importante,
desenvolvimento da comunidade ou da mas é preciso refletir sobre o que já conhecemos
sociedade, e não a pretensão em obter lucro para, de repente, aprimorarmos ainda mais o que
sobre as reflexões e descobertas científicas, já nos é de domínio.
teoricamente o resultado desse processo seria o Além dos trabalhos acadêmicos, os artigos
melhoramento de nossa sociedade como um científicos também são de grande importância
todo. Os exemplos citados são apenas para para o desenvolvimento científico. Existem muitas
figurar uma situação, até porque é possível revistas bem conceituadas que disponibilizam
encontrar muitos textos sobre a área de Saúde, seus conteúdos na web, não existindo razão para
mas a área de Direito é visivelmente mais restrita. não o fazer. Assim, pode-se encontrar um maior
As experiências de cada indivíduo são os numero de citações dos pesquisadores brasileiro.
agentes catalisadores responsáveis pela Outra atitude que pode contribuir para isso é a
formação do caráter destes, somadas a elas, são produção de artigos em outras línguas, como a
as experiências acadêmicas que definem o língua inglês, por exemplo.
profissional. Nosso país carece de produção Portanto, para conseguirmos desenvolver o Brasil
científica. Uma prova disso são os resultados que cientificamente e seus centros de pesquisa, é
podemos encontrar expostos na Coordenação de imprescindível contar com a contribuição dos
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a discentes dos mestrados brasileiros, discentes
CAPES. Quando entramos na página da dos doutorados e demais pesquisadores para
CAPES, ou seja, acessamos o proporcionar o desenvolvimento da produção
portal, procurando conhecer o ranking dos científica no país, facilitando o acesso aos seus
melhores periódicos, fica claro que o Brasil ainda textos, sejam de dissertações, teses ou artigos. O
deve muito para ser um país mais respeitado importante é encaminhar, direcionar os novos
em termos científicos. A WebQualis é onde pesquisadores para um caminho mais assertivo
podemos conhecer os periódicos científicos mais na pesquisa cientifica.
bem conceituados e infelizmente são poucos os
periódicos brasileiros com conceito A1, ou seja,
conceito máximo para um periódico. Este quadro
mostra-nos o quanto precisamos melhorar;
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/ CONECTADO
Cinema, filosofia e tecnologia
Por Conceição Gomes

O cinema e a teoria social de George importantes, mas, talvez não seriam controláveis
Simmel: O diálogo com Walter Benjamin para o modo de pensamento científico do século

George Simmel se coloca como um pensador XIX. A interação e a intersubjetividade incluída na

que antecipou a questão da tecnologia e da obra deste pensador está fundamentada na ideia

tecnicidade como ponto fecundo para a de movimento que revela o fragmento, a

modernidade, sobretudo porque erigiu em toda a pluralidade e a imprevisibilidade. João Carlos

sua obra uma teoria da cultura. Para tanto, ao Tedesco afirma que “[…] por isso

investigar o fenômeno tecnológico, utilizou-se de seu panteísmo estético como episteme, no qual

percepções pioneiras, tais como o ceticismo à se entende que cada ponto, cada fragmento

ideologia do progresso, à alienação, ao superficial e fugaz é passível de significado

cientificismo, ao historicismo, como as formas de estético absoluto, de compreender o sentido total,

reificação. Simmel conjugou as análises os traços significativos, do fragmento à

filosóficas e sociológicas aos problemas totalidade”.

tecnológicos, pois reconheceu a tecnologia como A valorização destes aspectos aproxima Simmel

parte integrante da cultura moderna. Para José de Walter Benjamin. Talvez por este último ter

Luís Garcia “é certo que pode ser objetado que sido aluno de Simmel, foi um dos que

Simmel não dedicou um estudo particular à proporcionou a Benjamin o contato com uma

questão da tecnologia, mas os desenvolvimentos episteme organizada em torno de metáforas.

e as implicações da ciência e da tecnicidade Assim, tanto para um, quanto para outro, a

moderna têm uma presença importante em alienação tem profunda relação com a cultura.

muitos dos seus trabalhos centrais, na medida Memória e Modernidade possuem em comum o

em que a compreendeu como parte integrante e fato da redução de valores tradicionais e a

característica da cultura moderna que se geração de descontinuidades recorrentes,

expande para esfera da religião e da arte, da vida resultando nestes autores a noção de tempo

urbana e da economia”. perdido e nostalgia que aparece, particularmente,

Simmel é considerado um pensador em Simmel, quando este estuda a Metrópole e a

interdisciplinar, sobretudo porque adentrou por Monetarização interferindo na vida mental, nos

temas que eram considerados fluidos e não modos de existir do homem moderno. Como bem

passíveis de aprofundamentos, por vários constata João Carlos Tedesco “[...] os problemas

pensadores da época, não porque não eram mais graves da vida moderna derivam da

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reivindicação que faz o indivíduo de preservar a Sabemos, portanto, que não se pode dizer que
autonomia e a individualidade de sua existência não haja interferências, seja de indivíduos,
em face das esmagadoras forças sociais da instituições, seja de corporações na obra de
herança histórica da cultura externa e da técnica qualquer autor. Este, por sua vez, é parte
da vida”. integrante da engrenagem social e sua produção
artística é atravessada pela maquínica
George Simmel, Walter Benjamin e a capitalística ou do poder. Afinal, o cinema como
alienação cultural partícipe da indústria cultural, sempre esteve
Com mais de cem anos de existência o cinema é intimamente relacionado com a cultura de
um dos artefatos culturais que disseminam, massas. Walter Benjamin no ensaio A obra de
simultaneamente, subjetividades hegemônicas e arte na era de sua reprodutibilidade
de resistência. Não podemos nos referir a ele técnica lembra que “no interior de grandes
como elemento artístico, puramente, pois está períodos históricos, a forma de percepção das
condicionado aos interesses da indústria do coletividades humanas se transforma ao mesmo
entretenimento que controla e operacionaliza tempo que seu modo de existência”. O que há de
toda a cadeia produtiva dos elementos e etapas fato é a possibilidade de expressão do cinema
da produção cinematográfica. O filme é uma como arte, nas diversas fases históricas
criação da coletividade e para a coletividade. Sua existentes, em conjunturas diversas no tempo e
reprodutibilidade técnica está no espaço. Esta possibilidade de expressão não
relacionada/subordinada à própria produção. se realiza sem disputas, consensos e dissensos.
Esta autoriza a difusão em massa para que o Trata-se, então, de colocar em discussão as
produto possa chegar às massas e seja passível subjetividades expostas pelo cinema cujo alcance
economicamente de ser consumido. Porém, faz- perpassa décadas e países. Tanto como tentativa
se necessário apontar as diversas experiências de criação autoral como coletiva, a obra
conhecidas como “cinema de autor”, “cinema cinematográfica, o produto final que é o filme traz
autoral”. São aquelas em que o diretor/roteirista em todas as etapas de criação modos de
e/ou diretor e roteirista expressam suas ideias a subjetivação. Rejeitando a noção de
partir do uso de linguagens que experienciam subjetividade como sinonímia de identidade e
novos rumos estéticos e que não estão, personalidade, apresentadas de forma dualística
necessariamente, a serviço dos produtores e (exterior versus interior) carregada pela ideia de
distribuidores que lucram com este mercado; ou, verdade, a subjetividade pode ser pensada como
até mesmo, em adesão a governos e às formações provisórias de sentidos que se
subjetividades em movimento que surgem das misturam em infindáveis arranjos. Leila Machado
relações de poder. concebe os modos de subjetivação como
históricos, todavia esta relação é de
O cinema como partícipe da indústria processualidade. Para esta autora “os modos de
cultural subjetivação referem-se à própria força das
transformações, ao devir, o intempestivo, aos
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processos de dissolução das formas dadas e Esta perspectiva redimensiona o conceito de
cristalizadas, uma espécie de movimento poder, deslocando-o de um lugar central, de
‘instituinte’ que, ao se instituir, ao configurar um uma persona detentora do mais absoluto
território, assumiria uma dada forma- designo. Ele torna-se um exercício, uma relação
subjetividade”. afastada de qualquer polarização, pois se trata
O que é desvelado nesta passagem é o antigo de usos e práticas. Desse modo ocupamos tanto
modo de se pensar a vida de forma polarizada, as práticas de dominação quanto de resistências,
binária, maniqueísta e que escolhe um dos todas anônimas e movediças. Nossa época
extremos para coroá-lo com a verdade. A noção engendra expressões que constituí aquilo que
de subjetividade, assim entendida, põe em chamamos indivíduo, individualidade, homem,
reclusão as subjetividades sob o prisma da mulher, criança, família. Quando acreditamos
esfera privada, do auto-conhecimento nestas categorizações, estamos, nada mais do
(interioridade), do intimismo característico dos que, enxergando através das lentes de uma
discursos burgueses. época, assim como faz o cinema através da
Para pensar esta trama é preciso compreender narrativa das estórias contadas pela imagem.
que nós, as instituições, o sistema econômico
somos formas que geram, criam sentidos Fahrenheit 451
específicos para todas as redes de relação em A obra Fahrenheit 451de Ray Bradbury,
todos os âmbitos da existência. Nossas publicada em 1953, período que converge com o
nomeações, filiações, gostos, desejos, rejeições auge do Macartismo, foi de início uma produção
e aprovações passam por esta rede de que se voltou para a crítica daquilo que o autor
significações que são alteradas pelo jogo de entendia por uma sociedade desfuncionalizada,
forças existentes no meio social. cuja característica principal era o individualismo e

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ausência de vida criativa. Escrito e dirigido por parte da dinâmica do poder que se apresenta
François Truffautt em 1966, o filme homônimo à como totalitário. Este exercício do poder gera a
obra nos apresenta o caráter de vazio das melancolia vista em todos os personagens do
existências que não passam mais pelo filme, com exceção de Clarice, cuja disposição e
aprendizado a partir da experiência. A proibição a dinamismo contagia completamente o bombeiro
qualquer forma de leitura foi uma crítica Montag. A incapacidade de narrar suas próprias
contundente a televisão na década de 1960. experiências é fruto da interferência da
Naquele momento, acreditava-se no predomínio transformação do mundo pela tecnologia que o
de um suporte sobre o outro e o fascínio que capitalismo conformou em diversas fases
causava a difusão da imagem em detrimento da históricas. Para ir de encontro à solidão e a
leitura. Sabe-se, hoje, que os suportes podem melancolia, os habitantes que resistiram ao modo
coexistir, inclusive, para estimular e divulgar de vida da maioria, resolverão, através da leitura,
obras literárias. O filme de Truffaut apresenta incorporar as narrativas dos romances, que para
uma atmosfera em que os indivíduos, esvaziados eles eram mais significativos, a tal ponto de cada
de sentido para sua relação com a vida e com o indivíduo representar uma obra e incorporá-la
mundo, são suscetíveis a aprendizados como seu próprio “eu”.
mecânicos e desprovidos de criação e interação. A discussão em torno da tecnologia no filme,
A atrofia da experiência, entendida por Benjamin ancorada na teoria social de Simmel contribui
como a capacidade de narrar a vida através da para que compreendamos que os aparatos
memória constituída por uma narrativa coletiva e tecnológicos são permeados pelas relações de
social, vista em Fahrenheit 451, simbolizada pela poder subjacentes nas correlações de forças que
metáfora do fogo que destrói livros, aí está a compõem a sociedade. Simmel percebeu que era
função da memória que é anulada em importante introduzir a dimensão metafísica,
substituição da presentificação que fragmenta as psicológica e cultural junto às análises do
relações sociais e afetivas mais profundas. O Materialismo Histórico.
esvaziamento do indivíduo e da sociedade faz

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/ DIÁLOGOS
José Adolfo Snajdauf e Maria Alice Ciocca
O que experiências de profissões tão díspares, como são os
casos da Biblioteconomia e da Astronomia, podem trocar
Por Chico de Paula

RIO - Inteligente e proativa, Maria Alice Ciocca de Oliveira é uma daquelas profissionais que provoca
orgulho entre seus pares. Tendo defendido recentemente sua dissertação de mestrado em museologia, a
bibliotecária do Observatório do Valongo – OV (Instituto do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
– CCMN – da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) destaca sua preocupação com a questão
da memória das ciências: “hoje a gente tá tendo a oportunidade de olhar para trás e querer recuperar,
reconstruir, ou melhor, até construir essa memória”. Não obstante, José Adolfo Snajdauf de Campos,
astrônomo e professor do OV, cativa por sua disposição intelectual. Instigado a falar sobre a história das
ciências, professor Adolfo, como normalmente é tratado, não poupa conhecimento e discorre longamente
sobre informações dignas de um historiador perspicaz. “Não é que a pessoa vá virar historiador de ciência,

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mas pelos menos que demonstre uma certa sensibilidade com essa questão”, ressalta. Cercados por
raridades bibliográficas (a conversa foi gravada na Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da
UFRJ), os dois pesquisadores falam neste Diálogos sobre as afinidades profissionais que lhes
impulsionaram a uma parceria que tem rendido frutos a ambos.

Chico de Paula – Eu gostaria que vocês aproximou muito, eu e ao professor Adolfo.


começassem se apresentando. Falando um Fazendo essa pesquisa, obviamente gerou uma
pouco do histórico de trabalho de vocês, mesmo dissertação e agora gerando a tese de doutorado
que brevemente. Se vocês pudessem fazer do professor. Eu no aspecto da coleção e ele no
isso... aspecto, que ele vai falar mais, no ensino da
Maria Alice C. de Oliveira – Eu sou bibliotecária Astronomia, né? Que nos aproximou muito mais.
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Da Com isso nos aproximamos. Fizemos a pesquisa
unidade do Observatório do Valongo. Trabalho em conjunto. Certo? O que foi maravilhoso, não
na Universidade há dezessete anos. Terminei só na pesquisa, mas no próprio trabalho dentro
recentemente o mestrado. Sou mestre hoje em do Observatório.
Museologia e Patrimônio. Basicamente isso que J. A. S. C. – Bom! Eu sou professor José Adolfo
faço... Trabalho... Trabalho na Universidade... de Campos. Eu trabalho no Observatório do
José Adolfo S. de Campos – Que você teve Valongo como professor há quase quarenta
interesse pelo patrimônio do Observatório anos. Entrei como aluno em 1967. Eu poderia
despertado. estar aposentado...
M.A.C.O– É! Falando no aspecto do que foi C. P. – Anos de chumbo no Brasil.
desenvolvido no mestrado. Tive o interesse em J. A. S. C. – O que me move, atualmente, é essa
trabalhar com a memória da instituição. Este parte histórica. Sempre me interessou dentro do
tema que no momento nos liga. Eu e ao Observatório, por que eu vivi, pelo longo tempo
professor Adolfo. Ainda que a gente tenha que estou no Observatório... Eu vivi a história
trabalhado há bastante tempo. Eu fiz dezessete recente do Observatório. E muito vivamente
anos. De uma maneira bem próxima, sempre. Na podendo dizer assim. E eu sempre tive um
própria biblioteca eu tenho a participação interesse muito grande, junto com outro colega
bastante próxima dele e de alguns outros que não está aqui que é o Rundsthen
profissionais... (coordenador de extensão do OV), que partiu do
C. P. – Você poderia falar do tema que liga nada e que sempre teve o interesse pela questão
vocês... histórica. E ai surgiu a oportunidade, de alguns
M. A. C. O – É, eu vou falar do tema. Mas no anos pra cá, de eu fazer um doutorado na área
momento o tema que foi abordado na minha de História das Ciências, aqui no HCTE
dissertação foi dos objetos de ciência e (Programa de Pós-graduação em História das
tecnologia do Observatório. Do próprio Ciências e Epistemologia da COPPE/UFRJ), o
Observatório do Valongo... Da coleção, é que nos que juntou a fome com a vontade de comer. Eu
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sempre tive vontade de explorar mais essa trabalhar com a memória... Quer dizer, já tem um
questão de dados, levantamento do imenso tempo pra cá, no próprio Observatório, como o
material histórico que a gente tem e que nos uniu professor falou... Antes eu tinha essa intenção –
aqui em termos de pesquisa. A Alice, porque ela sempre tive, né? – de reunir as informações que
também tinha interesse. Depois até... apareciam. Que iam aparecendo dentro do
Inicialmente o seu interesse era pela história, Observatório. E a gente ia reunindo, e com isso a
depois é que surgiu a oportunidade dela fazer um biblioteca acabou ficando como um local um
mestrado, que fez brilhantemente. Defendeu pouco de referência. Todo material que era
agora. E nós, ao longo da pesquisa dela e da encontrado, ou por mim ou por qualquer outra
minha, nos ajudamos mutuamente, indo ao pessoa dentro do Observatório, acabava sendo
Arquivo Nacional, a biblioteca aqui de Obras direcionado pra biblioteca. Tipo um papel velho,
Raras (do Centro de Tecnologia da UFRJ), ao em fim, é alguma coisa que não tá tendo muito
museu da escola de Engenharia, ao protocolo (do utilidade, mas que se vislumbra alguma
Centro de Tecnologia da UFRJ). Nós tivemos de oportunidade daquilo posteriormente ser
trabalhar ajudando um ao outro recolhendo trabalhado como memória...
material. E temos um projeto de extensão. Que já C. P. – Que é um antigo dilema da biblioteca...
está no segundo ano agora. Foi aprovado. De M. A. C. O – É, mas que acabou sendo
digitalização da documentação histórica do direcionado para lá. Hoje a gente tem uma
Observatório. É muito importante pra preservação quantidade enorme [risos] de material. E a gente
da história, pras gerações futuras. Agora até li no fica meio que sem saber exatamente como vai
O Globo, como gancho, que o Museu Nacional trabalhar com esse material. Agora mesmo,
está preocupado, e houve uma sugestão, acho esses dias o professor tava falando que a gente
que dos professores, pra digitalizar o acervo, no precisa sentar de novo, conversar sobre o início
sentido de perenizar essa informação. Um pouco dos nossos projetos...
tarde. Mas, nesses órgãos públicos, só depois C. P. – Tecnicamente esse material não está
que pega fogo é que o pessoal se lembra. trabalhado? Catalogado, classificado...
C. P. – Coisa de Brasil, né? M. A. C. O – Muito pouquinho.
M. A. C. O – Da Universidade? J. A. S. C. – Começou a ser catalogado, por que
J. A. S. C. – Da Universidade e de uma maneira tem um aluno de extensão, que está trabalhando
em geral. A Biblioteca Nacional, acho que tem na digitalização. Esse processo foi feito assim,
uma parte. O Museu nacional, a informação eu com uma classificação grosseira, pelo menos
acho que está no jornal de hoje (edição do jornal inicialmente, para que ele fosse arquivado no
O Globo do dia 04/04) ou de ontem, cerca de computador. Mas essa classificação diz um
30% [trinta por cento] do acervo digitalizado, o pouco com as eras do Observatório. Mas a gente
que não é uma verdade, mas... [risos]. Duvido precisa refinar um pouco. Por que a própria
que eles tenham aquele acervo gigantesco... classificação ao longo do trabalho de
M. A. C. O – Assim, o trabalho que a gente vem digitalização foi se mostrando não eficiente em
desenvolvendo, que surgiu essa oportunidade de algumas áreas e obrigou a abertura de novas
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classificações, digamos assim. De novos M. A. C. O – Mas eu sou da UFF, quer dizer, a
campos. Mas a gente... É um trabalho que a Alice minha formação é bibliotecária documentalista,
vai desenvolver mais agora que, terminada agora então a gente tem uma visão na nossa formação,
a parte dela de dissertação do mestrado, que já mesmo para o aspecto mais amplo do
certamente é a da gente botar o material na tratamento da informação, não só do
Minerva [base de dados da UFRJ]... E então um bibliográfico, mas também de todo o tipo de
acesso mais amplo... documento. Se considerar todo o tipo de
M. A. C. O – Esse trabalho que a gente documento.
desenvolveu, ofereceu duas oportunidades pra C. P. – Que não seja necessariamente o material
trabalhar com a Minerva: foram os próprios clássico, né? O livro, o periódico, e sim a
objetos, que a gente trabalha com o material documentação de uma forma geral.
tridimensional. Eu acho que é a única unidade M.A.C.O – Mas é o documento de uma forma
que tem material tridimensional incluído na base. muito mais larga, muito mais abrangente. Como
Ainda que tenha que ser feitos alguns acertos. realmente portador de informação. E ai você
Que eu conversei até com o pessoal nessa última pode extrair essas informações que no final elas
reunião que a gente teve sexta-feira, pra de completam. Como eu trabalhei na dissertação,
oportunidade da gente criar uma base de dados você tem o objeto, mas o bibliográfico e o
específica para material tridimensional, e a partir documento no arquivo, eles se complementam.
daí se colocar pras outras unidades, em fim, Os três documentos juntos te trazem toda aquela
quem tem esse material, colocar então de uma informação, que um só não traria. Um só te traria
forma correta e não dá forma como tá, pois a só uma visão especifica. O bibliográfico ele traz
gente ta trabalhando com uma planilha de uma visão interpretativa daquilo que você está
material bibliográfico e não de objeto, de maneira tratando, porque é escrito em cima de alguma
dimensional. Da mesma matéria, esse material coisa. O do arquivo é uma informação muitas
que nós temos hoje, que é de arquivo, que tem vezes seca, ela é muito árida, que não te dá
que ter esse olhar, o tratamento do material tem oportunidade às vezes de você ter algo mais
que ter esse olhar de arquivo, quer dizer, agente complementando. E o objeto que é realmente um
vai ter que preparar uma planilha para isso, para documento é, vamos dizer assim, um documento
que a gente possa colocar adequada a essa em excelência, porque ele não pode ser alterado,
documentação. Também está oferecendo a ele é o que ele é. E ali você, obviamente, tem
oportunidade da gente trabalhar realmente dentro que ir junto com os outros documentos extrair
dessa área que é a área da documentação, que aquilo que é a oportunidade que ele tem.
ai expande. Que a biblioteca acaba expandindo e C. P. – Em que momento o interesse de se
eu como... Você acho que é da UNIRIO cruzou? Da pesquisa? Vocês se conheciam lá do
[Universidade Federal do Estado do Rio de Observatório mesmo? O professor dando aula e
Janeiro], né? você trabalhando como bibliotecária e em
C. P. – Isso! determinado momento o interesse de pesquisa
de você se cruzou, né?. Como é que foi isso?
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M. A. C. O. – Desde o início. de... Minha tese de doutorado é sobre o
J. A. S. C. – É, desde o início. Não tem assim Observatório, sobre o ensino de astronomia e a
uma data especifica. É que foi aglutinando assim minha preocupação grande é tentar passar o
os interesses. Ela tinha interesse, tinha esse máximo possível desse conhecimento. E alguma
material que foi surgindo, digamos assim, que coisa é subjetiva que a gente tem e é um
havia uma parte, havia os livros que eu acho que conhecimento tácito em alguns casos, é uma
foi o pontapé mais inicial da curiosidade, os livros lembrança vaga de memória que às vezes vai
da Escola Politécnica [da UFRJ]. sendo juntada com os documentos. Por que isso
M. A .C. O – Eu acho que assim, a gente vai se perder. Ou seja, a gente já perdeu muita
percebeu que existia uma oportunidade de coisa sobre a história recente do observatório por
desenvolvimento, mas como eu falei antes, nós que o diretor, professor Machado [Luiz Eduardo
fomos reunindo o material. Então, eu encontrava da Silva Machado, diretor do OV de 1967 a
alguma coisa, a gente levava. Ai alguém disse 1990], figura importante dentro do processo,
olha ali tem um, sei lá, tem um grupo de fundamental no processo, diria eu, ele faleceu e
documentos que a gente não sabe o que que é. nós tivemos outras pessoas que, como o
Normalmente eu e o Rud [Rundsthen] até íamos professor [do OV] Silio Vaz e tal, pessoas que
lá, olhávamos, mas depois professor Adolfo fizeram parte da história e que não tiveram
achou uma pessoa que é uma memória viva lá oportunidade da gente ter um depoimento ou
dentro do Observatório [risos]. É a memória viva, alguma coisa para reunir um pouco da
é verdade, é uma pessoa mais antiga. informação que eles vivenciaram, quer dizer,
J. A. S. C. – Isso é um elogio? [risos] coisas que não estão realmente escritas, mas
M. A. C. O – Não, é claro que é um elogio. É uma que eles viveram e são fatos assim que agente
pessoa jovem, uma pessoa jovem. Não estou coleta numa espécie de livro banco.
falando nesse aspecto de idade, é uma pessoa C. P. – Eu fico imaginando a importância da
jovem. Mas, no entanto, é a pessoa que carrega sistematização desse trabalho. Por que as
hoje a memória do Observatório. Então, qualquer pessoas vão passando, né? E a memória
material que eu encontre, eu levo para ele. consequentemente vai se perdendo. Se você não
“Professor, isso daqui é o que?”. É a pessoa que sistematiza esse trabalho, se você não agrupa as
vai dizer: “isso foi dessa época, foi fulano”. Até o bibliografias ou outros materiais que indiquem a
que não está ali ele tem a capacidade de memória das determinadas instituições, isso
relembrar e reunir aquilo com outras coisas que fatalmente acaba se perdendo ao longo da
hoje nós não temos, não tem links, mas na história.
cabeça dele tem. J. A. S. C. – É... Eu queria fazer... Render aqui
J. A. S. C. – É uma coisa que é da memória da uma homenagem a professora Eloisa Boechat
pessoa, que vai se perdendo. Por que a gente... [Heloísa Maria Boechat Roberty, diretora do OV
Algumas coisas eu mesmo não tinha lembranças de 1996 a 2002] que foi nossa diretora, ativa
e quando aparece o documento e ele diz “ah, ainda pesquisadora, mas que ela teve a
mas isso é assim”. E eu tenho uma preocupação sensibilidade de fazer projetos no CNPq para
21
recuperação da memória instrumental. E foi o inicio do século 21 que realmente começou essa
ponto de partida. Agora nós estamos, preocupação. Agora... É algo que você vê
particularmente nós dois e Rud [Rundsthen], também fora do Brasil. Não existia tanto
numa questão da memória documental, porque a preocupação... Existia obviamente o material que
memória instrumental, muita coisa se perdeu é um material muito antigo que formou toda a
infelizmente, por descuido ou não valorização, historia dos instrumentos, isso tem. Isso a gente
coisa que eu acho mesmo em termo de Brasil. Só vai encontrar em vários locais mesmo, numa
nas últimas duas décadas as pessoas salvaguarda, enfim. O nosso não tinha, a gente
começaram a dar valor a historia das instituições, ainda não têm nem legislação para isso, certo?
aos seus instrumentos. Coisa que antes era Mas é um processo natural mesmo, que era
abandonado, jogado fora. Muitos foram empurrado, colocado mesmo nos corredores e
roubados. Dilaptado o patrimônio. A gente dali virava uma sucata comum. Hoje nós temos...
mesmo não tinha essa consciência. Eu faço A gente passa por ai e vê quantos computadores
até mea culpa hoje em dia por que se eu tivesse jogados por ai que posteriormente, ou então até
conhecimento que eu tenho atualmente eu teria outros instrumentos que a gente não está dando
preservado certas coisas, teria tido uma certa mesmo a importância, por que muda a técnica. A
preocupação maior do que tive. Mas então, a tecnologia muda, quer dizer, aquilo que você
professora Eloisa deu o pontapé inicial para a usava e a forma como usava e ainda pior, por
recuperação dos instrumentos, os primeiros que está muito mais rápido do que era antes,
telescópios mais antigos, depois culminando com então as coisas vão se perder. Nossa memória
esse projeto com o convênio com o MAST hoje está tendo outro tipo de preocupação. Você
[Museu de Astronomia e Ciências Afins]. Nosso hoje quase que retira daquele montante um para
diretor e professor Silva continuou nessa linha e que você pense na memória perdida. Por que
graças a isso já saiu um catalogo que a gente hoje a gente está correndo atrás da memória.
está trabalhando em cima e que é extremamente Quer dizer, você tira da sua gaveta, o Rundsthen
importante, eu acho. mesmo, a gente têm hoje alguns instrumentos
M. A. C. O – Esse processo da memória é um que estavam dentro de gavetas, dentro de
processo que realmente é isso que o professor armários. Por que ou de uma maneira afetiva ou
falou. As pessoas perdiam mesmo ou não davam por que trabalhei ou por que eu vejo ali que
importância, um processo natural. Por que hoje a aquilo é testemunha de um processo científico e
gente está tendo a oportunidade de olhar para então eu vou guardar aquilo. Eu nem sei por que,
trás e querer recuperar, reconstruir, ou melhor, mas eu vou guardar. E ai num determinado
até construir essa memória. Então é algo que momento surgiu a oportunidade de se colocar
está acontecendo e não é só aqui. Nós estamos aquilo em exposição e ter alguém que vai
tendo a preocupação, não digo do documental, trabalhar aquele material.
mas sim do instrumental, né? Nós temos essa C. P. – Eu fico imaginando a contribuição que a
preocupação. O Brasil tem essa preocupação descoberta desses materiais trouxe para as
mesmo. Hoje está nascendo, de dois e... Do novas gerações que estão começando a
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enveredar por esse campo de trabalho, que peça, uma peça de uma coleção, não tem mais o
nesse caso é a astronomia... O material da uso do que deveria para o que foi criado, mas
astronomia. E também para os pesquisadores. que carrega todo esse símbolo bacana que é a
Então é uma contribuição realmente concreta. identidade dessa instituição.
M. A. C. O. – Sim, concreta. E mais, ela trabalha C. P. – Esse seu empenho se alinha ao empenho
com a estima do profissional. Por que eu acho dessas pessoas, né?
que hoje quando, agora a pouco tempo agente M. A. C. O. – Isso. Se alinha ao empenho dessas
teve a semana de astronomia, e o professor foi pessoas. Professor pode falar mais desse
convidado para fazer uma palestra sobre a esforço do professor Machado.
origem do Observatório. Hoje existe um orgulho J. A. S. C. – É, o professor Machado apesar de
de você falar sobre a origem do Observatório. não ter sido do curso, ele está ligado ao curso de
C. P. – As pessoas desconhecem, né? Astronomia, que foi fundado em 1958, e a gente
M. A. C. O. – Todo mundo quer falar da origem comemorou há alguns anos atrás, inclusive teve
do Observatório [risos]. Então você vê como isso um livro dos 50 anos do curso de Astronomia. Ele
mexe na estima do profissional. Quer dizer, você não foi o fundador, mas ele foi uma figura
quer ser do Valongo. Conhecer a historia do fundamental, porque os fundadores foram o
Valongo é importante. Saber que ele foi fundado professor Alércio Moreira Gomes e Mário Ferreira
e aonde ele foi fundado e o processo. E é Dias, que saem do Observatório Nacional para
importante. Quando eu fui descobrindo na minha fundar o curso na então Faculdade Nacional de
dissertação, quando eu fui vendo a importância Filosofia, mas logo em seguida sai o professor
do professor Machado, que eu falo em dois Machado também do Observatório Nacional. E
momentos. Eu falo da Escola Politécnica do Rio ele foi uma figura fundamental no sentido de que
de Janeiro, que é um determinado momento. ele era, digamos assim, acabou sendo gerente,
Depois o Observatório ele é transferido na um entusiasta, um tocador do curso, por que os
década de 1920 para o morro da Conceição, na outros dois: um era pesquisador, e se afastou
chácara do Valongo, onde hoje ele está. Daí o logo para fazer observações, quer dizer não era
nome que ele recebe posteriormente: uma pessoa ligada administrativamente, e o outro
Observatório do Valongo. Antes era Observatório era uma pessoa que colaborou, mas
de Astronomia da Escola Politécnica. E ai nesse marginalmente. O professor Machado foi quem
período do curso, que é a tese do professor pegou o touro a unha junto com Eremildo Viana
Adolfo, a gente vê o esforço do professor [ex-presidente da Comissão de Astronomia da
Machado de fazer ciência. Acho que o professor Faculdade Nacional de Filosofia de 1958 a 1959]
Adolfo pode falar até com mais propriedade. E é e que realmente entusiasmou e conseguiu levar
bonito você ver isso. Quer dizer, eu trabalho um grupo de alunos inexperientes, da qual eu
nessa instituição, certo? Essa coleção que está fazia parte, a construir uma estrutura solida.
diante de mim fez parte disso e ver tudo aquilo Apesar das tempestades que enfrentou pelo
que foi construído, que foi trabalhado, as caminho, ele teve a característica de ser um
pesquisas que foram feitas e está ali. Hoje é uma elemento motivador, um entusiasta da
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Astronomia e isso foi fundamental no sentido de nesse ponto. Quem trabalha na biblioteca não
forjar um grupo de alunos, agora mais diluído um está preso só as coisas que estão sendo feitas
pouco, por que começou a vir gente de outros, ali, mas também a pessoa que está dando aula
mas o grupo inicial que tocou o Observatório era presa somente à aquilo. Dá a oportunidade de
todo formado pelo próprio curso de Astronomia. você construir outras possibilidades de trabalho.
Então houve um orgulho do próprio grupo da C. P. – O fazer diário, certo?
construção da estrutura do curso. E o M. A. C. O. – Exatamente. Que proporcionou
Observatório foi realmente um apêndice essa possibilidade da gente fazer, além dá
fundamental na manutenção do curso de proximidade... Da afinidade.
Astronomia, que sofreu muitos problemas ao J. A. S. C. – É por que o Observatório é um
longo do tempo. pequeno recanto, não é um órgão dentro de uma
C. P. – À medida que vocês vão falando eu vou estrutura grande como aqui no Fundão [cidade
percebendo a contribuição que a pesquisa de universitária da UFRJ que fica em uma ilha na
vocês teve com relação às duas áreas, tanto à Baia de Guanabara], cuja arquitetura é inóspita.
Biblioteconomia quanto à Astronomia. Num Quer dizer, não favorece a proximidade das
sentido mais social, por causa da memória, e pessoas. As pessoas chegam no Fundão e
outro num sentido mais técnico, também quando acaba a aula querem sair daqui o mais
mostrando para esses novos profissionais como rapidamente possível para ver se conseguem
se trabalhava no passado. Como é que vocês vencer o engarrafamento ali, dependendo do
veem essa jogada, digamos assim, que essas horário [risos]. Mas, basicamente, as pessoas
duas áreas tiveram no desenrolar da pesquisa de esperam que com novos planos se torne um
vocês? ambiente mais aconchegante. O Observatório por
M. A. C. O. – Trabalhar na biblioteca do ser pequeno e uma área muito agradável
Observatório tem essa oportunidade. É um local fisicamente, bonita, com árvores, pássaros,
pequeno. Nós não temos muitos alunos e é um favorece as pessoas a sentarem, a conversarem
local prazeroso. O Observatório é um lugar muito entre si. É mais aconchegante. E da conversa
bom de você trabalhar até no aspecto da nasce a luz. Nasce a oportunidade de pesquisa,
paisagem que ele tem, no local onde ele está. E interesse. Mesmo quem não tem interesse
isso propicia uma proximidade entre algumas especifico por história às vezes se manifesta por
pessoas, obviamente, isso é natural que algumas que quer saber a história da instituição. É uma
pessoas se aproximem mais e outras menos. A coisa mais recente. Está em desenvolvimento
biblioteca, ela, por conta disso, tem também essa ainda. A gente pode dizer que não é um
possibilidade de trazer, não só do próprio ambiente... A ideia não atingiu a todo mundo de
professor ou do aluno, mas também de uma maneira igual, mas têm pessoas que têm se
parceria assim, de uma conversa que a gente mostrado mais sensíveis e pelo desconhecimento
senta e conversa, não só de coisas do mesmo, que a gente está tendo oportunidade de
Observatório, mas outras coisas que dá a fazer alguma artigo e outras coisas, até para a
oportunidade de fazer a parceria, de chegar até Universidade. A Universidade não conhece esse
24
meio. Esse plano das memórias ai é uma coisa... talvez tenha sido feita. Mas o importante para o
Os livros de memória da Universidade é uma bibliotecário é entender que a parceria com o
coisa relativamente recente e diria ai um tanto profissional da área que ele está trabalhando é
quanto incipiente que a própria estrutura aqui da fundamental. Se ele não tiver, se ele trabalhar
BOR [Biblioteca de Obras Raras do CT/UFRJ] sozinho ele não vai atingir, ele não vai conseguir
também deve sentir até pelo número de pessoas chegar, por que nós não dominamos. O certo é
que procura. E tem um acervo riquíssimo. Isso que nós não dominamos. Nós dominamos
em outros países seria uma coisa preciosíssima e técnicas de trabalho da informação. Eu não sou
a gente até nem dá valor a isso. da Astronomia. Não domino a área de
C. P. – Sobre essa questão do reconhecimento, Astronomia, com certeza, até hoje, 17 anos
talvez seja uma coisa que a Biblioteconomia trabalhando no Observatório e eu hoje não
compartilhe com a Astronomia também no Brasil. domino. Eu tenho a humildade de chegar para
Sempre na busca de um maior reconhecimento, um professor e dizer “É isto aqui? Dessa forma o
de um maior respeito pelo fazer mesmo, pela aluno tem condições de recuperar a informação?
prática diária. Que é uma coisa que a gente tem Professor Adolfo, como é que é formada a
mais ou menos em comum. instituição? Em que momento?” Inúmeras vezes,
M. A. C. O. – Uma coisa que eu queria, como quantas vezes for necessárias. Mas eu não
bibliotecária, falar da minha experiência nesses trabalho sozinha. É uma área que não se
anos todos trabalhando como bibliotecária, não trabalha só. A gente precisa sempre do auxílio do
só no Observatório, mas que eu vejo que a profissional da área que a gente está
parceria realmente com o profissional... Por que trabalhando.
na profissão nós trabalhamos... Hoje eu estou na C. P. – E isso faz valer o aspecto interdisciplinar
Astronomia, amanhã eu posso estar na da profissão de bibliotecário mesmo.
Engenharia. Eu já trabalhei com Medicina. Eu já M. A. C. O. – Isso é a profissão de bibliotecário!
trabalhei com Educação. Eu já trabalhei com J. A. S. C. – Mas também tem outro aspecto:
comércio Exterior. Então eu já caminhei em assim como o bibliotecário precisa do
vários aspectos, em vários campos e o profissional, o profissional precisa do bibliotecário
fundamental, eu vejo que é a parceria com o para entender certas coisas. Precisa do auxílio
profissional que a gente trabalha. Isso é do bibliotecário. Você pode dominar a Astronomia
fundamental. Por que hoje o trabalho que está em alguma área, mas a gente não domina essa
sendo desenvolvido entre eu e o professor área de classificação, de arquivologia, enfim, tem
Adolfo, entre o Rundsthen, entre outras pessoas muitas coisas que agente precisa contar... As
envolvidas na memória e até despertando outras duas partes têm que colaborar. Hoje em dia...
pessoas que a gente nem imaginaria que algum Não é só nessa área, mas nas ciências mesmo,
dia a pessoa teria realmente interesse para essa falando em termos quase científicos, a
área e, no entanto, está surgindo o interesse. colaboração é o mote da vez. Antigamente os
Acredito que não é só o nosso incentivo, mas é o artigos – você pode ver – de uma pessoa só. A
momento que proporciona alguma coisa que pessoa escrevia sozinha. Hoje em dia trabalho
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solitário é uma coisa raríssima em revistas. vida profissional inteira eu estimulei nas outras
Geralmente têm três ou quatro pessoas pessoas, que foi pesquisar para que as pessoas
trabalhando ou auxiliando, mesmo sendo em pudessem utilizar aquilo nas suas pesquisas. Eu
termos disciplinar ou não, mesmo na área de tive a oportunidade de exercer isso, me utilizar de
Astronomia. É muito raro as pessoas dizerem outras pessoas que fizeram pesquisa, trazendo a
hoje em dia “esse é meu trabalho, só meu!”. Não pesquisa para mim, eu do lado de cá, e me
se faz isso. Hoje se troca experiências. O que é utilizar também daquilo tudo que eu aprendi, o
fundamental por que são visões complementares, que facilitou enormemente, e a gente sabe disso.
que eu acho que no caso de história ou de A nossa dupla foi producente por conta que ele
qualquer outra, as visões complementares são tinha um conhecimento muito grande da área,
importantes para dar a visão do todo, que eu não teria condições de fazer a pesquisa
globalização. sem ele do meu lado, com certeza. Por que o fato
C. P. – Quais outros aspectos vocês poderiam de ele conseguir chegar no documento, mas não
ressaltar na questão do trabalho que vocês conseguir identificar no documento algumas
fizeram em conjunto, até para animar os futuros coisas, isso era absolutamente natural. Como ver
profissionais de ambas as áreas a se motivarem coisas, porque eu quando a gente fazia
mesmo, a se engajar... Não ver como, tanto a pesquisas na Biblioteca Nacional, eu não
Biblioteconomia, como a Astronomia, como fotografava só o material que era o que a gente
aquela coisa distante, fora da realidade, mas uma tava procurando, normalmente me chamava
coisa concreta do fazer diário, como um atenção coisas de livros, de compra de livros, na
profissional mesmo? própria biblioteca aqui, na biblioteca de Obras
M.A.C.O – Bom, acho que eu já até falei um Raras, eu dizia: “olha, isso aqui compro para,
pouco antes dessa parceria fundamental. O naquela época, a Escola Politécnica”. E fotografei
aspecto principal que eu gostaria, assim, eu várias: compras, notas de compras de livros que
como profissional, experiente já, que eu gostaria devem estar aqui ainda hoje, né? E isso por quê?
muito de passar isso para as pessoas mesmo. Por que eu tinha como bibliotecária uma visão
Primeiro que ser bibliotecário para mim... Não me voltada, mais sensível para aquilo. E outras
vejo fazendo outra coisa, por mais que eu pense coisas às vezes eu não tinha, e, no entanto,
o que eu gostaria de fazer, eu descubro que eu levava até ele ou ele mesmo no fazer dele lá,
seria de novo bibliotecária. Por que é a chamava atenção para aquilo. Então é realmente
oportunidade que você tem disso: de hoje a oportunidade de juntar as duas coisas. O
trabalhar numa área, amanhã estar trabalhando profissional pesquisador que tem mais
em outra área, e obviamente, ser movida por conhecimento, que agente sabe que o cientista é
essa curiosidade que tem que ser parte do perfil pesquisador também, muitas vezes até muitos
do bibliotecário. Não pode deixar de ter. Então mais do que a gente na área dele. Mas ter a
hoje eu me vejo de uma forma... Me sinto de uma oportunidade de juntar essas duas coisas. Foi
forma muito realizada com a oportunidade de ter maravilhoso! Eu acho que é o que tem que fazer.
sido pesquisadora. Porque eu exerci aquilo que a O bibliotecário tem que sair da sua técnica e ser
26
pesquisador. Se utilizar da oportunidade que ele uma certa visão fluida do historiador e em
tem, mais do que qualquer outro em propriedade compensação o cientista também se olhar para a
na profissão para exercer. natureza ele não consegue fazer... Ele pesquisa
J. A. S. C. – Mas eu acho que é uma das coisas muito bem, mas na hora de florear um pouco
importantes para que dê certo essa parceria é pavão, ele fica com dificuldade para fazer. Então
que haja entusiasmo no que se faz. A pessoa são visões complementares, mas que são meio
fazer a pesquisa só por fazer, quer dizer, sem um opostas e as pessoas das duas áreas veem essa
mínimo de motivação não chega a bom tema. É área de interseção, que é a historia da ciência de
preciso que a gente tenha um entusiasmo, uma uma maneira negativa. O cientista diz: “ah isso
curiosidade pelo que está fazendo. E isso pode ai... quem faz historia da ciência está fazendo
parecer normal em termos de pesquisador na historinha, conto de fadas, tal”. E o pessoal da
área de ciência, mas na área de história é historia diz: “ah, isso ai não tem nenhum valor, o
preciso. É engraçado... Até quero chamar pessoal cientista não sabe escrever historia, não
atenção para um aspecto que é mais ou menos conhece a historia”. Então o pessoal que trabalha
complementar: história das ciências tem uma na interface é bombardeado pelos dois lados. E
dicotomia, alias é um problema até de isso é em termos, você não se encaixa. Basta
abordagem, por que são duas visões que se ver, se você entrar na revista... No Capes, o
chocam. A visão do historiador é um tanto quanto sistema Qualis. Você não tem historia da ciência
política, sem preocupação demasiada com as lá para escolher. Você tem ou história, periódicos
minúcias dos fatos. Ele procura às vezes fazer de historia ou periódicos da ciência, no caso,
interpretações, eu não estou generalizando Astronomia em geral. Não tem periódico. Tá tudo
muito, mas é em linhas gerais, sem preocupação meio perdido como interdisciplinar. É uma coisa
com pequenos detalhes. Ele procura ver às assim vaga que mistura psicologia. É complicado.
vezes o global e tal. Tem uma grande capacidade E a gente... Quem é pesquisador da área
de normalmente descrever coisas que... Encher interdisciplinar sofre por que quando ele vai pedir
páginas e páginas com pouca informação, ou um recurso, o pessoal da historia diz assim: “ah,
seja, com duas ou três informações você escreve isso aqui não é história”. Ai você vai para a área
um artigo de dez páginas. O cientista, até pela de ciências: “ah, isso aqui não é área de ciência,
natureza, porque geralmente os artigos isso é historinha”. Então você é bombardeado
científicos são curtos e objetivos, então ele pelos dois lados.
costuma ser muito seco na sua maneira de C. P. – Frankenstein Científico [risos].
escrever: “fulano, referencia tal, mediu, deu tanto, J. A. S. C. – Mais ou menos. Tá havendo uma
por que deu tanto, fez isso, fez aquilo”. Os artigos melhora e eu acho que aqui em termo de Brasil o
normalmente científicos são extremamente HCTE foi um ganho e acho que está se
compactos, cheios de referências, mas consolidando visto que o número de candidatos
compactos, minuciosos por que se a referencia aqui a cada ano está 40, 50... E é uma área
não for exata, o pessoal da comunidade não muito ampla, tem abordagens diversas, mas eu
deixa ele sobreviver muito tempo, né? Então, tem acho que eu tenho que fazer uma referência ao
27
professor Filgueiras [Carlos Alberto Lombardi M. A. C. O. – É verdade. A gente tem hoje... Até
Filgueiras, professor aposentado da pós HCTE), vislumbra alguns alunos que já se interessam por
que ele foi um pioneiro aqui no Brasil, por que ele isso.
é um pesquisador, no sentido clássico de J. A. S. C. – Embora ainda sem muita
química, com trabalhos publicados na área propaganda.
específica, de valor e foi ele um dos que deu a C. P. – Durante toda a conversa, a contribuição
partida na questão de historia. É historiador, no que a gente percebe é inestimável. Sobretudo
sentido de história da ciência que ele tem para essa questão da valorização da ciência, a
trabalho. E ele enfrentou muitas dificuldades questão da valorização da memória, e até o fato
para... Uma pena que ele tenha de aposentado. de vocês estarem dando esse depoimento já é
M. A. C. O. – Professor, em relação ao pessoal mais um passo no sentido dessa questão da
do Observatório, agente sente uma mudança, na valorização da memória mesmo. E foi realmente
maneira de verem isso hoje... muito bom. Não estou nem no tom de despedida.
J. A. S. C. – Eu acho que algumas pessoas Vocês fiquem a vontade para falar, mas para
mudaram. Havia a visão que eu estou dizendo encerrar o nosso diálogo aqui, no nosso
de: “ah, vamos fazer historia, mas não é um entendimento, foi bastante proveitoso.
cientista, então o cara não sabe nada, então tá M. A. C. O. – Para a gente também. A
querendo fazer uma historinha para boi dormir”. oportunidade...
Tá num processo que eu diria letamente, mas J. A. S. C. – Estamos começando e a gente
está valorizando. O próprio fato da gente ter espera que a revista de vocês seja o primeiro
comemorado 50 do curso com a publicação de número de uma série infinita. E é importante para
um livro... valorização de todas as áreas, a
M. A. C. O. – A própria coleção, né? Biblioteconomia... As bibliotecas estão passando
J. A. S. C. – A coleção que é um investimento por um processo de transição muito grande, que
que a gente já tem de vários anos que começou eu não sei onde vai dar, não sou especialista da
com a Eloisa da recuperação dos instrumentos. área, mas certamente que o papel está sendo
O livro também que tá muito bonito. substituído pelo digital e o digital a gente no
C. P. – Material que tá agora compondo alguns momento não está tento um preocupação de
acervos. preservar a documentação digital, que é um
J. A. S. C. – Lentamente a gente está negócio complicado.
implantando uma certa cultura e têm pessoas M. A. C. O. – Engraçada. A base da memória é a
que têm demonstrado... Se aproximado, digamos nostalgia. O fato da gente sentir a nostalgia e
assim. Têm demonstrado interesse. Eu acho que buscar isso é isso! Em qualquer momento é isso,
é uma... Não é que a pessoa vá virar historiador acho que a gente sofre já. O bibliotecário, quer
de ciência, mas pelos menos que demonstre uma dizer, eu, sou bibliotecária do papel. Eu quando
certa sensibilidade com essa questão. Coisas estudei eu já estudei com computador, não era o
que antes algumas pessoas eram profundamente PC, né? Era um computador de grande porte, de
insensíveis. perfurar. Portran. Isso foi quando eu estudei na
28
UFF. Não sou tão velha assim [risos], mas as tinha que optar em escrever no computador. E eu
coisas caminharam de uma maneira... fiz toda a minha dissertação, absolutamente toda
J. A. S. C. – Muito rapidamente [risos]. ela, sem imprimir, eu só imprimi no final e mandei
M. A. C. O. – E hoje, quer dizer, a menos de dez tudo. Não imprimia. Ficava olhando ali na tela o
anos a gente trabalhava com PC, eu me lembro tempo inteiro lendo, consertando, fazendo
disso, tem a internet ai para mostrar isso para a versões, tudo... Eu me surpreendi com isso, por
gente e hoje minha filha já não quer mais um PC, que eu achei que eu não teria essa capacidade
agora ela quer aquele... de fazer isso. É claro que algumas coisas iam
Chico de Paula – Ipad, né? para o papel e tudo, mas, no entanto, eu mudei,
M.A.C.O – Tablet. Ela está querendo. E eu eu me senti na obrigação de fazer isso, não tinha
também, obviamente. Não é só ela [risos]. Minha outra opção, e mudei completamente, fiz toda a
coluna agradece, né? Por que agora eu não dissertação. Então, ler hoje... Você ter a
preciso mais do laptop ou netbook, enfim. Por oportunidade de ter num negocinho que é dessa
que com certeza, nós bibliotecários, os antigos finurinha, menos do que o livro, mais leve do que
estamos com uma nostalgia do papel. o livro, e você ter uma biblioteca ali.
Principalmente agora com o ipad e o tablete, por J. A. S. C. – É, exatamente, mas isso impõe a
que agente realmente agora eu acho que está modificações radicais no modo de pensar na
percebendo a possibilidade de você substituir um própria biblioteca. O bibliotecário também tem
pouco mais o livro. Por que antes, com o monitor que ter uma visão diferente. Ainda existe, eu não
e tudo, a coisa ficava um pouco longe, eu acho, sei se é por função da época do papel, existe
mas com isso... uma dificuldade da gente quando faz pesquisa
J. A. S. C. – É muito desagradável ler qualquer bibliografia, a gente encontra é que os museus,
coisa no monitor, eu sou da geração que prefiro arquivos, têm um resistência, que eu bato nesse
ler no papel... tema, uma resistência a digitalização que é
M.A.C.O – Sim, mas eu também. Mas uma coisa gigantesca. Impõe dificuldade para a gente
muito interessante que aconteceu comigo com a manusear o livro, ou o documento. O documento
dissertação foi que eu tinha uma dificuldade não pode ser manuseado, não pode ser
muito grande em escrever no computador. Ainda fotografado, não pode ser escaneado, não é
que eu não goste de escrever, mas eu tinha uma digitalizado...
dificuldade muito grande de iniciar o meu M. A. C. O. – Não pode ser olhado... [risos]
pensamento no computador. E ai eu iniciava no J. A. S. C. – É, não pode ser olhado... Ele vai
papel. Fazia nos meus bloquinhos lá, e aquilo eu desaparecer por mais que agente tenha... Pelo
revirava, revirava, não sei quanto vezes. Ai menos que fique a memória dessa documento na
quando dava o embrião, ai o embrião ia para lá ai forma digital, por que as pessoas falam: “ah, mas
a coisa deslanchava. Num dado momento, eu é microfilme”. Mas microfilme já está
não tinha mais como fazer aquilo, por que não desaparecendo. Já ninguém mais faz microfilme.
dava, eu não podia está carregando aquela É arcaico. Ai a pessoa diz: “ah, mais no meio
quantidade de papel para lá para cá, então eu digital some”. Sim o CD some, mas ele é
29
reprodutível. É aquele negócio, você pode ter em falando como pesquisador, não estou falando
10 milhões de lugares o arquivo da UFRJ, por como bibliotecária. Nós queremos um
exemplo. E ai vai sumir numa e está lá no determinado assunto, mas você não tem como
computador que vai passando de pai para filho, entrar na minha cabeça. Olha a importância que
novas gerações, vai gravando em novos meios, tem do bibliotecário ser pesquisador, de entender
cada vez mais existem novos tipo. Segurança, o que vai na cabeça do pesquisador. Por que
né? Deus que me livre, mas se acontece um fogo muitas vezes você quer impedir: “ah, olha aqui,
aqui acabou. Isso daí não se estendeu para eu tenho mais não quero, por que vai destruir,
historia, com alguma muita sorte que o prédio da você vai mexer, a tua mão está engordurada,
Reitoria [da UFRJ], a capela, não pegou fogo no você vai respirar em cima”. Mas de alguma
arquivo. forma... O que importa é passar a informação.
M.A.C.O – Não pegou fogo, mas caiu água, Então você tem que pensar nisso: se você não
professor. E a gente não sabe o que é pior, se é pode manusear livro, não pode manusear o
a água e o fogo. documento, então você tem que arrumar uma
J. A. S. C. – É, não, mas parece que foi só nos maneira de disponibilizar. De alguma forma! Você
arquivos administrativos e são recuperáveis, mas vai ter que achar uma maneira, nem que seja
não são tão antigos. Óbvio que se cair água de transcrever, copiar, enfim, de falar mais ou
repente num desses que tão aqui, isso é um menos o que tem ali, para a pessoa ver mais ou
problema. Você precisa de um treinamento para menos se tem necessidade ou não de ver esse
não jogar água aqui, se não agente salva o que? documento.
Não salva. J. A. S. C. – É, por que se não a informação
M. A. C. O. – Dentro do projeto de pesquisa que morre, morre com o papel que não é eterno, por
nós fizemos, dos locais que nós andamos, alguns mais que você faça a conservação é o destino
muitos acessíveis, outros nada acessíveis, acabar. Daqui a mais cinquenta ou cem anos, e
outros, depois de muita conversa, acessíveis. infelizmente a maioria dos nossos arquivos não
Mas assim há que se dizer que foi muito louvável tem assim um padrão de conservação
o trabalho que nós fizemos com o Arquivo maravilhoso, mas vai acabar mesmo com
Nacional. Maravilhoso! As pessoas, a qualquer padrão, vai acabar. Mesmo o Arquivo
disponibilidade. Professor Adolfo fotografou uma Nacional que tem desinfecção, eu já peguei
quantidade enorme de... A historia do arquivo que está rendilhado. De traça. A gente
Observatório. Se não fosse isso teria sido mal consegue ver algumas palavras ali,
impossível fazer a minha dissertação e acho que praticamente está guardado, mas já era. Aquela
grande parte da nossa pesquisa. Então tem que informação morreu.
se deixar registrado que o trabalho deles é M. A. C. O. – Na Museologia, uma das teorias, é
maravilho. O trabalho do pessoal aqui da BOR a teoria de uso que você deve usar algo que, traz
também, maravilhoso. A possibilidade que a um determinado debate entre eles, por que eles
gente tem de andar pelo acervo, por que muitas questionam se você não deveria colocar
vezes nós ralamos o que queremos. Eu estou determinadas peças para uso, porque o uso ele
30
conversa, ele preserva e então é o caso do livro C. P. – Muito interessante. Ressalto mais uma
também. O livro quando não é usado muitas vez que seria um papo para horas de conversa,
vezes quando vai ser usado não tem mais mas por conta de toda limitação de qualquer
condições. mídia, infelizmente, a gente tem que encerar,
J. A. S. C. – É, por que bem ou mal é arejado. De mas agradeço muito a colaboração.
repente tem uma traça que quando usado você J. A. S. C. – Nós que agradecemos, com certeza.
pode até detectar. M. A. C. O. – Agradeço muito a oportunidade de
M. A. C. O. – Sem pensar no teor intelectual do nos chamar e de nós participarmos do primeiro
livro que é repassado e chega ao ciclo final da número. Estou muito orgulhosa por vocês e
ciência da informação, na questão bibliográfica, também lisonjeada.
que é o conhecimento, gerar conhecimento,
novamente. O ciclo informacional é gerar
conhecimento...

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31
/ NA ÍNTEGRA

Isaura Lima Maciel Soares


A presidente do CRB7 fala da atuação do
órgão face às novas determinações legais
advindas da Lei nº 12.244/2010

Por Chico de Paula

RIO - Isaura Lima Maciel Soares, presidente do Fazenda no Estado do Rio de Janeiro,
Conselho Regional de Biblioteconomia da Sétima desenvolvendo trabalhos técnicos nas áreas de
Região (CRB 7) fala, nesta entrevista, da atuação pesquisa, catalogação e classificação. No
do órgão face às novas determinações legais Ministério da Fazenda ocupei o cargo de Chefe
advindas da Lei nº 12.244/10, a qual dispõe Substituta do Setor de Documentação do
sobre a universalização das bibliotecas escolares Ministério da Fazenda.
no Brasil. Trabalhei em vários projetos em instituições
Chico de Paula – Fale um pouco de sua públicas como Arquivo Público do Estado do Rio
trajetória profissional e seu envolvimento com a de Janeiro – Biblioteca, Assembleia Legislativa
biblioteconomia. do Estado do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional,
Isaura Lima Maciel Soares – Estudei na Arquivo Jurídico da Vale do Rio Doce e
Federação das Escolas Federais Isoladas do instituições privadas como escritórios de
Estado da Guanabara (FEFIEG) transformada em advocacia e na organização de acervos
1969 para Federação das Escolas Federais particulares.
Isoladas do Estado do Rio de Janeiro (FEFIERJ) Obras elaboradas em parceria: “Obras raras
e modificada em 1979 em Universidade do Rio existentes na BMF-RJ”, publicação editada pelo
de Janeiro (UNIRIO). Os dois primeiros anos da IBGE, e “Delegacias do Ministério da Fazenda e
faculdade foram nos porões da Biblioteca seus delegados” editada pela BMF/RJ, e a
Nacional, local onde hoje é o Auditório Machado atualização do livro “Terceira Idade”, obra editada
de Assis. No último ano, quando me formei, o e publicada pelo governo do estado do Rio de
Curso de Biblioteconomia ocupava uma casa na Janeiro.
Rua Washington Luis, local provisório para a sua No Conselho Regional de Biblioteconomia –
instalação definitiva no prédio da UNIRIO. CRB-7 na 14ª Gestão, ocupei o cargo de 1ª
Em 1973 me formei, e como profissional trabalhei secretária da Diretoria (2006-2009). Na atual, 15ª
por 23 anos na Biblioteca do Ministério da Gestão (2009-2011), assumi como vice-

32
presidente, permanecendo até maio de 2009. CFB/CRBs a constituir parceria com a CAPES,
Atualmente sou a presidente do CRB-7. por meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB),
C. P. – Como a senhora avalia a Lei 12.244/10 para a oferta de curso de bacharelado em
que dispõe sobre a universalização das Biblioteconomia na modalidade a distância que
bibliotecas escolares? será ofertado pelas universidades públicas,
I. L. M. S. – A Lei 12.244 surgiu de um projeto federais e municipais que já possuam curso na
elaborado pelo Sistema CFB/CRBs de modalidade presencial.
implantação de uma rede de informação A proposta foi entregue a CAPES/UAB e aguarda
dinâmica e eficaz, visando promover maior sua aprovação, prevista para ainda este ano.
qualidade no ensino público. Dirigido a duas Este é outro fator positivo, a abertura de mais
vertentes, a sociedade em geral, focando na cursos de formação de bibliotecários qualificados
formação do cidadão e ao bibliotecário como para inserir no mercado de trabalho que vem
facilitador da informação. crescendo e necessitando de profissionais da
Projeto Mobilizador que foi enviado e aprovado informação.
pelo Congresso Nacional (Projeto de Lei n. C. P. – Com base em sua experiência, como a
1.831/2003), seguiu para o Senado passando a senhora enxerga o panorama da biblioteca
ser o Projeto de Lei da Câmara n. 324 (PLC escolar no Brasil?
n.324/2009). I. L. M. S. – O Programa Mobilizador Biblioteca
Em 2010 foi sancionada a Lei 12.244, que em Escolar favorece a construção de redes de
seu artigo terceiro determina que “os sistemas de disseminação da informação no ensino público. A
ensino do País deverão desenvolver esforços proposta visa melhorar a qualidade do ensino no
progressivos, para que as escolas brasileiras Brasil.
num período de dez anos tenham uma biblioteca Estimula o aprendizado e a criatividade. Através
com um título para cada aluno matriculado, da biblioteca escolar o professor incentiva o
respeitada a profissão de bibliotecário”. gosto pela leitura, pois o aluno adquire desde
A implantação de bibliotecas escolares demanda pequeno o hábito de ler.
de contratação de bibliotecários para organizar, Favorece também a pesquisa escolar e ao
gerenciar e dinamizar a biblioteca escolar. A Lei trabalho intelectual que proporciona ao educando
12.244/2010 determinou a contratação de 175 mil meios para melhor desempenhar seus papéis
bibliotecários, até 2020, aumentando as vagas sociais.
para bibliotecários em todo o país. Na hora do conto o aluno pode criar e interagir
A minha avaliação é positiva no que se refere ao com o professor.
campo de trabalho do bibliotecário, mas com a Biblioteca escolar assume papel importante como
implantação da Lei o número de profissionais não complemento ao exposto na sala de aula na
será suficiente para ocupar tantas vagas. consolidação do conhecimento, apoiando a
Surgiu a necessidade de formar um maior seleção e produção do material didático.
contingente de bibliotecário no país, sem abrir C. P. – De que forma o profissional bibliotecário
mão da qualidade. Isto motivou o Sistema pode contribuir para a efetivação dessa lei?
33
I. L. M. S. – O bibliotecário pode sensibilizar os As fiscalizações preventivas, nesses casos, têm
parceiros e autoridades para que abracem a ideia um caráter mais pedagógico que punitivo, já que
da biblioteca escolar mostrando a sua visa à conscientização do empregador da
importância na formação da criança, que será um importância da biblioteca e, da necessidade e
futuro cidadão com capacidade para melhor exigência do profissional habilitado para exercer
desempenhar um papel na sociedade. a função de acordo com as leis vigentes.
C. P. – De que forma o CRB7 irá trabalhar para C. P. – Fique a vontade para fazer as
fiscalizar a aplicação dessa nova lei? considerações finais.
I. L. M. S. – Através de fiscalizações preventivas I. L. M. S. – A Biblioteconomia, profissão que
e rotineiras o CRB-7 detectará e acompanhará se escolhi, faz parte da minha vida até hoje. No
a Lei nº 12.244/2010 está realmente sendo início da minha carreira me identifiquei com a
aplicada. área técnica com a indexação, com a pesquisa
Há necessidade também que mais cursos de legislativa e jurisprudencial.
Biblioteconomia sejam criados e também seja Hoje como presidente do CRB-7 estou
aprovado o ensino à distância, para que trabalhando para dar cada vez mais visibilidade a
possamos viabilizar a formação de bibliotecários nossa profissão na mídia e melhor informação do
em número ideal para suprir as demandas mercado de trabalho e da sociedade em geral,
existentes. sobre o papel técnico e social do Bibliotecário.
Mostrar que a biblioteca escolar é parte da escola A minha meta é aproximar o Conselho dos
onde reúne o conhecimento e disponibiliza-o para profissionais e atendê-los, cada vez melhor.
que haja uma integração com o planejamento
escolar, possibilitando o acesso dos alunos,
professores e comunidade.

ACESSE. INFORME-SE.
www.biblioo.info 34
/ NA ÍNTEGRA
JONATHAS
CARVALHO
“Reconhecimento da
biblioteca escolar
não perpassa
simplesmente por leis”
Por Chico de Paula

RIO e JUAZEIRO, CE - O bibliotecário e comunitária, alfabetização desde a infância até a


professor do curso de Biblioteconomia da terceira idade, bem como a implantação e
Universidade Federal do Ceará (Campus Cariri), desenvolvimento de atividades em bibliotecas,
Jonathas Carvalho, há alguns anos trabalhando o entre outros; acadêmicas: desenvolvimento de
tema das bibliotecas escolares, fala, nesta textos científicos ou não para eventos e políticas:
entrevista, sobre a lei de universalização das envolvimento com o CA e o Movimento
bibliotecas escolares (Lei nº 12.244/10), cujo Estudantil.
conteúdo tem suscitado intenso debate. Na verdade, esse meu envolvimento com
Chico de Paula: Fale um pouco de sua trajetória questões sociais e políticas já se dava desde o
acadêmica e seu envolvimento com a biblioteca final da década de 1990, antes da minha entrada
escolar. na Universidade. A minha caminhada acadêmica
Jonathas Carvalho: Ingressei no curso de ampliou esse meu envolvimento com atividades
graduação em Biblioteconomia da Universidade sociais e políticas. Dentro dessa ampliação,
Federal do Ceará, Fortaleza em 2003. Minha verifiquei um olhar cauto para a biblioteca
trajetória acadêmica foi baseada pelo escolar. Percebi que a biblioteca escolar poderia
envolvimento com atividades sociais: projetos em se configurar em um amplo instrumento de
comunidades carentes referentes a educação estímulo a educação e as atividades culturais,
35
mas, infelizmente, essa potencialidade educativa exercer uma pressão nas gestões públicas,
e cultural não era contemplada na prática, o que especialmente municipais e estaduais para o
me insuflou de forma ainda mais efetiva a me desenvolvimento de políticas públicas
envolver com a biblioteca escolar. envolvendo a biblioteca escolar.
Meu envolvimento tornou-se ainda mais efetivo A campanha teve efetiva atuação nos anos de
no final de 2005 quando resolvi criar e 2006 e 2007, mas por falta de apoio institucional,
desenvolver uma campanha para valorização da foi perdendo força. Porém, a ideia não parou por
biblioteca escolar intitulada: CAMPANHA CADA aí. Em 2009, assumi como professor efetivo da
ESCOLA UMA BIBLIOTECA E CADA Universidade Federal Campus Cariri em Juazeiro
BIBLITOECA UM BIBLIOTECÁRIO. do Norte-CE e institucionalizei a proposta a partir
A ideia inicial era alavancar atividades sociais no de um Programa de Extensão intitulado: Modelo
espaço da biblioteca escolar em escolas públicas de Biblioteca Escolar, dando continuidade à
da cidade de Fortaleza. Eu entendia que uma proposição de um novo olhar para a biblioteca
transformação do cenário da biblioteca escolar escolar, tanto por parte da Biblioteconomia, como
seria possível a partir da mobilização da política da sociedade e, principalmente, das autoridades
da classe biblioteconômica, uma vez que é a políticas: Federal, Estadual e Municipal.
área notadamente capaz de gerenciar este Paralelo as atividades sociais e políticas da
ambiente. Assim por meio de uma campanha biblioteca escolar e da Biblioteconomia, tenho
continuada, tanto a Biblioteconomia mostra sua desenvolvido produções no setor de
força política e sua potencialidade profissional no epistemologia da Biblioteconomia e da Ciência da
contexto sócio-educacional, como a biblioteca Informação (livro, artigos, projetos e textos não-
escolar poderia, finalmente, deixar de exercer um científicos), como forma de entender os
papel de coadjuvante para ser protagonista no pressupostos teóricos da área, visando encontrar
ambiente escolar. procedimentos para aplicabilidades. Também
A campanha era basicamente definida em duas tenho atuado enfaticamente no contexto da
etapas que se alternavam em caráter pesquisa em Biblioteconomia e Ciência da
concomitante: a primeira era referente a uma Informação a partir da ministração de diversas
ampla divulgação para a sociedade por meio de disciplinas, como Metodologia da Pesquisa em
folders, cartazes, entrevistas em rádio, jornal e Biblioteconomia e Ciência da Informação
televisão e a segunda era a escolha de uma Metodologia do Trabalho Científico, Pesquisa
escola pública municipal e outra escola pública Bibliográfica, Normalização, Pesquisa
estadual para mostrar o que realmente deve ser Documentária, Projetos para estudos de
concebido como biblioteca escolar. Esta etapa foi comunidades e usuários, entre outras e de
denominada de Modelo de Biblioteca Escolar. A cursos sobre pesquisa, metodologia e ciência.
importância de priorizar o público devia-se a dois C. P. – Como você avalia a lei 12.244/10 que
fatores: o primeiro reside no fato de que o público dispõe sobre a universalização das bibliotecas
comumente é visto como desprezado e deficitário escolares?
e o segundo é que o olhar público tende a
36
J. C. – A lei 12.244/10 soa como um discurso Enfatizo a questão da demora para aprovação da
institucional de mudança, pois se configura Lei, pois não é a primeira vez que vai ao
precisamente na possibilidade de transformações Congresso para ser aprovada. A prova disso
que a biblioteca escolar precisa para mostrar sua reside no fato de que em setembro de 2000, a
potencialidade. Um ponto muito interessante é deputada federal do PT do Rio Grande do Sul,
que a lei, em seu artigo Art. 3o respeita a Esther Grossi, tentou promover a aprovação do
funcionalidade do bibliotecário, o que exige de Projeto de Lei no 3.549/00 que dispunha sobre a
forma ainda mais intensa a participação da universalização das bibliotecas escolares. Mas a
Biblioteconomia na consolidação dessa lei. Lei foi arquivada em 31 de janeiro de 2003.
Porém, precisamos reconhecer duas coisas: a Isso prova que o problema relativo às mudanças
primeira é que essa lei só poderá ser passível de teóricas e práticas da biblioteca escolar são
reconhecimento se houver, ao longo desses políticos e não simplesmente conteudísticos e
anos, uma profunda mobilização da classe propositivos, o que demanda uma mobilização
biblioteconômica mostrando a importância da política continuada para a concretização da
biblioteca escolar. Do contrário, essa lei se Lei 12.244/10.
consolidará como a “intramitável” cultura política C. P. – Com base em sua experiência, como
do país de elaborar leis com um discurso você enxerga o panorama da biblioteca escolar
esteticamente bem construído, mas sem uma no Brasil?
contemplação prática. J. C. – Enxergo o panorama da biblioteca escolar
Falo isso em virtude de saber quão atrasado é o no Brasil em uma perspectiva historicista: no
Brasil no que tange a valorização de seus primeiro plano, temos uma história da biblioteca
instrumentos de educação, onde a biblioteca escolar no Brasil que desde os seus primórdios
escolar está incluída. A prova disso é que em foi valorizada a partir das instituições religiosas e,
países considerados subdesenvolvidos as por sua vez, acessível a um pequeno número de
experiências com bibliotecas, públicas e pessoas. Temos também a composição de um
escolares, têm sido muito exitosas auxiliando na espaço qualquer com livros de qualquer natureza
resolução de problemas, como o analfabetismo, e chamamos de biblioteca escolar.
tráfico de drogas, estímulo a criação e a Ainda é comum ver, inclusive na Biblioteconomia,
pesquisa, etc. Esses exemplos são muito mais o ideário de que biblioteca escolar se resume a
visíveis na Venezuela e na Colômbia, por uma estrutura física qualquer com uma
exemplo, do que no Brasil. quantidade determinada ou não de livros. Essa
Por isso, fico com o argumento do senador concepção histórica de biblioteca escolar apenas
Cristovam Buarque sobre esta Lei quando disse como espaço de livros, distribuídos de forma
que “Este projeto só tem dois defeitos: demorou aleatória, sem uma política e um gerenciamento
tantas décadas para ser aprovado e estabelece bem definidos, assim como as inúmeras
um prazo longo para sua execução. Os sistemas comparações e contiguidades de nomenclaturas
de ensino poderiam reduzir de dez para cinco a biblioteca escolar, tais como sala de leitura,
anos o prazo de instalação das bibliotecas”. centro de multimeios, etc. é que promovem uma
37
noção desqualificada de biblioteca escolar exitosa do panorama da biblioteca escolar no
estabelecendo a atual configuração do panorama Brasil.
da biblioteca escolar brasileira, sem C. P. – De que forma o profissional bibliotecário
generalizações. pode contribuir para a efetivação dessa lei?
Vejo em um segundo plano que há a J. C. – Eu penso que a participação do
necessidade de uma reformulação no que se bibliotecário na efetivação dessa lei não se dará
refere ao pensamento semântico e aplicativo da apenas como contribuição individual, mas sim
biblioteca escolar. Para transformar a biblioteca como uma contribuição de classe. O argumento
escolar, inicialmente, é preciso modificar a de Zita Catarina Prates de Oliveira, em 1983
identidade de seu discurso. O artigo 2o da Lei de (para ver como o nosso atraso em termos de
universalização das bibliotecas escolares é feliz atuação política da Biblioteconomia, assim como
quando afirma que “para os fins desta Lei, das deficiências da biblioteca escolar não são
considera-se biblioteca escolar a coleção de recentes) de que dois fatores são essenciais para
livros, materiais videográficos e documentos uma mobilização política da Biblioteconomia na
registrados em qualquer suporte destinados a sociedade: consciência de classe e senso de
consulta, pesquisa, estudo ou leitura”. progressão.
Porém, mais do que a mudança de um discurso Assim, é fundamental a união do Conselho
semântico faz-se necessário a mudança da ação Federal de Biblioteconomia com os Conselhos
de informação (ação organizacional, gerencial Regionais e ainda com as Associações e os
social, cultural, política e educacional) da Sindicatos bibliotecários visando auxiliar na
biblioteca escolar. efetivação da Lei por meio de eventos,
Comungo o pensamento de Briquet de Lemos capacitações dos bibliotecários, mobilizações,
quando afirma que “nem toda coleção de livros é audiências políticas, proposição de uma política
uma biblioteca, do mesmo modo que nem toda para biblioteca.
biblioteca é apenas uma coleção de livros. Para Enfim, se a Biblioteconomia aprender a cobrar
haver uma biblioteca, no sentido de instituição como classe consciente, é provável que muitos
social, é preciso que haja três pré-requisitos: a bibliotecários individual e coletivamente
intencionalidade política e social, o acervo e os comecem a ecoar seus gritos de protesto e
meios para sua permanente renovação, o insatisfação com o cenário da biblioteca escolar
imperativo de organização e sistematização; uma propondo não somente a efetivação da Lei, mas
comunidade de usuários, efetivos ou potenciais, o constante aprimoramento das potencialidades
com necessidades de informação conhecidas ou da biblioteca escolar.
pressupostas, e, por último, mas não menos C. P. – Tendo em vista que a lei foi sancionada,
importante, o local, o espaço físico onde se dará mas ainda não foi regulamentada, que tipo de
o encontro entre os usuários e os serviços da punição poderia ser aplicada às escolas que
biblioteca”. descumprirem estas determinações?
Somente com essa mudança discursiva, J. C. – Creio que tenhamos de pensar uma
institucional e política haverá uma transformação política de biblioteca escolar como uma ação de
38
informação como fala Maria Nélida González de indiquem a real importância do trabalho com a
Gómez. Ação de informação que compreende biblioteca escolar.
dois aspectos políticos da informação no seio da Creio que um defeito relativo a Lei 12.244/10 é
biblioteca escolar: o macro, referente às ações não definir determinadas responsabilidades
que serão implementadas ou não pelas gestões compulsórias no caso do descumprimento da Lei.
estaduais e municipais e micro, que concerne as Esta não-indicação de responsabilidades causa
ações das escolas públicas e privadas em um um certo receio no que tange ao cumprimento da
contexto específico. Lei. Por isso, a melhor forma de punir seria
Assim, o primeiro tom especulativo de punição, consagrando na própria Lei princípios para sua
em um possível não cumprimento da lei deve ser efetivação.
visualizado nas gestões públicas municipais e O principal princípio, ao meu ver, seria a
estaduais, pois é nesse contexto onde reside as consagração na Lei 12.244/10, de uma
reais possibilidades dessa Lei ser efetivada ou porcentagem mínima do orçamento da escola,
não. Pode ocorrer, por exemplo, de muitas seja pública ou privada para o investimento na
escolas não se adequarem a nova lei em virtude biblioteca (estrutura física, organização, sistema,
da atuação deficitária das gestões municipais e contratação de bibliotecários e de outros recursos
estaduais, o que, de certo modo, exime a escola humanos, implementação de serviços e outras
de uma ampla responsabilidade. atribuições de uma biblioteca escolar). No caso
O segundo tom especulativo de punição reside do descumprimento deste orçamento para a
no contexto micro das escolas. No caso das biblioteca escolar, a escola deveria pagar uma
escolas públicas refere-se às escolas que não multa.
irão cumprir com a Lei por falta de investimentos A definição deste orçamento mínimo, porém,
públicos ou por incompetência dos seus necessitaria de um estudo sobre arrecadações
gestores. No caso das escolas particulares o de escolas públicas e privadas para saber se
motivo para punição seria por incompetência de seria ou quanto seria o orçamento mínimo
seus gestores. estabelecido para todas as escolas ou se haveria
Mas o ato da punição é passível de um ato de a necessidade de elencar uma porcentagem
fiscalização. Portanto, a fiscalização dos órgãos maior ou menor dependendo das necessidades
públicos e a participação dos CRBs como órgãos da escola.
aptos a atividade fiscalizadora de escolas C. P. – Você destacaria alguma (s) iniciativa (s)
públicas e particulares é crucial para identificar de biblioteca (s) escolar (es), seja ela pública ou
como a lei tem sido aplicada ou se não tem sido privada, que mereça destaque no que se refere à
aplicada. organização geral?
Mas não creio que devamos pensar essas J. C. – No município de Fortaleza e região
punições (eu prefiro chamar de metropolitana, a partir da visita a centenas de
responsabilidades compulsórias) como algo “bibliotecas escolares” públicas e privadas, bem
retaliador ou autoritário, mas sim punições que como através do Programa de Extensão Modelo
de Biblioteca Escolar em Juazeiro do Norte-CE,
39
pude observar a situação da biblioteca escolar biblioteca escolar. Acredito que foi uma ideia
em nível local. Há um problema muito sério no excelente em abrir um espaço para falar sobre
que tange a identificação de uma biblioteca. biblioteca escolar contemplando um discurso
Em Fortaleza, por exemplo, nas escolas focado nas questões sociais e não apenas em
municipais é possível destacar uma série de questões emotivas e superficiais. Já passou da
espaços chamados de Salas de Leitura. Já nas hora de classe biblioteconômica arregimentar
escolas estaduais, o problema é mais sério, pois forças para lutar como instrumento de classe pelo
em 1996, foi criada uma política que passaria a reconhecimento da biblioteca escolar
chamar os centros de informação das escolas de concebendo-a como componente de ação
Centro de Multimeios considerando que é mais informativa e educacional.
amplo do que a biblioteca escolar. Não podemos simplesmente esperar que a Lei
Dessa forma, pude perceber apenas algumas 12.244/10 resolva os problemas da biblioteca
escolas municipais e estaduais com ações escolar, pois falando com sinceridade isso não
isoladas quando os próprios professores vai acontecer. Eu creio que o Brasil está
(readaptados e os convencionais) desenvolviam começando a promover um novo rumo em sua
projetos instrumentalizando a biblioteca escolar educação, mas esse rumo tanto depende de um
como auxílio para suas atividades. momento político, como demora para ter uma
Pelo que vi em outros estados, essa realidade é efetiva consolidação. Por isso, não podemos
bastante próxima da realidade cearense. Isso imaginar que, de repente, a biblioteca vai se
significa afirmar que há uma crise de identidade tornar um espaço reconhecido pela sociedade,
muito grande no contexto semântico e aplicativo quando o reconhecimento da biblioteca escolar
da biblioteca escolar, sendo difícil uma escola não perpassa simplesmente por leis, mas sim por
pública realmente conceber um espaço que seja valores políticos, ideológicos, sociais, culturais e
condizente com os parâmetros de uma biblioteca educativos.
escolar. Finalmente, espero que este espaço possa se
Nas escolas particulares, pude observar algumas constituir como um intenso transmissor dos
realidades específicas que se destacam pelos ideários da biblioteca escolar e da biblioteca de
investimentos mínimos referentes à composição uma forma geral em nível nacional para que
de uma biblioteca escolar, como contratação de tenhamos a comprovação de que uma biblioteca
bibliotecários e, principalmente, sistemas de valorizada pode trazer muitos benefícios à
automação. Comumente, são colégios sociedade.
particulares considerados de elite na cidade e/ou Mais uma vez agradeço pela oportunidade!!!
com uma mentalidade eminentemente religiosa.
C. P. – Fique a vontade para fazer as
ponderações finais e acrescentar algo que achar
relevante.
J. C. – Quero agradecer pela oportunidade e
dizer que é sempre um prazer falar sobre a
40
/ ESTANTE

Mídia e excitação
Uma arqueologia da palavra sensação, de
quando apenas significava sensação
Por Claudio Rodrigues

É
manhã e um raio de sol atravessa diferente na minha forma de ler: toda vez que
obliquamente a fissura entre as cortinas, aparece uma citação, a referência de um autor ou
resvalando sobre meu rosto. Abro os olhos artista, um comentário sobre determinada pintura
lentamente, quase que irritado com a claridade ou música, interrompo a leitura, abro o Google e
impertinente. O corpo não quer levantar, mas digito a referência. Não me contento em
sorrateiramente a mão já alcança a mesinha de pesquisar depois, mas faço isso
cabeceira e pega meu mais novo vício, que simultaneamente, como se a internet fosse uma
atende pelo nome de iPad. Basta um clique e o extensão do livro, como quando lemos as notas
aparelhinho se mostra generosamente. Trata-se de rodapé ou de fim de página num livro
de um computador de mão, ou melhor, um tablet. acadêmico ou quando clicamos numa palavra
Começo verificando os e-mails, abro os sublinhada cujo link nos leva a outro site, um
aplicativos com as notícias do dia, vejo os sites hiperlink. O livro e o computador disputam as
preferidos, escrevo mais um post no meu blog, informações, dialogam, enchem-me de dados,
olho meu escasso saldo na conta bancária, faço páginas e páginas, hipermídia, hipertextos.
pagamentos, transferência… O dia mal começou Definitivamente, não lemos mais como antes, não
e já estou mergulhado na infindável catarata da temos mais o mesmo time de leitura. Queremos
hipermídia. Totalmente hipnotizado por ela. abarcar o maior número possível de informações,
Depois do café da manhã, sento-me à mesa de desejamos ouvir a música, lendo a letra, vendo o
trabalho, diante do notebook, abro o processador clipe. Tudo junto e misturado. Enfim, quando
de textos para preparar minhas aulas. O iPad fica estou acordado, não conseguimos mais estar
ligado e de pé, ao lado do notebook, pronto para num ócio pleno, porque assumimos um “padrão
me mostrar novas mensagens eletrônicas. Mais comportamental híbrido”, uma compulsão que
tarde, começo a ler um livro que acabei de pegar nos leva a estar fazendo algo o tempo todo.
na biblioteca. De repente, noto que há algo

41
“O meio é a mensagem” atuais, quando passa a significar uma postura
Esta frase célebre de um dos grandes social, um comportamento que torna o homem
pensadores das mídias no século XX foi escrita dependente. Estamos mergulhados numa bolha
há meio século. Quem a proferiu foi o professor de sensação produzida pelos suportes midiáticos,
americano Marshall McLuhan, no seu livro A recebemos constantemente injeções que nos
galáxia de Gutenberg (1962). O estudo de excitam e têm o mesmo efeito das drogas
McLuhan abordava o meio como tão ou mais poderosas, alucinógenas. Se sensação era ponte
importante que o conteúdo. No advento dos do homem com o meio exterior, uma ligação
suportes tecnológicos, os conteúdos se física ou fisiológica, agora constitui uma atitude
adaptariam em função dos meios. McLuhan é coletiva, social, que nos torna dependentes
considerado o pioneiro dos estudos de dos media. Passamos da “sociedade do
comunicação e, embora apontasse pontos espetáculo” (referência à obra de Gay Debord, da
negativos na massificação da mensagem, década de 60, na qual o pensador mostra
acreditava nos media como produtos da “aldeia debilidade da sociedade pelo consumo
global”. Da oralidade à escrita, da escrita à capitalista) para outro tipo de exibicionismo que
tipografia e desta à máquina elétrica, McLuhan consiste em dar molde virtual para o social. As
anunciava que o avanço da tecnologia deslocaria redes sociais, os blogs, os álbuns, os diários
as percepções e pensamento do homem, à nada secretos, os vídeos que mostram a
medida que ele precisaria readaptar-se ao novo intimidade do quarto, os chats, a
suporte. Assim, com a invenção da escrita, o videoconferência… são apenas exemplos deste
ouvido deu lugar ao olho, passamos de uma quase infindável itinerário pelo planeta web.
cultura acústica para uma cultural visual; com a
máquina, penetramos na cultura eletrônica, a O quarto é o mundo
aldeia global. Essas três galáxias exigiram do Vicia essa necessidade frenética de invadir a
homem uma adaptação tanto física quanto privacidade alheia e escancarar a nossa a
psicológica diante da sensação, ou melhor, da qualquer custo. Somos quando e porque nos
leitura de mundo. Ver/ler/tocar/ouvir não têm a mostramos. As notícias há muito tempo deixaram
mesma configuração em cada uma dessas de ser importantes por serem novidades, para
galáxias. serem importantes porque noticiadas,
Passados 50 anos da Galáxia de Gutenberg, o sensacional e sensacionalista é a mídia, que nos
filósofo alemão Christoph Türcke, professor obriga a ingerir o que não queremos, o que não é
da Universidade de Leipzig, em plena era do do interesse de todos é oferecido como sendo
audiovisual e do universo virtual, denuncia uma coletivo, numa percepção que permanece, o
mudança de comportamento na sociedade da banal é inflado numa “injeção multissensorial”.
hipermídia. Sua obra A sociedade excitada: uma Qualquer um pode fazer notícia. Qualquer um
filosofia da sensação (Editora Unicamp, 2010) faz pode ser notícia. Qualquer um pode “causar”. De
uma arqueologia da palavra sensação, de repente, sem nos darmos conta, somos invadidos
quando apenas significava sensação, até os dias por informações que não têm nenhuma
42
relevância para nós, mas que ganham sua alucinado pelo espetáculo que agora consiste em
importância à medida que a sociedade acessa mostrar-se o tempo todo, num elaborado corpo
(basta ver como um vídeo de uma dancinha virtual, ou melhor, “um ‘aí’ etéreo, receptível em
engraçada, uma gafe ou, o que é pior, uma cena todos os lugares de um determinado campo de
de sexo entre adolescentes, atinge rapidamente transmissão, mas em lugar alguma palpável” (p.
considerável número de acessos no Youtube em 45).
poucas horas). Cada qual, do seu mundo-quarto, Num mundo de sujeitos descentrados,
partilha sua vida, não importa o quão vazia de fragmentados, de relações líquidas,
sentido ela seja. A droga da sensação permite características da sociedade pós-moderna (ou
fazer de um simples gesto um evento hipermoderna, como quer o pensador francês
hipermidiático. Queremos plateia a qualquer Lipovetsky), o trabalho do professor Türcke toca
preço. Queremos ser a notícia, por isso, nossa ferida à medida que nos propõe uma
importantes. Ou será, o contrário: “importante reflexão sobre essa sensação sensacionalista,
porque comunicado…”, segundo Türcke. que coloca a mídia como extensão dos nossos
sentidos, uma ponte que elimina distâncias,
Presença etérea e choques imagéticos quebrando barreiras, aproximando os diferentes,
Dividido em cinco capítulos (1. paradigma da unindo pessoas… Até quando vão permanecer o
sensação, 2. lógica da sensação, 3. fisioteologia frenesi, os estímulos e as convulsões, como se a
da sensação, 4. sensação absoluta, 5. substituto vida real fosse feita de orgasmos múltiplos? O
da sensação), o livro aborda a palavra sensação gozo intermitente cessará? E após isso, o que
desde o seu estado primitivo até sua restará daquilo que ousamos ser? Para onde vai
reconfiguração como pressuposto para a todo esse nosso hedonismo? O que fazer com
excitação que tomou conta da sociedade atual. toda essa excitação? Segundo o autor, ainda é
Não basta mais ao homem sentir o mundo, é possível resistir a isso.
preciso estar constantemente excitado a ponto de A obra de Türcke se alia à de pensadores
promover um alheamento da realidade física em contemporâneos como Antonny Giddens,
virtude da experiência virtual ou imagética. A Zigmunt Baumann e Gilles Lipovetsky, entre
sociedade do espetáculo agora é a sociedade do outros, e nos ajuda a traçar um panorama
estímulo, em que doses e mais doses da “injeção reflexivo sobre que tipo de relações a mídia está
poderosa” vão moldando o homem num ser moldando. O meio é a mensagem. Que
virtual, quase que destituído do contato físico, mensagem?

Sociedade Excitada: Filosofia da sensação


Autor: Christoph Türcke
Tradutor: Antonio A. S. Zuin, Fabio A. Durão, Francisco C. Fontanella, Mario
Frungillo.
Editora: Unicamp, Ano da edição: 2010

43
/ REPORTAGENS

Biblioteca Escolar no Brasil


Os desafios e as oportunidades que a Lei 12.244/10 impõe a
biblioteconomia
Por Chico de Paula

RIO - Partindo do Centro do Rio em direção ao bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste da cidade, primeiro
pela Avenida Brasil, depois pela Linha Amarela, chega-se a uma escola que nem de longe reflete a
realidade da educação brasileira. A Escola Sesc de Ensino Médio (ESEM) é um projeto piloto mantido pelo
Sesc - Serviço Social do Comércio – e ocupa uma área de
130 mil m² num terreno onde antes existia um pântano.
Tudo é muito bonito. O teatro, por exemplo, se destaca na
paisagem pela imponência de sua arquitetura. Lagos
artificiais, jardins floridos e uma brisa constante
completam a sensação de bem estar. Mas o que nos
interessa mesmo é a biblioteca que, em termos de beleza,
não deixa nada a desejar para os outros prédios da
escola.
O bibliotecário-chefe, Vagner Amaro, nos recebe com
simpatia e vai logo tratando de nos mostrar a biblioteca
modelo que encantou figuras públicas como o então
ministro da educação Fernando Adadd, quando este
visitou a instituição no ano passado, e o filosofo francês
Edgard Morin, que esteve na biblioteca em 2008.
Embora a biblioteca da ESEM provoque entusiasmo pela
exuberância do projeto, esta não reflete a realidade das
bibliotecas escolares no Brasil. Primeiro pela estrutura
física que em muito lembra as biblioteca dos chamados
países de primeiro mundo. Segundo pelo aporte financeiro
que garante à biblioteca da ESEM a manutenção

44
constante de seu acervo, além dos investimentos em pessoal. E por último, e talvez mais significativo, a
importância que a instituição dispensa à biblioteca. De acordo com Vagner Amaro, a biblioteca da ESEM
assume na escola a posição de espaço privilegiado, pois é para lá que converge a comunidade escolar
nas ocasiões mais especiais.

As novas regras houver, ao longo desses anos, uma profunda


Dados do Censo Escolar 2010, feito pelo mobilização da classe biblioteconômica
Ministério da Educação (MEC), revelam uma mostrando a importância da biblioteca escolar.
situação preocupante: a cada dez escolas, sete Do contrário, essa lei se consolidará como a
delas não possuem um acervo de livros ‘intramitável’ cultura política do país de elaborar
disponível para seus estudantes. Faltam leis com um discurso esteticamente bem
investimentos, atenção das autoridades, mas construído, mas sem uma contemplação prática”.
falta, sobretudo, vontade política. Em se tratando de determinação legal referente
No intuito de contornar este problema secular, o às bibliotecas no Brasil, há de se considerar a
legislativo brasileiro aprovou em 2010 uma lei preocupação de Carvalho. Isso por que das
(Lei nº 12.244) que prevê a universalização das 1.126 cidades que receberam kits com livros e
bibliotecas escolares no Brasil em um prazo de estantes (do Programa Nacional de Bibliotecas
dez anos. A medida pretende tirar do abismo Públicas), só 215 comprovaram abertura destas
cultural milhares de estudantes que, hoje, não bibliotecas, demonstrando que as intenções são
têm acesso ao conhecimento guardado nos validas, mas a efetivação é que merece maior
diversos suportes informacionais. As novas
regras determinam pelo menos um livro por
aluno, garantindo, contudo, autonomia para que
as instituições de ensino expandam seus
acervos. Elisabeth Serra, secretária-geral da
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(FNLIJ), considera que a nova lei representa
"uma conquista muito importante tanto quanto
para a classe dos bibliotecários quanto para a
educação".
Para Jonathas Carvalho, bibliotecário e professor
da Universidade Federal do Ceará (Campus
Cariri), “a lei 12.244/10 soa como um discurso
institucional de mudança, pois se configura
precisamente na possibilidade de transformações
que a biblioteca escolar precisa para mostrar sua
potencialidade”. Carvalho destaca que “essa lei
só poderá ser passível de reconhecimento se
45
atenção. Sendo assim, teme-se que o mesmo Maranhão (61 municípios). As bibliotecas
aconteça com a biblioteca escolar. municipais brasileiras têm em média 4,2
funcionários e a maioria (84%) é mulher.
Desafio aos bibliotecários e à Entretanto, 52% dos trabalhadores desses
biblioteconomia estabelecimentos não têm capacitação para a

Muito embora a lei tenha sido recebida com atividade, o que reforça a necessidade da

simpatia pela comunidade biblioteconômica, esta formação de profissionais para atuar neste setor.

tem suscitado bastante preocupação nos A presidente do CRB7 enxerga um fator positivo

profissionais desta área. Isso por que o universo na determinação da lei para com o respeito à

de bibliotecários do país não tem condições de profissão de bibliotecário, pois obriga as “a

contemplar as exigências da nova regra. Estima- abertura de mais cursos de formação de

se que sejam 30 mil profissionais para um bibliotecários qualificados para inserir no

universo de aproximadamente 200 mil mercado de trabalho que vem crescendo e

estabelecimentos educacionais. Ou seja, as necessitando de profissionais da informação”.

instituições de ensino teriam de formar pelo Para ela, “isto motivou o Sistema CFB/CRBs a

menos 170 mil profissionais até 2020 de modo a constituir parceria com a CAPES, por meio da

contemplar as novas exigências. Para Isaura Universidade Aberta do Brasil (UAB), para a

Lima Maciel Soares, presidente do Conselho oferta de curso de bacharelado em

Regional de Biblioteconomia da Sétima Região Biblioteconomia na modalidade a distância que

(CRB7), a avaliação é positiva no que se refere será ofertado pelas universidades públicas,

ao campo de trabalho do bibliotecário, mas esta federais e municipais que já possuam curso na

teme que, com a implantação da nova lei, o modalidade presencial”. Ela informou que a

número de profissionais não seja suficiente para proposta foi entregue a CAPES/UAB e aguarda

ocupar tantas vagas. “A implantação de sua aprovação, prevista ainda para este ano.

bibliotecas escolares demanda de contratação de Apesar da necessidade de formação de

bibliotecários para organizar, gerenciar e profissionais bibliotecários para atuar nestas

dinamizar a biblioteca escolar”, ressalta a bibliotecas, esta não é a única forma de

presidente. participação do bibliotecário neste processo. O

Segundo o Censo Escolar de 2010, divulgado bibliotecário Jonathas Carvalho ressalta que “a

pelo Ministério da Educação em dezembro do participação do bibliotecário na efetivação dessa

ano passado, apenas 30,4% das escolas lei não se dará apenas como contribuição

brasileiras nos anos iniciais têm bibliotecas. Em individual, mas sim como uma contribuição de

pesquisa divulgada em 2009, o Ministério da classe”. Ele lembra o “argumento de Zita Catarina

Cultura apontou que 445 municípios do país não Prates de Oliveira, em 1983, de que dois fatores

têm biblioteca, o que representa 8% do total dos são essenciais para uma mobilização política da

municípios. O estado com o maior número de Biblioteconomia na sociedade: consciência de

cidades sem esses espaços para leitura é o classe e senso de progressão”.

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Efetivação da lei a participação dos CRBs como órgãos aptos a
Tendo em vista que as leis constituem cartas de atividade fiscalizadora de escolas públicas e
intenções e que o poder público tem que fazer particulares é crucial para identificar como a lei
valer as determinações legais, uma pergunta tem sido aplicada ou se não tem sido aplicada”.
ressoa entre aqueles que esperam pela A presidente do CRB7 destaca que o órgão
efetivação da Lei em questão: como fazer para atuará através de fiscalizações preventivas e
aplica-la na prática? Um aspecto que tem rotineiras, procurando detectar e acompanhar se
chamado a atenção nas novas regras é o fato de a Lei nº 12.244/2010 está realmente sendo
que esta Lei determina um prazo (dez anos) para aplicada. Ela esclarece que “as fiscalizações
que as escolas se adequem as exigências, sem, preventivas, nesses casos, têm um caráter mais
contudo, dizer o que irá acontecer a quem ignorar pedagógico que punitivo, já que visa à
tais determinações. conscientização do empregador da importância
Para Jonathas Carvalho, “o primeiro tom da biblioteca e, da necessidade e exigência do
especulativo de punição, em um possível não profissional habilitado para exercer a função de
cumprimento da lei deve ser visualizado nas acordo com as leis vigentes”.
gestões públicas municipais e estaduais, pois é Não há dúvida de que a biblioteca representa
nesse contexto onde reside as reais importante instrumento no desenvolvimento
possibilidades dessa Lei ser efetivada ou não”. educacional de qualquer nação. Também não há
Pode ocorrer, segundo Carvalho, “de muitas dúvida de que historicamente o Brasil tem
escolas não se adequarem a nova lei em virtude ignorado a educação como aspecto relevante
da atuação deficitária das gestões municipais e para a independência do indivíduo enquanto
estaduais, o que, de certo modo, exime a escola pessoa humana. Sendo assim, embora com
de uma ampla responsabilidade”. O bibliotecário receios, espera-se que a nova lei não seja mais
ressalta que “a fiscalização dos órgãos públicos e uma bela intenção para uma feia não realização.

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