Você está na página 1de 13

RÜSEN, HABERMAS E OS FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA

HISTÓRICA
João Elter Borges Miranda 196

RESUMO
O presente trabalho tem como foco a reflexão sobre a problematização rüseniana para
os fundamentos da ciência histórica, buscando pontos de contato, semelhanças e
diferenças entre a sua teoria da história e a teoria da ação comunicativa de Jürgen
Habermas. O enfoque será dado para a constituição e a validação da operação
historiográfica. No que tange a constituição, percebemos pontos de contato entre as
reflexões habermasianas e o fator “interesses” da matriz disciplinar. No que tange a
validação na ciência histórica, percebemos proximidades entre os fundamentos
“ideias” e “métodos” rüsenianos e a teoria do consenso da verdade; mais
especificamente a problematização realizada por Rüsen quanto a essas noções para
fazer frente ao debate do partidarismo e da objetividade. Realizaremos, assim, a
análise na intenção de identificar (ou não, ou em que proporção se verifica) uma
possível proximidade entre Rüsen e Habermas.
PALAVRAS-CHAVE: Rüsen; Habermas; Didática da História.

RESUMEN:
El presente trabajo tiene como foco la reflexión sobre la problematización rüseniana
para los fundamentos de la ciencia histórica, buscando puntos de contacto,
semejanzas y diferencias entre su teoría de la historia y la teoría de la acción
comunicativa de Jürgen Habermas. El enfoque será dado para la constitución y la
validación de la operación historiográfica. En lo que se refiere a la constitución,
percibimos puntos de contacto entre las reflexiones habermasianas y el factor
"intereses" de la matriz disciplinaria. En lo que se refiere a la validación en la ciencia
histórica, percibimos cerca de los fundamentos "ideas" y "métodos" rüsenianos y la
teoría del consenso de la verdad; más específicamente la problematización realizada
por Rüsen en cuanto a esas nociones para hacer frente al debate del partidismo y de la
objetividad. Realizamos, así, el análisis en la intención de identificar (o no, o en qué
proporción se verifica) una posible proximidad entre Rüsen y Habermas.
PALAVRAS CLAVE: Rüsen; Habermas; Didáctica de la Historia.
Introdução

Preocupado com cada etapa e com a implicação do ofício da história, o 197


projeto do filósofo e historiador alemão Jörn Rüsen surge em resposta a –
entre outras questões – pluralização dos métodos e objetos de pesquisa
que marcou a produção do conhecimento histórico ao longo do século XX.
Ele busca visualizar a ciência histórica em sua completude explicitando a
rede de princípios formais inerentes aos estudos históricos em todas as
suas variantes.

Rüsen alça esse intento através do conceito denominado por ele de


“matriz disciplinar da ciência histórica”. De acordo com Assis, “com sua
matriz disciplinar, Rüsen propõe um conceito que pretende permitir a
assimilação das diferenças entre as correntes historiográficas
contemporâneas e favorecer a percepção da identidade que lhes é
comum” (ASSIS, 2010, p. 11).

Para tanto, Rüsen produz uma síntese de autores e referências teóricas e,


a partir disso, formula sua própria concepção original. Dentro desse
universo de influências, Wiklund (2008, p. 42), Cerri (2011, p. 63), Duarte
da Silva (2000, p.158) e Barom (2017, p. 72) concordam que Rüsen
apresenta significativas proximidades com as ideias de racionalidade e
ação comunicativa de Habermas. Tendo em vista isso, buscaremos no
presente trabalho verificar os possíveis pontos de contato entre o
pensamento rüseniano e habermasiano.

No centro de nossa análise estão os fundamentos “Interesses”, “Ideias” e


“Métodos” de Rüsen, os quais fazem parte de sua matriz disciplinar. Os
interesses são definidos por ele como a interpretação das carências de
orientação no tempo e o primeiro dos cinco fatores presentes na matriz. A
fundamentação dessa etapa do pensamento histórico, intitulada através
do termo interesses, aproxima Rüsen de Habermas, o qual tem uma
proposta para a constituição do conhecimento semelhante à proposição
rüseniana para a interpretação das carências de orientação. No que tange
a validação do conhecimento histórico, analisaremos os fundamentos
ideias e métodos frente ao problema do possível distanciamento da 198
ciência histórica em relação a sua função de orientação na vida prática,
tema comumente debatido sob o título “partidarismo e objetividade”;
distanciamento esse causado pela cientificização do conhecimento
histórico. A análise procurará verificar a possível proximidade entre a
teoria do consenso da verdade de Habermas e a problematização
realizada por Rüsen para o debate sobre o partidarismo e a objetividade.

Sobre a constituição do conhecimento histórico

A teoria da ação comunicativa de Habermas é composta por uma série de


outas teorias. Para demonstrar a relação de proximidade entre este e
Rüsen que versa sobre a constituição do conhecimento histórico, no
presente tópico refletiremos sobre as proposições de Habermas para a
teoria do conhecimento para, em seguida, realizar a comparação com
Rüsen.

Habermas elabora a razão comunicativa baseando-se, entre outros


fundamentos, numa teoria do conhecimento que tem como corpus a
teoria dos interesses cognitivos, formulada por ele na obra Conhecimento
e Interesse. Por meio dessa teoria dos interesses, ele busca refletir sobre a
constituição do conhecimento a partir de uma racionalidade comunicativa
que, com suas pretensões de inteligibilidade e correção normativa,
abrange o entendimento a partir de interesses, os quais dão o ponto de
partida para a função comunicativa que prevê o agir, possibilitando um
entendimento discursivo não restritivo e não normativo entre sujeitos
capazes de falar e de agir (REESE-SCHÄFER, 2009, pp. 44-46).

Intermediado linguisticamente, o entendimento mútuo se torna o telos da


ação comunicativa, que, em intrínseca relação com a realidade, constrói a
verdade nos contextos de fala e argumentação¸ num processo que busca
alçar intersubjetivamente o consenso, ou, noutras palavras, o
entendimento recíproco a respeito de algo. Esse consenso e,
consequentemente, a verdade, estão em constante processo de 199
construção. Logo, têm caráter plástico, sendo sempre provisórios. Através
de tal imanência linguística, Habermas reconstituiu a linguistic turn via
novos parâmetros e um novo conceito de razão.

Dessa forma, Habermas rompe com a filosofia da consciência e,


consequentemente, vai para além do paradigma do sujeito monológico,
pressuposto que entende a relação do indivíduo com o objeto como
sendo de mão única. Para tanto, o herdeiro da teoria crítica revisa essa
relação sujeito cognoscente e objeto cognoscível, propondo uma teoria do
conhecimento pautada pela relação sujeito-sujeito que, juntos, buscam
linguisticamente chegar à um consenso sobre algo. Quando constata que a
filosofia da consciência está esgotada, Habermas entende que a relação
sujeito-objeto também não atende mais às necessidades epistemológicas
do seu tempo, pois, como já foi dito, trata-se de uma relação monológica
em que, diferentemente da relação intersubjetiva, não há entendimento
recíproco.

Habermas afirma que “a teoria do agir comunicacional espera que a


reprodução simbólica do mundo vivido esteja junta com a reprodução
material daquele” (HABERMAS, 2000, p. 297). Obviamente que essa
reprodução não é meramente um reflexo pálido da realidade, e sim o real
ressignificado através dos processos intersubjetivos de reprodução e
produção do objeto, que evidentemente dependem de fatores culturais,
sociais e políticos que condicionam os modos através dos quais
determinados conhecimentos adquirem significados na ação comunicativa
e interessada entre os sujeitos da interlocução (HABERMAS, 1982, p. 60-
61).

Para Habermas os interesses têm, portanto, o papel de guia do


conhecimento, apontando o horizonte, o caminho, a direção, sendo assim
os a priori do conhecimento. Nas palavras dele, os interesses são “as
orientações básicas que aderem a certas condições fundamentais da
reprodução e da autoconstituição possíveis da espécie humana” 200
(HABERMAS, 1982, p. 217).

Assim como Habermas, Rüsen também parte da premissa de que em todo


processo de construção do conhecimento há a priori o interesse cognitivo
do sujeito. Os interesses, para o historiador, manifestam-se pela
interpretação das carências de orientação, que estão interessadas em
extrair do passado um “sentido para o presente”; tendo claro que “a
satisfação de determinadas carências é sempre também um processo de
produção de novas carências” (RÜSEN, 2001, p. 57). Ou seja, a
constituição do conhecimento histórico, para Rüsen, resulta em primeiro
lugar das carências de orientação, as quais “se articulam na forma de
interesse cognitivo pelo passado” e são o primeiro fator de um processo
que envolve cinco fatores, ordenados por ele em sua matriz disciplinar
(RÜSEN, 2001, p. 34).

O primeiro dos cinco fatores são as “carências fundamentais de


orientação da prática humana da vida no tempo” que, quando
interpretadas pelo segundo fator, as ideias, são articuladas na forma de
interesses. Conforme Assis, “por agirem e sofrerem de acordo com
intenções formadas a partir das representações que cultivam acerca da
natureza e do mundo social, os seres humanos sempre estão diante de
carências existenciais de orientação cultural” (ASSIS, 2010, p. 14). É para
atender à essas carências que surge o conhecimento histórico.

Para Rüsen, “a expressão ‘interesses’ designa, assim, o ponto de partida


que o pensamento histórico toma, na vida prática do quotidiano, ainda
antes de se constituir como ciência. Enquanto tais, todavia, esses
interesses ainda não são conhecimento histórico” (RÜSEN, 2001, p. 30),
pois, para que a consciência histórica entre em operação, será necessário
o segundo fator da matriz, composto pelas ideias, as quais são “pontos de
vistas supra-ordenados acerca do passado, no âmbito dos quais ele se
constitui e é reconhecido como ‘história’” (RÜSEN, 2001, p. 31-32) que se
articulam como perspectivas orientadoras da interpretação histórica; a 201
constituição do conhecimento histórico, após isso, ainda passará pelos
outros fatores até adquirirem formas de apresentação, tornando-se
conhecimento histórico com funções de orientação propriamente ditas.

Por conseguinte, ao adotar a teoria do conhecimento de Habermas, Rüsen


atenta para o aspecto interesses dessa teoria, para elaborar o primeiro
fator da matriz disciplinar. Com esse primeiro fator, Rüsen consegue fazer
com que o conhecimento histórico não se relacione somente com o
passado, pois, através desse constructo, estabelece que é nas relações
intersubjetivas promovidas no presente – no cotidiano do indivíduo
intencional, ou, melhor dizendo, na vida prática, ou, ainda, na práxis da
vida – que as carências de orientação são formadas, gerando interesses
pelo passado para atender às necessidades de orientação através do
atrelamento do passado com o futuro.

A articulação entre vida prática e conhecimento histórico se dá através de


operações da consciência histórica que, numa articulação prática da
cultura histórica, promove através de atos de fala a constituição e
interpretação – via ideias – das carências de orientação; essas operações
se realizam na vida quotidiana dos sujeitos. Sendo assim, a constituição do
conhecimento histórico, no sentido elaborado por Rüsen, enseja
promover a conexão íntima entre o pensamento e a vida, dando ao
conhecimento histórico o seu caráter pragmático que vá para além de
distinções entre teoria e práxis.

Sobre a validação do conhecimento histórico


Tendo refletido sobre a constituição do conhecimento histórico, no
presente tópico analisaremos o processo de validação da ciência histórica 202
na proposição rüseniana, com o intuito de verificar proximidade com o
pensamento habermasiano. Para tanto, analisaremos as reflexões
rüsenianas para o debate do partidarismo e da objetividade na ciência
histórica. Esse debate tem como pedra basilar o pressuposto de que, ao
intentar atender às carências de orientação, o historiador estará
atendendo unicamente às suas carências particulares, e não também às
de seu público.

Para a questão aparecem de imediato duas respostas possíveis. De um


lado, alguns críticos entendem que esse problema é gestado pela
subjetividade do historiador e do seu público – esteio do partidarismo –
presente na produção historiográfica. A resolução seria, para estes,
através da neutralização do partidarismo. Já outros propõe que a
subjetividade não é um problema em si, porque é epistemologicamente
impossível que a constituição do conhecimento histórico se abstenha do
partidarismo. A resolução seria, para estes, através de um relativismo
absoluto pluralizador da historiografia, em que toda história teria
validade.

Rüsen busca encontrar um meio termo nesses posicionamentos, de modo


que não caia nem num objetivismo asséptico, nem no relativismo
absoluto. Para tanto, ele aponta que o conhecimento histórico é objetivo.
Por “objetividade” ele entende “que as histórias pretendem possuir uma
validade que vai muito além dessa relação funcional com posições
eventuais de seus autores e destinatários na vida social” (RÜSEN, 2001, p.
127). Para sustentar isso, Rüsen concebe a validação do conhecimento
histórico partindo do pressuposto de que a “razão é a força motora do
pensamento histórico na história como ciência” e designa “o que
caracteriza o pensamento histórico que se processa na forma de um
debate movido pela força do melhor argumento” (RÜSEN, 2001, p. 21).
O pensamento histórico se expressa sob a forma de uma argumentação
mais especificamente na constituição dos fundamentos “Ideia” e 203
“métodos”, os quais alicerçam a validação da ciência histórica. Analisando
a obra Razão Histórica (2001), percebemos que as regras metodológicas
que regem a validação, via comunicação, da ciência histórica, se dá num
processo dialético que permeia as ideias e as objetividades, tendo como
síntese uma objetividade que incorpora também a subjetividade do
historiador e do seu público e que fundamenta os métodos.

Tendo em vista a importância das ideias, para Rüsen elas próprias


precisam de um critério que permita às historiadoras e historiadores
abordarem-nas claramente. Para tanto, a racionalidade comunicativa
pode parecer a representação ideal muito abstrata do relacionamento dos
sujeitos entre si. Torna-se o critério ideal porque, ao reconhecer
comunicativamente a identidade do outro e ao mesmo tempo a
determinação das histórias promover a ampliação das perspectivas, as
particularidades não são sacrificadas em nome de uma carência de
orientação quimérica de uma humanidade universal e abstrata (RÜSEN,
2001, p. 145-146).

A objetividade significaria, portanto, uma validade intersubjetivida da


interpretação histórica, a partir de uma ideia reguladora pautada pelo
reconhecimento recíproco e pela complementaridade, a qual garante a
consistência e a coerência da narrativa histórica, através da crítica
argumentativa recíproca que apresenta razões e dirige o reconhecimento
recíproco (ROBERTO ROSA, 2009, p. 3). Submetida dessa maneira, o
critério de avaliação das ideias permite ao historiador abordar claramente
as ideias significativas através das quais esse profissional utiliza para sua
vida social prática; e esse critério é, seguindo a teoria do consenso da
verdade de Habermas, o princípio da argumentação racional voltada para
o consenso.
De acordo com a teoria do consenso da verdade de Habermas, ao erigir
um arcabouço de critérios e regras do debate que são aceitos por todos, a
decisão sobre o que é consenso ou não é objetivamente possível. Nesse 204
sentido, o consenso é alçado não pelo conteúdo da discussão, mas com
base nas condições formais de sua ocorrência. Segundo Reese-Schäfer, a
teoria do consenso habermasiana verificou que “qualquer entendimento
entre dois participantes sobre as precondições para que algo seja o caso
ou não poderia ser válido sempre só em termos relativos para esses
participantes”. Entretanto, uma vez que o acordo for “feito
universalmente, por todos, a relatividade seria superada” (REESE-
SCHÄFER, 2009, p. 23).

Entretanto, Habermas afirma que as condições jamais correspondem à da


situação ideal de fala. Ao considerar isso, ele apresenta uma resposta ao
ataque imediatamente tão evidente e plausível dos críticos da teoria do
consenso, segundo os quais essa teoria declararia como verdadeiro todo e
qualquer equívoco que transfigurou-se consensualmente em uma
verdade. Com isso, a teoria de Habermas se torna forte, porque ela
concorda que realmente existe a possibilidade de uma inverdade passar-
se por uma verdade. Entretanto, o critério da provisoriedade expõe que, o
que é verdadeiro, será definido provisoriamente através do consenso,
tecendo a verdade com uma representação plástica. Nesse sentido, não
há verdade absoluta. Trata-se sempre da verdade derradeira que poderá
transformar-se no futuro. “Verdade é, então, uma ideia reguladora, a
saber, a ‘ultimate opinion’, nunca realmente existente, desta comunidade:
a opinião derradeira, à qual ela chega a cada vez” (REESE-SCHÄFER, 2009,
p. 23).

Considerando isso, o processo de constituição da objetividade, pautada


pela articulação da narrativa histórica com a ideia da humanidade como
princípio de comunicação é realizada por Rüsen, seguindo a teoria do
consenso da verdade de Habermas, num processo dialético em que a
objetividade constitutiva é formada pela síntese das seguintes outras
formas de objetividade: o modo de objetividade de fundamentação e o
modo de objetividade de consenso.
205
Primeiramente, a objetividade de fundamentação. Mesmo
compreendendo que a neutralização do partidarismo é um erro, pois a
subjetividade faz parte do pensar histórico-cientifico, Rüsen entende que
a objetividade de fundamentação, que promove a constituição do
conhecimento histórico “livre de valores”, faz parte do processo dialético
de constituição da objetividade constitutiva. Mas, diferentemente dos
argumentos da exclusão mútua entre partidarismo e objetividade, ele se
baseia na não exclusão do partidarismo (RÜSEN, 2001, p. 138-139).

Segundamente, a objetividade de consenso. Neste estágio concebe-se que


a articulação argumentativa faz parte do processo dialético porque esse
procedimento permite a inter-relação de referenciais. “Refletir sobre
referenciais significa apenas articular argumentativamente essas normas
com outras, válidas para outros referenciais, de forma que se promova a
crítica, a complementação e o enriquecimento recíproco dos diferentes
significados e das diversas perspectivas históricas correspondentes”
(RÜSEN, 2001, p. 140). Assim, a teoria da história rüseniana atravbaseia-se
no princípio de comunicação entre escolas historiográficas, ou, como ele
disse, perspectivas históricas, estabelecendo que a razão na história deriva
de, entre outros aspectos, da “possibilidade de comunicação entre escolas
historiográficas e vertentes metodológicas do trabalho com os
documentos”. Dessa maneira, o pensamento histórico que objetiva
ampliar perspectivas, seguindo a regra da reflexão sobre referenciais,
evita ser unilateral.

Enfim, chega-se à síntese, que é composta pela objetividade constitutiva:

 “O pensamento histórico, ao referir-se a ideias, obedece às regras


metódicas da teorização construtiva e se insere no movimento de
consolidação da identidade, transformando-se em conhecimento
histórico na forma de histórias caracterizadas pela objetividade
construtiva. Objetividade construtiva significa a propriedade das
histórias de articular, mediante a identidade de seus destinatários 206
por meio de uma argumentação comunicativa dirigida pela ideia
regulativa da humanidade como comunidade universal de
comunicação (RÜSEN, 2001, p. 142-143).”

Considerando esse processo dialético, em constante diálogo com a teoria


do consenso da verdade de Habermas, sobre a qual esse filósofo sustenta
a sua razão comunicativa, Rüsen elabora, assim, que a “objetividade do
conhecimento histórico significa que se pode aceitá-lo porque, em
princípio, ele pode ser testado, regularmente, quanto à sua pretensão de
validade” (RÜSEN, 2001, p. 127), num processo de construção do
conhecimento histórico que é objeto de assentimento por parte de todo e
qualquer sujeito, através de uma argumentação racional voltada para o
consenso. “Assim, o preceito metódico da objetividade, como uma
argumentação intersubjetiva plausível, preservaria a busca de sentido
conferida pelos agentes para a orientação prática da vida atual”
(ROBERTO ROSA, 2009, p. 9).

Considerações finais

Portanto, verificamos que, no que tange a constituição da ciência


histórica, existem pontos de contato entre Habermas e Rüsen na noção
interesses, adotada por ambos em seus respectivas teoria do
conhecimento e da história. Para Habermas, os interesses têm o papel de
guia do conhecimento, apontando o horizonte, o caminho, a direção,
sendo assim os a priori do conhecimento. Nas palavras dele, os interesses
são “as orientações básicas que aderem a certas condições fundamentais
da reprodução e da autoconstituição possíveis da espécie humana”
(HABERMAS, 1982, p. 217). Assim como Habermas, Rüsen também parte
da premissa de que em todo processo de construção do conhecimento há
a priori o interesse cognitivo do sujeito.
No que tange a validação da ciência histórica, verificamos pontos de
contato entre Habermas e Rüsen na noção “ideias” e “métodos” que este 207
historiador alude para se posicionar em relação ao debate do partidarismo
e da objetividade. A teoria da história rüseniana, próximo a razão
comunicativa habermasiana – mais especificamente o ponto dessa teoria
que trata do consenso e da verdade –, baseia-se no princípio de
comunicação entre sujeitos para promoverem, juntos, um processo de
validação do conhecimento histórico que enseja o consenso e que
possibilite a comunicação entre partidarismo e objetividade.

Referências

João Elter Borges Miranda é formado em História pela Universidade


Estadual de Ponta Grossa, integrante do Grupo de Estudos em Didática da
História e colunista na Revista Caros Amigos.

ASSIS, A. A. A teoria da História de Jörn Rüsen: uma introdução. Goiânia:


Editora UFG, 2010.

BAROM, Wiliam C. C. Integração latino-americana e consciência histórica:


a noção de pertencimento latino-americano de jovens brasileiros no ano
de 2013. 2017. 254 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta
Grossa. 2017.

CERRI, Luis F. Cartografias Temporais: metodologias de pesquisa da


consciência histórica. Educação e Realidade, v. 36, p. 59-81, 2011.

DUARTE DA SILVA, Luis Sérgio. Ação Comunicativa e Teoria da História:


aproximação de Habermas e Rüsen. História. Debates e Tendências
(Passo Fundo), Passo Fundo, v. 2, n. 1, p. 23-32, 2000.
HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar,
1982. 208

___________. O Discurso filosófico da modernidade. 3ª ed. Lisboa: Dom


Quixote, 2000.

REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Tradução: Vilmar


Schneider. Petrópolis: Vozes, 2. Ed. 2009. – (Série Compreender)

ROBERTO ROSA, Johnny. Para os fundamentos de uma razão histórica:


algumas considerações sobre a pretensão de objetividade no pensamento
histórico de Jörn Rüsen. In: RICARDO DA MATA, Sérgio; MOLLO, Helena M;
VARELLA, Flábia F. (orgs.). 3º Seminário Nacional de História da
Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto. Anais... Ouro Preto:
Edufop, 2009.

RÜSEN, J. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência


histórica. Brasília: UnB, 2001.

WIKLUND, Martin. Além da racionalidade instrumental: sentido histórico e


racionalidade na teoria da história de Jörn Rüsen. Revista História da
historiografia. nº 01, agosto, 2008.

Você também pode gostar