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Somos filhos da época
e a época é política.
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RESUMO
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ABSTRACTI
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Sumário
1. Introdução ___________________________________________________ 7
2. Contextualização da trajetória política de Maquiavel ________________ 9
2.1 A compreensão da política no marco da renascença____________ 17
2.2 Os ensinamentos políticos de Maquiavel ______________________ 22
2.3 A república ______________________________________________ 29
2.4 O bom governo __________________________________________ 37
3. Referências explícitas ao tema da educação no pensamento político de
Maquiavel ______________________________________________________ 40
3.1 O movimento de educação humanista no século XV _____________ 40
3.2 O lugar da educação na filosofia de Maquiavel _________________ 43
3.3 Por uma compreensão geral de educação em Maquiavel _________ 49
4. Possíveis correlações indicativas acerca da importância da educação no
pensamento político de Maquiavel _________________________________ 53
4.1 Educação, Natureza e Desejo _______________________________ 53
4.2 Educação, Poder e Fortuna _________________________________ 58
4.3 Educação e Virtú _________________________________________ 61
Considerações finais _____________________________________________ 64
Referências ____________________________________________________ 67
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1. Introdução
8
2. Contextualização da trajetória política de Maquiavel
16
2.1 A compreensão da política no marco da renascença
17
Foi preciso estabelecer novos contornos para se compreender o cenário
italiano no fim dos Trezentos. posteriormente, não só era importante
desenvolver essa identidade própria, como também de valorizar a identidade do
império romano. Weiss (apud Skinner,1996, p.107) descreve como o espaço
físico teve grande significado para este processo. Na Itália do medievo era
comum a retirada de mármore das antigas construções do império romano, mas
ao constar a tamanha importância destes espaços físicos para a preservação
cultural e histórica, tais ações foram coibidas e esses espaços preservados.
A visão instaurada neste período entre estas duas realidades pôde, por
vezes, parecer confusa, visto as distinções e semelhanças ainda existentes. Tal
cenário é ilustrado por Panofsky quando este escreve que podemos comparar o
período do renascimento com o antigo império romano da mesma forma da
distância entre o olho e o objeto. Ele ainda salienta a relação desse modo de ver
com uma invenção do período renascentista, trata-se da perspectiva: “como
nesta, essa distância impedia um contato direto, mas permitia uma visão total e
racionalizada.” (1960, p. 153). Contudo, assim como quem lê um livro, é preciso
se atentar a esta perspectiva e a interpretação, adequando o que lhe apetece.
Desta forma, os antigos serviram de inspiração no período que se inicia o
renascimento, mas somente em relação ao que acreditavam ser mais adequado:
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virtude tomará armas contra o furor e será breve o combate, pois o antigo valor
ainda não está morto nos corações italianos). Compreendendo sua intenção
exposta ao final da obra, toda sua decorrência agora pode ser apreciada e
compreendida de modo mais fluente. Os ensinamentos de Maquiavel visam um
propósito, quando esse escreve princípios sobre as formas de acender ao poder,
os meios de ação e sua hierarquia, as qualidades que um governante deve ter, a
natureza humana frente a virtù e a Fortuna, como também os limites da ação
política. O filósofo florentino não só apresenta princípios para que o príncipe
possa vir a ser um bom governante, mas são princípios práticos que buscam
atender a um fim político, detalhando condutas com base nos ensinamentos dos
antigos.
Contudo, a obra de Maquiavel não deixa de ser um relevante tratado
teórico. Ainda que voltado para o modelo de principado, pode-se estender as
várias formas de governo e de Estados. Porém, o autor afirma que todos os
Estados podem ser divididos em repúblicas ou principados e deixa claro que
somente tratará dos modelos de principados, pois a obra destinada a república se
trata dos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (Maquiavel, 1996, p.
5-7).
Maquiavel diz haver duas formas básicas de principados: hereditários
e novos. A partir destes pode surgir um terceiro tipo: principados mistos, são
aqueles conquistados e anexados a um antigo. Os principados novos podem ser
adquiridos de quatro formas: 1) pela virtù; estes dispõem de qualidades que
garantirão segurança e longevidade no governo de seu Estado, estão ali por
serem capazes e devem se esforçar para que o povo comungue desta visão; 2)
pela Fortuna; uma obra do acaso, seja pela morte de algum príncipe, seja por
uma sorte do destino, esse príncipe conquistou este local, entretanto, não há
indícios de que esteja preparado para governar e, portanto, terá muitas
dificuldades em provar ao povo que é qualificado; 3) pela violência acelerada;
este se mostrará forte, tomará em armas para conquistar o principado, mas muito
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facilmente será odiado por seus súditos, porém, se mantida as precauções, deve
desfrutar das vantagens de ser temido; 4) com o consentimento dos cidadãos,
escolhido para o cargo pela necessidade de mudança. Deste decorre três efeitos:
principado, liberdade ou desordem, dependendo se este príncipe possui a virtù
necessária. (Kritsch, 2001, p.182).
O filósofo florentino nos mostra que estas formas de conquistar um
novo principado estão relacionadas com as formas de mantê-los. Os principados
que forem tomados com armas e virtude são mais fáceis de serem mantidos,
ainda que seja mais trabalhoso obtê-los (Maquiavel, 1991, p. 23-25). Os
principados obtidos pela Fortuna ou por uma exagerada violência têm
consequentemente uma maior dificuldade de serem mantidos (Maquiavel, 1991,
p. 27-33). Por fim, quando conquistados pelo crime, o risco de revolta e de não
manter o principado é constante (Maquiavel, 1991, p. 35-38).
Em seguida, Maquiavel mostra que esta crueldade praticada pode ser
dividida em bem ou mal, uma que seria benéfica de forma geral ao Estado e a
outra prejudicial. A crueldade benéfica se trata daquela executada de uma vez,
na dosagem certa para atingir os objetivos certos, em contrapartida, a crueldade
prejudicial é aquela crueldade descabida, usada em excesso e sem uma dosagem
para um fim específico, desprovida de racionalidade e não justificável
(Maquiavel, 1991, p. 37-38).
Maquiavel expõe sobre as formas de governo dentro dos principados.
Aqueles eclesiásticos e os que são governados por um príncipe, com o auxílio de
alguns ministros, esses sem nenhum poder dentro do governo, há também os
principados em que o príncipe divide seu poder com barões, estes possuem seus
próprios domínios. O principal ensinamento estabelecido aqui por Maquiavel é o
cuidado que se deve ter para com quem está ao lado do príncipe no governo do
Estado, é sempre perigoso e mais difícil de se manter o principado quando o
poder está parcelado e não concentrado inteiramente no príncipe, da mesma
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forma que o príncipe pode ficar sujeito a seus aliados e ser traído pelos mesmos
(Maquiavel, 1991, p. 43-47).
Percebemos a distinta preocupação de Maquiavel em quais seriam as
melhores formas de se manter o Estado, visto que o mesmo diz ser importante
“um príncipe estabelecer sólidos fundamentos”, as principais bases a serem
estabelecidas em um Estado são “boas leis e boas armas. E como não pode
existir boas leis onde não há armas boas, e onde há boas armas convém que
existam boas leis.” Maquiavel então irá sugerir que a força é a base necessária
para se manter o Estado, mas está deve ser usada da forma correta (Maquiavel,
1991, p. 49).
Ao escrever sobre as forças para se assegurar o Estado, o filósofo
florentino discorre sobre as próprias forças ou as mercenárias, auxiliares ou
mistas. Para Maquiavel, as mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas, um
Estado apoiado nestas forças nunca estaria seguro. Para se manter o Estado de
forma segura é necessário que as forças sejam formadas pelos próprios cidadãos.
Só estes morreriam em nome de seu príncipe e não relutariam em entregar-se ao
máximo no campo de batalha, diferente dos mercenários, seu vigor e astúcia são
ditados pelos valores a eles pagos (Maquiavel, 1991, p. 49). Notamos aqui a
forte influência humanista e dos antigos romanos, sendo esta medida já tomada
anteriormente e então defendida pelo humanismo cívico.
É importante que o príncipe esteja à frente destes exércitos, impedindo
que os capitães dos exércitos possam vir a ter mais forças sobre si. Considerando
isso, Maquiavel escreve: “Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem
outro pensamento, nem ter qualquer outra coisa como prática a não ser a guerra,
o seu regulamento e sua disciplina, porque essa é a única arte que se espera de
quem comanda.” (Maquiavel, 1991, p. 59). Fica evidente a relevância dada por
Maquiavel para o cuidado com a guerra. Mesmo em tempos de aparente
calmaria é preciso estar preparado. A ideia é que a paz se trata de um intervalo
entre guerras e a política é a extensão da guerra (Kritsch, 2001, p. 184).
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Outro tema relevante na construção do jogo político proposto por
Maquiavel é o questionamento sobre o que seria melhor, ser amado ou temido.
Logo o autor aponta que o ideal seria ser amado tanto quanto temido. Em face
de a dificuldade em se ter os dois, é preferível ser temido. Maquiavel nos
apresenta a realidade. O primeiro argumento trata sobre o quanto os indivíduos
são ingratos, simuladores e ambiciosos por dinheiro. Ao refletir sobre política,
estes fatos não podem ser deixados de lado (Maquiavel, 1991, p. 70). Em uma
realidade ideal, em que os indivíduos fossem fiéis e generosos, não haveria
problemas em um príncipe preferir ser amado; entretanto os indivíduos,
principalmente no tocante ao jogo político, são traiçoeiros e o príncipe deve
estar preparado.
Maquiavel também atenta, no segundo argumento para o fato de ser
mais fácil trair um príncipe piedoso do que um que seja temido. Ele afirma que:
“enquanto lhes fizeres bem, todos estão contigo”, mas quando o príncipe
necessitar de algo, todos viram as costas e “o Príncipe, se confiou plenamente
em palavras e não tomou outras precauções, está arruinado.” (Maquiavel, 1991,
p. 70). Tendo conhecimento do teor destas afirmações, pois previa que
questionamentos morais surgissem, Maquiavel busca ser ainda mais claro,
demonstrando que não é prudente seguir cegamente preceitos morais e
subestimar o quão traiçoeiros os indivíduos possam vir a ser. “Pois as amizades
conquistadas por interesse, e não por nobreza e grandeza de caráter, são
compradas, mas não se pode contar com elas no momento necessário”.
(Maquiavel, 1991, p. 70). Isso se deve, segundo Maquiavel, ao fato de que o
sentimento de amor pode facilmente se perder, entretanto, o temor de ser
castigado, este jamais abandona o sujeito.
Tendo compreendido a necessidade de se prezar em ser temido do que
ser amado, Maquiavel salienta que ser temido não é o mesmo que ser odiado.
Para ele é preferível que se seja temido sem ser odiado. Este estado não é difícil
de ser alcançado. Diz ele que “se abstenha de se apoderar dos bens e das
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mulheres dos seus cidadãos e dos seus súditos, e, mesmo sendo obrigado a
derramar sangue de alguém, poderá fazê-lo quando houver justificativa
conveniente e causa manifesta.” (Maquiavel, 1991, p. 70). Ainda que ao longo
da história Maquiavel tenha sido caracterizado de forma negativa, fica aqui
evidente o teor de seu realismo. Não se trata de um uso descabido da violência.
Isso seria uma atitude tirânica. Mas o bom príncipe deve derramar sangue
apenas quando houver justificativa para tal. A violência exercida, para
Maquiavel, deve ser na dosagem correta, de diferente forma o príncipe passará a
ser odiado e ficará cercado por pessoas que desejam sua morte, tal como assinala
Kritsch (2001, p. 184) “Decisiva, portanto, na argumentação de Maquiavel é a
ideia de que a ordem equivale a violência administrada. É por isso que se pode
dizer ser a violência a condição limite para a vida política.”
Maquiavel identifica dois modos de se combater e um príncipe deve
saber lidar com ambos os modos. O primeiro é próprio do homem, o modo das
leis; o segundo é pela força, característica animal. O modo das leis diz respeito a
astúcia, a inteligência, A persuasão, conhecer seus inimigos e estar preparado a
esquivar-se sabiamente de qualquer armadilha. Por outro lado, o modo da força,
trata-se da força bruta, da coragem, de ser aguerrido e saber se impor diante dos
inimigos, é espalhar o temor com apenas um rugido. Assim Maquiavel (1991, p.
73) compara o modo da força a um leão e o das leis a uma raposa, dizendo:
“precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os
lobos.”, contudo, o autor lembra que é importante ser leão apenas quando as
circunstâncias assim exigirem, porém, a raposa deve estar sempre alerta, pois
“os que se fizerem unicamente de leões não serão bem sucedidos.” E a respeito
da raposa, se todos os homens fossem bons, este preceito seria mal, mas alerta
Maquiavel que “poder-se-iam dar inúmeros exemplos modernos, mostrando
quantas convenções e quantas promessas se tornaram írritas e vãs pela
infidelidade dos príncipes.” (Maquiavel, 1991, p. 73-74).
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Ainda que o autor dê exemplos e busque ser claro em suas afirmações,
é previsível que tais considerações não seriam facilmente aceitas, tal é o caso
quando diz que “vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se
deveria viver, que quem se preocupa com o que se deveria fazer em vez do que
se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar”.
Exemplificando esta frase. Maquiavel continua: “e um homem que quiser fazer
profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus.”
(Maquiavel, 1991, p.63). Como já mencionado anteriormente, se todos os
indivíduos fossem bons, ideias como essas poderiam ser condenadas sem que
houvesse dúvidas, mas na realidade, entre tantos que são maus, esses preceitos
devem ser tomados em consideração, ainda mais por um príncipe que deseja ser
virtuoso e deve ser precavido.
Kristsch aponta uma discussão que é muito presente nos autores
posteriores a Maquiavel e em seus comentadores: “o que aparece aqui com
clareza, portanto, é a possibilidade de um conflito entre a ética tradicional do
indivíduo, especialmente a ética cristã, e as exigências da ação política.” (2001,
p. 185). As críticas direcionadas a Maquiavel são baseadas especialmente na
ética cristã, entretanto, o próprio autor afirma que a política tem suas próprias
exigências. Como visto, a política exige determinadas ações em determinados
momentos e locais, cada circunstância pede uma ação diferente. Desta forma,
Maquiavel entende que não cabe a política ser regida por uma ética universal e
valores individuais.
Maquiavel entende que a moralidade existente na política deva ser a
do bem comum. Deve existir uma pureza nas intenções do príncipe, ainda que
este tenha ações violentas; estas devem ser compreendidas se a sua finalidade
for o bem do Estado. Contudo, é importante lembrar que esta violência deve ser
dosada, pois se demasiado sangue for derramado, de nada adiantará as intenções
do príncipe. Pois o povo só terá observado os excessos cometidos. “Todos vêem
o que tu pareces, mas poucos o que és realmente”. (Maquiavel, 1991, p. 75).
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Desta forma Kristsch acrescenta: “para o homem político, portanto, o importante
é alcançar os resultados almejados, desde que não se ultrapasse os limites da
moralidade corrente, isto é, os limites do que a sociedade está disposta a aceitar
como lícito.” (2001, p.186). Para Maquiavel, a política se trata de uma ciência,
tal qual ficou marcado o período renascentista pelo domínio das ciências
naturais. A política caracteriza-se pelo domínio da natureza humana. É preciso
compreender os indivíduos para compreender a política. Em Maquiavel, a
política tem suas próprias exigências, é um jogo de poderes onde os príncipes
estão inseridos, cujo objetivo é buscar o bem e a prosperidade do principado.
2.3 A república
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direito, consequente do primeiro, a se governarem conforme entendessem
melhor – ou seja, a defesa de suas constituições republicanas.” (Skinner, 1996,
p. 26-29).
Contudo, como aponta Skinner (1996, p. 29-31), essa defesa pela
independência e pela liberdade tinha uma grande fraqueza que prejudicava as
cidades-repúblicas. Essa determinante defesa pela liberdade carecia de qualquer
respaldo legal. “Desde que o estudo do direito romano renascera nas
universidades de Ravena e Bolonha, em fins do século XI, o código civil
romano passou a servir como a base em que se enquadravam a teoria e a prática
da lei por todo o Santo Império romano” (Skinner, 1996, p. 29). Dessa forma, o
império usou desse argumento para justificar suas investidas diante das cidades,
principalmente ao serem respaldados pelo Decreto de Roncaglia em novembro
de 1158. Tal decreto surge das reuniões convocadas pelo imperador Frederico
Barbarossa (1122-1190), intituladas Curia Roncagliae. Ali os principais juristas
de Bolonha estiveram reunidos e deram ao imperador totais poderes sobre as
cidades. Skinner traduz que esses juristas definiram o imperador como
“governante supremo, em todos os tempos, sobre todos os seus súditos de toda a
parte” (Skinner, 1996, p. 31). Assim, para garantir a liberdade, é preciso
compreender que a necessidade de não só ter seus líderes e enfrentar o exército
do Império, mas de constituir uma independência também através das leis. Essa
nova perspectiva surge com Bartolo de Saxoferrato no início do século XIV,
com uma importante contribuição, seu trabalho não teve o papel apenas “de dar
início a uma revolução no estudo do direito romano [...], mas também o de
avançar decididamente no rumo da ideia, que caracterizará a modernidade, de
vários Estados soberanos, separados entre si e independentes do Império.”
(Skinner, 1996, p. 31).
Embora bons argumentos para a defesa da independência fossem
elaborados, as cidades-repúblicas enfrentaram diversas dificuldades. Visto, pois,
elas tiveram de resistir aos ataques da igreja que buscava ter o papa como o
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grande líder da Itália, como também de imperadores que tentavam ter para si os
territórios italianos para uma reestruturação do antigo império romano. Em meio
a essas disputas, esse desejo pela liberdade nas cidades se intensificou ainda
mais. Quanto mais se buscavam tomá-las à força, mais as cidades defendiam sua
independência. Assim aponta Skinner ao mencionar as cidades que se
destacaram por essa defesa na região da lombarda e toscana: “algumas cidades
lombardas e toscanas começaram a elaborar uma ideologia política que fosse
capaz de legitimar suas contestações aos poderes e imunidades que a igreja
então pleiteava”. Em seguida Skinner aponta as cidades que por esse movimento
se destacaram: “isso se deu basicamente em Florença, que se proclamou guardiã
das ‘liberdades toscanas’, e em Pádua, que desde a restauração de seu governo
comunal, em 1256, aparecia como a maior defensora dos valores republicanos
na Lombardia” (Skinner, 1996, p. 37-38).
Temos na história de Florença uma marca muito significativa de um
governo republicano, uma organização que durou por mais de um século até que
os Médici assumissem o poder nos Quatrocentos. Para compreender com
exatidão como era estruturado esse modelo de república florentina, adotamos a
descrição de Paul Larivaille; a hierarquia política que governava Florença era
dividida em três grupos, a senhoria, os gonfaloneiros e os anciães. Todas as
decisões deveriam ser aprovadas pela maioria desses três grupos, que era
composto ao todo, por cento e cinquenta homens anualmente. Cada qual tinha
um tempo muito curto no cargo; os membros da senhoria permaneciam por dois
meses, os gonfaloneiros por quatro meses e os anciães, três meses. A senhoria
que compunha a suprema magistratura, tinha diretamente nove membros, mas
também contava com a assessoria dos outros dois conselhos, dezesseis membros
pelos gonfaloneiros e doze anciães. Esse formato de administração que
distribuía os poderes e mantinha os cargos por um curto período de tempo,
permitia que nenhuma indivíduo pudesse se apoderar do cargo por estar
demasiado tempo nele, tão pouco corriam o risco de caírem em corrupção,
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contudo, esse modelo administrativo causava, por vezes, uma demora na tomada
de decisões, o que em situações adversas poderia ser prejudicial. Além desses
três principais grupos, ainda existiam uma série de outros conselhos e cargos
isolados que eram subordinados a suprema magistratura. Entre esses diversos
conselhos, compunha uma assembleia eleita constituída por membros das
grandes famílias. Um grupo de seis membros que atuavam como um tribunal de
comércio. Havia também o conselho de guarda, composto por oito membros
responsáveis pela segurança do Estado. Outro grupo de dez membros era
designado para assuntos militares e relações diplomáticas em tempos de guerra.
Um determinado grupo também era responsável pela administração das finanças
de Florença. Ainda existiam os cônsules, que representavam os comerciantes e
artesãos. O podestà era um cargo comumente ocupado por algum estrangeiro
que seria o responsável pela administração da justiça. Por fim, o cargo de
capitão do povo, que era responsável por garantir a defesa dos interesses do
povo junto ao governo.
Após detalhar sobre a forma de administração que a república da
cidade de Florença era constituída, Larivaille descreve a forma que o legislativo
atuava dentro do sistema republicano, suas características e desdobramentos. O
legislativo dependia de duas assembleias eleitas a cada quatro meses, o
Conselho do Povo e o Conselho da Comuna, esses eram responsáveis por
aprovarem os projetos de lei quando obtida a maioria de dois terços. Contudo,
quando fosse necessário, os conselhos poderiam convocar assembleias
extraordinárias para a tomada de decisões urgentes. De todo modo, o sistema
florentino era interligado e os conselhos dependentes entre si, de tal modo que,
era possível haver conflitos entre os membros de diferentes conselhos, mas o
principal objetivo desse sistema republicano, em tese, era atingido, o de garantir
a liberdade republicana com a constante rotatividade dos cargos (Larivaille,
1988, p. 17-18).
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Em seguida, Larivaille escreve que, ainda que se fale em república,
esse modelo vigente em Florença era pouco democrático. Podemos dividir esse
processo de seleção dos indivíduos que ocupariam esses cargos em três
momentos. Primeiramente, os nomes são indicados pelos gonfaloneiros, em
seguida, dentre esses nomes, era organizada uma eleição, a qual só detinham
direito ao voto homens que estivessem registrados em corporações, portanto,
uma pequena parcela da sociedade. Os nomes que obtivessem maioria de dois
terços eram destacados e passavam por uma triagem, organizada por
funcionários específicos que eliminavam aqueles indivíduos que não se
enquadrassem nos parâmetros já determinados, como idade mínima, dívidas e
parentesco com funcionários das eleições, entre outros. Por fim, após esses
passos, os nomes que restassem eram colocados em bolsas e então ocorria a
etapa final da seleção, um sorteio (Larivaille, 1988, p. 18-20). Contudo, é
imprescindível notar que os três momentos são pouco democráticos, desde a
escolha pessoal do nome por parte do gonfaloneiro que provavelmente era
carregada por interesses, passando por uma eleição com a participação mínima
da sociedade e culminando em um sorteio que na prática os candidatos não
detinham as mesmas chances, visto que os nomes de membros das corporações
mais poderosas eram colocados em bolsas diferentes dos membros de
corporações menores, destinadas aos artesãos.
Percebe-se assim, que todo esse processo deixava de fora o restante da
população. Desse modo, o povo então não ofereceria nenhuma ameaça ao
governo e todo o processo, que era gerido pelos membros das grandes
corporações, sendo possível que estes se organizassem para tramar em seu favor
e atingir objetivos próprios. Não obstante, foi dessa forma que a partir de 1433 a
família Médici consegue retornar ao poder e governa conforme suas próprias
convicções, partindo de uma ação interna nesse sistema de eleição, quando
membros da família dentro do sistema compactuaram para a acessão da família
ao poder de forma despótica. (Larivaille, 1988, p. 18-20).
33
Notamos até aqui parte das dificuldades enfrentadas pela república
florentina, na sua maioria, movida por interesses pessoais de homens desejosos
pelo poder. Contudo, isso foi possível, em grande parte, por ter respaldo de boa
parcela da sociedade, que desconhece os reais motivos daquele que busca o
governo e tão pouco do que é melhor para a cidade, como observa Maquiavel
“um cidadão perverso não pode ter êxito numa república que não esteja
corrompida” (Maquiavel, 2008, p. 331). Sendo assim, ainda que um indivíduo
tente contra a república buscando poder, se essa não for corrupta – isto é, que
cada cidadão sabe do seu papel e reconhece o que é melhor para toda a cidade e
não somente para si, como também busca atender os interesses da cidade –
nenhum mal intencionado teria sucesso em sua empreitada, já que a própria
cidade se aperceberia ameaçada e que aquelas ações preteridas não seriam
benéficas. Entre tantos motivos para a derrocada da república florentina,
podemos dizer que possivelmente, um desses tenha sido a falta de conhecimento
do povo em relação a sua participação e o que seria melhor para a cidade e o
outro se daria pelo excesso de desejos pessoais colocados a frente dos desejos da
cidade nas escolhas dentro do sistema político de Florença, dando espaço para
que insurgissem homens mais desejosos de poder do que da liberdade
republicana. Em resumo, o que se tinha era uma república corrompida, portanto,
a falha desse sistema político não consiste no modelo republicano proposto, mas
na corrupção que ali se instalou pelos indivíduos.
A base fundamental de toda república é a união do povo. Decerto, essa
união também depende de um fim em comum, o bem do povo. Para tanto é
preciso que o povo saiba o que lhe fará bem, precisam de um mínimo de
instrução e aqueles que estão coordenando a república devem ter conhecimento
de que como diz Maquiavel, um povo que permanece unido é forte, por sua vez,
se os indivíduos forem isolados se tornam fracos. “O povo que deseja evitar tais
perigos deve escolher um chefe que o dirija, o mantenha unido, e o defenda. Foi
o que fez a plebe quando abandonou Roma depois da morte de Virgínio,
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nomeando vinte tribunos para zelar pela segurança.” (Maquiavel, 2008, p. 178).
Seguindo o pensamento de que um governo republicano só é possível pela união
do povo, Maquiavel ainda sustenta que o povo é mais sábio e constante do que
um príncipe e isso seria um dos motivos para o modelo republicano ser mais
indicado do que o monárquico hereditário. O autor salienta que tanto os
príncipes quanto a multidão podem errar, mas não se tem “o direito de criticar o
caráter da multidão, como dos príncipes; todos estão sujeitos aos mesmos erros
quando não há freio que modere as paixões. [...] Acusar ao mesmo tempo uns e
outros é dizer uma meia verdade: mas comete um equívoco quem excetua estes
últimos.” (Maquiavel, 2008, p. 180). Maquiavel segue argumentando sobre a
importância do povo, sendo mais confiável que um príncipe.
35
perdura séculos – uma constância desconhecida dos príncipes
(MAQUIAVEL, 2008, p. 181).
38
Um dos modos de se combater a corrupção em uma república
apontado por Maquiavel é de recompensar e punir cidadãos independente de
quem sejam e do que possam ter feito em outros momentos, buscando sempre
agir com justiça para cada ação:
Ainda que Maquiavel apresente certos aspectos que devam ser levados
em consideração para a constituição de um bom governo, o mais importante é
estar preparado para lidar com as dificuldades que encontrarem, com as viradas
da Fortuna. Para isso, é importante conhecer a história, basear-se nos bons e
maus exemplos, de modo que todas as ações apontadas pelo autor serão naturais
para aqueles que as comprovam através da experiência.
39
3. Referências explícitas ao tema da educação no pensamento
político de Maquiavel
Com maior espanto ainda vejo que, nas causas que agitam os cidadãos
e nos males que afetam os homens, sempre se recorre aos conselhos
que agitam os cidadãos e nos males que afetam os homens, sempre se
recorre aos conselhos e remédios dos antigos. As leis, por exemplo,
não são mais do que sentenças dos jurisconsultos pretéritos, as quais,
codificadas, orientam os modernos juristas. A própria Medicina não
passa da experiência dos médicos de outros tempos, que ajudam os
clínicos de hoje a fazer diagnósticos. Contudo, quando se trata de
ordenar uma república, manter um Estado, governar um reino,
comandar exércitos e administrar a guerra, ou de distribuir justiça aos
cidadãos, não se viu ainda um só príncipe, uma só república, um só
capitão, ou cidadão, apoiar-se no exemplo da Antiguidade
(MAQUIAVEL, 2008, p. 17).
43
da educação em relação a se governar, um estudo da história, aprendendo com a
experiência dos antigos para melhor lidar com as atuais adversidades. E visto
essa dificuldade, Maquiavel comenta que “A causa disto, na minha opinião, está
menos na fraqueza em que a moderna religião fez mergulhar o mundo, e nos
vícios que levaram tantos Estados e cidades da Cristandade a uma forma
orgulhosa de preguiça, do que na ignorância do espirito genuíno da história.” 1
(Maquiavel, 2008, p. 17). O que se entende disso é que não basta a
contemplação dos fatos históricos, é preciso superar esta inércia e praticar um
estudo ativo, apenas com uma preparação poderá se entender realmente o que a
história pode nos ensinar, pois uma fraca educação fara com que surjam
julgamentos imprecisos acerca desses fatos históricos.
Outro trecho importante nos Comentários Sobre a Primeira Década
de Tito Lívio é no capítulo quatro do livro um, ao falar sobre a importância da
desordem dentro de um governo, desordem essa afim de exigir boas leis.
Maquiavel menciona a educação como parte importante da estrutura, “pois os
bons exemplos nascem da boa educação, a boa educação das boas leis, e estas
das desordens” (Maquiavel, 2008, p. 31, grifo nosso). Aqui Maquiavel
apresenta uma correlação entre os termos e como um depende do outro. Assim
como Ames sugere, ocorre uma relação cíclica: “tão importante quanto o
condicionamento recíproco entre educação e lei, é a circularidade entre os quatro
elementos presentes no fragmento acima: exemplos, educação, leis e tumultos.”
(Ames, 2008, p. 146). Dessa forma, a educação se torna uma engrenagem
fundamental para o funcionamento de um bom governo atuando de modo
circular em quatro momentos: a) os cidadãos, através das desordens, buscam as
boas leis; b) surge destas boas leis uma boa educação; c) essa educação forma
bons cidadãos; d) cidadãos esses que darão o bom exemplo exigindo boas leis
por meio das desordens, quando se fizerem necessárias. Essa estrutura é base
1
Aderimos a interpretação contida no artigo de José Ames Maquiavel: a formação do bom cidadão.
2008. Onde na citação a “moderna religião” é compreendida como educação.
44
para a configuração do bom governo na teoria política maquiaveliana, com a
participação popular para constituir a república e tendo seus cidadãos uma
educação para a liberdade, não permitirão que a cidade seja corrompida.
Já no livro segundo capítulo dois dos Comentários Sobre a Primeira
Década de Tito Lívio, Maquiavel observa que:
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uma boa educação estarão melhor preparados para buscar as virtudes
imprescindíveis e poderão lidar da melhor forma com as desordens da natureza.
Podemos observar a importância da educação para a manutenção de
um bom governo no livro terceiro capítulo trigésimo dos Comentários Sobre a
Primeira Década de Tito Lívio quando Maquiavel sugere que sem a boa
educação que proporciona aos indivíduos alcançar as virtudes um Estado em
ruína tenderá a permanecer nestas dificuldades, quando ali todos estão
acostumados a viver em corrupção. “onde a educação não lhes deu qualquer
virtude, é impossível que por alguma circunstância abandonem essa inveja; para
alcançar o objetivo dos seus desejos, e satisfazer a perversidade da sua alma,
assistiriam contentes a ruina da própria pátria.” (Maquiavel, 2008, p. 390). Dois
importantes pontos podem ser destacados dessa passagem, o primeiro é que fica
evidente que as virtudes não são inatas, pelo menos não em sua totalidade. Elas
podem e são alcançadas pela boa educação. Segundo que sem uma boa educação
e com indivíduos corrompidos, não é possível reerguer um Estado arruinado. É
através da educação, essa força ordenadora, que se pode superar a corrupção dos
indivíduos e buscar um bom governo.
Por fim, no que se refere as passagens inventariadas nos Comentários
Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, no livro terceiro capítulo quadragésimo
sexto, ao escrever sobre as famílias, Maquiavel mostra como a educação tem
influência no tocante a esse tema.
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destes que deve ser contida, é o amor à pátria destes que deve ser atiçado, é o
egoísmo destes que deve ser superado, é o interesse pelo bem comum destes que
deve ser despertado” (apud AMES, 2008, p. 148). Percebemos assim que a ação
da educação é individual, mas sua origem e suas consequências são coletivas;
ela parte de grupos como família ou instituições, para a apreensão do indivíduo
que com base nessa educação guiará suas ações dentro do corpo social. “As
diferenças entre os grupos humanos [famílias e povos] são determinadas não por
fatores genéticos [‘de sangue’], mas pelo costume fixado através da educação.”
(Ames, 2008, p. 148).
No livro Da arte da guerra, ao falar sobre as qualidades de um
soldado, Maquiavel reforça a educação como fundamental para a formação.
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de uma aceitação da natureza, de um simples destino, sugere ele que se existem
problemas, esses são mais por falha de uma má educação do que pela natureza,
pois seria a educação capaz de compensar os erros da natureza.
Maquiavel não buscou elucidar normas educacionais em prol do
ensino em liames pedagógicos. Sua perspectiva da educação está muito mais
ligada a sua crítica aos pensadores, aqui já mencionada, em que os indivíduos
precisam ser muito mais ativos do que apenas contemplativos, mas também não
somente ativos, agindo guiados por seus desejos e impulsos. É preciso um
equilíbrio, um conhecimento e uma aplicação desse conhecimento na vida
pública. Trata-se a educação de uma ação transformadora capaz de ecoar onde o
caos e a desordem predominam e causam a corrupção.
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Larivaille relata ainda que essa forma de pensamento predominante na
renascença, platônica e cristã, instaurada pelos primeiros humanistas, preza pela
contemplação, afastando assim os intelectuais da vida pública, da prática
política, permitindo que os governantes pudessem agir como bem entendessem,
de forma livre. Eugênio Garin tece comentários sobre como os filósofos e
literários da época discutiam apenas entre seus pares, participando de círculos,
como o Orti Oricellari ao qual Maquiavel era membro, mas pouco aplicavam
seus conhecimentos na prática. “No momento em que se afirma os platônicos,
morre o sonho platônico de confiar o governo da cidade aos sábios; e a cidade
platônica não passa de uma academia” (Garin, apud Larivaille, 1979, p. 162).
Não obstante, havia aqueles que se submetiam ao governo vigente,
delimitando seu trabalho ao agrado daqueles que governavam. “De Ficino, o
apreciado filósofo do neoplatonismo, a Ângelo Policiano, o poeta filólogo,
passando por outros menos célebres, todos procuraram adequar a sua produção
ao gosto e à política cultural de Lourenço” (Larivaille, 1979, p. 162). Os
motivos poderiam ser dos mais variados, para evitar a miséria, por ambição de
obter algum favor ou importante cargo no governo, como também um
comodismo, evitando perseguições políticas. No período que o modo
republicano esteve presente em Florença, de 1494 a 1512, houve um sopro de
esperança para a vida prática dos letrados. Assim como Maquiavel, outros
humanistas assumiram cargos no governo. Entretanto, toda essa esperança vem
abaixo com a retomada do governo pelos Médici.
Nos Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Maquiavel
apresenta uma hierarquia entre os homens, onde aqueles que são letrados
ocupam um lugar especial. “Os mais dignos são os chefes ou fundadores de
religiões. Depois vem os fundadores de repúblicas ou de reinos. Em seguida os
que, à frente de exércitos, (...). Devemos acrescentar os letrados (...) cada um
alcança a glória reservada à categoria que pertence.” (Maquiavel, 2008, p. 53).
Assim, o letrado tem seus méritos, é quem olha para a história buscando
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conhecimento e deve usar deste conhecimento para que a sociedade possa estar
preparada para as mudanças da Fortuna.
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4. Possíveis correlações indicativas acerca da importância da educação
no pensamento político de Maquiavel
53
reforma do trabalho da razão, já que a análise da relação entre meios e fins
permite otimizar a expressão do desejo” (Ménissier, 2012, p. 16).
Para o autor florentino, todos os fatos que de alguma forma já
ocorreram na história da humanidade, mais especificamente no que se refere ao
governo de cidades, de uma forma igual ou semelhante poderá ocorrer
novamente no futuro. De tal forma que, as dificuldades que algum governante
encontrasse no seu tempo, outro já teria passado por semelhantes dificuldades
em outros tempos. Com base nessa observação de Maquiavel sobre a história
humana, no sentido de ser possível aprender com o passado, seria negligente
aquele que não se utilizasse do estudo da história e aprendesse com os exemplos.
A respeito disso Maquiavel afirma:
Maquiavel acredita que além dos vastos conflitos que se possa ter
dentre os governos, exista também, uma moderação entre bem e mal e que isso
se espalha pelos Estados, de modo a distribuir tanto glórias como dificuldades.
“O bem e o mal, contudo, tem passado de um país a outro, como nos indicam as
informações que temos hoje dos reinos antigos – que a variação dos costumes
tornava diferentes uns dos outros, embora o mundo, como um todo,
permanecesse imutável” (Maquiavel, 2008, p. 190). Nota-se assim que esse
estudo do passado se baseia num pensamento de contínuo movimento da
história, mas que carregaria consigo todo bem e mal, toda a experiência,
interagindo com os povos, quase que a cada novo Estado que surja, inicia-se
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também um novo caminho na mesma história, observando as diferenças dos
costumes.
Maquiavel explica que é natural do indivíduo o desejo, o querer
sempre mais, acumular riquezas e poder. A ambição pode cegar e levar
governantes a tomar atitudes extremas. “Se não lutam por necessidade, lutam
por ambição. É uma paixão que tem neles raízes profundas; não os abandona,
por mais elevada a situação a que cheguem” (Maquiavel, 2008, p. 122), em
seguida o autor explica como se caracteriza esse homem por natureza e como é
difícil se distanciar dessa inclinação.
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(Ames, 2009, p. 182). É inevitável que para a realização dos desejos de um, em
dado momento, conflite com a realização dos desejos de outrem, não sendo
possível assim que todos os desejos sejam alcançados, fazendo com que os
indivíduos busquem incansavelmente algo que nunca irão alcançar
completamente.
Estando, portanto, os indivíduos em constante discórdia, afastando-os
de uma cooperação, o questionamento que surge é de como se estabeleceria um
consenso no tocante à política numa sociedade. Pensando numa república, como
se governaria para todos e de que forma se tomaria as decisões? Para Maquiavel,
esse consenso está justamente no que os conflitos proporcionam. Para
compreender melhor, Senellart faz uma interessante distinção entre concepções
filosóficas de concórdia e busca reconhecer como Maquiavel se encaixaria
nesses parâmetros.
Ames aponta, que o desejo coletivo não pode ser excluído, pois dentro
de grupos existem desejos que podem ser coletivos. Mais especificamente, os
grupos que Maquiavel define como os Grandes e o Povo, os grandes são a
aristocracia, aqueles que detém bens e buscam governar as cidades. Em
contrapartida, o povo é a classe inferior economicamente e que tem a liberdade
como desejo, buscando não serem dominados. A harmonia para Maquiavel
surge justamente desse conflito, onde, de certo modo, os dois lados devem
cumprir com suas tarefas e assim equilibrar de modo geral as forças,
principalmente no tocante à garantir a liberdade em uma república. Assim, os
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grandes não desejam perder seu poder e o povo não deseja perder sua liberdade,
ambos para domínios estrangeiros.
Ao analisar, assim como Maquiavel, a importância do povo para se
obter a liberdade e como desempenha papel fundamental também na
manutenção da sua própria independência. Poderá ocorrer questionamentos
sobre a real importância desse povo, principalmente pelos aspectos apresentados
por Maquiavel sobre um povo que se caracteriza pelo conflito. Buscando
evidenciar a relevância do povo nessa constituição política e mais à frente de
como esse deve ser instruído, acreditamos ser relevante para o momento às
palavras de Bignotto acerca do povo:
A meu ver, podemos considerar que o desejo do povo, esse desejo que
é natural e descabido, se inclina à liberdade. Esse mesmo desejo de liberdade
deve residir em cada cidadão que compõem o povo. Sendo assim, cabe ao povo
garantir a liberdade. Para Bignotto, Maquiavel indica isso em sua obra: “não há
dúvida de que Maquiavel procura demonstrar que o único elemento capaz de
construir uma república potente é o elemento popular” (Bignotto, 1991, p. 108).
Entretanto, ainda que indique isso, Maquiavel escreve em dado momento que
“enganado por uma falsa aparência, o povo muitas vezes deseja sua própria
ruína: é fácil movê-lo com promessas espantosas e grandes esperanças”
(Maquiavel, 2008, p. 165). Essa crítica de Maquiavel ao povo não reside no seu
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desejo, da mesma forma que não é direcionada a sua natureza, ambas
permanecem as mesmas, com o autor ainda afirmando que é desejo do povo a
liberdade. Esse deve garanti-la, mas como sugere Bignotto, essa crítica se
direciona a “uma falsa interpretação de seu objetivo” (1991, p. 108).
Observando isso, é possível notar que para se garantir a liberdade, é preciso que
o povo tenha clareza de seu objetivo, de modo a não ser persuadido por falsas
promessas. É possível observar nesse momento a educação política como
ferramenta eficaz na formação cívica. Assim como anteriormente mencionado,
Maquiavel sugere o estudo da história, a análise dos exemplos para melhor
compreender o tempo presente, isso inclui os objetivos do povo, através da
educação obteriam uma maior clareza e como, indica Ames em seu artigo, “a
educação é pensada em Maquiavel como uma força destinada a controlar a
desordem inerente ao movimento tanto do desejo quanto da natureza impedindo
os efeitos deletérios daquele sobre a vida política”. (Ames, 2008, p. 137). Ames
pensa que é pela educação que “o homem é capaz de conhecer a ‘natureza das
coisas’, isto é, saber o que as coisas são ‘desde sempre’ e, desta maneira,
antecipar-se ao ‘curso das coisas ordenado pelos céus’” (Ames, 2008, p. 137).
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antiguidade” (Maquiavel, 2008, p. 190). Contudo ele assegura que as diferenças
existentes entre as épocas são demasiadas. Em seguida, o autor escreve sobre
sua pretensão e em tom não comum a ele, aconselha de forma esperançosa os
jovens. Em tese, entendemos assim, que sua obra Comentários sobre a primeira
década de Tito Lívio possivelmente caracteriza-se como uma alusão a
importância da educação para a constituição de um governo republicano:
Considerações finais
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Por fim, buscando apresentar a importância da temática da educação
inserida nas obras de Maquiavel, correlacionando com alguns temas pertinentes
para sua teoria política, de modo a perceber essa interação, analisamos os
conceitos de natureza, desejo, poder, fortuna e virtù. Percebemos que Maquiavel
observa a educação política com estreita relação aos conceitos apontados. Dessa
forma, é possível não só identificar os liames da educação política, mas auxilia
na compreensão dos demais conceitos levantados.
Por meio dessa pesquisa, foi possível observar em Maquiavel, além da
sua teoria política, de que modo a filosofia se evidencia também no aspecto
humano abordado pelo autor. Ao introduzir suas experiências cotidianas na
relação com outros indivíduos, Maquiavel permeia uma análise das ações
humanas e apresenta facetas controversas para a época. Evidenciando a natureza
conflitante do ser humano, o filósofo florentino nos mostra que é preciso um
mínimo de conduta, uma mediação que deve ser obtida por meio da educação,
capacitando os indivíduos para que instituam leis que possam regular a
sociedade e buscar garantir a liberdade de todos.
Maquiavel não nos proporciona uma pedagogia, quando nos referimos
em educação. Nesse caso, tratamos estritamente de uma educação política, mas
não segundo os moldes de uma educação formal. Observamos uma tentativa de
inspiração, comumente utilizando-se dos exemplos do passado para se guiar no
presente e prevenir-se para o futuro. Maquiavel enfatiza a importância de
conhecer a história, de aprender com ela e utilizá-la; incentiva que essa prática
seja adotada e através de suas obras onde ele toma “a decisão de seguir uma
senda ainda não trilhada, movido pelo natural desejo que sempre me levou sem
receios aos empreendimentos que considero úteis” (Maquiavel, 2008, p. 17). Ele
espera que sua obra, afirmando especificamente nos Comentários sobre a
primeira década de Tito Lívio, sirva pelo menos para abrir caminho, que outros
a partir dela possam levar a cabo seus objetivos, que através da experiência seja
possível adquirir um conhecimento útil para o presente, visto isso, podemos
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acreditar que esse conhecimento das experiências, pode ser compreendido tal
qual uma educação.
Ainda que de modo singelo, nessa pesquisa pudemos observar a forte
influência humanista nos escritos de Maquiavel, igualmente no tocante à
temática da educação. Sendo possível também notar a relevância que essa
educação tem como base do que propõe Maquiavel. Logo, acreditamos ser
difícil projetar uma república sem corrupção ou mesmo um príncipe virtuoso
que mantenha seu Estado, sem que tenha uma boa educação, que os prepare ante
as dificuldades. Pode parecer, à primeira vista, um ato comum que o filósofo, tal
qual Maquiavel, valorize a educação, mas é importante frisarmos essa educação
como ação política e não somente contemplativa, algo que o mesmo recusava. É
uma educação com um fim: de capacitar o indivíduo para as virtudes e assim
buscar um governo sem corrupção e que zele pelos princípios da liberdade.
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Referências
AMES, José. Maquiavel e a Educação: A Formação Do Bom Cidadão. São Paulo, SP:
Trans/Form/Ação 31(2): 137-152, 2008.
<http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/transformacao/article/view/986/889>.
Acesso em: 26/11/2018.
AMES, José. Liberdade e conflito - O confronto dos desejos como fundamento da ideia
de liberdade em Maquiavel. Kriterion vol.50 no.119 Belo Horizonte Jun. 2009.
<http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2009000100009>. Acesso em: 26/11/2018
LARIVAILLE, Paul. A Itália no tempo de Maquiavel. São Paulo. Companhia das Letras.
1988.
MARIANA, Juan. Dignidad real y la educacion del rey. Madrid, Centro de Estudios
Constitucionales, 1981.
MONTESQUIEU, Charles. Do espirito das leis. 2ª ed. São Paulo, Marins Fontes, 2000.
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PANOFSKY, Erwin. Renacimiento y renacimientos en el arte occidental. Madrid, Alianza
Editorial, 1981.
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