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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA – UNICURITIBA

ÂNIMA EDUCAÇÃO

GUILHERME FERREIRA KILTER LIRA

A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E POLÍTICA NO PROCESSO


DE FORMAÇÃO OCIDENTAL DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Curitiba
2022
GUILHERME FERREIRA KILTER LIRA

A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E POLÍTICA NO PROCESSO


DE FORMAÇÃO OCIDENTAL DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de graduação em Relações Internacionais, da
UNICURITIBA como requisito parcial para obtenção
do título de bacharel.

Orientador: Professor Eduardo Teixeira de Carvalho


Júnior

Curitiba
2022
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por me direcionar a cursar essa disciplina


no tempo certo, que me levou a muitas experiências, amizades e aprendizados.
Também agradeço a minha família, por me dar tanto apoio e incentivo nessa
jornada. Por fim, dedico esse trabalho a minha amada tia, Cleusa Ferreira Piragine,
que veio a falecer ano passado, mas sempre se orgulhou da minha formação e
certamente se alegraria com essa conclusão de ciclo.
RESUMO

Essa monografia tem como objetivo analisar a relação entre o Estado, a política e a
religião no sistema internacional ocidental. Nesse aspecto, a análise tem seu início
em uma breve menção ao fim do Império Romano e início da Era Medieval,
demonstrando a ascensão do cristianismo e sua primeira grande mudança em relação
ao poder político na Europa. A investigação aprofunda-se principalmente na
modernidade, nos eventos da Reforma Protestante, Guerra dos Trinta Anos, Paz de
Westfália e Revolução Francesa, e como a instituição da Igreja Católica exerceu seu
poder político internacional nesse período. Por fim, verifica-se o impacto desses
eventos na teoria das relações internacionais e o reflexo da religião na sua formação
como disciplina, conceituando uma nova religião baseada nos ideais iluministas e
humanistas, a “religião civil”. Nesse sentido, o trabalho demonstra a compreensão da
religião nas relações internacionais como objeto de análise e identifica seu papel e
influência no recorte ocidental da história. Mais especificamente, isso é feito
analisando os impactos da religião no pensamento político internacional, investigando
a profunda influência da religião nas relações internacionais entre 1517 (Reforma
Protestante) e 1789 (Revolução Francesa), e identificando e conceituando o período
de pós-secularização no estudo de relações internacionais.

Palavras-chave: Religião. Estado. Relações Internacionais. Política.


ABSTRACT

This monograph aims to analyze the relationship between the State, politics and
religion in the western international system. In this aspect, the analysis begins with a
brief mention of the end of the Roman Empire and the beginning of the Medieval Era,
demonstrating the rise of Christianity and its first major change in relation to political
power in Europe. The investigation delves mainly into modernity, the events of the
Protestant Reformation, the Thirty Years' War, the Peace of Westphalia and the French
Revolution, and how the institution of the Catholic Church exercised its international
political power in this period. Finally, the impact of these events on the theory of
international relations and the reflection of religion in its formation as a discipline is
verified, conceptualizing a new religion based on Enlightenment and humanist ideals,
the "civil religion". In this sense, the work demonstrates the understanding of religion
in international relations as an object of analysis and identifies its role and influence in
the western frame of history. More specifically, this is done by analyzing the impacts
of religion on international political thought, investigating the profound influence of
religion on international relations between 1517 (Protestant Reformation) and 1789
(French Revolution), and identifying and conceptualizing the post-secularization period
in the study of international relations.

Key words: Religion. State. International Relations. Politics.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 4
2 A PRIMEIRA REVIRAVOLTA HISTÓRICA DA RELIGIÃO ........................... 6
2.1 REFORMA PROTESTANTE: A RUPTURA DA IGREJA CATÓLICA E SUAS
IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DO ESTADO ........................................................ 10
2.2 O RENASCIMENTO, UMA MUDANÇA DE CULTURA E PODER NA EUROPA .11
2.3 A CONTRARREFORMA: O ESTOPIM PARA A GUERRA RELIGIOSA ............ 13
2.4 A GUERRA DOS TRINTA ANOS, O CLÍMAX DA RELAÇÃO ENTRE IGREJA E
ESTADO.................................................................................................................... 14
2.5 OS TRATADOS DE WESTFÁLIA E O NASCIMENTO DO SISTEMA DE
ESTADOS INDEPENDENTES .................................................................................. 18
3 THOMAS HOBBES, A REVOLUÇÃO FRANCESA E A SECULARIZAÇÃO
DO ESTADO ............................................................................................................. 23
3.1 MAQUIAVEL E BOTERO: AS BASES DA RAZÃO DE ESTADO ....................... 24
3.2 THOMAS HOBBES: O CONTRATUALISTA CRISTÃO ...................................... 23
3.3 JEAN-JACQUES ROUSSEAU E AS BASES SECULARES DO ILUMINISMO ... 27
3.4 OS IMPACTOS DA REVOLUÇÃO FRANCESA NA RELAÇÃO RELIGIÃO-
ESTADO.................................................................................................................... 30
3.5 A RELIGIÃO COMO IMPEDITIVO PARA A REVOLUÇÃO NA GRÃ-
BRETANHA................................................................................................................33
4 O PAPEL DA RELIGIÃO NA ERA PÓS-SECULARISTA ............................ 37
4.1 A RELIGIÃO CIVIL COMO CONSEQUÊNCIA DO ESTADO SECULARIZADO . 39
4.2 NACIONALISMO: O SIMBOLISMO APLICADO AO CULTO DO ESTADO ........ 44
4.3 O ESTADO LAICO COMO FORMADOR DE CIDADÃOS ................................... 47
4.4 AS EVIDÊNCIAS DA RELIGIÃO CIVIL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ... 49
5 CONCLUSÃO ............................................................................................... 52
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 54
4

A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E ESTADO: UMA ANÁLISE DA HISTÓRIA


MODERNA SUAS CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1 INTRODUÇÃO

As primeiras formas de religião possuem sua origem antes mesmo das


civilizações sedentárias do homem, e é muito anterior a diversos outros sistemas
ideológicos, sociais ou políticos, fundando e embasando grande parte de todo
pensamento filosófico e teórico do ocidente. Por isso, a religião permanece como um
importante objeto de estudo entre as ciências sociais, e na área de relações
internacionais, até hoje.
É notória a importância de entender a origem do pensamento e das ideias,
pois princípios filosóficos e científicos levam ao questionamento de qualquer tese, a
fim de se chegar em uma conclusão, e inevitavelmente encontra-se a religião como
uma parte desse processo de questionamento e compreensão, afinal, como afirma o
escritor e teólogo Rubem Alves, “as instituições nada mais são que fósseis de uma
experiência religiosa que há muito desapareceu” (ALVES, 2006, p. 14).
Nações contemporâneas são formadas por pilares como cultura, fé e política,
haja vista o catolicismo no Brasil, protestantismo nos Estados Unidos e hinduísmo na
Índia. Em um sistema internacional anárquico, estudar não só a cultura, mas a
influência da fé ao longo da história nos mais diversos atores internacionais pode
auxiliar em sua análise e compreensão.
Com isso em vista, é possível identificar nas Relações Internacionais um
grande marco teórico de secularização da matéria: o Tratado de Westfália (1648), no
qual o Estado foi contido de quaisquer atividades religiosas, ato que impactou o estudo
das Relações Internacionais por séculos (CARLETTI, 2016), em que seus teóricos
deixaram de analisar a religião como fator relevante no campo, mesmo esta sendo
milhões de anos anterior à própria conceituação de Estado.
Foi necessária a ascensão de conflitos religiosos internacionais
contemporâneos para que esse cenário sofresse uma alteração, com o ato simbólico
do atentado às torres gêmeas no 11 de setembro. Desde então, com o fim da Guerra
Fria e crescimento de notoriedade aos conflitos religiosos na África e Oriente Médio,
a matéria de RI se encontra em uma fase de pós-secularização, pois os estudos sobre
5

religião como fator influente no sistema internacional crescem exponencialmente,


apesar de ainda estar consideravelmente atrasado no Brasil, como demonstra a
pesquisa de Ormond, no qual apenas cinco dos oitenta e quatro cursos de graduação
em Relações Internacionais do Brasil oferecem uma matéria sobre religião
(CARLETTI; FERREIRA, 2016, pg. 9).
Este dado somado à história recente do campo de estudo, levam a
necessidade ainda maior de se retornar ao passado com seus fundamentos teóricos
e filosóficos na formação do conceito de Estado no cenário internacional, para
identificar a influência da religião no pensamento político internacional.
Com isso, o primeiro capítulo deste trabalho terá como foco uma análise
histórica desde o fim do Império Romano até o início da Era Moderna, principalmente
com os movimentos da Reforma Protestante, Guerra dos Trinta Anos e a Paz de
Westfália. Ao longo de toda essa análise histórica, será demonstrado a posição e
influência da religião sobre a formação do que seria conhecido como Estado moderno,
utilizando principalmente as literaturas de Geoffrey Blainey, historiador e professor das
universidades de Harvard e Melbourne, Adam Watson, teórico e pesquisador britânico
de relações internacionais pela escola inglesa, e Demétrio Magnoli, jornalista,
sociólogo e doutor em geografia humana.
No segundo capítulo, serão analisadas as teses iluministas acerca da religião
e sua influência na Revolução Francesa. Um período caracterizado pelo
desenvolvimento filosófico da razão e sua implementação na política e formação do
Estado. Aqui também serão analisadas as teses de alguns principais pensadores do
período, como Thomas Hobbes e Maquiavel, e como seus ideais influenciaram a
relação da religião com o Estado Moderno. Os principais autores utilizados para essa
parte da monografia são Ernst Cassirer, filósofo e professor, para analisar os impactos
filosóficos do iluminismo, e Eric Hobsbawm, historiador britânico, a fim de
compreender os processos históricos das revoluções europeias.
Por fim, será feita uma reflexão acerca da posição final da religião ante o
Estado pós-moderno, como estes se relacionam e seus impactos para a matéria de
relações internacionais desde sua gênese, fazendo uso da bibliografia dos
historiadores Gertrude Himmelfarb, americana, e Fernando Catroga, português.
6

2 A PRIMEIRA REVIRAVOLTA HISTÓRICA DA RELIGIÃO

Para compreender como a religião influenciou a sociedade internacional em seu


pensamento político e formação, é necessário retornar às origens históricas para
analisar seu fundamento. Durante a ascensão de um dos maiores e longínquos
impérios da história ocidental, o Império Romano, foi no contexto das relações entre
judeus e romanos que Jesus Cristo viveu, pregou e revolucionou a história. Mais tarde,
nas catacumbas romanas e sinagogas judaicas, com o legado de Cristo propagado
por seus discípulos, surge o cristianismo, e consequentemente a Igreja.
Ela cresce na periferia do Império, se alastra rapidamente, e o cristianismo passa
de religião dos pobres e oprimidos para a religião oficial do império com a – suposta
– conversão de Constantino. Neste marco simbólico da história, pela primeira vez um
imperador assume uma religião monoteísta onde o mesmo não é o centro da devoção,
dando poderes ainda maiores à Igreja cristã e suas autoridades, posição que antes
era ocupada por sacerdotes pagãos. (BLAINEY, 2012).
Mesmo perseguido e alvejado por diversos imperadores ao longo da história, o
cristianismo não parou de crescer, a Igreja Católica tomou forma eclesiástica, cada
vez mais templos se construíam e fiéis se convertiam. É nesse contexto que o
Imperador Diocleciano, antecessor de Constantino, governou. Visto por muitos
historiadores como um dos imperadores mais excelentes administrativamente, porém
seu governo também foi marcado por sangue de mártires cristãos:

Diocleciano liderou a mais cruel de todas as perseguições aos cristãos.


Durante dezoito anos, embora fosse um pagão convicto e praticante, ele não
prestou atenção ao crescente poder cristão. Seu palácio estava cheio de
oficiais cristãos, e sua esposa, Prisca, e sua filha, Valéria, também eram
consideradas cristãs. Igrejas esplêndidas surgiam nas principais cidades do
império, e a maior delas estava localizada em sua capital, Nicomédia. Então,
de uma hora para outra, o idoso imperador mandou que seu exército
exterminasse os cristãos. Éditos imperiais foram publicados ordenando seus
oficiais a destruir igrejas, proibir o culto cristão e queimar as Escrituras. Os
bispos eram presos em massa, encarcerados, torturados e, muitos deles,
mortos, enquanto o poder do trono imperial estava totalmente voltado a
aniquilar o restante da comunidade de forma sanguinária. (BLAINEY, 2012,
p. 131).

Seu sucessor, no entanto, representou uma forte mudança de paradigma na


relação entre o Império e a Igreja. A veracidade da conversão de Constantino é muito
questionada, mas seus sinais e atos públicos são evidentes, uma vez que:
7

Constantino favoreceu o cristianismo abertamente e permitiu que os ministros


cristãos desfrutassem da mesma isenção de impostos que os sacerdotes
pagãos, aboliu as execuções por crucificação, suspendeu as batalhas de
gladiadores como pena por crimes e, do ano 321, transformou o domingo em
feriado público. Graças à sua generosidade, templos magníficos surgiram
como prova de seu apoio ao cristianismo. (BLAINEY, 2012, p. 133).

Se Constantino sinalizou e realizou uma clara aproximação com a Igreja Católica


e favoreceu os princípios universais do cristianismo na vida pública, foi durante o
Império de Teodósio, sucessor de Constantino, que a Igreja sobe ao poder de fato.
“No ano 380, os favorecimentos aos cristãos deram lugar a sanções para os não
cristãos. Nesse ano, o imperador Teodósio transformou a crença no cristianismo em
ordem imperial.” (BLAINEY, 2012, p. 135). A ligação entre o poder político e
eclesiástico do imperador é fundida de tal forma que “Teodósio considera
subentendida a estreita ligação entre sua própria vontade e a de Deus” (BLAINEY,
2012, p. 136), o que refletia na imponente imagem do imperador desenhada nos
templos e da submissão dos bispos às suas ordens e decretos.
No entanto, após uma dura ação militar em Tessalônica, que gerou a morte de
milhares de fiéis, até o próprio imperador se humilhou diante da Igreja em busca de
perdão divino, colocando-a em uma nova posição de poder jamais antes vista na
história.

Diante de uma congregação lotada, ele removeu suas esplêndidas vestes


imperiais e pediu perdão por seus pecados, e precisou fazer isso em várias
ocasiões até que, finalmente, no dia de Natal, Ambrósio ofereceu-lhe o
sacramento. Era necessária uma coragem extraordinária para humilhar um
imperador bizantino. Ambrósio havia descoberto a arma — a ameaça de
excomunhão — que a Igreja ocidental em breve usaria muitas vezes para
humilhar príncipes, todavia, no centro do império cristão, em Constantinopla,
bispo algum jamais saiu tão fora de linha. (BLAINEY, 2012)

Assim, mesmo após as invasões bárbaras e o fim do Império Romano, a Igreja se


mantém fortalecida, tomando o protagonismo e os principais meios de poder na Idade
Média. Nesse período:

[...] a população permaneceu ou se tornou cristã e católica, e era organizada


e representada pela máquina administrativa da Igreja Católica, que negociava
em seu nome com os governantes germânicos dos novos reinos. A igreja,
universal e de expressão latina, dirigida a partir de Roma, era o sinal mais
específico de sobrevivência do imperium perdido e transmitia um sentido de
universalidade e de participação coletiva a toda cristandade latina.
(WATSON, 2004, p. 199).
8

Todo o continente europeu passa por uma era de cristianização, não só nas
esferas de poder com a verticalização da igreja, mas a população, que antes era
devota ao imperador romano, assume a religião cristã como crença e cultura em sua
totalidade.
O poder do Império Romano se perde após os conflitos e guerras com os
bárbaros, sem mais nenhuma capacidade militar ou poder de barganha, a Igreja
Católica, na figura do Papa Gregório I, torna-se o último alicerce remanescente deste
modelo de sociedade, no que seria marcado como o início da Idade Média.
A liderança civil e pública de Gregório, exercida por necessidade, já que toda
estrutura imperial havia ruído, transformou a Igreja Católica no expoente de poder
deste período histórico:

quando os ataques lombardos se aproximaram de Roma, Gregório assumiu


a defesa da Itália central, nomeando um governador militar e estabelecendo
a paz com dois líderes lombardos. Como consequência, após 595, o papa
era mais importante na política com os lombardos do que qualquer
representante imperial. Essa participação no destino político da Itália tornou-
se um elemento significativo para o papado nos séculos seguintes. Depois de
Gregório, o papa já não era apenas um líder cristão; ele era também uma
figura importante na política europeia: o cônsul de Deus. (BLAINEY, 2012, p.
224).

Com o tempo, novos reinados e centros de poder formam-se a partir dos povos
bárbaros, como os francos. A união da autoridade eclesiástica com o poder do rei
franco, Carlos Magno, levou o cristianismo à novos horizontes na Europa. Baseado
na teologia de Agostinho, Carlos Magno desejava governar em três áreas: militar,
espiritual e intelectual. E por muito tempo, ele conseguiu. “O êxito de Carlos Magno
nessas áreas tornou a Europa — a nova ordem política — nominalmente cristã por mil
anos, para o bem ou para o mal.” (BLAINEY, 2012, p. 233).
O governo de Magno sobre essas áreas, no entanto, não durou muito tempo, pois
após a sua morte, seu poder é descentralizado e divido entre seus nobres, dando
origem ao feudalismo, e fazendo com que a Igreja Católica fosse a última instituição
com poder universal centralizado e ordenado em toda a Europa.
Assim, a Igreja oficialmente triunfa sobre o Estado, e o papa passa a ser a principal
figura de autoridade e poder no continente, levando à episódios como às Cruzadas,
por exemplo. Isto, porém, começou a causar uma série de problemas na estrutura
eclesiástica, e alguns – como Wycliffe e Huss – passavam a questionar tamanha
autoridade do papa, e se ela teria de fato embasamento bíblico.
9

Os imperadores continuavam denominando-se “imperadores romanos


augustos” e dirigindo-se a Roma para a coroação, mas, na prática, eram
meros soberanos do agrupamento de reinos e repúblicas municipais que
constituíam a Alemanha no final da Idade Média. O papado, em contrapartida,
aproveitando as reformas do papa Gregório VII, emergiu como o cargo mais
poderoso na Europa, e o governo do papa era uma monarquia
verdadeiramente universal que se revelava cada vez mais centralizadora.
Todos os bispos juravam fidelidade ao papa, nenhuma ordem religiosa
poderia ser fundada sem a autorização dele, a corte papal em Roma ouvia
petições de toda a cristandade e, em cada país, legados de Roma zelavam
pela execução das ordens papais. (BLAINEY, 2012, p. 244).

Nesse recorte histórico, da transição do Império Romano para o período da Idade


Média, nota-se uma grande virada de posição no papel da religião e sua relação com
o poder político. Inicialmente, eram as religiões pagãs que determinavam os costumes
e práticas dos romanos, mas essas tinham o Imperador como divindade máxima, e
por isso mantinham a influência religiosa sempre submissa à política. Com
Constantino, Teodósio e Gregório, a religião triunfa sobre o poder político do Império,
tornando-se autoridade máxima para o povo.

2.1 REFORMA PROTESTANTE: A RUPTURA DA IGREJA CATÓLICA E SUAS


IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DO ESTADO.

Nesse período, era o poder papal que determinava os costumes e práticas do


povo, o que era ou não permitido na cultura, e a ordenação dos reis e senhores
feudais. Em um cenário de caos e desordem após o fim do Império Romano, a Igreja
Católica mantém-se como a única instituição organizada e influente, de forma que
ascende ao poder político na Europa e com ele permanece por século, misturando o
público com o eclesiástico de forma completamente oposta ao Estado laico como
conhecemos na contemporaneidade.
É neste contexto que ocorre a Reforma Protestante, um episódio chave para a
história da sociedade internacional e que mais tarde levaria à mais sangrenta guerra
da Europa, a Guerra dos Trinta Anos. Para Skinner, a teologia de Lutero:

lhe proporcionou o quadro para atacar não só o tráfico que o papado efetuava
das indulgências, mas todo um conjunto de atitudes sociais, políticas, assim
como religiosas, que tinham ficado associadas aos ensinamentos da Igreja
católica.” (SKINNER, 1996, p. 285).

De forma geral, é necessário compreender as implicações e motivações da


Reforma para poder analisar a Guerra dos Trinta Anos, que aconteceria no século
10

seguinte, levando ao Tratado de Westfália – um dos principais marcos para a


formação do pensamento político internacional moderno.
As doutrinas eclesiásticas e teológicas que marcaram a igreja perseguida do
Império Romano, agora estavam corrompidas pelo poder político que angariou na
Idade Média. Foram nos anos finais desse período, após séculos de domínio católico
e duras críticas sobre a Igreja, que Lutero retoma as críticas do âmbito teológico e
inicia a Reforma Protestante no dia 31 de outubro de 1517, com a publicação do texto
“Debate para o esclarecimento do valor das indulgências”, também conhecido como
“95 Teses de Martinho Lutero”.
Nesse documento, sua maior proposta é em relação a salvação pela fé, e não por
obras como fazia a Igreja Ccatólica através da venda de indulgências. Como afirma
em sua tese de número 52, “Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de
indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma
como garantia pelas mesmas.” (LUTERO, 1517).
Lutero não tinha o interesse em romper totalmente com a Igreja Católica no
primeiro momento, tal proposição é muito radical a partir da leitura de suas teses, na
verdade o seu desejo era reforma-la em teologia e práticas, uma convocação para
debate, não um ato de rebeldia (BLAINEY, 2012). Porém, não contava com as
consequências de suas ideias.

O papa Leão X ameaçou excomungar Lutero, mas demorou a agir


decisivamente. Em 8 de outubro de 1520, os trabalhos impressos de Lutero
foram formalmente queimados pelo executor público na praça do mercado de
Louvain, uma cidade universitária. Em Colônia, uma cidade portuária da
Alemanha, a situação se repetiu. E aconteceria novamente, não fosse uma
testemunha afirmar, pouco antes de ser acesa a fogueira, que aqueles livros
não tinham sido escritos por Lutero. Em 3 de janeiro de 1521, ele foi
formalmente excomungado. (BLAINEY, 2012, p.155).

Os adeptos à reforma cresciam em número dentro da própria Igreja Católica, e


muitos se identificaram com os protestos e propostas de Lutero. Este, porém, não foi
o principal motivo que gerou respostas extremas da instituição católica, mas sim as
consequências políticas que suas novas propostas traziam. A sua teologia “assume
um claro compromisso de repudiar a idéia segundo a qual a Igreja possui poderes de
jurisdição, e por isso detém autoridade para dirigir e regular a vida cristã” (SKINNER,
1996, p. 294).
11

A venda de indulgências era o ato mais extremado da expressão de poder da


Igreja Católica. Ao ataca-la e questionar seus fundamentos bíblicos, Lutero causou
muito mais do que uma pacífica reforma teológica dentro da Igreja, mas sim um debate
e questionamento de forma amplificada, já que metade do mundo cristão ouvia e lia
versões das suas ideias naquela época. (BLAINEY, 2012).
Como se não bastasse, suas críticas ao clero, à organização de classes da Igreja,
e à autoridade do papa, levaram não só a um ataque teológico, mas principalmente
institucional.

[...] uma de suas propostas é que “seria muito bom que todo o direito canônico
fosse revogado por inteiro”, já que “a maior parte dele a nada recende, a não
ser arrogância e ganância”, enquanto a autoridade absoluta do papa sobre a
interpretação do seu conteúdo torna qualquer estudo rigoroso do mesmo
“mera farsa e perda de tempo”. (SKINNER, 1996, p. 295).

Com este movimento reformista a todo vapor, o cenário para a Igreja Católica e
sua manutenção de poder era o pior. Não se deve esquecer que nesta mesma época,
as ideias renascentistas se propagavam por toda a Europa, e mais tarde contribuiriam
para a nova constituição de Estado moderno. Para Watson, “o Renascimento é
importante na história da Europa e do mundo, tanto do ponto de vista geral e cultural
quanto, especialmente, pela evolução do conceito de Estado e da relação entre
Estados.” (WATSON, 2004, p. 217).
Os protestos de Lutero e os reformistas trouxeram à luz e ao debate público as
insatisfações teológicas e eclesiásticas sobre a Igreja, mas seriam os ideais
renascentistas que, somados à tais críticas e protestos, alterariam o paradigma de
poder da Igreja e sua influência nos ideais de Estado.

2.2 O RENASCIMENTO, UMA MUDANÇA DE CULTURA E PODER NA EUROPA

Na Idade Média a organização societária era dividida em feudos, uma forma de


troca entre senhores e vassalos, de serviço e produtos agrícolas, por terras e
proteção, onde a forma de vida era extremamente precária e perigosa. Por isso, não
foi difícil que muitos europeus renascentistas passassem a olhar nostalgicamente para
a época da Grécia e Roma antiga, pois “parecia-lhes algo tão novo, tão belo, tão
profundo, que alguns dela se embriagaram” (WATSON, 2004, p. 219)
12

A principal proposta deste movimento renascentista foi o humanismo, onde Deus


não era mais o centro da vida e das ideias, agora o homem assumia esse
protagonismo. A busca pelo prazer e pela beleza tomaram as principais obras e
trabalhos, não mais preocupados em retratar a “glória de Deus”, como faziam os
cristãos medievais, mas sim a beleza do corpo humano em sua essência.

Como o homem era então a medida das coisas, a beleza e a verdade estavam
especialmente ligadas às proporções do corpo e da mente humanos, tal como
ocorrera na Grécia Clássica. Os humanistas não se importavam se a forma
do corpo e as ideias da mente fossem antiéticas ou indecentes segundo os
padrões cristãos. Na Idade Média, a pergunta fora se uma coisa era certa ou
errada; agora era se uma coisa era verdadeira ou falsa, bela ou feia, eficaz
ou inútil. Um novo espírito de realismo telúrico e novas fórmulas científicas
eram aplicados à pintura e à política, à guerra e à arte do Estado. (WATSON,
2004, p. 219).

A ascensão destas ideias não poderia ser pior para a Igreja, uma vez que suas
práticas abusivas de poder se alastravam, revoltas e questionamentos se
amplificavam internamente, com a Reforma, e externamente, com o Renascimento. A
busca pela verdade se intensificava, e para os renascentistas a Igreja Católica era um
obstáculo, enquanto para os reformistas esta havia se embriagado de poder a ponto
de esquecer os fundamentos bíblicos.
O berço dessas ideias foi a Itália, desfigurada cada vez mais de seu caráter feudal,
onde diversas cidades haviam sido formadas, o poder era centralizado em príncipes,
e a monarquia hereditária estabelecia-se como a principal forma de governo. Essa
configuração, aos poucos, diluía o poder e autoridade da Igreja em Roma:

Em fins do século XII, essa forma republicana de autogoverno já fora adotada


por quase todas as principais cidades do Norte da Itália (Hyde, 1973, p. 101).
Contudo, se isso lhes proporcionava uma certa independência de facto,
continuavam, porém, de direito, a ser consideradas vassalas do Santo
Império Romano. (SKINNER, 1996, p. 26).

Tal configuração de poder aliou-se aos novos ideais renascentistas, uma vez que
“o renascimento italiano produziu uma grande concentração de poder nas mãos dos
príncipes.” (WATSON, 2004, p. 222). Até mesmo fora da Itália, os impactos do
Renascimento alastraram-se por toda a Europa, onde “desenvolveram-se novas
relações entre os príncipes, tal como o conceito de uma Europa organizada como um
sistema de Estados soberanos e independentes” (WATSON, 2004, p. 232)
13

Essa configuração perdurou por séculos no Sacro Império Romano-Germânico,


onde cada vez mais cidades-repúblicas surgiam e ganhavam poder local, as tensões
com o papado aumentavam, e que mais tarde levariam à Guerra dos Trinta Anos, no
século XVI. (MAGNOLI, 2006).
Os ideais renascentistas colocavam em cheque a posição da Igreja, não apenas
culturalmente entre o povo e sua produção literária e artística, mas também
politicamente, pois empoderou os príncipes e questionava a autoridade papal, mesmo
que de forma tímida inicialmente. Esse seria o tempero final para que a Igreja desse
uma firme resposta, visando manter o poder.

2.3 A CONTRARREFORMA: O ESTOPIM PARA A GUERRA RELIGIOSA

O contexto ideológico secularizado do Renascimento, a nova configuração de


poder local entre príncipes e as revoltas e revisões teológicas dentro da própria Igreja,
somados, resultaram no tempo de maior ameaça ao domínio católico, que havia
perdurado por tantos séculos, exigindo alguma forma de reação para que não fosse
completamente subjugada em seu poder.
Aos teóricos da Contrarreforma coube a responsabilidade de responder a todas
essas novas ideias e movimentos:

Ao se ver assim cercados pelos “hereges desta época”, os teóricos


dominicanos e jesuítas recorreram às doutrinas da via antiqua, nelas se
baseando para desenvolver uma visão da Igreja e de sua adequada relação
com a república secular ao mesmo tempo nova, sistemática e
conscientemente ortodoxa. (SKINNER, 1996, p. 422).

De certa forma, era muito difícil que a Igreja permanecesse a mesma em suas
práticas e liturgias após tantas críticas. Portanto, foram reunidas suas maiores
autoridades para revisão e discussão acerca de medidas a serem tomadas. Esta
reunião aconteceu, inicialmente, na cidade de Trento, levando assim o nome de
Concílio de Trento – o principal marco da Contrarreforma. (BLAINEY, 2012).
Diversas decisões e mudanças foram tomadas a partir desta reunião e, de certa
forma, é possível dizer que alguns dos protestos de Lutero foram atendidos, como o
fim da venda de indulgências:

A ausência dos protestantes permitiu que os católicos se concentrassem nos


próprios dilemas. Eles corajosamente reconheceram que sua Igreja precisava
14

de mudanças e deliberaram sobre isso. Embora reafirmassem a autoridade


espiritual da Bíblia em latim, a Vulgata, recomendaram uma revisão, que foi
feita aos poucos. Protestaram contra os bispos que raramente ou nunca
estavam em suas regiões, negligenciando os fiéis. Os padres das paróquias
também foram censurados por deixarem os sermões a cargo de frades
itinerantes, como franciscanos, dominicanos e outros; era a hora de os padres
locais retomarem seu papel de pregadores. O concilio resolveu ainda que os
bispos deviam criar seminários locais e treinar os padres seriamente, pois
muitos mal conheciam a Bíblia. Trento reafirmou o papel dos santos, a
importância das relíquias sagradas, a existência do purgatório e o celibato
dos padres. E mais: recusando-se a rejeitar completamente a reforma
protestante, resolveu que a venda de indulgências - motivo dos protestos de
Lutero - seria suspensa. (BLAINEY, 2012, p. 179)

Além disso, o movimento evangelístico católico foi intensificado através dos


jesuítas e franciscanos, pois a melhor estratégia para a Igreja era formar e educar as
pessoas pelos ideais católicos antes que “heresias” protestantes e renascentistas
chegassem até elas. (MAGNOLI, 2006).
Assim, instala-se um clima conflituoso entre protestantes e católicos, pois os
mesmos possuíam os mais variados interesses e domínios sobre algumas regiões da
Europa, diretamente ligados aos monarcas.

A Reforma Protestante gerará a Contra-Reforma, movimento da Igreja,


apoiado pelos interesses das monarquias absolutas e do Império Habsburgo,
que teriam de construir a unidade política e religiosa com base na penalização
e perseguição de protestantes, judeus e muçulmanos. (MAGNOLI, 2006, p.
135).

É com este cenário desenhado, que a Guerra dos Trinta Anos toma forma: ideias
humanistas em ascensão, protestantes luteranos e calvinistas se opondo à Igreja
Católica, a Contrarreforma em execução e os príncipes europeus acumulando cada
vez mais poder. A Igreja esforçou-se ao máximo para manter sua autoridade papal e
influência política através da Contrarreforma, posição que manteve durante séculos
no continente, mas que agora estava em declínio.

2.4 A GUERRA DOS TRINTA ANOS, O CLÍMAX DA RELAÇÃO ENTRE IGREJA E


ESTADO

Com o fim da hegemonia católica sobre o poder político, novas disputas e


interesses vêm à tona. O clima de instabilidade religiosa gerava recorrentes revoltas
armadas na Alemanha e outros locais do Sacro Império Romano-Germânico,
15

atingindo um novo nível de destruição com o envolvimento das autoridades


absolutistas e seu interesse na amplificação de poder no continente europeu.

O período medieval conhecera, no seu crepúsculo, no século XV, o


nascimento dos novos Estados modernos de tipo absolutista, que
continuaram a ter o tema da religião no centro de sua política. O resultado foi
mais de um século de guerra de religiões. A última delas, a dos trinta anos
decorridos no início do século XVII, foi talvez a mais destrutiva, mas encerrou
um período ao constituir novo edifício político e jurídico para a ordem
européia, baseado no pragmatismo da razão de estado e do interesse
nacional. (MAGNOLI, 2006, p. 174).

Nessa guerra, dois lados tomam forma e uma posição religiosa declarada: O bloco
católico, composto pela dinastia Habsburgo, representada pelo imperador do Sacro
Império Romano-Germânico, a Bavária (região católica da Alemanha), a Espanha, e
a Igreja Católica. Já o bloco protestante era composto pelos rebeldes protestantes de
algumas partes da Alemanha, os Países Baixos, a Suécia, a Dinamarca e a Inglaterra.
Na fase final da guerra, mesmo sendo católica, a França iria aderir ao conflito pelo
bloco protestante, uma vez que seus interesses nacionais se sobrepunham às suas
convicções religiosas: “O principal objetivo da França era neutralizar o poderio
espanhol e austríaco, [...] buscando garantir os direitos católicos e protestantes e
descaracterizar a guerra como um conflito religioso.” (MAGNOLI, 2006, p. 176).
Com Calvino e suas teses, a Reforma Protestante já havia tomado um rumo mais
radical, não só se opondo à instituição católica e suas práticas, mas também uma
reforma contra a ideia imperial, baseada na perseguição do Império Romano à Igreja
primitiva e aos apóstolos de Cristo.

os calvinistas respeitavam mais os Estados judaicos independentes dos


juízes e dos profetas, o povo eleito de Deus enfrentando sozinho os reinos e
os impérios a seu redor, do que respeitavam a memória do mundo imperial
romano de São Paulo. Para eles, a palavra “romano” significava seus
perseguidores, a Igreja Católica e o Império Habsburgo, e evocava ódio e
medo. (WATSON, 2004, p. 241).

Assim, era natural que este tipo de interpretação da Bíblia levasse a um


alinhamento protestante e reformista aos Estados independentes, onde houvesse ao
menos liberdade de exercer a religião sem perseguição, opondo-se à chamada
“monarquia universal” da Igreja Católica.
Da mesma forma, os ideais e interpretações católicos os faziam pender para os
interesses dos Habsburgo, uma vez que a Contrarreforma, devido à tamanha ruptura
16

causada pela reforma protestante, “não conseguiu restaurar a unidade medieval da


cristandade por meio da força”. (WATSON, 2004).

[...] movimentos reformadores como a Sociedade de Jesus deram àquela


parte da igreja que permanecia leal ao papa e às velhas tradições um novo
poder, correspondente ao poder aumentado do Stato italiano, e novas
doutrinas para justifica-lo. A ala católica da fragmentada igreja latina
permaneceu comprometida com a visão imperial que a havia sustentado
durante a Era da Escuridão. Ela atraía a lealdade daqueles que ainda se
apegavam às doutrinas e aos rituais tradicionais de sua fé, e também aqueles
que mantinham o ideal político de uma cristandade unida e viam os
Habsburgos como seus porta-estandartes. (WATSON, 2004, p. 241).

Mais uma vez, por motivos religiosos e políticos, a Europa entraria em guerra. Não
era novidade, porém, o desejo católico de instaurar uma “monarquia universal
católica”, uma vez que este percorreu toda a Idade Média, iniciando-se com o
imperador Carlos Magno, coroado pelo papa Leão III, no ano 800. (MAGNOLI, 2004).
O próprio Richelieu, chefe político na França de Luís XIII, demonstrando a
neutralidade francesa acerca dos temas religiosos e reprovação da guerra por estes
motivos, afirmou:

[...] a monarquia universal, à qual aspira o rei da Espanha, é muito prejudicial


à cristandade, à Igreja e ao papa, a razão e a experiência nos mostram que,
para o bem da Igreja, deve haver equilíbrio entre os príncipes temporais, de
forma que, sobre essa igualdade, a Igreja possa sobreviver e conservar as
suas funções e o seu esplendor. (MAGNOLI, 2004, p. 33).

Se na França de 1789 nasceria a Revolução Francesa, com a pulsante vontade


de secularizar o Estado e o poder político como um todo, é possível afirmar que sua
semente é a motivação para a entrada na Guerra dos Trinta Anos:

A França, sob a dinastia Bourbon, havia conseguido uma trégua interna na


guerra de religiões, desde a concessão do Edito de Nantes, por Henrique IV,
em 1598. Seu filho, Luís XIII, orientado pelo chanceler, o cardeal Richelieu,
continuou uma política de relativa tolerância interna para com os protestantes
e uma orientação externa baseada nos interesses nacionais franceses,
rompendo com o pressuposto do alinhamento confessional nas alianças
internacionais. (MAGNOLI, 2006, p. 186).

Enquanto nações como Espanha e o Império Germânico tinham nas motivações


religiosas a principal causa para a guerra, a França já possuía um contexto neutro
sobre esse assunto desde Henrique IV, privilegiando interesses nacionais. Ideal
político esse que, ao final da guerra, nortearia o Tratado de Westfália e a fundação do
Estado moderno.
17

A França possui tamanha importância para uma mudança de paradigma no


continente europeu, uma vez que a guerra toma novos rumos após seu ingresso na
batalha de forma direta, levando à vitória do bloco protestante e, “acima de tudo, foi
definitivamente derrotado o projeto da Contra-Reforma católica de restaurar o domínio
do Papado e reverter o protestantismo na Europa Central e do Norte.” (MAGNOLI,
2006, p. 176).
O resultado da guerra decretava o fim da era medieval de domínio da Igreja,
quando então seria objetivada a liberdade nos mais diferentes aspectos, a partir dos
ideais renascentistas e, futuramente, iluministas. Porém, esta não foi uma mudança
imediata, uma vez que era de interesse dos monarcas absolutistas manterem a
legitimidade religiosa diante de seus súditos devotos. Na própria negociação de paz
ao final da guerra, chamada de Paz de Westfália, é necessário reconhecer:

Não houve, na Paz de Westfália, a transferência de poder de um domínio


religioso para um não religioso. Todas as autoridades denominadas
seculares, envolvidas na negociação, eram cristãs, e a disputa também girava
em torno de diferentes confissões cristãs. (ESTRADA, In: CARLETTI;
FERREIRA, 2016, p. 75).

É possível afirmar que o grande vencedor da guerra é o absolutismo. Com a


autoridade da Igreja subjugada, cabia agora aos monarcas perseguirem seus
interesses políticos sem mais necessidade de autorização papal, apenas de
legitimidade. Este novo cenário de poder absolutista, também foi iniciado no contexto
francês, como demonstra Skinner:

Na primeira metade do século XVI, um importante grupo de filósofos políticos


“legistas” veio a argumentar, em tom cada vez mais agressivo, que a
concentração de autoridade na pessoa do rei e a atrofia dos recursos para
impor as limitações institucionais a seu governo deviam ser cada vez mais
vistas como uma legítima leitura da constituição fundamental da França.
(SKINNER, 1996, p. 532).

A vitória protestante deu mais poder econômico aos comerciantes luteranos e


calvinistas, uma vez que a maior parte da burguesia mercantil era protestante,
principalmente em países como Holanda e Inglaterra. (MAGNOLI, 2006).
Além de que o enfraquecimento da “reserva eclesiástica”, que determinava as
propriedades territoriais do papado, permitiu maiores ganhos territoriais aos
protestantes, com a secularização de terras. Os principais beneficiados foram os
calvinistas, mais radicais em suas posições revoltosas, pois “a presença entre eles de
18

muitos comerciantes e burgueses bem-sucedidos é uma evidência de quais setores


representavam.” (MAGNOLI, 2006, p. 179).
A vitória do bloco protestante nessa guerra representava não só uma transferência
do capital clerical para os burgueses protestantes, mas também um novo cenário de
potências internacionais, que pautariam os novos rumos da história mundial:

O “dinossauro” espanhol, velho império de caráter medieval, juntava-se à


outra potência em extinção, governada pela mesma família Habsburgo, o
Sacro [pag. 174] Império Romano Germânico, cuja fragmentação vai abrir
espaço para a emergência das novas potências européias: França, Holanda
e Inglaterra. (MAGNOLI, 2006, p. 184).

Mais tarde seriam os protestantes ingleses a fundar a atual potência global


americana, enquanto os filósofos e políticos franceses idealizariam uma nova forma
de Estado e governo com a Revolução Francesa e os ideais iluministas. Além disso,
“o século XVII assistiu ao efetivo estabelecimento de uma Europa de Estados
legitimamente independentes que se reconheciam uns aos outros como tais.”
(WATSON, 2004, p. 258).
Porém, tudo isso veio a acontecer de fato após um dos principais marcos das
relações internacionais e do pensamento político moderno, os Tratados de Westfália,
no qual é descrito e concluído o processo das negociações de paz entre os Estados
europeus envolvidos na Guerra dos Trinta Anos e suas novas determinações.
Sem dúvidas, a Guerra dos Trinta Anos marca uma Igreja Católica em declínio, e
os Estados europeus em ascensão, dando início à uma nova era na política do
continente. A influência da religião no Estado teve seu ápice no período medieval, mas
durante a modernidade, por bem ou mal, assistiria seu afastamento gradual da política
internacional e suas principais decisões.

2.5 OS TRATADOS DE WESTFÁLIA E O NASCIMENTO DO SISTEMA DE


ESTADOS INDEPENDENTES

Com a Paz de Westfália e seus tratados oficiais, as relações internacionais entram


em uma nova fase, colocando um ponto final à era medieval e seus antigos moldes
católicos de poder e dominação. Nela, surge oficialmente um sistema internacional de
Estados. Como afirma Magnoli:
19

Estabelece-se um pressuposto de reciprocidades, um direito internacional


com pactos regulando relações internacionais, com a livre navegação nos
mares e a busca do não comprometimento do comércio e de civis na guerra.
Os Estados deixam de sujeitar-se a normas morais externas a eles próprios
e impõem uma lógica de dominação pragmática, que passou a ser conhecida
desde então pela expressão “razão de Estado”. As relações internacionais
são secularizadas, ou seja, estabelecidas em função do reconhecimento da
soberania dos Estados, independentemente de sua confissão religiosa. Toda
a política moderna e contemporânea, baseada no reconhecimento da
legitimidade dos Estados e na constituição de um conjunto político de nações
que se reconhecem como parte de um sistema em que rege um direito
internacional, deriva do modelo criado e formalizado a partir da Paz de
Westfália. (MAGNOLI, 2006, p. 195).

De fato, para muitos teóricos, as relações internacionais como conhecemos hoje


têm seu nascimento neste momento da história. Não só isso, mas há uma mudança
de paradigma liderada pelos ideais franceses de secularização do Estado, busca por
interesses nacionais e a formação pela “razão de Estado”, que será explorada de
forma aprofundada nas próximas páginas desta monografia. “Jean-Jacques
Rousseau, em 1766, escrevia que ‘a Paz de Westfália pode seguir muito bem para
sempre como a base de nosso sistema político’.” (MAGNOLI, 2006, p. 197).
A Europa encontrava-se destruída e muito mais pobre do que antes da guerra,
mas também com um armistício de religiões e o fim do império católico. A Guerra dos
Trinta Anos foi uma das piores para o continente em termos de destruição, mas a sua
medida de destruição foi proporcional à medida de transformação de paradigmas.

O aspecto mais significativo do cenário das grandes potências, depois de


1660, foi o amadurecimento de um sistema realmente multipolar de Estados
europeus, cada qual com a tendência cada vez mais acentuada de tomar
decisões sobre a guerra e a paz à base dos “interesses nacionais”, e não por
motivos transnacionais, religiosos. (KENNEDY, 1989, p. 79).

Mesmo para as diferentes escolas teóricas da matéria, é impossível deixar de


conceber estes tratados como uma mudança de rota e fundamento para uma nova
sociedade internacional. “A escola idealista interpretou-os do ponto de vista do
nascimento da ordem jurídica internacional. A escola realista, como a origem do
sistema de equilíbrio europeu.” (MAGNOLI, 2004, p. 37).
Tudo isso foi originado nos movimentos da Reforma Protestante, não só a
decadência do poder católico, mas também – e principalmente – a criação de um
sistema de Estados separados da Igreja.

Embora os tratados tenham sido assinados em Westfália cem anos depois


de Lutero, os princípios centrais de nossa sociedade internacional moderna
20

e secularizada foram articulados aqui. Para Luther Hess Waring, Martinho


Lutero não foi apenas um profeta ou um precursor, mas “o fundador da
moderna teoria do Estado; não que a secularizou, mas a declarou
absolutamente separada e distinta da igreja e a única possuidora de
autoridade coercitiva e poder soberano”. (LUOMA-AHO, 2013, p. 38, tradução
minha).1

É possível reconhecer que agora havia a liberdade de religião, uma vez que foi
terminada a perseguição católica aos hereges e infiéis de forma oficial e estrutural, os
fantasmas da inquisição tiveram um fim e a morte da busca pela “monarquia universal
católica” significou alívio aos europeus, principalmente entre os príncipes. Watson
enfatiza essa nova relação ao afirmar que:

todos os membros cristãos da coalizão, grandes e pequenos, chegando até


aos príncipes menores do império, tratavam-se uns aos outros com base
numa igualdade de fato, porque tinham de ser persuadidos, e não obrigados
a cooperar. (WATSON, 2004, p. 275).

Estes tratados inauguravam uma nova era para o século XVIII, onde as reformas
de Estado seriam aprofundadas em sua concepção política, através de dois principais
eventos, a Revolução Francesa – analisada no segundo capítulo desta monografia –
e a Independência Americana. Se, até a primeira metade do século XVII, a Igreja
lutava para manter seu domínio e poder político, ao lado dos decadentes Espanha e
Império Romano-Germânico, a paz em 1648 e vitória do bloco protestante determinou
o último veredito das estruturas europeias e internacionais de poder e Estado.
Dessa forma, a Europa – centro do poder internacional naquela época e até
poucos séculos atrás – se viu livre de duas grandes hegemonias, a da Igreja universal
e do império, uma vez que o Sacro Império foi o último a dominar grande parte do
continente de forma unificada, afinal:

A soberania, sobretudo quando aplicada aos principados do império,


legitimava a extensão do conceito de cujus régios ejus religio; a ruptura da
igreja universal agora se refletia na ruptura da estrutura laica da Europa. Em
sua ênfase no caráter separado dos Estados europeus, em vez de unidade
da cristandade, e em sua rejeição de qualquer idéia de que um papa ou
imperador tivesse alguma autoridade universal, ou de que um Estado

1
Texto original: “Though the treaties were signed in Westphalia hundred years after Luther, the core
principles of our modern, secularized international society were articulated here. For Luther Hess
Waring, Martin Luther was not only a prophet or a forerunner, but “the founder of the modern theory of
the state; not that he secularized it, but he declared it to be absolutely separate and distinct from the
church and the sole possessor of coercive authority and sovereign power”
21

dominante pudesse ditar a lei para os outros, os acordos de Vestfália foram


anti-hegemônicos. (WATSON, 2004, p. 265).

Com isso, é possível concluir que a união dos ideais humanistas do


Renascimento, com as reformas e revoltas protestantes, somadas à emergente
estrutura de poder local entre príncipes, atingiu o seu ápice na Paz de Westfália, por
mais que nenhum de todos os seus objetivos tenha sido conquistado plenamente, este
foi o seu resultado final. (MAGNOLI, 2004).
Mesmo assim, apesar da Igreja Católica ter perdido muito de seu poder com este
episódio, é importante ressaltar que a Europa ainda permanecia extremamente cristã
e, portanto, religiosa – a influência da religião estava longe de ser superficial como é
considerada no século XXI. Assim, “alguns autores têm trabalhado no sentido de
demonstrar que, longe de emergirem das ruínas da religião, ex nihilo, as raízes do
moderno sistema internacional são essencialmente cristãs.” (ESTRADA, In:
CARLETTI; FERREIRA, 2016, pg. 75).
A cultura de uma sociedade não muda com tanta velocidade, apesar da guerra ter
acabado e novas definições de poder serem determinadas, o pensamento europeu
ainda permanecia cristão e assim se faziam suas políticas, como retoma Estrada:

Neste mesmo sentido, é importante ressaltar que o próprio significado das


palavras “religião” e “secular”, antes de assumirem categorias genéricas
modernas, não denotava nenhuma esfera ou domínio específico que pudesse
ser dividido entre o que entendemos hoje por religioso, por um lado, e político
ou secular, por outro. Ambos os termos designavam ideias dentro do
cristianismo [...]. A própria noção de secularização, extensamente debatida e
controversa, para muitos não representa a ruptura com o cristianismo, se não
a sua continuação. (In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, pg. 75).

Ainda hoje, entre muitos teóricos e teólogos do cristianismo, a ideia de separação


entre os poderes da Igreja e do Estado são uma interpretação correta dos
ensinamentos bíblicos, até mesmo do próprio Jesus Cristo, ao afirmar: “Dai, portanto,
a César as coisas que são de César, e a Deus as coisas que são de Deus” (MATEUS
22:21. In: JAMES, 2021, p. 1586).
Todos esses fatos e interpretações mostram que a influência da religião no
pensamento político internacional, como se conhece hoje, está longe de acabar, mas,
ao iniciar por este ponto da história, foi analisado apenas o começo dessa influência.
A relação de Constantino com o cristianismo no Império Romano foi uma reviravolta
22

histórica na relação entre o Estado e a religião, introduzindo o sistema eclesiástico às


estruturas de poder político, que perdurou na Idade Média.
Posteriormente, a Reforma Protestante marcou um cisma institucional na
monarquia da Igreja Católica, o Renascimento deu as bases para o Estado moderno
e a Guerra dos Trinta Anos acelerou o distanciamento entre a religião e o poder
político. Tudo isso culminou e retratou-se nos tratados da Paz de Westfália, que
marcam a gênese dos Estados independentes e o início de uma era onde a religião
não mais permaneceria no centro do poder, mesmo que seus ideais permaneçam até
hoje nas relações internacionais.
Nos próximos capítulos ainda será necessário compreender o que é a “razão de
Estado”, que passa a legitimar a nova formação dos Estados pós-Westfália, e como
isso levou aos acontecimentos e ideais da Revolução Francesa, que aprofundou a
secularização e laicidade do Estado moderno a novos níveis nunca antes vistos na
história.
23

3 THOMAS HOBBES, A REVOLUÇÃO FRANCESA E A SECULARIZAÇÃO


DO ESTADO

Se é possível afirmar que o Império Germânico foi palco de transformações com


a Reforma Protestante, e os principados italianos com o movimento do Renascimento,
é igualmente plausível definir a França como palco de transformação da sociedade
internacional após os tratados de Westfália. Afinal, “a França, mesmo esgotada pela
guerra, emergiu como principal potência continental” (MAGNOLI, 2004, pg. 36).
Até este período, os Estados precisavam lidar com a pressão externa e a definição
de interesses da Igreja Católica por causa de seu poder político. Mesmo após a Paz
de Westfália, os príncipes europeus ainda vivam em um contexto de extrema
influência da Igreja sobre os interesses dos Estados, o que haveria de mudar entre os
franceses:

A aliança pragmática entre a França católica e as potências protestantes


menores mudou para sempre o panorama europeu. O fracasso da
“monarquia universal católica” revolucionou as percepções políticas dos
soberanos. O sistema de Estados gerados na Westfália não girou em torno
da questão religiosa, mas dos interesses dos poderes temporais. (MAGNOLI,
2004, p. 36).

O principal nome dessa nova formação de paradigma seria o cardeal Richelieu,


primeiro-ministro francês que destoava de todos os outros governantes europeus por
sua secularização na formação do interesse nacional. Uma grande demonstração
disso foi o firmamento de alianças tanto com católicos quanto com protestantes
durante a guerra no continente.
Seu pensamento e teses não só moldaram as relações exteriores da França, mas
definiram a nova forma de sociedade internacional pós-Westfália, através do que se
denominou “razão de Estado”, a imposição de uma lógica de dominação pragmática
por parte dos Estados (MAGNOLI, 2006).

A perspectiva de Richelieu era completamente diferente. O cardeal, embora


fosse um príncipe da Igreja, só tinha olhos para o interesse da França. Sua
política externa contrastava com os padrões da época, pois não se
organizava em princípios religiosos transnacionais. Por essa razão, a França
revelou-se capaz de explorar habilmente as rivalidades religiosas entre outras
potências e erguer-se como vetor católico da coalizão protestante que
derrotou os Habsburgo. (MAGNOLI, 2004, p. 36).
24

Para muitos teóricos e historiadores, Richelieu foi o pai do sistema de Estados


como conhecemos hoje, um verdadeiro “protótipo de estadista contemporâneo”
(MAGNOLI, 2004), uma vez que mantinha suas crenças e ideais pessoais e religiosos
separados do interesse de Estado e da esfera pública. Isso, porém, de forma alguma
invalidava sua fé pessoal, nem sua autoridade como cardeal da Igreja ou governante
da França, apenas consolidava as mudanças da Reforma.
De forma teórica, é possível afirmar que a consolidação de uma figura como
Richelieu no sistema de Estados da época marcava uma migração idealista para o
que seria posteriormente denominado como realismo. Já não eram mais ideais
cristãos e universais que pautavam a interação entre Estados, mas seus interesses:

Os estadistas europeus, depois de Westfália, passaram a mirar-se


conscientemente no espelho de Richelieu. A política de poder e a constante
oscilação de alianças em decorrência de interesses nacionais tornaram-se
traços distintivos daquilo que se convencionou denominar realpolitik. A
grande polêmica no interior do pensamento realista rescindiu sobre o
instrumental teórico adequado a analisar as ações dos estadistas.
(MAGNOLI, 2004, p. 43).

Todos esses ideais de Richelieu pavimentavam o caminho para a secularização


total do Estado e reduziam sua dependência da Igreja Católica, algo que era
inimaginável antes da guerra. Da mesma forma, este paradigma deu origem a outro
grande nome da filosofia e teoria internacional, que contribuiria ainda mais com estes
conceitos, o seu contemporâneo britânico, Thomas Hobbes.

3.1 MAQUIAVEL E BOTERO: AS BASES DA RAZÃO DE ESTADO

Contudo, antes de explorar e analisar o pensamento de Hobbes, é necessário


lembrar que Richelieu e Hobbes basearam sua filosofia de Estado nos ombros de
gigantes como Nicolau Maquiavel e Giovani Botero. Afinal, estes não foram os
cunhadores do termo “razão de Estado”, nem de seu significado como entendemos
hoje:

Meinecke informa que a expressão “razão de Estado” aparece usada pela


primeira vez em 1547, com o sentido moderno de “excepcionalidade”, na obra
do humanista Giovanni della Casa.[9] No início do século XVI, a noção foi
sistematizada por Maquiavel, cuja obra se tornou o divisor de águas das
doutrinas sobre o poder e a “razão de Estado”. Ainda que não tenha utilizado
a expressão, a partir de sua obra ela passou a ser entendida como uma regra
25

permanente do Estado, cuja única lei seria a da necessidade da própria


conservação. (HANSEN, 1996).

Sem dúvidas, Maquiavel com sua obra mundialmente conhecida, “O Príncipe”, foi
o grande sistematizador da razão de Estado, mesmo que não tenha utilizado esse
termo diretamente na obra. Sua inovação foi no sentido de escrever para um principie
sobre o poder em si e como mantê-lo, fazer sua manutenção, independente dos
meios. Como o mesmo afirma em sua obra, “um príncipe tem Estado tão grande e
forte que possa, precisando, manter-se por si mesmo, ou então se tem sempre
necessidade da defesa de outrem” (MAQUIAVEL, 2018, p. 54).
Uma vez que Maquiavel escreve esta obra em 1513, quando príncipes
governavam mas ainda eram submissos ao Império e à Igreja, muito antes da Guerra
dos Trinta Anos, Reforma Protestante e Renascimento, “O Príncipe” torna-se proibido
pela Igreja Católica, já que fere seus ideais universais de governo. Mesmo assim, é
inevitável afirmar que Maquiavel trouxe uma contribuição inovadora para o
pensamento moderno, o que é classificado como “precoce” por Damele:

Encontra-se em autores como Maquiavel e Guicciardini uma precoce


atestação da ideia da “razão de Estado” como ideia caraterística da
modernidade, que acompanha o processo de formação do Estado moderno
e que é fruto de uma evolução do pensamento europeu que se coloca entre
a Idade Média tardia e o Renascimento. A esta emancipação corresponde a
ideia da autonomia da “técnica de governo”. Neste caso, Maquiavel é uma
referência inescapável e direta. (DAMELE, 2021 p. 3).

Mais tarde, em 1589, coube ao jesuíta Giovanni Botero fazer uma antítese à tese
de Maquiavel, cunhando o termo de “razão de Estado” e cristianizando sua essência
a partir dos ideais universais da Igreja e da Contrarreforma. Para Damele, as ideias
de Botero seriam “uma versão menos provocatória, mas também menos sincera, da
defesa da especificidade da política e dos seus problemas” (DAMELE, 2021) em
oposição ao maquiavelismo.
O grande diferencial é que Botero escreve em um contexto de concepção mais
clara sobre o Estado moderno, que ainda se mostrava ausente em “O Príncipe”. Já no
início de sua obra, ele define o conceito de razão de Estado como “conhecimento dos
meios adequados para fundar, conservar e expandir o domínio.” (BOTERO, 2017,
tradução minha)2. Hansen compara essas obras da seguinte forma:

2
Texto original: “knowledge of the means suitable to found, conserve, and expand dominion.”
26

Ao contrário de Maquiavel, que se baseou na experiência imediatamente


empírica da luta política das cidades italianas, as versões católicas se
caracterizam antes de tudo por discutirem o princípio transcendente que
funda, conserva e amplia a ação política, como é o caso da obra
influentíssima de Botero, que reatualiza a expressão medieval “ratio Status”.
(HANSEN, 1996).

3.2 THOMAS HOBBES: O CONTRATUALISTA CRISTÃO

É sobre essa base teórica que Richelieu exerce seu governo secularizado na
França e que Hobbes dá profundidade e sólidas bases ao Estado moderno com sua
obra mais famosa, “O Leviatã”. Ele o faria cunhando o Contratualismo e explicitando
o chamado “estado de natureza” do homem, o que deu embasamento filosófico para
o poder monarquista e absolutista da época.

Segundo os juristas da Contrarreforma seguidos por Botero, o poder político


pertence a priori e por direito natural (perius naturale) ao povo, constituído
como “estado de natureza” anterior ao momento da transferência do poder
para o Príncipe. (HANSEN, 1996).

Com este livro, Hobbes argumenta que o estado de natureza do homem é mau e
egoísta, e se não fosse contido e controlado por algo ou alguém, levaria a destruição
da humanidade. Assim, em algum momento da história, os homens estabeleceram
um contrato entre si, dando poder e autoridade para que algo maior que eles mesmos
estabelecesse limites e leis através da força, este algo seria o “Leviatã”, definido por
Hobbes da seguinte forma:

Porque pela arte é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou
Cidade (em latim Civitas), que não é senão um homem artificial, embora de
maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa
foi projetado. (HOBBES, 2013, p. 4).

Della Casa cunhou a expressão “razão de Estado”, Maquiavel a sistematizou,


Botero lhe atribuiu significado e Richelieu a colocou em prática. Hobbes, porém, foi o
autor que a desenvolveu e aprofundou de tal modo que suas teses influenciaram
diretamente o pensamento iluminista, base da Revolução Francesa, mesmo um
século após sua morte. Como afirma Cassirer, “a filosofia política e social do século
XVIII não aceitou, de um modo geral, sem restrições o conteúdo da doutrina de
Hobbes, mas foi profunda e duradouramente influenciada por sua forma.”
(CASSIRER, 1997, p. 40).
27

Há um salto muito grande, porém, entre esses autores e os iluministas no que se


trata de religião. Apesar das diferenças entre Maquiavel, Botero, Hobbes e Richelieu,
todos deixam claro em suas respectivas obras, de diferentes formas, que acreditam
no Deus do cristianismo. Portanto, não deixam sua contribuição ao Estado moderno
secular baseados também em uma cosmovisão secular, mas sim a partir de uma
cosmovisão cristã, com influencias reformistas e renascentistas. Todos estes eram
defensores da fé cristã como fundamento filosófico, e da monarquia como forma de
governo, o que é quebrado com a filosofia iluminista, que se opõe não apenas ao
absolutismo, mas à fé de forma geral.

3.3 JEAN-JACQUES ROUSSEAU E AS BASES SECULARES DO ILUMINISMO

É muito claro a qualquer acadêmico que a Revolução Francesa marca um cisma


na história da humanidade, em todos os sentidos, não só na esfera da religião e sua
influência na concepção de Estado. Huntington deixa isso claro ao escrever:

Durante 150 anos, a política intracivilizacional do Ocidente foi dominada pelo


grande cisma religioso e por guerras religiosas e dinásticas. Durante outro
século e meio, após o Tratado de Westfália, os conflitos do mundo ocidental
se deram sobretudo entre príncipes - imperadores, monarcas absolutos e
monarcas constitucionais que tentavam expandir suas burocracias, seus
exércitos, sua força econômica mercantilista e, o mais importante, o território
sobre o qual reinavam. Nesse processo criaram os Estados-nações, e a partir
da Revolução Francesa, as principais linhas de conflito passaram a ocorrer
entre nações em vez de entre príncipes. No dizer de R. R. Palmer, em 1793
“as guerras dos reis tinham terminado e as guerras dos povos tinham
começado”. Esse padrão do século XIX durou até a I Guerra Mundial.
(HUNTINGTON, 1996, p. 60).

Isso tudo só foi possível, no entanto, pela base filosófica estabelecida pelos
iluministas, sendo Jean-Jacques Rousseau o primeiro desses. Apenas trinta e três
anos separam a morte de Hobbes e o nascimento de Rousseau, dois grandes nomes
da filosofia contratualista. A principal diferença conceitual entre os dois está no estado
de natureza do homem, e a natureza do Estado em consequência disso. Para Hobbes,
a natureza humana era má e precisava ser contida pelo Estado, por isso o contrato
social era apenas um contrato de submissão. (CASSIRER, 1997, p. 341).
Rousseau, porém, discordava desse princípio, uma vez que “integrou à sua teoria
certos elementos tomados de Hobbes e Grotius, mas criticando com toda liberdade
esses dois pensadores” (CASSIRER, 1997, p. 344). Essa crítica dava-se na psicologia
28

de Hobbes, uma vez que para Rousseau “o homem nasce bom, mas a sociedade o
corrompe”. Cassirer descreve o estado de natureza de Rousseau com mais
profundidade:

Sem chegar a descrever o “estado de natureza” como uma guerra de todos


contra todos, vê-o, porém, como um estado em que cada um está
perfeitamente isolado e perfeitamente indiferente aos outros. Os homens
nesse estado não estão ligados uns aos outros nem por um vínculo moral,
nem por um laço sentimental, nem pela idéia de dever, nem por um
movimento de simpatia. Cada um existe para si mesmo e só procura o que é
necessário à conservação da sua própria vida. Segundo Rousseau, o defeito
da psicologia de Hobbes é somente o de ter colocado no lugar do egoísmo
passivo que reina no estado de natureza um egoísmo ativo. O instinto de
rapina e de dominação violenta é estranho ao homem da natureza como tal;
esse instinto não pode nascer e ganhar raízes no homem antes que esse
tenha ingressado na sociedade e aprendido a conhecer os desejos “artificiais”
que a sociedade alimenta. (CASSIRER, 1997, p. 344).

Era esta tese que embasaria um dos pilares do iluminismo e da revolução


francesa: a liberdade. Assim, seria papel do Estado assegurar as liberdades, e sua
autoridade existe somente quando “os indivíduos submetam-se à ela, e não que ela
submeta os indivíduos”. Cassirer também explica que a unidade entre os indivíduos,
para Rousseau, deve ser alicerçada na liberdade ao invés da submissão para que
seja autêntica (CASSIRER, 1997). Sobre o ideal da liberdade e a influência da religião
nesse ideal, Huntington afirma:

Através de toda a História ocidental, primeiro a Igreja e depois as muitas


igrejas viveram separadas do Estado. Deus e César, Igreja e Estado,
autoridade espiritual e autoridade temporal foram um dualismo que
prevaleceu na cultura ocidental. Somente na civilização hindu a religião e a
política estavam também separadas de forma tão nítida. No Islã, Deus é
César; na China e no Japão, César é Deus; na Ortodoxia, Deus é o sócio
menor de César. A separação e os repetidos choques entre Igreja e Estado,
que tipificaram a civilização ocidental, jamais ocorreram em qualquer outra
civilização. Essa divisão da autoridade contribuiu de forma incomensurável
para o desenvolvimento da liberdade no Ocidente. (HUNTINGTON, 1996, p.
83).

Essa diferença filosófica entre os dois, na verdade embasava-se em diferentes


crenças teológicas acerca do pecado original. Rousseau se declarava católico, e em
grande parte de suas teses defendia a necessidade da religião, seus conceitos
teológicos, porém, não eram bem vistos, pois foi tratado como herege tanto na
Genebra calvinista quanto na Paris católica. Em um de seus livros, afirmou que “não
há perversidade original no coração humano” (ROUSSEAU, 2007), uma releitura do
livro bíblico de Gênesis e o pecado original de Adão.
29

Até este ponto da história e da concepção de Estado moderno, é impossível


afirmar que a religião não influenciou tanto a sua criação, como a sua secularização,
uma vez que todos os seus principais teóricos e contribuintes, se classificavam como
cristãos e não separavam a fé de seus ideais filosóficos. Isso muda, porém, com a
consolidação do iluminismo, uma vez que:

Uma das características essenciais da filosofia do Iluminismo é que, apesar


do seu apaixonado impulso para o progresso, apesar de todos os seus
esforços para quebrar as velhas Tábuas da Lei e reconstruir a vida sobre
alicerces intelectuais completamente novos, ela nem por isso deixou de voltar
incessantemente aos problemas filosóficos originários da humanidade. Já
Descartes se defendia contra aqueles que lhe censuravam querer fundar uma
filosofia absolutamente “nova” explicando-lhes que a sua doutrina, uma vez
que assentava em princípios estritamente racionais, uma vez que se apoiava
somente na razão, podia muito bem reivindicar o privilégio da Antiguidade.
Quem, senão a razão, possui com efeito o verdadeiro direito de
primogenitura? Não domina ela, do alto de sua idade, todas essas opiniões e
todos esses preconceitos que a obnubilaram no decorrer dos séculos? A
filosofia do Iluminismo fez sua essa reivindicação. Ela luta em todos os
domínios contra o poder do costume, da tradição e da autoridade.
(CASSIRER, 1997, p. 315).

A primazia da razão em detrimento da fé e de todo e qualquer outro fundamento


da humanidade até então foi o preceito que buscava não apenas retirar os ideais
universais da Igreja da esfera pública, mas de toda a sociedade. E, sendo o
cristianismo um dos principais pilares da sociedade ocidental até então, seria um dos
maiores alvos do iluminismo, como afirma Huntington:

O Cristianismo ocidental, primeiro o Catolicismo e depois Catolicismo e


Protestantismo, é, do ponto de vista histórico, a característica isolada mais
importante da civilização ocidental. De fato, durante a maior parte do primeiro
milênio, o que é atualmente conhecido como civilização ocidental era
chamado de Cristandade ocidental. Nela havia um sentimento bem
desenvolvido de comunidade entre os povos cristãos ocidentais, de que eram
diferentes dos turcos, mouros, bizantinos e outros, e foi tanto por Deus como
pelo ouro que os ocidentais partiram para conquistar o mundo no século XVI.
A Reforma e a Contra-Reforma, bem como a divisão da Cristandade ocidental
num norte protestante e num sul católico, são também aspectos
característicos da história ocidental, inteiramente inexistentes na Ortodoxia
oriental e em larga margem distanciados da experiência latino-americana.
(HUNTINGTON, 1996, p. 83).

Assim, é possível compreender como Rousseau incorpora muitos ideais


renascentistas em sua tese, dando primazia ao homem acima de ideais cristãos
universais, como fazia Hobbes ao embasar suas teses. Isto teve um impacto muito
grande para o desenvolvimento do iluminismo e seu choque com o Estado absolutista,
ainda autorizado e validado por princípios cristãos na época.
30

Com os ideais de Rousseau acerca do estado de natureza e do papel do Estado,


e os principais ideais e intenções iluministas claros e analisados, torna-se necessário
compreender o evento histórico da Revolução Francesa e seu real impacto acerca da
religião e sua função na formação do Estado moderno.

3.4 OS IMPACTOS DA REVOLUÇÃO FRANCESA NA RELAÇÃO RELIGIÃO-


ESTADO

A Revolução Francesa não foi apenas mais uma revolução, ou similar a qualquer
outro evento histórico do ocidente, mas talvez o mais importante para a modernidade.
Hobsbawm afirma que “se a economia do mundo do século XIX foi formada
principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e
ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa.”
(HOBSBAWM, 2012, p. 97).
Para o autor, uma série de fatores destacam a Revolução Francesa como mais
influente e impactante no mundo, se comparada à Revolução Americana e Russa, por
exemplo. Os principais deles são que (I) ela aconteceu no mais populoso e poderoso
Estado da Europa, (II) foi a primeira revolução social radical em massa e (III) foi a
única ecumênica. (HOBSBAWM, 2012) Levando-o a concluir, portanto, que “a
Revolução francesa é assim a revolução de seu tempo, e não apenas uma, embora a
mais proeminente, do seu tipo.” (HOBSBAWM, 2012, p. 100).
Assim, é notória a influência e importância deste evento histórico na Europa e
para todo o sistema internacional. Porém, não cabe ao objeto de estudo desta tese
aprofundar a descrição do evento em si e seus acontecimentos, mas sim os impactos
sobre a visão de religião no Ocidente e sua influência na formação do Estado. Nesse
sentido, se Rousseau foi um dos primeiros iluministas, talvez tenha sido, entre todos
que o seguiram, o mais cristão – mesmo com todas as críticas das igrejas calvinista e
católica à sua teologia. Como Cassirer nos lembra:

O enciclopedismo francês declara guerra aberta à religião, à sua validade, à


sua pretensa verdade. Censura-lhe não só ter freado desde sempre o
progresso intelectual mas, além disso, ter se revelado incapaz de fundar uma
verdadeira moral e uma ordem política e social justa. (CASSIRER, 1997, p.
190).
31

O ódio iluminista aos monarcas absolutistas encontra sua segunda vítima imediata
na fé e na crença cristã que os embasava. Se até então toda construção filosófica e
política acerca de Estado fazia-se de uma base cristã e uma cosmovisão teológica,
daqui em diante substitui-se a fé no Deus do cristianismo pela fé na razão humana. O
Estado deixa sua laicidade, já estabelecida em Westfália, e passa a caminhar em
direção ao ateísmo:

Para Abraham Kuyper, a Revolução Francesa foi diferente das outras


grandes revoluções anteriores na medida em que ignorou completamente a
Deus; recusou-se a fundamentar a política em qualquer coisa que fosse além
da natureza, acima do próprio homem. O que foi revolucionário na França foi
que ela concebeu uma forma de autoridade que não era apenas mantida
pelos homens, mas como algo que provinha do homem: “[O] Deus soberano
é destronado e o homem com seu livre arbítrio é colocado no lugar vago “
(Kuyper 2007, 88). No lugar de Deus foi então implantado um ideal
explicitamente não-teísta da vontade do povo, que era, para Kuyper,
“perfeitamente idêntico ao ateísmo” (ibid., 88). (LUOMA-AHO, 2013, p. 25,
tradução minha).3

Os iluministas retomam o que o movimento do Renascimento tentou fazer séculos


antes, trazer o homem para o centro da filosofia, sociedade e do próprio Estado,
porém, agora mais focado em sua essência racional do que em sua forma estética.
Enquanto o Renascimento e seus ideais humanistas não prosperaram, grande parte
causado por seu embate com os ideais da Reforma, o Iluminismo francês não achou
essa forma de resistência em seu tempo. (CASSIRER, 1997, p. 193-197).
É importante ressaltar, porém, que a religião não foi a grande motivadora para
toda a violência e radicalismo da Revolução Francesa, mas sim o poder absolutista e
o legado do monarca Luís XIV. A aversão à religião era apenas seu plano de fundo.
Este fato demonstra-se em Fukuyama:

Durante mais de um século os reis franceses tinham construído um Estado


centralizado baseado num conjunto de negociações inacreditavelmente
complexas com os detentores do poder local, hipotecando o seu próprio
futuro a uma legião de funcionários corruptos de um modo insustentável. O
Estado via-se assim incapaz de passar à forma superior de absolutismo
conseguida pelo Estado chinês alguns séculos antes. Em última análise,
estava normativamente vinculado a respeitar os interesses das mesmas
classes sociais que procurava dominar e tinha de respeitar as leis herdadas

3
Texto original: “For Abraham Kuyper the French Revolution was different from the other great
revolutions before it in the manner it ignored God altogether; refused to ground politics on anything that
went beyond nature, above man itself. What was revolutionary about France was that it conceived a
form of authority that was not only held by men, but as something that proceeded from man: “[T]he
sovereign God is dethroned and man with his free will is placed on the vacant seat” (Kuyper 2007, 88).
On God’s place was then implanted an explicitly nontheist ideal of the will of the people, which was, for
Kuyper, “perfectly identical with atheism” (ibid., 88).”
32

do passado. Só depois de estas classes sociais terem sido varridas pela


revolução é que um Estado francês verdadeiramente moderno pôde emergir.
(FUKUYAMA, 2011, p. 308).

Naturalmente este ódio pelo monarca e aversão às classes superiores levaria à


uma onda de violência, o que aconteceu de fato. A monarquia absolutista enfim havia
sido deposta, e o custo disso foram milhares de cabeças guilhotinadas em praça
pública. Mas, entre todas as mudanças ideológicas causadas por esta revolução, a
religiosa seria “a transformação mais inaudita e sem precedentes”, a tal ponto que os
homens hostilizavam e desprezavam a religião “como se estivessem prontos a se
declararem francamente ateus” (HOBSBAWM, 2012, p. 340).
Talvez, entre as massas o grande impacto contra a religião ainda tardaria a ser
claramente notável, já que a moral e os costumes camponeses tinham suas raízes no
cristianismo. Hobsbawm afirma:

O ateísmo declarado ainda era relativamente raro, mas entre os eruditos,


escritores e cavalheiros que ditavam as modas intelectuais do final do século
XVIII, o cristianismo franco era ainda mais raro. Se havia uma religião
florescente entre a elite do final do século XVIII, esta era a maçonaria
racionalista, Iluminista e anticlerical. (HOBSBAWM, 2012, p. 341).

Não faltaram tentativas de substituir a religião cristã e sua moralidade, e por mais
que tenham falhado em substituir completamente a religiosidade na França, os
iluministas tiveram sucesso ao separar as crenças cristãs da moral que a sucedia:

Na França, as gerações pós-revolucionárias estão cheias de tentativas para


criar uma moralidade burguesa anticristã equivalente à cristã: o “culto do ser
supremo”, inspirado em Rousseau (Robespierre em 1794), as várias
pseudoreligiões construídas sobre bases racionalistas não cristãs, embora
mantendo o mecanismo do ritual e do culto (os saint-simonianos e a “religião
da humanidade” de Comte). Finalmente, a tentativa de manter as aparências
dos velhos cultos religiosos foi abandonada, mas não a de estabelecer uma
moralidade leiga oficial (baseada em vários conceitos morais tais como a
“solidariedade”) e, acima de tudo, uma leiga contrapartida do sacerdócio os
professores. (HOBSBAWM, 2012, p. 342).

A Revolução obteve tremendo sucesso ao extinguir as bases cristãs da política e


da moralidade no continente, afinal “nas ideologias dos americanos e franceses, pela
primeira vez na história da Europa, o cristianismo foi deixado de lado” (HOBSBAWM,
2012, p. 344).
33

3.5 A RELIGIÃO COMO IMPEDITIVO PARA A REVOLUÇÃO NA GRÃ-BRETANHA

Na Inglaterra, porém, ela teve pouca influência, e esta é uma observação a se


considerar. Como é que a segunda principal potência europeia da época não seria
influenciada pela maior revolução da história moderna do ocidente? Para Hobsbawm,
a resposta está na religião - a mesma que os iluministas tanto se esforçaram para
extinguir, mais especificamente entre as seitas protestantes:

Este extraordinário triunfo das seitas foi o principal resultado do


desenvolvimento religioso desde 1790, ou mais precisamente desde os
últimos anos das guerras napoleônicas. Assim, em 1790, os metodistas
wesleyanos tinham somente 59.000 membros comungantes no Reino Unido,
em 1850, eles e suas várias ramificações tinham cerca de dez vezes mais
este número. (HOBSBAWM, 2012, p. 352).

Na mesma época em que os franceses destruíam suas bases cristãs e


guilhotinavam seus líderes religiosos, os fiéis protestantes multiplicavam-se como
nunca antes na história da Grã-Bretanha, no evento que foi chamado “despertar
religioso” ou “avivamento”.

O ‘despertar religioso’ fez muito em prol da propagação das seitas. Assim, o


salvacionismo pessoal de John Wesley (1703-1791) e de seus metodistas
intensamente irracionalista e emotivo deu ímpeto para o renascimento e a
expansão da dissidência protestante, pelo menos na Grã-Bretanha.
(HOBSBAWM, 2012, p. 354).

John Charles Ryle, escritor e bispo inglês do século XVIII, nascido pouco depois
do “despertar religioso” liderado por John Wesley no país, descreve este evento da
seguinte forma:

Que uma grande mudança para melhor tenha ocorrido na Inglaterra nos
últimos cem anos é um fato que suponho que nenhuma pessoa bem
informada jamais tentaria negar. [...] Houve uma grande mudança para
melhor. Tanto na religião quanto na moral, o país passou por uma revolução
completa. As pessoas não pensam, nem falam, nem agem como faziam em
1750. É um grande fato, que os filhos deste mundo não podem negar, por
mais que tentem explicá-lo. (RYLE, 1866, p. 13, tradução minha).4

4
Texto original: “That a great change for the better has come over England in the last hundred years
is a fact which I suppose no well-informed person would ever attempt to deny. […] There has been a
vast change for the better. Both in religion and morality the country has gone through a complete
revolution. People neither think, nor talk, nor act as they did in 1750. It is a great fact, which the children
of this world cannot deny, however they may attempt to explain it.”
34

Para o autor, a causa para estes eventos jamais poderia ser de qualquer lei ou
estatuto feito pelo governo, uma vez que pessoas não se tornam religiosas por atos
parlamentares, nem aconteceu por causa da Igreja, pois esta estava enfraquecida e
abandonada por seus líderes. Portanto, este evento só foi possível por meio de
homens miseráveis e humildes, como John Wesley, que foram “tocados por Deus”
(RYLE, 1866).
Este “despertar”, porém, não foi apenas religioso, mas gerou grandes
consequências sociais e morais, como a abolição da escravatura e reformas de
prisões e hospitais (HOBSBAWM, 2012). Algo que a nova “moralidade leiga oficial”
iluminista jamais alcançou de imediato.
Há de se considerar, no entanto, o grande marco que ela deixou para a formação
do Estado moderno e do sistema internacional como conhecemos hoje, a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, que deu as bases para a futura Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Como Bobbio deixa claro:

A Revolução Francesa foi exaltada e execrada, julgada ora como uma obra
divina, ora como uma obra diabólica. Foi justificada ou não justificada de
diferentes modos: justificada porque, apesar da violência que a acompanhou,
teria transformado profundamente a sociedade européia; não justificada
porque um fim, mesmo bom, não santifica todos os meios, ou pior ainda,
porque o próprio fim não era bom, ou finalmente, porque o fim teria sido bom,
mas não foi alcançado. Mas, qualquer que seja o Juízo sobre aqueles
eventos, a Declaração dos Direitos continua a ser um marco fundamental.
(BOBBIO, 2004, p. 55).

Entretanto, há de se reconhecer que a Declaração não inovou na formação do


Estado moderno, nem da sociedade internacional, uma vez que nela apenas haviam
sido resumidos

os resultados da era cristã, pondo acima de qualquer dúvida e elevando a


dogma político a liberdade conquistada na esfera da idéia pelo mundo greco-
romano, a igualdade conquistada pelo mundo cristão, e a fraternidade, que é
conseqüência imediata dos dois termos. (BOBBIO, 2004, p. 43).

Bobbio chama esta Declaração, oriunda da Revolução Francesa e dos seus ideais
iluministas, de uma “reconciliação do pensamento cristão com uma das mais altas
expressões do pensamento racionalista e laico” (BOBBIO, 2004). Ouso afirmar, no
entanto, após todos os eventos históricos e teses filosóficas aqui analisadas, que esta
não foi uma reconciliação entre as partes, mas a cisão entre as bases do pensamento
cristão e o pensamento laico, que antes deste evento, eram uma coisa só.
35

Afinal, em essência, o iluminismo e a revolução francesa pouco contribuíram para


a formação do Estado moderno, uma vez que a laicidade do Estado já havia se
estabelecido em Westfália e seu embasamento filosófico na Reforma protestante. O
que os revolucionários franceses fizeram com maestria foi separar estes ideais de seu
embasamento teológico cristão e acelerar o fim do absolutismo com o uso de
guilhotinas e terror.
De forma assustadora instituíram a “moralidade leiga oficial” (HOBSBAWM,
2012), separando os ideais morais de sua essência cristã. Proclamam “liberdade,
igualdade e fraternidade”, mas esconderam os milhares de anos que o cristianismo
levou para arraigar estes valores na sociedade ocidental. Neste espírito de reflexão
acerca da Revolução Francesa e seus impactos sobre a humanidade, ainda no século
XVIII, Burke escreve:

A partir desse momento, não há bússola que nos guie, nem podemos saber
claramente a que porto rumar. Tomada em seu conjunto, a Europa
indubitavelmente estava em uma condição florescente quando a Revolução
Francesa se completou. Não é fácil dizer o quanto esse estado de
prosperidade se devia ao espírito de nossos velhos costumes e opiniões;
mas, como tais causas não podem ser indiferentes em sua operação,
devemos presumir que, no todo, sua ação foi benéfica. Estamos demasiado
inclinados a considerar as coisas no estado em que as encontramos, sem
ponderar suficientemente sobre as causas pelas quais foram produzidas e
que devem possivelmente preservá-las. Nesse nosso mundo europeu, nada
é mais certo de que nossa civilização, nossos costumes, e todas as boas
coisas que dele decorrem, dependeram durante séculos de dois princípios; e
resultaram, sem dúvida, da combinação de ambos: aludo ao espírito do
cavalheirismo e ao espírito da religião. (BURKE, 2019, p. 92)

Até hoje, nas instituições de ensino, ensina-se a filosofia contratualista de Hobbes


e Rousseau, mas esconde-se a discussão teológica que a embasa, assim como as
que a precederam. Ainda é muito comum encontrar acadêmicos no Brasil e no mundo
que confundem o “Estado laico” de Lutero, baseado em ideais e princípios cristãos,
com o “Estado ateu” de Robespierre, formado pela moralidade leiga iluminista.
Afirmações como “o Estado é laico, por isso religião e política não se misturam”,
são frequentes, mas não levam em consideração toda história e construção filosófica
da religião envolvidos na formação do Estado moderno. Assim, com os principais
eventos históricos e teses filosóficas acerca da religião e sua influência na formação
do Estado no período da modernidade, torna-se necessário fazer uma análise de sua
conjuntura teórica por completo, já que, até hoje, na contemporaneidade, são as
bases da modernidade que caracterizam os Estados.
36

Por fim, percebe-se como os ideais de Maquiavel e Botero no início da


modernidade, deram fundamento filosófico para a razão de Estado, que seria aplicada
na prática pela primeira vez com Richelieu, o estadista francês no período da Guerra
dos Trinta Anos. Nessa mesma França, Thomas Hobbes forneceu as bases para que
o poder absolutista e monárquico se fortalecesse com as teses contratualistas, o que
mais tarde levaria à uma sangrenta revolta. Os ideais de todos esses filósofos, na
experiência francesa, levaram à um ambiente ideal para que Rousseau semeasse o
iluminismo, visando uma nova natureza de Estado, que se identificou na essência
secular da Revolução Francesa. Também se nota que eventos similares não
ocorreram na Inglaterra justamente por uma proliferação e ascensão da religião cristã
no país, que afastou os fantasmas revolucionários e seculares provenientes da
França.
37

4 O PAPEL DA RELIGIÃO NA ERA PÓS-SECULARISTA

Traçando uma linha do tempo desde o Império Romano, até o fim da


Modernidade, com a Revolução Francesa, fica visível uma mudança de posição da
religião em relação ao poder político internacional e à formação do Estado.
Inicialmente, no Império Romano, a religião era muito presente, principalmente
religiões pagãs. Essas, no entanto, apenas serviam para legitimar o poder e
autoridade do imperador, apesar de moldarem a cultura e moralidade dos povos sob
as quais se alastravam.
O cristianismo surge como mais uma religião popular que crescia em fiéis no
Império, principalmente entre os judeus, mas com uma formação cultural muito
diferente das outras religiões da época, gerando perseguições aos cristãos por parte
do império, por negarem sua dita autoridade divina (BLAINEY, 2012). Em determinado
momento, os imperadores são alcançados pelo cristianismo e, de certa forma, se
submetem a ele, uma importante mudança de posição da religião de forma geral: de
simples legitimadora do poder político para formadora do mesmo.
Com isso, durante o período feudal, após a queda do Império, a Igreja passa a
ser uma das principais instituições de poder, com domínios territoriais, riquezas,
exército e fiéis por toda a Europa, posição que permaneceria até a Paz de Westfália.
Motivados pela Reforma e pelo Renascimento, a Igreja enfraquece como instituição
formadora de política e os príncipes ganham maior autoridade e poder, a Guerra dos
Trinta Anos marca o ápice dessa mudança de posição da religião.
De Westfália aos primeiros pensadores iluministas, o Estado moderno toma
forma, sem ligação direta com a religião, nem como formadora, nem como
legitimadora, já que o Estado independente era mais legitimado por seus nacionais do
que pelas autoridades eclesiásticas. No entanto, a cosmovisão e conjunto de valores
sociais da época dificilmente se desvencilhavam da religião e seus princípios
universais, afinal, a monarquia absolutista ainda se apoiava em certa aprovação papal
para ser mais bem vista e aceita pelo povo.
Com a eclosão da Revolução na França, porém, até isso muda. Forma-se a
“moralidade leiga oficial” (HOBSBAWM, 2012) ou “ideologia da razão”
(HIMMELFARB, 2011), ganhando popularidade na Europa ao longo dos anos que
seguiram a Revolução. Os princípios antes claramente associados à Igreja e à moral
cristã, agora, de certa forma, se tornam “independentes” dos mesmos. Assim, a
38

religião volta a posição que possuía antes da Idade Média. No entanto, o cristianismo
permanece como a religião com maior número de fiéis pelo mundo, e toda cultura
ocidental se baseia em pilares “judaico-cristãos”, mesmo perdendo sua primazia
política em 1789. Não à toa, Burke chama a Revolução Francesa de “uma revolução
dos sentimentos, dos costumes e das opiniões morais.” (BURKE, 2019, p. 94).
Contudo, não se pode menosprezar a importância da religião, mesmo nessa nova
posição na pós-modernidade. Afinal, ainda que o sistema internacional seja uma
anarquia, esse ainda é regulado por direitos internacionais formados a partir de uma
cultura e moralidade inicialmente religiosa. Mesmo após o estabelecimento de uma
nova ideologia e moral independente da religião, “estatisticamente falando, as
religiões não declinaram; ao contrário, o grau de aderência a sistemas de crenças
religiosas e mesmo a existência de conflitos supostamente motivados por religião
aumentaram substancialmente.” (ESTRADA, In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, p. 54).
Nesse sentido, talvez o ideal iluminista tenha falhado ao afirmar que a razão
alcançaria as massas e as “iluminaria” a ponto de deixarem a religiosidade “primitiva”
de lado. Um dos maiores filósofos iluministas, Denis Diderot, formulou teses que
resumiam as reflexões iluministas acerca da religião, como a ideia de que “as massas
estavam em condições infelizes porque ainda estavam amarradas à religião e à Igreja,
e que o progresso do Iluminismo as libertaria daquele estado de ignorância.”
(HIMMELFARB, 2011, p. 207).
De fato, com o passar do tempo, a razão proliferou entre as massas lenta e
progressivamente, e o acesso ao conhecimento e informação foi facilitado. No
entanto, se estatisticamente tanto a razão como a religião cresceram nesse período,
e assim permanecem, levanta-se duas hipóteses: (I) a infelicidade das massas não
estava amarrada à religião, ou (II) o iluminismo não as libertou de seu estado de
ignorância.
Em ambos os casos, a religião não perdeu sua influência, mesmo que o Estado
tenha sido tomado pelo culto à razão, e por ela legitimado. Até mesmo os próprios
filósofos franceses não conseguiram deixar de notar o benefício social e moral da
religião na sociedade política, apesar de negligencia-la:

Um historiador descreveu a crença dos philosophes na utilidade social da


religião como um “paradoxo”, uma “contradição”, um “atraso em seu
pensamento social” causado pela inabilidade deles em criar uma concepção
orgânica e unitária da sociedade baseada em suas crenças seculares. [...] Os
philosophes, não concedendo às pessoas comuns nem senso moral nem
39

senso comum que pudessem aproximá-las da razão, confina-as a um estado


de natureza não benigno, como o de Rousseau, mas brutalizado, aos moldes
hobbesianos, no qual elas pudessem ser controladas e pacificada apenas por
meio de sanções e restrições da religião. (HIMMELFARB, 2011, p. 209).

Também é possível teorizar que foram os religiosos que, pela primeira vez no
ocidente, assumiram a responsabilidade de educar outras classes da sociedade além
dos nobres e clérigos, através das universidades medievais, dos orfanatos
wesleyanos-metodistas ingleses, das escolas jesuítas e das faculdades protestantes
americanas, já que os iluministas se abdicavam da responsabilidade de educar a
população, no máximo, atribuíam-na à terceiros, “pois as instituições de ensino
estavam nas mãos da Igreja, assim, a expansão da educação só iria aumentar a
estupefação e estultificar as pessoas.” (HIMMELFARB, 2011, p. 235).

Para d' Alembert, ele escreveu: “nós nunca pretendemos instruir sapateiros e
criados; esse é o trabalho dos apóstolos”. [...] Se alguns pobres foram de fato
educados na França pré-revolucionária, não o foram por causa dos
philosophes, como aponta o historiador Daniel Roche, mas apesar deles. “A
maioria dos pensadores iluministas se opunha ao ensino da leitura e da
escrita dos camponeses, enquanto a Igreja, e especialmente o baixo clero,
eram favoráveis a isso.” (HIMMELFARB, 2011, p. 235).

Nota-se que a Igreja não apenas formou muitos dos pensadores iluministas, que
em sua maioria frequentaram escola jesuítas, mas também alfabetizou a população
que leria suas obras futuramente, já que foi a Igreja quem assumiu a responsabilidade
pela educação compulsória no século XVIII, elevando as taxas de alfabetização
europeias de 29% para 37% em noventa anos. (HIMMELFARB, 2011).

4.1 A RELIGIÃO CIVIL COMO CONSEQUÊNCIA DO ESTADO SECULARIZADO

Essa forma de raciocínio leva a teses mais abrangentes no pensamento


internacional, como a de que o Estado nunca deixou de ser religioso, apenas teve seu
objeto de culto alterado. Afinal, se por definição, a religião é um conjunto de crenças,
muitas ideologias e moralidades da modernidade podem ser enquadradas nessa
classificação, como defende Estrada:

Por que não considerar os diversos rituais e os cultos ao Estado e à nação


como religiosos? Afinal, ambos baseiam-se em crenças coletivas que
“ultrapassam a realidade da ordem natural”, não tendo uma realidade
empiricamente fundada, mas calcada no imaginário coletivo como se
estivessem realmente ali. (In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, p. 73)
40

De fato, para a teologia cristã, não havia a separação de religioso e secular até
meados da modernidade. O próprio apóstolo Paulo escreve em sua carta aos romanos
que “toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade
que não venha de Deus; e as autoridades existentes foram ordenadas por Deus.”
(ROMANOS 13:1. In: JAMES, 2021, p. 1867). Essa forma cristã de compreender o
mundo demonstrou-se na influência eclesiástica sobre o Império Romano e na ordem
de vida feudal durante a Idade Média, profundamente ligada à Igreja. Nesse período,
era a Filosofia Patrística que imperava entre os principais filósofos e autoridades
políticas, uma vez que as instituições de ensino estavam sob responsabilidade da
Igreja Católica.
Agostinho, um dos nomes mais importantes durante o medievo e para a Filosofia
Patrística, através da sua obra “Cidade de Deus”, foi o primeiro a fazer algum tipo de
separação entre a esfera humana e a divina, sendo altamente influenciado pelos
ideais dualísticos de Platão. No entanto, essa era apenas uma ilustração dentro da
própria teologia cristã, e não uma separação da fé e prática pública como
compreendemos atualmente.

A Cidade de Deus se dá e acontece uma leitura de toda a existência dos


homens à luz da fé. Somente num mundo dessacralizado, como o nosso, é
que cristãos podem imaginar que as lutas pela libertação do homem da
exploração pelo homem possam substituir a fé e dar à teologia o antigo
prestígio e o poder de outrora. A teologia ou é toda e somente ciência da fé
ou não é nada. Pois, para Santo Agostinho, a fé cristã não constitui apenas
um setor da existência histórica do crente. Banhado na sua luz, todo o mundo
se transfigura. (LEÃO. In: AGOSTINHO, 2017, p. 22)

Foi somente durante a modernidade, com as tensões das guerras religiosas por
toda a Europa, altamente influenciados pelas teses de Maquiavel, que alguns autores
começam a fazer uma separação entre religioso e secular na vida pública, algo
inimaginável para os filósofos e teólogos medievais.

Uma segunda abordagem visa compreender historicamente como é que a


religião e o secular foram inventados na era moderna. Tais pesquisas
geralmente demonstram que estes conceitos nasceram num contexto de
disputa dentro da Europa cristã através de escritores liberais, como John
Locke e William Penn, que demandavam liberdade da opressão dos Estados
católicos e protestantes e, assim, equacionaram igreja com religião (que
deveria ser privatizada) e Estado com secular (o que é legitimamente público
e de acordo com a razão natural). (ESTRADA. In: CARLETTI; FERREIRA,
2016, p.74).
41

Não é segredo que a secularização tem origem dentro da própria teologia, entre
os protestantes principalmente, mas há de se fazer uma distinção entre o pensamento
protestante de secularização e sua transformação pelos filósofos humanistas e
iluministas. Por mais que os protestantes definissem a secularização como “uma
paulatina distinção entre o século e as objectivações dogmáticas e institucionais do
religioso como Igreja” (CATROGA, 2010, p. 21), eles ainda compreendiam que a
política e vida pública estavam debaixo da soberania de Deus, como todo o restante
da vida humana.

O cristianismo prometia a salvação num outro mundo, rejeitando, portanto, a


confusão, típica da sociedade greco-romana, do religioso com o político - por
isso, os romanos chamavam "ateus" aos novos cristãos -, e pregava, nos
seus primórdios, a indiferença em relação aos governos. Como o seu reino
nunca será deste mundo, e perante a força do Império, importava devolver a
César o que é de César e a Deus o que é de Deus, pelo que, como lembrou
Santo Agostinho (século V), o cristão não podia confundir as duas Cidades,
devendo obedecer - de acordo com Pedro e Paulo - às autoridades
estabelecidas. (CATROGA, 2010, p. 23).

Os filósofos modernistas, no entanto, compreendiam a secularização a partir de


uma cosmovisão diferente, como legado do humanismo: a deificação do homem, e
seu principal produto, a razão. Essa é a linha tênue que separa a “secularização
protestante”, da “secularização humanista”, por mais que ambos cheguem à uma
conclusão similar, o fazem por meios diferentes. O primeiro separa o século – e por
século, entende-se a política e vida pública – dos dogmas institucionais religiosos,
mas ambos ainda se encontram debaixo da soberania de um Deus onipotente. Já os
humanistas, chegam à mesma separação entre século e religioso, mas como uma
consequência de o homem ser seu próprio deus, e a razão sua obra divina, no qual
não há mais submissão à um Deus soberano e onipotente.
Estrada deixa claro que, antes da modernidade, as palavras “religião” e “secular”
não remetiam à domínios separados como compreendemos até hoje, mas lembra que
“ambos os termos designavam ideias dentro do cristianismo, às vezes na forma de
disputa em torno do ‘verdadeiro’ cristianismo” (In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, p.
75). Essa disputa dentro do próprio cristianismo era produto da Reforma e das críticas
luteranas à autoridade papal e sua ligação com as autoridades políticas da época,
gerando desentendimentos teológicos entre protestantes e católicos.
Independentemente da fonte originária do secularismo, seja humanista ou
protestante, suas consequências ecoam por toda a história, pois foi essa perspectiva
42

“que fez da apoteose da razão, da ciência e do ideal emancipatório uma das


características mais fortes da modernidade” (CATROGA, 2010, p. 28). A maior dessas
consequências, no entanto, talvez tenha sido “o crescimento da soberania do Estado”
(CATROGA, 2010, p. 28) e a submissão de todos os seus cidadãos, religiosos ou não.
Para que os mais diversos cidadãos, de religiões e crenças diferentes, se
submetessem a um Estado soberano comum, seria necessário um elemento chave
na sociedade, a tolerância civil. Enquanto imperadores romanos perseguissem
aqueles que discordassem de sua divindade, como os cristãos, ou enquanto a Igreja
Católica perseguisse os hereges, não era possível existir uma vivência pacífica entre
diferentes sob o mesmo Estado. Por isso, a secularização levou à tolerância, no qual
“o Magistrado, para seu próprio benefício, devia ser tolerante, situando-se a fronteira
do seu agir nos efeitos exteriores da opção religiosa que pudessem colidir com os
princípios que norteavam a prossecução do bem comum.” (CATROGA, 2010, p. 81).
Com essa definição liberal de Locke sobre a tolerância, se estabelece um limite
entre a ação do Estado sobre a religião, e dos atores religiosos sobre o restante da
sociedade, sendo esse limite o “bem comum”. Há de se notar, contudo, que essa
tolerância civil e proteção do bem comum, só foi possível em sociedades
cristianizadas, como destaca Catroga:

Como prova suplementar, mobiliza-se, ainda, o facto de ter sido nas regiões
cristianizadas (e não nas do Islão, nem nas de influência hindu ou budista)
que ocorreram as experiências históricas que tornarão as sociedades
ocidentais mais seculares. (2010, p. 21).

O autor também identifica três razões para que essa secularização tenha
encontrado palco apenas em contextos cristãos, sendo elas: (I) a afirmação da
transcendência de Deus, que implica na autonomia de um mundo natural e político;
(II) a definição de um “Deus móvel”, que intervém na história em ações específicas,
assume o homem como um indivíduo livre e responsável no tempo; (III) as crenças no
Juízo Final e nas leis mosaicas, caracterizavam o Deus cristão como um Deus ético e
justo, levando as consciências cristianizadas a racionalizarem a moral que seria
projetada na história ocidental. (CATROGA, 2010).
Essas razões explicitadas por Catroga explicam, em parte, a dificuldade de os
iluministas dissociarem a moral da religião cristã, e, consequentemente, sua influência
na esfera pública e civil. Estes são os principais pilares da sociedade internacional
ocidental e judaico-cristã que permitiram a existência de um Estado secularizado,
43

onde há tolerância civil e, portanto, preservação do bem comum. Por isso, Estrada
chega à conclusão de que “a própria noção de secularização, extensamente debatida
e controversa, não representa a ruptura com o cristianismo, se não sua continuação.”
(In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, p. 75).
A alternativa encontrada na modernidade para separar a vida pública dos
conceitos e dogmas religiosos foi empoderar o Estado a ponto de substituir a
divindade do cristianismo pela soberania deste. Não seria possível, filosoficamente,
deixar o homem político regredir ao seu estado de natureza hobbesiano sem que o
Leviatã o limitasse, para preservar o bem comum da tolerância civil. Haynes deixa isso
claro ao afirmar que:

O declínio da importância da religião para as relações internacionais refletia


dois processos internacionais - modernização e secularização. Ambos
carregavam uma suposição fundamental: Estados soberanos são os
principais atores nas relações internacionais, guiados pelo sistema
internacional westfaliano e caracterizados por um conceito-chave - soberania
estatal - e um princípio fundamental: não intervenção. (In: CARLETTI;
FERREIRA, 2016, p. 27).

A “moralidade leiga oficial” (HOBSBAWM, 2012) precisava, necessariamente, de


um regulador soberano que não fosse religioso, e a melhor alternativa para isso era o
Estado soberano e independente. Assim, da mesma forma que os fiéis se submetiam
à moralidade cristã e as leis bíblicas, sob o jugo de um Deus justo e onipotente, os
cidadãos deveriam fazer o mesmo, se submetendo à “moralidade leiga oficial”, sob o
jugo de um Estado soberano. Catroga explica o fato de

a centração imanentista e secular das raízes do poder ter sido uma vitória
inequívoca, pois os principais conceitos da teologia católica acabarão por ser
transferidos, em boa parte, para o interior da teoria política e jurídica do
Estado moderno. (2010, p. 101).

Dessa forma, o Estado passa a ter propriedades divinas, e a concepção de


soberania “lançou as bases para uma nova sacralização do político” (CATROGA,
2010, p. 101), visando suprir por completo a função da religião, através da política.
Esse novo conjunto de ideias pode assumir nomes como “religião secular”, “religião
laica”, “religião política”, ou até mesmo “religião civil”. Para Catroga, esses sinônimos
têm o comum significado de “um conjunto, mais ou menos elaborado, de crenças,
mitos, ritos e símbolos que doam sacralidade [...] a entidades deste mundo, elevando-
as a objeto de culto, devoção e devotamento.” (2010, p. 102).
44

4.2 NACIONALISMO: O SIMBOLISMO APLICADO AO CULTO DO ESTADO

Racionalmente, já estava tudo definido e formulado para dar vida à religião civil
entre os cidadãos no fim da modernidade. Os contratualistas haviam fornecido a base
ontológica necessária para seu surgimento, e os iluministas legitimavam sua
implementação por meio da razão. No entanto, só isso não era o suficiente para
substituir, no imaginário geral da população, a moralidade cristã pela “moralidade leiga
oficial”, pois “só um sentimento ou paixão de Estado consolidariam a razão de Estado”.
(CATROGA, 2010, p. 125)
No cristianismo, o medo da condenação eterna ao inferno, e desejo pela herança
espiritual do paraíso forneciam os sentimentos que levavam à obediência das leis e
morais bíblicas. Da mesma forma, era através dos cultos no templos e aulas nas
escolas de matriz religiosa que essas leis e moral era ensinada pela Igreja aos fiéis, à
grande massa populacional. Para que a razão de Estado fosse consolidada na
população, era necessário que uma narrativa fosse ensinada de forma recorrente, a
ponto de gerar sentimentos que levassem à submissão ao Estado, surgindo então, o
patriotismo, ou nacionalismo:

Como não haveria sociabilidade sem a organização de uma sociedade


política específica, tal como aconteceu com a religião do cidadão a religião
civil teria por finalidade socializar e interiorizar e, de certo modo, territorializar
o dever-ser cívico, isto é, o patriotismo, inscrevendo-o, porém, num horizonte
ecuménico. Com isso, os excessos abstractos da religião do homem e do
cristianismo seriam superados. (CATROGA, 2010, p. 126).

O nacionalismo fornecia o senso de comunidade necessário para os cidadãos se


unirem em prol de uma causa comum, algo que era muito difícil no continente europeu,
uma região de povos e identidades culturais altamente heterogênea durante o governo
dos príncipes. O cristianismo também possuía os meios para gerar um senso de
comunidade entre os fiéis, mas de forma mais abstrata e universal, pois suas causas
comuns eram “o Reino de Deus” ou a “nova Jerusalém”. “O nacionalismo reconhece
que as pessoas buscam sua identidade em comunidades que exigem sua lealdade e
impõem-lhes diversos níveis de sacrifício pessoal pelo bem-estar coletivo.” (KOYZIS,
2021, p. 118)
Com uma população unida sob uma identidade nacional comum, se tornaria
automático o culto ao Estado soberano e independente no lugar do Deus onipotente,
45

ou ao menos sua coexistência, selando a separação completa entre Estado e religião


almejada pelos iluministas. Contudo, para que essa identidade se perpetuasse nas
classes mais baixas da população, era necessário que o Estado assumisse a
responsabilidade do ensino público que estava com a Igreja, pois enquanto os
cidadãos aprendessem diariamente sobre os ideais cristãos nas escolas jesuítas,
seria muito difícil a mudança da mentalidade coletiva. Como explica Catroga:

a religião civil, ao sintetizar o universal e o concreto, objectivar-se-ia na


particularidade do grupo, ainda que referida a um Fundamento que
possibilitasse a comunicação entre todos os homens, pertencendo à
educação pública a tarefa de radicar, nas consciências, o contrato social
como fraternidade, mas localizando-o numa Pátria. (2010, p. 127).

Dessa forma, com o ensino nacional e civil substituindo o ensino cristão, foi
possível estabelecer a prática da preservação do bem comum e tolerância civil, ideais
antes apenas universais, mas pouco concretos. A concepção de pátria no imaginário
da população era tão poderosa a ponto de reunir “pessoas em torno do consentimento
comum de se vincularem, com base em memórias históricas compartilhadas”
(KOYZIS, 2021, p. 120), da mesma forma que alguém carregava um sobrenome
familiar, também carregaria sua nacionalidade com o mesmo orgulho e peso
sentimental, mesmo que mais amplo.
Assim, as bandeiras nacionais substituiriam as bandeiras das famílias nobres e
reais, o hino nacional substituiria as cantatas camponesas populares, e a formação
de um exército nacional armado marcava o maior símbolo de força coercitiva do
Estado para preservação do bem comum. Afinal, “para se radicar, fomentar e
reproduzir o amor divino, ter-se-ia de usar a imaginação e a linguagem dos signos,
aliás, como ensinava toda manifestação ritual da sacralidade, ao pressupor o mito e a
sua renovação como liturgia.” (CATROGA, 2010, p. 126).
A partir dessas definições e liturgias da “religião civil”, que as relações
internacionais conheceriam políticas externas baseadas em “interesses nacionais” e
conflitos internacionais justificados por soberania territorial e nacional. Dessa forma,
os conflitos entre Estados independentes e soberanos com interesses e exércitos
próprios passam a substituir as justificativas religiosas, como fez Richelieu com a
França, pela primeira vez, na Guerra dos Trinta Anos. Era natural que isso
acontecesse mediante a implementação do patriotismo, pois “os nacionalistas
46

identificam o mal, em última análise, com o domínio de quem é diferente deles, seja
em matéria de raça, cultura, língua ou religião.” (KOYZIS, 2021, p. 128).
Dessa forma, o nacionalismo obteve sucesso ao instaurar a vontade comunitária
do bem-comum, superando o individualismo cristão de busca pela salvação ou
santificação, porém o fazia apenas de forma interna, entre os próprios nacionais, e
falhava em fazê-lo de forma externa e internacional. Isso porque, enquanto o
cristianismo unia os fiéis contra um “inimigo comum” universal do pecado e demônios,
o nacionalismo unia seus cidadãos contra inimigos externos, passando a ver outras
comunidades nacionais como ameaças.

A “religião”, longe de ser espremida para fora do quadro de uma modernidade


secularizante, ressurge dentro dela sob novas formas. Seus legados não são
enterrados e esquecidos, mas transmutados no e pelo nacionalismo. Pois,
não são apenas os motivos, símbolos e tradições específicos das religiões
mundiais anteriores adotadas e usadas pelos nacionalistas, nos níveis oficial
e popular; O próprio nacionalismo, através de sua concepção da nação como
uma comunhão sagrada, com suas próprias doutrinas, textos, liturgias,
cerimônias, igrejas e sacerdotes torna-se um novo tipo de “religião”
antropocêntrica, intra-histórica e política, uma (rival ou aliado) equivalente
funcional das antigas religiões trans-históricas, mas que, como elas, cumpre
muitas das mesmas funções coletivas por meio de rituais, mitos e símbolos
análogos. (SMITH. In: LUOMA-AHO, 2013, p. 54, tradução minha).5

Com essa definição, é possível identificar que as Relações Internacionais


incorporam uma identidade de “religião secular” desde seu surgimento na
modernidade, levantando a hipótese de se, “ao invés de abordar o Islã ou
Cristianismo, não deveríamos questionar as RI em si mesmas como uma religião e
sua própria religiosidade.” (ESTRADA. In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, p. 56).

4.3 O ESTADO LAICO COMO FORMADOR DE CIDADÃOS

A implementação por completo da “religião civil”, por meio do nacionalismo


ensinado e propagado pelo Estado no ensino público, proporcionou a completa
separação entre a vida pública e política da religião, seja em esfera nacional ou

5
Texto original: “religion”, far from being squeezed out of the frame of a secularising modernity, re-
emerges within it in new guises. Its legacies are not buried and forgotten, rather they are transmuted in
and by nationalism. For, not only are specific motifs, symbols, and traditions of earlier world religions
taken over and used by nationalists, at the official and popular levels; nationalism itself, through its
conception of the nation as a sacred communion, with its own doctrines, texts, liturgies, ceremonies,
churches, and priests becomes a novel kind of anthropocentric, intra-historical, and political “religion”, a
(rival or allied) functional equivalent of the old, transhistorical religions, but one that like them fulfils many
of the same collective functions through analogous rituals, myths, and symbols. (Smith 2000, 811).
47

internacional. Dessa forma, mesmo que tenha se baseado e inspirado no cristianismo,


e só em contextos cristãos pode proliferar, como demonstrado anteriormente na
literatura de Catroga, o Estado moderno conseguiu, pela primeira vez desde o Império
Romano, novamente colocar o cristianismo na categoria de apenas mais uma religião
entre outras diversas, usando da laicidade para fazê-lo:

Nos países católicos do Sul da Europa, termos como sociedade laica, Estado
laico, ensino laico, laicidade, laicismo, laicizar, laicização impuseram-se como
vocábulos que também constituíam instrumentos de luta contra a influência
do clero e da Igreja católica e, nas suas versões mais radicais (agnósticas e
ateias), contra a própria religião. (CATROGA, 2010, p. 297).

A laicidade é o termo usado para definir a nova relação do Estado pós-moderno


com as mais diversas religiões, não só no sentido de neutralidade, mas ela também
“bramia armas contra o anticlericalismo, em prol de uma revolução cultural
militantemente apostada no enraizamento dos direitos de cidadania.” (CATROGA,
2010, p. 297). Nesse sentido, a laicidade não é usada apenas para descrever uma
relação entre as partes políticas e religiosas, mas para embasar ações ativas do
Estado no sentido de secularização da sociedade, como a educação laica.
A adjetivação de instituições do Estado como “laicas” tinha como função não só
separar e demarcar o religioso e profano, público e privado, mas também formar
indivíduos como cidadãos submissos antes à nação, com o nacionalismo e
patriotismo, do que às suas leis religiosas, como fez Napoleão por meio das
universidades francesas, após a Revolução:

Como se escreveu no lugar próprio, a França, a partir dos valores


republicanos subjacentes à Revolução, reivindicou, em nome da "civilização",
o exercício de uma vocação universal na história da humanidade. Logo, a
Igreja não foi somente atacada pelo seu poder económico (bens
eclesiásticos) e político, mas, principalmente, pela sua forte influência cultural
e pelo seu ultramontanismo, colisão que remonta a algum regalismo e à
Revolução e, no plano do ensino, ao conceito secularizado de Universidade,
implantado por Napoleão. (CATROGA, 2010, p. 299).

A educação laica foi o principal meio usado pelo Estado soberano e independente,
ao longo dos séculos, para formar o povo como cidadãos submissos a este soberano
e com o senso de comunidade criado pela “religião civil”. Nesse sentido, a laicização
quebrou os vínculos entre as instituições do Estado com a religião cristã e a Igreja, o
que era necessário para que se instituísse, por meio de um “sistema de ensino
48

obrigatório, gratuito e laico, uma orientação comum a todo o laós, ou melhor, a toda a
Cidade.” (CATROGA, 2010, p. 302).
Por meio desta análise histórica e filosófica, é possível notar que a laicidade do
Estado não denota apenas indiferença ou neutralidade com relação à religião, mas
sim uma sobreposição da “religião civil e secular” acima de qualquer outra no ensino
e formação da população.

Ao apelar para a necessidade de o ensino ministrar uma educação moral e


social comum, ele exigia a partilha de ideias e valores comuns acerca do
mundo e da vida (incluindo a própria morte), mundividência que a acção
activa do poder político ("Estado-pedagogo" ', ou, segundo outros, "Estado-
reitor") teria de tornar hegemónica para se poder "fazer" cidadãos patriotas e
racionalistas. (CATROGA, 2010, p. 302).

Conclui-se, portanto, que o ideal iluminista de “libertar a população da


religiosidade” considerada primitiva, foi um sucesso não no sentido de extinguir as
crenças religiosas, pois os adeptos as religiões só cresceram desde então, mas sim
de reduzir sua importância no imaginário popular, colocando a formação de cidadão
antes da formação de fiéis.
Futuramente, seriam esses cidadãos formados pelas escolas laicas que iriam
compor o Estado e, consequentemente, suas relações internacionais, principalmente
no “bloco ocidental e cristão” (HUNTINGTON, 1996), como destaca Catroga: “esta
opção virá a ser tomada, em maior ou menor grau, em outros países da Europa
dominantemente católicos (e pelo México e Turquia). Para se concretizar uma
estratégia que, em última análise, visava elevar o indivíduo, antes de tudo, a cidadão”
(CATROGA, 2010, p. 302). Não só isso, mas ao educar o povo com senso de
comunidade, o Estado lhe atribui poder, pois para que o Estado exista e seja
soberano, ele necessita de cidadãos e nacionais:

O Estado nacional surgiu da decadência do absolutismo e de sua substituição


pelo liberalismo. Essa forma contemporânea do Estado gerou a soberania
nacional, expressa na eleição de governantes e na limitação do poder
executivo por representantes também eleitos. A soberania deslizou do
monarca para a nação. O poder despersonificou-se, identificando-se com o
povo. O poder divino deu lugar ao consenso popular. (MAGNOLI, 2004, p.
29).

Por meio dessa definição filosófica e política moderna de laicidade do Estado, as


Relações Internacionais e seus principais teóricos são formados nesse sistema
secularizado da “religião civil” desde sua gênese. Por isso, não só toda teoria
49

internacionalista é formulada a partir desse pressuposto iluminista, mas também os


formadores de política externa concreta dos Estados o fazem em uma anarquia
secular da sociedade internacional.

4.4 AS EVIDÊNCIAS DA RELIGIÃO CIVIL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Isso fica evidente quando se observa o fato de que “as teorias políticas clássicas
concentraram seu interesse nas relações internas aos Estados, entre o governante e
a sociedade em geral.” (MAGNOLI, 2004, p. 39). Afinal, as primeiras relações de
poder, desenvolvidas na esfera pública laica, seriam entre os governantes e os
cidadãos formados por este mesmo Estado, a quem atribuem autoridade segundo a
filosofia contratualistas de Hobbes e Rousseau. Essa relação do Estado com seus
nacionais permanece até hoje, como destaca Haynes: “Os Estados têm sua política
externa manifestadamente direcionada para alcançar um conjunto de objetivos e
aspirações de interesse nacional” (In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, p. 28).
Também é possível notar que, de acordo com Magnoli, as três escolas teóricas
de relações internacionais, baseiam-se em filosofias de pressuposto secular antes de
qualquer ideal religioso ou cristão, como faziam os monarquistas modernos antes da
Revolução. Magnoli descreve três principais escolas de pensamento
internacionalistas: escola idealista, escola realista e escola radical. A primeira baseia-
se no direito natural de Grotius, aplicando-o ao sistema internacional. A segunda
escola, a realista tem como raiz filosófica as teses de Maquiavel e Hobbes,
ressaltando a força e poder dos Estados. Por fim, a escola radical encontra seus
fundamentos na historiografia de Marx, o mais contemporâneo desses pensadores.
(MAGNOLI, 2004).
Por mais que nenhum dos filósofos que embasou as teses dessas escolas
internacionalistas possuísse a mesma concepção do Estado laico que os teóricos
contemporâneos, seus ideais já foram reinterpretados do ponto de vista secular pelos
próprios autores internacionalistas. Por esse motivo, dificilmente encontra-se sequer
alguma menção à religião entre a literatura dessas escolas, o que era muito mais
comum nos textos de Maquiavel, Hobbes e Grotius, por terem sido formados em
instituições religiosas cristãs, e não em escolas laicas estabelecidas após a Revolução
Francesa. Soares explica essa questão ao afirmar:
50

segundo Fox (2001, p.54), o círculo das ciências sociais (incluindo o estudo
das relações internacionais) tem sua origem na rejeição da religião, porque a
tradição perpetuou a explicação racional como fonte exclusiva de resposta
aos atos e comportamentos do ser humano. Ou seja, o estudo da religião na
esfera política foi se transformando num fator sem importância no mundo
moderno até a primeira metade do século XX (SOARES, 2016, p. 49).

Nesse sentido, por se basear na religião civil como ontologia, e em Westfália como
marco secularizante da sociedade internacional, a disciplina relações internacionais
tardou em abordar o assunto da religião em sua literatura. Ainda mais em seus
primeiros anos de teoria clássica, uma vez que era dominada pela escola realista e
suas teses de conflito e segurança como prioritárias durante a Guerra Fria:

Os princípios vestfalianos estabeleceram as raízes para a escola realista e o


conceito secular da raison d’état (razão de estado), pondo a religião fora do
foco da política internacional (PHILPOTT, 2000, p. 206-245). A partir de
então, não só a religião, mas os vetores sociais e os aspectos culturais
passaram a ser esquecidos nos paradigmas e correntes internacionalistas; o
foco do debate da arena global era mantido nos assuntos do sistema de
Estados, guerras, segurança, entre outros. Surgindo como uma disciplina
acadêmica com o término da Primeira Guerra Mundial, as relações
internacionais observavam a religião como imprópria e de pouca importância
analítica para explicar os assuntos internacionais. A religião estava fora do
foco internacionalista, devido à dominância de ideias da perspectiva realista,
ou escola realista. (SOARES, 2016, p. 60).

Foi somente com o paradigma liberalista que a religião ganha algum tipo de
atenção, mas apenas como acessório, influente na formação do interesse nacional ou
influência do soft power de um Estado sobre o outro. Haynes chega a essa conclusão
em sua análise:

Em termos de poder religioso estatal, nossos exemplos - EUA, Índia, Arábia


Saudita e Irã - sublinham, coletivamente, "que a maior influência da religião
no sistema internacional se dá através de sua significativa influência na
política doméstica. Trata-se de uma força motivadora que guia muitos
formuladores de política". (FOX & SANDLER, 2004, p. 168). Para entender e
considerar a influência de atores religiosos na política externa com relação
aos EUA, Índia, Arábia Saudita e Irã, vimos que o exercício do soft power é a
melhor maneira - na verdade, a única maneira - de influenciar a política
externa. (In: CARLETTI; FERREIRA, 2016, p. 48).

Com isso evidente, fica claro que, por mais que os filósofos e pensadores que
embasaram muito da teoria e prática da matéria de relações internacionais fossem
guiados por uma moralidade e religião cristã clara, a “moralidade leiga oficial” e
“religião civil” obtiveram sucesso ao estabelecer uma base ontológica secular e laica
51

para o estudo das relações entre os Estados e os mais diversos atores da sociedade
internacional.
Conclui-se, portanto, que a religião teve grandes alternâncias de posição em sua
relação com a política no ocidente. No início do Império Romano, as religiões pagãs
atuavam apenas como legitimadores do Imperador e seu poder político. Com a
submissão dos imperadores à Igreja cristã, no entanto, a religião passa a ocupar uma
posição de formadora do poder político, e assim permaneceria ao longo da Idade
Média e boa parte da modernidade. Porém, com o enfraquecimento institucional da
Igreja por parte de movimentos como o Renascimento e a Reforma, a Revolução
Francesa instaura os ideais iluministas para o surgimento de uma nova religião civil e
secular que ocuparia o lugar do cristianismo de legitimador e formulador da política.
Com isso, o nacionalismo fornece a estrutura ideológica necessária para que essa
mudança de posição ocorresse, e dá poder ao Estado para que eduque seus
nacionais, implantando essa religiosidade civil ao longo dos anos. Dessa forma, a
religião continua influente até hoje na política internacional ocidental, mas sua
principal formuladora já não é mais o cristianismo ou as religiões pagãs, e sim uma
forma nacionalista de religião civil, laica e secular.
52

5 CONCLUSÃO

Com essa pesquisa foi possível fazer uma análise aprofundada da relação e
influência da religião com a formação do Estado e, consequentemente, das relações
internacionais. Através do estudo da modernidade, principalmente, por meio de
diversas fontes bibliográficas, ficou claro que a religião deu as bases filosóficas
necessárias para que o Estado westfaliano surgisse nesse período. Isso ocorreu no
sentido de que a Igreja como instituição teve papel fundamental na organização da
sociedade internacional na modernidade e na formação educacional da população
durante muito tempo.
A Reforma Protestante, somada aos paradigmas renascentistas,
enfraqueceram a Igreja em seu poder político, até que, com os ideais iluministas
implementados durante a Revolução Francesa, foi possível a criação de uma
“moralidade leiga oficial”, que iria moldar o futuro da educação pública e a organização
política pós-moderna. Destaca-se também o papel de filósofos e pensadores
modernos como Maquiavel, Richelieu, Hobbes, Botero e Rousseau, que com sua
teoria deram forma à razão de Estado e ao início do processo da secularização,
mesmo que seus textos e literatura não fossem, em essência, seculares, mas
baseados principalmente nos ideais universais cristãos.
Nota-se que o processo de secularização não foi algo rápido ou instantâneo,
mas uma longa mudança de paradigma na Europa e nos países cristãos que levou
anos para ser implementado, por meio do ensino da religião civil e do nacionalismo,
que passaram a terem protagonismo na formação da população em relação à religião.
É justamente nesse contexto que as relações internacionais se desenvolvem, de
forma secularizada, por mais que o sistema de Estados seculares já tivesse sua
gênese em Westfália, foi somente após a Revolução Francesa que os Estados
europeus deixaram os dogmas e ideais da Igreja em segundo plano, priorizando a
formação de cidadãos nacionais antes de fiéis.
Observou-se que houveram dois principais movimentos secularizantes, mas
com fundamentos ideológicos diferentes, e que só um deles prevaleceu ao longo da
história ocidental. O primeiro foi a secularização protestante, que por mais que
compreendesse que o mundo em sua totalidade e todos os homens estavam debaixo
da soberania de um Deus onipotente, os protestantes concluíram que seria benéfico
à sociedade que os dogmas religiosos da Igreja fossem separados da vida pública. Já
53

o segundo movimento secularizante, o iluminista, fundamentou-se em substituir a


submissão dos homens a um Deus onipotente para um Estado soberano e
independente, separando completamente a política de qualquer influência religiosa
por meio da laicidade. Nesse sentido, a educação compulsória da população por parte
do Estado foi necessária para dar primazia aos ideais nacionais acima dos dogmas
religiosos, substituindo as bases filosóficas da religião cristã pela religião civil e
secular.
Com essa análise detalhada dos processos históricos e filosóficos de
secularização, foi possível compreender que as relações internacionais como
disciplina, desde sua origem, tiveram suas bases nessa secularização iluminista, que
prima pela deificação do homem e da razão, colocando de lado qualquer moralidade
cristã ou religiosa. Por isso, até hoje, dificilmente encontra-se qualquer tipo de estudo
mais aprofundado da religião e sua influência no sistema internacional dentro da
disciplina de relações internacionais, pois a mesma guia-se pela secularização
iluminista e identifica a religião apenas como um ator influente na formação do
interesse nacional e soft power internacional.
Conclui-se, portanto, que os três objetivos específicos dessa pesquisa foram
atingidos com sucesso. O primeiro, de analisar os impactos da religião no pensamento
político internacional, foi feito através da observação da filosofia cristã na formação do
Estado moderno e sua posição após os movimentos de secularização. O segundo, de
investigar a influência da religião nas relações internacionais entre 1517 (Reforma
Protestante) e 1789 (Revolução Francesa), se deu através de um estudo bibliográfico
e histórico aprofundado não apenas dos eventos históricos desse período, mas suas
consequências para a formação do pensamento político internacional. Por fim, o
objetivo de identificar e conceituar o período de pós-secularização no estudo de
relações internacionais, foi realizado no último capítulo, colocando em evidência as
bases do estudo internacionalista e sua essência na religião civil, laica e secular.
Dessa forma, é possível afirmar que a religião não apenas possui um papel
fundamental para a compreensão do pensamento político moderno, mas também se
conclui que a influência filosófica religiosa continua presente na sociedade
internacional e nos estudos das relações internacionais, mas não mais pela religião
cristã, e sim pela religião civil e a moralidade leiga oficial perpetuada nas instituições
estatais e internacionais.
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