Você está na página 1de 14

2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

Conectando a Igreja e a Academia através da Ortodoxia Integral

Pedro Lucas Dulci 1

Antes de pensar sobre a viabilidade de conectar a igreja com a academia, é


necessário dar um passo para trás e levantar outra questão igualmente fundamental: quem
ou o que separou a igreja da universidade? Ou ainda, qual obstáculo fez os indivíduos
acreditarem que não era possível ser cristão no ensino e na pesquisa científica? Essas
perguntas têm algumas formas de resposta. Para os objetivos imediatos desse texto, vou
abordar apenas duas delas: uma resposta histórica e outra pragmática sobre essa separação.
A primeira via de esclarecimento dessa problemática é a simples reconstrução
arqueológica de tal desconexão. Essa metodologia é uma das formas privilegiadas de
acessar o presente, uma vez que ela o faz através de uma relação com o passado. Grosso
modo, a arqueologia consiste em se perguntar pelas condições de possibilidade de
refazermos o caminho histórico que desencadeou o fenômeno que temos diante de nós.
Trata-se de perguntar pela archē de algo – conceito grego que significa “início” e
“princípio”. Ou seja, aquilo que tanto deu origem ao fenômeno contemporâneo, como
também comandou sua história.
Vale ressaltar, no entanto, o que o filósofo italiano Giorgio Agamben diz sobre o
método arqueológico: “essa origem não pode ser datada ou cronologicamente situada: é
uma força que continua a agir no presente, assim como a infância que, de acordo com a
psicanálise, determina a atividade mental do adulto, ou como a forma com que o big bang,
de acordo com os astrofísicos, deu origem ao Universo e continua em expansão até hoje”. 1
Essa ideia de um evento que aconteceu, mas que não terminou de uma vez por todas, fica
muito clara no caso específico da desconexão entre o saber universitário e a fé cristã. Toda
a compreensão no senso comum do Ocidente sobre a relação entre academia e igreja foi
determinada por um acontecimento em especial: aquilo que ficou conhecido como “o mito
do conflito” entre religião e ciência. Esse mito baseia-se na invenção de dois profissionais
da controvérsia do século XIX: o cientista John William Draper e o historiador Andrew
Dickson White. Basicamente essa posição ficou popularizada nos livros História do

1
Doutorando em Filosofia (UFG) onde desenvolve pesquisa em ética e filosofia política contemporânea.
Membro do Movimento Mosaico e da Igreja Presbiteriana Beréia, autor de Ortodoxia Integral: teoria e
prática conectadas na missão cristã (2014) e Free Bonhoeffer: confissão de fé e conspiração política (2015).

1
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

conflito entre a religião e a ciência (1874) e Uma história da guerra entre a ciência e a
teologia na cristandade (1896) nos quais os autores sustentam que, historicamente, aquilo
que marcou a relação entre a ciência e a religião cristã não foi a cooperação ou a sintonia,
mas um conflito insolúvel.
O professor Peter Harrison, de Ciência e Religião na Universidade de Oxford,
comenta que, a revelia de sua incoerência, o modelo do conflito apenas sobreviveu ao
longo dos anos porque se alimentava de alguns fatos perpetuados tanto no ambiente
acadêmico quanto no religioso. Ele menciona: “nossa experiência presente dos sentimentos
antievolucionistas religiosamente motivados e o ateísmo cientificamente motivado; casos
históricos bem documentos como o de Galileu que parecem exemplificar o conflito; o
pressuposto de que a ciência e a religião são formas de conhecimento baseadas em
fundações mutuamente excludentes – razão e experiência, no caso da ciência, e fé e
autoridade, no caso da religião”. 2
Vale ressaltar, contudo, que não se constrói uma tradição histórica a partir de uma
solitária tese historiográfica. Ao contrário do que o senso comum acredita, historicamente,
essa relação entre a academia e a igreja nem sempre foi tão problemática. Se os leitores me
permitem, gostaria de citar novamente o professor Harrison quando ele nos explica aqui:

Quando visto de perto, o registro da história simplesmente não sustenta esse modelo de estado bélico
eterno. Para começar, o estudo das relações históricas entre a ciência e a religião não revela nenhum
padrão simples. Porquanto exista uma tendência geral, ela diz respeito, na verdade, ao fato de que a
religião facilitou o esforço científico de várias maneiras. Destarte, as ideias religiosas informam e
sustentam a investigação científica, quem dedicou-se à ciência, na maioria das vezes o fez motivado
por impulsos religiosos. As instituições religiosas frequentemente foram as principais fontes de
apoio para os empreendimentos científicos e, em sua infância, a ciência estabeleceu-se apelando a
valores religiosos. Isso não quer dizer que não houve conflitos, mas sim que esses momentos de
conflito devem ser entendidos a partir de um contexto maior. [...] Outra consideração importante
nessa discussão é o fato de que os historiadores tornaram-se cada vez mais atentos aos perigos de
projetar suas experiências de eventos presentes nas páginas da história. De fato, fica claro que os
progenitores do mito do conflito, Draper e White, eram culpados exatamente desse tipo de
anacronismo, da leitura da História através das lentes de suas experiências presentes com
controvérsias paroquiais entre a ciência e a religião. 3

Frente ao exposto, fica mais evidente nossa primeira via de esclarecimento da


desconexão entre ciência e religião. Do ponto de vista histórico, conseguimos localizar a
archē da questão que não apenas marcou o início de uma forma de compreender essa

2
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

relação, como também comprometeu até os dias de hoje nossas tentativas de reconectar a
universidade com a igreja. Qualquer esforço de reconexão precisa levar em consideração
esse desafio histórico e chamar a atenção dos leitores para outra possibilidade de relação
entre essas duas comunidades. Quanto a esse desafio, somos ricos de outras fontes
historiográficas. Não apenas o trabalho de Peter Harrison, como também o de John Hedley
Brooke em Science and Religion: Some Historical Perspectives (1991) são muitíssimo
instrutivos.
Além deles, contamos também com o clássico A religião e o desenvolvimento da
ciência moderna (1972) do professor Reijer Hooykaas. Particularmente esse último é
bastante preciso ao argumentar que: “é provável que o desenvolvimento das ciências exatas
e da tecnologia, no final do século XVI e no decorrer do século XVII, nos círculos
protestantes, possa ser atribuído, em parte, à expansão do comércio, da indústria e da
navegação; mas isso não explicar a razão do grande interesse contemporâneo na botânica e
na zoologia, que não eram objeto de utilidade econômica imediata”. 4 Ao invés de seguir o
caminho standard da história e da sociologia das ciências, que apostam no progresso da
academia graças aos clássicos e a despeito da tradição cristã, Hooykaas sustenta que
somente no meio de um grupo social que enxergava no trabalho científico uma atividade
tão divina quanto os cultos nas igrejas, poderia ser possível surgir e se desenvolver a
ciência moderna. Ou ainda, em suas palavras, “a Igreja reformada ensinava que a
obrigação de glorificar a Deus por todas as Suas obras deve ser cumprida por todas as
5
faculdades do homem, e não somente pelos olhos, mas também pelo intelecto”. O
casamento entre as “novas descobertas naturais” e a “nova doutrina religiosa” gerou as
condições de possibilidade para a valorização da tecnologia e ciência experimental na
modernidade.
Apesar de dispormos de tal alternativa historiográfica para compreender os recentes
desenvolvimentos da ciência, bem como sua relação de cooperação com a comunidade da
fé, permanece um segundo obstáculo que mantém desconectadas a academia e a igreja. A
segunda via de esclarecimento para essa desconexão trata-se de uma separação de ordem
prática no interior do imaginário popular dos membros de nossas comunidades de fé. Ao
que parece, os cristãos simplesmente não conseguem assimilar a ideia de que a pesquisa
universitária pode cooperar com Deus em sua missão de redimir todas as coisas em Cristo.
Quem identificou essa mesma dificuldade foi a professora Ruth Bancewicz do Instituto
Faraday para a Ciência e a Religião, no St. Edmund‟s College, Cambridge. Por ocasião da

3
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

coleta de entrevistas para a composição do livro O teste da Fé (2009), Bancewicz nos


confidencia que: “algo que também me intrigou foi que muitos cientistas com os quais
conversei questionaram intensamente se o que faziam valia a pena”. 6 Segundo os relatos, o
raciocínio básico compartilhado por eles era que não estavam contribuindo diretamente
para a missão de Deus, uma vez que passavam a maior parte dos seus dias dentro de um
laboratório, uma sala de aula ou de uma biblioteca. Mais do que isso, o sentimento de
culpa e frustração era por estarem envolvidos em pesquisas que, por muitos anos, não
teriam impacto direto nenhum na vida das pessoas que estavam morrendo sem Cristo.
Tal desconexão entre a vida acadêmica e a confissão de fé cristã fez com que
muitos desses cientistas pensassem seriamente em abandonar suas carreiras acadêmicas
para envolverem-se em uma atividade de imediata aplicabilidade na missão cristã –
entendida aqui de maneira muito restrita. Alguns casos ilustram esse sentimento recorrente
entre alguns. O botânico britânico Ghillean Prance, por exemplo, chegou a ser aceito para a
ordenação pastoral na Igreja Anglicana. Quem o impediu de levar a cabo tal ministério foi
seu sogro insistindo sua permanência na pesquisa científica – que, segundo Bancewicz, o
ajudou a ser “um dos primeiros a apontar os problemas causados pelo desmatamento de
7
vastas áreas da floresta Amazônica”. Posteriormente, Prance criou A Rocha, uma
organização não governamental, de atuação internacional e de inspiração cristã para os
desafios ambientais enfrentados no planeta.
Além dele, também o professor de neuroimunologia clínica da Universidade de
Cambridge, Alasdair Coles passou por um período de incertezas pessoais. Ele chegou a ser
um médico missionário na Nigéria por três meses, mas concluiu que: “foi (medicamente)
um desastre. Minhas habilidades não eram as de um médico missionário e isso foi difícil de
aprender. Olhando para trás, não creio que Deus tenha me enviado para a Nigéria de forma
alguma; tratava-se apenas da minha visão limitada sobre o que um cristão deveria ser”. 8
Tal dificuldade descrita e exemplificada na vida de vários professores universitários
de primeira linha é a segunda explicação para a desconexão entre a academia e a igreja.
Trata-se da incapacidade de articular o trabalho científico com a cosmovisão cristã. Quem
coloca paradigmaticamente tal questão é Bill Newsome, professor de neurobiologia da
Universidade de Stanford e conselheiro universitário da InterVarsity – a correspondente
norte-americana da Mocidade para Cristo no Brasil:

Descobri que muitos estudantes cristãos de pós-graduação sentem-se culpados, às vezes, pelo
privilégio de trabalhar na academia. Eles estão trabalhando muito duro para se tornarem cientistas,

4
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

aprendendo a focalizar coisas cada vez menores. Um dia eles acordam e percebem que estão
gastando quinze horas por dia estudando uma pequena molécula e a sua função dentro da célula.
Assim, acabam questionando a si mesmos: “minha vida inteira vai ser assim? É isso mesmo o que eu
quero? Sou inteligente, talentoso, tenho fé em Deus e preocupações com este mundo enorme no qual
vivemos. Meus talentos não seriam mais bem empregados ensinando num colégio num contexto
urbano ou sendo um médico para salvar vidas, em vez de ficar aqui observando essa minúscula
molécula?”. Essa é uma questão real para muitos estudantes de pós-graduação. 9

A gravidade de tal desconexão manifesta um problema central no interior da


compreensão de mundo cristã. Uma vez que os membros das igrejas locais não conseguem
localizar no interior de sua confissão de fé o papel que seu trabalho científico ocupa, duas
coisas acontecem. A primeira delas é que aquilo que antes era apenas uma dualidade –
trabalho acadêmico e vida comunitária – transforma-se em um dualismo antagônico sobre
a vida espiritual e a presença no mundo. Ou ainda, a famigerada dicotomia entre sagrado e
profano. Tal separação, típica de nossos dias de cultura gospel, ainda que possa ser comum
à sociologia da religião de Émile Durkheim, Mircea Eliade e Rudolf Otto, não diz respeito
à visão de mundo cristã reformada. Quem divide a realidade em sagrado e profano, acaba
produzindo uma cosmovisão baseada em lugares, objetos, dias, pessoas e atividades
sagradas e outras profanas. Todos os primeiros aspectos dizem respeito àquilo que
podemos relacionar diretamente com a igreja e com a fé – templo, bíblia, domingo, pastor,
culto – enquanto todo o resto da nossa vida – relacionamentos, diversão, trabalho,
pensamentos, cultura – são encarados como profanos, isto é, destituídos de valor espiritual.
A menos que consigamos acoplar religiosidade ao nosso trabalho – a indústria gospel – o
que resta a todo mundo é alguma “atividade no mundo secular”.
Tal percepção dicotomizada da realidade culmina em um fenômeno logicamente
consequente e desastrosamente pernicioso para a missão cristã no mundo. Tenho em mente
a cooptação de todas as atividades humanas que foram encaradas como profanas pelas
ideologias e filosofias de mundo não cristãs. No caso específico da vida acadêmica, isso
acontece da seguinte maneira: justamente por não conseguir articular o trabalho científico
com a visão de mundo cristã, os membros da comunidade universitária ficam a mercê das
mais diversas abordagens filosóficas que buscam cooptar o desenvolvimento técnico-
científico. Talvez ninguém tenha conseguido perceber essa consequência comprometedora
da relação entre fé e ciência mais que o filósofo e engenheiro holandês Egbert Schuurman.
Para ele está claro que as vantagens e as desvantagens que a tecnologia moderna trouxe
consigo, “combinadas especialmente com o desenvolvimento das ciências naturais”, fazem

5
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

incontornável a necessidade de uma reflexão filosófica sobre desenvolvimento tecnológico,


10
ensino acadêmico e implicações éticas. Ou seja, não existe espaço vazio na avaliação
filosófica do trabalho científico. Se os cristãos não se ocuparem com esse desafio, existem
11
várias abordagens filosóficas prontas para fazer esse trabalho. Nas palavras do próprio
Schuurman:

Os familiarizados com as publicações a respeito das plantas transgênicas confirmarão minha


observação de que, nos círculos profissionais, as pessoas podem não prestar praticamente nenhuma
atenção na ética, uma vez que a visão dominante é a de que a biotecnologia das plantas pode apenas
ser boa para o ambiente e para a solução dos problemas ambientais. Algumas vezes, fala-se de
plantas transgênicas – ou seja, geneticamente modificadas – como solução perfeita para uma vasta
gama de doenças. Essa avaliação unilateral decorre do fato de que muitos ainda estão arraigados na
ideologia não reconhecida do tecnicismo. Essa visão inocente é desenfreada na “autoridade
tecnológica”. 12

O que está implícito aqui é que nossas compreensões de mundo, baseadas em nossa
confissão de fé, não podem deixar de interferir e ressignificar nossos assuntos profissionais
em qualquer campo que seja, principalmente na ciência. Isso porque, todas as vezes que
não o fazemos, ou achamos que não precisamos fazer, já demonstramos que fomos imersos
em alguma ideologia dominante em nosso ambiente de trabalho. Ainda que possam variar
os matizes filosóficos, na maioria das vezes, o que une as diferenças ideologias dominantes
no ambiente acadêmico é que a vida espiritual não tem nada a dizer sobre a vida natural.
Quando isso acontece, Voilà! Estamos diante de uma problemática clássica na história do
pensamento cristão: o problema natureza versus graça. Minha hipótese é que a desconexão
entre a universidade e a igreja é uma faceta contemporânea desse problema clássico.
Perguntar-se pela possibilidade de conexão entre a igreja e a academia é uma forma de
perguntar: qual é a melhor forma de relacionar a comunidade da graça com a comunidade
de investigação natural? Será uma relação de cooperação, de oposição, de paradoxo ou de
transformação?
No contexto latinoamericano, quem colocou essas questões de maneira
paradigmática foram os principais nomes da chamada Teologia de Missão Integral. No
prefácio ao livro C. René Padilla: introdução à sua vida, obra e teologia (2011) do Rev.
Gildásio Reis, o próprio Padilla esclarece suas intenções originais com o esforço da missão
integral:

6
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

Minhas reflexões teológicas a respeito iniciaram-se no contexto da Comunidade Internacional de


Estudantes Evangélicos, o movimento mundial ao qual está afiliada a Aliança Bíblia Universitária
do Brasil. Meu ministério entre estudantes universitários e profissionais me forçou a desenvolver,
junto com colegas, tais como Samuel Escobar e Pedro Arana, uma aproximação pastoral que os
ajudasse a superar a comum dicotomia entre o secular e o sagrado, e a viver em discipulado cristão
missionário em sua própria situação. Minha participação na Fraternidade Teológica Latino-
americana (FTL) me deu a oportunidade de fazer teologia em diálogo com amigos com os quais
compartilhava, e ainda compartilho convicções cristãs essenciais para uma teologia evangélica,
bíblica e contextual... Nunca me propus escrever teologia como um fim em si. Minha teologia foi
tomando forma pouco a pouco: sempre a fiz em meio à luta pelo Reino e para o Reino, em resposta
a desafios específicos, a convites a louvar, a fazer uma proposta, a escrever um artigo ou a prover
ajuda pastoral... Essa forma de fazer teologia tem suas vantagens e suas desvantagens. A maior
vantagem talvez seja que na teologia que se faz assim haja mais possibilidade de manter o vínculo
entre o ensino bíblico e a vida no mundo, sempre em busca da obediência da fé. Dificilmente o
discurso teológico que surge nessas circunstâncias é um discurso especulativo. Por outro lado, a
maior desvantagem desse tipo de teologia carece de sistematização e, consequentemente, é provável
que adoeça de vazios importantes, ou seja, que deixe de um lado temas não suscitados pelas
circunvizinhanças. 13

Para os esforços do Ortodoxia Integral, essas palavras de Padilla são fundamentais


por dois motivos. Em primeiro lugar, ele dá testemunho do contexto em que surgiram todo
o trabalho de Escobar, Arana e do próprio Padilla com a noção de missão integral. Tratava-
se de uma teologia pastoral que auxiliasse a superação daquela dicotomia enraizada na
cultura ocidental entre o secular e o sagrado, que impedia estudantes e profissionais de
viverem a radicalidade do discipulado cristão para o qual haviam sido chamados. A
proposta do Ortodoxia Integral foi colocar essa questão universitária particular dentro de
um empreendimento maior de uma arqueologia no pensamento teológico ocidental. Com
isso, queríamos identificar quando a integralidade da missão de Deus foi dividida. Para
tanto, procuramos mostrar como a tradição da teologia, que veio após e sob a influência de
Tomás de Aquino, transformou a dualidade agostiniana entre natureza e graça em uma
espécie de dualismo – entre culto e cultura ou ainda, entre sagrado e secular. No entanto, as
raízes filosóficas desse problema que Padilla anuncia são profundas. Henri de Lubac, por
exemplo, levantou a questão de que as distorções no tomismo seriam imputáveis a
Francisco Suarez. Por outro lado, eu suspeito, com a ajuda do amigo Jonas Madureira, que
o problema nasce na translatio studiorum (translação de estudos) que leva a filosofia e a

7
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

teologia do Oriente cristão ao controle intelectual dos árabes, primeiro à Bagdá e depois
finalmente à Córdoba.
De qualquer forma, essa problemática une a teologia como missão integral e a
tradição reformada. Isso porque a tese do Ortodoxia Integral é a de que no centro da
Reforma Protestante está o esforço teológico-filosófico de desfazer essa dicotomia entre
natureza e graça tão meticulosa e artificialmente construída. Por tudo isso, faz-se não
apenas necessário, mas urgente desenvolvermos e propagarmos uma forma de vida
ortodoxa e integral que ataque o centro nervoso dessa questão teológico-filosófica que tem
implicações diretas em nossa prática missional. Nisso a tradição neocalvinista da teologia e
a filosofia reformacional têm muito a contribuir.
O segundo motivo que tornam as palavras supracitadas de Padilla fundamentais
para os esforços do Ortodoxia Integral são as vantagens e desvantagens da produção
escrita da teologia como missão integral. Como Padilla mesmo colocou, a maior
desvantagem de uma teologia que não foi construída sistematicamente são suas lacunas e
vazios temáticos importantes. Em decorrência de tal fenômeno, surge uma das principais
posturas criticada pela Ortodoxia Integral que é o chamado generalismo teológico.
Justamente porque a formação da teologia como missão integral acontece passo a passo,
em resposta a desafios específicos e necessidades pastorais locais, algumas de suas
expressões acabam suprindo as lacunas mencionadas por Padilla com recursos teóricos
seculares. Não é raro vermos nos pronunciamentos, postagens, publicações e até mesmo
nas pregações daqueles que estão envolvidos no esforço de interpretar a fé de forma
contextual, a utilização de referenciais teóricos seculares e até anticristãos. Não são poucos
os livros de evangelização que fazem mediação socioanalítica a partir do raciocínio de
Bourdieu, Durkheim, Giddens ou Weber, sem ao menos mencionar Althusius, Kuyper,
Dooyeweerd, Goudzwaard ou Koyzis. Entendam que a questão aqui não é de prestígio
calvinista ou mesmo de limitação bibliográfica. A grande questão ainda é aquela
mencionada anteriormente por Schuurman também na ciência e tecnologia: junto à citação
do sociólogo positivista ou do colunista da revista famosa, vem o pacote ideológico
relacionado. Nesse processo, o evangelho deveria ser a ferramenta crítica das análises
seculares e não o contrário, como acontece.
Essa postura recorrente de desconsiderar uma tradição profunda de pensamento
genuinamente cristão e suprir as lacunas teológicas com conceitografias secularizadas,
além de manter a cristandade brasileira nos generalismos teológicos, também tem travado

8
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

o diálogo intramuros da Igreja. O que a comunidade mais ampla da igreja evangélica


brasileira precisa compreender é que a dificuldade que a ala conservadora tem de dialogar
com o grupo mais progressista da igreja não é primeiramente teológico, mas ideológico. As
duas alas do evangelicalismo divergem sobre temas muito específicos – enquanto a parte
conservadora ocupa-se do papel de defender atrapalhadamente pautas da fé evangélica
clássica que ninguém mais no espaço público parece ter coragem de mencionar (aborto,
casamento, tolerância religiosa, interferências ideológicas na educação, etc.), o grupo mais
progressista se mantém em um silêncio comprometedor que nos faz acreditar que
realmente eles não têm um plano de ação articulado. Não é desnecessário lembrar aqui
novamente que em uma democracia não existem espaços desocupados! Todas as vezes que
um vazio se apresenta no espaço público ele é ocupado por alguma força, por mais
inadequada que ela seja.
A grande questão é que as opções ideológicas de cada grupo, além de comprometer
seus compromissos teológicos, também estão impossibilitando o diálogo e a unidade da
igreja. Torna-se quase impossível conectar um campo da atividade humana – como a
academia, por exemplo – com a igreja, uma vez que o primeiro está totalmente cooptado
por opções ideológicas. Cada um dos lados se sente ofendido pelos posicionamentos
ideológicos contrários e não está disposto a abrir mão de nenhuma opinião específica em
favor da saúde interna do evangelicalismo brasileiro. Enquanto isso, o grupo maior da
igreja sucumbe à falta de orientação teológica mais ampla, ao passo que a militância
político-ideológica de cada lado embaraça os caminhos possíveis em intermináveis
discussões mediadas pelas redes sociais – nada mais inadequado.
A igreja evangélica brasileira encontra-se em um movimento decisivo em relação à
sua saúde. A melhor imagem para descrevermos onde estamos é uma casa onde as paredes
são de vidro. Quando olhamos uns para os outros nos vemos no mesmo lugar e próximos
uns dos outros. Contudo, quando começamos a caminhar em direção aos irmãos de igreja
evangélica, nós esbarramos em uma parede de vidro. Essa camada transparente, mas sólida
o suficiente para nos impedir de abraçar o outro, chama-se ideologia. Precisamos de uma
atitude iconoclasta. Nisso precisamos concordar com Nietzsche e também ter coragem de
teologizar com o martelo, no crepúsculo dos ídolos. No processo de elaborar uma teologia
encarnacional, contextualizada e integral, as opiniões sociopolíticas não podem determinar
nossa leitura bíblica.

9
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

Se realmente quisermos recuperar o gesto profético para as atuais conjunturas


brasileiras, não basta elaborar uma crítica às injustiças desencadeadas em nosso meio. Os
profetas denunciavam a injustiça e a idolatria! Contemporaneamente isso exigirá de nós
duas atitudes: (1) uma suspeita constante com qualquer posicionamento sociocultural que
vamos assumir, pois sempre haverá problemas, seja na postura conservadora seja na
progressista. Precisamos adotar uma metodologia antirreducionista, um pluralismo cristão
que não compra pacotes, mas que mantém a tensão entre radicalismo e conservadorismo.
Além disso, (2) faz-se totalmente urgente que cada cristão desenvolva sua responsabilidade
diferenciada no campo de trabalho em que está inserido. Na verdade, a partir de todo o
pano de fundo teológico-filosófico que apresentamos até aqui, esta é uma das principais
contribuições do Ortodoxia Integral para a igreja brasileira – que terá condições de ocupar
seu papel específico com todas as esferas ao seu redor, inclusive a acadêmica.
Com o projeto do Ortodoxia Integral, propomos uma filosofia de transformação
social. Uma rápida investigação sobre as opções possíveis de relação entre o cristianismo e
a cultura revelará pontos de vista distintos. O professor Carlos Arthur Ribeiro do
Nascimento, por exemplo, em seu livro O que é a Filosofia Medieval (1992) apresenta-nos
duas linhagens de cristãos. Étienne Gilson, por sua vez, identifica três famílias espirituais
que abordam o dilema entre cristianismo e cultura. Contudo, é o norte-americano H.
Richard Niebuhr em seu clássico Cristo e a Cultura (1951) que nos fornece
paradigmaticamente as cinco formas possíveis de relação entre cristianismo e cultura.
Dentre elas, Niebuhr opta pelo conversionismo, baseando-se na noção de Cristo como o
transformador da cultura. Na verdade, quase todos os cristãos que se preocupam com as
demandas culturais se identificam com “Cristo, o transformador da cultura”. Parece quase
óbvio que geralmente estamos insatisfeitos com a maneira com que as coisas estão
dispostas na cultura e, dificilmente, não gostaríamos de transformá-las. Do
conservadorismo cristão ao progressismo evangélico, praticamente todos querem
transformar o mundo.
Por si mesmo, no entanto, o ímpeto transformacionista não tem valor. Antes o
contrário. David Koyzis em Visões e Ilusões Políticas (2003) ocupa-se em nos mostrar
que, divorciado de uma compreensão normativa da ordem criacional de Deus, o modelo
transformacionista pode ser cooptado por qualquer programa ideológico travestido de
sinais do Reino de Deus. Precisamente por isso, junto à hipótese de uma filosofia de
transformação social ortodoxa e integral, faz-se necessário apresentar uma ênfase na

10
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

criação de Deus como ordem normativa, isto é, uma ordem criacional invariável para
entendermos como deveríamos viver no mundo, incluindo todas as modalidades
dooyeweerdianas. Recorrentemente, a tradição kuyperiana do neocalvinismo – na qual me
inscrevo – tem apostado na ordem criacional como fundamento sólido para não sermos
cooptados por uma ideologia secular. No entanto, também faz parte dessa mesma tradição
uma concepção realista da incapacidade do ser humano de alcançar claramente essa ordem
normativa, em razão da queda e seus efeitos. Nesse sentido, nos encontramos no mesmo
dilema ético-espistemológico da tradição jusnaturalista que encontra nas palavras de Jean-
Jacques Rousseu no Contrato Social (1762) seu paradigma:

Para descobrir as melhores regras de sociedade que convenham às nações, se precisaria de uma
inteligência superior, que visse todas as paixões dos homens e não participasse de nenhuma delas,
que não tivesse nenhuma relação com a nossa natureza e a conhecesse a fundo... Seriam precisos
deuses para dar leis aos homens. 14

Essa constatação demanda de nós uma honestidade quase cética com os programas
seculares de direito natural, uma vez que eles presumem uma capacidade de conhecer e
compreender as normas criacionais que os seres humanos não têm. Entretanto, esse não é o
nosso fim. O brilhante filósofo cristão James K. A. Smith, no despretensioso texto Beyond
“Creation” and Natural Law: An Evangelical Public Theology (2015), busca ultrapassar
essa dificuldade com a contribuição inestimável à teologia política do professor inglês
Oliver O‟Donovan. Em sua definitiva obra de ética cristã Resurrection and Moral Order
(1986), O‟Donovan argumenta que a verdadeira diferença específica de uma proposta
normativa de ética social cristã não é a aposta na lei natural da criação. Uma vez que nossa
capacidade de viver segundo tal ordem foi corrompida pelo pecado, qualquer proposta de
teologia política – como o Ortodoxia Integral – precisa articular ordem criacional com
ordem redentiva. Ou ainda, nas suas palavras:

É demasiadamente impreciso dizer apenas que a ética cristã “brota” da dádiva de Deus que é Jesus
Cristo. Qual é a lógica desse “florescimento”?... Vamos sustentar a proposição teológica de que a
ética cristã depende da ressurreição de Jesus Cristo da morte... O significado da ressurreição, como o
apóstolo Paulo apresenta é que ela é a final e decisiva palavra de Deus para sua criatura, Adão... O
trabalho do Criador que fez Adão, que trouxe à existência uma ordem de coisas em que a
humanidade tem um lugar, é reafirmado de uma vez por todas. Isso torna possível afirmar que, após
a ascensão de Cristo da morte, a criação não é uma causa perdida... A ressurreição traz consigo a

11
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

promessa de que “todos serão vivificados” (1Co 15.22). A ressurreição de Cristo é representativa,
não como no sentido que um símbolo é representativo, mas no sentido representativo que tem um
líder nacional quando ele traz para todo o seu povo o que quer que seja, a guerra ou a paz, que ele
efetua em seu nome. 15

Com essas palavras, que são apenas a abertura de todo o raciocínio do livro,
O‟Donovan fornece-nos o sustentáculo definitivo de uma filosofia de transformação social
genuinamente cristã – que pode ser devidamente aplicada ao contexto universitário.
Através de uma relação de complementariedade com a ordem criacional, O‟Donovan
define a autoridade que Cristo conquistou com a ressurreição como sendo a base suficiente
e significativa para nossa ação no mundo. Na verdade, só é possível falar em ordem
criacional se pressupormos uma autoridade que dá permissão legitimadora para essas
normas. A autoridade autoriza, ela é a autora do campo de ação possível ao delimitar os
limites da realidade criada. Mais do que isso, essa estrutura autoritativa do Cristo
ressurreto vivificando a criação nos fornece as lentes hermenêuticas para uma ortodoxia
que seja integral, a saber: a estrutura de indicativos e imperativos. Toda a Escritura está
organizada segundo essa dinâmica justamente porque o pano de fundo bíblico nada mais é
que essa articulação entre ordem criacional e ordem redentiva.
Dessa forma, os grandes imperativos de transformação social que o Ortodoxia
Integral apresenta à Igreja brasileira devem ser situados nos contextos dos seus indicativos
fundados na autoridade de Cristo. Tão somente assim, teremos condições de responder a
pergunta “com que autoridade iremos propor esse e não aquele programa ideológico de
transformação?”. Sem precisar recorrer a sínteses sociológicas seculares para justificar a
ação política cristã, encontramos nessa estrutura bíblico-hermenêutica uma porta de
entrada privilegiada para a transformação cultural.
Toda essa construção teológico-filosófica que chamamos de Ortodoxia Integral nos
fornece as condições adequadas para solucionarmos nossa problemática original sobre a
relação entre a igreja e a academia. Temos um imperativo de não apenas nos envolvermos
naquilo que é tido como “profano”, mas de fazê-lo de modo tão espiritual quanto uma
vocação pastoral tradicional. O trabalho de um físico, de um sociólogo ou de um
bioquímico é tão sagrado quanto o de um missionário transcultural. Isso porque
compreendemos que toda a ordem criacional de Deus – e as pessoas envolvidas com ela –
está relacionada com a ordem redentiva de Deus em Cristo. Ao morrer e ressuscitar, Jesus
reafirmou a importância do lugar que a criação ainda ocupa nos desígnios de Deus. Tal

12
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

compreensão precisa renovar nosso entendimento sobre as atividades técnico-científicas


que se ocupam em analisar, sistematizar e produzir conhecimento sobre os aspectos mais
fundamentais do mundo criado. Não precisamos de nenhuma mediação ideológica para
assumirmos o mandato de nos envolvermos profundamente com a criação de Deus.
Ninguém colocou de forma mais precisa tal compreensão renovada da criação aplicada ao
trabalho científico que Jennifer Wiseman, astrofísica do Centro Goddard de Voos
Espaciais, NASA. Respondendo a questão “por que explorar o espaço?” ela diz:

Penso que, em muitas carreiras, é preciso refletir de tempos em tempos e perguntar: “isso que estou
fazendo vale a pena? Se existem tantos problemas terríveis no mundo e se não estou lidando
diretamente com um deles, é válido fazer outra coisa?”. A resposta, para mim, sempre foi esta: creio
que Deus nos dá diferentes talentos e interesses por um propósito e que devemos usar nossos
talentos de diferentes maneiras. Acredito que Deus dá a algumas pessoas um forte interesse pela arte
ou pela ciência, com o fim de elevar o espírito humano por meio da descoberta e da exploração. Não
penso que Deus criou o universo inteiro desejando que o ignoremos até que todos os nossos
problemas na terra sejam resolvidos. Se olharmos para o começo do registro bíblico, uma das
primeiras coisas que Deus pediu aos seres humanos foi que eles dessem nomes a todos os animais ao
seu redor. É como se Deus dissesse: “olhe só o que eu criei!”. Acho que podemos tomar essa história
e expandi-la. Os cristãos acreditam que Deus é o responsável por todo o universo; nesse caso, não o
desapontaríamos se nem mesmo tivéssemos curiosidade para ir e aprender? Eu penso que a
exploração científica é uma forma de glorificar a Deus, pois explora o que ele criou. 16

Notas

1
AGAMBEN, Giorgio. O pensamento é a coragem do desespero. Trad. Pedro Lucas Dulci. Disponível em:
http://blogdaboitempo.com.br. Acessado em: 05 de setembro de 2015.
2
HARRISON, PETER. Introdução. In: HARRISON, PETER (org.). Ciência e Religião. Trad. Eduardo
Rodrigues da Cruz. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2014, p. 17.
3
HARRISON, PETER. Introdução. In: HARRISON, PETER (org.). Ciência e Religião. Trad. Eduardo
Rodrigues da Cruz. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2014, p. 17-19.
4
HOOYKAAS, Reijer. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Trad. Fernando Dídimo Vieira.
Editora Polis e Editora Universidade de Brasília, 1988, p. 129.
5
HOOYKAAS, Reijer. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Trad. Fernando Dídimo Vieira.
Editora Polis e Editora Universidade de Brasília, 1988, p. 137.
6
BANCEWICZ, Ruth. Epílogo. In: O teste da fé: os cientistas também creem. Trad. Guilherme de Carvalho.
Viçosa – MG: Editora Ultimato, 2013, p. 160.

13
2° Curso Faraday-Kuyper de Ciência, Tecnologia e Religião

7
BANCEWICZ, Ruth. Começa a Jornada. In: O teste da fé: os cientistas também creem. Trad. Guilherme de
Carvalho. Viçosa – MG: Editora Ultimato, 2013, p. 16.
8
COLES, Alasdair. Ser humano: mais que um cérebro. In: O teste da fé: os cientistas também creem. Trad.
Guilherme de Carvalho. Viçosa – MG: Editora Ultimato, 2013, p. 40.
9
NEWSOME, Bill. Vida no laboratório. In: O teste da fé: os cientistas também creem. Trad. Guilherme de
Carvalho. Viçosa – MG: Editora Ultimato, 2013, p. 81-82.
10
SCHUURMAN, Egbert. Reflexões filosóficas a respeito da comunidade tecnológica. In: LOPES, Augustus
Nicodemus (org.). Tecnologia e Religião. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006, p. 9.
11
Existe outra postura recorrente que me chamou atenção em algumas entrevistas da coletânea de
Bancewitcz. Claro que esse estranhamento não é só ali, uma vez que não é algo exclusivo do seu conjunto de
pesquisadores selecionados. Trata-se do fato de que vários cientistas estavam perfeitamente convictos de que
suas compreensões religiosas não mudavam sua prática imediata em sala de aula ou no laboratório. Isto é,
para alguns deles, sua fé não modificava em nada o modo como recolhia os dados de um telescópio ou de um
microscópio, muito menos na interpretação daquilo que ele via. Segundo o raciocínio de Schuurman que
mencionamos anteriormente – o qual subscrevemos – tal postura é absurda, uma vez que deixa para outros
critérios a tarefa de avaliar o trabalho que está sendo feito no laboratório, na sala de aula ou no escritório. A
pergunta simples é: se não são suas compreensões cristãs da realidade (ontologia) que determinam os rumos
de sua pesquisa, o que é? A indústria farmacêutica? A linha e os interesses editoriais do periódico famoso
que todos querem publicar? A agência de fomento para a pesquisa? O mercado? Enfim, temos uma
problemática filosófica em torno da comunidade tecnológico-científica que não pode ser desprezada. Para
não apenas levantar o problema, deixo as precisas palavras de Ard Louis, do Centro Rudolf Peierls de Física
Teórica da Universidade de Oxford: “minha fé também afeta o modo como abordo a ciência. À medida que a
minha carreira progride, por exemplo, me torno mais consciente sobre como escolher os tópicos nos quais
trabalho. Acho útil perguntar a mim mesmo: „Como Deus me julgará no fim da minha carreira?‟. Suspeito
que a avaliação divina do meu trabalho terá pouco a ver com o número de artigos científicos que publiquei ou
com a quantidade de subsídios de pesquisa acadêmica que consegui obter. Será relacionada, antes, a servir a
Deus da melhor forma possível, o que inclui a minha pesquisa”. LOUIS Ard. Uma lógica mais profunda. In:
O teste da fé: os cientistas também creem. Trad. Guilherme de Carvalho. Viçosa – MG: Editora Ultimato,
2013, p. 111.
12
SCHUURMAN, Egbert. Problemas éticos da engenharia genética. In: LOPES, Augustus Nicodemus (org.).
Tecnologia e Religião. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006, p. 37.
13
PADILLA, C. René. Prefácio. In: REIS, Gildásio. C. René Padilla: introdução à sua vida, obra e teologia.
São Paulo: Arte Editorial, 2011, p. 10-11.
14
ROUSSEAU, J.-J. Do Contrato Social. São Paulo: Nova Cultural, Livro I, Capítulo VII, 1991, p. 56.
15
O‟DONOVAN, Oliver. Resurrection and Moral Order: An Outline for Evangelical Ethics. Wm. B.
Eerdmans Publishing Co., 1994, p. 13-15.

16
WISEMAN, Jennifer. Explorando o Universo de Deus. In: O teste da fé: os cientistas também creem. Trad.
Guilherme de Carvalho. Viçosa – MG: Editora Ultimato, 2013, p. 58.

14

Você também pode gostar