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“Ide e pregai o evangelho”: modernidade e religiosidade segundo estudo de caso de uma

Congregação de Testemunhas de Jeová do interior de São Paulo

Joéverson Domingues Evangelista (NEREP/UFSCar)1


joeverson@gmail.com
GT 4 – Sociologia das crenças religiosas

Resumo
Para além de uma “sociologia do catolicismo em declínio”, como bem definia Antonio Pierucci, o
presente trabalho busca nas margens do pluralismo cristão brasileiro (também designado como
neocristianismo) novas indagações, desafios metodológicos e perspectivas a fim de compreender
o fenômeno religioso na modernidade. Deslocando o olhar para as Testemunhas de Jeová de
Cravinhos, SP, procuramos formas de entendimento de como a percepção do “atual estado das
coisas” (correspondente êmico da noção de Modernidade e que precederia o Armagedon ou
“final dos tempos” e o restabelecimento do reino de Deus na Terra) e a urgência da tarefa de
conversão determinada pelos evangelhos (kerigma) determinam a atuação do grupo na sociedade
e a interação com outras denominações cristãs. Tendo como central a noção de crença e sua
relação com o estudo bíblico que é característico do grupo, pretendemos traçar como a teodiceia
do grupo corresponde a uma complexa imersão no texto sagrado de referência, implicando em
diretrizes estritas quanto a conduta e abrangentes a vários aspectos da vida dx devotx,
especialmente nos dilemas oriundos das tensões tidas como próprias dos tempos atuais. Será na
sua escatologia e na sua interpretação dos “sinais dos tempos” que procuraremos compreender
como as simpáticas e persistentes Testemunhas de Jeová empreendem sua sociodiceia religiosa
no seio da modernidade – muitas vezes se valendo dos recursos tecnológicos proporcionados por
ela a fim de manter o crescimento continuado no número de adeptos, numa ambiguidade
reveladora.

Palavras-chave: Testemunha de Jeová; Crença; Modernidade; Escatologia.

Introdução
Com cerca de 1,3 milhão de integrantes2, as Testemunhas de Jeová são um grupo religioso
que comporta uma mensagem obstinada de pregação e uma interpretação rigorosa do texto
bíblico. Em suas próprias palavras, “sociedade mundial de pessoas que dão ativamente
testemunho sobre Jeová Deus e Seus propósitos com a humanidade (...)” (Watch Tower Bible and
Society of Pennsylvania, 1985, p.384).
Dar este testemunho, que não por acaso se associa ao nome pelo qual a Associação Torre
de Vigia da Bíblia e Tratados3 é conhecida, significa, principalmente, pregar à toda parte as Boas

1
Professor de Sociologia e Filosofia, membro do NEREP/UFSCar (2015), Mestre em Antropologia Social PPGAS/UFRGS
(2010), bacharel em Ciências Sociais UFSCar (2007). Pesquisador na área de Sociologia das Religiões e Sociologia Urbana
(nas áreas de Modernidade e Periferia).
2
Salvo quando indicado diferente, os dados aqui apresentados são do Censo do IBGE de 2010 (disponível no site
ibge.gov.br – acessado em 29 de maio de 2015). Vale ressaltar que no grupo das Testemunhas há uma distinção entre
membros ativos e simpatizantes ou desassociados inativos na congregação que faz com, nas contabilidades internas do
grupo, o número do censo seja ligeiramente maior. Cf. Silva, 2010, p.17 (inclusive nota).
3
Nome oficial da versão brasileira da Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania.

1
Novas do Reino (Mt 24:14)4, seguindo tal preceito evangélico não só no intuito de salvar a si
mesmo, mas a todxs quanto possível. Tudo isso através da ida, de casa em casa, segundo uma
organização e determinação características de um grupo facilmente alocado como milenarista
(Coutinho, 2008; Bornholdt, 2012) – mesmo quando essa classificação, apesar de recorrente, se
revela problemática num nível interessante, como nos lembra Suzana Coutinho:

O milenarismo do grupo aqui pesquisado se estabelece não a partir de elementos de pobreza,


miséria e injustiça social, conforme apresentam diversos autores que trataram o tema. O
movimento milenarista das Testemunhas de Jeová não está limitado à ideologia dos grupos
marginalizados, e a idéia vinculada somente ao pobre não é adequada a este estudo de caso. Não
estamos tratando de um grupo que sofre uma opressão econômica e grande estado de miséria,
mas sim, de um grupo que traz elementos de sofrimento e perseguição, elaborando uma auto-
atribuição vitimizada muito forte. O sonho de construção de uma “antisociedade” não se funda
em um protesto pela miséria, injustiça e pobreza. Estes são vistos como indicativos do fim dos
tempos. A finalidade do trabalho proselitista/missionário das Testemunhas de Jeová é o de
garantir as condições para a salvação no momento do Armagedom. Só assim povoarão uma
sociedade justa e perfeita onde todos viverão em paz e harmonia por vontade de Jeová. (2014, p.
47)

Pelo número de “nãos” utilizados pela autora podemos perceber que existe uma
dificuldade de classificação do grupo. De milenarismo, mesmo, só a utopia e a espera de uma
nova era, um restabelecimento do paraíso terrestre enquadrariam as Testemunhas de Jeová ao
lado de outros movimentos reconhecidos como tipicamente milenaristas. Essas dificuldades de
classificação, de enquadramento, por sua vez, não só revelam a excentricidade tão propalada e
eivada no senso comum, no que se refere à percepção que se tem das Testemunhas: revelam
também eventuais limites que a análise do fenômeno religioso encontra quando os recursos
disponíveis conceitualmente remontam a movimentos religiosos, instituições e contextos sociais
dos quais a crise deles tem como as Testemunhas mais como sintoma do que como reflexo,
variação ou desdobramento puro e simples. Mas isso ainda seria dizer pouco.
Quando Antônio Pierucci designa a sociologia da religião no Brasil e na América Latina
como “sociologia do catolicismo em declínio”, ressaltando inclusive que “mesmo os estudos
sociológicos voltados para religiões não-católicas, se enfocarem a expansão quantitativa de uma
delas, seja qual for, estarão sempre fazendo, pelo avesso, uma sociologia do declínio do
catolicismo” (2004, p. 19) provocativamente nos coloca diante de uma grande dificuldade: como,
então, abandonar essa espécie catolicocentrismo? E mais: como poderemos elaborar um
repertório capaz de acompanhar as transformações do campo religioso no seio da Modernidade,
sem descurar da real dimensão dessas transformações, almejando produzir inovações teóricas e
metodológicas que poderão superar esse olhar hegemônico sobre as minorias religiosas nas

4
As citações bíblicas sempre se referirão à Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada em sua versão em língua
portuguesa editada no ano de 2015 pela Associação Torre de Vigia de Bíblia e Tratados.

2
margens do “pluralismo cristão brasileiro” (Souza, 2012), cuja presença apresenta seus próprios
desafios quando confrontadas ao desafio de uma análise das religiosidades na
contemporaneidade?
No intuito de responder tais perguntas, ou provocações, este artigo pretende encontrar
nas margens do pluralismo cristão brasileiro (também designado como neocristianismo) novas
indagações, desafios metodológicos e perspectivas a fim de compreender o fenômeno religioso
na modernidade. A partir das concepções êmicas sobre “o sistema atual de coisas”,
correspondente do grupo, segundo nossa hipótese, da concepção de Modernidade, pretendemos
entender qual o papel que a religiosidade adquire no contexto atual e quais demandas essa
religião oriunda de um caldo no qual se combinava releitura do texto bíblico, busca pela “religião
verdadeira” e os dilemas da vida moderna, numa reconfiguração do campo religioso, sob a égide
da busca através do estudo da bíblia das respostas àquilo que o cotidiano impunha como desafio.
Quando confrontada à noção de crença (Giumbelli, 2011) as resposta da pergunta o que a
religião faz na modernidade? (p. 328) apresenta uma possibilidade de colapsar dualidades
clássicas, no espírito de justamente superar ou realocar as ambigüidades que o discurso religioso,
longe de declinar em nosso tempo moderno, produz em termos de ressignificação não só da
religiosidade em particular, da crença e experiência religiosas, mas do próprio conceito de
moderno, afinal.
Será, portanto, na sua escatologia (quer seja essencialmente milenarista, quer enquanto
uma atualização desse conceito) e na sua interpretação dos “sinais dos tempos” que
procuraremos compreender como as simpáticas e persistentes Testemunhas de Jeová
empreendem sua sociodiceia religiosa no seio da modernidade – muitas vezes se valendo dos
recursos tecnológicos proporcionados por ela a fim de manter o crescimento continuado no
número de adeptos, numa ambiguidade reveladora das relações dessa religião em particular com
os meios técnicos proporcionados pela era atual, na contramão do que despontava há alguns
anos atrás em estudos sobre o mesmo grupo (Coutinho, 2008, p.4). Importante ressaltar que essa
virada na estratégia do grupo lhe é historicamente rastreável na adaptação para difusão de seu
Querigma (Silva, 2010)
Por fim, a partir da noção de crença, presente na reflexão da relação entre Modernidade e
Religiosidades (Giumbelli, 2011) será posta em perspectiva conjuntamente com a teoria
sociológica sobre a Modernidade e suas consequências (Giddens, 1991), cuja centralidade das
noções de confiança e reencantamento do mundo, mesmo sob o domínio da técnica, podem se
revelar pontos de partida importante para deslindar alguns nós que a presença de religiosidades
as mais variadas no seio da Modernidade oferecem axs analistas da religião atualmente. É preciso
“descrever esse universo rico e diferenciado não tanto pela quantidade de semelhanças, mas pela

3
qualidade das diferenças (...)” (Brandão, 2004, 264, grifo nosso); para tal, é necessário imergir um
pouco mais no Universo sob a perspectiva deles.

Um pouco de história, um pouco de doutrina: as Testemunhas de Jeová e seu esforço


Querigmático e a interpretação da Modernidade segundo sua escatologia

Para contribuir nessa imersão inicial, se faz necessário revelar alguns aspectos do trajeto
histórico da religião, apresentando de forma algo esquemática os principais aspectos
doutrinários, algumas das facetas de sua cosmologia e a centralidade do esforço de propagar o
Querigma que marca de forma muito peculiar a percepção que outros grupos religiosos tem das
Testemunhas e que fazem eco por vezes ao que as Testemunhas pretendem apresentar.
Surgida na década de 1870, a organização que viria ser mundialmente conhecida como As
Testemunhas de Jeová se formou a partir de um grupo de Estudantes da Bíblia, coordenados por
Charles Taze Russel5 (1852-1916). Foi motivado por um contexto de acirramento sobre a
verdadeira doutrina cristã que marcou a passagem do século XIX para o XX, que Russel fez seu
percurso entre denominações mais liberais, mas com o resultado de ainda não se convencer de
qualquer uma delas ensinava de forma fidedigna aquilo que a Bíblia transmitia.
Aliás, esse percurso entre denominações religiosas em busca da verdadeira palavra de
Deus é muito relatado pelxs integrantes das Testemunhas até hoje: está, mormente, associado ao
que se chama no grupo de sistema de coisas atual, onde dilemas existenciais e as tragédias que
assolam a humanidade confirmam o final dos tempos, o retorno de Cristo e o restabelecimento de
um governo justo e fraterno, cristão de fato em lugar das formas corrompidas que afligem
atualmente a humanidade: o Paraíso, que será na Terra limpa de toda iniqüidade dos governos
humanos, reaproximando de Jeová-Deus de suas amadas e desobedientes criações.
O avanço da ciência podia ter proporcionado um conforto material e tecnológico que
viabilizaria resposta para muitos dos problemas técnicos do mundo, mas muito pouco ou quase
nada podiam fazer para aplacar certos dilemas existenciais: a quantidade de guerras que, num
crescendo, vão atingir o auge na primeira metade do século XX com a indústria nazista de morte
(da qual Testemunhas de Jeová foram também alvo6) mostrava que esse conforto técnico não
correspondia ao conforto espiritual.

5
Segundo o site da organização (jw.org), Jesus é o verdadeiro fundador do cristianismo, não sendo Charles T. Russel
além de um homem com boas intenções e membro de um grupo de estudantes sinceros da Bíblia que iniciou a
publicação do periódico mais longevo e mais famoso do grupo: Sentinela anunciando o Reino de Jeová. Cf.
http://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntas-frequentes/fundador. Acesso em 15 de maio de 2015, às 19h.
6
Identificados com Triângulos Roxos (no mesmo estilo que as estrelas de Davi amarelas identificavam os Judeus na
Alemanha Nazista e nos territórios ocupados), as Testemunhas de Jeová que não rejeitaram os princípios pacifistas e de

4
Na busca de descobrir qual a razão para tanto sofrimento diante de processos anômicos
caracterizados pela erosão de valores e aparente falta de direção clara dos tempos modernos, um
grupo de pessoas em vez de perguntar à ciência se volta para o livro mais famoso do Ocidente a
fim de encontrar as respostas. Tendo a firme crença de que a obra era de fato a palavra de Deus e
que esta só podia ser clara e livre das contradições que pareciam proliferar sem descanso naquela
vira de século, esses estudantes norte-americanos fundam um movimento que, apesar de não ser
tão expressivo, segue em acelerada expansão de seus adeptos, não obstante a aparente antipatia
que outras denominações cristãs e seus adeptos tem em até admiti-la como uma religião
genuinamente cristã.
Com a ampliação dos meios de comunicação de massa, do incremento da tecnologia da
informação e do uso criativo que grupos religiosos passaram a se fazer do fonógrafo, do
cinematógrafo etc. tornou-se possível atingir uma grande quantidade de pessoas com palavras de
fé. Tornando-se uma espécie de contraprova à dificuldade de adaptação, [as religiosidades
modernas, recentes representantes do desafio da humana busca pelo sentido que as instituições
religiosas sempre se colocaram como fundamental e estruturante de estratégias de conversão.
[As instituições religiosas atravessavam com a consolidação da Modernidade sob a forma de
constantes divisões e na troca de acusações de apostasia, num clima de evidente animosidade,
contribuindo] para que outrxs atorxs, estudiosxs e pensadorxs se convidassem a refletir sobre a
questão espiritual do nosso tempo: qual o sentido da vida? Por que tanto sofrimento?7
As Testemunhas de Jeová, por sua vez, foram protagonistas dessa apropriação do mundo
tecnológico em seu esforço de conversão: com discos, publicações e a pregação de casa em casa
empreenderam um portentoso grupo religioso a partir de Estudantes da Bíblia (denominação,
aliás, que comumente Testemunhas usam quando se dirigem a ouvintes de fora do grupo)
preocupados com os flagelos de uma modernidade cada vez mais radicalizada (SILVA, 2010, p.28-
29).
Sua chegada ao Brasil, no começo da década de 1920, se deu através de marinheiros
brasileiros que, em contato com as publicações em Nova York, se converteram em seus primeiros
pregadores na cidade do Rio de Janeiro. Lá, também, foi o local em que se estabeleceu a primeira

não envolvimento político característicos do grupo também foram enviados para Campos de Concentração e
executados.
7
Vale lembrar que outras questões envolvendo a política e qual a religião verdadeira para se obter o Paraíso Eterno
também eram correlacionadas intimamente à época. Até hoje, aliás, Testemunhas de Jeová apresentam tais questões
ou versões atualizadas destas em suas publicações. Uma síntese dessa discussão se encontra no material do grupo
(brochura) intitulado Qual o objetivo da vida? : a partir de discussões científicas, apresentam os principais pontos
doutrinários e o porquê da profunda divergência com outras denominações consideradas “cristãs” – as aspas são do
documento. [Mas, do ponto de vista das práticas, toda uma série de dilemas se apresentam, e a formação da
subjetividade deste devotx vai ser cruzada pelo discurso doutrinário, é claro, mas ainda assim permite um flexibilidade
que se apresenta sob a forma de “assuntos que não mencionamos na Reunião/no Salão do Reino.]

5
Betel8 da América do Sul, de onde poderiam ser feitos os documentos e brochuras na língua
nativa, possibilitando que as doutrinas do grupo atingissem um número ainda maior de pessoas.
Daí em diante, a igreja veio constantemente angariando novos adeptos e tem presente marcante
no campo religioso brasileiro.
Tal postulado é caracterizado por se utilizar de todos os meios para a conversão,
compartilhando o Querigma9 a todos dispostos a ouvir o testemunho dos verdadeiros cristãos.
Como está na chave da inclusão [o termo Querigma nos parece mais adequado;] o termo clássico
proselitismo não parece abranger de forma clara o principal pressuposto da doutrina das
Testemunhas: o povo eleito são todxs, e até o final dos tempos, é preciso manter esse esforço a
fim de garantir a salvação do máximo de pessoas possíveis. Chamar tal atividade de proselitismo
[impede] de percebê-la como dotada de um propósito universalizante, uma vez que Jeová-Deus
falou à humanidade através da Bíblia, não só aos já convertidos.
Essa mudança se fez necessária diante de como a abertura das reuniões e da adesão de
novos membros se faz entre as Testemunhas: para elas, o propósito de suas vidas é a pregação da
Boa Nova onde quer que haja ouvidos para escutá-la e olhos para lê-la diretamente da Bíblia. Por
isso, o domínio da navegação no texto sagrado [e de] suas inúmeras referências cruzadas se torna
indispensável na estratégia de convencimento; além da proverbial simpatia estimulada nas
reuniões cujo tema é justamente o chamado Ministério Teocrático, onde através de reflexões e
resenhas10 das atividades querigmáticas do grupo são passadas a limpo e orientadas pelas
publicações advindas da sede internacional da igreja.
Como partes desse esforço se encontram também os temas que são objeto de suas
publicações: a temática do sofrimento e de seu fim, dos flagelos e tragédias que assolam a
humanidade e a ausência de respostas objetivas, baseadas na Bíblia, das demais denominações
cristãs abrem um importante campo discursivo onde as Testemunhas pretendem deixar claro que
a lacuna de resposta se encontra na falta de compromisso das outras denominações religiosas em
explorar a sabedoria da Bíblia de forma sistemática. De recomendações financeiras a noções
sobre do que é composta a alma ou existência do inferno, a Bíblia responde tudo. E as publicações
e seus publicadorxs (as pessoas encarregadas de apresentar e estimular a leitura de não-membros
no esforço querigmático de porta em porta) estão para mediar a relação do fiel com a verdade
que está disponível na Bíblia.

8
As Sedes fundadas em diversos países são conhecidas pelo nome de Betel, que significa Casa de Deus. Atualmente, a
sede brasileira é no município de Cesário Lage, interior de São Paulo.
9
Do grego kêrugma: “proclamação em alta voz, anúncio”. Podendo significar não só a transmissão da doutrina cristã,
mas o próprio cerne dessa doutrina (cf. Querigma no dicionário Houaiss de Língua Portuguesa – versão on-line).
10
[Cabe sempre notar que, em virtude de certo tatear conceitual, de sua invenção mesma, é necessário me conceder
certa imprecisão em conseguir condensar, ou mesmo sintetizar, certos elementos operativos dos quais as Testemunhas
se valem para aperfeiçoar seu esforço querigmático. Cf. Evangelista, 2015.]

6
Vale notar, igualmente, que é muito importante levar em consideração que para uma
Testemunha o autor da Bíblia é Jeová-Deus. Os humanos por ele inspirados e que efetivamente
escreveram a Bíblia, fizeram a transcrição para que nós conseguíssemos entender as Verdades
divinas. Só um humano, pois, poderia simplificar a outro humano a linguagem das Verdades
Eternas e Imutáveis presentes no texto sagrado (Watch Tower, 1993, p. 14-15). Isso em outras
palavras que dizer que a validade da Bíblia e de suas orientações são inatacáveis. E como se
consideram estudiosas sinceras, as Testemunhas de Jeová impediriam a continuidade de
apostasia que o cristianismo tradicional impôs por ter se corrompido ao se associar às práticas
mundanas de poder.
Mas um humano não poderia rivalizar com Jeová-Deus no governo da Terra: sua
desobediência e o consequente afastamento de criador e criatura tem como resultado imediato o
fracasso de todo e qualquer intento humano em governar o mundo e fazê-lo justo e sem
sofrimento; mais: esse período todo desde a expulsão do Éden seria uma sucessão de infortúnios
e aflições justamente para provar aos humanos sua fragilidade e incapacidade de viver uma boa
vida sem Jeová.
E o que faria deste tempo atual, diferente de todos os outros? A julgar por tudo que
aconteceu, parece-me que às Testemunhas de Jeová a sucessão de eras, governos, impérios e
experiências de governo corresponderiam a uma unidade contínua, praticamente indistinta; os
tempos atuais, pois, são especiais porque as profecias bíblicas estariam por se cumprir, o
Armageddon chegará após o tempo da “grande atribulação”, qual seja, a radicalização da
Modernidade e seu inevitável fracasso como projeto político, social e até mesmo ambiental. A
prosperidade da terra, [ampliação e o restabelecimento] da justiça [divina], o fim da morte e das
doenças [,entre outras bem-aventuranças,] seriam implementadas de uma vez só quando do
pronto restabelecimento do Paraíso, na Nova Terra. A Modernidade, nessa perspectiva é o
próprio fim do mundo, sinal de um tempo que deve passar e que, segundo a Bíblia, deve ser
recebido com alegria por causa das benesses eternas e incomparáveis, a despeito de todo o
sofrimento que antecede.
Com a presença de tais sinais, um desafio óbvio se impõe às Testemunhas: levar a
esperança sob forma de pregação do Evangelho a todos os cantos da Terra o mais rápido possível.
E como a Bíblia é a fonte única de sabedoria e de conhecimento, tudo nela registrado servirá de
guia para vencer os medos que a agudização das crises que estão por vir acarretaria,
reinterpretando eventos funestos sob o signo da alegria pelos tempos que virão.
Após esse sobrevoo esquemático por sobre a história e alguns dos aspectos doutrinários
mais significativos, cabe-nos agora elencar os desafios que esta visão impõe e como a
contribuição crítica da perspectiva de Anthony Giddens pode apontar algumas das pistas para

7
uma inovação capaz de dar conta de oferecer novo fôlego para a interpretação das margens desse
pluralismo cristão à brasileira.

Para além do milenarismo: os desafios da religiosidade na Modernidade a partir das


Testemunhas de Jeová
Quando Max Weber brilhantemente descreve o processo de desencantamento
(desmagificação) do mundo como um traço preponderante na relação com o sagrado a partir da
reforma protestante (2004, p. 96), nos surge a possibilidade de entender como que, cerca de
duzentos anos depois um grupo de “peregrinos de religião”, que erravam entre diversos ramos do
protestantismo tradicional, foram desembocar numa espécie de culto “dessacralizado”, com o
mínimo de elementos cênicos no altar e com uma ritualística que se apresenta como
profundamente racionalizada, prática e meticulosamente cronometrada. [Um ritual anti-ritual,
em suma.]
A tal ponto organizada que o grupo das Testemunhas de Jeová não considera sua
atividade como ritual: no auge de uma concepção desmagificada do mundo, atribui apenas ao
Criador Jeová-Deus o dom de produzir a novidade, a ruptura e a transformação necessária para
apaziguar os espíritos agitados da Modernidade. Suas atividades são vistas como meros exercícios
de adoração/reverência a Jeová, estudo de sua mensagem revelada na Bíblia e reuniões semanais
a fim de melhor exercer seu mandato evangélico de pregação, previsto por Jesus Cristo quando
de seu retorno dos mortos logo após de sua putativa ressurreição.
O ritual [não-ritual] das Testemunhas de Jeová e a racionalização presente em sua
hermenêutica bíblica parecem configurar o auge do que Weber delineou como sendo o repúdio
“como superstição e sacrilégio todos os meios mágicos de busca da salvação (...)”. Mais ainda: a
intolerância das Testemunhas para qualquer traço de paganismo em comemorações como
Páscoa, Natal e até o singelo aniversário indicam o aprofundamento daquele novo tipo de ascese
inaugurado pela Reforma, onde o fortalecimento segundo preceitos bíblicos de regras de conduta
de natureza não ecumênica e de revolta com qualquer forma de sincretismo religioso é
estimulado e ensaiado em dramatizações realizadas nas reuniões semanais11.
Mas e a concepção de Modernidade das Testemunhas de Jeová estabelece que diálogo
com sua crença? É um diálogo, na visão delas, muito simples: basta esperar alegremente que este
“estado de coisas” desapareça e se restabeleça o governo divino de Jesus Cristo, reinando em
nome de Jeová-Deus na reedição do Paraíso terrestre, auxiliado pelos 144 mil eleitos (ungidos). A

11
Um exemplo se deu numa das reuniões onde duas mulheres encenaram uma situação-problema em que uma delas,
para não ser mal vista pelxs colegas, acaba por admitir sua participação numa festinha de aniversário. A mulher que
fazia as vezes de conselheira da mais jovem, enfatizava muito a necessidade de coragem para seguir à risca os preceitos
da religião verdadeira. Tudo ilustrado com o devido exemplo bíblico de teste de fé.

8
crença das Testemunhas de Jeová leva-as a perceber mesmo o pior cenário engendrado pela
Modernidade como motivo de alegria sincera uma vez que é um “sinal do tempo”, a inauguração
de uma nova era que cessará com todo o descalabro que marca a trajetória humana sobre a terra.
A beleza da Modernidade, pois, é que ela desaparece...
E a mão contrária: como que a Modernidade concebe as religiões em seu seio? Giumbelli
(2011), no esforço de responder essa questão, apresenta um diálogo imaginado entre Bruno
Latour e Talal Asad, onde a premissa que mais nos interessou foi a de que “podemos ganhar mais
inteligibilidade sobre a Modernidade se refletirmos sobre o modo como definiu o que seja
religião” (p.328). A partir dela, estudar as religiões na Modernidade passa também a ser uma
espécie de estudo sobre a visão que na Modernidade emerge quando o tema é a religião.
De saída cabe salientar que é na Modernidade que se dá a inauguração da religião como
categoria, apresentando uma série de ambigüidades nesse processo de produção, encerrando
nessas variações verificáveis no pluralismo religioso que a Modernidade engendrou as margens
cada vez mais fluidas entre os fenômenos religiosos e uma interpretação inovadora deles. No caso
do Brasil, por exemplo, nos lembra Paula Montero que
(...) apesar da diversidade religiosa brasileira, a literatura privilegiou basicamente o estudo do
catolicismo e das religiões afro-brasileiras. (....) Para além da importância sociológica dessas
religiões, esse privilégio pode ser explicado pelo modo como os estudiosos percebem a sociedade
brasileira e os prognósticos que fazem a respeito de seu futuro. O estudo dessas religiões tornou-
se, na verdade, campo privilegiado para a equação dos dilemas clássicos que ocuparam nossos
intelectuais ao longo deste século [XX]: a construção da nação e as possibilidades de modernização
(1999, p. 328 – grifo nosso).

Isso se harmoniza muito com o que Giumbelli traz em sua reflexão crítica sobre o
pensamento de Talal Asad: “(...) religião como categoria está sendo constantemente definida
dentro de contextos sociais e históricos, e que as pessoas possuem razões específicas para defini-
la de um modo ou de outro” (2011, p.337). O privilégio de uma centralidade conferida às religiões
católicas, de ramos protestantes em expansão desde os anos 1980 (os chamados “evangélicos”) e
as de matriz afro-brasileira se identifica muito com o tipo de problemática que é colocada pelos
intelectuais ao longo do século passado. E mais: revela muito mais sobre a dinâmica no seio da
intelectualidade brasileira no tema das religiões do que a dinâmica do próprio “mercado de bens
de salvação” em sua versão mais descarnada e racionalizada.
A presença tímida de estudos sobre religiões[/religiosidades] outras que não essas mais
tradicionais apontadas por Paula Montero revela, por sua vez, que quando se pensa na religião na
Modernidade, tende-se a replicar a tensão presente no catolicismo e no ramo protestante mais
[estabelecido e numeroso], praticamente ignorando as religiões[/religiosidades] que justamente

9
surgem mais recentemente e se estruturam a partir da crença numa continuidade entre o projeto
empreendido por elas hoje e aquele iniciado nos tempos bíblicos.
A maior prova disso é a insistência das Testemunhas em afirmar que o único fundador da
sua igreja é Jesus Cristo e que ela estaria em ligação direta com a comunidade cristã primitiva,
conforme apresentado inclusive no site do grupo. Aliás, é interessante notar que, se na década
passada os trabalhos escassos que tinham sobre as Testemunhas de Jeová sempre demarcavam a
religião como sendo arredia ao uso de meios tecnológicos ligados à alta modernidade, numa
repressão e “invisibilidade” na plataforma digital [hoje temos jovens devotxs usando gadgets para
participar das reuniões. Existe inclusive um app com todos os textos necessários, além de várias
traduções da bíblia].
Podemos dizer que o entusiasmo com que jovens adultxs se valem de diversos gadgets
para dinamizar e facilitar a consulta das inúmeras publicações do grupo (que para tal se valem de
um aplicativo gratuito de grande valia) revela que uma característica certeira ao se falar das
Testemunhas é que elas não dormem no ponto quando o assunto é se reinventar.
Aqui, mais uma vez, é preciso fazer uma pausa para discutir uma dos elementos principais
do grupo: sua escatologia é completamente fundada na bíblia e se caracteriza por anunciar as
boas novas do Reino de Jeová uma vez que esse Reino está perto [e é obrigatória a sua
proclamação a todx cristãx]. E durante muito tempo, prever o fim do mundo era a principal arma
para exercício desse mandato evangélico [(MT 24:14)]de pregação da boa nova.
O que se fez quando todas as previsões que envolviam dados exatos, datas e qualquer
sinal inapelável não se concretizaram? Reconhecer as limitações dos humanos em realizar esse
tipo de profecia, pois só o próprio Deus saberá com certeza qual será a hora e que tudo irá
acontecer. Essa breve ilustração de um ponto já mencionado antes é repisada aqui para deixar
mais clara a ideia de que [em] uma religião com faceta tipicamente moderna como a professada
pelas Testemunhas de Jeová, em um curto espaço de tempo, os desafios e inovações de tal monta
que são colocados exigem inovação tanto teórica quanto metodológica. Entrar em contato com o
grupo é fácil. Difícil é fazer aquilo que só em situações informais são informadas: “os assuntos que
não mencionamos no salão do reino”, pondo em perspectiva a dificuldade de adaptação [da
terminologia e teoria dedicada aos] outros grupos mais hegemônicos cristãos, [mas permitindo
uma nova abordagem quando abandonamos categorias mais estabelecidas e estabelecemos
outras, marginais e descentradas, onde percebemos o fenômeno efervescente, não só como
atualização e sim como totalmente reinventada, no sentido de reinvenção em termos “culturais”
– por mais perigoso que seja reiterar uma certa noção de cultura. Não haveria aspas para
comportar o tanto de cuidado com que manejaremos tais categorias, de outros tempos e de
outras tradições religiosas, tricentenárias ou quatrocentonas].

10
Grupos estes que não apresentam taxas de crescimento tão grandes, ou então,
apresentam visíveis dificuldades em lidar com o [assim chamado, genérica e levianamente],
legado moderno. Se as religiões foram parteiras da ordem moderna, ou mesmo de sua busca, as
Testemunhas de Jeová podem ser consideradas as que tentaram domar seus efeitos deletérios
sob a égide de uma escatologia rica em simbolismos, mas que não deixa de entender os fatos
concretos que nos circundam como meios de acessar as promessas feitas por Jesus Cristo.
[Escatologia cuja relação com o texto bíblico transforma um livro nomeadamente alegórico como
as Revelações como descrição do que literalmente irá acontecer quando o mundo como
conhecemos acontecer. E essa literalidade torna o conhecimento produzido dentro da igreja e das
dinâmicas grupais tidas como equivalente ao que, nós, sociólogxs da religião, fazemos quando nos
confrontamos com suas idiossincrasias].
O “curto-circuito” descrito por Giumbelli, quando se ele se refere às exigências que se faz
à palavra religiosa, na perspectiva latouriana [revela que só] caberiam a outros modos de
enunciação: a noção de crença, pois, sendo definidora do religioso não contemplaria o paradoxo
de que, se essa noção pede informação é justamente informação o que menos o discurso
religioso teria a oferecer (Giumbelli, 2011, p.342)
Mais uma vez aqui vemos os efeitos deletérios de uma visão teórica catolicocêntrica: o
que as Testemunhas de Jeová, por exemplo, mais fazem é produzir informação, sob as mais
diversas formas. É uma informação que se quer de qualidade, onde o papel das traduções das
publicações e das versões de sua bíblia assumem um protagonismo fundamental. Além disso, a
informação se quer racionalizada, dedutível logicamente, baseando-se num criterioso
entrecruzamento de referências, onde as publicações específicas do grupo servem para orientar e
justificar. Quando Bruno Latour apresenta essa característica do enunciado religioso, lhe
conferindo um descompasso com a realidade demandada na Modernidade, ele, [creio eu],não
tinha as Testemunhas em mente.
Por outro lado, cabe trazermos o sociólogo Anthony Giddens e sua definição altamente
heurística de Modernidade para esse debate: “’modernidade’ refere-se ao estilo, costume de vida
ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se
tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (1991: 11). Importante ressaltar que,
embora tenha esse caráter abrangente, a modernidade não é apreendida da mesma forma nas
regiões onde sua influência se estendeu, gerando conflitos e tensões à medida que entrava em
contato com sistemas culturais e políticos diversos (o Brasil é um exemplo importante disso).
Naquela equação apresentada por Paula Montero e que caracterizaria nossos percursos
intelectuais, inclusive e especialmente no tema da religião, o processo de modernização e as

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características que adquiriram no Brasil foram centrais para o esforço intelectual de entender
como certos processos se deram deste lado do paralelo do Equador.
Esse estilo sucintamente descrito por Giddens e que nos é facilmente identificável como
objeto, mas que dificilmente conseguimos ver uma unidade em face da diversidade de sujeitos,
essa organização tipicamente moderna encontra nas diversas manifestações de religiosidade
formas de se acessar de forma crítica seu próprio legado, uma vez que os eventos da vida religiosa
européia, por exemplo, são fundantes desse “costume de vida”, de onde [surgiriam] o ethos, o
código de convivência e um certo ambiente onde se desenvolveram e proliferam visões negativas
da Modernidade, especialmente a partir das religiosidades mais recentes.
Esse discurso, eivado de um tipo de informação que a própria Modernidade permite
avançar (e o sistema de hiperlinks, por exemplo, torna ainda mais inteligível todas as referências
presentes em cada publicação do grupo) agora passa por uma transmutação quando tenta dar
conta dos limites que a ideia de progresso, desenvolvimento técnico-científico e o consequente
vazio deixado quando da forja desse sujeito moderno desencantado.
A teodiceia, recuperando o sentido que Berger confere ao termo (1985), busca hoje um
sentido que a ciência parece ter retirado do mundo, qual seja, a de que a sucessão dos dias não se
compõe de aleatoriedades, mas pelo contrário, tudo faz parte de um grande plano. E se as
Testemunhas de Jeová não são as únicas a crerem nisso, parecem ser das poucas agremiações
religiosas que levam isso às últimas conseqüências, inclusive ressignificando a tradição religiosa,
reexaminando a própria experiência de viver na Modernidade, constituindo sua utopia a partir de
uma escatologia que vê a Modernidade como o ápice do processo de desligamento de Jeová e a
consequente dominação deste planeta pelo grande adversário, Satanás. A Modernidade, para as
Testemunhas de Jeová, é o Reino do Mal, mas que é necessário. As atribulações são o sentido
último de uma sociodiceia, posto que como [nos] lembra Bourdieu, “toda teodiceia é uma
sociodiceia na medida que (sic) é uma interrogação social a respeito das causas e razões das
injustiças e privilégios sociais" (1982, p.49). E as razões são as melhores possíveis, por pior que
sejam.

Considerações finais

O presente artigo tentou apresentar de forma inteligível uma série de apontamentos


sobre como a necessidade de sairmos do eixo consolidado pelos estudos de religião do Brasil é
necessária para abarcar aspectos do religioso [e das diversas religiosidades presentes no território
brasileiro,] que podem ser postos de lado nas afinidades eletivas que marcam o percurso
intelectual atualmente.

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Aqui enfatizamos os caracteres mais coletivos dessa experiência, do seu
compartilhamento; a dimensão mais subjetiva que essas sociodiceias em torno do que afinal de
contas é a Modernidade, produzidas por um grupo que está nas margens do pluralismo cristão
brasileiro deverá nos deter numa nova oportunidade de reflexão: o que se espera aqui é a
compreensão da centralidade da noção de crença para o entendimento do religioso não pode
estar dissociada do quanto esta mesma noção se apresenta para entender a Modernidade.
O conceito de confiança que Giddens apresenta como uma das conseqüências do estatuto
moderno, de sua implementação e limites, posto que toda confiança por mais racionalmente
orientada, no limite, é cega e baseada numa fé que não pode ser simplesmente elidida
racionalmente da discussão. Em outras palavras, é por acreditar numa série de pressupostos que
se torna possível viver no mundo onde, mesmo com informação abundante, a qualidade dessa
informação nem sempre caminha a fim de restaurar o sentido da existência humana, como
lembra-nos Berger que é o objetivo de toda teodiceia, independente de sua satisfação puramente
teológica (1985, p.85).
Afinal de contas, não é só de teologia que se trata, nem mesmo só de salvação: é de
sentido de existência, dos limites para o entendimento desse sentido e, principalmente, qual a
mensagem que nos é legada à luz de tanta atribulação que nem o império da técnica conseguiu
dirimir de todo. Parece que quanto mais tentamos entender o papel da religiosidade na
Modernidade, mais temos de nos debruçar sobre a dificuldade que essa própria Modernidade
tem de compreender a si mesma. Às Testemunhas de Jeová, a equação se resolve de forma
simples: basta esperar que a atribulação passe e a recompensa virá, com uma racionalidade
característica do protestantismo hegemônico, mas sob a égide de uma conduta de vida e
reencantamento do mundo a partir da utopia.

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