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Mentoria, coaching e espiritualidade

Mentoria, coaching e espiritualidade


Reflexões aplicadas ao ambiente corporativo
Irenio Silveira Chaves
Niterói
2016
Mentoria, coaching e espiritualidade, Reflexões aplicadas ao ambiente
corporativo
© 2016, Irenio Silveira Chaves
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Batman Begins
Mentoria, coaching e espiritualidade

Conteúdo
Espiritualidade aplicada ao ambiente corporativo
Quando a mentoria espiritual é necessária
Dimensão espiritual do coaching
O que é mentoria espiritual?
Exemplo de mentoria espiritual
A transformação de indivíduos em pessoas
Gestão e espiritualidade
O que gestão espiritual não é
Gestão espiritual é possível?
Humanização da liderança
Superando barreiras que nos desumanizam
Líderes que querem crescer
Sobre o autor e o livro
Espiritualidade aplicada ao ambiente corporativo
“As pessoas que vencem neste mundo são as que procuram as circunstâncias
de que precisam e, quando não as encontram, as criam.” George Bernard
Shaw
Reuni os textos deste livro para compartilhar ideias sobre a área de
coaching e como ela está vinculada à espiritualidade que envolve o mundo
corporativo. São textos que tenho publicado no meu blog, sobre filosofia e
espiritualidade, desde o ano de 2008 até agora. Depois de uma revisão e
atualização, eles oferecem um guia bem interessante sobre essa atividade que
está tão em alta no mundo corporativo.
Primeiramente, vamos às definições dos termos que fazem parte do título
desta coletânea:
a) Mentoring ou mentoria é uma relação entre duas pessoas visando a
orientação para um empreendimento ou mesmo uma carreira, como
uma tutoria. Nessa relação, aquele que tem mais experiência partilha
sua visão e vivências a partir de situações reais. O nome vem da obra
Odisseia, de Homero, onde se conta que Odisseu, o Rei de Ithaca (o
próprio Ulisses), entregou os cuidados de sua família ao seu escravo de
confiança, de nome Mentor, que trabalhava como mestre e conselheiro
do seu filho Telêmaco, durante a Guerra de Troia. A palavra mentor
lembra, portanto, a figura de uma pessoa que é conselheira, amiga,
educadora e sábia.
b) Coaching é um processo visando a construção de mudanças
significativas e duradouras a partir do potencial das próprias pessoas. O
objetivo é fazer com que alguém deixe seu estado atual e assuma para
si o estado desejado. O termo tem sua origem no mundo dos esportes e
designa o papel de instrutor, treinador, preparador físico ou técnico. Na
língua inglesa, designava aquele que conduzia a carruagem
transportando pessoas de um lado para o outro. A atenção do coach,
profissional dessa área, é voltada para desenvolver em seu coachee (seu
aprendiz) competências e habilidades necessárias para o ambiente
corporativo.
c) Espiritualidade é uma atitude frente aos conflitos inerentes à
própria condição humana. Ela está mais presente em nosso dia a dia do
que podemos imaginar. Tem a ver com a necessidade que sentimos de
ser feliz, de encontrar o sucesso e a realização plena. Para mim, trata-se
de uma expressão humana. A verdade é que a espiritualidade, sobretudo
a cristã, aponta para uma ética que está relacionada à maneira como
manifestamos nosso modo de ser para os outros. Diria até que a
espiritualidade está mais para uma estética da existência. Por isso que o
tema da espiritualidade é tão relevante para hoje, porque diz respeito ao
modo como nos constituímos como pessoas, ao modo como pensamos
a nossa realidade, ao modo como atribuímos valor às coisas com as
quais nos relacionamos.
Recapitulando a definição dos termos: mentoria é uma relação, coaching é
um processo e a espiritualidade é uma atitude. Nesse sentido, compreendo
que, num mundo cada vez mais competitivo e individualista, torna-se
essencial para quem almeja o sucesso na carreira e na vida focar nas relações,
nos processos e nas atitudes que fazem de você uma pessoa bem-sucedida,
muito mais do que um profissional de sucesso.
Acredite, de nada adiantará chegar no “topo” e não se sentir uma pessoa
feliz e realizada. O nível de competitividade e envolvimento que o mercado
exige resulta em uma desumanização. O objetivo destas leituras é resgatar o
que há de mais humano na vida das pessoas, quer seja em um ambiente
corporativo, quer seja na vida cotidiana, em meio aos seus relacionamentos
mais próximos.
Um livro útil e indispensável para orientadores de carreira, conselheiros e
profissionais de mentoria e coaching. Embora a ênfase seja dada à
espiritualidade cristã e haja farto referencial bíblico, o conteúdo ajudará você
a repensar muitos aspectos relacionados à vida pessoal, aos relacionamentos
interpessoais e à carreira profissional que influenciarão decisivamente no seu
processo de formação humana.
Boa leitura,
Quando a mentoria espiritual é necessária
“Nunca deixe que alguém te diga que não pode fazer algo. Se você tem um
sonho, tem que protegê-lo. As pessoas que não podem fazer por si mesmas,
dirão que você não consegue. Se quer alguma coisa, vá e lute por ela. Ponto
final”, do filme A procura da felicidade
Em que medida a mentoria pode ser considerada como uma atividade
espiritual? Na medida em que ela nos remete a uma compreensão de nós
mesmos como humanos. E isso vale para o mentor e para o mentoreado. A
mentoria como atividade humana surge da necessidade de encontrar sentido
para as coisas que fazemos em um contexto de trabalho dominado pela
mentalidade engendrada pelo capitalismo. Empresas, na maioria das vezes,
adotam programas de mentoria e coach porque estão preocupadas em
aumentar sua competitividade e fazer com que os membros da equipe
aumentem a sua capacidade de produção.
Mas a mentoria vai além disso. E será tão eficaz quanto necessária na
medida em que estiver vinculada a uma noção de espiritualidade. Quando
uma empresa começar a se preocupar com a questão da espiritualidade
aplicada ao mentoreamento, deve se preparar para uma reviravolta no mundo
interior de seus colaboradores. O que vai passar a orientar a vida das pessoas
que se inter-relacionam são novos valores, novos princípios, novas conquistas
que vão sendo consolidadas ao longo das descobertas que serão feitas.
Defendo uma espiritualidade que seja expressão humana, uma atitude em
face dos conflitos constitutivos de nossa condição humana. Atitude essa que
tem a ver com a nossa necessidade de sermos felizes e de encontrar sentido
para a nossa vida. Para esse modo de compreender, tenho como pressuposto o
fato de que essa espiritualidade se dá a partir de um relacionamento pessoal
com Jesus Cristo e pela formação de seu caráter em nós.
Não se justifica uma mentoria que seja espiritual que não tenha como
princípio a formação do caráter de Cristo. De um lado, é preciso que o
mentor ou coucher tenha um comprometimento pessoal de construir uma
identidade que se aproxime da pessoa de Jesus, que assuma a sua forma, que
se torne conforme a imagem de Cristo. De outro, que o objetivo seja o de
fazer com que a pessoa mentoreada assuma o compromisso de também
construir sua identidade conforme a mesma imagem de Cristo.
Assumir a forma de Cristo ou reproduzir o caráter de Cristo só se torna
possível a partir da análise e vivência dos seus ensinamentos, que estão
contidos na Bíblia. Considero que Jesus Cristo foi o maior mestre de
espiritualidade que já viveu e que a Bíblia, onde estão registrados seus
ensinos, o maior manual de orientação espiritual que já se produziu – tanto
que tem influenciado centenas de gerações há mais de três mil anos,
abrangendo três grandes religiões mundiais: o cristianismo, o islamismo e o
judaísmo.
O que se faz necessário, portanto, é desenvolver um programa de mentoria
que leve em consideração a espiritualidade como expressão humana e que, ao
mesmo tempo, se preocupe com a construção de identidade à semelhança de
Jesus Cristo conforme o que se depreende nas Escrituras. Isso não significa
repetir os modelos que foram construídos ao longo da história do
cristianismo, nem mesmo formatar as descobertas aos padrões de uma
religiosidade. Há que se inovar na busca de novos caminhos para a
interpretação e para a descoberta de formas de se aplicar os valores e
princípios à vida.
Uma mentoria nesses termos é um grande desafio porque é inovadora.
Implica mudanças de comportamento das pessoas a partir da constatação de
sua necessidade. Por que sua empresa precisa de um programa de mentoria?
Para aumentar sua competitividade e eficiência ou para fazer com que as
pessoas sejam felizes e encontrem sentido para a sua vida? Se for o primeiro
caso, mentoria não passa de uma estratégia para fazer com que seus
colaboradores deem mais de si do que eles já estão dando, e isso soa para eles
como exploração, em última análise. Mas se é o segundo caso, a mentoria
espiritual é o caminho.
Dimensão espiritual do coaching
“Não são nossos talentos que nos mostram aquilo que realmente somos, mas
sim nossas escolhas”, do filme Harry Potter e a Câmara Secreta
Você certamente já ouviu falar que liderar é executar as tarefas enquanto
se constroem relacionamentos. Esta é a ideia defendida por escritores como
James Hunter. Nos dias de hoje, você não consegue legitimidade da sua
atuação como líder se não for através da construção dos relacionamentos com
seus companheiros de equipe. O que você descobre hoje é que os líderes
bem-sucedidos ajudam seus colaboradores a crescer e se adaptarem através
de um programa de relacionamentos conhecido como mentoria. O nível de
envolvimento do líder em desenvolver mentoria demonstra o quanto ele se
preocupa com sua equipe e isso encoraja a todos os envolvidos para a
mudança e para a inovação. Até mesmo os conflitos são mais bem
trabalhados por valorizar os relacionamentos interpessoais e a comunicação.
A grande razão para a existência desse tipo de atividade é o fato de que
não há formas de organização humana sem conflito. Não podemos ignorar o
fato de que as nossas interações formam uma rede, um tecido social que
influencia a conduta humana. As pessoas normalmente aprendem através das
ações intencionais, das crises e também dos relacionamentos. As ações
intencionais nos remetem ao saber fazer, o tipo de conhecimento que está em
alta em nossos dias. As crises nos estimulam a uma reflexão sobre o melhor
aproveitamento dos recursos e das oportunidades a fim de construir uma
condição melhor. Mas é nos relacionamentos que identificamos nossos
pontos fracos e fortes e podemos encontrar caminhos para a realização
pessoal.
Como uma atividade voltada para o mundo corporativo, a mentoria tem
assumido pelo menos duas formas distintas, mas muito próximas entre si.
Quando a mentoria é praticada por um nível hierárquico superior, com a
finalidade de orientar o subordinado e de fazer com que as intenções da
liderança sejam transformadas em ação, tem sido chamada de coaching.
Quando a preocupação está voltada para a vida como um todo, não só para
as questões ligadas à carreira e à organização, tem sido chamada de
mentoring. Nesse nível de mentoria, o que prevalece é o valor da pessoa
como ela é, sem a preocupação com superação ou com tomadas de decisões,
mas com o real interesse de aprofundar relacionamentos, realçar valores
humanos e aumentar o nível de comprometimento com as pessoas.
A mentoria é uma estratégia muito antiga. Para alguns, ela foi pela
primeira vez registrada na literatura na obra de Homero. A Bíblia tem relatos
de atividade de mentoria bastante curiosos. Os profetas bíblicos
desenvolviam seus discípulos através de um relacionamento muito próximo.
Foi o caso do profeta Elias com o seu auxiliar Eliseu, que por sua vez,
quando se tornou profeta, teve como auxiliar o jovem Jeazi. Jesus teve doze
discípulos que foram treinados para o apostolado, mas ele escolheu três –
Pedro, Tiago e João – para serem os mais próximos.
A mentoria é baseada na vivência, no caminhar junto, no compartilhar a
vida. Poucos mentores profissionais sabem que seu principal papel não é ter
todas as respostas, mas construir juntos o caminho para uma relação
amigável, justa, equilibrada. É claro que o maior beneficiado de um ambiente
em que as pessoas se respeitam e reconhecem o seu valor é a própria
organização. Por isso que mais de um terço das grandes empresas nos
Estados Unidos desenvolvem programas de mentoria, segundo as pesquisas
por entidades ligadas à área de recursos humanos.
Quando é a hora de se preocupar com isso?
(a) Quando a situação de crise externa exige flexibilização das ações;
(b) quando a competitividade aumenta;
(c) quando os conflitos internos atrapalham os relacionamentos;
(d) quando se torna necessária a busca de novas ideias.
Mas você não precisa esperar ficar doente para poder ir ao médico. Você
pode adotar um estilo de vida saudável e periodicamente procurar o médico
para os exames preventivos e de rotina. Esse é o papel da mentoria na vida da
organização: promover um ambiente saudável para os relacionamentos,
viabilizar a comunicação interpessoal de forma eficaz, prevenir as
possibilidades de conflito e valorizar as pessoas pelo que de fato elas são.
Quem precisa disso? Todos. Famílias, empresas, escolas, igrejas,
organizações, sindicatos, partidos políticos, órgãos públicos. É preciso
redescobrir um modo para humanizar as relações a fim de tornar a vida mais
significativa. O grande desafio da mentoria é verdadeiramente transformar
indivíduos em pessoas.
O que é mentoria espiritual?
“Todo homem morre, mas nem todo homem é lembrado”, do filme O
patriota
Ao contrário do que possa parecer, a mentoria espiritual está mais para um
exercício de vida simples e de amizade cristã, do que uma atividade
profissional baseada em fórmulas que só servem para distanciar as pessoas
umas das outras. A mentoria espiritual tem por princípio o relacionamento
com o outro, mas de tal modo que se torna resultante de um primeiro e
grande relacionamento que se dá entre o mentor e mentoreado com Deus
como o grande Outro.
Somente a partir do estabelecimento de uma relação com Deus é que o
indivíduo consegue superar os limites de uma existência autocentrada,
egoísta e manipuladora. É isso que tornará possível uma aproximação do
outro de forma amorosa e dentro dos princípios ensinados por Jesus Cristo.
Até mesmo no campo da mentoria profissional, um mentor, tutor ou coach
não é um mero treinador. Seu trabalho não se resume em oferecer instrução
particular, ensino e supervisão em uma determinada área de atividade. Há que
se compartilhar também a vida.
Mentoria espiritual exige uma sensibilidade para entender o modo de Deus
agir, uma atitude de respeito e de compaixão para com aqueles com quem
convivemos a fim de desenvolvermos juntamente a habilidade de aprender
com as situações mais comuns da vida. É como a reconstrução de uma casa
após uma grande enchente. Não basta restaurar a aparência da casa. Tem que
se limpar por dentro, reorganizar a vida, recompor os móveis. Para esse
recomeço, a solidariedade, a generosidade e a gratidão são os valores mais
importantes a serem cultivados.
Lembro-me do vizinho de meu cunhado. Ele tinha uma linda casa de
madeira toda envernizada. Era a casa mais linda do bairro. Um dia, um
incêndio consumiu toda a casa. O casal de proprietários perdeu tudo. Não deu
tempo de salvar nada. Não tinham nem roupa mais para se vestir. Foi aí que
funcionou a solidariedade. Hoje, uma outra casa está reconstruída no terreno.
Mas o casal jamais será o mesmo.
No que diz respeito à mentoria espiritual, a casa somos nós mesmos, em
nossa integridade. Isso tem a ver com a nossa identidade. As transformações
culturais que acontecem na sociedade têm devastado o universo de nossos
valores e também a maneira como compreendemos a nós mesmos. É preciso
revirar os escombros e refazer as fundações para reconstruir uma vida tal
como ela foi criada para ser. É disso que trata a mentoria espiritual.
Nessa condição, somos todos mentoreados e Jesus Cristo é o único e
verdadeiro mentor capaz de nos ajudar a reconstruir uma vida que possa fazer
sentido. A mentoria espiritual tem, então, um grande fundamento teórico: os
ensinos deixados por Jesus Cristo, conforme está registrado na Bíblia. Só que
esses estudos devem ser analisados à luz da história, da filosofia e da
psicanálise para se chegar a uma compreensão mais adequada de quem
somos.
É nesse sentido que Jesus Cristo pode ser considerado o mentor mais hábil
e mais eficiente que já se conheceu. Durante seu ministério, ele aconselhou,
exortou, motivou e orientou seus discípulos, de tal forma que transformou a
vida de pessoas simples. O método que Jesus usou pode ser comparado ao
que atualmente é conhecido como life coaching, cujos conceitos podem ser
aplicados à atividade executiva tanto nas grandes corporações quanto em
pequenas empresas.
O grande desafio da mentoria espiritual é, portanto, fazer de Jesus o
grande coach da nossa vida pessoal e de aprofundar esse relacionamento no
sentido de fazer com que a vida e os ensinos dele sejam reproduzidos em nós.
Exemplo de mentoria espiritual
“Acima de tudo, nunca pare de acreditar”, do filme As aventuras de Pi
Um dos exemplos de mentoria espiritual que encontramos na Bíblia é
Barnabé. Você já ouviu falar de alguma procissão em devoção a São
Barnabé? Já leu algum livro, carta, bilhete ou quem sabe um “scrap” escrito
por Barnabé? Conhece algum grande feito que ele realizou ou algum grande
movimento que liderou? Eu também não. Apesar disso, ele é o maior
exemplo de prática da mentoria espiritual que podemos encontrar na Bíblia
depois de Jesus Cristo.
A história de Barnabé é relatada no livro de Atos dos apóstolos. Ele
mesmo não era um apóstolo. Era um membro comum da comunidade de
cristãos de Jerusalém. Sua vida é conhecida por causa das atitudes que tomou
em meio a situações de tensão experimentadas pela igreja. Essas atitudes
evidenciavam marcas inconfundíveis de seu caráter. Pelo menos algumas
dessas situações podem ser alistadas como definidoras dos grandes valores
que orientavam a sua vida.
O primeiro valor era a generosidade. Logo no começo, quando a igreja
ainda dava os seus primeiros passos, os cristãos desenvolveram o hábito de
fazer doações para ajuda mútua. E um dos exemplos expressivos, que
mereceu o registro histórico foi o de Barnabé. “José, um levita de Chipre a
quem os apóstolos deram o nome de Barnabé, que significa ‘encorajador’,
vendeu um campo que possuía, trouxe o dinheiro e o colocou aos pés dos
apóstolos”. Atos 4.36-37.
O segundo valor era investir em pessoas. Assim que o temível Saulo se
converteu, a presença dele assustava a igreja e até incomodava. Mas Barnabé
acreditou na conversão dele e “lhes contou como, no caminho, Saulo vira o
Senhor, que lhe falara, e como em Damasco ele havia pregado
corajosamente em nome de Jesus”. Atos 9.27. Depois, quando precisou de
um companheiro, “Barnabé foi a Tarso procurar Saulo e, quando o
encontrou, levou-o para Antioquia. Assim, durante um ano inteiro Barnabé e
Saulo se reuniram com a igreja e ensinaram a muitos. Em Antioquia, os
discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos”. Atos 11.25-26. Se
Paulo foi o que se tornou, agradeça a Barnabé.
O terceiro valor era o compartilhamento. Quando os irmãos em Antioquia
começaram a se reunir, Barnabé foi até lá para ajudá-los: “Este, ali chegando
e vendo a graça de Deus, ficou alegre e os animou a permanecerem fiéis ao
Senhor, de todo o coração.” Atos 11.23. E quando a própria igreja de
Antioquia quis enviar missionários, não teve dúvidas: “Enquanto adoravam o
Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: ‘Separem-me Barnabé e Saulo
para a obra a que os tenho chamado’. Assim, depois de jejuar e orar,
impuseram-lhes as mãos e os enviaram”. Atos 13.2-3.
O quarto valor era a cooperação. O ministério de Barnabé era:
“fortalecendo os discípulos e encorajando-os a permanecer na fé, dizendo:
‘É necessário que passemos por muitas tribulações para entrarmos no Reino
de Deus’.” Atos 14.22. E quando tinha que partir para outra cidade: “Paulo e
Barnabé designaram-lhes presbíteros em cada igreja; tendo orado e jejuado,
eles os encomendaram ao Senhor, em quem haviam confiado”. Atos 11.23.
Mas o irremediável Barnabé não parou quando Paulo resolveu seguir seu
próprio rumo. Lá estava ele de novo apostando tudo na formação de João
Marcos: “Tiveram um desentendimento tão sério que se separaram. Barnabé,
levando consigo Marcos, navegou para Chipre.” Atos 15.39
A transformação de indivíduos em pessoas
“Viver com medo é viver pela metade”, do filme Dança comigo
É possível aplicar os ensinos de Jesus em um contexto tão ambíguo como
tem se caracterizado o comportamento do mundo corporativo nesse estágio
em que o capitalismo chegou? A resposta é positiva, embora deva ficar bem
claro que o pensamento desenvolvido por Jesus Cristo está voltado para uma
preocupação que está na contramão da mentalidade contemporânea.
Alguns livros têm surgido nessa área que servem de bons referenciais
teóricos a fim de promover uma aproximação entre os princípios cristãos e
uma práxis de mercado que leve em consideração muito mais a realização
pessoal do que a conquista de lucro. É o caso de Mentoria Espiritual: O
desafio de transformar indivíduos em pessoas, de James M. Houston (Ed.
Mundo Cristão). Há também: Jesus Coach, de Laurie Beth Jones (Ed. Mundo
Cristão), e Jesus CEO, da mesma autora (Ed. Ediouro), que procuram
apresentar o estilo de Jesus em treinar os seus discípulos de tal forma que os
transformou em líderes eficazes, em relação à missão para a qual foram
designados.
A preocupação desses autores é de mostrar que o que orientou as atitudes
de Jesus como um mentor espiritual foi a perspectiva de resgatar a condição
humana e fazer com que indivíduos até então com vidas inexpressivas
experimentassem uma transformação significativa. Para isso, Jesus se utilizou
de três estratégias: o ensino voltado para as habilidades, a ação efetiva e
responsável comprometida com o outro e os relacionamentos movidos pela
compaixão.
Foi assim que ele treinou doze homens oriundos de experiências tão
diversas e ao mesmo tempo tão comuns. A força com que os chamou fez com
que aqueles seus colaboradores tivessem a vida modificada de repente, de
modo que nunca mais foram os mesmos. Esse grupo não era formado por
pessoas extraordinárias ou sobrenaturais. Eles eram humanos,
demasiadamente humanos, passíveis de um questionamento, cheios de
temores, mas que foram conduzidos a se tornarem líderes capazes de levar a
cabo a missão que lhes fora entregue como se fosse a sua própria missão de
vida.
Para entender esse aspecto, é preciso analisar o papel de Jesus Cristo
destituído daquilo que a teologia lhe atribui. Uma compreensão de Cristo que
não seja meramente histórica, mas que também não esteja vinculada a uma
doutrina. Um Jesus que atue muito mais como um homem que tomou as
decisões acertadas e que serviu de fonte de inspiração para outros, no sentido
de que seu exemplo fosse imitado.
Um líder que esteja para além do Messias, pois foi isso que ele foi
enquanto aqui viveu. Ele abriu mão de sua glória para que pudesse ser
absolutamente homem, e que deve ser visto como tal em sua função de líder,
professor e chefe. Foi isso que o fez motivar sua equipe e tornar efetiva a
relação com seus colaboradores. Sua capacidade de gerenciar pessoas e
situações de conflito, associada a uma mensagem confrontadora aos padrões
da época, fez dele o maior exemplo de espiritualidade que já existiu.
Mesmo que não se aceite a pessoa de Jesus Cristo como o Filho de Deus,
senhor e salvador de todos os que creem, não se pode discordar de que seus
ensinos e seu exemplo constituem-se um forte argumento em favor de uma
reavaliação sobre o modo como temos conduzido nossas ações e para apontar
caminhos para a reconstrução de uma vida que possa fazer sentido.
Gestão e espiritualidade
“Carpe diem. Aproveitem o dia. Tornem suas vidas extraordinárias”, do filme
A sociedade dos poetas mortos
Para muitas pessoas, o tema gestão não combina com espiritualidade. Para
pessoas que pensam assim, gestão é uma atividade ligada a negócios e diz
respeito a uma forma materialista de pensar, enquanto que a espiritualidade
tem a ver com uma atividade mais contemplativa, ligada à religiosidade.
A princípio, percebemos que a gestão trata de questões relacionada à
eficiência, da produtividade, de resultados, de competição, de negociação.
Mas trata também de inovação, mudança e empreendedorismo. O que todos
esses temas têm em comum é que eles abordam as condições de realização do
presente e da projeção para um futuro melhor.
A espiritualidade, por sua vez, trata de questões ligadas à postura que
devemos assumir visando à felicidade, à busca de sentido para a nossa
existência, à aquisição de valores que nutrem relacionamentos mais
consistentes, ao cultivo de atitudes voltadas para a sustentabilidade do meio
ambiente, à adoção de hábitos de vida saudável, ao amadurecimento pessoal.
A espiritualidade, nesse sentido, tem vários pontos de interesse com a
gestão. Diria até que não há gestão autêntica se não houver cuidado com a
questão da espiritualidade dentro do ambiente corporativo, levando em
consideração é claro, dos fatores que acabei de mencionar.
É um equívoco relegar a espiritualidade a um plano meramente religioso.,
conquanto a religião seja uma expressão humana de relacionamento com
aquilo que atribuímos o valor de sagrado. Religião é uma atitude de encontro
de fé com a divindade e seu projeto regenerador. Ela se manifesta sob a
forma de conhecimento e ética e atribui sentido à existência.
A espiritualidade cristã, que é o objeto de nossa atenção, diz respeito ao
modo de viver como ser humano ao atender o chamado de Jesus para segui-
lo. Essa vida que acontece em fé é o que motiva a prosseguir e nutre
convicções. Nesse sentido, firmado na fé em Jesus Cristo e seu projeto de
vida, a espiritualidade cristã possibilita um conjunto de valores que dão novo
entendimento e nova perspectiva para a organização da vida humana,
inclusive a empresa.
O capitalismo selvagem que se viu surgir no final do século XIX e começo
do século XX deu lugar a corporações humanas destituídas de valores éticos,
visando ao lucro sem medir os impactos sociais e ambientais. Hoje, diante
dos desencantos gerados pela indústria de consumo, se vê emergir uma nova
dimensão da capacidade de gestão que priorize mais os valores e a dignidade
humanos.
Várias correntes teóricas na área de gestão têm se levantado, notadamente
após a década de 1970, propondo uma reviravolta no mundo corporativo.
Resultado disso é o crescimento do número de empresas ligadas ao terceiro
setor e a valorização de empresas preocupadas com questões sociais e
ambientais. É nesse espaço que a espiritualidade cristã se insere, propondo
alternativas viáveis e saudáveis para transformar a realidade da atividade
gestora neste tempo.
O que gestão espiritual não é
“A felicidade só é verdadeira quando compartilhada”, do filme Na natureza
selvagem
Quando falamos em um modelo de gestão que leve em consideração a
espiritualidade pode se pensar que nos referimos a um estado contemplativo
caracterizado por uma inatividade, a espera de um milagre que possa tirar a
empresa do marasmo econômico em que se encontra. Mas a ideia é
exatamente o contrário.
Como a espiritualidade está ligada à dinâmica da vida humana visando à
formação integral do ser humano, a gestão espiritual está relacionada com a
descoberta de novas possibilidades de produtividade e à reinvenção de um
novo paradigma de desempenho.
A espiritualidade aplicada ao ambiente corporativo não corresponde, em
absoluto ao fim da hierarquia. Dentro da vida empresarial, há a necessidade
de um comando na hora da crise, uma liderança que aponte o caminho, que
seja capaz de sonhar e visualizar um novo tempo.
A espiritualidade aplicada ao ambiente corporativo não é o fim da
burocracia. É um engano pensar que a burocracia é um empecilho para o
funcionamento da empresa, embora o excesso de burocracia seja uma
anomalia. A reengenharia, ensinada desde a década de 1990, aponta para a
atualização dos procedimentos, o que inclui o abandono daquilo que não
funciona e a adoção de novas ações. É preciso repensar a estrutura, é preciso
avaliar o desempenho, é preciso rever os procedimentos sempre.
A espiritualidade aplicada ao ambiente corporativo também não é o fim do
planejamento. Empresas que prosperam não são resultado do acaso ou da
sorte. Embora a gente saiba de histórias de pessoas bem-sucedidas que foram
beneficiadas por algumas circunstâncias ou por um fator de sorte, essa não é
a regra geral. O desenvolvimento de qualquer empreendimento humano
demanda um esforço muito grande de planejamento. É necessário atualizar
constantemente competências e habilidades, é necessário adequar a visão à
realidade.
Portanto, na hora de adotar uma postura espiritual para a sua atuação,
prepara-se para uma reviravolta em seu mundo, a começar do seu mundo
interior.
Gestão espiritual é possível?
“Não existe morte pior que o fim da esperança”, do filme Rei Arthur
Como você responderia a estas questões: para onde vamos, em que valores
nos apoiamos, o que deixaremos para as gerações futuras? A resposta a estas
questões tem a ver com espiritualidade.
A espiritualidade na empresa está ligada à excelência das pessoas que a
compõem, está ligada a um contínuo envolvimento dos seus empresários com
atitudes éticas comprometidas com o desenvolvimento econômico da
sociedade ao mesmo tempo que promovem a melhoria da qualidade de vida
das pessoas envolvidas no processo produtivo ou de prestação de serviço.
É o que poderíamos chamar de empresas espiritualmente saudáveis. São
empresas:
- socialmente responsáveis e que respeitam o meio ambiente, visando à
superação da pobreza, ao fim da marginalidade e ao desenvolvimento
sustentável;
- comprometidas com a ética, a começar com o apego a valores em suas
relações com clientes e fornecedores pautados na honestidade e na
transparência;
- que conseguem harmonizar lucratividade e dignidade humana;
- que fazem da competitividade motivo a mais de parceria;
- focadas na satisfação do cliente como ser humano dotado de uma
integridade física, psíquica, emocional e espiritual;
- comprometidas com a sustentabilidade, capaz de satisfazer as suas
necessidades sem reduzir as oportunidades das gerações futuras;
- preocupadas com o imenso contingente de excluídos do mercado de
consumo;
- que combatem a exploração da mão-de-obra, quer seja de crianças, quer
seja de adultos;
- envolvidas com programas de ecoeficiência, tais como: redução do
consumo de energia, redução de emissão de resíduos tóxicos, incentivo à
reciclagem, valorização de recursos renováveis, agregação de valor aos
produtos e serviços.
Nesse sentido, gestão espiritual envolve diretrizes e ações administrativas
– planejamento, controle, direção, alocação de recursos – realizadas com o
objetivo de proporcionar efeitos sobre a qualidade de vida das pessoas
visando ao bem-estar comum.
Empresas influenciadas por uma gestão espiritual são empresas cujos
executivos redescobriram o reencantamento da vida e mobilizam ações
voltadas para a solidariedade, para a inclusão e para a sustentabilidade.
Se gestão, de um modo geral, é a competência e a arte de liderar pessoas
tendo em vista uma missão, gestão espiritual é a competência para motivar
pessoas em favor da construção de condições para uma vida melhor,
mobilizando recursos, ações e pessoas. A gestão espiritual atua em um ponto
de tensão, no qual se dá a espiritualidade, o encontro entre a realidade e a
noção de valor, entre a existência e o que chamamos de sagrado, conferindo
sentido e qualidade à gestão.
Humanização da liderança
“O que fazemos na vida, ecoa na eternidade”, do filme Gladiador
O caminho para a construção de uma liderança autêntica passa pela
formação do caráter do líder. A lógica que rege o mundo corporativo
distancia aqueles que exercem liderança dos processos de nossa própria
humanização. Não é raro encontrar metáforas que exemplificam essa
realidade: liderar com mãos de ferro, ser uma coluna firme, ter pés de boi. As
virtudes mais valorizadas, que conduzem ao sucesso, são: coragem, inovação
e superação, como se fossem conquistas isoladas da complexidade humana.
Tudo isso é legítimo, mas nada disso acontece se a personalidade do sujeito
não sofrer um longo, e muitas vezes penoso, processo de construção.
Deus sabe disso. Ele conhece o ser humano melhor do que qualquer um de
nós. Afinal, ele nos criou e se fez um de nós. Uma das narrativas bíblicas que
serve para exemplificar isso é o processo de construção da personalidade de
Elias como profeta. Ela se encontra em 1 Reis 7-19. Elias é o protótipo do
líder para hoje. Sua experiência levanta a questão da ambiguidade que
envolve o exercício da liderança, principalmente no que diz respeito à
atividade pastoral e profética. O processo pelo qual Elias é formado como um
líder para o seu tempo é marcado através de sua trajetória que passa por
alguns lugares que são simbólicos: Querite, Serepta, Carmelo e Horebe. A
partir de cada um desses lugares, é possível levantar questões que têm a ver
com a ambiguidade da liderança.
A primeira delas é: a quem você serve? Querite, então se apresenta como o
lugar de luta diante da ambiguidade que envolve a liderança: o exercício do
poder e a fragilidade humana. Naquele primeiro momento, Elias quis ser
reconhecido como representante de um Deus melhor que Baal. Deus não é
um deus melhor, mas diferente. Essa diferença é revelada pela ação de seus
servos. Para enfrentar a oposição diante do poder de Baal e do rei Acabe,
Elias precisou passar pelo retiro de Querite, onde foi cuidado por Deus
durante um período de seca.
A segunda questão é: como você serve? Serepta apresenta-se como o lugar
do encontro com a fragilidade humana. A ambiguidade está na confrontação
das situações concretas vividas. Elias sai do seu retiro e se depara com
situações reais vividas pelas pessoas simples. Nada é mais frágil que uma
viúva desamparada e um menino morto. A verdadeira missão do líder se
afirma diante desse quadro: revelar o Deus amoroso, não o Deus Todo
Poderoso. Elias deveria agir como servidor do Deus da vida. O Deus
diferente de Baal se revela diante de situações reais vividas por gente comum,
diante de situações cotidianas, a fim de despertar conversão e fé.
A terceira questão é: o que você faz? Carmelo se torna o lugar de atitude,
de tomada de decisões corajosas. A ambiguidade está na possibilidade de
exercício do poder, tanto para dominação como para revelação do amor de
Deus. Elias é tentado a não agradar a Deus, mas ao povo. Está claro que o
objetivo é conduzir o povo a Deus. Mas, para isso, pode servir-se de uma
estrutura de poder e de mecanismos de violência. A experiência do Carmelo é
emocionante: põe Deus à prova e o obriga a se manifestar. Com a vitória
sobre os profetas de Baal, Elias é percebido como aquele que tem o controle
sobre Deus e sobre o tempo. Passa a ser servido pelo rei. Dois personagens
são importantes nessa história: Obadias, aquele que age em nome de Deus
salvando os que permaneceram fiéis ao Senhor, e Jezabel, uma inimiga
mortal disposta a matar todos os que fossem fiéis ao Senhor. No primeiro está
o exemplo de alguém que luta em nome de Deus, no segundo está a oposição.
O exemplo de Obadias estimula a ação, mas a ameaça de Jezabel o devolve a
sua fraqueza.
A quarta questão, então, é: por que você serve? Horebe é finalmente o
lugar de estar diante de Deus despojado de toda a ilusão do poder. É resultado
de uma oração de fracasso de Elias em 1 Reis 19.4, que revela disposição de
entrega e reconhecimento de quem é. A grandeza do ministério profético de
Elias não está no Carmelo, mas em Horebe. Elias pode agora deixar Deus ser
Deus e ele mesmo ser o que é, um profeta. Horebe traz a ambiguidade a
respeito de Deus: o verdadeiro Deus de bondade age no meio da suavidade. A
teofania é fundadora da diferença entre Deus e Baal: o Senhor não está nas
projeções que fazemos dele, como o vento tempestuoso, o tremor da terra ou
o fogo, mas na brisa suave. Diante da descoberta de quem Deus é,
descobrem-se também novas linhas de ação: o lugar do profeta não é Horebe,
mas no meio do povo.
No processo de humanização do exercício da liderança, a trajetória de
Elias representa a diversidade em que o líder pode se encontrar. Em cada uma
delas, um perfil de líder pode ser formado. Entretanto, quando estamos diante
da realidade da liderança cristã para um tempo como este, é somente em
Horebe que a liderança pode se fazer autêntica.
Superando barreiras que nos desumanizam
“Não existe triunfo sem perda, não há vitória sem sofrimento, não há
liberdade sem sacrifício”, do filme O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei
O conceito de líder autêntico tem sido associado ao perfil estabelecido
pelo mundo corporativo para aqueles que influenciam o mercado produtivo.
São pessoas que, mesmo que não possuam as marcas que tradicionalmente
são atribuídas ao líder, sabem aprender com suas próprias experiências a
partir de uma reflexão realista de sua condição pessoal e encarar
corajosamente suas próprias contradições. O líder autêntico se dá conta de
suas limitações e as enfrentas na busca de superação.
A tentação de Jesus pode ser vista como exercício de superação das
barreiras que impedem a liderança autêntica ou, dito de outro modo, a nossa
afirmação como pessoa. As maiores barreiras estão relacionadas à própria
condição de sujeito do desejo, que comporta tanto a inclinação para o erro e o
equívoco como a aspiração de realização e de afirmação de si. Isso tem a ver
com o fato de que há obstáculos que todo líder enfrenta: o desejo de ter; o
desejo de poder e o desejo de aprovação. São desejos legítimos, mas que se
inserem na dimensão da ambiguidade que caracteriza a nossa própria
humanização.
A tentação de Jesus se dá em três modos visando um só fato: a realização
do desejo não na acolhida do cuidado e do propósito de Deus, mas na
realização humana. A tentação do líder implica a realização do desejo de
autonomia e de autogoverno, de ser autossuficiente. Isso afeta líderes em
todas as esferas da ação humana, inclusive as relacionadas à fé. Note o que
Lucas diz: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado
pelo Espírito ao deserto, onde, durante quarenta dias, foi tentado pelo diabo
[...]” (Lucas 4.1-2). Líderes cristãos também podem ser tentados e isso não
tem nada a ver com moralismo.
A tentação de Jesus revela o ambiente para a tentação: nossas carências.
Revela também a força da tentação: nossos desejos. O objetivo é nos afastar
do caminho do serviço e da solidariedade. Depois de passar pelo deserto por
quarenta dias, Jesus teve fome. Não há nada de errado em ser tentado. O
problema está na maneira como se constrói um caminho para a solução dos
problemas. A pergunta, então, é: como superar as barreiras para o exercício
de uma liderança autêntica?
Em primeiro lugar, superando o desejo de ter. A primeira tentação de
Jesus lembra o engano da capacidade de realização humana. É a tentação de
ter o poder que Deus tem. “Se você é o Filho de Deus, mande que essas
pedras se transformem em pão.” Lucas 4.3. Ter é uma armadilha. Comporta
a ambição e a ostentação. Jesus foi tentado a criar mecanismos para se
apoderar do divino. A ideia é de se tentar manipular Deus através da magia e
da alienação.
Em segundo lugar, superando o desejo de poder. A segunda tentação
envolve o engano das manipulações humanas. É a tentação de usar o poder de
Deus para fins próprios. Satanás mostrou a Jesus todos os domínios do
mundo e disse: “Eu lhe darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu
esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. Então,
se você me adorar, tudo será seu.” Lucas 4.6-7. Jesus foi tentado com a
crença de que o homem é um sujeito autônomo, a fazer aquilo que Deus faz.
A ideia é de ser como Deus, através da projeção infantil de um Deus
paternalista que atende a todos os nossos desejos, bastando pedir do modo
certo.
Em terceiro lugar, superando o desejo de reconhecimento. A terceira
tentação lembra o engano das aparências, inclusive religiosas, baseadas em
critérios de retribuição e merecimento. A tentação de ser Deus. A Bíblia diz
que Satanás levou Jesus até Jerusalém, colocou-o na parte mais alta do
templo e lhe disse: “Se você é o Filho de Deus, jogue-se daqui para baixo.
Pois está escrito: ‘Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, para lhe
guardarem’, com as mãos eles os segurarão, para que você não tropece em
alguma pedra.” Lucas 4.9-11. Jesus foi tentado a colocar Deus à prova. Ele
foi induzido a crer que a razão humana tem o controle de tudo como se nele
mesmo, enquanto humano, houvesse a capacidade de exercer decisões sobre
o futuro. A ideia é de se substituir Deus na vida, através da ilusão de ter todo
o controle e de se exercer o poder dominador.
O quadro da tentação de Jesus nos ajuda a compreender as dimensões da
liderança autêntica, principalmente no que diz respeito ao exercício do
ministério: a) ele é humano: se realiza em meio ao desejo e ao deserto; b) ele
é divino: se realiza em meio ao cuidado divino e ao assédio do diabo. A
tentação de Jesus é representativa da tentação humana de realização de seus
desejos através de meios próprios e não na acolhida da graça na vida.
Jesus torna-se o paradigma da escolha que precisa ser feita. Ele realiza o
seu ministério em meio à fragilidade humana e a confiança no cuidado
divino. O evangelho de Lucas diz que Jesus saiu do lugar da tentação e foi
para a Galileia, onde iniciou seu ministério “no poder do Espírito”. Sua
primeira mensagem na sinagoga de Nazaré lembrou a profecia de Isaías 61:
“O Espírito do Senhor está sobre mim...” (Lucas 4.18)
Líderes que querem crescer
“Cada história tem um final. Mas, na vida, cada final é um recomeço”, do
filme Grande menina, pequena mulher
Moisés queria mais do que ser um líder. Ele queria ver a glória de Deus.
Toda a sua trajetória de vida resultou em uma incessante busca por uma
experiência profunda em contemplar a glória divina. Ele pediu a Deus:
“Então, ele disse: Rogo-te que me mostres a tua glória.” (Êxodo 33.18)
Ele poderia ter a glória dos reinos terrestres. Teve a melhor formação,
conheceu o gosto pelo poder, afinal era tratado como o filho do faraó. Mas,
aos 40 anos, no auge da vida, sentindo-se cheio de si, envolveu-se numa falha
grave. A morte daquele egípcio despertou toda a sua fragilidade, expôs a sua
real natureza, fez dele um fugitivo.
Passou mais 40 anos de sua vida no deserto. Acabou se tornando pastor de
animais. Uma queda em sua vida? Não. Um grande aprendizado, porque nos
40 anos finais teria que conviver com toda a nação hebraica pelo deserto,
conduzi-la a uma nova terra, lugar esse que jamais conheceria.
Nesse meio tempo, foi surpreendido por um pequeno vislumbre da glória
divina. Uma sarça que ardia sem se consumir. Poderia ter passado
despercebido. Mas havia algo além. Deus falou através da sarça. Por causa
daquele pequeno vislumbre da glória de Deus, enfrentou faraó com as pragas,
viu o Mar Vermelho se abrir, tirou água da rocha, comeu o maná do céu, foi
guiado pela coluna de nuvem de dia e pela coluna de fogo de noite.
A busca pela glória divina transformou a vida de Moisés. Quando um dia
ousou pedir para que contemplasse o todo da glória, Deus permitiu que visse
apenas um pequeno ângulo, uma perspectiva, um retrato parcial, como quem
diz: “a minha graça te basta”.
Você não pode imaginar o que a busca pela glória divina pode fazer em
sua vida até que você almeje contemplá-la mais do que tudo. Mesmo que
esteja no deserto da vida, Deus pode surpreender você com um pequeno sinal
da sua glória. Um pequeno vislumbre que pode impulsioná-lo a experiências
profundas. Quando isso acontecer, tudo o mais será pequeno, tudo o mais
será passageiro. Nada mais interessa a não ser contemplar a glória de Deus.
Sobre o autor e o livro
Irenio Silveira Chaves é professor universitário, escritor e pastor, doutor em
Teologia e mestre em Filosofia.
Mentoria, coaching e espiritualidade
Mentoria é uma relação, coaching é um processo e a espiritualidade é uma
atitude. Nesse sentido, compreendo que, num mundo cada vez mais
competitivo e individualista, torna-se essencial para quem almeja o sucesso
na carreira e na vida focar nas relações, nos processos e nas atitudes que
fazem de você uma pessoa bem-sucedida, muito mais do que um profissional
de sucesso.
Acredite, de nada adiantará chegar no “topo” e não se sentir uma pessoa
feliz e realizada. O nível de competitividade e envolvimento que o mercado
exige resulta em uma desumanização. O objetivo destas leituras é resgatar o
que há de mais humano na vida das pessoas, quer seja em um ambiente
corporativo, quer seja na vida cotidiana, em meio aos seus relacionamentos
mais próximos.
Um livro útil e indispensável para orientadores de carreira, conselheiros e
profissionais de mentoria e coaching. Embora a ênfase seja dada à
espiritualidade cristã e haja farto referencial bíblico, o conteúdo ajudará você
a repensar muitos aspectos relacionados à vida pessoal, aos relacionamentos
interpessoais e à carreira profissional que influenciarão decisivamente no seu
processo de formação humana.

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