Você está na página 1de 88

A PSICOTERAPIAEM SITUAÇÕES

DE PERDAS E LUTO

ª
I tiragem

2000

Conselho editorial
DougJas Marcondes Cesar
~obhe o. autoha
Glauci Estela Sanchez

Composição
Miero Laser ComI. Ltda.- ME
Maria Helena P. F. Bromberg é psicóloga pela PUC-
Coordenação editorial SP, Mestre e Doutora pela mesma universidade. Psícotera-
Glauci Esteja Sanchez peu ta e professora universitária (PUC-SP e UNIP) com expe-
riência em questões da terminalidade e do luto. Tem apre-
Foto sentado suas pesquisas e reflexões em congressos no Brasil
Maria Helena P. F. Bromberg e no Exterior, assim como tem se atualizado em cursos e se-
minários, particularmente na Inglaterra. país com tradição
no trato das questões do luto. Na PUC-SP, é Professora-As-
sistente-Doutora, responsável pela disciplina "Luto e morte
ISBN: 85.87622-09-9 na família", além de orientar alunos na monografia de con-
clusão de curso. Supervisiona psicólogos em formação em
Psícoterapía Infantil, além de atender pacientes na Clínica
Psicológica "Ana Maria Poppovíc'', da qual foi diretora de
Editora Livro Pleno 1989 a 1993. No curso de Pós-Graduação em Psicologia Clí-
Rua Dr. Cândido Gomide, 584 - Jd. Chapadão nica, pertence ao Núcleo de Família e Comunidade, minis-
CEP: 13070-200 - Campinas - SP - Brasil trando cursos relacionados ao tema dos vínculos e do luto.
Telefax: (OXX) 19 243-2275 Na Universidade Paulista, é Professora Titular de Psicologia
e-mail: edlivropleno@uol.com.br do Desenvolvimento I, no curso de Psicologia.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total eu parcial. por qualquer


meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos. microfilmicos. fotográficos. re-
prográficos. fonográficos. videográfieos. Vedada a memorização e/ou a recuperação
tot.al ou parcial bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em quaiquer siste-
ma de proccssamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às caracteristi-
cas gráficas da obra e à sua cditoração.

Impresso no Bras!! / Prtnted ín Brazfl


CP,wÔ6.CiO

Ao preparar esta tiragem, é inevitável pensar em


quantas pessoas terão lido este livro, utilizando-o em seu
trabalho com pessoas enlutadas. Penso ser este o principal
objetivo de um trabalho na área de saúde: que possa permi-
tir uma melhora na qualidade do atendimento de forma a
ampliar a área de abrangéncía dessa atuação e beneficiar
um maior número de pessoas.
Isto sem dúvida ocorreu nestes anos que se segui-
ram à publicação da primeira tiragem. As questões envolvi-
das no processo de morte e luto vêm sendo discutidas com
maior freqüência e profundidade, tanto por profísstonaís
quanto por leigos. A mídia tem voltado seus olhos para es-
ses aspectos, com uma atenção que surpreende em alguns
momentos, nestes tempos de fim de século, nos quaís pro-
cura-se solução imediata para problemas psicológicos, exís-
tencías ou espirituais.
Nesse período, aconteceu também um fato impor-
tante: a criação do laboratório de estudos e intervenções so-
bre o Luto - LELu, na PUC-SP, ligado ao Núcleo de Família
e Comunidade do programa de estudos Pós-Graduados em
Psicologia Clínica e Clínica Psicológica "Ana Maria Poppo-
à

víc". No LELu, que teve apoio da FAPESP para sua implan-


tação, desenvolvem-se pesquisas sobre temas relacionados
ao lula além de serem oferecidos atendimentos psicológicos
a pessoas ou grupos enlutados e treinamento para pessoas
que trabalhem com perdas e morte em seu cotidiano. A ex-
\

períêncía tem sido positiva, com crescente interesse, tanto \


por estudantes como por profissionais.
Esta tiragem ainda não apresenta alterações de con-
teúdo, uma vez que isto requer uma exposição maior aos
avanços obtidos. O trabalho desenvolvido no LELu sem dú-
vida permitirá esse avanço, de maneira que as próximas
edições apresentem novos resultados de pesquisa e de refle- gUWlÓltlO
xões sobre a experiência.
Sem dúvida, é uma alegria estar preparando esta ti-
ragem. Isto significa que o livro tem sido lido e, espero, útil.
E que as questões do luto têm merecido atenção.
Uma informação. que pode parecer irrelevante, mas
sobre a qual gostaria de chamar a atenção: a foto da capa
deste livro foi tirada por mim. Era um frio dia do fim do in-
APRESENTAÇÃO . 13
verno londrino, março de 1991, no dia em que voltava ao
Brasil, após dois meses ao mesmo tempo de muito estudo e
muita aflição, após a tensão da Guerra do Golfo. Na foto, 15
INTRODUÇÃO ········· .
como pode-se observar, falta um pássaro. Há um lugar va-
zio. Por isso escolhi essa foto para a capa do livro e por isso 23
L O LUTO: TEORIAS , .
é tão importante mencionar que a cena foi captada pelo
meu olhar. 1. A EXPERlÊNCIA DE PERDA · . 23
1.1. Luto e perda do objeto: a abordagem 24
Maria Helena: P. F. Bromberg psicanaLítica ·· .
Setembro/98 1.2. Luto e perda do vínculo: a abordagem
etológLca · · ·· ·..· ·..· ·.. 27

2. O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO . 30


33
2. 1. A sintomatologia ····································· 36
I
2.2. Fases do entutamento .
40
I
2.3. Luto norrnal e luto patológica · . !,
42
2.4. Fatores de risco · · . I
44 i
3. PERDAS NA VIDA ADULTA · .
3.1. A morte de umftlho . 45 \
3.2. Viuvez . 51
3.3.Os Lutos do envelhecimento . 56
\
4. PERDAS PARAA CRIANÇA · ·
58
4.1. O signtfi.cado para a criança . 58
4.2. Impactos do luto infantiL ·· . 60
64
5. LUTO NA FAMÍLIA .
5. 1. Reações da família à morte · 65
,<~

;.{';.

~-~

~
~~
;;~
1. QUESTÕES DA ATUAÇÃO CLÍNICA . 149 ~t
;x
5.2. Morte no ciclo de otâa januliar 67 .t;

5.3. Adaptação da jamilia. à perda. 68 1. 1. Tempo deconido entre a morte e o início


r1'.
11. PSICOTERAPIA DO LUTO....................................

1. CUIDANDO DA FAMÍLIA ENLUTADA.....................


1.1. Avaliando a necessidade de cuidado....... ....
71

71
71
1.2.

1.3.

1.4.
da terapia

atendimento familiar
··.. · · · ·· · ·
Conexão entre queixa e necessidade de
·..···
ResuLtados obtidos quanto a mudanças
nos sintomas ·.. ·..· ··
Avaliação quanto aos fatores de risco
·· ..··
·· ..· 150

·····

·····
151

152
· 154
,
~

i
iáI
1.2. Identificando o cuidado necessário 79 1.5. Uso de rituais . 155
1.6. Atuação do psicoterapeuta ,. 156 ~
2. PSICOTERAPIA DO ENLUTAMENTO 82 ~
2.1. Psicoterapia inâioiáucú para o en[utamento........ 82 2. A TEORIA COMO FUNDAMENTO PARA A ~i.
~
·..·..·····.. 158
2.2. Psicoterapia famiíiar para o eniutamenio 89 PRÁTICATERAPÊUTICA ·..···
I
m. OBJETIVOS 93 3. ABERTURA PARA OUTRAS ÂREAS DE I
1. O FENÔMENO POR ABORDAR 97
PESQUISA E ATUAÇÃO . 160
i
2. AS PRESSUPOSIÇÕES....................... 99
4. QUESTÕES DE PREVENÇÃO

5. CONCLUSÕES FINAIS · ·..·..·..··..·


. 161

·..··..· 164
I ~
IV. MÉTODO

1. A PESQUISA...........................................................
101

101
BIBLIOGRAFIA . 167
II
t~
í'.!
2. SUJEITOS 102 ~
3. PROCEDIMENTO APÓS ENCAMINHAMENTO 103 ~
4. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS 105
íIfl
I
5. RECURSOS PARA AVALIAçÃO
6. PROCEDIMENTOS DE INTERVENÇÃO...................
DAS FAMÍLIAS 106
109
;
~
7. RITUAIS COMO RECURSO TERAPÊUTICa............ 112 ~
8. PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DOS DADOS ..... 116 ~
I
"!ll
V. ANÁLISE DAS FAMÍLIAS ESTUDADAS 119 R'i~
~
1. FAMÍLIA A ......... ........ ............ ..... ....... ... 119 ~
~
2. FAMÍLIA B
3. FAMÍLIA C................................
126
130 i
/~

4. FAMÍLIA D 134
~
5. 'FAMÍLIA E............................................ 138
6. FAMÍLIA F............................................................... 143 ~
~
'1
~~
VI. CONCLUSÕES 149 ~
~
cA:pheget'ltação

"Admirável
Não pensar ao ver um raio:
'É fugaz a vida'."
(Bashô)

Por mais que se saiba que a vida contém a morte, as


pessoas vivem como se nunca fossem morrer!
Esse fato significa que a construção de mundo que
se faz deve incluir necessariamente a noção de fínítude, de
fragilidade do ser humano para que nossos atos, pensamen-
tos e projetos não sejam imbuídos do sentimento onipotente
da intemporalidade.
Morte é auséncia ... A perda do mundo, dos afetos,
do pensamento Morte é perda... é ausência de todos ...
Morte é solidão .
Ausência, perda, solidão, emoções que caracterizam
o sentímento de luto.
Talvez por isso, embora não haja fato mais previsível
do que a morte como ponto final do ciclo de vida das pes-
soas, não há também aspecto que cause tanto impacto
emocional e mobilize tão freqüentemente mecanismos psico-
lógicos de evitação.
Tais mecanismos dífícultam a necessária vivência do
luto, definido como "uma sucessão de quadros clínicos que
se mesclam e se repõem uns aos outros" (PARKES, 1986).
Portanto, lutoé processo, não um estado estático;
um tempo de elaboração e transformação que atinge os ín-
divíduos e os grupos, desestruturando-os pela falta, con-
fundindo os remanescentes e desestabilizando seu funcio-
namento.
Esse livro trata com sensibilidade e competência o
luto, suas fases e características, buscando por meio da ex-
celente revisão bibliográfica, discutir as diferentes contri-
buições teóricas sobre o enlutamento (psicanalítica, etológí-
ca e sístêrníca), conseqüências clínicas e possibilidades de
intervenção.
9b'l tftO dução
O grande mérito desse trabalho, além de ressaltar as
características variáveis e sutis do luto nos indivíduos, é
mostrar com clareza a importãncia do luto como fenômeno
inter-relacional e abordã-Io no ãmbito familiar.
Com isto, busca o enfrentamento da crise que o luto
gera na família pelo "desequilíbrio que causa entre os recur-
sos do sistema familiar e a quantidade necessária de ajusta- A morte é a única presença constante na vida. Vive-
mento de uma só vez". se, morrendo. Paradoxalmente, é pela extinção da vida -
Assim, analisa com cuidado e sutileza as conse- ou seja, por viver - que se morre. A Filosofia e a Religião
qüências da "onda de choque emocional", tanto no dia-a-dia têm contribuído com explicações para a busca de sentido
da família como na saúde física e psicológica de seus mem- que marca a existência humana, diante do fenômeno índís-
bros, além do equilíbrio do próprio sistema familiar, apon- solúvel vida/morte. A Religião permite que essência e exis-
tando a diferença das crises conforme os diferentes momen- tência formem uma unidade funcional e, como conseqüên-
tos do ciclo vital da família. cia, a idéia de que a vida não é inútil e não acaba. Com
isso, as religiões têm função tanto para a sociedade como
Finalmente, o uso de rituais como um recurso tera-
para o indivíduo: fornecem um enquadramento de realidade
pêutica permite aos indivíduos recuperarem o sentido da
para a morte de forma a assimilar e tornar válidas as ex-
morte e, conseqüentemente, da vida, resgatando valiosos
pressões de emoção inerentes ao luto", de maneira aceitável
procedimentos presentes em todas as culturas e tão desva- pela sociedade e satísfatóría para o indivíduo. Torna-se pos-
lorizados atualmente, sobretudo nas sociedades ocidentais. sível, assim, o reinvestimento do capital emocional em no-
Enfim, poderia apontar ainda muitas outras qualida- vos capítulos da vida e a sociedade não sucumbe à morte de
des, porém creio ser mais adequada a recomendação de sua um de seus elementos (JACKSON, 1965).
leitura a todos os profissionais da área da Saúde, não Só a A Ciência contribui, por sua vez, ao buscar caminhos
psicoterapeutas, tanto pela qualidade das considerações teó- para o prolongamento da vida, encontrar a cura para todas as
ricas como pela clareza com que fornece elementos essen- espécies de doenças e evitar a dor. O próprio conceito de mor-
ciais para uma intervenção eficaz nas mais variadas situa- te teve que ser revisto pela Medicina. Ou seja, no plano cogní-
ções de perda e luto.
tívo, são tentativas de domínio da morte ou, em última análí-
se, tentativas de negação da mortalidade, inerente à condição
São Paulo, outubro de 1994 humana.
Rosa Maria Stefanini de Macedo
Núcleo de Família e Comunidade
* Luto: conjunto de reações a uma perda significativa.
PUC-SP Entutamento: processo de adaptação a essa perda.
17
16 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoierapia em situações de perdas e luto

A morte apenas recentemente tornou-se objeto de so e de melhor qualidade. Foi muito interessante observar
interesse dos cientistas sociais, que podem então estudá-Ia a informação unánime dada pelos agentes funerários: as
sem os desvios das interpretações de natureza sagrada. Isso pessoas que solicitam os serviços pedem que sejam execu-
foi possível pela gradual secularização das sociedades, le- tados com presteza. que o enterro seja o mais breve possí-
vando á busca de explicações racionais para os fenõmenos vel para não se demorarem na presença do cadáver. Ou
sociais e psicológicos, tradicionalmente interpretados como seja: um ritual importantíssimo não vem sendo utUizado,
sagrados em sua natureza. A contribuição das Ciências So- o do velório e enterro. que permite as despedidas.
ciais para o diálogo entre ser humano e natureza/morte Embora não havendo uma padronização de sígníü-
está na tentativa de compreender as dimensões do proble- cados atribuídos à morte rios diferentes grupos sociais, há
ma da morte para a sociedade e as implicações que tem sempre, nessas circunstâncias. um quadro de referências à
para o comportamento (FULTON,1965). morte, uma previsibilidade de comportamentos, uma estabi-
ARtES (1977) indica como a morte foi tendo seu ce- lidade nas expectativas. Por causa disso, os rituais por oca-
rimonial mudado ao longo dos tempos, significando as mu- sião da morte estão presentes nos processos cerimoniais de
danças que afetaram o impacto sobre a sociedade. Hoje o todos os povos, trazendo o objetivo e o significado da rituali-
que se vê é uma inversão completa dos costumes, desde a zação tanto do ponto de vista cultural como individual. É
relação entre moribundo e ambiente social e fisico até as possível dizer, de acordo com KRUPP (1965). que o ser hu-
manifestações sociais das emoções. Segundo ele, no século mano desenvolveu ritos culturais para lidar com a morte,
XX, nas sociedades ocidentais, a morte tornou-se um fato a bem como cerimônias grupais e padrões individuais de
ser vivido com discrição. o que transferiu o local da morte comportamento.
dos lares para os hospitais, tecnícalízando-a e dessacralí- Do ponto de vista individual, as tentativas de domí-
zando-a. É a forma que a sociedade produziu para se prote- nio da morte, ou seja. da negação da mortalidade, muitas
ger de tragédias que podem abalar seu equilíbrio. já tão fra- vezes encontram apoio em crenças religiosas que retratam a
gilízado em razão das constantes e rápidas mudanças a que morte como uma passagem. um estado transitório e não a
se submete. cessação da vida. Esta última concepção provoca o surgi-
Quando convidada a proferir palestra sobre "O mento de fortes defesas, uma vez que sem elas seria impos-
tabu da morte" aos funcionários do Serviço Funerário Mu- sível imaginar qualquer espécie de futuro.
\
~.
nicipal de São Paulo, dentro do seminário "O trabalhar Assim sendo, o ser humano precisa se situar em pa- ~.
com a morte". pude perceber a extrema dificuldade da pla- rãmetros de tempo apesar de e por ser mortal. Ou seja: "Se ~
téia em se perceber não como um funcionário público bu- ~
~
você quiser que a vida dure, prepare-se para a morte". como II
rocrático e sim como uma pessoa que é obrigada a encarar disse FREUD (198l) em 1915, em seus pensamentos sobre
no seu dia-a-dia profissional aquilo que as pessoas prefe- tempos de guerra e morte, mais diretamente relacionados à
I~
rem ignorar: a morte está presente em todos os aspectos experiência vivida na I Guerra Mundial. Coincidentemente.
da vida. A platéia era composta por funcionários adminis- tive contato com essas idéias de Freud quando pesquisava a
trativos e operacíonaís (corno coveiros e exumadores). O ~
literatura, por ocasião de um estágio em Londres, entre ja- ~
conteúdo da palestra envolvia a caracterização das fases
neiro e março de 1991, período de duração da Guerra do ~
do luto, riscos quanto ao papel que a pessoa morta repre- ~
Golfo. A experiência vivida então mostrou a extrema atuali-
sentava para os familiares, condições que predispõem ao
dade do texto de Freud. aplicável tanto no que se refere às
luto patológico. Esperava-se que os funcionários pudes- ~3:
estratégias utilizadas na guerra como no cotidiano. com os
sem conhecer e compreender a condição psicológica das
pessoas que buscam seus serviços profissionais, assim freqüentes ataques terroristas colocando a ameaça de morte ~;

perrnítírido-lhes dar a elas um atendimento mais cuidado- como um ponto a ser sempre considerado. ~
~
18
Maria Helena P.F. 8romberg A peicoterapia. em sftuações de perdas e luto 19

Naturalmente, qualquer Visão do significado da mor-


te será multifacetada, composta por fatores predeterminan_ tando com os recursos psicológicos disponíveis no sistema
familiar. É freqüente encontrar quadro de depressão psrqut-
tes de ordem cultural, histórica, ética, religiosa e psicológi-
ca, que leva à depressão ímunológíca, permitindo a instala-
ca. Conseqüentemente, a interação desses fatores contribui
ção de doenças. Estas sobrecarregam ainda mais o sistema
para tornar ainda mais complexa e abrangente qualquer
tentativa de compreensão do fenômeno "morte". familiar que precisa superar mais uma crise.
Da morte simbolicamente vivida nas perdas acarre-
O mito da imortalidade aparece em quase todas as
tadas pela aposentadoria às possibilidades de reorganização
culturas, revelado pejas cerimônias de enterro e rituais de
familiar para enfrentar saudavelmente essa nova realidade,
luto que preparam o morto para a Viagem ao outro mundo e
percebi a stmílitude com a experiência da perda por morte e
que aceitam a influência do espírito muito tempo após a
seu impacto na família, impacto esse que pode ser até tríge-
morte do corpo. Há também formas simbólicas pelas quaís
racional. Vi, portanto, aumentado o interesse em compreen-
o desejo da imortalidade se manifesta. Pela biológica, a pes-
der e lidar com os problemas da morte no ámbíto psicológi-
soa se perpetua em sua descendência: pela teológica, há
co. Se os desenvolvimentos tecnológícos permitiriam outras
vida após a morte ou então há um plano mais elevado de
existência. formas de se lidar com ela, é reconhecido que isso não se
deu no âmbito das relações entre familiares enlutados. Os
A atiVidade criativa também oferece possibilidades conflitos anteriores à perda assomam com mais intensida-
de imortalidade, uma vez que o trabalho original da pessoa de, muitas vezes alterando o curso daquele que seria o pro-
tem o efeito de legado e permanência.
cesso normal de enlutarnento. É importante ressaltar que,
Hoje, de uma forma claramente identificáveI, a rela- mesmo quando é considerado normal, não significa que não
ção do ser humano com a saúde reflete essa busca da imor- seja doloroso, ou que não exija um grande esforço de adap-
talidade, desde as práticas de congelamento do corpo para tação às novas condições de vida, tanto por parte de cada
ressuscitação após a descoberta da cura da doença que pro- um dos indivíduos afetados, como por parte do sistema fa-
vocaria a morte, passando pelo congelamento do sêmen do miliar, que também sofre impacto em seu funcionamento e
homem próximo da morte e que deseja ser pai mesmo de- identificação.
pois de morto, até a dedicação, muitas vezes levada ao exa- A impossibilidade de se isolar o ser humano do seu
gero, a práticas preventivas para a manutenção da saúde. contexto ínvíabílíza este ou aquele processo, que permiti-
Meu interesse pelo tema teve início com o trabalho ria ver a morte sob os diversos prismas em que é possível
que desenvolvo com famílias que tenham um elemento já entendê-Ia. Neste trabalho, porém, a preocupação maior
aposentado ou prestes a se aposentar. É possível verificar está na utilização dos conceitos psicológicos relacionados
que a experiência da aposentadoria é vivida como uma a ela tais como perda, quebra de vínculos, aceitação e ree-
pesada perda, com conseqüências freqüentem ente dramá- laboração, no sentido de discutir as possibilidades de aju-
ticas para os elementos da família e, principalmente, para da da Psicologia às famílias enlutadas. Para sua infelicida-
o aposentado. Este vive muitas perdas: de status, de re- de, estas têm sido relegadas a uma condição de negligên-
cursos financeiros e até mesmo de sua identidade profis- cia, como se todo o sofrimento advindo do luto fosse natu-
sional. O impacto dessas perdas atinge a família como um ral e até esperado, como se os profissionais da saúde não
todo e dentro de suas especificidades. A aposentadoria é devessem pesquísar formas de amenízá-Io. Existe, sim, o
vivida de forma mágica, como em sonho, até que o con- luto normal, com um curso previsível, até a sua supera-
fronto com a realidade do cotidiano mostra a impossibili- ção. Existe também aquele que implica uma verdadeira ex-
dade dc continuar sonhando. Uma reorganização familiar periência de crise, para a qual os recursos disponíveis são
é, então, necessária e esse trabalho visa promovê-Ia, cori- inadequados ou insuficientes. Uma avaliação cuidadosa é
imprescindível para uma atuação precisa, que traga efeí-
21
A psicoterapia em situa.ções de perda..<=;e luto
20 Maria Helena P.F. Brotnberq

Um recurso utilizado foi o emprego de rituais, tra-


tos benéficos. Muitos campos, dentro da Psicologia, têm
zidos do contexto sociocultural para o terapêutico, sem al-
contribuição a dar para esse objetivo: técnicas de avalia-
terações na definição e função, exalamente por permitir
ção psicológica, psícoterapía breve, terapia familiar, pes-
uma reorganização que não negue a ocorrência da morte.
quisas sobre questões de vínculos, psicossomátíca.
Ou, como diz ROBERTS (1988): "Os rituais fornecem 'en-
Em minha experiência clínica, trabalhando com fa- quadramentos de expectativa' nos quais, por meio de repe-
mílias enluladas, um aspecto sempre me chamou a aten- tição. familiaridade e transformação do que é já conheci-
ção. Os familiares têm dificuldade em associar certos sin- do, novOS comportamentos, ações e significados podem
tomas com a vivência do luto, sendo exceção as manifesta-
ções classicamente entendidas como pertinentes ao luto: ocorrer."
Foi realizada pesquisa clínica, com estudos de caso,
depressão, saudade, necessidade de manter-se de luto.
por meio de análise detalhada de ocorrências de atendimen-
Reações como agressividade, atividade frenética e errátíca,
to familiar por ocasião da crise por luto. Da discussão des-
distúrbios psicossomáticos e dificuldades na aprendiza-
ses estudos de caso saíram os elementos para a conclusão,
gem são as que causam maior estranheza quando associa-
das ao luto. vis-à-vis os conhecimentos teóricos.
O problema-objeto desse trabalho refere-se, portan-
Como já mencionado aqui, isolar o indivíduo do
to, compreensão da morte como uma experiência psicoló-
à
meio que lhe dá significado traduz visão oblíqua de uma
gica que atinge não somente o indivíduo, mas todo o siste-
realidade tão rica quanto complicada. Por esse motivo, foi
ma familiar. Este, visto em sua totalidade, requer interven-
dada ênfase questão dos rituais que cercam a morte e que
à

ções específicas, que não são apenas a transposição para o


podem vir a ser valiosos instrumentos terapêuticas. São ri-
grupaJ de conhecimentos relacionados experiência indivi-
à
tuais culturalmente criados e praticados, e que têm impacto
dual. Esses conhecimentos são úteis, mas a realidade do
também no âmbito psicológico por sua própria definição.
Luto é uma ferida que precisa de atenção para ser curada. sistema familiar precisa ser descrita e considerada para que
Esse processo de cura é basicamente composto por duas seja possível tratá-ia apropriadamente.
mudanças psicológicas a serem realizadas durante o perío- Esse trabalho inicia-se com a pesquisa da teoria
do de luto. A primeira é reconhecer e aceitar a realidade: a sobre o luto no Capítulo I, apresentando-o por meio da ex-
morte ocorreu e a relação agora está acabada. A segunda é periência da perda, sob dois enfoques: o psicanalítico e o
experimentar e lidar com todas as emoções e problemas que etológico. A seguir, é explorada a questão do processo psi-
advêm da perda. Essas mudanças se mesclam e levam tem- cológico do luto, com sua sintomatologia, fases, compara-
po. Cada uma delas é necessária para a superação do luto. ções entre luto normal e patológico e os fatores de risco.
É um processo tanto individual quanto social, principal- Objetivando fazer a passagem para a compreensão do luto
na família. são apresentadas questões referentes a perdas
mente se considerarmos que existem procedimentos sociais
na vida adulta (morte de filho, viuvez, envelhecimento) e
para lidar com o fenômeno e, no enquadramento familiar,
às perdas para a criança (significado da morte e os impac-
todos os membros do grupo são afetados, cada um em sua
tos do luto infantil). Já no ãmbito do luto familiar, o per-
maneira de encarar o problema.
curso se inicia com as reações da família à morte, passan-
Neste trabalho, o percurso é feito a partir das ques- do pelas questões referentes ao ciclo de vida familiar e cul-
tões vinculares, nas diferentes nuanças, passando por pon- minando com a adaptação da família à perda.
tos crucíaís corno a interação da pessoa enlutada com seu
No Capitulo Il, são tratadas questões específicas da
grupo bãsico de referência - a famílía - e as formas de in-
psicoterapia para o luto, desde a visão individual, como as
tervenção possível e adequada para a avaliação do enlutado
necessidades de cuidado em relação à pessoa enlutada e
e a necessidade de terapia específica.
22 Maria Helena P.F. Bromberg

sua avaliação até aspectos da psicoterapia para a pessoa e


a família enlutada.
Os objetivos são apresentados no Capítulo 1II, defi-
nindo-se o problema-objeto de interesse nesta pesquisa, a
partir de suas pressuposições. I
No Capítulo IV, o método e o procedimento são apre-
sentados. Seis famílias foram consideradas na análise e
são, então, resumidamente discutidas. Por serem conside- (0 ~utO: geo/Üag
rados um importante recurso terapêutica, rituais foram uti-
lizados e estão detalhadamente abordados nesse Capítulo,
bem como as técnicas para avaliação e intervenção.
No Capítulo V, estão apresentados os resumos dos "Você não pode evitar que os pássaros da tristeza
atendimentos das seis famílias quanto aos métodos de ava- voem sobre sua cabeça, mas pode evitar que eles
liação, intervenção terapêutica utilizada e resultados obti- construam ninhos em seus cabelos."
(Ditado chinês)
dos.
Ao término, no Capítulo VI, são apresentados os
pontos de discussão e as conclusões daí decorrentes. As
possibilidades abertas por este trabalho, suas limitações e
recomendações quanto às aberturas para prevenção tam- 1. A EXPERIÊNCIADE PERDA
bém estão presentes.
Finalizando esta introdução, afirmo concordar com
as idéias de KUBLER-ROSS (1989), ao dizer que, por acei-
A morte pertence à condição humana. A morte da
tarmos e encararmos a realidade da nossa própria morte,
poderemos alcançar a paz interior e entre as nações. Não pessoa amada é não apenas uma perda, como também a
serã este um objetivo de vida? aproximação da própria morte, uma ameaça. Todo seu sig-
nificado pessoal e intemalizado é, então, evocado e as vul-
nerabilidades pessoais a ela associadas são remexidas.
A Escala para Pontuação do Reajustamento Social
de HOLMES e RAHE (1967) aponta a morte do cônjuge
corno o mais elevado fator de estresse e de necessidade de
reajustamento social. É seguida por divórcio, separação
conjugal e morte de um membro próximo da família. Como
pode ser visto, todos esses eventos estão relacionados à per-
da, de uma maneira ou de outra, requerendo um reajusta-
mento social completo, aqui definIdo como a quanti.dade e a
duração da mudança no padrão de vida ao qual a pessoa
está acostumada, a partir de um evento, não importando o
quanto foi desejada ou não.
Além do ajustamento social, os sentimentos que
acompanham a perda de urna pessoa amada - e esses sen-
24
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 25

timentos estão entre os mais profundos - são intensos e reações a uma perda e se caracterizam por um espírito de-
multifacetados, afetando emoções, corpos e Vidas, por um primido, perda de interesse e inibição de atiVidades. A dife-
longo período de tempo. Essa tristeza é preocupante e esgo- rença é a ausência - no luto - de culpa, auto-acusações e
tante, uma verdadeira onda de sentimentos em estado bru- rebaixamento da auto-estima.
to, como angústia, raiva, arrependimento, saudade, medo e
ABRAHAM(1953), em 1924, ao trabalhar com a ques-
ausência. A pessoa pode lidar com estas reações utilizando
fatores positivos ou negativos para o resultado. tão da libido, especificamente relacionada à melancolia, trouxe
uma compreensão importante para a distinção entre luto nor-
Embora sejam muitas as influências possíveis na mal e patológico. Para ele, as auto-acusações dos melancólicos
determinação do impacto que uma perda significativa tem referem-se mais ao objeto perdido do que a eles mesmos; o de-
para um dado indiViduo ou para um sistema relacíonal, ain-
sejo de ter novamente o objeto perdido pode ser expresso em
da permanece a necessidade de se avaliar a experiência pes-
fantasias de incorporação oral; se a relação com o objetoperdi-
soal. Tenta-se assim dimensionar o luto não somente do
do tiver sido ambivalente, há possibilidade de instalação de
ponto de vista indiVidual, mas considerando-se também as
uma psicose maniaco-depressíva, com as alternàncias ocorren-
implicações para a rede social, que podem ser ou não favo-
do em lugar da ambívalêncía.
ráveis à sua elaboração. Duas das formas mais consistentes
de tratar esta questão teórica estão aqui apresentadas, de A partir das idéias de Abraham, KLEIN (940) afir-
maneira que possam ser consideradas tanto do ponto de mava que tanto os aspectos bons do objeto perdido quanto
vista pessoal, individual, da experiência psíquica subjetiva, os maus são reintegrados pelo enlutado, assim como todo o
como do impacto mais amplo, vinculado à questão da pre- mundo interno associado a eles, inclusive as figuras paren-
servação da espécie. tais que os objetos substituíram; por esse motivo, na elabo-
ração do luto, ele sofre pelas reVivências das dificuldades da
1. 1. Luto e perda do objeto: a abordagem psicanalítica infância. A mesma autora associa ainda a experiência do
desmame (perda primária) com a posição depressiva, que é
encontrada no cerne do processo de luto.
Muito embora no pensamento psicanalítico seja
classicamente citada a monografia "Luto e melancolia", es- DEUTSCH (1937) escreveu um dos primeiros traba-
crita por FREUD (1984) em 1917, como a primeira explica- lhos sobre desenvolvimento patológico do luto, a partir do
ção a respeito dos mecanismos psíquicos envolvidos no estudo de quatro pacientes adultos com sintomas psiquiá-
luto, anteriormente BREUER e FREUD (1980), em Estudos tricos ligados à perda por morte ou divórcio de um dos pais
sobre a histeria já havíam feito a primeira tentativa para ex- na infância. Pouco ou nenhum luto havia sido expresso na
plicar e tratar os sintomas histéricos de Anna O., durante a ocasião da perda. Segundo ela, a criança não precisa ter a
doença e após a morte de seu pai, como uma ligação entre descrição intelectual da morte, porque já tem a experiência
luto e doença mental. Em "Luto e melancolia" as idéias ex- da perda objetal na primeira infância. Conclui dizendo que
pressas tornaram-se não somente a base para a teoria psi- a morte da pessoa amada (como uma perda objetal) precisa
canalítica da depressão mas também influenciaram profun- produzir expressão reativa de sentimentos no curso normal
damente as concepções posteriores sobre o luto. É curioso dos acontecimentos ou o luto não manifesto será, então,
pensar a razão pela qual, diante do impacto causado pelas trazido à tona de forma total, ameaçadora para o equilíbrio
idéias de Freud sobre o luto, o processo psicológico do luto psíquico do indivíduo.
não tenha estado no centro de seus interesses. Para FREUD Também concordante com M. Kleín, há o estudo de
(1984), a análise comparativa entre luto e melancolia (ou os ANDERSON (1949), considerado o primeiro grande estudo
sentimentos de luto ou depressão clínica) demonstra que o sobre luto patológico. Com uma valiosa contribuição, reve-
luto pode ser um modelo de depressão clínica: ambos são lou o papel importante da ansiedade (oposta à depressão)

- --::;;"-::-_<:;;"'-=:-':'~;::-_.."...: ----._---- •._-~ -_~- ~_ .•,._-


26
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 27

no luto patológico. Descreve a síndrome do luto crônico inconsciente de seguir o morto, assim evitando a separação
como uma reação mórbida, na qual ansiedade, tensão, in- e se defendendo da dor inerente ao luto. Isso fica particular-
quietação e insônia predominam, havendo também idéias mente claro no caso da escolha objetal do parceiro. As pri-
de auto-reprovação e repentes de raiva. Essas manifesta- meiras relações de objeto são determinantes dessa escolha,
ções refletem a maneira pela qual a criança teria reagido à o que pode explicar por que a morte do parceiro é tão amea-
perda primária.
çadora para a saúde psicológica do Viúvo ou da viúva
Para KRUPP (1965), há uma conexão importante (DICKS, 1973). Para PINCUS (1974). a perda pode levar a
com o processo de luto pela pessoa amada e transformações um processo de enlutamento patológico ou depressão se o
de personalidade. Essa conexão tem por base identificação enlutado não emergir desse processo com uma personalida-
e introjeção como mecanismos de defesa, objetivando reter de mais independente. Isso só é possível, porém. se houver
experiências de prazer que se desprendem de objetos exter- experiências positivas de Vinculos e perdas anteriores a par-
nos para serem renovados. Os mecanismos podem se dar tir das relações objetaís.
por meio de:
Concluindo. é importante ressaltar o quanto esta con-
- introjeção depressiva (depressão), cuja ausência é tribuição da Psicanálise permitiu uma compreensão dos pro-
patológica; cessos de luto, tanto normal quanto patológico, e também
trouxe a possibilidade de elaborá-lo, a partir de uma visão de
- identificações sintomáticas similares aos sinto-
mas do morto; relação e perda objetaís. Este um processo doloroso, sem
é

dúvida, pois implica a necessidade de simultaneamente desli-


- identificações de personalidade do enlutado que gar-se do objeto perdido e manter ínternalízados seus traços.
adota maneirismos característicos do morto;
Tenho verificado, ao longo da experiência, que, prin-
- identificação construtiva do enlutado, que assu- cipalmente no caso de viúvas e viúvos, soa extremamente
me interesses e atividades do morto.
ameaçadora a tentativa dos demais familiares no sentido de
O clássico estudo de LINDEMANN(1944) confirmou resolver o luto, "esquecendo" o morto. O esquecimento é re-
a necessidade apontada por Freud, em 1917, de que, para jeitado porque, no início do processo, há a intensa necessi-
concluir o trabalho de luto, a libido deve ser retirada do ob- dade de manter vivo o morto, por meio de lembranças, ten-
jeto perdido e transferi da para um novo objeto. Como se tativas de contato, tendo o esquecimento o significado de
verá neste trabalho, um dos objetivos da psicoterapia é exa- esvaziamento, antes da possibilidade de se estabelecerem
tamente permitir a aceitação da perda e o estabelecimento novas relações.
de outras relações objetaís. Estas podem ser relações reno-
vadas. quanto ao significado. com objetos anteriormente co- 1.2. Luto e perda do vínculo: a abordagem etológica
notados como relacíonaís.
ABERASTURY(1978) segue nessa linha, ao afirmar A teoria do vínculo desenvolvida por BOWLBY
que "uma reação comum da pessoa que está de luto é se- (1960, 1978a, 1978b. 1981) integra idéias da Psicanálise e
guir o destino do objeto, morrer para desse modo não se se- da Etología. Tem uma interpretação funcional para o luto
parar". É exatamente nessa instância que o trabalho de luto mas diferentemente do conceito psicanalítico na medida em
se faz necessário, para que a pessoa enlutada retome sua que analisa o comportamento complexo do ser humano com
identidade, agora já sem o objeto perdido, e possa refazê-Ia uma visão mais ampla, que considera tanto aspectos psico-
com outros objetos. Como, a partir de pesquisas com amos- lógicos quanto biológicos.
tras de viúvas, é evidenciado o aumento da incidência de Ocupando posição central em sua teoria, está a afir-
doenças, esse dado é aqui entendido como uma tentativa mação de que o comportamento do vínculo tem valor de so-

~
.•..
29
A psicoterapia em situações de perdas e luto
28 Mana Helena F.F. Bromberg

semana de vida, dos comportamentos da segunda fase, ca-


brevívêncía para todas as espécies e que luto - visto como
racterizada por orientação e sinais dirigidos a uma (ou
o aspecto negativo do vínculo - é uma resposta genérica à
mais) figura(s) discriminadalsl. Ou seja, o bebe acentua
separação. Assim sendo, a seqüência das fases protesto-de-
sua orientação para a figura materna (mãe ou substituta).
sespero observada no luto é uma resposta característica de
A resposta diferenciada a estímulo auditivo tem início na
muitas espécies ao rompimento de fortes vínculos afetívos.
décima semana. Essa fase se estende até por volta de seis
Embora tenha concordado com algumas idéias da meses, ou mais, de acordo com as circunstãncias. Na ter-
Psicanálise, como, por exemplo, com KLEIN (1940) sobre o ceira fase, dá-se a manutenção da proximidade com uma
impacto que as perdas na infância terão para as perdas no figura discriminada por meio da locomoção ou de sinais.
futuro, não concordo com o significado atribuído ao desma- Dessa forma, o bebê tem a figura materna como seu ponto
me como perda primária (BOWLBY,1960), alegando a exis- de referência, segue-a quando se afasta, saúda-a quando
tência de eventos concomitantes (no caso, o afastamento da se aproxima e considera-a a base a partir da qual faz suas
mãe) que ameaçam a sobrevivência do bebê. É ainda explorações. É evidente para todos que há uma ligação
BOWLBY(1978a) que afirma ser uma das maiores funções vincular entre o bebê e a figura materna, ao mesmo tempo
do objeto de vínculo - principalmente a mãe, mas também que estranhos são considerados com cautela ou mesmo
a figura substituta constante - oferecer urna base de segu- afastamento. Essa fase se inicia aproximadamente aos
rança que permita ao indivíduo explorar o meio. Assim sen- seis ou sete meses de idade, continua pelo segundo ou até
do, mesmo que ameaçado, ele não somente se afasta do es- terceiro ano de vida. Em bebês que tiveram pouco contato
timulo ameaçador, como também se protege no objeto de com uma figura materna permanente, o início da terceira
vínculo. Com a perda desse objeto, não há mais a base se- fase pode ser retardado para depois do primeiro aniversá-
gura onde se refugiar diante do perigo, o que faz com que rio. Na quarta fase, dá-se a formação de uma parceria de-
seja uma experiência aterrorizante. Esta é a razão pela qual finida por meio de padrões de previsibilidade de comporta-
o sofrimento é uma reação universal à separação de uma fi- mento da figura materna, que vão permitir ao bebê asse-
gura de vínculo. gurar-se do vinculo com ela.
Ao conceítuar o processo de luto como uma forma A qualidade do vínculo estabelecido primariamente
de ansiedade de separação, a teoria do vínculo oferece uma determinará, então, os vínculos futuros e os recursos dispo-
interpretação teórica para aspectos do luto normal e patoló- níveis para enfrentamento e elaboração de rompimentos e
gico não explicados por outras abordagens. Como, por perdas. BOWLBY(1978b) descreve o vínculo ansioso como
exemplo, pode explicar sintomas aparentemente parado- causado por uma série de separações e como provocador de
xais: a necessidade de encontrar a pessoa perdida, a sensa- relações de dependência. Também reações de fobia encon-
ção de ter a presença da pessoa morta e até mesmo a raiva tradas em crianças estão relacionadas a vínculos ansiosos
sentida por essa pessoa. Como já citado, os sentimentos estabelecidos como padrão de não-disponibilidade de figu-
muitas vezes ambivalentes acerca da perda refletem a tenta-
ras de vínculo.
tiva irracional de manter o vinculo, mesmo que desconsíde- Por outro lado, um vínculo seguro permite o desen-
rando as evidências da realidade. volvimento da autoconfiança e da auto-estima. Em um es-
O comportamento do vinculo estabelece-se seguin- tudo de ROSEIvíBE.RG(1965). os resultados mostram que a
do quatro fases, de acordo com BOWLBY(1978). Na pri- medida de auto-estima é negativamente corrclacionada com
meira, ocorrem orientação e sinais sem discriminação de tendência à depressão, sentir-se isolado e solitário e com
figura e, em condições favoráveis, os comportamentos típi- suscetibilidade a sintomas somáticos.
cos dessa fase (voltar-se para uma pessoa, seguir objetos Considero importante observar que estes são os sin-
com os olhos, sorrir e balbuciar, sem ser para uma pessoa
tomas mais freqüentemente encontrados na reação de luto,
específícal são acrescidos, por volta da décima segunda
30
í~
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoierapia. em situações de perdas e lu/.o 31

abrangendo também rebaixamento na auto-estima. Ou seja:


I
seu cur so consistente, modificado por variáveis como: morte
quando o vínculo é rompido, os recursos de que o indivíduo
abrupta, natureza de preparação para o evento e o significa-
dispõe para elaborar o luto devem ser buscados na qualida-
do que o objeto perdido tem para o sobrevivente. O assim
de de vínculo anteriormente existente. É possível, então, en-
chamado curso consistente inclui uma fase inicial de cho-
tender os motivos que levam ao desencadeamento do cha-
mado luto patológico, em qualquer uma de suas formas: a que e descrença, na qual a pessoa tenta negar a perda e se
partir de vínculos básicos ansiosos, não se desenvolveram isolar contra o choque da realidade. A seguir, vem uma fase
de forma positiva a autoconfiança e a auto-estima; com o de crescente consciência da perda. marcada por efeitos do-
rompimento de um vínculo por morte, a reação de luto lorosos de tristeza, culpa, vergonha, impotência e desespe-
apresentará as marcas desse déficit e a dificuldade de supe- rança: há tambêm o choro, uma sensação de vazio, distúr-
ração será intensificada pela dificuldade em encontrar no- bios de alimentação e de sono, às vezes alguns distúrbios
vas possibilidades de vinculação, seja com uma pessoa, psicossomáticos associados à dor física, perda de interesse
uma idéia, uma atividade. O vínculo permanece, então, com pelas companhias ou atividades costumeiras. perda da qua-
uma pessoa que não estando mais viva, não permitirá a Vi- lidade nas atividades profissionais. Por fim. há uma prolon-
talização necessária para sua manutenção, abrindo campo gada fase de recuperação, na qual se dá a elaboração do
para as chamadas reações patológicas como: negação, dís- luto, o trauma da perda é superado e é restabelecido um es-
torção e adiamento do luto. O impacto da perda pode ser di- tado de saúde.
minuído quando são formados vínculos substitutos, signifi- Embora esta descrição dada por ENGEL (1961) pos-
cando a aceitação da função de suporte social. sa ser considerada uma reelaboração de idéias previamente
Na prática clínica, não deixo, portanto, de avaliar as apresentadas por FREUD (1984), em "Luto e melancolia",
condições que antecederam a perda por morte, a partir tan- publicado em 1917 e LINDEMANN (1944), tem ainda o
to do contexto individual como do grupal. grande mérito de vê-las sob o prisma da discussão entre
normal e patológico e, conseqüentemente, da necessidade
No individual, os pontos de relevância a serem con-
siderados são: vívêncía anterior de perdas, quanto á quali- ou não de algum tipo de intervenção. Ainda segundo EN-
dade do que foi perdido; os recursos psíquicos para sua ela- GEL (idem), a descrição anteriormente citada corresponde
boração. ao que geralmente se considera uma doença, nos seguintes
aspectos: hà um sofrimento, umdescompasso no funciona-
No plano social, a ênfase é colocada na rede de su-
mento global da pessoa que pode durar dias, semanas ou
porte disponível quanto à possibilidade de essa rede ser ab-
até meses. É possível identificar o fator etíológíco, que é real
sorvida pelo indivíduo Como aceitável e útil.
e ameaçador ou pode estar em uma perda fantasiada do ob-
jeto, ou seja: preenche os critérios para a descrição de uma
síndrome discreta, com stntomatología e andamento de cer-
ta forma previsíveis. As características da pessoa enlutada
são evidentes ao observador.
2. O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO
Contra-argumentando, posso considerar que o pro-
cesso de luto (como descrito anterionnente) seria normal
(
diante de uma experiência de perda significativa. No entan-
ENGEL (1961) coloca a questão de ser o luto _ em
t.o, ainda devo levar em conta que há uma diferença entre a
si - uma doença. Considera-o uma resposta característica
exístêncla de uma resposta específica e uma alteração de
à perda de um objeto valorizado, seja a pessoa amada, um
estado. Diant.e da controvérsia, como dar a condição de
objeto material especial, emprego, staiiis, casa, país, ideal,
doença apenas ao luto patológico, ou que a resposta de luto
parte do corpo. Segundo ele, o luto sem complicações segue
( é somente uma reação temporária a um dado evento e que

- •.--....,-..... '2'--' ,....,~.~__ .,,....,-_-,_.,''''.....,,....,


"",.~_, __ .~ _
32
Maria Helena P.F. Bromberg A peicoterapia. em situações de perdas e luto 33

pelo tempo será superada, minha posição é que utilizando


as conceituações de luto normal e luto patológico a psicote- trabalho, levando em consideração a forma pela qual pode-
rapía se aplica apenas ao último enquanto o aconseihamen- ria se dar a compreensão do luto, fosse ele normal ou pato-
to deve ser utilizado para casos de luto normal. É importan- lógico, sem esquecer os fatores determinantes de uma boa
te apontar o fator tempo Como pontuador do processo de ou má elaboração.
enlutamento, considerado, então, Como um indicativo de Considerando-se as diferenças e semelhanças encon-
patologia, corno veremos adiante. tradas por tantos pesquisadores, PARKES (1986) resume
No entanto, para esclarecer o ganho obtido com as aquilo que pode ser entendido como urna definição comum a
idéias de ENGEL (1961), quanto à necessidade ou não de todos: "O luto não ê um conjunto de sintomas que começam
intervenção terapêutica (e, em caso positivo, de que espé- após uma perda e, então, gradualmente desaparecem. En-
cie), levo em conta que: volve uma sucessão de quadros clínicos que se mesclam e se
repõem uns aos outros."
- o luto, com todas as suas formas e ramificações, Em contato pessoal com PARKES (1991). no St.
é objeto de estudo e de pesquisa tal1to das Ciências do
Chrístopher's Hospíce de Londres, verífíqueí o cuidado com
Comportamento, quanto das Físicas e Biológicas, uma vez
que são avaliados estes pontos norteadores quanto a uma
que envolve a aplicação de Suas descobertas para minorar o
( sofrimento das pessoas; maior ou menor gravidade na resposta ao luto. A equipe que
trabalha com as famílias dos pacientes terminais lá interna-
- a ocorrência do luto, precedendo ou juntamen-
dos composta por voluntários, assistentes sociais, psicólo-
é

te com outras doenças, está presente com tanta freqüên-


gos, psiquiatras, religiosos. permitindo assim uma visão
cia que não pode ser considerada uma simples coincidên-
cia irrelevante. Diga-se da mesma forma para a incidência multíprofíssíonal das famílias, de maneira a provê-Ias com o
de mortes na fase de luto; cuidado especificamente necessário. Resultados mais elabo-
rados das pesquisas que levaram a esses procedimentos es-
- se a experiência - ou ameaça - da perda do ob-
jeto consistentemente afeta o ajustamento total do indiví- tão presentes nas seções 2.2., Fases do enlutamento e 2.3.,
duo, pode-se dizer que foi identificado um fator etiológico de Luto normal e luto patológico, deste trabalho. De maneira
tanta importáncia que desconsiderá-Io seria certamente resumida, o que Parkes pratica com as famílias de pacientes
uma expressão de preconceito científico; do S1. Chrístopher's é urna assistência ampla para todos os
- entender o luto como doença exige que não aspectos afetados pela morte e, nos casos considerados mais
saiam de perspectiva os aspectos ambientais diferentes graves, a partir de indicadores como tipo de morte e relação
dos que são habitualmente levados em conta, ou seja: os anterior, usa a psíccterapía breve. observando se deverá ser
objetos psíquicos, pessoas, profissão, objetivos. lar dos individual ou fa.míliar. ~.

~
pacientes não podem ser desconsiderados até que seja
provado que as relações de vínculo com o objeto não te-
I
t~
nham qualquer papel na patogênese da doença. 2.1. A stniomatotoçia
~

Os sintomas mais freqüentemente encontrados, a


I
~
A partir deste questionamento pioneiro, muitos pes- partir de STROEBE & STROEBE (1987) foram compilados
quisadores (BOWLBY,1978a, 1978b, 1981; PARKES,1964a.
como mostra o seguinte quadro. Considero importante enfa-
1965, 1969, 1970; PARKES e BROWN, 1972; PARKES e
tízar que nem todos eles são encontrados em todas as pes-
WEISS, 1983; YORRSTONE,1981; CLAYTON,1975; STROE-
soas enlutadas e nem durante todo o tempo de duração do
BE & STROEBE. 1987) ampliaram ou aprofundaram seu
luto. ~j
35
34 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto

~i.
Continuação
SINTOMA DESCRIÇÃO
B- MANIFESTACÕES COMPORI'AMENTAIS
A-AFETNO DESCRI CÃO
SINTOMA
Depressão Sentimento de tristeza, depressão, disforia, acorn- Tensão, inquietação atípíca, hiperatividade, fre-
Agitação
panhado por intenso sofrimento subjetivo, dor qüentemente sem completar as tarefas (fazer
mental. Episódios (ondas) de depressão podem coisas apenas para se manter ativo), comporta-
ser intensos e algumas vezes (mas não sempre) mento de procura do cônjuge, mesmo reconhe-
precipitados por eventos externos (receber carí- cendo que é inútil.
nho, ir a certos locais, lembranças de atividades Redução do nível de atividade geral (às vezes
feitas em conjunto, aniversários etc.). Sentimen- Fadiga
interrompida pelas crises de agitação meneio-
tos de desespero, lamentação, pena são os predo- nadas anteriormente); lentificação da fala e do
minantes. pensamento; Iasstdão geral, olhar triste.

Ansiedade Medos, ameaças, sensação de impotência, de per- Lágrimas ou olhos marejados , expressão geral
Choro
der a cabeça, de morrer, medo de ser incapaz de de tristeza, com os cantos da boca caídos, olhar
sobreviver sem o cônjuge, ansiedade de separa- triste.
ção, medo de viver sozinho, preocupaçôes fínan-
C _ ATITUDES EM RELACÃO A SI AO FALECIDO E AO AMBIENTE
ceiras e preocupações sobre outros assuntos que
antes eram resolvidos com o cônjuge. Auto- reprovação Ver: A- Culpa

auto-esti- Sentimentos de inadequação, fracasso e mcorn-


Culpa Auto-acusações sobre eventos do passado, nota- Baixa possibilidades, sem o
petêncía nas próprias
damente sobre aqueles que levaram à morte (sen- ma
cônjuge; sentimento de que nada vale a pena.
tir que mais poderia ter sido feito para evitar a
morte). Sentimentos de culpa sobre seu com- Pessimismo sobre as circunstâncias atuais e
portamento em relação ao parceiro (deveria ter Desamparo
futuras, desesperança, perda de propósito na
tratado diferente, tomado decisões diferentes). vida, pensamentos sobre suicídio (desejo de
não continuar vivendo sem o cônjuge).
Raiva e hostílí- Irritabilidade em relação à família, no cuidado dos fi-
dade lhos, com os amigos (por sentir que não entendiam Dúvidas quanto aos motivos daqueles que ofe-
Suspeita
ou não gostavam tanto do morto ou não entenderam recem ajuda.
o luto). Raiva do destino, que a morte tenha ocor-
Dificuldade em manter relacionamentos tnter-
rido, raiva do cônjuge falecido (porque o deixou so- Problemas afastamento
pessoais, rejeição de amizades,
zinho, porque não precisa mais de cuidados), dos
médicos e enfermeiros. das funções sociais.
Anseio pelo falecido, ondas de saudade, de pro-
Atitudes em re-
Falta de prazer Perda do prazer obtido com comida, hobbies, cura por ele/ela, dor intensa. Imitação do com-
lação ao falecido
eventos sociais ou familiares, e outras atividades portamento do falecido (por exemplo, na ma-
que tenham sido anteriormente prazerosas, mes- neira de falar, de andar), engajar-se nos mes-
mo que o cônjuge não tenha estado presente. mos interesses e objetivos. Idealízação do fale-
Sensação de que nada mais será prazeroso sem o cído: tendência a ignorar qualquer defeito e a
cônjuge. exagerar as características positivas. Ambíva-
lêncía: alternância de sentimentos sobre o fale-
Solidão Sentir-se só, mesmo na presença de outras pes- cido. Imagens do falecido, com freqüência muí-
soas; crises periódicas de intensa solidão, príncí- to vivas e quase aIucinatórias; afírma ter visto
palmente nos momentos em que o cônjuge esta- ou ouvido o falecido. Preocupação com as lern-
( ria presente [á noite, nos fins de semana) e du- branças do falecido, tanto com as boas quanto
rante eventos especiais que seriam compartilha- com as más, e necessidade de falar incessante-
dos. mente sobre isso, com exclusão de interesse
sobre qualquer outro tópico.
Continua
Continua
37
36 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situ.ações de perdas e luto

Continuação
não fazer afirmações definitivas e classificalórias a este res-
peito, devido às muitas diferenças individuais. Com o pro-
SINTOMA DESCRIÇÃO pósito de diagnosticar o luto patológico. é de grande ajuda
D- DETERIORAÇÃO COGNITNA considerar o luto por meio de uma visão fásíca, para então
Lentidão do pen- Pensamento lento e memória inibida: também B avaliar a presença de patologias como auséncia ou retarda-
samento e da - Fadiga. mento. Para o psicólogo que busca avaliar a condição de
concentração
luto na família, o conhecimento das fases fornece bases
E MUDANÇAS FISíOLÓGICAS E QUEIXAS SOMÂTICAS para lidar produtivamente com os recursos disponíveis, res-
Perda de apetí- I (Ãs vezes come em excesso.) Acompanhada por peitando as defesas necessárias a cada uma. Principalmen-
te mudanças no peso: às vezes considerável perda te se levarmos em conta que as fases têm sua sucessão na-
de peso.
tural e situam-se dentro de parãmetros temporais. elas se
Distúrbio de so- Frecüerrtemente insônia, às vezes dorme em ex- tornam um elemento a mais na avaliação da condição do
no cesso. distúrbios no ritmo à noite.
enlutado.
Perda de ener- Ver B - Fadiga. A partir destes cuidados, as fases consideradas re-
gia gulares parecem refletir o curso geralmente tomado pelo
Queixas somá- Incluem dores de cabeça, na nuca, nas costas, luto sem complicações:
ticas eãimbras, náuseas, vômitos, nó na garganta, bo-
ca seca ou com gosto amargo, prisão de ventre, 1)Entorpecimento: a primeira reação encontrada em
azia, indigestão, flatulêncía, visão embaçada, dor sobreviventes de catástrofes ê também a reação inicial à
ao urinar, respiração curta, necessidade de sus-
perda por morte; ocorre choque. entorpecimento, descrença;
pirar, sensação de estômago vazio, falta de força
muscular, palpitações, tremores, queda de cabelos. a duração pode ser de poucas horas ou de muitos dias;
pode ser interrompida por crises de raiva ou de profundo
Queixas somá- Aparecimento de sintomas similares aos do fale-
desespero. A pessoa recentemente enlutada se sente aturdi-
tícas do faleci- cido, particularmente aqueles da doença termi-
do nal; a pessoa pode estar convencida de ter a da, atordoada. desamparada. imobilizada, perdida. Há tam-
mesma doença. bém possíveis evidências de sintomas somátícos. como res-
piração suspirante. rigidez no pescoço e sensação de vazio
Mudanças na in- Aumento no uso de psicotrópicos (de tranqütlí- .
gestão zantes, de medicação etc.), de bebidas alcoólicas I no estômago. A negação inicial da perda pode ser uma for-
e de fumo. ma de defesa contra um evento de tão difícil aceitação.
Também presente nesta fase está a tentativa de automati-
Suscetibilidade Particularmente infecções (por queda da imuni-
a doenças dade), também as relacionadas à falta de cuida- camente continuar a viver como antes. como se nada tives-
dos com a saúde (tuberculose) e as relacionadas se mudado na vida.
ao estresse (por exemplo, problemas cardíacos).
2) Anseio e protesto: a seguir. vem uma fase de emo-
ções fortes, com muito sofrimento psicológico e agitação físí-
ca. À medida que se desenvolve a consciência da perda, há
2.2. Fases do enluiamento muito anseio por reencontrar a pessoa morta, com crises de
profunda dor e espasmos incontrolãveis de choro. Apesar
No processo de luto, a variação é de três a cinco fa- da consciência da perda irreversível, o desejo de recuperar a
ses, embora a avaliação de duração e seqüência seja vista pessoa às vezes é insuperável. Há momentos em que a pes-
como consistente por alguns autores (BOWLBY,1981;GO- soa tem a viva sensação da presença do morto; aquilo que
RER, 1965; PARKES, 1986). Resta, porém, o cuidado de não tiver relação com o morto tem pouco significado ou ím-

~-~-- -~'7'" -~;-.--.---.",--- ..-_.,""-.~--",-,,-.,,,,-,--,~ •...•~-.----' .-_.


00
Maria Helena P.F'.Bromberq , A psicoterapia em situações de perdas e luto 39

portância; a pessoa se mostra afastada e introvertida. Tam- ços, o que só será possível quando se afastar cada vez mais
bém é comum que o enlutado sinta muita raiva, às vezes di- das lembranças da pessoa morta. Mesmo com o processo de
rígida contra si mesmo, na forma de acusações com senti- recuperação ainda em andamento, é comum a recorrêncía
mentos de culpa por pequenas omissões de cutdado que de sintomas que haviam cedido, particularmente em datas
possam ter acontecido com o morto; às vezes é dirígida con- que ativam lembranças. como aniversário de nascimento,
tra outras pessoas, principalmente aquelas que oferecem de morte, de casamento. Por esse motivo, o fenômeno é co-
consolo e ajuda; a raiva também pode ser dingida contra o nhecido como "reação de aniversário".
morto, pelo abandono que provocou. A pessoa enlutada mo-
vimenta-se sem descanso, como em busca do morto (princi- Ainda dentro do que é considerado normal (LINDE-
pal caractenstica desta fase) e mostra-se obsessivamente MANN, 1944), há um aspecto do funcionamento psíquico
preocupada com lembranças, pensalnentos e objetos do em particular que chama a atenção pela possibilidade de
morto. Convém ressaltar que a raiva, mesmo sendo intensa e se desdobrar de forma patológica em pessoas com reações
freqüente, nesta fase não é indicativa de luto patológico. Ocor- fronteiriças, vindo a ser um fator complicador no processo.
rem também sentimentos incompatíveis ou contrários, por Refiro-me ao aparecimento de características do morto no
exemplo: esperança e desapontaInento, simultaneamente. comportamento do enlutado, especialmente os sintomas
exibidos na doença final ou comportamentos presentes
3) Desespero: com a passagem do primeiro ano de próximos da morte (se não tiver sido por doença). A inter-
luto, o enlutado deixa de procurar pela pessoa perdida e re- pretação dada a esse fenômeno é que a preocupação dolo-
conhece a imutabilidade da perda. Esta é uma fase muito rosa com a imagem do morto é transformada em preocu-
mais dificil que as anteriores. O enlutado duvida que qual- pação com sintomas ou traços de personalidade da pes-
quer coisa que vale a pena na vida possa ser preservada, soa perdida, agora deslocada para seu próprio corpo e ati-
assim, instalando-se apatia e depressão. O processo de su- vidades por meio da identificação. KRUPP (1965) aprofun-
peração dessas reações é lento e doloroso. É muito comum da essa interpretação, vendo o fenômeno como uma cone-
que ocorra afastamento das pessoas e das atividades, falta xão importante entre o processo de luto e transformações
de interesse em envolvimentos de qualquer espécie, assim da personalidade. A identificação dá-se, então, com íntro-
como a inabilidade para se concentrar em tarefas rotineiras jeção (como mecanismo para reter experiências de prazer
e para iniciar atividades. Os sintomas somattcos persistem, que dependam de objetos externos para serem renovados)
incluindo falta de sono, perda de apetite e de peso, distúr- e alterações no 'self'.
bios gastrintestinais. Concluindo, esta descrição das fases pelas quais se
dá o luto, nos meses ou mesmo anos que se seguem à mor-
4) Recuperação e restituição: a depressão e a deses- te, é necessária para a compreensão teórica do processo pa-
perança começam a se entrelaçar, com freqüência cada vez tológico intrinsecamente presente. É útil também para fina-
maior, a sentimentos mais positivos e menos devastadores. lidades práticas, assim permitindo o delineamento de um
A pessoa enlutada pode aceitar as mudanças em si e na si- quadro de referência para uma intervenção preventiva espe-
tuação, lidando com elas e obtendo maior eficácia. Vem dai cífica com os enlutados que apresentam alto risco de má
uma nova identidade, que lhe permite desIstir da idéia de re- elaboração do luto e aqueles que, na experiência de luto pa-
cuperar a pessoa morta. Dá-se o retorno da independência e tológico, por meio de uma intervenção específica, possam
da iniciativa, podendo mesmo rejeitar algum relacionamento ser redírecíonados a um caminho mais adaptativo.
que tivesse mero significado de suporte. Apesar da instabili- Essa descrição está na base do trabalho desenvolvi-
dade ainda presente nos relacionamentos sociais, nessa fase do com enlutados, quer como prevenção ou como interven-
o enlutado busca fazer novas amizades e reatar antigos la- ção terapêutica, principalmente na Inglaterra e nos Estados

,...."v·····~---..,.•• ---~~'<"'.....,.~_~
.....
">l:~----,-__ ·:-_···
__c_.,,·_. -:--::_"."
'.--..:."'!i' '';~'1~:Vi~,:;~'i:t~-~~'~~i!ii''''')!';''-J''''''';;'';i~_~,... ~.
\~1
}4
40
Maria. Helena P.F'. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 41 I
I
j~

Umdos (RAPHAEL, 1983; GlLBERT, 1988; TATELBAUM,


1989; LUGTON, 1989).
LINDEMANN (1944] categorizou °
que chamou de I
reações mórbidas do luto, como dístorções do luto normal.
São elas:
2.3. Luto normal e luto patológico reação adiada: quando o enlutado tem que en-
frentar situações concomitantes ao luto que não permitem a
A dificuldade em estabelecer essa classificação ba- entrada no trabalho de elaboração. Podem não ser apresen-
seia-se nas muitas variáveis que compõem o luto além de tadas reações imediatas à morte que, no entanto, poderão
pontos de semelhança com outros quadros, sendo a depres- vir a ser provocadas mais tarde por eventos que, aparente
são o exemplo mais tangível. ou superficialmente, não teriam força para tanto;
Em linhas gerais, o luto patológico está sendo defi- - reação dístorcída: a alteração se dá no comporta-
nido como reação que fugiu do já descrito no que se refere à mento do enlutado, podendo até dar a falsa impressão de que
sintomatologia e ao processo. A depressão clínica pode ser está passando por uma elaboração adequada. São exemplos:
considerada um tipo de reação patológica, quando um epi-
sódio depressivo surge corno reação ao luto. Há, no entanto, a) superatividade sem sentir a perda;
casos de depressão clínica não provocados pelo luto. b) desenvolvimento de sintomas da doença do morto;
FREUD (1984), ao desenvolver entre 1914 e 1917 c) doença psícossornátíca, particularmente colíte ul-
suas idéias sobre luto e melancolia, aborda o funcionamen- cerativa, artrite reumatóide e asma;
to mental encontrado em cada uma dessas situações. Ele d) alteração no relacionamento com amigos e paren-
descreve o que é próprio do luto como uma reação adequa- tes, principalmente na direção do isolamento social;
da e necessária para o estabelecimento do funcionamento
e) hostilidade contra pessoas específicas, em geral pes-
egóíco no padrão anterior à perda. Aponta, porém, pontos
soas que cuidaram do morto, como médicos, por exemplo;
de semelhança entre as duas situações: falta de interesse
no mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição f) perda duradoura dos padrões de interação social,
da atividade. Na melancolia, ao contrário do luto, encontra- com falta de iniciativa e decisão;
se o rebaixamento da auto-estima, O trabalho do ego no en- gl atividade em detrimento de sua existência social e
lutamento está em retirar a libido do objeto que não existe econõmica;
mais, para que ela possa ser direcionada a outro objeto. h) depressão agitada, com tensão, insônia, senti-
Para isso, é necessário o teste de realidade mostrando que a mentos de desvalia, necessidade de autopunição. Em casos
morte se deu. O mesmo teste é experimentado pelo melan- extremos, há risco de suicídio.
cólico que, no entanto, não consegue ver claramente o que
foi perdido, apenas quem foi perdido. Assim sendo, o traba- PARKES 0965) criticou essa classificação de Línde-
lho de ego torna-se complicado por fatores como identifica-
mann, por considerar que não dava definições claras sobre
ção e ambivalência.
seus critérios de normalidade. Refez, então, a classificação,
Na experiência de outros autores (PARKES, 1970, por meio de um estudo sistemático em que comparou a sín-
1982 e 1990; CLAYrON et al., 1968), os mesmos fatores tomatología de pacientes psiquiátricos (cujo problema psi-
aparecem como complicadores no processo de elaboração quiátrico tinha se iniciado durante a doença terminal ou
do luto, particularmente do luto conjugal, pois na escolha nos seis meses seguintes morte de um dos pais, cônjuge,
à

do cônjuge, o determínante da reação objetal esteve presen- irmão ou irmã, filhos) com a de uma amostra randómica de
te, com as distorções já existentes.
viúvas, que já havia sido estudada por MARRlS (1958). Com
A psicoterapia em situações de perdas e luto 43
42 Mar.n Helena P.F. Bromberg

os resultados dados por Marrís para a freqüência de sinto- cação dos fatores predilivos de vulnerabilidade à patologia.
mas considerados típicos para reações normais de luto, Par- Fatores de risco são os preditores que podem ser ídenuííca-
kcs concluiu que apenas um de seus vinte e um pacientes dos na época do enlutamento e que são associados a uma
teve reações dentro da normalidade. A partir daí, concei- resolução favorável ou não do luto.
tuou, ampliando as reações anormais de luto para: Um estudo sistemático de PARKES c WEISS (1983)
identificou três grandes causas para luto patológico, descre-
- luto crônico: prolongamento indefinido do luto,
vendo os diferentes padrões de reação a elas relacionados.
com predomínio de ansiedade, tensão, inquietação e insô-
de forma a campo!' síndromes específicas:
nia; também podem ocorrer sintomas de identificação;
- luto adiado: semelhante ao descrito por LINDER- - Síndrorne da perda inesperada: envolve morte re-
MANN(1944). No processo do adiamento. a pessoa enlutada pentina ou prematura, apresentando reações defensivas de
pode apresentar comportamento normal ou alguns sinto- choque ou descrença. embora também com a presença de
mas de luto distorcido, como superatividade, sintomas da alto nível de ansiedade. As complicaçóes nessa sindrorne
doença do morto, isolamento; assumem a forma de sensação persistente da presença do
- luto inibido: os sintomas do luto normal estão au- morto. auto-recriminação e sensação de contínuas obriga-
sentes. Para PARKES (1965), não há exatamente diferença ções para com o morto.
entre luto inibido e luto adiado, tratando-se apenas de - Síndrome do luto ambívalente: ocorre subseqüen-
graus diferentes de sucesso na defesa psíquica. temente a uma relação que tenha sido ambivalente ou mar-
cada por discórdia ou discussões. A reação inicial à perda é
No presente trabalho, a classificação tem relevância de alívio e pouca ansiedade. Mais tarde. é sucedida por de-
para permitir a descrição e compreensão da experiência da sespero. indo até a desesperança quanto a qualquer outro
perda. quanto ao funcionamento psíquico e relacional do vinculo. Persistem sentimentos punitivos e o desejo de corri-
enlutado, para permitir o delineamento da intervenção mais gir o passado.
adequada. Não objetiva sua categorização estanque. É. en- - Síndrome do luto crônico: os comportamentos do
tão, importante ficar claro que essas três categorias de luto
luto são imediatamente expressos após a morte e continuam
patológico estão sendo utilizadas aqui como parãmetros por tempo excessivo. É encontrada após o térmíno de rela-
para diagnóstico. Os demais indicadores, como a síntomato-
ções que se caracterizam por alta dependência. Desesperan-
logía, as síndromes descritas por PARKES e WEISS (1983) e
ça é o traço característico dessa síndrome: não é necessário
apresentadas a seguir. e os fatores de risco (também na se- que o dependente seja o sobrevivente, trata-se de uma rela-
ção seguinte) são úteis para uma avaliação mais detalhada
ção de dependéncia.
das três categorias.
A partir desta colocação, o fator tempo para a elabora- PARKES e WEISS (1983) consideram as duas pri-
ção do luto tem relevância quanto a estabelecer delimitadores meiras como síndromes que justificam a necessidade de
para as categorias. mas é considerado a par com outros fato- atendimento psicológico aos seus portadores.
res. principalmente aqueles referentes ao processo psíquico Os fatores de risco podem ser divididos em quatro
envolvido. áreas, como as pesquisas (MADDISON e WALKER, 1967;
STROEBE e STROEBE, 1987; PARKES e WEISS, 1983;
2.4. Fatores de risco BLACK, 1978; RAPHAEL, 1984; LUNDIN. 1984) apontam:

1) Fatores predisponentes no enlutado: ser jovem


A descrição do luto patológico, isoladamente nas di-
(mais espeCificamente, ser criança); baixa auto-estima. dtfl-
ferentes formas que pode assumir, não aprofunda a ídentífí-
44 MW'[a Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 45

culdade no relacionamento com os pais; muitas perdas an-: morte de um filho e perdas decorrentes do processo de en-
teriores.
velhecimento. O ponto de convergência está em que, nos
2) Fatores da relação com o morto: cônjuge (particu- dois tipos de perda, vai-se o "produto" de uma vida, vai-se o
larmente para viúvas); um dos pais (especialmente para fi- assentamento da própria identidade, aproxima-se ainda
lha pequena); adolescente enlutado que perde um dos pais; mais o confronto com a própria morte. Aqui também pesam
enlutado ambívalente ou dependente em relação ao morto; os fatores mencionados a respeito das experiências vividas
filhos, especialmente com idade até cinco anos. de luto e a forma como ocorreram. Há, porém, específícída-
3) Tipo de morte: inesperada e prematura; após des que serão tratadas a seguir. A morte do cônjuge é extre-
doença muito longa; enlutado ignorante acerca do diagnós- mamente estressante, pois implica a necessidade de avalia-
tico e do prognóstico; enlutado fisicamente distante por oca- ção e posicionamento diante da nova realidade de forma
sião da morte; suicídio; assassinato. muitas vezes radical. envolvendo os diversos papéis que
4) Suportes sociais: sem filhos ou familiares próxi- compõem a identidade do enlutado. Em minha experiência
mos; família considerada inútil corno suporte. e também concordando com a literatura, um deterrninante
de peso é a qualidade da relação anterior ã perda.
A partir da apresentação desses fatores de risco, fica Aqui, porém, estão sendo abordadas descrições ge-
evidente que a experiência do luto não pode ser analisada e néricas acerca das perdas para o adulto, sem considerações
avaliada como pertinente a um indivíduo somente. A unida- sobre a qualidade da relação precedente à morte. Estas já
de gregáría humana basicamente a família e é em seu
é
foram aprofundadas a partir das condições que tendem a
contexto que morte e vida podem adquirir significado hu- causar o luto patológico.
mano. Por esse motivo, abordarei a seguir a questão do luto
na família.
Embora a pesquisa teórica utilizada como base te- 3.1. A morte de umfilho
nha percorrido diferentes abordagens, minha escolha foi
por um sistema observante, no qual fiz uso de uma com- No mundo ocidental. a morte na infância é agora
preensão psicodinãmica do fenômeno, com intervenção sís- menos comum do que em qualquer outro momento da His-
têrníca. Esta foi a forma que considerei mais coerente para tória. Como conseqüência, a morte de urna criança tem efei-
trabalhar com meu pressuposto de considerar o luto corno tos mais devastadores sobre a família do que antes. O luto
um evento pertinente ao sistema familiar. Mesmo assim, dos pais é freqüentemente misturado com raiva e culpa,
não desconsídereí o impacto individual, no sentido de iden- bem corno com a sensação de terem sido injustiçados ou de
tificar esses fatores intervenientes no funcionamento fami- auto-reprovação por sua inabilidade em impedir a morte.
liar, pela própria definição de família como sistema. Podem ocorrer sérias conseqüências para a saúde emocio-
nal do casamento (BLACK, 1986). Nos casos de famílias
atendidas por mim após a morte do filho por doença crôni-
ca, particularmente leucernía e doenças renais, verifiquei
que os sentimentos presentes, principalmente entre os pais,
3. PERDAS NA VIDA ADULTA
no momento inicial da morte eram os já referidos na fase do
entorpecimento, dando lugar, aproximadamente no fim do
primeiro mês, a muita hostilidade entre o casal. com acusa-
Ao levar em consideração o impacto de urna perda ções mútuas de omissão nos cuidados com a criança. Nos
sobre a pessoa adulta que já tenha passado pelas fases de casos de morte repentina, identifico que os adultos envolvi-
seu desenvolvimento psíquico, identifico uma convergência: dos (e aqui estão incluídas figuras da família estendida -

- "";-·""0-"'''-t~·''':~''_'''''·=--''''''''1>,~''''- '' _
Maria HeLena P.F. Bromberg A psicoterapia em s[tu.ações de perda.<; e luto
47
46

avós e tios - como é próprio da cultura brasileira) apresen- ao jovem. em seu processo de crescimento. No caso do ado-
tam vasta gama de sentimentos mistos, evidenciando que a lescente, cuja morte mais freqüentemente se dá por aciden-
morte de um filho quebra um padrão estabelecido, pondo tes (comportaITIento de risco. como abusar de drogas ou ál-
em risco a estabilidade possível e necessária. cool, dirigir descuidadamente). suicídio. homicídio ou cãn-
cer, há o agravante de provocar sentimentos conflitantcs em
No caso de pais com filhos que tenham diagnóstico
pais e irmãos. na tentativa de identificação de um sentido
de doença fatal. o enlutamento pode ter início a partir da
para essa perda precoce, porém de alguém já vinculado.
informação do diagnóstico. Também nesse caso, a primeira
fase de luto encontrada é igual de outras situações: entor-
à
Algumas situações ainda trazem respostas e envol-
pecimento. frequentemente marcado por crises de raiva. O . vimentos mais específicos. por esse motivo estão aqui sen-
fato de a criança estar viva traz uma diferença em relação à do tratadas em separado. Refiro-me aos abortos (naturais
fase de negação da morte; tem-se no caso a negação da acu- ou provocados), aos filhos natrmortos. à morte infantil re-
racidade do diagnóstico e. particularmente. do prognóstico. pentina, e à gravidez como impedimento para elaboração
Também a fase de busca de contato com o morto é substi- do luto.
tuída pela necessidade dos pais em manter viva a criança. _ Morte de filho com deficiência: a criança que cau-
provando que os médicos estão errados. As fases subse- sou dificuldades para crescer. envolvendo toda a família em
qüentes são muito semelhantes (BOWLBY,1981). sentimentos ambivalentes. ao morrer geralmente provoca
A partir do ponto de vista do ciclo vital da família. a profundas emoções de tristeza. Pelas necessidades que ti-
identificação do momento deste ciclo em que se dá a morte nha, provavelmente estabeleceu uma relação especialmente
tem um papel importante. tanto para diagnóstico, quanto dependente e próxima e é esse grau de dependência e proxi-
para prognóstico. Com isso. é possível ser avaliado o impac- midade que dará a medida do enlutamento. Mesmo com
to da perda. não apenas para os pais (os adultos), como apoio de parentes e amigos. para os pais causa muito sofri-
também para os irmãos (nos diferentes momentos de seu mento a idéia de que seu filho está melhor depois de morto
desenvolvimento psíquico). Para WALSH e McGOLDRICK pois os faz sentir-se incapazes e fracassados (BLACK.
(1988). a morte é "o processo transacíonal que envolve o fa- 1986).
lecido e os sobreviventes em um ciclo de vida compartilhado
que reconhece tanto a finalidade da morte quanto a conti- _ Abortos naturais e provocados: freqüentemente os
nuidade da vida". A partir dessas considerações, colocam-se abortos acontecem nas semanas iniciais da gravidez. roas,
algumas especificações quanto ao momento em que se deu mesmo nessa fase, para os pais fica um profundo sentimento
a morte. a idade do filho morto. o tipo de morte. Assim sen- de perda. part.icularmente para a mãe que já tinha a experiên-
do. temos: cia da existência do feto, que pode ser intensificada por expe-
riências anteriores. como muitos abortos na família. No caso
- a morte dota) filho(a}jovem, no início de sua inde- do aborto provocado devido à evidência de um feto com pro-
pendência: sendo este seu momento de vida de construção. blemas. também é uma perda a ser reconhecida e trabalhada.
de inícios, provoca forte dificuldade nos sobreviventes em se é a perda do sonho. o corte nas expectativas. acrescido de fan-
adaptar às mudanças de uma experiência oposta. Essa morte tasias de haver gerado um bebê "com defeito" (BLACK.1986).
é considerada a situação mais dífícíl para a elaboração do luto Tenho identificado um sério desequilíbrio entre a experiência
pelos familiares. de acordo com GORER (l965l, e WALSH e vivida pela mãe e aquela vivida pelo pai. A maior intensidade
McGOLDRICK(1991). dentro da visão de mortes prematuras. sentida pela mãe faz com que ela espere do pai uma resposta
suportíva que ele não pode dar. Embora o filho seja de ambos,

I
que quebram o ciclo vital. Para a família. essa experiência é
vivida como uma injustiça. com grande peso nos conflitos subjetivamente a mãe perde mais porque ela já tinha mais.
preexistentes. como por exemplo. apoio insuficiente dos pais com a gravidez.
- .,
I

48 Maria HeLena P.F. Brombero A psicoterapia em situações de perdas e luto 49

- Filho natimorto: pouca atenção tem sido dada a com a morte e a vida, comprometendo as experiências de
problemas advindos da experiência com um natimorto, em- teste da realidade e o próprio processo psicológico do luto.
bora ocorra um a cada cem nascimentos. BOURNE (1968) Trata-se de viver a experiência de "vazio/pleno", ao mesmo
interpreta essa constatação a partir da relutância em lidar tempo, que pode trazer à tona os sentimentos ambívalerrtcs
com o assunto da morte em uma situação em que a preocu- que já existiam por ocasião da gravidez (LEWIS c BRYAN,
pação é com a nova vida. Lida-se com o natimorto como se 1988; BOWLBY,1981).
ele fosse um não-evento e o fracasso na elaboração do pro-
cesso de luto leva a severas dificuldades para pais enluta- _ Morte infantil inesperada e repentina: foi descrita
dos e seus filhos (LEWISe PAGE, 1978). pela primeira vez em 1950 e, embora não seja um problema
O vazio deixado pelo natírnorto parece ser mesmo ig- novo, ganhou destaque como causa de mortalidade infantil,
norado. A mãe, que passou os meses de gravidez esperando porque outras causas têm se tomado cada vez mais raras e
o nascimento de seu filho, de repente percebe que não há fi- por ser, nos países desenvolvidos, o tipo mais comum de
lho. Esse vazio será agravado se o bebê for logo retirado do morte entre bebês após uma semana de vida. Na situação
contato com a mãe, ou se ela não tiver qualquer contato brasileira. quando as crianças morrem antes de completar
com ele, deiXando-a sem lembranças para poder esquecer um ano por causas como desnutrição, esse tipo de morte
(elaborar o luto). É, portanto, necessário que o natimorto não tem sido pesquísado. Exames post-mortem desses bebês
seja percebido como um evento real, tangível. que pode ser às vezes revelam razões médicas para a morte. Freqüente-
absorvido, elaborado e deixado pelo casal (principalmente) e mente, no entanto, não é encontrada qualquer explicação
também pelos irmãos, para que não seja uma memória fan- adequada. Assim sendo, a morte de um bebê, inesperada-
tasmagórtca assombrando-os e paralisando seus relaciona- mente, em casa, quando não haviam sido detectados moti-
mentos, como freqüentemente ocorre (MEYER e LEWIS, vos para preocupação, é freqüentemente uma tragédia, pro-
1979). vocando muito sentimento de culpa e de fracasso nos pais,
Há uma tendência para que continuem existindo a apesar das evidências da realidade de que não há culpados
perplexidade e o sofrimento, após a morte de um filho re- (BLACK,1986).
cém-nascido, em lugar de diminuir gradualmente, de ma-
neira que o luto acabe por se transformar em uma de- - No caso particular de natimortos ou, em menor
pressão persistente ou em uma variedade de síndromes grau, de mortes neonataís, o luto torna-se ainda mais difícil
psíquicas, como hipocondria ou estados fóbicos (LEWIS e se a morte for seguida de perto por uma outra gravidez. No
BOURNE, 1989). O trauma pode ser reatívado após um
entanto, esta parece ser a pressão que as famílias e a socie-
período de latência, por aniversários (de nascimento ou
dade fazem sobre o casal que perdeu um filho: procurar fa-
de morte) ou por qualquer crise de perda como divórcio,
zer a reposição o mais rapidamente possível, exacerbando a
menopausa ou aposentadoria. O casamento é freqüente-
defesa da negação. como se não tivesse ocorrido morte. uma
mente afetado por esta experiência e os mais frágeis po-
dem mesmo não resistir, O motivo principal é que a morte vez que logo haverá uma nova vida.
do bebê está muito associada a acusações recíprocas en- Mulheres grávidas têm sentimentos ambívalentes in-
tre os pais. conscientes e conscientes sobre o feto. Os desconfortos da
No caso de morte de um dos bebês gêmeos, durante gravidez, o impacto do bebê sobre o trabalho da mãe e os
a gravidez ou logo ao nascimento, há, para a mãe, princi- outros membros da família, a ansiedade sobre o bem-estar
palmente, muita confusão de sentimentos, podendo mesmo do bebê e as responsabilidades da maternidade, tudo isto
impedi-la de cuidar adequadamente do bebê sobrevivente. A leva à apreensão e a sentimentos confusos sobre a expe-
confusão advém da dificuldade em lidar simultaneamente riência. Essas preocupações dão razão à grávida para ter al-

,~__ .~-~.;-':">-_-_::::ti!i';~l~~7?U'VJFiiio/WTW~"
50 Maria Helena P.F. Brombera Apsicoterapia em situações de perdas e luto 51

gum ódio inconsciente, mesmo que seja pelo bebê mais de- ABERASTURY(1978) relatou o caso de uma menina
sejado (LEWISe CASEMENT,1986). de dezesseis meses que, durante o trabalho analítico, mos-
O luto por uma pessoa excessivamente trou ter conhecimento de dois segredos familiares - a mor-
te de uma tia, pelo lado materno, quando a tia tinha dois
tende, geralmente, a ser muito dífícíl, mas na gravidez rep-
anos de idade e também um aborto provocado dois anos an-
resenta um perigo adicional. Ou seja: a mulher
tes de seu nascimento - que, elucídados. trouxeram à
pode identificar seu feto, ainda com identidade muito
consciência que a menina e sua mãe eram unidas por
com a pessoa morta idealizada e incorporada. Com isso, esse ponto: arribas eram filhas substitutas. O meio farní-
nega a perda e pode manter essa idealização pelo resto .líar. ao Ihes negar esta verdade, estava negando o luto e
vida, comprometendo gravemente o processo de aquisição as possibilidades de elaborá-lo, para fornecer a ambas a
de identidade do filho. possibilidade de uma identidade própria.
KLEIN (1940) apontou para a questão de quanto o Nos seminários dos quais participei, liderados por
luto reativa ansiedades infantis acerca da perda de objeto; a BOURNE e LEWIS (1991) na Tavistock Clinie de Londres,
negação da culpa, associada à sensação de responsabilida- sobre o tema "Enlutamento perínatal", acompanhei muitos
de por essa perda prematura, pode levar a uma negação da casos onde havia um padrão de repetição nas perdas perí-
necessidade de reparação, portanto, interferindo na elabo- nataís ou durante a gravidez. Ou seja: em pesquisa de pro-
ração dessas ansiedades. Para ela, é esse o mecanismo sub- fundidade. os casais pacientes relatavam esse tipo de perda
jacente à gravidez, como recurso inibitório do luto. em suas famílias de origem. com impacto trigeracional. Em
As seqüelas dessa não-elaboração podem ser leva- muitos casos, a tomada de consciência desse padrão de re-
das até as gerações seguintes, ou ativadas décadas depois petição não era suficiente para evitá-Ia, sendo necessária
uma intervenção de caráter mais díretívo, principalmente
por outros eventos da vida. Em pessoas que apenas aparen-
em situações de gravidez para inibir o luto.
temente se recuperam, há uma vulnerabilidade latente. a
traumas posteriores (BOURNE e LEWIS, 1984). O filho
substituto é aquele nascido após uma morte e que tem seu
3.2. Viuvez
desenvolvimento afetado tanto pela ansiedade, quanto pela
depressão dos pais, com a agravante das expectativas e de-
MARRIS (1958) observou, ao descrever os efeitos da
sejos confusos a partir do luto não resolvido. Os problemas
perda e das reações emocionais características do luto na
que vier a enfrentar envolverão identidade confusa em ter- viuvez. que esses aspectos podem prejudicar o ajustamento
mos gerais, dificuldades de identidade sexual no âmbito da social. Nesses efeitos estão presentes apatia, afastamento.
sexualidade propriamente dita, distúrbios entre ambição e indiferença e depressão, que são complicadores no processo
realização, algumas vezes um duradouro sentimento de cul- de recuperação. Pesquisou apenas viúvas e concluiu que o
pa não identificado, como se tivesse tomado o lugar de um ajustamento à viuvez está em estabelecer uma condição de
morto. independência. sem o conflito entre o desejo de voltar ao
Outra situação grave que o filho substituto enfrenta tempo anterior à morte e de chegar a um estado mental
é vista quando recebe o nome do filho que morreu, assim onde o passado tenha sido esquecido.
se definindo a extrema dificuldade dos pais, que apenas 1\1ADDISON e WALKER(1976) objetivaram examinar
precariamente diferenciam o filho morto do vivo. Isso pode retrospectivamente a interação da viúva com o meio. corno
estar assentado em idéias de reencarnação, pelas quaís o visto por ela, durante a crise do luto, operacionalmente defi-
filho vivo fica encarregado de uma missão, no lugar de seu nida como os três meses seguintes ã morte do marido. Sua
irmão morto. hipótese era de que a percepção pela viúva acerca do apoio

':....
'~""':""'.t)~==
.••.........•••••.
__. ..
52
Maria Helena P.F. Bromberq A psicoterapia. em situações de perdas e luto 53

dado pelas relações interpessoais no período era deterrní- encontrados em pacientes psícótícos depressívos. Os enlu-
nante para uma resolução saudável ou não da crise do luto. tados com depressão reativa foram comparados aos que
Verificaram que os sujeitos com pior prognóstico eram apresentaram menor número de sintomas depressivos,
aqueles que percebiam o ambiente como falho em atender quanto a 53 variáveis dernográfícas, sociais e físícas, Pou-
suas necessidades na crise. Quanto saúde, observaram
à

cas diferenças foram encontradas, na maioria relacionadas


que 21 % das viúvas pesquisadas tiveram nítida deteriora- ao próprio diagnóstico de depressão. Uma variável social
ção de saúde no primeiro ano do luto, contra 7% no grupo que apresentou pequena diferença significativa era que um
de controle.
pequeno número daqueles com depressão reatíva não tinha
MADDISON e VIOLA (1968) compararam a existên- filhos na área fisíca por eles considerada como próxima. Ou
cia de sintomas e queixas somáticas em mulheres viúvas e seja: um tipo de suporte (dentre os emocionais, físicos ou fi-
não viúvas. Os resultados estatisticamente significativos nanceiros) não estava acessível para eles. o que pode ser
indicaram a presença de sintomas psicológicos, como: de- considerado como fator causal no desenvolvimento da de-
pressão (principalmente requerendo tratamento médico), pressão. Variáveis, como idade, sexo, tratamento anterior
medo de ter crise nervosa, sensação de pãníco e medo per- por depressão, história familiar de depressão ou alcoolismo,
sistentes, pesadelos, insônia; sintomas neurológicos, não apresentaram diferença entre os dois grupos, não po-
como: dor de cabeça, tonturas, desmaios; dermatológicos, dendo, portanto, ser prognosticadores.
como suor excessivo; gastrintestinais, como: indigestão,
Em um estudo posterior, CLAYfON (1975), objetí-
apetite excessivo ou anorexía, perda de peso; cardiovascu-
vando identificar o efeito do isolamento social sobre os sin-
lares e respiratórios, como palpitação, dor no peito e dís-
tomas do enlutamento, pesquisou viúvos e viúvas, durante
pnéia. Em geral a diferença esteve presente nos aspectos
um ano após a morte do cônjuge. Concluiu que os sintomas
de: infecções freqüentes, dores generalizadas, redução da
depressivos eram causados pelo luto e não pelo fato de mo-
capacidade de trabalho, fadiga. Este estudo concluiu di-
rarem sós. Os sintomas psicológicos e somátícos da depres-
zendo que ocorre um grande impacto somátíco após o luto
são foram assim distribuídos entre os sujeitos:
pela morte do cônjuge, com efeito dificultador no processo
de resolução da perda. Detectou 32% de viúvas com dete-
- 35% estavam deprimidos um mês após a morte;
rioração da saúde no primeiro ano, contra 2% do grupo de
controle, o que os levou a concluir que viuvez é ameaça à
- 17%, um ano após a morte;
saúde. - 46%, algumas vezes durante todo o prímetro ano;
CLAYTON,HAURAS e MAURICE (1971 e 1972) pes- - 13%, o primeiro ano todo.
quísaram 109 viúvos e Viúvas com sintomas depressivos,
um mês após a viuvez, comparando-os com pessoas enluta- Para diagnóstico de depressão, foram utilizados os
das sem esses sintomas e com pacientes deprimidos inter- mesmos critérios do estudo anterior.
nados. Para diagnóstico de depressão, os sujeitos deveriam BOWLING e CARTWRIGHT (1982) interessaram-se
ter mencionado sentir-se tristes, desencorajados, desanima- em pesquísar a taxa de mortalidade de viúvos e verificaram
dos, perdidos, entorpecidos e mais cinco dos oito sintomas que o primeiro ano é critico nesse aspecto: 2% de mortes
seguintes para depressão definitiva e quatro para depressão em sua amostra de 737 viúvos e viúvas.
provável: perda de apetite ou peso; dificuldade com sono, HY1\iJAI\J (1983) fez sua pesquisa sobre viuvez por um
incluindo dormir em excesso; fadiga; desassossego; perda método diferente: analisou resultados de nove pesquisas
de interesse; dificuldade de concentração; sentimentos de consideradas de qualidade, assim podendo traçar um ma-
culpa; desejo de estar morto ou de cometer suicídio. Um to- peamento mais abrangente, sob vários aspectos. Aqueles
tal de 35% apresentou sintomas depressivos similares aos avaliados como os mais importantes a serem levados em
55
A psicoterapia em situações de perdas e luto
54 Maria Helena P.F. Bromberg

gação por até 12 meses e crises de pânico. Na tentativa de


conta foram: perspectiva de vida. envolvimento social. situa- negação da perda. encontrou evitamento de lembranças.
ção financeira e saúde. As conclusões. comparadas aos dois idealízação do morto. raiva e culpa. fenômenos de identifi-
grupos de controle (mulheres casadas e mulheres separa- cação. PARKES e BROWN (1972). interessados em acom-
das ou divorciadas) apontam que: viúvos e divorciados eram panhar a saúde após o luto. realizaram entrevistas eatr u-
mais pobres que os casados e tendiam igualmente a viver tur adas com 49 viúvas e 19 vrúvos com menos de 45 anos.
sós. Viúvos tinham vida menos excitante que os casados, 14 meses após a viuvez. As conclusões estão nos seguintes
menos satisfação na vida familiar. mas não com o lugar em resultados: viúvos e viúvas passam mais dias doentes, de
que vivem e com os relacionamentos sociais. Os efeitos ne- cama. e vão mais ao hospital do que não-viúvos. Apresen-
gativos prevalecem mais para os viúvos e viúvas que para tam mais distúrbios de sono. apetite e peso. bem como
separados e divorciados. maior consumo de álcool, drogas e tranqüilizantes. Procu-
O grande pesquisador que sistematicamente vem se ram ajuda com mais freqüência devido a problemas emo-
ocupando da questão do luto e em particular da viuvez. Dr. cionais, como: depressão. inquietação. dificuldade em to-
C. Murray Parkes, apresenta resultados que ampliam ou mar decisões. tensão. Viúvos têm mais sintomas físicos
discutem os achados aqui apresentados. Acerca dos efeitos agudos que o grupo de controle e ambos os sexos têm
do luto na saúde. PARKES (1964) refere que a taxa de mor- mais distúrbios psicossomàticos. Acompanhados por dois
talidade. por causas diversas. é muito maior entre viúvos e a quatro anos depois. viúvos permaneceram significativa-
viúvas do que entre pessoas casadas da mesma idade. Cita mente mais deprimidos do que o grupo de controle, en-
estudo de KRAUSe LILIENFELD(1959) sobre os efeitos da quanto as viúvas não estavam deprimidas. Parece. então.
viuvez (sentimentos de luto e mudanças ambíentaís que a " que o primeiro ano é realmente o mais crítico quanto aos
acompanham) vistos como as mais prováveis causas no" efeitos do luto na saúde de viúvos e viúvas. Mesmo consi-
t.aumento da mortalidade entre viúvos e viúvas. Nos primei- derando difícil a distinção entre saúde física e mental, os
ros seis meses a taxa de consultas médicas para sintomas i', autores afirmam que o sistema nervoso autônomo provoca
psicológicos (ansiedade. depressão. insônia. cansaço) trtplí- manifestações físicas de estado mental. aumentando o ris-
cou para viúvas com menos de 65 anos; PARKES (1964) co de doença séria e morte.
explica esse fato como uma necessidade de cuidar de si. STROEBE e STROEBE (1987). interessados em pes-
após ter cuidado do marido e negligenciado suas próprias quisar o que chamaram de "coração partido" como causa de
necessidades. A quantidade. de calmantes prescritos a viú- morte na viuvez. ou seja. a não-sobrevivência à morte do
vas com menos de 65 anos foi sete vezes maior durante os cônjuge. especificamente por problemas cardíacos. chega-
18 meses após o luto do que durante o período de controle
ram a resultados de saúde em geral como segue:
de não-viúvas. Isso não foi verificado em maiores de 65
anos. Viúvas mais novas e mais velhas igualmente aumen- _ quer se considerem distúrbios psicossomáticos,
taram o número de consultas por queixas categorizadas doenças físicas ou mortalidade. comparaçóes entre pessoas
pelo autor como não psicológicas: osteoartrtte, hipertensão. casadas e viúvas encontram estas últimas em pior condi-
reumatismo. distúrbios gastrintestinais. Conclui dizendo
que o enlutamento com freqüência leva a viúva a procurar ção;
_ independentemente do método da pesquisa. a
ajuda médica. por decréscimo de sua condição de saúde e
conclusão unânime é que a experiência da perda do parcei-
pela necessidade de cuidar de si mesma.
ro é associada à deterioração da saúde.
PARKES (1970) também acompanhou em estudo
longitudinal. por 13 meses subseqüentes à perda, com 22 De todos esses estudos. é possível concluir que o
viúvas com idade inferior a 65 anos. Verificou. como rea- achado de pesquisa mais importante refere-se à deteriora-
ções imediatas à morte. entorpecimento às vezes com ne-
57
56 Maria Helena P.F. Bromben j;ftpsi.coterapia em situações de perdás e luto

ção da saúde após a viuvez. O primeiro ano representa perH~:::,'ITlUito acentuada, causando um efeito bola-de-ne:,e. Al~m
go maior. lrazendo até mesmo risco de morte. De acordo~~.>âessas restrições. tem grande peso no aspe~to tínancetro
com afirmação pessoal de PARKES (1991), após dois anos;;{f~?âqui1oque é despendido em cuidados, c?m saud.e. sob a for-
tanto viúvos como viúvas tendem a se manter em um platô,t;~"}lnade maior número de consultas medicas. maior consumo
na condição em que estiverem, com pouca possibilidade de{~WY';de remédios, necessidade de uma dieta especial.
alter~ção desse est~do~ Este é um .dado import~te, a ser:~_;.j. A aposentadoria surge corno a perda maior, cat~isa-
con~l.derado na avaliação de necessld~de de terapia p~a a ~~ikpora de todas as outras: perde-se o contato cOI~os a~lgos~
família enlutada, de forma a poder ajustar as expectativas ~)f'Ereduz-se a renda, a possibilidade de ser produtivo ~sta im
da família às suas reais possibilidades, em especial no quei!hSplicitamente cortada e, para a grande maioria, o pen~d? en-
se refere às condições de saúde, segundo minha eXperiênJfff;'i\tre.aposentadoria e morte não oferec.e qualquer posslblhda-
cía. Naturalmente, muitos fatores atuam sobre a poSSibili'~~<i~'/de de reelaboraçào ou construção. E a ante-sala da morte
dade de se chegar a esse platô em boas condições, como afit~',ii
ue, mais do que em qualquer circunstância, vem como a
rede de suporte social disponível e a qualidade do relaciona·~!~-G.nica certeza. As restrições financeiras exacerbam o proble-
mento conjugal. Esses fatores foram mais profundamente':flo; ma da solidão e das dificuldades de se ajustar a um novo
detalhados na questão ~o luto normal e do luto patológico, J~r. papel, o que agrava a condição _se.à aposentadoria se somar
quanto aos fatores de nsco.:~,:-_ também o luto pela morte do cônjuge (BOWLINGe CARTW-
O que fica, portanto, como conclusão é que a Viu·$·~RIGHT, 1982).
vez é um estado de grande sofrimento, podendo-se mesmoi~r~:< GILBERT (1982) afirma que é possível promov~r
dizer que. está entre as piores perdas, juntamente com ~;.uma mudança de estilo de vida no período d~ envelhec~-
perda de fIlhos.\'i mente. assim saindo (e não entrando) de uma atitude passl-
,_ . -- 10. va e utilizando os recursos disponíveis para atuar sobre a
~:realidade, Incentiva o contato com os amigos: C?ID as. pes-
3.3. Os lutos do envelhecimento ~:'soas mais jovens, parentes ou não, co~ os pro~nos paIS e o
, . .~L cônjuge, se ainda vivos. Ressalta, porem,. ~ue 1SS0deve s~r
._ A. SOCIedadeoCldental,. apesar .de procurar re~ursos~: feito não por meio da negação da condlçao do envelheci-
da Cíêncía para prolongar a VIda e evitar doenças, nao ofe- <t e SI'm de trocas possíveis entre pessoas com expe-
'. men o, '
rece um lugar de destaque aos seus idosos, Estes têm de ~1 riências diferentes.
enfrentar muito mais '. as perdas.advíndas do .envelhecimento .; .~ - . do Iu-to
A ocorrenCIa no seu sentido restrito e não
do que os ganhos ae rnaturídade e a seremdade das expe- l _. _ t eríodo da vida, tem, sem dúvida, gran-
.- . .. lvíd E d b - bít d metafonco nes e p 1
rtencias Ja VIVIas, ssas per as a rangem am 1 os comc. g .' t b a sua possibilidade de sobrevivência e e a-
p.

· . 1-
frsio .
OglCO, , 1 financeiro
sociar, . esses f\; de impac
e e- d o en tre 1açamento desses _ Pri o so .real ente em se tratando do luto conjug al d e
- bít
am . 1- • tdoso tí
1 os com o pstcorogíco que o 1 OSO tua o tom com que 4'
,; boraçao. rmcip . lhms há sl'multaneamente agentes facilita-
'1'
t pessoas mais ve a, _
colore o envelhecimento. f
i' dores e comp l'lca d ores para sua resoluçao. Ao preparar
_ fa-
Do ponto de vista fisiológico, exercem grande impac-;~ mílias para a aposentadoria, ouço uma afirmaçao ba:'tante
to as pe~das relacionad~s ao mau fu~c~onamen~o_dos órgãos i freqüente referente à quebra de padr~o de e::cpectaüva do
dos sentidos (rnaís particularmente visao e audíção). ao fun-; aposentado. O planejado é poder orgamzar a vld~ de t~l f~r-
cionamento cerebral, a _partes ou funções dos membros. 'e rna.__y'UC,
.__ A~~' ,",o
\..,V.1J..t.uv
f;lhos gozando de sua autonomia profíssto-
.J,. J. .'

Socialmente falando, com a saida dos filhos de casa,; nal e financeira, o convívio do casal permita u sufru ir de
a aposentadoria restringindo contato com os companheiros maior proximidade e compartnhament~. Est~ é~ portan.to.
de trabalho. trazendo redução de renda e, conseqüenternen- um momento crítico para o luto, que nao sera tão neg~üvo
te, limitando as oportunidades de Jazer, a perda é também caso a morte se dê após a realização desses planos. Tam-
58
it;oterapia em situações de perdas e luto 59

bérn verifico que uma grande dificuldade enfrentada peI


IYreexpressa de acordo com os recursos da criança.
idosos é o preconceito contra eles, em uma sociedade q
>sempre ela fala sobre morte, mas pode representá-Ia
não está preparada para envelheéer, para perceber que à
ca ou graficamente, ou até mesmo na forma de um sín-
mesmas perdas que são ridicularizadas nos idosos poderá
atingir os que sobre eles jogam preconceitos. .a, A criança pode até captar, por meio do inconsciente,
rtes ocorridas em outras gerações e que venham a c.oris-
Ir um segredo familiar do qual ela também faz parte.
WASS (1989) apresenta sua pesquisa sobre conceito
morte para a criança, sob uma perspectiva desenvolvi-
4. PERDAS PARAA CRIANÇA 'c'enlalista,Resumidamente. utilizando os estágios estabele-
~<:iospor Jean Píaget, assim se dá o estabelecimento desse
~nceito:
4.1. O significado para a criança

PERÍODO DA VIDA
O significado dado à morte pela Criança variará de
acordo com alguns fatores. entre quaís o primeiro a ser con, ;tl~infância (sensório-motor) INão há conceito.
siderado é a idade ou melhor. o momento de seu desenvolvi~ Morte é reversível, é a restrição tem-
mento psicológico, Os outros fatores são a forma com que, porária, fenomenologícamente cau-
'adultos lidam com a perda e o binômio quantidade! qualíd sada (mágica ou psicologicamente).
de de relação tida pela criança com a pessoa falecida. Assí operações concretas I Morte é irreversível. com explicações
que a criança tem idade SufiCiente para estar Vinculada, fisioló gícas.
pode ter consciência da possibilidade de perder essa pessoa:
O medo da morte é originado no medo de perder a pessoa,
prê-adolescente.
cente
adoles- I Morte é irreversível, universal, pes-
soal, mas distante. As explicações
amada. de romper vínculos. são de ordem natural, fisiológica e
teológica.
NAGY (1965) pesquisou 367 crianças. com idades
variando de três a sete anos. utilizando composições,
nhos e entreVistas sobre o significado da morte. Seus resuí-
tados indicaram que:
WALSHe McGOLDRICK(1988) apontam para a ne-
- entre cinco e nove anos. a morte é freqüentemen_ cessidade de os adultos tentarem reconhecer essa inabilida-
te perSonificada e considerada uma contingência; de da criança em entender o que se passa (do ponto de vista
- apenas a partir de nove anos é que as Crianças do adulto) e entender o que parece ser uma resposta inade-
passam a ver a morte como um processo que acontece às quada (também do ponto de vista do adulto). Para que se dê
pessoas. de acordo com algumas regras. a compreensão da morte pela criança, com os recursos que
seu desenvolvimento permite. ela não deverá ser excluída
da experiência que cerca a perda, ajudando-a a testar a rea-
BOWLBY(1981) discorda das conclusões deste estu- lidade. Naturalmente, a ilustração. a compreensão dessa
do, por não ter levado em conta a influência das tradições realidade não será a que o adulto deseja, e sim a que a
culturais das famílias e amigos das crianças.
criança puder fazer e lhe será útil para encontrar comporta-
Quanto à consciência que a criança tem da morte, mentos e ações que dêem um significado à perda.
ABERASTURr(1978) afinna existir desde o início da infân-
BOWLBY(1981) chamou atenção para o fato de que
cia, podendo não ser identiucada pelos adultos porque é
a morte existe para a criança sob muitas formas. como um
A psicoterapia em situações de perdas. e luio 61
60 Maria Helena P.F. Bromberg

anírnalzínho que, morto, mostra-se contrário a tudo o que criança é muito grande; especificamente, BLACK(1978) le-
criança sabe sobre ele. Uma conseqüência natural a isto é a vanta três razões para isso: o pensamento onipotente da
curiosidade da criança sobre o que acontece nesse estado e . criança, que a coloca como a causa de todas as coisas. in-
uma aceitação das emoções dai emergentes: sentir-se triste, clusive da morte que a faz sofrer; a dificuldade em conoeí-
desejar a permanência do morto, desejar fazê-Io revíver, luar a morte; as ~randes mudanças às quaís terá que se
Para BLACK(1979), o brinquedo quebrado, o passeio adaptar. como resultado da morte de um ou ambos os
do, o vizinho que se muda são também experiências de per- pais. Nesses estudos mencionados, vê-se que no primeiro
da que vão dando à criança uma conceituação a respeito de ano após a morte de um dos pais. aproximadamente 50%
processos reversíveis e írreverstveís. das crianças abaixo de 17 anos estão marcadamente afe-
Verifico em minha experiência que os adultos, i;,)•. tadas em seu funcionamento cotidiano por sintomas como
sua dificuldade em enfrentar as questões da morte, não ansiedade, depressão. dificuldades de aprendizagem e dis-
mítem à criança que desenvolva seus próprios conceitos, de túrbios de comportamento. Há evidência também de que
acordo com a fase de desenvolvimento em que se encontra. crianças enlutadas pela perda de um dos pais são mais
À pergunta, muitas vezes formulada por crianças pré-esco- vulneráveis, durante a ínfâncía e também na vida adulta.
lares, "Quando alguém morre, depois desmorre?", ou seja, a outras perdas que podem precipitar a depressão.
contando com a reversibilidade, respondo negativamente, BLACK(1983) estudou famílias com filhos menores
porém abrindo espaço para que surjam outras questões so- de 17 anos, dois meses após ter ocorrido a morte de um
bre o que ocorre. Verifiquei, concordando com WASS(1989), dos pais. As famílias do grupo de controle não foram cori-
que as características básicas para uma conceítuação tatadas durante o ano em que se deu a fase inicial da pes-
morte - irreversibilidade, universalidade e causalidade quisa. Foram feitas de três a seis sessões de terapia fami-
só são compreendidas a partir da adolescência. Na cultura liar com o objetivo de abrir a comunicação na família acer-
brasileira. porém. rnarcada por explicações religiosas ca do genitor falecido, particularmente entre o genitor so-
os fenõmenos naturais. essa conceituação é freqüentemente brevivente e os filhos. e para capacitar o sobrevivente a fa-
dístorcída. a partir dessa influência. , eílítar o enlutamento nos filhos. Os itens considerados sig-
nificativos quanto aos bons resultados do enlutamento fo-
ram: menos distúrbios de comportamento, as crianças
4.2. Impactos do luto infantil chorarem mais pelo genitor morto, bem-estar do genitor
sobrevivente, que apresentava um estado de ânimo melhor
o luto infantil é freqüentemente considerado um fa- (considerando-se sentimentos atuais. preocupações, de-
tor de vulnerabilidade a muitos distúrbios psicológicos na pressão. idéias suicidas e saúde física). Concluindo, foi
vida adulta. Esses distúrbios vão desde excessiva utilização apontado que uma intervenção planejada para promover o
de serviços de saúde. por tê-Ia com freqüência debilitada. enlutamento em crianças e favorecer a comunicação nas
até aumento no risco de distúrbios psiquiátricos. famílias pode ajudar na prevenção de sofrimento a curto
SCHMALEe lKER (1971) sugerem que adultos que prazo em seguida à perda e parece estar livre de efeitos
apresentam câncer teriam tido experiências de privação e danosos.
perda na infãncia, com pontos vulneráveis remanescentes SPITZ (1979). ao descrever os quadros psicológicos
a serem ativados por outras perdas. Estas atuariam nos decorrentes de carência afetíva do bebê. identificou duas
sistemas ímunológtco e endócrino. pela depressão. Outros
categorias: prtvação afetiva parcial e privação afetiva total. Na
estudos (BLACK,1978 e 1979; KAFFMANe ELIZUR. 1979;
primeira instala-se a depressão anaclítica, em razão da sepa-
RAPHAEL,1982; ELIZURe KAFFMAN.1982; VANEERDE-
WEGH et al., 1982) mostram que o sofrimento imediato da ração temporária de três meses entre criança e mãe; nas

o,:.

~t1
-,~ : ~~ -;':-:::;:i~"" .. J'::'''''.~''''.'.
-;{,',.!"~~:,:;.~-,,'."'::~_~.;~'.,t~'·l- _•.·."'.,·o.,_~c~,,_.__ ••.-_._--
63
62 Maria Helena P.F. psicoterapia em situações de perdas e luto

=v= por ele ob~ervadas. o quadro típíco da síndromet;;;,.


aSSIm se apresentou. Ci·(
res às dos adultos. embora c.ri~ças e adolescentes S~jam
." tt ais sensíveis às condlÇoes_ que precedem. cerca.m e
L!.. mui o m
.. '.' . t' seguem uma perda significativa. Sao elas:
Prímeíro mcs. cnanças ficam chorosas, exígentes, ten·k:
dem a se apegar ao observador, quando aceitam o contatüfr\ ~ causas e circunstâncias da perda, principalmen-
com ele. ~~.'.' te no que se refere ao que é contado para a criança e as
Segundo mês: o choro transforma-se em gemido:h'~ .:'oportunidades que ela tem para perguntar sobre o que
perda de peso; parada no quociente de desenvolvimento. 10s'aconteceu;
Terceiro mês: recusa de contato; crianças permane.t~; . - relações familiares ..após a per~a, principal~e:te
cem de bruços em suas camas na maior parte do tempo; ín-~lf<quanto às mudanças de padrao de r:laclOnamento e a P r-
sônia, continua a perda de peso; tendência a adoecer; atra.~; 'manência com o pai ou a mãe sobrevIvente.
so motor generalizado; início da rigidez facíal. gt; _padrões de relacionamento da família, anteriores
Após terceiro mês: a rigidez facial consolida-se. o~1) áperda. principalmente entre os pais e cada um deles com
choro é substituído por lamúria; letargia substitui o atraso~:; a criança.
motor; o quociente de desenvolvimento começa a diminuir.~~·' - 1
®:k '. A partir destes pontos. é inevitavel pensar que o uto
Se a separação superar um período de cinco mesesfFt,.,i~fantil mal-elaborado pode estar na base de distúrbios psí-
sem que tenha sido possível uma substituição adequada. o~~'<quicas na vida adulta. De fato, há muit~s ~~t~dos a esse
estado da criança apresentará notável deterioração. Caso a'0Y respeito, tanto abrangendo pacientes pSlqUlatr~cos.re~ros-
mãe retome à criança, será possível a recuperação. porém~;;t;'pectivamente pesquisados quanto. estudos longüudlllals, a
não total. A deterioração compõe o que foi descrito como sín-~~.;,partir da experiência da perda tpARKES 196:-a, 1964b,
drome do hospitalismo, própria então da privação afetiva to.~;k1965: STEIN e SUSSER. 1966; KLEIN. 1940, BOWLBY.
tal. Nesse caso, a qualidade da relação mãe/bebê anterior à~f1; 1960. 1981).
se!?araçãO parece ter pouca influência. A debilitação da~~i ..' A curto prazo, ainda na tnfãncía. há visíveis conse-
cnança chega a ponto d~ tomar elevada a incidência de:;1,; qüências da perda com má resolução. BOWLBY(1981) des-
doenças e a taxa da mortalidade. t:~ creveu alguns traços muito semelhantes a~s encontr_ad~s
A esse respeito, um ponto controverso está entre ai;! em casos de luto crônico de adultos ou. entao. de ausencia
posição de KLEIN (1940) e a de BOWLBY(1960) sobre a~:~ de luto. Esses traços foram assim classificados:
questão do desmame como a perda primária. Kleín afírmavaj'l
_ ansiedade persistente: medo de outras perdas
que o adulto sofre o luto pela revívêncía das dificuldades&il
advindas do desmame, de maneira que a morte do objeto Ht (principalmente de um dos pais), medo de morrer também;
amado pode ser sentida como para lhe infligir dor e puni- ~) _ esperança de se reunir ao morto: desejo de morrer;
ção, à semelhança do que ocorreu na relação com a mãe, no ?L _ culpa persistente;
desmame. Bowlby concorda quanto ao impacto que as per- _ hiperatividade: repentes agressivos e destrutivos;
das na infância terão nas perdas da vida adulta, mas não
_ cuidados compulsívoe: por outras pessoas com
considera o desmame como a perda primária. Em sua visão,
a depressão decorre do afastamento da mãe, como provedo- '. autoconfiança exagerada;
ra, necessária, portanto, para garantir a sobrevivência. ;: _ euforia e despersonalização;
Para BOWLBY(1981), as variáveis que influem no .r _ sintomas de identificação: acidentes c queixas de
problemas de saúde semelhantes ao do morto.
andamento do luto da criança e do adolescente são símíla- .
64
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em si.tuações d.e perdas e luto 65

A intensidade com que esses traços vão tomar forma' uma única vez e os recursos imediatamente disponíveis
está estreitamente vinculada às condições do ambiente, 'para lidar com ele. Ou seja, o impacto da morLe p.Jl"Ovoca
quanto a serem favoráveis ou não a um curso saudável do uma demanda sístêmtca na família, de ordem emocional e
luto. Novamente, é importante assinalar que, a par do de-' relacíorial, além daquilo que a família pode dar conta, sem
senvolviment~ .psíqUiCO. da. criança. as ~ondições do furicír» que seja preciso recorrer à ajuda e~terna. ,,~OB~L (19~6)
namento famílíar contríbuj para a qualidade da elaboração ressalta a necessidade de definir a gestalt btopstcossocíal
do luto. . do paciente em um determinado moment~ d~ vid~, par~ po-
BOWLBYe PARKES (1970) ressaltam o aspecto bá-;:"der perceber se é uma situação de emergencia, cns~s díver-
r
sico do trabalho com o enlutamento: a morte de um rnern- sas, problemas repentinos de desajustes emocíonats e ou-
bro de uma unidade social afeta cada membro e a unidade; tros. Assim sendo, o desequilíbrio nessa "gestalt" permite a
toda. O quanto a unidade é afetada será determinado pelo J' definição de uma vívêncía de crise, que deve ainda ser deta-
status do morto, os vínculos afetivos Comele, a condição re-!;' lhada para identificação dos recursos utilizáveis para o ree-
laCi~nal já existente _nogrupo, sinais prévios de evidência de~t quílíbrío durante a terapia. No caso específico do luto na fa-
sofnme_nto na relaçao. Portanto, para o psíquísmo infantil,~' 'milia, a crise vem da necessidade de continuar desempe-
a. relaçao com a pessoa morta e com os sobreviventes (prín- 2': nhando os diversos papéis, com a sobrecarga do luto dos
c~palmente no caso _dOS pais) dá o tom quanto a uma evolu- ré,- demais elementos da família, agravada pelas reações pró-
çao_adequada eu nao para a experiência da perda e a reso-f; rias da síntornatologta do luto individual. A reorganização
luçao do luto., p _ _ _ d . e
só poderá se dar, entao, apos a superaçao essa crise qu ,
sozinha, obstaculiza qualquer mudança. Muitas. vezes, os
recursos podem ser até mesmo inapropriados. E também
5. LUTO NAFAMÍLIA uma situação geralmente inusitada na vida; muitas pessoas
envolvidas no luto não tiveram contato prévio com perdas e,
em razão das características predominantes na orientação
nuclear da sociedade ocidental, muito poucas têm oportuni-
Como está sendo considerado no presente trabalho, o
conceito de luto como experiência psicológica só pode ser en- dade para ficar legitimamente enlutadas.
tendido se estiver contextualizado também como experiência Para encarar a morte na família, é necessarto um
pertinente ao grupo familiar. Este é aqui considerado um sis- rearranjo do sistema familiar e, como cons~qüéncia, a. c:o~s-
tema que se inter-relaciona com sistemas mais amplos da co- trução de uma nova identidade, um novo nível de equílíbrío.
munidade, da sociedade e da cultura. O luto afeta a família O apoio social e familiar dura menos do que o processo de
em muitos aspectos, inclusive pelos canais de relação com es- luto, o que já mostra a necessidade de uma terapia para o en-
ses sistemas. lutado. Além desta razão, de acordo com a definição de crise,
No ciclo de vida familiar, a morte tem um significado traz a necessidade de uma intervenção em caráter breve.
diferente para cada um dos membros, assim como para cada
uma das fases específicas desse ciclo. A questão básica é: 5.1. Reações dafamília à morte
quem é a figura morta na família? Seja o pai, a mãe, um filho
pequeno (ou filha), um ou uma adolescente, o irmão ou a
irmã, morte na família é sempre um tema ao mesmo tempo BOWEN (1991j apresenta o conceito de "onda de
individual e grupal, choque emocional" para descrever a sucessão de aconteci-
mentos no âmbito familiar, em conseqüência da perda de
O luto é definido como crise porque ocorre um dese- um de seus membros. Ele chegou a esse conceito por meio
quílíbrio entre a quantidade de ajustamento necessária de
de pesquisa multígeracíonal com famílias, quando percebeu

.•......• ,,;,;;;.,,;:::~::-::~-:
67
66 Maria He1enaP,F'A psicoterapia em situações de perdas e luto
1::,

que uma série de eventos importantes ocorria aos membros,!,', 4) ter de lidar com o luto de outros ~e~bros da f~~
no período posterior a uma doença séria ou morte de um fa:t'.; milía. além de seu próprio; particularmente dtficíl para o pai
mílíar. O que parecia ser coincidência, ao ser sisternatícajj., ou mãe com uma criança pequena;
mente .investigado mostrou a existência de uma conexão~\,";l 5) a forte intensidade do lu~o, às ~e~esC'~companha-
clara. E mais bem descrito como uma rede subterrânea de~~), do por sentimentos de pânico ou ideias sUlclda",. ,
dependência em~ci~nal e,ntre os membros da fa~ília, Emb~'~~\i~ 6) medo de colapso nervoso. m~itas vez~s ~efendo
ra essa dependência seF negada. os acontecímentos naot": ..·.i,. 'e-ncl'ade I'lusões: ver ou OUVIro faleCIdo.
+,', apos a experi
aparentam estar relacionados. a família tenta lidar com eles~K 1 d ontexto para a expressão de culpa e
de maneira indiferente e seus efeitos são identificáveis após~., 7) fruta e um c
algum detalhamento. Os sintomas abrangem doenças nof~~\ raiva,
âmbito somático e também entram na área emocional. PO'IV"':, Em vários casos da minha experiência verifiquei
dendo chegar a episódios psícótícos, ;{, que as crianças, não conseguindo expressar sentimentos
~\.\,;.
A importáncia da identificação da onda de choqueff:\ ou por medo de fragilizar ainda mais os outros elementos
emocional está em uma atitude de avaliação do impacto daW;,; da família. formam sintomas, Estes, por sua vez. devem
f>;
morte sobre a família, Ou seja. esse impacto não é somentejç ser "traduzidos" para a família. para que possam adquirir
imediato e pode ser encontrado em diferentes comporta,~Yr novo significado e ser elaborados. Crianças têm necessi-
:!}::'

mentos ou formas de reações, Assim sendo. ao se avaliar o·.'ft;~.: dades específicas relacionadas à perda de um ou de am-
,,~,,::i"

funcionamento familiar a partir das mais diversas queixas~;;; bos os pais e essas necessidades são vinculadas ao de-
ou sintomas. é necessário pensar clinicamente sobre elas,'j,L, senvolvimento psicológico. Por essa razão. é difícil genera-
quanto à possibilidade de serem manifestações atuais de lu-,H;: lizar sobre os efeitos do luto em crianças. A reação do pai,
tos passados. porém não resolvidos, L ou da mãe sobrevivente tem extrema importãncia. pois
permite ou não à criança a possibilidade de entender e li-
A perspectiva de considerar o impacto da morte~:t; dar com sentimentos de tristeza. culpa ou o que for. É co-
como tendo efeito sístêmíco na família é fundamental nestejs mum que o sobrevivente não possa ajudar a criança. por
trabalho. Muito se tem escrito (WALSH e McGOLDRICKJ;;" estar absorvido em seu luto pessoal por ter perdido a es-
1988. 1991; RAPHAEL, 1983. BYNG-HALL. 1991) a esseE, posa ou o marido. O adulto deprimido não pode cuidar
respeito e a prática clínica apresenta fartas evidências, UmaK dos filhos da mesma forma como fazia antes ou mesmo
vez que a família é uma realidade social e não a soma de:'~ pode tentar esconder da criança sua tristeza. por achar
realidades individuais. As variáveis que se interpenetram [." que é uma carga muito pesada para ela, Isto faz com que
envolvem problemas em diferentes escalas. como:!;" a criança sofra adicionalmente devido aos problemas
Li

emocionais dos pais, A infelicidade silenciosa traz mais


1) dificuldades práticas do adulto enlutado ao assu- complicação para a criança enfrentar do que o luto aber-
mir funções do morto às quais não estava acostumado: to. tendendo mesmo a ser de maior duração.
2) sintomas físicos. que são decorrências fisiológicasti,
normais do enlutarnento. mas que podem ser autoperpetua- ,;
das pelas preocupações do enlutado em relação à sua saúde:' 5.2, Morte no ciclo de vidafamiUar
futura; como exemplo. temos: taquícardta, anorexía. insônia.
cefaléia; A influência é recíproca entre luto e ciclo de vida,
3) solidão e isolamento. freqüentemente aumenta- O ajustamento às condições de vida após a morte de um
dos pelo embaraço e inabilidade da comunidade em mencio- dos elementos da família é um trabalho a ser resolvido. a
nar a morte ou o morto; curto e a longo prazos. e esta importãncia não tem sido
68
Maria Helena F.F. Bromberg A psicoterapia em sitU11.ções de perdas e lu.(D 69

largamente percebida pelos teóricos das relações familiares.


volvidos na morte, como: ver o corpo, participar do velório e
Conhece-se muito acerca do luto individual e pouco sobre o
das cerimônias religiosas. Se for possível, estabelecer urna
familiar. A razão pode estar, como apontam WALSH e
atmosfera de permissão para a expressão da dor e da sau-
McGOLDRICK (1988), na forma de compreender a questão
dade. Um obstàculo à nova organização é encontrado em fa-
da perda, mais como conteúdo do que como processo. Para
mílias que buscam se prender rigidamente aos padrões de
essas autoras, a perda é uma transição que transtorna os funcionamento anteríores à morte, como uma forma de ne-
padrões de interação do ciclo vital, implica reorganização fa-
gação da realidade. A flexibilidade e a abertura do sistema
miliar e desafios compartilhados para a adaptação.
são fundamentais para determinar o sucesso na realização
A colocação do cíclo de vida familiar como ponto de dessas tarefas.
referência para a compreensão dessa definição é uma forma
de organizar a complexidade da vida familiar por meio de b) Fatores adaptatívos: alguns aspectos que não de-
padrões significativos *. vem ser desprezados como influencíadores na adaptação.
mais exatamente situados no tempo em que se deu a morte,
e que implicam risco para o disfuncionamento são: morte e,
5.3. Adaptação dafamilia à perda
simultaneamente, surgímento de sintoma (não desconsíde-
rando perdas também na família estendida, por meio do ci-
De acordo com WALSH e McGOLDRICK (1988), a clo vital, não apenas na família nuclear); morte e outras for-
adaptação da família à morte envolve reorganização do sis- mas simultâneas de stress (que podem desencadear reações
tema. tanto a curto quanto a longo prazos, não desconside- impeditivas de uma boa elaboração do luto, pois há sobre-
rando as adaptações individuais necessárias. As tarefas fa- posição de tipos de stress); perda traumática prévia e luto
miliares são instrumentos nesse processo, ao mesmo tempo não resolvido (o que toma as famílias mais vulneráveis,
que fatores adaptatívos têm papel no processo como um principalmente em situações de experiência bloqueada ou
todo. Ao trabalhar com famílias enlutadas, considero as ta- distorcida na memória ou quando os sentimentos mantêm a
refas de adaptação e fatores adaptativos (a seguir mencio- intensidade ou foram negados); mortes prematuras, tanto
nados) uma vez que representam um elo entre os fatores de para o indivíduo quanto para a família, tendem a ser as de
risco no âmbito individual e familiar. mais difícil resolução.

a) Tarefas familiares na adaptação: entre estas, des- De maneira geral. para se entender o impacto da
tacam-se o reconhecimento compartilhado sobre a realidade morte na família e o luto daí gerado, hà dois lados a serem
da morte; reorganização do sistema familiar; reinvestlmento considerados: o individual e o familiar. Neste último. de
em outras relações e objetivos de vida. De acordo com acordo com a proposta do presente trabalho, as possibilida-
McGOLDRlCK (1991), essas tarefas, se não realizadas pela des de intervenção podem ser mais positivas quanto aos re-
família, por seus próprios recursos, podem se transformar sultados, devido ãs características de grupalidade da famí-
nos objetivos da terapia para a crise da perda. Os aspectos lia, respeitados pontos sinalizadores de risco.
que influem nessas tarefas estão relacionadas, basicamen-
te, à fluidez na comunicação e à ausência de tentativas de
isolar elementos da família (no geral, os filhos) dos fatos en-

* Este tema está sendo espeCialmente tratado em "O luto no ciclo de vida
familiar". Maria Helena P. F. Bromberg, in O ciclo de uidajamiliar, Rosa
Maria de Macedo (Coord.J, no prelo.
II

cpgicoteftapia do ~uto

"... de tudo fica um pouco."


(Resíduos, Carlos Drummond de Andrade)

Muitos estudos (PARKES, 1964a, 1965, 1990; PAR-


KES e WEISS, 1983; CLAYTONet alo, 1968 e 1973; STROE-
BE e STROEBE, 1987; YORKSTONE, 1981; BLACK, 1979,
1983 e 1986) já apontaram, no plano individual, os fatores
de risco na resolução do luto individual. Alguns fatores es-
tão presentes, tanto no âmbito individual quanto familiar
como, por exemplo, morte prematura, morte repentina, rela-
cionamento ambíguo prévio à morte.

1. CUIDANDO DA FAMÍLIA ENLUTADA

Neste aspecto, considero as questões de avaliação


dos recursos da família para a resolução do luto.

1. 1. Avaliando a necessidade de cuidado

Considero aqui aspectos que podem ter maior peso,


como determinantes do sucesso ou insucesso da elaboração
do luto, ídentíflcáveís por ocasião da perda, em alguns ca-
72 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 73

80S até antes. e que têm, a partir de achados de pesquisa, Como formas de avaliação, alguns questionários se-
essa capacidade predítíva quanto ao resultado do trabalho. rão apresentados a seguir. de forma resumida. É interes-
A par disso. também auxiliam na avaliação da condição do sante observar que, de uma [arma ou de outra, abrangem
enlutado. para que seja determinada a forma de intervenção os aspectos levantados. mesmo que contraditoriamente,
específica. bem como de prevenção do luto patológico. como fatores de risco. Não podem. em absoluto. ser consi-
Na identificação dos fatores de risco no âmbito indivi- derados instrumentos universais. pois foram elaborados em
dual. há muitas contradições entre os resultados de pesquisa. uma cultura muito diferente da latino-americana e sua uti-
PARKES (1990) resumiu-os, mesmo com o perigo de parecer lização em nosso meio requer cuidadoso estudo de adapta-
superficial, nas seguintes idéias: pessoas seguras. cuja expe- ção. Também faz diferença se forem aplicados para enluta-
riência de vida tenha levado a um nível razoável de confiança dos mais velhos. por exemplo. viúvos ou viúvas, quando
em si e nos outros, podem lidar bem com lutos que tenham comparados com enlutados mais novos. como pais que per-
sido antecipados. desde que sejam apoiadas pela famílía, que deram um filho pequeno. A aplicação desse questionário a
respeita suas necessidades emocionais. Perdas múltiplas ou familiares de alguém em estágio terminal de uma doença
inesperadas. de pessoas com quem o enlutado mantivesse também tende a trazer necessidades diferentes quando
uma relação de dependência. provocam. até na pessoa mais comparados com aqueles que perderam alguém de forma
segura, a falta de segurança e apoio que pode minar a capaci- repentina ou inesperada.
dade de lidar com o luto. GORER (1965) apresentou um questionário que, de
Não há muitas pesquisas disponíveis sobre o uso 'acordo com os objetivos de seu estudo, buscava mais a
dos fatores de risco como ídentificadores de pessoas que descrição das características dos enlutados do que a ava-
precisam de cuidados especiais após uma perda significati- liação de sua condição psíquica. No entanto, abrangeu os
va. LATIENZI-LICHT (1989). pesquisando os serviços de .pontos considerados como fatores de risco, antes mesmo
luto em hospitais para terminais nos Estados Unidos, verifi- que eles assim tivessem sido descritos pelos pesquisadores.
cou que 77% faziam algum tipo de avaliação de risco. mas a Há perguntas sobre rituais religiosos nos funerais, rituais
maioria oferecia seus serviços a todas as famílias enlutadas. socíoculturaís como uso de roupas específicas para luto.
de forma que elas decidissem quem iria receber o atendi- sinais externos na casa significando que a família estava de
mento. PARKES (1980) mostra-se contrário a esse método luto, visitas de condolências. apoio ou presença familiar no
de auto-seleção, pois verificou que serviços que ofereciam período da doença (se tiver sido o caso) ou após a morte.
aconselhamento a pessoas enlutadas não selecícnadas não mudanças particulares na condição de vida do enlutado.
haviam mostrado diferenças significativas, quando compa- abrangendo saúde (peso. sono). presença de filhos. Termi-
rados ao grupo de controle. na com uma pergunta sobre a disponibilidade do enlutado
para receber alguém em casa com quem pudesse falar li-
Em minha experiência com famílias enlutadas, os vremente sobre suas experiências a partir da perda.
fatores de risco utilizados para avaliação individual também
PA...~l{ESe WEISS (1983) elaboraram um extenso
devem ser utilizados na familiar, para obter maior acurací-
dade na avaliação das respostas índívíduaís como um meio questionário. chamado "Questionário de saúde". para ser
de trabalhar melhor a relação do sistema. Assim sendo. a usado juntamente com a série de entrevistas de acompa-
nhamento em sua pesquisa longitudinal. Os dados levanta-
experiência mostra que perdas múltiplas ou repentinas,
dos pela entrevista foram classificados de acordo com dez
quebras de relações dependentes ou ambivalentes de fato
itens de avaliação:
ativam mecanismos dificultadores do processo de elabora-
ção. Mais detalhes são apresentados no Capítulo IV, sobre o 1) nível de funcionamento. em comparação com o
"Método", no presente trabalho. nível de pré-enlutamento;
f~:·
<"
74
Maria Helena F.F. Bromber~, A psicoterapia em situações de perda.,>e luto 75

2) movimentos na direção de problemas extraordinâ. 2) auto-resistênciacompulsiva;


rios;
3) busca de estímulo;
. 3) aceitação da perda. Esse item é composto de trêst', 4) reações autônomas;
subrtens: ~
5) preocupações;
a) ~~sência de distorção: nenhuma expectativa de"
retor~o o~ dlf~culd~de em acreditar na morte, não denegrir~t 6) saúde em geral;
nem Idealízaj- mdeVldamente o falecido; ;'.' 7) relacionamento.
b) possibilidade de dissipação do luto por meio det~:
trocas: a pessoa não sofre por falar ou pensar no falecido ou1tU A partir dos resultados obtidos nessa pesquisa, foi
nos ,event?s associados à morte, mostrando mesmo melho.J'(~:ipossívelelaborar um instrumento para identificar pessoas
ras a medIda. que fal~va sobre esses assuntos;f"ique precisassem de ajuda do Serviço de Luto do St. Chrts-
.c) mt~graçao do evento à Visão de mundo do en.;: topher's Hospice, em Londres, sob a direção do Dr. Parkes.
lutado: fOI posaível chegar a uma explicação racional sobre~.O questionário é aplicado por uma assistente social à pessoa
a morte, sem envolver distorções da realidade nem afasta-s considerada chave na família. Na primeira aplicação dos 181
mento das crenças normalmente presentes na cultura. ~( questícnártos foram obtidos os seguintes resultados:
4) socialização: o enlutado voltou à Sua Vida social ef~.
tornou-se tão ativo quanto era antes da perda; ~: - Grupo "A" : necessidade imperativa =>1,6%;
. ~) ~titud~ quanto ao futuro: positiva, incluindo planos ~',' - Grupo "B" : previsão de alto risco => 37%;
realIstas, e possível pensar em planos de recasamento, Vidat~;. - Grupo "C" : previsão de baixo risco => 51,4%.
sexual, fllhos, com uma razoàvel atitude de otimismo e _,~, . _ .
rança; espe ,t! Como se vê, os instrumentos de avaliação de nsco de
6) sau. de.. tâao b oa quanto era ante d d . if,é,,';,.' elaboração do luto estão Vinculados ao trabalho com uma
j,.,
dêncícra d e dí1Sur
t· bíIaS gerais relacionad s a per . a, _sem
. mcj-~;.li'
pessoa da família que esteja mais diretamente envolvida
_
com
••
são' os a peso, msonta, ten-t: a perda. Não são instrumentos para a avaliaçao da famílía
, .Ii:. em sua condição global e unitària para o enfrentamento des-
7) anSiedade ou depressão: níveis normais; f§· sa experiência. Para a elaboração de um instrumento farní-
8) culpa ou raiva: níveis normais; i~: liar , de avaliação específica do luto, uma vez que esta é uma
9) avaliação de si: nível normal de auto-estima; fi: condição de crise com limites e caracte:ísticas própri_as, é
10) resístê .
I encia: a aparente h bílíd d4Y' ,t,'''' necessário levar em conta aspectos específicos da. relação fa- .
futuras perdas. a I I a e para Superar f}:: miliar e da realidade "família":. Dada a espe~i~cldade da 81-
li,< tuação, os instrumentos frequentemente utílízados para a
. Mesm~ sem a utilização do questionário em sua tota-f:l_, avaliação da condição familiar não se mostram adequados.
Iídade, estes dez itens de avaliação têm se mostrado em r, 1<, WALSHe McGOLDRICK(1991) resumem os pontos a
nha experiência, excelentes balizadores na aValiaçã~ indr:r~_I~;' serem examinados cuidadosamente, ressaltando a ímportán-
dual, dentro do funcionamento familiar. São úteis tamb~: r~ cia do contexto familiar na sua totalidade, dando atenção às
como b~iza~ores da avaliação do processo terapêutico. Seu t) condições adaptativas da família e às variáveis de_peso no
uso sera mais detalhado no Capítulo IV, sobre o "Método". processo. Os pontos levantados por essas autoras sao:
As perguntas foram divididas em sete categorias:
i;,- a) morte repentina ou após longo período de doença;
1) depressão; )
}~ b] perda ambígua;
~+,
<·1
76 Maria Helena P.F. Bromberci, A psicoterapia em situações de perdas e luto 77

c) morte violenta, particularmente por suicídio; c) Como os vários membros da família mostraram
d) padrões familiares de desunião, com falta de suas reações à morte? Choro? Afastamento? Depressão?
Ieráncía por reações diferentes ou de coesão para apoio Atividade exagerada? Conversam entre si sobre a morte?
tua;
d) Quem estava presente no momento da morte?
e) falta de flexibilidade no sistema; Quem não estava. mas deveria estar? Quem viu e quem não
f) comunicação bloqueada e segredos, viu o corpo?
bus cercando a morte; e) Como estava o relacionamento familiar na época
g) falta de recursos sociais e econômicos; da morte?
h) papel importante da pessoa que morreu O Quem cuidou do funeral? Quem compareceu?
substituição precipitada ou inabilidade para reinvestir; Quem não compareceu?
. i) relações conflituosas por ocasião da morte; gl O corpo foi enterrado ou cremado? Se cremado, o
j) perda prematura; que aconteceu com as cinzas?
k) perdas múltiplas ou outros fatores h) Quem vai ao cemitério e com que freqüência?
de stress emocional; Quem menciona o morto e com que freqüência? O que foi
feito dos objetos pessoais do morto?
1) legado multígeracíonal de lutos não
particularmente revivências transgeracíonats de aniversário; i) Há algum segredo sobre as causas e circunstân-
cias da morte? Esse segredo existe para pessoas de dentro
rn) sistema de crenças da família envolvendo
ou de fora da família?
vergonha acerca da morte;
j) Que mítífícações ou mitos foram criados na famí-
n) contexto sociopolítico e histórico da morte,
lia acerca do morto? Foi transformado em um "santo"?
mas ou medos catastróficos.
k) Quais são as crenças culturais e religiosas sobre
Na avaliação das famílias estudadas nesse vida após a morte? Como essas crenças influíram na com-
essas questões foram utilizadas como instrumentos de ava- preensão do significado da perda?
liação por ocasião da primeira entrevista, para investigação
do grau do impacto da morte naquele sistema. Essas questões são habitualmente utilizadas por
McGOLDRlCK (1991) recomenda, como rotina na mim não somente para uma avaliação inicial, mas também
avaliação da família, traçar padrões de adaptação à perda, no decorrer do processo terapêutica, para concluir acerca do
por meio de genograma trtgeracíonal e de um levantamento seu andamento. Abrangem os pontos considerados mais vul-
cronológico dos eventos mais estressantes. Com esses instru- neráveis para o estabelecimento de reações patológicas ao
mentos, não há necessidade de obtenção de histórico familiar luto familiar, mas contribuem também para uma visão am-
mais elaborado. Sugere também uma série de questões faca- pla do padrão de relacionamento existente na família. antes
das no tema da morte, como foi experimentada pela família. e depois da morte.
Algumas dessas questões são aqui apresentadas: Outro método de avaliação familiar relativo à perda foi
desenvolvido pela equipe do Serviço de Luto do St. Chrísto-
a) As datas relacionadas à morte são vagamente
pher's Hospíce, em Londres (EARNSHAW-SMITH e YOflliSTO-
lembradas ou celebradas em ritos sagrados?
NE, 1986). Trata-se de um roteiro de observação e entrevista e
b) Os membros da família mostram-se à vontade de um questionário após a morte, aplicados por ocasião das
para falar do falecido e das condições da morte? visitas feitas pelo Serviço Social. O entrevistador deve traçar o
78 Maria Helena P.F. Bromberg
A psicoterapia em situações de perdas e I.ut.o 79

genograma e relatar uma breve história familiar. Suas ob-


servações recaem sobre aspectos corno: 1.2. Identificando o cuidado necessário

É perfeitamente aceitável dizer que os cuidados dis-


a) físico: aparência, sono, apetite, saúde em geral;
pensados ã família enlutada não devem ter início somente
b} prático: moradia, transporte, cuidado com os fi- após a morte. LUGTON(1989) ressalta a importância do es-
lhos, finanças;
tabelecimento de uma comunicação aberta entre a família.
c) emocional: sentimentos apropriados ou não, risco o doente e a equipe médica principalmente a partir do mo-
de suicídio, grau de compreensão e elaboração; mento em que o doente é considerado terminal. Essa comu-
d) espiritual: fé, significado, afiliação religiosa; nicação aberta permite, então, a obtenção de uma consciên-
e) rede social: família estendida, amigos, comunica- cia clara do prognóstico da doença e uma gradual adapta-
ção, apoio, qualidade de relação dentro da comunidade. ção a essa realidade. É com freqüência dificultada pela for-
ma com que a equipe médica lida com a morte e com a ne-
Esses aspectos são considerados quanto a estarem cessidade de manter a família informada. O que poderia ser,
representando um problema e quanto à possibilidade ou re- então, um período de preparação, aproximação e reorgani-
cursos disponíveis para agir sobre eles. O questionário é zação é vivido pela família como um período de ilusão, forta-
inicialmente preenchido na admissão do paciente ao Hospí- lecendo suas defesas contra encarar a realidade.
ce e completado com as informações familiares após a mor- A partir de sua experiência em hospitais para pa-
te. Abrange fatos, como constituição familiar, experiência de cientes terminais, LUGTON(1989) relata a necessidade de
outra morte ou perda nos 12 meses anteriores, condições um suporte imediato após a morte, porém relacionado espe-
de saúde dos membros da família, sentimentos corno raiva cificamente às primeiras providências e decisões a serem to-
ou culpa, percepção do apoio familiar, ações, como necessi- madas pela família. Esse suporte tem mais o caráter de
dade de aconselhamento ou psícoterapta, necessidades fi- uma orientação, com apoio afetívo, e pode ser feito por uma
nanceiras ou jurídicas. Por se tratar de uma avaliação clíni- assistente social treinada para lidar com famílias enlutadas.
ca, não há um padrão previamente estabelecido que deter- Abrange questões referentes ao funeral, documentação, co-
mine uma linha divisória entre funcionamento normal e pa- municações oficiais e entra também no campo dos planos
tológico da família em relação à morte. Há diferentes abor- para a vida sem o morto, muitas vezes desconsíderando as-
dagens para diferentes necessidades e essa multíplícídade pectos como: rede de apoio social e familiar, tempo necessá-
será considerada "a questão". rio para as adaptações.
Os pontos de avaliação por mim utilizados, por con- Um modelo de suporte muito apropriado nos hospi-
síderá-los adequados e suficientes, são aqueles que abran- tais para pacientes terminais na Inglaterra foi desenvolvido
gem a experiência individual diante da perda e as condições a partir do modelo de aconselhamento sugerido por EGAN
adaptativas da família diante das variáveis de peso para a (1981). Esse modelo é dividido em três estágios:
resolução. Por eles, torna-se possível delimitar a necessida-
a) Exploratório: a pessoa auxiliada para que possa
é

de da família quanto a aconselhamento ou psicoterapia. Nos


avaliar sua situação e necessidades. São instrumentos: es-
casos em que as respostas caracterizam o que foi descrito
cuta ativa, esclarecimento de preocupações, aceitação de
na sintomatologia como próprio do luto normal, recomendo
sentimentos.
aconselhamento, enquanto nas situações em que o perfil fa-
b) Compreensão: a pessoa é levada a atingir uma
miliar apresenta elementos do luto patológico, recomendo
psicoterapia. nova compreensão da situação e a clarificar o que pode fazer
para uma resolução efetiva. São instrumentos: responder e
80
Maria Hel.ena P.F'. Brombera~%: A psicoLerapia em situações de perdas e /ul:o 81

conduzir. promover compreensão, fornecer informação,


conselhos. 8) um ponto de ligação com a vida, como um núme-
ro de telefone ou algum outro meio de contato.
c) Ação e avaliação: a pessoa é ajudada a implementar~.,
decisões e planos, considerando as conseqüências possíveis,~
São instrumentos: planejamento de ação, antecipação Essas necessidades podem ser facilmente atendidas
tuações. por um trabalho de aconselhamento, que vise o estabeleci-
mento de uma condição de vida em padrões muito eeme-
Esse modelo é utilizado tanto com paciente Ihantes aos existentes antes da perda, contando, para esse
com seus tamuiares,
c. .,.
sendo que para estes pode ses dquanto. JetílVO,com recursos d o psrquico
o···b' -. d o en 1u t a d o e t am béem
tes _eapós a morte do paciente. Não é um atendímento an com sua rede de suporte social, como família e amigos.
carater profundo, uma vez que objetiva orientar, a PARKES (1980). após analisar os diferentes métodos
p~azo, em aspectos relacionados ao cotidiano. É útil de aconselharnento para enlutados (serviços profissionais
be~ p.ara identificação daqueles que precisam de que oferecem apoio individual ou grupal, serviços voluntá-
mais .mtensos ou profundos, de caráter rios, grupos de auto-ajuda) conclui que os serviços profts-
propnamente dito. -síonais e os de auto-ajuda e de voluntários profíssíonalmen-
Devido aos principais problemas a serem te orientados são capazes de reduzir os riscos de distúrbios
dos pelo enlutado, conforme abordado (p. 59) nesse traba- psiquíátrícos e psícossomáticos que resultariam do luto,
lho, suas necessidades específicas são: São eficazes para pessoas enlutadas que recebem com res-
1) falar s b ., " trições o apoio dado pela família ou que, por outros IDOti-
a ar ~O re a expenencIa, doença, morte,' vos, eram consideradas de alto risco. Ainda segundo o mes-
1em b ranças;
mo autor, nem todo enlutado precisa de aconselhamento,
2) ter acertadas suas expressões de dor; mas quem precisa beneficia-se grandernente da oportunída-

3) saber que alguma culpa é freqüente ass:1m comoL.
d.ede expressar tristeza, de se assegurar sobre a normalída-
rarva, e poder falar disso com tranqüilidade; de das decorrências fisiológicas do luto e de tomar nas
4) algumas vezes proteger s d ai
, - e e guns desví esvlOS mãos sua condição. _ de Vida presente
. para começar a pensar
rota que lhe são impingidos antes que t enh am terrm ennmado o em novas direções.
processo, ou, ao contrário. tentativas de fazê-los parar com Estas são as condições necessárias por parte do en-
processo, por exemplo, mudar de casa ou de trabalho, lutado, principalmente como indivíduo e não como grupo
prolongadas a parentes e amigos, para evitar a hora de voltar familiar, para passar por um processo de aconselhamento
para casa; para o luto e dele se beneficiar. No entanto, quando a famí-
5) sendo o primeiro aniversário de morte um . lia é trazída como vtvencíadora de um processo de luto pa-
cruellal , nesse período há maior necessidade de evento
t to1-OglCO
. no am. bít1 o d a rea líd
1 a de~ relací
re aciona 1 c.rarm'1'lar, o acon-
aléem d'e ser uma Doa oportunidade para avaliar a co condíato,
_
n t - -
seinamen o nao e suncien e. ~. tE-' necessaria a e Ia b oraçao - de
em que o enlutado se encontra' , n içao uma técnica específica para definir com mais clareza os pa-
6) as necessidades d 1 t t d . rámetros quan to á indicação para aconselhamento familiar
_ e en u amen o a cnança nem . '" ._. 'I' dí d 1 C ·'1'- - ,
sempre sao reconhecrdas pela família od d ~ _" ou psícoterapía rarm lar íante o uto. orn a utí izaçao dos
díd
I as com distúrbios de conduta'
,p en o ser LOlllun- lndí d . - . d - tã
m ica ores ja menciona os e, en ao, possrve av lar se a '1 alí
'
7) pode ocorrer de o en Iutado precí família situa-se em uma posição de luto normal ou patológí-
d '-
P ara dar POI- ter . d isar e penmssao co. Relembrando, o luto patológico marca-se por ser crõní-
mma o o processo e precí d . d
se adaptar a novos -, ld isar e aju a para co, adiado ou inibido, com fatores específicos que o desen-
- papéis, nova 1 entidade'
, cadeiam. como tipo de morte e qualidade da relação ante-
82 Maria Helena P.F. Bromberg l-' A psicoterapia em situações d.e perdas e luto 83
~;-;

rior à morte (notadamente as relações ambívalentes ou de-I: tem se mostrado muito eficaz, como provam as experiências
pendentes). No ámbíto do sistema familiar, os parámetros~~l de VOLKAN(1971), VOLKANe JOSEPHTHAL (1981). VOL-
permanecem os mesmos, além da necessidade de conside.~: KANe SHOWALTER (J968), VOLKAN et ai. (1975), STRA-
rar as condições específicas da família. fil, KER (1968), ROSENBLATI (1969), MORRlSON (1978), uu,r,
il\ (1976), MANN (1981), BELLAK e SMALL (1978), GERBER
ri:
(1971), BUDMAN e GURMAN (1988), FIGLEY (1985). Estes
~: . autores apresentam resultados de trabalhos nos quaís uttlt-
2. PSICOTERAPIADO ENLUTAMENTO ~;:tzâram os princípios da terapia breve, no entanto com as
;ti:
modificações necessárias à especificidade da crise do luto.
~1; De acordo com LANGSLEY(1981), na vívêncía de uma crise,
O rompimento de uma relação significativa implica a~~g
não é hora para aprofundar conflitos íntrapsícológícos rn-
necessidade de adaptação à condição de viver sem aquela~~ conscientes; a abordagem deve ser muito mais ativa e adap-
pessoa. Conseqüentemente, a direção dessa mudança estáj~*; .tatíva.
em sua base, determinada pela condição de vida que haVia~fl;; A partir daí a terapia breve pode ser considerada
com aquela pessoa. Não é só isso, porém, que pesa na de-~~: como font~ de recursos importantes para aplicação em c a-
terminação do caráter da mu~ança, como já visto nesse tra",~~~> sós de enlutamento. Suas estratégias sã~ amplas, artícu-
balho. No confronto com a cnse desencadeada pela perda,ó~~W,Iando recursos variados e que podem, entao, ser adaptados
fato de essa perda ter sido causada pela morte, e não por~;4.'às diferentes necessidades da pessoa enlutada. Ressalta a
um rompimento ou separação, que ~od.e trazer embutida a-~~~..importáncia de uma compreensão da vida cotidiana do pa-
esper~ça do reencontro, torna. rr:~lLO Importante que Sejaifl\kciente, sendo indicada para situações de crises ou descorn-
dada a ~ess~a e~lutada a possíbílídade de encarar, face ~~?t
pensações, situações de mudança, distúrbios de natureza
face, as ímplícações dessa morte em seu presente e futuro'f:f reatíva em pacientes anteriormente adaptados (FIORlNI,
:~:t1978; KNOBEL, 1976; YOSHIDA, 1990). Suas características
2.1. Psicoterapia. individual para o eniuiamenio ~t;çfundamentais são: não é transferencial nem regressiva; ela-
;,~;y: bora cognitivamente, em lugar de afetivamente; permite ex-
_ . ,~"~; ..' tar mudanças para que a pessoa passe a ser sujeito
O luto e por mun entendido como crise de acordoi~?; penmen _.' _.' .
com a d e flmiçao
. - d e GERBER (1971)": peno - d o de cnse
' ernf(?,?;ativo de sua propria'. hístóría. Avaliar
ífI.'' .··..•'' .•:·.·..........
. seus resultados e uma
que há desequilíbrio entre a dificuldade e a importância do~::r tarefa fundamentalmente subjetiva, embora alguns pontos
~''''.' d d o síderados como entre outros' de-
problema e os recursos imediatamente disponíveis para li.~;-: nortea ores evam ser c n 1 ..' .
~,.,:<. . flít bí tí . delírnítar o tempo de tera-
dar com ele; as técnicas e meios costumeiros são ínadequa- ~'" límítar o con 1.0 e os ~ .~elVOS, .
do~." Mesm~ n~s situações :m que a ~valiação do deseqUilí~~.B ..•..
:;.. pia; transformar athistona em elemento do passado, desatí-
bno for subjetiva, sem apoio na realidade externa, a expeJb' vando-a do presente.
ríêncía mostra que as pessoas ou famílias nessas situaçõesfik-C VOLKAN (1971) desenvolveu a técnica por ele cha-
agem sc:m utiliz~ ~eus recursos, tornando nec:ssária a in'I\~' mada de "tr~balho de reenlutamento", ~o~ o objetivo de
tervençao terapêutíca para que possam conhecé-los e delestE;· ajudar o paciente que sofre de luto patológico a resolver os
fazer bom uso. O luto gera crise e é como uma crise que elel, conflitos da perda, por mais distante no tempo que pareça
deve ser tratado. O luto normal é autolimitador, porém pode~iY- estar essa resolução. O que o autor define como luto patoló-
se resolver pela realidade e pela possibilidade de adaPtaçãO~{-,_ gico, com sua smtomatología predizível e achados caracte-
a essa nova realidade. Uma vez avaliada como uma crisel~1\":rísticos, é a reação que está entre luto descomplicado e as
por luto que não se resolveu pela realidade, o recurso tera'}lf> reações à morte que se transformam em depressão ou em
péutíco da terapia breve, adaptada a essa crise específica'fF' outros estados neuróticos, psicossomáticos ou mesmo psí-
r~V
84 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perda..c;c luto 85

cótícos. Utiliza-se de técnicas de terapia breve, ressaltando relação à morte e depois em relação ao morto; é freqüente
que, mesmo quando a crise amplia os problemas de perso- que ocorra desorganização:
nalidade do enlutado, estes não poderão ser resolvidos em c) reorganização: o paciente entra no luto, sente-se
terapia a curto prazo, apenas o problema em foco. VOLKAN triste; surgem questões e sugestões sobre o futuro.
e JOSEPHTHAL (1981), VOLKAN e SHOWALTER (1968) e
VOLKAN et al. (1975) ressaltam ainda algumas condições
básicas a serem garantidas para que o trabalho traga bons Os maiores obstáculos para fazer novos relaciona-
resultados, como: mentos e vívê-Ios novamente, de maneira significativa, são
os sentimentos arnbívalentes sobre o morto. As novas liga-
a) transferência positiva e imediata, forte e inabalá- ções possíveis têm muita variedade de forma, de acordo com
vel com o terapeuta: esse tipo de vínculo não deverá ser as necessidades do enlutado: trabalho, interesse, filho.
abalado por qualquer sentimento negativo ou de raiva que o neto, uma causa, ou mesmo relação de compromisso com
enlutado possa ter pelo morto ou por outras pessoas. O te- pessoa do mesmo sexo ou oposto, com quem o enlutado
rapeuta deve aceitar essas reações, sabendo que sua tarefa possa partilhar a vida. O trabalho pode durar de dois meses
é limitada, concentrada na situação imediata. O paciente, a um ano, com uma sessão semanal. É bastante freqüente,
ao encontrar nova ligação onde sua capacidade de amar após a resolução do luto, que o paciente se interesse por
seja recapturada, pode reconquistar a esperança. Relações um trabalho a longo prazo, com abrangêncía mais ampla,
passadas são exploradas apenas se afetarem diretamente a por causa do que foi remexido para o reenlutamento.
resposta ao luto; temporariamente, o terapeuta se torna o
STRAKER (1986) relatou a experiência com 220 pa-
substituto da pessoa amada e objetiva dar esperança e con-
cientes adultos no Departamento de Psiquiatria do Hospital
forto.
Geral de Montreal. Canadá, em terapia breve. Considerou a
b) foco firme na crise da perda: embora o objetivo
abordagem válida para pacientes selecionados, como aque-
não seja atingir distúrbios da personalidade, é imperativo
les que apresentaram descompensações transitórias devido
entender que problemas de personalidade ou dos padrões
ao luto, com uma razoável motivação para mudança. O ob-
de relacionamento do enlutado podem ser destacados ou
jetivo não era a reconstrução da personalidade mas uma re- r :'
ampliados pela crise. Estes não podem ser resolvidos pela
terapia breve, mas o problema específico que cada pessoa dução ou alívio de sintomas apresentados, na tentativa de
traz para a crise do luto tem que ser considerado pelo tera- ajudar o paciente a restabelecer o nível de funcionamento
peuta e pelo enlutado. Somente assim ele pode fazer a dis- anterior ao aparecimento da necessidade de ajudar o profis-
tinção entre seus abandonos e perdas imediatos e prévios sional. Como forma de avaliação, o autor apresenta o dado
(reais ou fantasiados] e a dor que foi remexida pela perda de que as mudanças positivas encontradas nos pacientes
presente e provocou tais respostas de sofrimento. no fim do tratamento foram mantídas durante acompanha-
Ao longo do trabalho de reenlutamento, de acordo mento por dois anos.
com VOLKAN(1971), são percorridas três fases: HILL(1976) apresenta resultados encontrados em te-
rapia breve. com número limitado a 12 sessões, partícular-
a) demarcação: o paciente é ajudado a racionalmente mente para pacientes com conflitos quanto a dependên-
distinguir entre o que pertence a ele e o que pertence ao cia/independência, baixa estima e dificuldades no luto. Não
morto: é indicada para psícopatologías severas e condições psíqui-
b) externalização: o paciente é encorajado a conti- cas rigidamente arraigadas. Ressalta a necessidade de diag-
nuar detalhando aspectos da morte e do morto e a raiva ge- nóstico apurado, esforço colaborativo tanto do paciente
ralmente começa a emergir nesta fase, primeiramente em quanto do terapeuta e foco específico sobre os objetivos com-
86 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia. em situ.ações de perdas e luto 87

binados. De acordo com o autor, os resultados são positiva- Esta é uma abordagem ampla, pois, para obter a
mente consistentes e duradouros. reorganização da vida do enlutado em um novo padrão.
Também MANN (1983) recomenda terapia breve abrange os vários aspectos que foram atingidos pela perda.
para casos de luto patológico, especificamente para aquelas Para BUDMANe GUHMAN(1988), o objetivototal do
pessoas que não entram no processo de cnlutamento. Res- terapeuta em situações de perda é ajudar o paciente a fazer
salta que tanto foco quanto tempo definidos são necessários a transposição de ser vítima para ser sobrevivente. Conside-
para superar defesas, controlar ansiedades e. ao mesmo ram que ambos são similares porque experimentaram um
tempo, estimular rápida aliança de trabalho. evento traumático. Ocorreu, porém. que a vítima ficou imo-
BELLAKe SMALL(1978) ressaltam a importância da bilizada e desencorajada pelo evento, enquanto o sobreviven-
avaliação do grau de perturbação causada na vida do enlu- te superou as lembranças traumáticas e adquiriu mobilida-
tado. Como instrumento para terapia breve do luto está o de. lidou com a catástrofe como fonte de força. O que distin-
encorajamento a sentir as emoções inerentes á perda. pois gue vitimas de sobreviventes é a concepção de vida, sua ati-
estas podem posteriormente se transformar em sintomas, tude sobre segurança e esperança, como os autores citam a
se não forem abordadas de frente. partir de FINGLEY(1985). Segundo eles. a terapia breve con-
GERBER (1979) relata a experíêncía realizada no sidera como parte do processo de lidar com a morte:
Montefiore Hospital Medical Group. em Nova Iorque, a res-
peito da aceitação. por parte de famílias enlutadas. da tera- a) especificar e nomear a morte relevante, explorar
pia breve que lhes era oferecida. sem que tivesse sido solici- seu significado e identificar para quaís outras pessoas, além
tada. Foi escolhida a terapia breve por se considerar que o do paciente, é também uma perda;
curso de uma reação de luto envolve o reconhecimento total b) oferecer informação sobre o curso freqüenternen-
e a experiência consciente da perda do objeto, a emancipa- te encontrado ou resposta comum a esse tipo de perda;
ção de uma ligação emocional forte com o morto, o reajusta- c) encorajar o reenlutamento pela perda, tanto para
mento ao meio no qual falta o morto e o estabelecimento de o paciente quanto para outros que sofreram a morte em
novas relações e padrões de comportamento. Nessa expe- questão;
riência, os métodos utilizados são: d) dirigir a perda a um contexto social, ou seja:
quando há pessoas significativas no meio relacional do pa-
a) permitir e estimular que o paciente ponha em ciente que também estão experimentando a perda ou são
palavras e possa expressar os afetos relacíonados a: dor, por ela afetadas, todos devem ser vistos, juntamente com o
tristeza. fim do lute; revisão do relacionamento com o mor- paciente.
to; sentimentos de culpa em relação ao morto;
b) agir como um programador de algumas ativida- Dos autores citados, BUDMANe GURMAN(1988) são
des do paciente e organizar entre parentes e amigos - dis- os únicos que ressaltam a necessidade de um atendimento
poníveis e adequados - um esquema simples e flexível, com abrangente aos atingidos pela perda e não apenas do enluta-
a mesma finalidade; do mais próximo do morto ou que evidencie maiores necessi-
c) assistir o paciente quanto a lidar com situações dades de cuidados. Embora eles não considerem especifica-
de realidade. cuidados com os filhos. problemas legais; mente a família como o alvo desse tipo de terapia. a idéia é
d) intermediar com médicos a prescrição de energí- que não somente o paciente, com mostras mais evidentes de
zantes psíquicos, se necessários, diante de depressão ou in- sofrimento. pode se beneficiar, mas também os que o cer-
sônia excessivas; cam. além de serem. de certa forma. instrumentos terapêuti-
e) oferecer assistência para planos futuros. cas no momento de dirigir a perda ao contexto social.
88 Maria Helena P.F. Bromberg A psícoierapia em situações de perdas e luto 89

Como fica claro, a abordagem de terapia breve é lar- pessoa enlutada deve ser ajudada a olhar corajosamente
gamente utílízada no enlutamento, com princípios e funda- para o que foi perdido, para poder demarcar claramente en-
mentos definidos. técnicas descritas e comprovadas e resul- tre o mundo que existe hoje e o que existiu até o momento
tados que a validam. Sua utilização, no entanto, é basica- da perda. É necessário que o terapeuta tenha a força para
mente dírígída para indivíduos e não para o grupo familiar. agir com muita autoconfíança, pois o procedimento deste
Tem, entre os autores mencionados, os seguintes pontos faz com que o paciente sinta-se, por vezes, mais infeliz do
coincidentes: permitir a expressão de emoções, por mais que estava antes da terapia, como conseqüência do reenlu-
ambivalentes ou mesmo dolorosas que possam ser, assim tamento. O terapeuta deve estar também ciente de que en-
levando à sua compreensão no contexto do Iutor-sttuar a contrará muita resistência à mudança, por parte do pacien-
perda no âmbito da realidade, para que o enlutado possa te. que não aceita desenvolver as habilidades necessárias
enfrentá-Ia e intervir sobre ela, produtivamente. Na expe- para viver uma situação não desejada por ele.
riência com famílias, também utílízo esses recursos por É um trabalho doloroso, requer que o terapeuta es-
coristderá-los úteis e adequados, uma vez que, com freqüên- teja preparado para ajudar o paciente a avaliar suas cren-
cia, os elementos da família enlutada se sentem inibidos ças. clarificar seus modelos prévios e a situação atual para
para expressar emoções, na tentativa de preservação do res- identificar os aspectos que precisam ser mudados. De acor-
tante da família e também para que possam contatar essa do com BLACK (1978). o trabalho é particularmente recom-
nova realidade que a todos afeta, sístemícamente, para se pensador quando feito com famílias e não com indivíduos
adaptarem a ela ou transformá-Ia. isolados. O interessante dessa sua afirmação é o fato de vir
HAASLe MARNOCHA(1990) relatam experiência de de uma profissional reconhecidamente atuante e experiente
grupos de apoio para crianças enlutadas, com duração de no trato do luto infantil, mas não exclusivamente. Durante
cinco sessões semanais de uma hora e meia. O trabalho contato pessoal com a Dra. Dora Black, no Royal Free Hos-
está firmemente estruturado em um programa que encoraja pital. de Londres, acompanhei sua atitude de considerar
as crianças a expressar seu luto por meio de desenhos, re- tanto a necessidade individual como a do grupo familiar, ao
presentações e conversas. Segundo os autores. embora sem tratar de famílias enlutadas.
tentar avaliar a eficácia, os grupos são úteis para crianças
com idade entre cinco e dez anos. A justificativa para ser o
trabalho feito apenas com as crianças, sem qualquer espé- 2.2. Psicoterapia familiar para o enlutamento
cie de suporte para o restante da família. está na afirmativa
de que as crianças sentem-se inibidas em apresentar suas Tradicionalmente, a compreensão da perda por mor-
emoções diante de adultos enlutados, a quem consideram te tem se dado no âmbito individual ou, se o familiar é leva-
que devem cuidados. do em conta, é sempre a partir da relação díádíca do pa-
BLACK (1978) avalia como bons os resultados com ciente sintomático com o parente morto, como ficou eviden-
crianças ou pais sobreviventes que foram individualmente te em grande parte da pesquisa teórica do presente traba-
submetidos a terapia para enlutamento, mas ressalta a ne- lho. Dessa forma, é possível concluir que o membro assinto-
cessidade do estudo de formas de intervenção terapêutica mátíco da família está se ajustando bem à perda, mesmo
que possam abranger a família como um todo. Sua preocu- que o sistema relacional náo tenha sido avaliado. No entan-
pação está, porém. especificamente voltada para a criança. to. a experiência mostra que não é bem assim: se houve
por considerá-Ia vulnerável a desenvolver patologias em uma perda na família. inevitavelmente o sistema familiar
conseqüência do luto. Coloca como objetivos dessa terapia a será alterado e os membros poderão precisar de ajuda para
facilitação de expressões de luto e a ampliação da comuni- reconstruir sua história e seus relacionamentos em uma
caçáo entre os enlutados. De acordo com PARKES (1977). a perspectiva funcional.

'~''''''''''._':'':''''';fl~~~''''''''''~~''''''''''f'''''''''-'''''''''--_._._~--~._--~
A psicoterapia em situações de perdas e luto 91
90 Maria Helena P.F. Bromberg

BLACK(1979) apresenta resultados de experiências As diferenças não significativas, mas estatisticamen-


nas quais atendeu famílias a partir de um mês da perda. te tendentes nessa direção, referiam-se a chorar mais (ex-
por seis sessões. com o objetivo de promover o luto e com- pressar sentimentos) pelo genitor morto e ler pais menos
partilhar as emoções a ele relacionadas. Dessa forma. os fi" deprimidos. Para os pais do grupo de tratamento, as dife-
lhos são estimulados na comunicação de suas idéias sobre renças mais significativas, ao fim do primeiro ano. foram:
a morte e os pais também se beneficiam desse tipo de apoío '
para explicar aos filhos a realidade dos fatos. dar-lhes su- _ humor menos deprimido, menor procura por aju-
porte emocional. Todos podem se engajar no processo. de da profissional, melhora na condição geral de saúde.
maneira que sejam evitadas decisões que poderiam ter sido Como conclusão, as autoras entendem que, se a ha-
tomadas em condições adversas com conseqüências negati- bilidade para entrar em luto está associada á boa condição
vas. BLACK (1991) e BLACKe URBANOWICZ(1985) rela- de saúde físíca e mental do genitor sobrevivente, e se é ím-
tam resultados de pesquisa longitudinal (três anos) com a comunicação e a expressão dos sentimentos de
famílias que tinham filhos com 16 anos ou menos, das entre os membros da família, os resultados foram, en-
quais um dos pais havia morrido. As famílias foram rando- tão, positivos. Entre as deficiéncias encontradas no estudo,
micamente divididas entre as que iam receber tratamento a principal apontada foi a falta de contato com as crianças
e as que seriam do grupo de controle. Dois meses após a no acompanhamento. A curto prazo, ou seja, nos três anos ,';1
morte, as famílias do grupo de tratamento receberam uma da pesquisa, foi possível verificar a não-instalação de resul-
carta da instituição "CRUSE", que trata de questões de en- tados patológicos. O aspecto interessante do estudo está em :~~

lutamento na Inglaterra. Nessa carta, era oferecida uma chamar atenção para a necessidade de intervenção de àm-
visitaà família, para identificação de sua condição diante bito familiar, mesmo que originada no risco de instalação ":~:.
;'f

da perda, após a qual era iniciado o tratamento, com os de comportamento patológico nos filhos, sem considerar o
objetivos: explorare tentar ajudar nos problemas emocio- sofrimento familiar como um todo. .;:
nais e práticos advindo do luto; facilitar a comunicação McGOLDRICK(1991) recomenda que sejam traçados ,~~
t-

sobre o morto; ajudar na comunicação e expressão do . ':f


padrões de adaptação à morte como parte de uma rotina de
luto. Brinquedos e material gráfico foram utilizados e, ao
avaliação do funcionamento familiar. São tambêm por ela
longo das sessões, o terapeuta também abordava a ques-
considerados úteis tanto o genograma trigeracional como o
tão da reação ao luto, mesmo que de menor impacto, que
traçado de uma linha de tempo. Embora o uso inicial des-
sua própria separação, ao fim do trabalho, poderia provo-
ses instrumentos seja para fins de avaliação, não é necessá- '11
car. Foram feitas entrevistas de acompanhamento após o J'

ria uma distinção rígida entre avaliação e intervenção tera-


primeiro e segundo ano do início da terapia. Como resulta-
pêutica, uma vez que, freqüentemente, ambas se ínterpo-
do comparativo entre grupo de tratamento e grupo de con-
Iam. Os objetivos principais são: obter e compartilhar o re-
trole, foram verificadas as seguintes diferenças significati-
conhecimento da realidade da morte; compartilhar a expe-
vas para as crianças:
riência da perda e colocá-Ia em seu contexto; reorganizar o
- crianças tratadas, ao fim do acompanhamento do sistema familiar: reinvestir em outros relacionamentos e ob-
primeiro ano, apresentaram menor número de distúrbios de jetivos de vida. Como recursos técnicos para atingir esses
comportamento na escola e em casa; tinham menos proble- objetivos, recomenda:
mas de sono e melhor condição de saúde geral; falavam mais
- fazer visitas ao cemitério;
freqüentemente sobre o genitor morto; tinham menos proble-
mas de aprendizagem; estavam menos inquietas e roíam me- _ escrever cartas ao morto ou aos vivos, a respeito
nos as unhas. do morto;
92 Maria Helena P.F. Bromberg

- olhar antigas fotografias, emoldurar algumas para


ter em casa ou fazer um álbum;
- ler diários ou cartas decidindo o que quer man-
ter, o que presentear como lembrança e o que quer jogar ,
fora;
escrever diário com sonhos, memórias e reflexões;
III
conversar com parentes sobre a perda;
assistir a filmes, ler livros relacionados a situa-
(0b1eHtJog
ções de perda;
- ouvir música, incluindo a preferida do morto e
da família.

Nos casos em que a família ficou impossibilitada de


entrar em luto por muitos anos, de forma que os membros - "Num fim remoto, silêncio ensurdecera (...)
Quem sabe o adeus de um deus que se prepara?"
nem possam mais perceber o quanto seus relacionamentos (Poemas, Maria Ângela Alvim)
foram alterados por essa dificuldade, é requerido um traba-
lho mais intenso. Normalmente, o andamento da terapia da
família enlutada segue esse percurso. Após a superação dos
bloqueios de perda, é necessário trabalhar com os seguintes
aspectos: No ano de 1991, no Município de São Paulo, do total
- re-rítualízar a perda, com uma cerimônia, não 57.884 mortes registradas pelo Programa de Aprimora-
importando quantos anos tenham decorrido desde a morte; mento das Informações de Mortalidade do Município de São
Paulo, PRO-AlM,verifica-se que:
- revisar histórias dentro da história familiar, para
nela incluir a experiência da perda e incorporar aspectos
_ a primeira causa, responsável por 32,8010 das
escondidos ou negados do morto;
mortes, são as doenças do aparelho circulatório; desse to-
- revisar os relacionamentos atuais diante do novo tal, são 52,6010 de pessoas do sexo masculino e 47,4010 do fe-
significado agora dado à história. minino; na maior parte dos casos, são mortes repentinas,
embora possam até ter sido previstas;
Para os autores citados, fica em comum que os obje-
_ em segundo lugar, responsável por 15,1010 das
tivos da terapia com famílias enlutadas envolvem sempre o
reconhecimento da perda e a adaptação à nova realidade. mortes, estão as chamadas causas externas: homicídios,
As técnicas, mesmo que difiram entre si, são notadamente acidentes de trânsito, suicídios e lesões auto-ínflígtdas, de-
ativas, provocando mesmo a revívêricía de emoções que vi- mais formas de acidentes; atingem muito mais pessoas do
nham sendo evitadas, o que caracteriza uma forma de luto sexo masculino (85.6010) do que do sexo feminino (14,4010).
patológico. As diferenças na aplicação das técnicas são jus-
tificadas pelas necessidades específicas de diferentes níveis Esses números mostram que um total de 47,9010 das
de intervenção de acordo com o que foi inicialmente avalia- mortes ocorreram da forma de mais dífícíl superação por
do nas famílias. aqueles que sofreram a perda: a morte repentina. Essa afir-
mação é unânime entre os pesquisadores do impacto da
94
Maria Helena P.F. Brombefg CA psicoterapia em situações de perdas e luto 95

perda. corno YORKSTONE, 1981; RAPHAEL, 1983; PARKES,:


1983 e 1986; ABERASTURY, 1978: ROSENBLATI,
1964a, 1965. 1990; PARKES e WEISS, 1983; PARKES e:
BROWN, 1972; CLAYTONet al., 1968 e 1973.
> ;' As conseqüências da não-atenção às pessoas e farni-
Considerando-se que a incidência dessas mortes au- 'lias enlutadas refletem-se no plano social, com o aumento
menta em pessoas com idade a partir de 20 anos, é possívef .cl.~ freqüência de consultas médicas, internações hospítala-
pensar que são mortes que causam viuvez. A perda do par-,
.~ês, afastamento do trabalho, repetêncía e evasão escolar,
ceiro está entre as que mais problemas traz, para o parceiro
'-comportamento delmqüenctal. Ou seja. a necessidade de
remanescente e para a organização familiar Como um todo
1~tendimento apropriado ás famílias que sofreram perda é
(STROEBE & STROEBE, 1987; PINCUS, 1974; CLAYTONet
:7:i;iegável. A cultura brasileira, no entanto, não está aberta
alo, 1972; BOWLING & CAR1WRIGHT, 1982; CLAYTON,
-para reconhecer a importância e o valor social do trabalho
1975; MARRIS, 1958; PARKES e BROWN. 1972; HYMAN,.
preventivo do enlutamento. Mesmo entre psicólogos treina-
1983; WALSH e McGOLDRICK, 1991). Sáo muitas as adap-
. dos e experientes em diagnóstico psicológico. a questão do
tações a serem feitas, desde a administração doméstica até
.luto, como causadora de distúrbios psíquicos, não tem me-
a financeira, sem contar que ° primeiro ano de viuvez é o.
recído a devida atenção. Constantemente verifico urna pos-
mais difícil, provocando incidências de doenças geralmente
níra que considero superficial quanto ao impacto do luto,
devido à queda do sistema imunológico, como resultado da
como se fosse um sofrimento inevitável e sem conseqüên-
depressão emocional, e provocando maior necessidade de.
"cias relevantes.
cuidados médicos. Os resultados apontam para um maior.
número de viúvas e são estas as que, embora sobreVivendo Há um tipo de perda de difícil recuperação e tam-
por mais tempo à perda do parceiro, marcam essa sobrevi- bém causadora de problemas familiares que podem ter ím-
vência por dificuldades em retomar a vida num novo made-, 'pacto até trígeracíonal. É a perda de um filho, desde um
10, no aspecto prático do cotidiano e também no emocionat, aborto ou natimorto até de um filho já adulto. Parece que-
(YORKSTONE. 1981; SCHMALE. 1958; ENGEL, 1961;': brar uma seqüência natural, em que os mais velhos devem
SWENSON, 1965; STERN et al., 1951; PARKES, 1964a e b). morrer primeiro. Na verdade essa crença é uma forma de
defesa que busca estabilidade e controle sobre fatos que fo-
Se nessa faixa etáría encontra-se viuvez. é espera-
gem do controle humano. No levantamento feito pelo PRO-
do que também seja encontrada a situação dos filhos que
.'AIM referente ao ano de 1991. mortes de indivíduos com
perdem um dos pais repentina ou violentamente. Tal tipo
idades de zero a 19 anos somaram 7.228, ou seja, 12,5% do
de perda, para a mente da criança, provoca distúrbios de .
total. Desse total. 22,4% foram por causas externas, a pri-
longa duração, mesmo que não tenham a evidente aparên-
meira causa nessa faixa etária. Em crianças pequenas, com
cia de reação de luto. Muitas queixas de agressividade, di-
idades de zero a quatro anos. de um total de 5,118 mortes,
ficuldades escolares, comportamento delinqüencial, quan-
encontramos 46% causadas' por afecções originadas no pe-
do pesquisadas em profundidade, apontam para a existên-
ríodo pertnatal, ou seja, atingindo apenas recém-nascidos.
cia de um luto não devidamente valorizado na história da
farnílía. enquanto 18.9% foram causadas por doenças do aparelho
respiratório. Estas são particularmente formas de doenças
Tratar crianças e jovens enlutados e fazer a família que abalam profundamente a dinâmica e a estrutura fami-
perceber as implicações do luto para todos os seus mem-
liar, por provocarem extensos sentimentos de fracasso e im-
bros é uma atuação preventiva no que se refere às famílias
potência. além de pôr em risco, com muita freqüência, a es-
que essas crianças ou jovens poderão vir a formar, Além
tabilidade do casamento. Como já apontado nas pesquisas
disso, toda a vida psíquica e relacional estará sob o impac-
estudadas. a importância dessa experiência não causa im-
to dessa perda. segundo muitos autores, como: BOWLBY,
pacto apenas nos pais. como também nos irmãos e na famí-
1978a, 1978b, 1981; SPITZ, 1979; PARKES, 1965; BLACK,
lia estendida (BOURNE, 1968; LEWIS e BOURNE. 1989; LE-
I
96
Maria HeLena P.F. Brombe ~'pSícoterapia em situações de perdas e luto 97

WIS e CASEMENT, 1986). É importante acrescentar que,;


;.;;;,. Tendo em vista as diferentes formas de abordagem
embora não presentes no levantamento do PRO-AlM, tara-
'ido luto, tanto individual como familiar, a ampla revisão da
bérn as perdas de filhos em casos de aborto são extrema-
Inferatura aponta diversos aspectos como: importância da
mente negativas para todos os membros da família (LEWIS' ,~~essoafalecida na organização afetiva e social da família;
e PAGE, 1978: LEWTS e BRlAN, 1988; MEYER e LEWIS, ilittl;lpactodiferencial da perda sobre estágios do ciclo vital da
1979; WALSH e McGOLDRICK,1988). 'ilfámíliae de seus membros; grau de saúde dos ínter-relacío-
Assim sendo, diante de um problema que. de uma jfnamentos familiares: adequação da terapia à específícídade
forma ou de outra, em diferentes momentos do ciclo vital, ,'Idoenlutamento na família. Esses pontos, uma vez detecta-
irá atingir as pessoas, é necessário que a Psicologia se volte' . .dos, são trabalhados com sucesso. Encontrei assim um ca-
para pesquisar a maneira de intervenção mais adequada' ;;~inho para iniciar o trabalho nesses moldes com caracte-
para minorar o sofrimento dos que Vivem uma perda, reins.k (Hsticasclínicas.
talando a possibilidade de viver saudável e integralmente ..~ Y A partir dessas idéias gerais, foi possível delinear o
Como vem sendo tratado nesse trabalho, o luto é uma expe:~' é;vbjetivodeste trabalho: Trabalhar o processo de luto comJa-
ríêncía psicológica com contornos próprios e bem defínídos., ;~mílias, verificando as implicações teóricas e clínicas.
Conseqüentemente, agir sobre ele requer também técnicas! Essas implicações dizem respeito à passagem dos
específicas e bem definidas. conhecimentos obtidos com pacientes individuais, por meio
A morte, apesar de - ou talvez, devido a _ todo o: :'.das pesquisas apresentadas neste trabalho, envolvendo
tabu que a cerca, é a experiência Vital que mais impacto .aterrdímento clínico, para o âmbito do sistema familiar, com
.;suas específícídades levadas em conta.
causa na dinámica individual e familiar (KUBLER-ROSS,
1989). Faz com que a família viva "uma intensa e terrível"
sensação de vulnerabilidade" (MEYER,1987).
A definição de um ciclo vital da família, Com a con-
seqüente compreensão de seus componentes e implicações' 1. O FENÔMENO POR ABORDAR
para cada um de seus membros, revela-se fundamental
para qualquer proposta de intervenção terapêutica.
Particularmente nas chamadas experiências de cri- .~ Se a experiência de perda significativa acarreta con-
se. confrontadas com o momento do ciclo vital e com as ca- ' seqüências danosas para o equilíbrio mental do individuo e
racterísticas do grupo familiar e dos membros individual- para o funcionamento saudável da família, deve ser aborda-
mente, o delineamento dessa intervenção é necessário, obje- da, então, como provocadora de uma situação de crise, por
tívando que seja eficaz pela adequação à problemática espe- definição. Como tal deve ser abordada. No entanto, as pes-
cífica e pelas peculiaridades da situação. soas que estão no "olho do furacão", na crise, percebem que
A negação da experiência de perda é o principal seus recursos podem não ser adequados para esse enfren-
obstáculo a qualquer tentativa de elaboração e vinculação tamento, necessitando de ajuda externa. Ou não percebem
a novos padrões de funcionamento. No entanto, muitos essa limitação e intensificam o sofrimento ou o atenuam às
outros fatores pesam nesse processo como um todo, o que custas do desgaste de suas defesas. Além desses aspectos,
me levou a formular a questão: por que algumas famílias há realmente pessoas ou famílias que superam esse tipo de
precisam de ajuda psicológica para elaborar o luto, en- crise, dentro do curso considerado como próprio ao luto
normal. Isso não significa que não sofram. Significa que sua
quanto outras podem reencontrar o equilíbrio funcional
sem muito esforço ou sofrimento? homeostase anterior foi suficiente para que se restabeleçam
durante e após esse curso.
A psicoterapia em situações de perdas e luto 99
98 Maria Helena P.F. Bromberg

Há aspectos que diferenciam as famílias que precí- tuaís. culturalmente criados, socialmente aplicados e indivi-
sam de ajuda daquelas que não precisam. Há também dife- dualmente benéficos, têm os efeitos apontados quanto à
rentes tipos de ajuda, desde o acompanhamento às famíli possibiliàade de recomposição diante da perda por morte,
de pacientes terminais, passando por orientação famili sua utilização implica considerá-ios como instrumentos
(de caráter pragmático) até a terapia familiar. A díferenç transpostos para o universo familiar com as mesmas fun-
entre essas necessidades foi apresentada nas páginas 71-' "ções e finalidades. A prática de utilização de rituais (não es-
do Capítulo 11 do presente trabalho, considerando as carac- 1:., pecificamente para luto) é consagrada na terapia familiar
terísticas do luto normal e do luto patológico, aplicadas à ,rsistêmica e tê-Ia na terapia breve não significa desenqua-
experiência familiar. Fdramento na teoria de ambas as técnicas. É a utilização
.~.cuidadosae criteriosa para que se crie uma forma de traba-
A terapia familiar, nas diferentes abordagens em que
·"lho adequado para o problema.
pode ser feita, apresenta uma vasta gama de aplicações, in-
cluindo trabalhos com famílias de pacientes psícótícos in-
ternados ou não, de deficientes mentais ou sensoriais, de
presidiários, de dependentes de drogas e de outros, além:
das famílias com dissonãncias em seu funcionamento rela- 2. AS PRESSUPOSIÇÕES
cional não ídentíflcáveís como provocadas por causa única.
Para trabalhar com o luto da família, porém, há que:
se chegar a uma técnica que aborde-o como uma crise ê; . Considerando o já exposto, as pressuposições deste
respeite suas especificidades. É trabalhar com um grupó' [;trabalho são, portanto:
que tem características próprias e que não se desfaz ao té6, " _ luto é uma experiência de crise que afeta todos os
mino da sessão como nas terapias de grupo. É levar e"
conta o fenômeno aí recorrente, lidar com uma perda para .rnembros da família;
família como unidade e com as diferentes perdas, para cad _ não é suficiente tratar a crise individual do luto,
um dos membros da família e os vários contextos índíví porque é também um fenômeno grupal (aqui entendido
duaís. Das técnicas consagradas, a que mais se aproxima {como pertinente ao grupo familiar);
das necessidades da família enlutada quanto ao atendírnen- _ por ser uma experiência de crise, terapeutícamen-
to psicológico é a terapia breve. Mesmo assim, não corres.'
falando, assim deve ser abordado;
ponde totalmente a essas necessidades e esta é uma das
preocupações deste trabalho: verificar como é possível a utJ.': _ se todas as sociedades dispõem de rituais para li-
lização de uma técnica terapêutica que seja adequada às dar com a morte e estes têm uma função reorganizadora
para os indivíduos podem ser transpostos para o contexto
necessidades e condições específicas da família que sofre~i
perda significativa de um de seus membros. Essa preocupa-s terapêutica, guardando as mesmas características e fun-
ção surge a partir de meu posícíonarnento acerca da consic}; "ções.
deração sobre o luto como um fenômeno que não causa im.2 A partir dessas pressuposições, o presente trabalha
pacto em um índívíduo isoladamente e sim na totalidade de propôs-se a investigar o que ocorre a uma família enlutada,
seu grupo básico de referência, a família. Logo, trabalhar ao experimentar a vívêncía de uma condição especifica de
com o luto no ámbito terapêutíco significa trabalhar coma crisepor luto, com intervenção terapêutica.
família enlutada.
Para compor a abordagem terapêutica breve de ma"
ncira a atender a essas necessidades, um recurso está sewl
do utilizado neste trabalho: ritualização. Uma vez que os rio;
IV

vUétodo

"Temos sentido muito pouca alegria.


Este, somente, ê o nosso pecado original."
(Nietzsche)

1. A PESQUISA

Tendo em vista o enorme conhecimento advíndo de


pesquisas quantítatrvas, quanto às características e reações
típicas nas diversas situações de luto (como apontado na re-
Visãoda literatura), a pesquisa qualitativa se justifica devido
aos objetivos propostos, por se tratar de verificar tais carac-
terísticas ou reações específicas na situação familiar. Essa
forma interventiva de trabalhar os dados permite melhorar a
compreensão do problema de um ponto de vista dinâmico,
além de dar condições para um trabalho efetivo na elabora-
ção do luto.
Relatos sucintos de seis casos clínicos (famílias A.
B, C, O, E e F) são apresentados como exemplos da situa-
ção de luto na família, com suas implicações preventivas e
terapêu ticas.
Vale lembrar que o objetivo da pesquisa não inclui
primordialmente a discussão da técnica terapêutica e sim, a
.análise dos aspectos que atingem a família enlutada quan-
do em terapia (tais como, influência sobre os sintomas apre-
sentados, reversão das queixas trazídas).
_____ --""""""'~.
_ ..~T.--=""-;::u..""""~""''''-·''''':-~-~-'·:-'· "'::"'i:'
-.'!",:/~~

A psicoterapia em situações de perdas e luto 103


102 Maria Helena P.F. Bromberg

2. SUJEITOS
Os códigos utilizados são:
P == pai; M == mãe;
Os sujeitos foram casos clínicos de famílias atendi- Fo = filho; Fa = filha;
das por mim na Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovíc" da
Pr = primo.
PUC-SP.
A seguir, é apresentado um quadro-resumo com os Os algarismos entre parênteses referem-se à idade
aspectos das seis famílias de exemplo. das pessoas, ou na época da terapia ou na época da morte,
conforme o caso.
As famílias foram atendidas mesmo quando compa-
FA- HÁ
MEMBROS IMEMBRO recia um único membro à sessão. Esta decisão se justifica
MÍ- QUANTO QUEIXA
LIA
VWOS MORrO
TEMPO
pelo fato de que a família tem uma peculiaridade, quando
A M (38)
está no contexto terapêutíco: é um grupo que não se dissol-
P (47) 7 anos Agressividade de Fo.
(17)
ve ao término das sessões. As intervenções tinham um ca-
Fa
ráter sístêrníco, embora sem desconsiderar necessidades in-
Fa (14)
dividuais. Dessa forma, o eventual risco de dístorções e per-
Fo (12)
cepções exclusivamente individuais estava sob controle.
Avó (72)
B P (29)
As famílias buscam a Clínica Psicológica "Ana Maria
M (31) 5 anos Fo (5) não fala.
'Poppovic" com queixas várias e não com uma demanda es-
F (12)
;: pecífíca por terapia em razão do enlutamento. O primeiro
Fo (9)
J motivo para isto está no fato de que a Clínica não oferece
Fo (5)
" sistematicamente esse serviço entre os atendimentos de que
c Fo (14) M (7) 11 anos Fo tem dificuldades de
~.dispõe. A segunda razão é que muito freqüentemente o sin-
Avó (54) aprendizagem.
toma ou motivo que leva ã busca de ajuda psicológica é o
Tia (30)
enlutamento, porém, visto por meio de um distúrbio: filhos
Tia (28)
agressivos, com dificuldades de aprendizagem, adultos com
Tia (27)
sintomas somátícos As pessoas não estão sensibilizadas
Tia (27)
para a questão do luto, pois não faz parte do seu universo
Tia (25) buscar atendimento psicológico para o enlutamento, princi-
Pr (ll) palmente por desconhecerem suas conseqüências a médio e
D P (32) 1 aborto entre Fa Dificuldade de relaciona- longo prazos. Em contato com vários profissionais, ao lhes
M (32) e 1 nati- e Fo mento entre M e Fa. solicitar encaminhamento de famílias enlutadas para parti-
Fa (0) morto cipação nesta pesquisa, constatei que esse desconhecimen-
Fo (6) ·to não está restrito ao leigo.
Fo (4)

E Ip ~~ Fo (lI 4 meses I M muito nervosa, relacio-


M ~ dias) namento difícil com P.
~ ~ 3. PROCEDIMENTO APÓS ENCAMINHAMENTO
h ~
FIM (41) P (44) 11 meses I Depressão de M.
Fa (14) As famílias analisadas neste trabalho foram inscri-
Fo (12) tas e triadas a partir da queixa sobre um membro, ou seja:
105
104 Maria: Helena P.F. Brombeti A psicoterapia em siLl.1D.çÕeS de perdas e luto

uma queixa individual. Após a entrevista de triagem, fo- ,;tauséncia de alguns, bastando garantir a presença de, no
ram encaminhadas para entrevista comigo, visando verifi'~ -ínimo, um membro. Era previsto um número mínimo de
jaze sessões, mas este não seria o de terminante único (o
car adequação para atendimento dentro desta pesquisa,
(,principal) para que o trabalho seja considerado completo,
sem que tivessem sido informadas na triagem sobre o tra-
l'tomando-se em conta seus objetivos como prevalecentes so-
balho que lhes seria oferecido. Como a entrevista de tna-
gem apontava a queixa individual mas, em algum rnomen-, re o critério "número de sessões".
to, referia a ocorrência de uma perda por morte, esse prí-':
meiro contato tinha dois objetivos: fazer, para a família, (
conexão entre a queixa apresentada e seu significado den-·
tro do processo de enlutamento e oferecer o trabalho de te:' 4. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS
rapia para a família, e não apenas para o elemento que,
provocou a ida à clínica. Foi explicado tratar-se de urna';
pesquisa sobre o que ocorre a uma família enlutada sub-" Os auxiliares de pesquisa tiveram papel de grande re-
metida à psicoterapia. Foi também informada a exístêncíaj levância no presente estudo: estiveram presentes às sessões
dos auxiliares de pesquisa, que observariam as sessões'] terapêuticas observando-as pelo espelho unidirecional, ouvín-
pelo espelho unidirecional e gravariam em videoteipe. For do-as com fones de ouvido e anotando-as detalhadamente;
garantido o sigilo no tratamento dado ao material de forma _pósteJiormente,transcreveram as fitas de videoteipe que fo-
que as famílias não pudessem vir a ser ídentífícadas. O ':-rarnutilizadas para a gravação das sessões, com o auxílio de
mesmo procedimento de registro foi empregado coma Gsuas anotações. As fa.:.-níliasestavam informadas sobre este
maioria das famílias atendidas, exceção feita para a Famí- t~ptocedimentoe com ele concordaram. Em quatro fanúlias do
lia E, onde houve apenas gravação em videoteipe, sem ob- exemplo,a càmera de gravação ficou fixa em um tripé. Nas fa-
servadores e a Família A, onde houve apenas observadores }lÜliaB e F, um funcionário da Clínica Psicológica "Ana Maria
que fizeram relato cursivo. A primeira situação se deu por poppoviC"foi treinado especialmente para fazer essas grava-
falta de condições físicas (sala com espelho) da Clínica di· ,ções. Seu treinamento foi tanto no âmbito técnico, por meio
,pue, por causa do horário disponível pela família para de aulas informais dadas pelo técnico em videoteipe da Facul-
ateridímento. No caso da Família A, deveu-se a ter sido a . dade de Jornalismo da PUC, quanto no âmbito ético, com mi-
primeira família a ser atendida, quando ainda não havia nha participação direta que abordei com ele principalmente a
decídído utilizar gravação em vídeoteípe. Quando necessá- >qúestão do sigilo quanto ao material gravado_ Sua presença
rio, foram-utílízados procedimentos de habituação com ,na sala com a cámera para gravação não parece ter tido efeí-
sala de espelho e os observadores. '-:tos inibitórios sobre essas duas famílias.
As famílias atendidas concordaram com o procedi- O motivo que levou à atuação de uma pessoa que di-
mento. A questão de entender a queixa individual como per-. ",rigisse a cãmera para onde a ação estivesse ocorrendo de-
tinente ao contexto do luto familiar abrange muito mais que H.veu-se,na Família B, ao fato de existirem três crianças mui-
a anuência inicial, mas esta deveria ser dada pelo familiar ~;i.toativas que faziam grande uso do material lúdíco e gráfíco
responsável, para que o trabalho pudesse ter início. :".simultaneamente. Dessa forma, minha tentativa era ter as
; sessões documentadas da maneira mais detalhada possível.
As regras do contrato terapêutíco foram informadas:
Para a Família F. embora não existissem crianças e sim,
o foco do trabalho estava no luto e, mesmo que outras ques-
adolescentes, o cuidado manteve-se quanto a acuractdade e
tões anteriores ou externas à perda fossem levantadas, se-
riam profundamente abordadas apenas se tivessem relevân- detalhamento das sessões.
cia na questão em foco. Deveriam participar todos os mem- Nas entrevistas iniciais com todas as famílias, o re-
bros da família, mas as sessões aconteceriam, mesmo com gistro era feito por mim de forma resumida para que não in-
106
Maria Helena F.F. Bromberg Apsicoterapia em situações de perdas e luto 107

terferisse na relação que estava começando a se formar, Para aprofundar o conhecimento acerca desses pon-
ainda que incipiente e fora dos padrões em que iria se de- tos, utilizei com as famílias estudadas as questões sugeri-
senvolver. Como eu fazia reuniões semanais com a equipe
das por McGOLDRrCK(1991):
(auxiliares de pesquisa). foi possível rever as sessões grava-
das, esclarecer pontos das transcrições e discutir conteú- a) As datas relacionadas à morte são vagamente
dos. O material gráfico produzido nas sessões pelos elemen- lembradas ou celebradas em ritos sagrados?
tos das famílias está guardado comigo, o mesmo ocorrendo
com as fitas de videoteipe. b) Os membros da família mostram-se à vontade
para falar do falecido e das condições da morte?
c) Como os vários membros da família mostraram
suas reações à morte? Choro? Afastamento? Depressão?
Atividadeexagerada? Conversam entre si sobre a morte?
5. RECURSOS PARAAVALIAçÃODAS FAMÍLIAS d) Quem estava presente no momento da morte?
Quemnão estava, mas deveria estar? Quem viu e quem não viu
o corpo?
Na primeira entrevista foram também levantados os e) Como estava o relacionamento familiar na época
pontos que auxiliariam na avaliação da condição da família da morte?
diante do enlutamento.
f) Quem cuidou do funeral? Quem compareceu?
WALSH e McGOLDRICK (1991) recomendam uma Quem não compareceu?
consideração cuidadosa a respeito dos pontos que dão a di-
g) O corpo foi enterrado ou cremado? Se cremado, o
mensão de maior ou menor necessidade de atendimento te-
que aconteceu com as cinzas?
rapêutica. Esses pontos foram levantados a partir das evi-
dências teóricas que, como apresentadas neste trabalho, in- h) Quem vai ao cemitério e com que freqüência?
dicam condições mais próximas de uma resolução saudável Quem menciona o morto e com que freqüência? O que foi
do luto ou não: feito dos objetos pessoais do morto?
i) Há algum segredo sobre as causas e circunstân-
a) tipo de morte (repentina, após longo período de cias da morte? Esse segredo é para pessoas de dentro ou de
doença, violenta, prematura, suicídio); fora da família?
b) padrões familiares de união; j) Que mítífícações ou mitos foram criados na famí-
cJ flexibilidade do sistema; lia acerca do morto? Foi transformado em um "santo"?
d) comunicação. mitos e tabus sobre a morte; k) Quais são as crenças culturais e religiosas sobre
e) recursos sociais e econômicos; a vida após a morte? Como essas crenças influíram na com-
f) preensão do significado da perda?
papel do morto no sistema familiar;
gJ relações familiares por ocasião da morte; Essas questões abrangem os pontos considerados
h) perdas múltiplas; mais vulneráveis ao estabelecimento de reações patológicas ao
i) luto familiar, e contribuem também para uma visão ampla do
fatores simultáneos de estresse;
j)
padrão de relacionamento existente na família, antes e depois
legado multigeracional de lutos não resolvidos;
da morte.
k) sistema de crenças da família;
Uma investigação no âmbito individual dos elemen-
1) contexto sociopolítico e histórico da morte. tos da família também é feita. para averiguar a eventual
lO8
Maria Helena P.F. Brombergj, "A psicoterapia em situações de perdas e Iuto 109

presença de reações características do luto patológico. que;


1,~onsideradosdurante o processo terapêutica. para verificar
possam interferir no processo familiar. Os pontos de avalia-i seu andamento e os resultados que estavam sendo obtidos.
ção sugeridos pela literatura são a seguir apresentados. ,Escolhiesses itens por abrangerem os pontos básicos de ca-
BOWLBY(1981) identificou traços em crianças racterização de uma evolução favorável ou não do enluta-
são semelhantes àqueles encontrados em casos de luto "mento.
tológico no adulto. São os seguintes:

- ansiedade persistente: medo de outras perdasi


(principalmente de um dos pais). medo de morrer também;
6. PROCEDIMENTOSDE INTERVENÇÃO
- esperança de se reunir ao morto: desejo de morrer;
- culpa persistente;
- hiperatividade: repentes agressivos e destrutivos;, A terapia da família enlutada tem seus objetivos. que
- cuidados compulsivos: por outras pessoas com determinam a escolha dos procedimentos de intervenção. De
autoconfiança exagerada; acordo com McGOLDRICK(1991), foram definidos como ob-
- euforia e despersonalização; jetivos:
a) reconhecimento compartilhado sobre a realidade
- sintomas de identificação: acidentes e queixas de
problemas de saúde semelhantes ao do morto. da morte;
, b) compartilhamento da experiência da perda e sua
De acordo com PARKESe WEISS (1983). outros pon- ~contextualização;
tos importantes a serem considerados são: c) reorganização do sistema familiar;
- nível de funcionamento em comparação com o ní- d) reinvestimento em outras relações e objetivos de
vel de pré-enlutamento;
- aceitação da perda; A avaliação do atíngtmento dos objetivos deu-se no
- socialização; decorrer do processo terapéutico e não somente no seu tér-
- atitude quanto ao futuro; Permitiu que se chegasse ao final do processo, mais
-saúde; pelos objetivos atingidos do que pelo número de sessões
realizadas.
- ansiedade ou depressão;
As famílias foram atendidas a partir do referencíal
- culpa ou raiva; técnico da terapia breve, quanto ao que recomenda VOLKAN
- avaliação de si (auto-estima); ,(1971): demarcação. externalização e reorganização. No en-
- resistência. '/;tanto, esta técnica aplica-se mais especialmente a indiví-
duos enlutados e não foi desenvolvida, portanto, para famí-
lias. A passagem para terapia familiar requer a utilização de
Esses itens foram avaliados dentro da entrevista clí-
técnicas que reconheçam e abordem a realidade deste grupo
nica. não na forma de um questionário, mas Como pontos
tão específico em suas característícas.
que deveriam ser conhecidos por meio do relato do cliente.
num momento inicial de entrevista aberta ou com pergun- O terapeuta manteve-se dentro dos limites de atua-
ção em terapia breve, ou seja: receber a relação que a famí-
tas a respeito dos pontos que não tenham sido trazidos es-
lia estabelece, ao mesmo tempo que os prepara (assim como
pontaneamente. Os mesmos recursos de avaliação foram
a si mesmo) para a separação que irão inevitavelmente vi-
r-;
110 ít'
Maria Helena P.F. Bro 'p~icoterapiaem situações de perdas e Luto 111 K::
~;-'--
':.--.

ver. Suas intervenções verbais foram de caráter ativo, us


do o que COOKLIN(1990) chamou de "delicada firmeza",
o conceito de foco, tão claramente definido por FIO-
1 (1978) e KNOBEL (1986), norteia o posicionamento te-
seja, uma atitude que permite a promoção do processo [êutíco quanto a ser uma intervenção breve. O foco cír-
luto, ao mesmo tempo que dá suporte para as angústias n nscreve o conflito central, no caso. o luto na família, mse-
turalmente advindas dc um processo de mudança. Esta "o, portanto, em uma situação grupal específica. A foca-
tude marca-se pelos seguintes comportamentos do terapeu ão coloca o trabalho terapêutica no tema ao qual foi in-
a) ser respeitoso, porém não "reverente" com o so íonalmente guiado pelo terapeuta e que fez parte do
mento: ptrâto terapêutica com o cliente. Cria-se entre a família e
b) transmitir, por meio de sua voz, a convicção terapeuta uma relação na qual o terapeuta é parte do sís-
que aquilo que fala com a família é importante e vale a pena à. Ou, como diz De SHAZER (1989), a terapia inclui o
certo sofrimento; stema do terapeuta e o sistema familiar, criando um novo
ipra-síetema. Esse é o modo de pensar, conhecer e decidir
c) utilizar o humor generosamente; não significa rní _momtnado epístemología ecossistêmica, que determinou o
nímízar o sofrimento e sim, dar a mensagem que é possível
sofrer e continuar Vivendo;::
f~pode intervenção terapêutica familiar breve utilizado por
~m no presente trabalho.
d) quando tiver certeza de estar em um tema impor:
Como já referido anteriormente, a terapia breve é re-
tante, não permítír ser manipulado ou dele desviado;
mendada para casos de luto patológico, enquanto o acon-
e) cuidar para não viver falsa confiança. impedinc:f lhamento tem se revelado recurso valioso nos casos de
que a família passe pelo processo de luto da maneira q tto normal. A descrição de um e de outro é clara o sufí-
lhe for possível.
nte para permitir uma avaliação adequada dos dois dífe-
fites quadros, o que minha experiência corrobora. Assim
Segundo McGOLDRICK(1991), como recursos para ndo, terapia breve para a família enlutada é recomendada
attngímento de objetivos - e que foram utilizados neste trás ~üando a família organizou-se dentro de uma das seguintes
balho -. estão algumas recomendações que, diferentemente, condições de luto: crônico, adiado ou inibido. É possível
dos rituais, dão formas de contato com a perda e de expres- '<arte, ao fim do processo terapêutica focado no luto, outras
são para os sentimentos daí emergentes. Essas recomenda- questões tenham emergido, requerendo uma abordagem te-
ções são: :rapêutica que responda a elas. Como será visto nas famílias
~apresentadas. isso se deu de fato, com algumas, e a mu-
- visitas ao cemitério; ,'dança está sendo explicada.
- escrever cartas ao morto ou aos vivos, Considerando-se a idade dos elementos da família.
do morto; foi oferecido a eles, para uso durante as sessões. material
- olhar antigas fotografias, emoldurar, fazer àlbum; ,gráficoe/ou lúdico, para dar meios que facilitassem sua ex-
"pressão. Receberam material gráfico (papel sulfite, lápis
- ler diários ou cartas, para poder decidir sobre o
&pretoe de cor, borracha, giz de cera) as famílias A, C e F.
que quer manter. o que dar como lembrança e o que jogar -:'Receberammaterial gráfico e Iúdíco as famílias B, D e E. O
fora;
- material lúdíco vinha acondicionado em uma caixa de ma-
- escrever diário com sonhos, memórias e reflexões; f-deira individual para cada farnilia, medindo aproximada-
- conversar com parentes sobre a perda; .mente 0,45m x O.35m x O,25m, contendo brinquedos varia-
- ler livros e assístír a filmes relacionados à perda; dos como: famílias de bonecos, massa plástica, tesoura,
barbante, cola, fita adesiva, veículos, armas plásticas. As
- ouvir música, inclusive a preferida do morto.
caixas eram fechadas com cadeados, cuja chave era levada
112 Maria Helena P.F. Bromb ipSicoterapia em situações de perda.') e luto 113

à sessão pela terapeuta que a colocava à disposiçào para IMBER-BLACK(1991) amplia as funções dos rituais
que a abrissem se assim o desejassem. Ao término da ses- para o luto familiar, apresentando-as como:
são, era pedido que os brinquedos fossem guardados na:
caixa que era, então, fechada com o cadeado. - marcar a perda de um dos membros;
- afirmar a vida como foi vivida pelo morto;
- facilitar a expressão de luto de maneiras que se-
J~rnconsoantes com os valores da cultura;
7. RITUAISCOMO RECURSO TERAPÊUTICa _ falar simbolicamente dos significados da morte e
4aVida que continua;
_ apontar urna direção que faça sentido para a per-
Por meio dos recursos de famtlíartzação, repetiçãoe;~ tia, enquanto permite a continuação dos que vivem.
transformação, os rituais têm se revelado experiências famí-]
líares importantes, no marco de transições do ciclo vital' São as próprias características da família que deter-
(McGOLDRICK. 1991). Permitem o estabelecimento de um nnnam o ritual a ser realizado: quando. como e por quem.
elo entre passado e futuro. por incorporarem significados j~mpre foram preservadas, porém, as condições necessá-
simbólicos referentes à família e à história passada e ao fu·: ;~àS para sua eficácia (IMBER-BLACK.1991).

turo da cultura. Mesmo dentro das diferenças encontradas nas cultu-


No caso específico dos rituais para a morte, comoos _as,há dois aspectos presentes em todas elas: os rituais são
funerais. as repetições de comportamento servem para cor':' arcados por referências de tempo e espaço, o que oferece
textualizar a experiência. e permitem as mudanças de p sentido de segurança psicológica aos participantes. As
péís e condições trazidas pela transição do ciclo vital. Ofe íferenças refletem o sistema de crenças pertinente a cada
cem à família o suporte da sensação de pertencer a u ltura, oferecendo também esse sentido de segurança. por-
cultura que tem respostas previsíveis e, por esse mesma ~1tO. Para que os rituais permitam essa situação protegida
motivo. necessàrias num momento em que o choque da perJ, ,ara a expressão de fortes emoções. algumas condições são
da deixa-a entorpecida e desarticulada. De acordo com: écessárías, como: as pessoas se reúnem para expressar
MANDELBAUM(1965), as cerimônias funerais podem dife~ to de uma dada maneira, mutuamente suportíva, que per-
rir culturalmente, mas estão entre as experiências untven' íte uma expressão inicial de dor, num contexto que promo-
sais do contexto social humano. Ê possível pensar que ess~ contatos ínterpessoals.
universalidade existe exatamente para atender à necessídas Quanto ao processo terapêutica do luto utilizando
de psicológica e social de dar um enquadrarnento e umª, ítuais, é importante conhecer detalhadamente a existência
previsibilidade à perda. à morte, outros rituais na família, tanto anteriores quanto poste-
A ritualização em terapia do luto envolve três aspee~;1 ores à morte. Eles darão um retrato particular de sua im-
tos: @ortãncia,facilitando a adequada utilização de rituais tera-
~Wêuticos.Há famílias que sub-ritualizam suas perdas, en-
- um ritual para admitir a perda e entrar no
i'quanto outras as super-rítualízam. Tanto em um caso como
por ela;
." .0 outro, a abordagem via ritual, durante a terapia, requer
- um ritual que simbolize o que os membros da cautela pois a forma de reação anteriormente adotada havia
mília incorporaram do morto;
['servidopara impedir que os membros vivessem suas perdas
- um ritual para simbolizar os movimentos de ,"h, conseqüentemente, estes serão resistentes a qualquer
dança na vida. ('tentativa de mudança (McGOLDRICK,1991). Ou seja, o ri-
114
Maria Helena P.F. Bromberg Apsicoterapia em situações de perdas e luto 115

tual está a serviço do luto patológico. Na sub-ritualização, Significadosno ritual, enquanto as ações levam-nos além da
pode se instalar o luto adiado (ou negado), enquanto na su- esfera verbal.
pcr-ritualização, dá-se a croníficação. O aspecto patológico
A utilização de rituais no presente trabalho justífí-
está fundamentado na dificuldade de dar o primeiro passo "
na direção da elaboração do luto, que é aceitar que a morte cou-se. portanto, pela qualidade terapêutica desse recurso,
especificamente na terapia da família enlutada. Preservados
se deu. Conseqüentemente, o prosseguimento necessário
alguns cuidados quanto à identificação do momento ade-
fica impedido por esta forma enrijecida de negação da reali-
quado para introdução, envolvírnento dos familiares na cria-
dade que, para sua manutenção, consome muito da energia
ção, definição do significado e da ação envolvidos, torna-se
que poderia ser empregada de forma mais livre e, portanto;
saudável. possível que os rituais, de acordo com ROBERTS (1988) for-
neçam os enquadramentos de expectativa para que ocorram
No entanto, à medida que esses rituais são conheci- novos comportamentos. ações e significados.
dos dentro da família, torna-se possível ao terapeuta identifi-
É ainda ROBERTS(1988) quem estabelece a diferen-
car as opções de que dispõe para alterar esses padrões, Nes-
ça entre ritual e tarefa:
sa identificação entram tanto os rituais existentes previa-
mente à morte assim como os desencadeados após a morte.
A figura de comando ou central na efetivação do ritual tem RlTUAL TAREFA
papel crucíal na re-ritualização, principalmente se for o mor-
1. Trabalha com múltiplos signi- 1. Coloca mais foco no nivel
to, pois trará a necessidade de também ser identificado
ficados, nos níveis: comporta- comportamental (ações).
elemento da família que ficará investido desse papel. mental. cognítívo e afetivo.
Outros eventos do ciclo de vida familiar, como bati-
zados, casamentos, ritos de passagem, fonnatura são atin- 2. Intervenção inclui tanto as- 2. Coloca mais ênfase em
gidos pela perda (na realização dos seus próprios rituais), se' pectos abertos quanto fechados, fazer a intervenção com o fi-
com espaço para a família im- nal previsto (freqüentem ente ,
a família não tiver chegado a uma condição de flexibilidade
provisar nos abertos, O terapeu- o terapeuta pode ter urna
adequada em sua rítualízação de luto para aceitar os novos ta não necessariamente tem visão antecipada do resulta-
momentos a serem vividos. Esses eventos trazem mudanças muita certeza sobre o que a fa- do).
tanto para os indivíduos quanto para o desenvolvimento da mília irá criar com o ritual, nem
família e podem ter seu significado intensificado ou distarei- está muito interessado em predi-
zer como ficará a família após o
do por experiências de perda não resolvidas. ritual.
IMBER-BLACK (1991) considera de fundamental
importância que, no uso terapêutica de rituais com a famí- 3, Mais confiança no concreto 3. Pouca ênfase nos símbolos.
lia enlutada, sejam utilizados os rituais, tradições e come- com ação simbólica.
morações já adotados pela família, mas sem esquecer que
pode ser necessário ir além desses rituais normativos e 4, Preparação e envolvírnento na 4. Tem foco não na prepara-
criar um específico para a terapia. Para criar os novos ri- cerimônia são partes essenciais ção mas no ato de fazer em
do ritual. si.
tuais, o terapeuta precisa identificar os símbolos e atos sim-
bólicos apropriados para aquela família. O novo ritual não
deve ser imposto e sim, criado com a participação de seus
membros, deixando mesmo brechas, na execução, para que
surjam manifestações autênticas e espontáneas. Na elabora- WHITING (1988), considerando essas diferenças e a
ção do ritual. símbolo e ação se completam, de forma que o própria definição de ritual, dividiu as linhas básicas dessa
primeiro permite que os participantes desenvolvam múltiplos definição em três categorias:
116 Maria Helena P.F. Bromberg A psicolerapia em situações de perdas e lu/:o 117

1) elementos da elaboração. comuns a todos os ri- a serem alcançados por meio dele. Foi feita uma análise clí-
tuais;
nica, levando em conta o comportamento verbal e o não-ver-
2) técnicas para rituais e ações simbólicas; bal, íntercorrênctas (corno faltas, por exemplo), permítrndo
3) outras considerações sobre elaboração de rituais. que as proposições iniciais pudessem ser veríficadas a cada
passo.
Os conteúdos emergentes e o processo terapêutico
Na utilização de rituais para terapia do enlutamen-
foram analisados a cada sessão. condição necessária para
to, os três aspectos são considerados, uma vez que sua am-
plitude permite a necessária criatívídade para que o tera- um acompanhamento passo a passo do processo, razão pela
qual não houve a participação de juizes, mas de observado-
peuta escolha e utilize aquele que mais se adequar famí-
à

res, com quem foram feitas as discussões.


lia, nas condições do momento. Nas famílias exemplificadas
neste trabalho, demonstrei a questão do tempo para a intro- A postura que adotei para concluir sobre o resultado
dução do ritual, sua funcionalidade dentro do sistema e re- do processo terapêutíco com as famílias enlutadas foi ba-
sultados propiciados corno recurso terapêutica. De acordo seada no que WATZLAWICK et alo (1977) consideram a for-
com as necessidades de cada família, o ritual foi apresenta- mulação e aplicação de um procedimento para mudança,
do com um caráter de maior ou menor formalidade, o que que se divide em quatro etapas:
também é discutido a seguir.
a) clara definição do problema em termos concretos;
b) investigação das soluções já experimentadas;
c} definição da mudança concreta a ser produzida;

8. PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DOS DADOS d) formulação e implementação de um plano para


produzir essa mudança.

Corno pano de fundo para a análise, as questões uti- Neste trabalho, o problema foi o luto familiar, como
lizadas inicialmente para avaliação das famílias estiveram vivido por uma dada família, com suas peculiaridades; as
( sempre sendo consideradas. Dentre elas, algumas puderam soluções experimentadas são as maneiras que a família tem
compor áreas como pontuadores para a análise dos dados. para adaptar-se e elaborar a perda; a mudança produzida
Foram elas: está contida nos objetivos da terapia breve para a família
enlutada, enquanto o plano que produzirá a mudança en-
1) flexibilidade do sistema familiar; volve os recursos terapêuticas utilizados. Tendo em mente
2) sistema de crenças da família; esse procedimento para mudança, foi possível verificar com
3) rituais; clareza como ela se deu e avaliá-Ia nas quatro etapas.
4) comunicação na família;
5) percepção da perda;
6) perspectivas;
7) socialização;
8) saúde.

Tais pon tos serviram como guias para avaliação do


processo terapêutica, dado que estão contidos nos objetivos
v
cÂ!fl6ºi~W dag 6alM(Qiag
egtudadag

"De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira.
E. misturado. o pó das duas realidades cai.,,"
(Chuva oblíqua. Fernando Pessoa)

Com a finalidade de enriquecer as conclusões deste


trabalho. resumi o atendimento das seis famílias quanto a
sua descrição. avaliação das condições do enlutamento,
processo terapêutíco e resultados.

1. FAIVIÍLIA A

P e Avó foram à clínica encaminhados pela escola de


.Fo (12), devido aos freqüentes epísódíos de intensa agressi-
vídade, sem causa ídentíflcável. Fo (12) já havia se submeti-
do a psícoterapía, aos oito anos, interrompida por dificulda-
des financeiras. As crises de Fo começaram quando ele ti-
nha sete anos, nunca cessaram, provocando mudanças de
escola. atê o momento em que a escola atual exigiu atendi-
mento psicológico. Fa (17) parecia estar bem, ou seja: sem
queixas que preocupassem P e Avó, embora P a consideras-
120 Maria Helena P.F. Bromberg psicoterapia em situações de perdas e luto 121

se "muito fechada", havia repetido o primeiro ano do Cole- A morte de M ocorrera após um longo período de
gial c agora estava no segundo. Fa (14) apresentava troca de doença, durante o qual os recursos financeiros da família
palavras, tinha tido duas repetêncías, na terceira e na quin- "haViam sido canalizados para o tratamento, o que significou
ta séries, estando na sexta série. Fo havia repetido a primei- um fator de estresse simultâneo. Após a morte, as crianças
ra e a quarta séries, que cursava na época. M havia falecido ., foram transferídas de uma escola particular para uma pú-
cinco anos antes, de câncer de mama, após um intervalo de . blica, o que acarretou outra perda: a quebra de vínculo com
quatro anos entre o diagnóstico e a morte. Avó justificou :professores e amigos. Quando M morreu, os filhos tinham,
sua presença na entrevista pelo fato de, desde a morte de :.respectivamente, dez, sete e cinco anos e, quando a doença
M, haver colaborado com P na administração da casa e nos foi diagnosticada, tinham seis, três e um ano. Em particular
cuidados dos filhos. .Fo cresceu ao lado de M doente e é possível pensar que pro-
::vavelmente ela tinha pouca disponibilidade para ele. Tam-
Analisando os dados da entrevista inicial, verifiquei
bém as filhas sentiram isso, e os três filhos, cada um com
que em nenhum momento fora feita a associação entre as
Os recursos psicológicos próprios à sua fase de desenvolvi-
crises de agressívídade de Fo e a morte de M; as crises co-
mento, viveram esses quatro anos de estresse anteriores à
meçaram no mesmo ano da morte, o que é muito sugestivo
'morte da M.
de urna reação de luto comum em crianças, por não sabe-
rem identificar e expressar adequadamente as emoções da M era muito ligada à Avó, sua sogra, que é até hoje
perda. Também as primeiras dificuldades escolares de Vistapor todos como a cuidadora. O contato com a família
(14) tiveram início no ano da morte de M, corroborando o materna já era restrito antes da morte de M, alegadamente
conhecimento sobre as reações de luto encontradas em por morarem no Interior de São Paulo, e ficou ainda mais.
crianças, estreitamente relacionadas à aprendizagem, como, Um fato que P teve muita dificuldade em relatar foi que sua
por exemplo, dificuldade de concentração. Os informantes . sogra, logo após a morte de M, pegou as roupas dela sem ".': J

buscaram ajuda para Fo apenas porque foram pressionados 'consultá-Io e atualmente as dà para Fa (17) e Fa (14). Dentro
pela escola, pois não valorizavam seu comportamento como do papel de cuídadora que a Avó tem, por três ocasiões ela
merecedor de cuidados. Cinco a.."10S após a morte de M, ha- foi a pessoa que cuidou de doentes que morreram ao seu
viam ficado muitas questões para serem aprofundadas a lado: mãe, marido e M. Isto é visto como "sua sina" (sic).
respeito do funcionamento familiar. Avó mora em sua pró- A família é católica, não praticante. M teve rituais
pria casa, não com P (que é seu filho), mas tem [unções católicos para velório e enterro. A única data relacionada à
"maternas", como comparecer às reuníões de pais na escola morte que é lembrada é o aniversário, nenhuma celebração
dos netos. Seu papel não parece claro. especial é feita, apenas Avóvai à missa no dia.
Foram realizadas 12 sessões, no período compreen- Avaliando, então, a família quanto ao luto, verifiquei
dido entre maio e agosto de 1991, com freqüência semanal o que se segue:
e sessões de 50 minutos. Não foram gravadas em videoteipe
mas houve observação por dois auxiliares de pesquisa, via
ai tipo de morte: após cinco anos de doença, cãncer
de mama, com incidência hereditária;
espelho unídírecíonal. A família sabia da existência dos ob-
servadores e concordou com esse procedimento. Houve urna b) padrões familiares de união: família ambívalente
interrupção de três semanas entre a quinta e a sexta sessões, quanto aos movimentos de abertura e fechamento a novos
período em que P passou por uma cirurgia oftalmológica. relacionamentos;
Avó compareceu a todas as sessões; P e Fo, a todas, menos c) flexibilidade do sistema: pouca flexibilidade, rígi-
à última; Fa (17) esteve ausente na primeira, na décima e da tentativa de manter a vida como se nada tivesse aconte-
na última; Fa (14) esteve ausente na décima e na última. cido; negação imposta ao sistema, em especial por P:
122
Maria Helena. P.F. Bromberg psicoterapia em situações de perdas e luto 123

d) comunicações, mitos e tabus sobre a morte: en- i/dupla perda que a morte de M lhes trouxe: perda afetiva e
tre P e M houve uma encenação sobre o diagnóstico e o .;"perdade status.
prognóstico, ninguém falava sobre o perigo de vida de M; os'
Nas sessões. embora todos soubessem que estavam
filhos e P não se lembram de onde os filhos estavam no dia
',reunidos para trabalhar o luto pela morte de M. com Ire-
da morte; as idas ao cemitério são raras e marcadas por
muito sofrimento; t qüêncía P dizia ficar chocado com a naturalidade com que
ime referia ao fato, parecia' querer ouvir eufemismos em lu-
e) recursos sociais e econômicos: família de classe?1 'gar de: "no dia em que M morreu" ou UM morreu de câncer".
média. tendo sofrido uma queda no padrão após as despe. Fa (17) teve a dificuldade mais nítida em falar sobre a mor-
sas com o tratamento de 1'.1; o âmbito social é bastante res-' te: faltou à primeira sessão e na segunda chorou muito; fa-
trito, não trazendo suportes significativos; . zia observações adequadas sobre as reações emocionais da
.famílía (por exemplo. em relação a Fa (14): "Essa aí fica fa-
f) papel do morto no sistema familiar: M era jovem
;s:zendo gracinha para não chorar."). mas foi preciso que se
quando foi diagnosticada a doença e tinha com a família
~;sentisse muito amparada pela minha atitude para poder fa-
uma relação aparentemente sem conflitos; muito mais liga,
r lar sobre M, Fo, embora parecesse alheio. esteve muito aten-
da à sogra (Avó) do que à família de origem, passou do pa-
pel de cuídadora para o de cuidada; to e fez também comentários pertinentes; quando se emocio-
nava, buscava o colo de P ou da Avó. Fa (14) realmente usa-
g) relações familiares por ocasião da morte: seríl~ va esse comportamento de "fazer gracínhas" para se afastar
outros conflitos além dos da perda; a relação de P com Avó,;., das memórias e do impacto que tinham na sessão.
que já era difícil antes até do casamento. tomou-se e se . Quanto às fases da terapia. a demarcação inicial so-
manteve atrítada, pela posição ambivalente de P quanto à' ".brepôs-se â externalização. A família toda parecia pedir
aceitar a ajuda de Avó;
& uma condição continente para lembranças (e, muito fre-
h) perdas múltiplas: em razão da queda no padrão'. qüentemente, esquecimentos), de maneira a não soar acu-
econômico. as filhas foram transferidas de escola, perdendo: satóría em sua dor. Um conflito permeou todo o atendímeri-
contato com amigos; a família mudou de moradia, embora toe mereceu encaminhamento específico ao final: P e Avó
permanecendo no mesmo bairro; nitidamente se relacionavam com muita ambivalência, no
sentido de aproximação/afastamento. dependência/inde-
i) fatores simultâneos de estresse: não houve. além pendência: assim. Avó era solicitada a ajudar P com os fi-
dos mencionados em h). perdas múltiplas; lhos. ao mesmo tempo que era críttcada por fazê-Ia; P era
j) legado multigeracional de lutos não resolvidos: P criticado pelo esforço absoluto para não precisar de nin-
teve experiência muito dolorosa na infância, com a perda guém. ao mesmo tempo que Avó queria tempo e espaço para
das duas avós e de uma tia. o que provocou uma revolta de si mesma. para ter atividades e desenvolver interesses pró-
caráter religioso; quando seu pai morreu. P era solteiro. rea- prios de sua idade.
gíu com muita agressividade contra Avó. como se ela fosse Os momentos marcantes ocorreram principalmente
culpada pela morte; quando os filhos começaram a perguntar a P e Avó sobre a
k) sistema de crenças da família: basicamente nor- doença de M, acrescentando e corrigindo suas lembranças.
t.eados por uma moral burguesa. valorizam as conquistas de O andamento da terapia levou à realização de um ritual que
caráter material e pautam seu comporta."11ento por essas envolveria a participação de todos. cada um à sua maneira:
idéias; a feítura de um álbum de fotografias de M. A razão para ter
sido esse o ritual escolhido foi que. durante a terapia. surgi-
1) contexto sociopolítico e histórico da morte: sem ram as já mencionadas lembranças distorcidas (grandernen-
significado para a família em questão, até que se some a te pelo tabu em se falar na doença), ao mesmo tempo que os
124 Maria Helena F.F. Bromberg psicoterapia em situações de perdas c luto 125

filhos começaram a falar de legado: Fa (17) tem os cabelos luto e sim, para auxiliar nas passagens, quc são vividas
de M, Fa (14) troca palavras e faz piadinhas como M, ambas com dificuldade principalmente pela necessidade de P em
as filhas poderão ter o mesmo tipo de câncer de mama. manter todos os eventos sob controle. Na tentativa dc evitar
Também teve peso o fato de na sala do apartamento da fa- impacto negativo sobre os filhos que atuaram de [arma
mília haver uma foto de M, que Fa (17) sempre evitava para a mudança, P foi encaminhado para tera-
olhar. O aspecto simbólico desse ritual estava em rever as individual, o que vinha pedindo e que, conseqüentemen-
memórias e colocá-las em lugar apropriado, não mais no co- aceitou prontamente.
tidiano.
A queixa que levou à terapia (agressividade de Fo] é
A feítura do álbum foi o meio pelo qual muitas ques- encontrada com freqüência no caso de crianças enlutadas.
tões da história da família foram abordadas: ele era feito não dispõem de meios adequados para expressão de
fora das sessões, mas discutido nelas, com tudo o que havia. emoções. Ainda mais se for levado em conta que vive-
provocado. Paralelamente, questões que fugiram do contex- em uma cultura onde não é permitido ao homem cho-
to do trabalho começaram a surgir, como: limites quanto a rar, ao mesmo tempo que ê estimulado a ser forte, valen-
horário para chegar em casa, mudança de colégio, líberdade não raro se dá a substituição do choro pela agressíví-
sexual. Na tentativa de manter o foco no luto, essas
tões não eram aprofundadas, apenas devolvidas e recontex-
P relatou o que é bastante comum entre VlUVOS: a
tualizadas, ou seja: aquela família, com a composição
imediata de ter uma companheira. Quatro me-
lhe era própria, poderia chegar a uma solução.
ses após a morte de M, instalou uma namorada em casa, o
Houve uma experiência importante que reativou
hoje reconhece ter sido "encontro de dois carentes". A
tigas angústias. Entre a quinta e a sexta sessões, P
relação durou pouco, seguida por várias relações efêmeras,
que se submeter a uma cirurgia oftalmológíca para
a atual, que existe há dois anos, embora morando em
ção de um tumor que, após bíópsta, foi diagnosticado
separadas (ou por esse motivo),
benigno. Por poderem levar as angústias para o contexto
rapêutíco, todos da família perceberam como se Fa (17) teve sua própria maneira de mostrar como
frágeis, apesar das tentativas em contrário. elaborou o luto por M. Era constantemente feita a compa-
Ao término do álbum foi encerrado o atendimento. ração por semelhança entre o cabelo das duas, elogiando-
As informações vindas do colégio de Fo (12) eram de que se a beleza, o comprimento etc. Após uma sessão particu-
havia apresentado grande melhora no comportamento, larmente difícil para Fa (17), ela tingiu os cabelos que. de
as crises de agressívídade diminuídas quase totalmente. ficaram loiros. Justificou com o desejo
(17) falava livremente sobre M, ao mesmo tempo que
não mais ser morena. Ou seja: de ter sua própria iden-
pressão para que P a visse como uma jovem responsável, lí- tidade. não mais precisando se assemelhar a M para retê-
berando Avó para seus próprios interesses. Esta foi encami- Ia consigo.
nhada para o grupo de terapia para Terceira Idade, na Clí- Fa (14), que também apresentava semelhança com
nica Psicológica "Ana Maria Poppovíc" da PUC-SP, para fa- M, não tanto no plano físico, mas na personalidade, como
cilitar sua inserção em um grupo de referência que lhe fosse forma de aproximação e retenção da figura de vínculo perdi-
mais próximo. da, entendeu seu processo e pode íncorporá-Io nas mudan-
O trabalho foi considerado satísfatórío, pois atingiu ças que se processavam. Isto ficou nítido quando parou de
os quatro objetivos básicos da terapia do luto familiar. Mui- fazer comentários jocosos sobre o choro de Fa (17) ou a ten-
to possivelmente, esta família mais tarde venha a se benefi- são de P e pode, ela mesma, chorar quando da elaboração
ciar de terapia, não mais especificamente relacionada ao do álbum.
127
126 Maria Helena P.F. Brombera'·· pSlcoterapia em situações de perdas e luto

.... Quanto ao atraso de linguagem de Fo (5), exames


2. FAMÍLIA B
i;"audiométricosnão apontaram causa orgãnica.
A partir dos pontos de avaliação da família quanto
Foi encaminhada para a Clínica Psicológica "Ana luto, verifíqueí o seguinte:
Maria Poppovíc" da PUC-SP pela fonoaudióloga de Fo
a) tipo de morte: violenta. repentina. assassinato;
que o trata em razão de grande atraso na aquisição e no de'.;
senvolvimento da linguagem. Essa profissional. ao tomar' b) padrões familiares de união: P muito ligado a Fo
conhecimento da história familiar. teve sensibilidade para (9),relacionamento marcado pela violência físíca de P para
perceber que um atendimento famílíar era necessário. .. L'osdemaís; único casamento de P eM;
P fora assassinado por um ex-vízínho, em um acerto; c) flexibilidade do sistema: possibilidade de troca de
de contas. Foi um crime violento, P foi esfaqueado na esqui:';: 'papéis. ocasião em que P. desempregado. ficou em casa ouí-
na próxima de sua casa, ainda conseguiu andar até o por- ) dando dos filhos. enquanto M trabalhava fora; Fo (9) foi
tão de casa. onde caiu, sendo que Fa(12) e Fo(9) viram atropelado, M deixou o emprego para ficar com ele e P foi
quando chegou ferido. Morreu a caminho do hospital. M es- trabalhar;
tava no nono mês de gravidez e. entre a data do crime eo . d) comunicações. mitos e tabus sobre a morte: os fi-
nascimento de Fo (5). dez dias mais tarde. parou de sentir _lhos não perguntavam sobre a morte para a mãe. vieram a
°
os movimentos do feto, que a fez pensar que ele também . falar sobre isso na terapia; há o mito (por parte das crían-
estivesse morto. .~ças) de que o assassino. que está solto. é ameaçador e pode
Atualmente. M trabalha como copeira em uma em- >.matá-Ios a qualquer momento; é possível dizer que, mais
presa próxima ã casa e as crianças vão à escola; à tarde fi- ::~que um mito. essa crença tem base na realidade, com possí-
cam sozinhas quando estão em casa. M não formou outro ,. bilidade de concretização; Fa (12) teve que ir depor muitas
vínculo conjugal. de forma que a família é constituída pelos vezes. por ter testemunhado o crime. o que a faz atualmente
quatro. Uma irmã de M mora próximo e colabora nos cuida- falar sobre isso sem emoção;
dos dos filhos. e) recursos sociais e econômicos: moram vizinhos a
O atendimento teve início em fevereiro de 1992, com uma tia materna, com quem sempre estão; ela porém estava
uma sessão semanal de 50 minutos de duração. As sessões para se mudar de lá e também a família B. o que acarretaria
foram gravadas em vídeoteípe e também observadas por três despesas; a família tem uma renda total de dois salários mí-
auxiliares de pesquisa. através do espelho unidirecional. nimos, um pelo salário de M e outro pela pensão de P; não
Todas as vezes. a mesma caixa lúdica foi colocada na sala, moravam em casa própria e estavam prestes a ser despeja-
objetívando facilitar a comunicação das crianças. Pela his- dos;
tória colhida na primeira entrevista com M, ficou claro que fi papel do morto no sistema familiar: dava as regras e
apesar de decorridos cinco anos (ou talvez por causa deles), exigia seu cumprimento de forma rigida; controlador da espo-
a questão da morte de P ainda mantinha a família em uma sa; é importante ressaltar que tinha papel semelhante na co-
situação de estresse, os filhos apresentavam distúrbios de munidade, o que. de certa forma. provocou sua morte; era o
sono. com insônia e pesadelos, Fo (9) tinha problemas de
"v81entào";
aprendizagem e havia ainda o atraso de linguagem de Fo g) relações familiares por ocasião da morte: estavam
(5). Principalmente. M sobrecarregava-se com a dupla fun- com a perspectiva do nascimento do terceiro filho, aparen-
ção. profissional e materna, com dificuldades tanto em uma
temente as relações estavam bem;
como em outra. com freqüência dando a Fa (12) o papel de
filha parental. h) perdas múltiplas: não houve;
128
Maria Helena P.F. Bromberg
'A psicoierapia em situações de perdes e luto 129

i) fatores simultâneos de estresse: M, no nono mês


sade1os. com freqüência lendo o assassino do pai como pro-
de gravidez, parou de sentir os movimentos do feto, durante
tagonista princípal, que invade a casa para matá-los. Outro
dez dias, até o nascimento; apesar de já ter dois filhos, não
exemplo: a dificuldade de M em se situar como mãe, profis-
considerou que esse fato poderia ser normal na fase final da
gravidez: parto normal; sional e mulher, não se vinculando a outro companheiro
porque depende da aprovação deste por parte dos filhos. Fo
j) legado multigeracional de lutos não resolvidos: (9)comporta-se de maneira que M identifica como muito se-
embora não tenha sido possível traçar um genograma com- melhante á do pai. o que justifica por terem os dois sido
"
pleto, por falta de informações além das de M, ficou o fato' muito ligados.
de que, do lado materno, muitas mortes foram repentinas e' Num momento posterior, na quinta sessão, foi tra-
violentas, como acidentes de caminhão (avô matemo); no balhada uma questão que tocou em um ponto muito frágil,
entanto, as relações familiares com família de origem esta- em particular para M. O objetivo dessa questão era colocar
vam fragilizadas, pois M morava em São Paulo desde a épo- a família diante da realidade da morte e das condições
ca de seu casamento, não tendo contato com a família, no atuais de vida: "Como seria a vida de vocês se P ainda esti-
Nordeste; vesse vivo?" M respondeu mostrando-o de forma idealizada,
o companheiro. o provedor, a figura forte, de quem ela sen-
k) sistema de crenças da família: dadas as condições' tia muita falta. Fa (12) e Fo (9). no entanto, trouxeram um
socioeconômicas, de imigrantes nordestinos, as crenças são aspecto que se revelou intolerável para M: a violência física
pautadas por idéias como: estudo é alavanca para sucesso; de P, o quanto ele a agredia e também os filhos, fisicamen-
presença masculina dá força e respeitabilidade; julgamento te. Começou a ser possível falar dos sentimentos ambívaleri-
da comunidade regra comportamento moral; religião não tes que essa morte provocou: alívio e pesar. A partir dessa
parece ter impacto sobre a família; sessão, a família não mais compareceu e, quando contatada
pela telefonista da empresa onde M trabalha, justificou-se
1) contexto sociopolítico e histórico da morte: é im- inicialmente informando que as crianças estavam doentes e,
portante ressaltar o quanto esta família se sente submissa a após a terceira semana, que M não queria mais comparecer.
um sistema social que não protege o mais fraco e sim, acu- Enviei-lhe uma carta registrada na qual dizia que sua rea-
sa-o por sua fraqueza; o criminoso fugiu da prisão, como ção era compreensível, pois estava se defrontando com si-
disse que faria, a família se sente ameaçada por ele e, quan- tuações de dor não somente sua, mas também dos filhos.
~. do recorre ao sistema, não encontra apoio; a comunidade Era reforçado o convite para que viesse, mesmo que lhe fos-
(vizinhos) ameaça colocar Fo (9) na FEBEM, quando ele se se difícil, para que pudesse ser ajudada. Não houve qual-
comporta mal (por exemplo, subir no telhado do vizinho, quer tipo de resposta à carta.
para se proteger de uma tentativa de estupro). porque ele Essa desistência foi entendida como uma reação não
não tem pai para lhe ensinar o que é certo! A morte de P si- apenas á dor, mas principalmente à intolerável consciência
tua-se no triste contexto de um acontecimento atual no Ter-, da ambigüidade de seus sentimentos em relação a P. Para
cetro Mundo, banalizado pela freqüência com que ocorre. M, por estar arcando sozinha com a criação dos filhos, en-
A partir destes dados, o que ficou relevante para a frentando os preconceitos culturaís. por não ter aval mas-
terapia foi a necessidade de contextualizar as queixas indi- culino às suas ações, a ilusão de que P teria sido bom pai c
viduais (e mesmo comportamentos não valorizados como bom marido permitia que ela permanecesse imóvel dentro
queixa, pela família) como pertinentes a um corpo de rea- da realidade. Quando ouviu dos filhos uma outra versão da
realidade. atribuiu à terapia o papel de destruidora de ilu-
ções de luto. Por exemplo, Fa (12) e Fo (9) assistem televisão
sões, sem considerar a própria possibilidade de ser atuante
até a madrugada, principalmente filmes de terror, e têm pe-
sobre suas dificuldades (que naturalmente seria o próximo
130
Maria Helena F.F. Bromberg
A psicoterapia em situações de perdas e luto 131

momento da terapia). Como agravante da situação, além do


do vista a par com o não-saber a respeito da morte da 1\1.
tipo de morte, assistida por crianças de sete e quatro anos,
Sentir-se envergonhado pode ter raizes em não encontrar
não pode ser desconsiderado o fato de M estar grávida, o
abertura no meio familiar para expressar sua necessidade
que é, em si, um fator inibidor do processo de luto, ao mes-
de saber e, conseqüentemente, de ter algum domínio sobre
mo tempo que traz uma ambivalência emocional muito
grande, o que parece ter sido a nota básica desta família no a perda.
todo. For2J'TIrealizadas dez sessões, entre outubro e de-
zembro de 1991, com a presença constante de Fo (14) e
Apenas com cinco sessões, a comunicação verbal de
Fo (5) melhorava consideravelmente, tornando possível a Avó, Das tias houve altemáncía da presença, bem como de
compreensão, sem, no entanto, ter chegado ao padrão Pr. As sessões tiveram freqüência semanal, com cinqüenta
rado para a idade, o que naturalmente não iria acontecer minutos de duração, foram gravadas em vídeoteípe e obser-
antes de um trabalho terapêutica mais prolongado. vadas por dois auxiliares de pesquisa, via espelho unídire-
cional. A família concordou com este procedimento.
Considerando-se as informações obtidas, a avaliação
do enlutamento mostra os seguintes pontos:
3. FAl\1ÍLIA C
a) tipo de morte: a causa não foi esclarecída, mas
está relacionada a um possível tumor uteríno: era a segunda
Fo (14) foi levado à Clínica por uma tia, com queixa vez que M pensava estar grávida, fizera tratamento para eri-
de mau desempenho em Matemática e dificuldade genérica gravídar novamente e na primeira vez havia sido detectado
de aprendizagem. Cursava terceira série do Primeiro Grau, um tumor, que não precisou ser extirpado; na segunda vez,
tendo repetido duas vezes a segunda série e uma vez a ter- a situação foi semelhante, agravada por intensas hemorra-
ceira série. M morreu quando ele tinha três anos. Fo (14) gias; entre M queixar-se de mal-estar e a morte, parece que
não sabia as condições ou causas da morte e sentia-se en- se passaram dois dias; as informações não são claras, por-
vergonhado em perguntar diante do tabu sobre morte exis- que a família paterna de Fo (14) não tinha muito contato
tente na família. P casara-se novamente e morava em outro com a família de Fo (14);
Estado. Fo (14) estava morando com avó paterna, cinco tias b) padrões familiares de união: quanto à família de
e um primo, havia seis anos. Entre a morte da mãe e a ida origem de Fo (14), não há muita informação; genericamente,
para a casa da avó paterna, ficou morando curtos períodos se diz que P, M e Fo se davam bem; atualmente, na família
com diversos parentes, tanto maternos quanto paternos, in- da Avó, há forte predomínâncía feminina, com laços afetívos
clusive com padrinhos, sendo que o padrinho morreu as- fortes, porém sem demonstrações fisicas. Fo (14) ocupa po-
sassinado e a avó materna também morreu, ambos no pe- sição de destaque, é mimado pela Avóe pelas tias;
ríodo de convivência de Fo (l4) com eles.
c) flexibilidade do sistema: a figura da Avó é central
A família teve dificuldade em entender a passagem e mantém c sistema funcionando de acordo com seus movi-
da queixa escolar de Fo (14) para terapia familiar do enluta- mentos: a flexibilidade é, portanto, reduzida, dadas as ca-
mento. Concordavam em vir, embora tivessem ficado dubí- racterísticas de uma pessoa com muito medo da vida e da
tatívos quanto à relação de sentido.
morte, dos movimentos naturais de crescimento individual
A história inicial de Fo (14) mostra muitas mortes e e de mudanças no ciclo de vida familiar;
separações, além da grande instabilidade que marcou sua
d) comunicação, mitos e tabus sobre a morte: espe-
vida, com repercussões no plano relacional e cognitivo. É
cificamente sobre M, pouco é falado. porque pouco é sabido,
interessante observar a dificuldade de aprendizagem, quan-
mas, principalmente, devido ao grande tabu que cerca a
132
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 133

questão da morte nessa família; todos a temem exagerada- o ponto básico a ser trabalhado foi a inserção de Fo
mente, a ponto de estabelecer hãbitos que a impeçam de (14) em uma família, em conseqüência de perdas múltiplas
tocá-Ios, por exemplo: não ir a velórios, sair da sala quando por morte, sendo que nessa família morte é tema-tabu. O
se fala em doença e morte: Fo (14) foi proibido de executar clima afetívo sendo positivo facilitava as comunicações que,
seus rituais em relação à M: acender vela e rezar por ela: no entanto, esbarravam sempre no tabu. A postura corporal
e) recursos sociais e econômicos: é família de classe de Fo (14) chamava muito a atenção, pela mudança que aos
média baixa, todas as tias trabalhavam e era esperado que poucos se operou: ele é um adolescente alto com pernas
Fo (14) logo começasse a trabalhar também: as duas tias compridas, e no início parecia fazer todo o possível para fi-
casadas moram próximo à casa da Avó, o contato é diário; car bem pequeno, desaparecer talvez, não ocupar espaço,
não há dados acerca desse aspecto, quando M morreu: falar baixo; aos poucos passou a falar alto, fazer brincadei-
ras com Avó e tias, até com a terapeuta. A passagem que
1) papel do morto no sistema familiar: Fo (14) perdeu
permitiu o início dessa mudança foi, sem dúvida, a sessão
a mãe aos três anos, figura qual era muito vinculado; M
à

em que lhe foi contado o que era sabido sobre a morte de M.


parecia mesmo ter esse papel agregador, pois, após a morte, Apesar da resistência, muito maior por parte da Avó, os
a família se dispersou: Fo(l4) foi morar com os padrinhos adultos perceberam que era necessário dar essa informação
(tia materna e marido) e P casou-se novamente; a ele, usando o contexto terapêutico como suporte para en-
g) relações familiares por ocasião da morte: aparen- frentar o tabu.
temente, sem problemas, mais intensas com a família ma- Como Fo (14) havia sido proibido de rezar por M, ou
terna estendida; seja, de praticar seu ritual particular de contato com ela (o
h) perdas múltiplas: para Fo (14). em seguida mor- à
que acabou revelando que fazia às escondidas). ao longo da
te de M, separou-se de P quando foi morar com os padri- terapia foi possível dar flexibilidade ao sistema para a exe-
nhos, o que também foi uma perda pois P casou-se e os cução de um ritual nesse campo. Fo (14) foi entendendo que
contatos entre os dois hoje são raríseímos: posteriormente rezar por M era conversar com ela (seguindo seu desejo ex-
Fo (14) viveu a perda do padrinho - assassinado _ e da presso), manter o contato e negar a morte. Avó e tias foram
avó materna; dando a ele a possibilidade de ter uma memória de M, por
meio de fotografias, histórias e lembranças. Então tornou-se
i) fatores simultâneos de estresse: a mudança de Fo possível contextualizar a oração como uma despedida. Para-
(14) para a casa dos padrinhos e a perda de contato com P; lelamente, o sistema pôde assegurar Fo (14) que, tanto
j) legado multigeracional de lutos não resolvidos: a quanto é possível uma previsão desse tipo, o vínculo entre
questão que impede a resolução do luto, na família da Avó, eles estava assegurado, sua pertínêncía ao sistema não es-
é o tabu que cerca o tema, muito mais que lutos anteriores tava ameaçada e nem condicionada a bom comportamento e
não resolvidos: bom aproveitamento escolar. Isso foi necessário porque Fo
k) sistema de crenças da família: muito marcados
(14) evidenciou, como é freqüente encontrar em crianças,
idéias de que teria sido o causador das mortes, dos afasta-
pelos valores advíndos da religião católica. mas reduzidos a
mentos.
um estado primitivo de avaliação da realidade: problemas
surgem porque "aqui se faz, aqui se paga" é uma idéia que Com base nesse andamento da terapia, foi pedido à
convive com "os mortos precisam de oração, mas rezar não família que pensasse em um ritual que significasse uma
os deixa ir em paz": despedida de M, por parte de todos, e a aceitação de Fo
(14), também por parte de todos. A família escolheu mandar
1)contexto soctopolítíco e histórico da morte: não..re- celebrar uma missa. especialmente para M. Não poderia ser
levante.
uma missa comunitária e Fo (14) pediu que lhe fosse dada
A psicoterapia em situações de perdas e luto 135
134 Maria Helena P.F. Bromberq

vital familiar: remete também ao luto dos pais, pelo fim da


uma fotografia de M que sempre via junto às outras da fa
mílía, em uma caixa. Queria ter a fotografia, pois não se infância dos filhos.
lembrava da fisíonomía de M. As discussões sobre o ritual a Foram realizadas 13 sessões, entre setembro e de-
ser escolhido deram-se nas sessões e fora delas. Segundo o zembro de 1991, com dois observadores no espelho unídíre-
relato, a missa teve de fato um caráter simbólico muito im-- cional. Foi utilizada caixa com materíal Iúdíco. dada a idade
portante, visto em comportamentos como: as tias tiveram dos filhos, para lhes facilitar a comunicação. P esteve pre-
que mobilizar horários de trabalho para comparecer, vizi- sente apenas na primeira sessão; depois, de acordo com in-
nhos foram convidados (mas somente aqueles que Fo (14) formação fornecída por M, faltou a uma sessão porque o ho-
escolheu), este vestiu-se com esmero e a Avó colaborou com rário não ihe era favorável e, por fim, por não querer se en-
as providências necessárias. volver com questões por ele entendidas como de educação c

O processo terapêutíco foi considerado encerrado de filhos, ou seja: de competência feminina.


quando, após o ritual, a família parecia estar vivendo um Os íílhos menores ignoravam os fatos que deram ori-
outro momento, discutindo a possibilidade de Fo (14) come-
gem à terapia e Fa (10) não se lembrava a respeito, de ma-
çar a trabalhar, com seus planos e sonhos sendo checados
neira que muito trabalho foi feito acerca da comunicação
diante das condições da realidade.
entre M e os três filhos.
As condições dessa família em relação aos lutos fo-
ram:

a) tipo de morte: um aborto em conseqüência de ru-


4. FAMÍLIA D béola de M, no segundo mês da gravidez; foi aborto espon-
tãneo, mas M chegou a ser abordada pelo médico sobre pro-
vocá-lo ou não; um natimorto no oitavo mês de gravidez, de
sexo masculino, que foi registrado e enterrado. ou seja: teve
O pedido inicial de atendimento foi para Fa (10), a uma identidade civil;
partir de M, que queixava-se de não conseguirem se relacio-
nar bem. Era uma queixa bastante vaga. mas mencionava b) padrões familiares de união: P no papel de prove-
questões da entrada de Fa (10) na puberdade e as dificulda- dor, não muito envolvido com as questões familiares, M
des. por parte de M. em particular no que se referia a pas- abraça-as todas, provocando ainda mais o isolamento de P;
sar-lhe valores femininos. principalmente da sexualidade. M c) flexibilidade do sistema: dependente dos papéis de
tinha ainda outros filhos e. entre Fa (10) e eles. havia sofrido P e M, portanto, não é flexível. apesar de ser um sistema fa-
um aborto e perdido um bebê natimorto. A partir deste fato. miliar que deverá enfrentar mudanças, com o crescimento
o caso começou a ter outros contornos e a queixa vaga pôde dos filhos;
ser mais bem formulada.
d) comunicações, mitos e tabus sobre a morte: nem
Nesse momento do ciclo vital familiar, com a entrada o aborto nem o natimorto eram do conhecimento dos filhos,
de Fa (10) na puberdade, o luto não resolvido traz à tona os que vieram a inquirir M apenas a partir da terapia; M asso-
fantasmas dos dois bebês, uma vez que envolvem questões do cia, confusamente, que os bebês teriam "voltado fortaleci-
ser feminino, reprodução. sexualidade, que poderiam até ter
dos" nos dois filhos que teve posteriormente: todos na famí-
ficado adormecidas. pois outros dois bebês nasceram e estão
lia têm nome começando por uma mesma letra e o natímor-
se desenvolvendo bem. No entanto, esse tipo de luto não pre-
to recebeu nome com inicial diferente, como para excluí-Ia
cisa muito para se manifestar e é inegável. nas sociedades oci-
dentais, o impacto que a entrada na puberdade tem no ciclo da família;
136 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e tuto 137

e) recursos sociais e econômicos: família paulístana, lhos e pensa em colocá-Ias em um colégio interno e, a se-
de classe média; P é advogado, o único responsável pelo guir. começa a brincar agitadamente com eles, que haviam
sustento da casa, bom padrão; ficado (os dois menores, pelo menos) assustados com a
1)papel do morto no sistema familiar: filhos que "não ameaça. Parece haver um outro sistema em atuação, abran-
vingaram", pelo tabu, parecem-se mais com fantasmas; para gendo P, Fa (10) e avó paterna. Esse trio desconsídera deci-
M, sinalizam sua fragilidade na função feminina; sub-rítualí- sões de M, que se vê desarticulada por eles em sua autori-
zados. dade e, por sua vez, busca união com os dois filhos meno-
res. Configura-se aqui, mais uma vez, a lacuna aberta pela
g) relações familiares por ocasião da morte: aparen-
Vida/morte dos dois bebês.
temente, estavam bem, uma família em fase inicial do ciclo
familiar, com uma filha de quatro anos, tentando ter um fi- Com o andamento do processo terapêutica, foi pos-
lho para receber o nome de P; sível a M relatar aos três filhos o acontecido. Fo (6) ficou
muito interessado, principalmente porque foi mencionada a
h) perdas múltiplas: não houve;
possibilidade de o natimorto ter recebido o nome que lhe
i) fatores simultâneos de estresse: não houve; coube, ou seja, o .Júníor de P. Fo (6) precisou ser muito as-
j) legado multigeracional de lutos não resolvidos: segurado de que o bebê recebeu outro nome. Como era de
não há; ambos os avós de ambos os lados são Vivos,não há se esperar, foram feitas muitas perguntas a respeito do des-
mortes na família há anos; tino dado a esse bebê morto, o que, por um lado, abriu a
k) sistema de crenças da família: são aqueles pró- comunicação entre M e os filhos e provocou nela a emergên-
prios de classe média, objetívando dar boas condições de cia de sentimentos que estavam, em suas palavras, "aneste-
vida para os filhos, moral rígida; as realizações devem vir síados, amortecidos".
apenas como fruto do trabalho honesto; Com o materíal Iúdíco e gráfico que havia na sala, as
1) contexto socíopolítíco e histórico da morte: sem crianças passaram a desenhar cenas referentes às informa-
significado, neste aspecto. ções que iam recebendo ou que queriam receber. Repre-
sentavam também cenas, com o bebê sozinho no berço, por
exemplo, enquanto M e P choravam abraçados. A partir dai.
o fato de P não ter participado da terapia sobrecar- o ritual a ser utilizado com eles foi se configurando. Uma
regou M com uma tarefa que teria, sem dúvida, sido mais vez que os bebês Unham tido muito mais uma existência de
bem resolvida se ela não estivesse só. Por "mais bem" en- fantasmas do que de bebês humanos, foi proposto à família
tenda-se a possibilidade de experimentar o sistema familiar que desenvolvesse um ritual para enterrá-Ias, simbolica-
como um todo, com presentes e ausentes. Dessa forma, a mente, na sessão. A proposta mobilizou a todos e provocou
ausência de P juntou-se à ausência dos bebês, sendo que maior comunicação entre eles. Foi construido um pequeno
estes, segundo entendimento da mãe até aproximadamente caixão em dobradura de papel, um bebê da família de bone-
o meio do processo terapêutica, foram substituídos pelos cos foi colocado dentro desse caixão, um pequeno cortejo
dois filhos mais novos. circulou pela sala em busca de um local adequado para o
Para M e, residualmente, para todo o sistema, a per- enterro. As crianças despediram-se do bebê usando o nome
da de maior impacto foi a do bebê natimorto, que tinha tido com o qual ele fora batizado.
um tempo maior de existência. As palavras de M são elo- Foi muito interessante observar que, a partir dessa
qüentes a respeito de seus sentimentos: "É como você pre- sessão, a família passou a falar de planos de férias. que se
parar uma festa e o homenageado não comparecer." A am- aproximavam. M estava muito consciente sobre a reação
bívalêncía permaneceu e ficou clara na terapia, por exem- que causava nos filhos, ao se impacientar com eles, quase
plo, quando ela se declara impotente para educar bem os fi- como se brigar fosse a única alternativa possível de convi-
138
Maria Helena P.F. Bromberg psicoierapia em situações de perdas e Iuto 139

vêncía. A partir daí, mostrou-se mais atenta para deixar quase não conviveu. FIá dois meses começou a trabalhar em
que os filhos encontrassem forma própria de entendimento. uma casa de leilões. Parou os estudos no segundo ano do
Apesar dos bons resultados, quanto aos objetivos da Colegial. Fez psicoterapia na adolescência, não gostava da
terapia do luto familíar, a falta de P no contexto terapêutica terapeuta e interrompeu. Sente-se desanimada, angustiada,
refletiu no familiar, .impedindo o completo atingimento muito sono mas não dorme bern à noite. Quando o
objetivos. Considera.'ldo-se o que foi visto nas últimas bebê morreu, emagreceu muito; ficou quatro dias sem co-
sões, o não-compartilhamento da morte e a não-reorganiza_ mer quando encontrou o marido com a pessoa com quem
ção, por parte de P, vão significar para ele o lamentável ele tinha o relacionamento. Geralmente sente-se muito arr-
alheamento dessa nova realidade, livre de fantasmas e com
filhos verdadeiros. ~ustiada quando acorda e quando chega em casa. Tem vori-
de morrer, mas não de cometer suicídio.
Com esta torrente de informações em uma primeira
entrevista, M deixou clara a forte necessidade de uma tera-
pia para o enlutamento, uma vez que a morte do filho, além
5. FAMÍLIA E do sofrimento naturalmente i.nerente a essa experiência, de-
sencadeou um processo depressivo sério, que poderia ter re-
percussões negativas, diante de seus antecedentes emocío-
Quando foi chamada para uma entrevista de primeiro
M procurou a Clínica em razão da morte de um fi. contato com o trabalho da pesquisa, quando a terapia fami-
lho, quatro meses antes. Essa críança vivera apenas 1
liar seria proposta, revelou que estava novamente grávida,
dias. M queixava-se de um relacionamento difícil com P, ao
segundo mês de uma gravidez de risco, pois estava tendo
mesmo tempo que se culpava pela morte da criança, pois
hemorragias, tendo sido recomendado repouso, que ela não
teve hemorragias durante a gravidez e se recusou a fazer o
repouso recomendado pelo médico. O bebê nasceu com
uma infecção generalizada, contraído de M. O casal tem ou. o relacionamento com P havia melhorado, pois ele
tros dois filhos: Fo (3) e Fa (2). Nas três vezes em que engra- lhe havia assegurado ter rompido o relacionamento extra-
vídou, M estava evítaridr, filhos, ou com pílula anticoncep- conjugal. M havia se ressentido muito com o comportamen-
cional ou com DIU e particulannente essa última gravidez to de P, por ocasião do parto e da morte do filho. P esteve
não foi desejada. M diz que nos cinco anos em que está ca- ausente, não tendo dado a ela o apoio emocional de que ne-
sada, praticamente passou todo esse tempo grávida. Nunca cessitava. P tem um restaurante, o que o obriga a ficar fora
teve confiança em P, com quem não queria ter se casado, de casa até de madrugada; quando chega em casa, M e os
era noiva de outro rapaz e, ao descobrir que ele tinha uma filhos estão dormindo, de modo que os contatos com ele são
namorada, rompeu o noivado e casou-se com P. Este teve restritos. M passa o dia com sua mãe, na loja de leilões des-
um relacionamento extraconjugal durante a última gravidez ta, levando os filhos consigo, porque os considera muito di-
de M e deixou que ela percebesse.
fíceis para que possa cuidar deles sozinha.
M considera-se muito insegura, nervosa, agitada, Considerando-se os fatos deste luto, é necessário le-
sempre foi assim. Os pais se separaram quando ela tinha var em conta os seguintes aspectos:
entre quatro e cinco anos, indo morar com a avó materna,
que faleceu quando M tinha onze anos. Depois disso, M a) tipo de morte: filho recém-nascido, com impacto
acha que começaram os problemas, voltou a morar com a muito maior em M, porém atingindo todo o sistema;
mãe, com quem tem um relacionamento difícil, por serem b) padrões familiares de uniáo: fragilidade, sem re-
ambas muito autoritárias. Dá-se bem com o Pai, com quem lação de confiança entre o casal;
A psicoterapia em s~tuaçõesde perdas e luto 141
140 Maria Helena P.F. Bromberg

c) flexibilidade do sistema: talvez fosse mais ade- 1) contexto soci.opolítico e histórico da morte: sem
quado falar flacídez, pois não há clareza ou consistência significado.
quanto a este aspecto, é mais um sistema sem contornos;
d) comunicação, mitos e tabus sobre a morte: para Diante deste caso, uma questão fundamental foi co-
M pela culpa que a situação lhe causou, começou a se criar locada: seria possível circunscrever a terapia à elaboração
do luto, se o funcionamento familiar já vinha sendo tão
o mito de que a morte é uma punição pelo descuido; os fi"
ameaçado por soluções mal-empregadas? Era um casamen-
lhos foram informados da morte com uma história; "O bebê
to. segundo M. que não deveria ter acontecido porque ela
veio e foi embora, agora ele é uma estrelínha no céu"; esta
casou-se com P "por birra", quando queria mesmo casar-se
gravidez, em seguida à morte, pode trazer o risco de trans-
com um ex-namorado, de quem havia se separado por des-
formar o bebê que nascer em um herói, mítífícando sua
cobrir que tinha outra namorada. Na ocasião da terapia, ele
identidade;
vivia uma situação semelhante com o marido. A infidelidade
e) recursos sociais e econômicos: o restaurante de de P, durante a terceira gravidez índesejada de M, sinaliza
P é a única fonte de renda básica para a família, embora M . um ponto a ser mais bem entendido: o quanto essa é uma
receba suporte informal de sua mãe para, por exemplo, pa- organização familiar que o exclui, nas três vezes, ou não
gar assistência médica e as despesas do parte; permite que sua participação seja aceita na solução de pro-
f) papel do morto no sistema familiar: o bebê nas- blemas, o que o leva a se refugiar em uma relaçáo talvez
ceu de uma gravidez não desejada, uma vez que o relacio- idealizada. Mesmo assim. é surpreendente a fertilidade do
namento conjugal estava com problemas; não fica claro se casal que. embora usando meios razoavelmente seguros de
M chegou a atribuir a ele o papel de unífícador do casal; contracepção, engravida quatro vezes em cinco anos, ou tal-
vez. mais do que uma questão de fertilidade. seja de amb
gl relações familiares por ocasião da morte: comojá
í-

dito, estavam em ruínas; P estava tendo um relacionamento valêncía.


extraconjugal, M sentiu-se (e parece que de fato esteve) M afirmara desde o início que P náo iria à Clínica.
muito abandonada: teve apoio de sua mãe tanto quando para qualquer que fosse o tipo de atendimento. Justificou
soube da notícia da morte quanto para as providências ne- essa decisão dele como sendo medo de ser acusado pelo
cessárias; comportamento durante os últimos episódios, pela infideli-
dade. Naturalmente, ai poderia estar tendo importante pa-
h) perdas múltiplas: não houve;
pel a necessidade de M de ter cuidados exclusivos para si,
i) fatores simultáneos de estresse: houve ameaça uma vez que estava deprimida e assustada. Os dois filhos
de rompimento do casamento; vivos eram pequenos. dois e três anos, respectivamente, e
j) legado multigeracíonal de lutos não resolvidos: a foram convidados a participar, inicialmente para uma ava-
morte da avó de M teve grande impacto sobre ela, pois mo- liação da relação de M com eles e também para verificar
ravam juntas e era uma relação muito positiva quanto á se~ como a questão da morte do irmão-bebê estava sendo per-
gurança afetíva: essa morte fez com que M voltasse a morar cebida por eles.
com sua mãe, com quem não se deu bem até recentemente; Foram realizadas quatro sessões, entre novembro e
não há informações sobre outras perdas de impacto; dezembro de 1991; a terapia teve de ser interrompida poí s
k) sistema de crenças da família: a partir de M, é
M decidiu fazer o repouso que lhe era exigido. P realmente
um sistema de crenças primitivas, infantilizadas, marcado não compareceu. M esteve sozinha nas duas primeiras ses-
por forte rnaníqueísmo que provoca profunda desorientação sões e com os filhos nas duas últimas. As sessões foram
e frustração quando não resiste a um confronto com a reali- gravadas em videoteipe e não houve observadores através
dade; do espelho unídírecíonal. pois o horário disponível da famí-
14,)
142 Maria Helena P.F. Bromberq psicoterapia em situações de perdas e luto

lia não se compatíbíltzou com o horário disponível da sala implicava a tentativa de substituição do bebê morto que.
de observação. comodito. não seria saudável.
Apesar de terem sido feitas tão poucas sessões, o Ao mesmo tempo, o casamento estando abalado não
fato de a interrupção ter se dado para que M pudesse fazer ,..só não oferecia a M a segurança necessária para o enfrenta-
o repouso foi significativo quanto a um resultado possível: a -mento do risco como representava também uma ameaça.
percepção de sua ambívalêncía e a disponibilidade para fa- Com a recusa de P em participar, foi possível trabalhar ape-
zer o sacrtfícío (como considerado por ela) necessário para .nas aqueles aspectos com os quais M podia arcar: cuidados
não passar novamente pelo sofrimento de perder o bebê. . consigo própria, não-mistura de identidade entre os dois
Durante esse curto período, foi possível trabalhar a relação bebês, medidas práticas nos cuidados de Fo (3) e Fa (2).
que estava se estabelecendo, no sentido de fazer desse bebê Pelos contatos telefônicos mantidos posteriormente.
a reposição de Fo (11 dias), a partir do desejo, com freqüên- soube-se que M continuava em repouso. mesmo não tendo
cia encontrado em pais que perderam filhos, de dar a ele o mais hemorragias. Havia contratado uma babã para os fi-
mesmo nome. M começou a considerar um outro nome a lhos e aceitava melhor as ofertas de colaboração de P. Ficou
dar, interessada em conhecer os significados atribuídos aos claro, no entanto, que tão logo tivesse maior autonomia
nomes. após o nascimento do bebê, procuraria uma terapia, muito
Observando-se os filhos nas sessões, o que chamou provavelmente individual no início, pois pudera perceber o
mais a atenção foi a pouca disponibilidade de M para aten- quanto os conflitos atuais refletiam sérias dificuldades pes-
soais. O fato de buscar terapia individual devia-se muito
dê-Ias nos pedidos que faziam e também para cuidar deles
quando se expunham a situações de risco, corno subir no também a sentir-se incapaz de envolver P em questões que
espaldar e tentar ficar se segurando com uma só mão. Isso dissessem respeito a ambos.
jã é dífícíl para uma criança de três anos, mais ainda para
uma de dois e ambos fizeram isso sem que M sequer se le-
vantasse para se aproximar deles. De fato, encontrava-se
muito deprimida, quase apática, com extrema dificuldade
para se voltar para as necessidades dos filhos. 6. FAMÍLlAF
Não é possível afirmar sobre os futuros aconteci-
mentos, caso M continuasse com a terapia. Com o que foi
observado e trabalhado, fica a idéia de que não foi a terapia
É composta por M (41), Fa (14) e Fo (12). P faleceu
de uma família enlutada no sentido mais clássico, e sim,
em junho de 1991, de enfarto do miocárdio, após curto pe-
um trabalho preventivo para o bebê que ia nascer. Assim,
ríodo de sintomas (diagnosticados clinicamente como es-
ele poderia ter uma identidade desvinculada do irmão mor-
to, que o precedeu. Quanto a Fo (3) e Fa (2), a partir do co- tresse), durante realização de exames. M procurou a Clínica
nhecimento sobre a conceítuação de morte por crianças Psicológica "Ana Maria Poppovíc'' a conselho de amigos, em
abril de 1992, por sentir-se muito deprimida, com dificulda-
dessa idade, M foi orientada a falar com eles de uma manei-
des em superar o luto. P era contador em uma construtora.
ra mais simples: "R acabou, não tem mais R", sem associar
Mera dona-de-casa, os filhos estudavam em colégio parti-
com o bebê que poderia vir a nascer. Era, sem dúvida, uma
situação delicada, pois essa nova gravidez, com a ambíva- cular, residiam em casa própria.
lência que seria naturalmente esperada, estava em risco. Foi feita uma entrevista de triagem com M. após a
acentuando a ambívalêncía crônica, por assim dizer, de M, qual, em outra entrevista, foi-lhe feita a sugestão de terapia
quanto a ter filhos. O motivo que a levava a tomar os cuida- familiar facada no lut.o, dentro desta pesquisa. Na segunda
dos necessários para chegar com a graVidez a bom termo entrevista, foram levantados os pontos de avaliação.
144
Maria Helena F.F. Bromberg A psicoterapio: em sih.w.ções de perda..<; e luto 145

A morte de P havia sido repentina, em casa, na pre- apresentaram notas baixas nos meses que se seguiram á

sença de M, enquanto os filhos estavam no colégio. M rela- morte de P.


tou sua reação de choque inicial, com grande dificuldade
Analisando os dados obtidos na primeira entrevista,
em aceitar a morte, tanto no momento em que havia se
percebi uma relação clara entre o tipo de morte - repentina
dado, quanto no momento da entrevista, onze meses depois. ~ e outros fatores, até então desconhecidos, que haviam
Chorou muito durante o relato e informou que chora a impedido a elaboração. A suspeita provável era da existên-
qualquer hora do dia, sem causa direta. Com freqüência, cia de relações ambíguas entre P e M. Parecia haver dois ti-
julga ver P na rua ou estações do metrô, aproxima-se e veri- pos de luto patológico em ação simultaneamente: M com o
fica tratar-se de homem fisicamente semelhante a ele. Não luto crônico e os filhos com o luto inibido. Não importava
tem vida social, embora antes da morte o casal fosse muito saber a causa desta simultaneidade e sim, como ela se
ativo, na igreja e no clube. M refere-se também a dificulda- dava. Se no sistema familiar, M carregava o luto crônico,
de para dormir. Atualmente trabalha em uma agência de ninguém mais precisaria ficar de luto, ou teria permissão
turismo, em função administrativa e comercial. Sente-se para isso, dai a inibição por parte dos filhos.
muito ameaçada profissionalmente, pois há dias em que
Convém lembrar que M havia procurado ajuda psi-
não se vê em condições para sair e falar com as pessoas.
cológica para si, não tendo sequer pensado na possibilidade
Os filhos recusam-se a falar sobre P ou sua morte e de seus filhos também precisarem. Era possível pensar,
não são muito estimulados por M nesse sentido, por ser portanto, que, ao tomar para si a função de "enlutada da fa-
também para ela uma experiência dolorosa. A relação que mília", M não permitia que o processo se desse também com
tinham com P, segundo informa M, era mais de temor do os filhos.
que de amizade, por ele ter sido muito autoritário. Há uma
A morte de P fora repentina, após um curto período
relação intensa entre as famílias de origem, particularmente
de exames, sem que a família tivesse informação acerca da
com as avós. No lado paterno, há forte influência religiosa,
gravidade de seu estado. Essas duas situações são, em si,
quanto a rituais e sistemas de crença.
consideradas como complicadores para a resolução do luto,
Quanto à relação entre M, Fa e Fo, o agravante está a partir da literatura apresentada neste trabalho.
no fato de os filhos terem sofrido uma dupla perda, pois
O padrão de relação da família era marcado por rigi-
após a morte de P, M teve de voltar a trabalhar, deixando-os
dez na hierarquia, sendo P o chefe, controlador, exigente,
sozinhos por muito tempo e não tendo disponibilidade para
aquele que ditava as regras ás quaís M e os filhos se sub-
acompanhar os deveres escolares. A família mudou-se da
metiam, não sem contrariedade. No caso particular da rela-
casa em que havia morado por muitos anos, o que ocasio-
ção entre M e P, as concessões feitas por M ("dançar confor-
nou perda de contato com vizinhos de longa data. Atual- me a música", como ela dizia), que abafaram sua pctencíalí-
mente, moram em pequeno apartamento, em bairro próxi- dade para não criar problemas, aliadas à experiência da
mo ao anterior.
morte repentina de P, estabeleceram as condições do luto
Os cuidados com os funerais foram tomados por um crônico. No entanto, no que se refere a Fa e Fo, a relação
irmão de P, pois M ainda se encontrava entorpeeida com a com P não tinha essa característica de submissão e ambíva-
morte. A família toda esteve presente, além de muitos ami- lência. Marcava-se pelo exercício da autoridade, muitas ve-
gos que também compareceram ao velório e enterro. zes inconsistente, com a conseqüente reação dos filhos.
A perda não parecia ter sido aceita, apesar das ten- Considerando-se o momento do ciclo de vida fami-
tativas de ajuste às necessidades presentes. Enquanto M liar, há um impacto importante que não pode ser negligen-
mostrava-se depresstva, Fo reagiu com muita atividade, o ciado nesta análise: o casamento de 17 anos era estável, P
que também ocorreu eom Fa, porém em menor grau. Ambos era estável proííssíonalmentc e havia galgado uma boa posí-
;":;:1
;iJj 147
146 Maria Helena P.F. Bromberg;,yl A psicoterapia em situações de perdas e luto

ção na empresa, os filhos entravam na adolescência sem,", nossa cultura, tende a reproduzir o papel masculino que
problemas significativos e M via-se diante do impasse de:'i :! absorveu de P (o que de fato estava ocorrendo), mas M, em
obter sua autonomia e diferenciação de volta, de acordo;}' sua luta por uma nova identidade, está no caminho de po-
com seu potencial - via atividade profissional - ou contí-" der ajudá-Io a se tornar um homem mais seguro, que não
nuar sendo o elemento complementar de P.. Este era um' precisa de autoritarismo para garantir sua posição.
ponto de atrito na relação, o que toma compreensível a am-, Até em outros pontos de identificação com P. ao me-
bívalê ncía de M para P. Este não aceitava ajuda, nem admí-. nos no piano da mitologia familiar ("O gênio dele é 'triste'.
tia ser objeto de preocupação; o sentimento de competência' como o de P"), M chegou a poder perceber que há mais van-
\ de M, tendo sido abafado ao longo dos anos, não podia ser tagens em se relacionar com Fo no que ele difere de P. Isso
usado quando necessário, como de fato não foi, na círcuns- apenas foi possível para M, no entanto, quando ela perce-
tãncía dos exames e da morte, porque M estava convencída-i beu que não só lhe era permitido ter raiva de P por tê-Ia
da competência exclusiva de P. Após a morte, quando voltar "poupado" (palavra que muito a irritava, pois traduzia clara-
a trabalhar não é mais uma escolha, e sim uma imposiçãO,~; mente o duplo vinculo entre ambos) como também era ne-
da situação, M permite - somente com o suporte da terapiá}, cessária essa permissão para que pudesse se perdoar pelo
- o desenvolvimento dessa potencíalídade e o surgirnento T que considerava suas omissões no momento da morte: "seu
do outro lado da relação ambívalente, o ressentimento. eu tivesse ido ao médico", "se eu tivesse percebido a gravi-
Sem dúvida, esse foi um período muito angustíante.: dade" e outras de igual teor.
que se refletiu na relação com os filhos, no âmbito doméstí-. Qua.'ldo M percebe que seu luto é diferente daquele
co e na atitude de M ao írnpedí-Ios - contraditoriamente ao vivenciado pelos filhos, porque cada um perdeu uma pessoa
que parecia - de ir às sessões terapêuticas. M tentava pre- diferente, embora fosse o mesmo P, ela pode desobrigá-Ios
servá-los dessa ambívalêncía, como se pudesse contaminá- de entrar em sua cronicidade, assim liberando-os para se-
los. Isso explica a razão das faltas dos filhos e de sua alega-
guir seu curso natural.
ção de que não precisavam de terapia. O papel de "enlutada
Um aspecto extremamente positivo foi a vinculação
da família" foi mesmo por todos atribuído a M. Esta,
de M ao emprego, o que lhe permitiu desenvolver novos inte-
seu lado. conquistava o espaço necessário para as repara-
resses, buscar conhecimentos que preenchessem as lacunas
ções e reformulações possíveis. Fa e Fo abrtgavarn-se da
de informação que percebeu ter, sem se lamentar ou se re-
dor, ao mesmo tempo que, saudavelmente, iam se colccan-
criminar por isso. Sua vida social intensificou-se a partir da
do no caminho de adolescentes, passando a exigir de M que
assumisse o papel de "autoridade da família", Foram, dessa profissional, o que também repercutiu no ãmbito familiar,
forma. co-terapeutas de M, mesmo fora das sessões. pois fez com que os filhos a vissem corno urna pessoa/mu-
lher e não apenas como a mãe que deveria estar em casa
Este paradoxo era trabalhado na terapia por meio
para servi-Ias. lünda que de forma incipiente, M começou a
da minha posição como terapeuta pois, ao mesmo tempo ..
mostrar desejo de ser bem-vista por pessoas de sexo mascu-
que insistia na presença de Fo e Fa, não deixava de envol-
lino. Sua apresentaçãO pessoal mudou muito durante o pro-
ver M nas questões de aceitação da perda e refonnulação da
cesso terapêuÜco: iniciou com roupas extremamente só-
nova realidade, consigo e com os filhos.
brias, até que no final apresentava-se com roupas leves. em
O envolvírnento de Fo com atividades esportivas e cores claras, mostrando um evidente cuidado com esse as-
sua possibilidade de ser bem-sucedido e colaborador com a pecto e, numa outra visão. a libertação da imagem de viúva.
equipe significaram uma derivação importante para a ques-
Quanto ao uso de rituais, houve uma tentativa ini-
tão de limites, regras, autoridade. Do ponto de vista afetívo,
cial, mat'cando a celebração da data do primeiro aniversário
muito provavelmente fará bom uso desse tipo de suporte so-
cial. Corno é próprio de adolescentes do sexo masculino na da morte de P. Foi proposto um ritual de despedida, por
148 Maria Helena F.F. Bromberg

meio de uma missa que tivesse o caráter de uma cerimônia


de adeus. No entanto, como a família (excetuando-se a fa-
mília de origem materna) já era super-rítualtzada, não se
utilizou essa proposta como uma possibilidade de mudan-
ça, a partir da constatação da perda. Essa super-rttualíza-
ção da família tinha muito mais os contornos de tarefa, com VI
obrtgatoríedade e repetição não refletida. A partir da primei-
ra tentativa, então, optou-se por não colocar o ritual de COl!\cQugõeg
uma forma tão explícita e sim, verificar as possibilidades
para que, junto com a descronificação, as despedidas pu-
dessem acontecer. De fato, isso se deu, quando M pode re-
ver e avaliar os objetos que a mantinham presa à memória
de P. Nesse processo, ela deu novo significado aos objetos,
mantendo alguns e se desfazendo de outros, de maneira a "Mas a minha tristeza é sossego
poder ver que cercar-se deles não era ter P de volta e sim, Porque é natural e justa:'
seu fantasma. Este foi um momento importante no proces- (O guardador de rebanhos. Alberto Caeíro)
so, no que se refere à aceitação da perda e à reorganização
da vida considerando que a perda se deu.
Para os filhos. esse processo de M trouxe uma nova
possibilidade de relação entre eles e M: se ela pode sair do
luto crônico, pode vê-Ios em suas necessidades e liberã-Ios A partir de todos os atendimentos, as discussões e
para viver seu próprio luto. conclusões aqui apresentadas abrangem pontos como: a
Assim sendo. o processo terapêutica da Família F foi teoria como fundamento para a prática terapêutica; existên-
considerado com tendo chegado ao seu término, dentro do cia de lacunas na pesquisa até hoje desenvolvida sobre o
que era proposto para uma terapia familiar breve focada no tema; abertura a outras áreas de pesquisa; questões de pre-
luto. As questões até então pendentes, tais como: a relação venção; atuação clínica propriamente dita; análise do traba-
entre M e os filhos adolescentes, estabelecimento de limites, lho realiZado.
divisão de tarefas, não se revestem das características do
luto patológico. A elaboração possível coloca-as no caminho
da resolução.
1. QUESTÕES DA ATUAÇÃO CLÍNICA

Considerando-se as seis famílias atendidas no pre-


sente trabalho, foi possível traçar conclusões que. mesmo
impossibilitadas de generalização, dadas as características
de uma pesquisa qualitativa, levam a uma análise aprofun-
dada que pode ampliar o conhecimento sobre o tema.
Foram estudadas famílias que apresentaram mortes
em condições bastante específicas:
150
Maria Helena P.F. Bromberg A psicot:erapia em situações de perdas e lulo 151

- Família A: esposa/mãe, após longo período de marcas muito mais fortes quanto à questão do medo da
doença, com filhos pequenos.
morte, o que faz supor uma não-explícítaçáo das condições
- Família B: marido/pai, morte repentina e violen- de manutenção do sistema, após a transformação sofrida
ta, com filhos pequenos. com a morte da mãe, possibilitando o aparecimento do mito
- Família C: mãe, após período muito curto de que subjaz ao medo da morte (o que, por sua vez, mantém
doença não esclarecida, com filho pequeno, que sofreu ou- inalterado o sistema resultante). A família é composta por
tras perdas. um núcleo central (Avó,Fo (14), duas tias, primo), ampliado
nas famílias das outras tias que, embora casadas, vivem
Família D: aborto e natimorto, desconhecidos pe- próximas desse núcleo e sobre ele exercem influência.
los outros filhos.
- Família E: filho recém-nascido, simultâneo à
ameaça de rompimento do casamento. 1.2. Conexão entre queixa e necessidade de atendimentoJa-
miiiar
- Família F: marido/pai, morte repentina, com fí-
lhos adolescentes.
Das famílias estudadas neste trabalho, apenas a E e
Para facilitar a análise dos dados, eles foram dívídí- a F (por intermédio das respectivas mães) procuraram ajuda
dos nos tópicos a seguir: psicológica diante de urna experiência de luto e, ainda as-
sim, a partir de sintoma normalmente entendido como per-
tencente ao âmbito das reações diante de perda - a depres-
I. 1. Tempo decorrido entre a morte e o início da terapia são - e no ámbíto individual. É possível concluir que tam-
bém no pensamento leigo não existe a associação entre os
Entre as seis famílias, apenas a E e a F foram aten- distúrbios mencionados e o luto. A vínculação dessa expe-
didas com um intervalo inferior a cinco anos entre a morte riência com o impacto familiar está ainda mais distante; é
e o início da terapia. Nas famílias B e D, o intervalo havia sempre vista como a experiência que atinge mais, ou até ex-
sido de aproximadamente cinco anos, enquanto para as clusívarnente, aquele membro que apresenta sinais mais
famílias A e C, o intervalo foi maior, sete e onze anos, res- evidentes de sofrimento, ainda dentro da visão restrita dos
pectivamente. Não foi possível concluir que o intervalo teve sintomas: chora mais, apresenta reações genéricas de de-
influência nos resultados, mas urna diferença se fez sentir, pressão, sempre contidas no ámbíto afetivo.
no que se refere ao tipo de funcionamento da família, Por essas razões, concluí que é extremamente ím-
quanto flexibilidade a mudanças ao longo do tempo. Em
ã

portante, ao atender o cliente que busca ajuda para suas


especial na família A. esse aspecto teve muito peso, sendo reações individuais a uma perda sígnífícatíva, ao lado dos
mesmo um sério complicador, pois a família havia se aglu- procedimentos de avaliação, iniciar com esse cliente um
tínado, de maneira a não permitir a intromissão de qual- trabalho de caráter quase didático, no qual lhe são apre-
quer possível agente transformador. O tempo transcorrido sentadas as relações de sentido entre a perda e outras
serviu, então, para tornar mais rígido ainda esse modo de possíveis conseqüências, que não sejam apenas as que o
funcionamento.
fizeram buscar ajuda, e também obter o envolvímen to fa-
No caso da família D, embora o intervalo entre a miliar, de modo que seja possível trabalhar ststemícarnen-
morte e o início da terapia tenha sido maior, com ocorrência te com todos os seus membros, para que um e todos pos-
de outras mortes e perdas significativas nesse período, há sam ter seu papel no processo de reconstrução da nova
duas questões importantes a serem levadas em conta: a fal- realidade, após a perda.
ta de informação específica sobre o sistema familiar anterior Na família F, o pedido era para a mãe, que não per-
á perda da mãe e a característica do sistema atual, com cebia a importância da questão relacíonal, o quesó conse-
152 Maria Helena P.F. Bromberg psicoterapia em situações de perdas e luto 153

guiu fazer no decorrer do atendimento. Inicialmente, trouxe ,'camente com ele. Por volta da quinta sessão, não mais falou
a queixa de dificuldades com uma abrangencta quase que'
exclusivamente afetivo-emocional. ." >a respeito disso. A auto-estima rebaixada por causa da rela-
ção estabelecida com P, que abafou sua potencíalidade, foi
Nas famílias A, B, C e D, que não buscaram ajuda rs
revista, fazendo com que percebesse melhor seus limites e
associando o sintoma com a perda, muito do trabalho tera-" potencialidades e fosse em busca de soluções para as con-
pêutíco foi feito nesse sentido, para obter o envolvímento de :
:'dições que não lhe eram favoráveis, notadamente no campo
todos e "traduzir" o sintoma nessa nova forma de compreen-
profissional. O reflexo no ãmbito relacíonal fez com que Fa e
dê-lo. Na família B, embora o encaminhamento inicial tíves-
iFo tivessem que mudar a maneira de se relacionar com ela,
se sido feito pela fonoaudióloga que atendia Fo (5), que en-
tendeu o problema de forma sistêmica, M teve muita dificu!'. >conseqüentemente, provocando mudanças no caráter geral
dade em aceitar a proposta. Na família D, principalmente, .da relação familiar.
devido ao grande segredo que cercava a morte dos dois be-" Na família B. embora a queixa principal fosse a dífí-
bês, M elegeu Fa(lO) como paciente identificado e, também " iculdade de Fo (5) na aquisição da fala, havia também a
neste caso, foi necessário um grande CUidadopara sensíbtlí-. queixa de deterioração cognitiva de Fo (9). com grande difi-
zá-Ia e envolver os demais membros da família. culdade de aprendizagem. Como este atendimento foi inter-
A questão do "paciente identificado", se em outras' rompido após a quinta sessão, não foi possível dar prosse-
formas de disfuncionamento familiar, já é de díficíl aborda- guimento ao trabalho sobre esses pontos.
gem, porém fundamental para a definição do campo de tra- > No caso da família C. a mudança fundamental se
balho terapêutica, no caso do luto familiar traz um complí- , ' . deu quanto às atitudes de Fo (14) em relação a si e ao am-
cador adicional, que é exatamente o que vem sendo aqui" biente. assim que a família se dispôs a lhe contar o que sa-
apontado: a dificuldade em entender o luto no âmbito rela- '
. bia sobre as condições da morte de M. Este momento foi um
cional e sob as diversas faces com que se apresenta.
"divisar de águas", pois significou a destruição do m:ito que
mantinha o sistema imune ás transformações e permitiu
também a abertura do campo para a realização do ritual.
1.3. Resultados obtidos quanto a mudanças nos sintomas
com importantes efeitos terapêuticas.
Na família D. ficou muito claro o impacto relacional
Os resultados mostraram-se mais positivos quanto
aos ãmbitos afetívo, comportamental e das atitudes em rela- quando a queixa (dificuldades de relacionamento entre M e
ção ao morto e ao ambiente. Nas seis famílias, não houve Fa) foram trabalhadas. O segredo desvendado permitiu que,
queixa somática trazida como prioritária, embora na família em lugar do que não era sabido, se desse a comunicação,
A e na F, respectivamente, P e M tenham falado a respeito atingindo não apenas M e Fa, como os outros filhos e, em-
de dificuldades no sono e na digestão. bora em menor escala, também P.
Na família F, M refere-se à sensível diminuição na Quanto ã família E, embora também tenha ocorrido
freqüência com que se sentia triste, com medo de não interrupção no atendimento, esta pode ser entendida sob um
agüentar a ausência, "desesperada", em suas palavras. ângulo positivo, uma vez que significou, por parte de M, a
Também quanto a culpa e raiva, passada a fase crítica em aceitação da morte de Fo (11 dias) e a inadequação da tentati-
que esses sentimentos se tornaram agudo, ela pode contex- va de substituí-Ia pelo outro bebê que esperava. Cuidar de si e
tualízá-los, o que fez com que passasse a buscar situações se aceitar como alguém que precisava de cuidados foram os
de prazer no contato com outras pessoas. No início da tera- pontos mais importantes para M reconhecer para si e para o
pia, ainda apresentava comportamento de procura de P, que sistema. As soluções por ela adotadas mostram esse reconhe-
via com freqüência em homens que se assemelhassem físi- cimento.
155
A psicoterap[a em situações de perdas e Luto
154 Maria Helena F.F. Bromberg

finalde ~ravidez, com dois filhos pequenos e traumatizados


1.4. Avaliação quanto aos fatores de risco pelaviolência da morte do pai. Mesmo com todos estes com-
A partir da literatura. as famílias foram avaliadas plicadores, não foram eles que. ao comporem o quadro de
luto patológica, provocaram a interrupção da terapia e sim,
quanto aos fatores de risco de um mau resultado na elabo-
a qualidade da relação entre P e M, que, quando evidencia-
ração do luto. As famílias assim se apresentaram quanto a
da, tornou intoleràvel para M a aceitação do alívio pela mor-
esses fatores:
te de P.
Família A: morte prematura, após longo período de Considero fundamental a avaliação dos fatores de
doença; relação de dependência entre M e P; filhos peque- risco, não somente para identificar a necessidade de atendi-
mento, mas também para dar a ele (seja em forma de accn-
nos; rigidez no sistema.
selhamento ou terapia) os pontos indicadores quanto ao
Família B: morte violenta, prematura; relação de
ambívalêncía entre P e M; gravidez de M; pouco suporte so- procedimento e à técnica.
cial; filhos com comportamento traumatízado.
Família C: morte repentina, prematura, Fo tinha l.5. Uso de rituais
três anos; sistema familiar com muitos mitos sobre a morte; Considerando-se os objetivos da utilização de rituais
Fo ignora condições da morte de M; perdas múltiplas. para a terapia faroi.liar do luto, o presente trabalho permitiu
Família D: segredo familiar; sistema familiar fechado a verificação de alguns pontos conclusivos.
à realidade da perda; dificuldade do sistema em transpor A família Fera super-ritualizada anteriormente à
passagens do ciclo vital (puberdade de Fa}. morte de P, enquanto M, por sua vez, manteve a super-rí-
Família E: gravidez inibindo luto; ameaça de perdas tualização como uma forma de negação da realidade da per-
(separação do casal, risco de aborto), perdas prévias na his- da, assim não permitindo a flexibilidade diante dela. O pa-
tória de M; dificuldade para lidar com o luto dos filhos; sem radoxal é que, embora M apresentasse alguns comporta-
suporte afetívo de P. mentos adequados em resposta à necessidade de mudança
Família F: morte repentina, prematura, sem infor- e de adaptação à realidade, fazia-o com muito sofrimento,
mações adequadas sobre diagnóstico e prognóstico; relação exatamente por se utilizar da super-ritualização. Assim sen-
do, o recurso transformador do ritual sofreu obstàculo em
de ambivalência e dependência entre M e P. M com auto-es-
sua função de transformação, enquant.o as de familiarização
tima rebaixada; família super-rítualízada: momento de no-
e repetição erarn intensificadas. Foi este o motivo que obri-
vas separações no ciclo vital (adolescência dos filhos).
gou a uma mudança na proposta inicial; assim sendo, o
trabalho foi realizado no sentido de neutralizar o efeito da
Como pode ser visto, a presença da morte prematu-
super-rítualização, para permitir a transformação.
ra, juntamente com a morte repentina, mostra que este fa-
Além desse aspecto, também a questão cultural foi
tor de risco é, de fato, um complicador para uma boa reso-
lução do luto familiar. A partir do que foi visto nessas seis considerada na utilização de rituais para terapia familiar do
luto. Embora existam diferentes rituais, com diferentes si.g-
famílias, pude concluir que há uma injunção do impacto
nificados, para diferentes culturas, essa diversidade não in-
aíetívo-emocíonal com a repentina demanda sobre o siste-
valida o recurso, porque o ritual só terà verdadeiramente
ma, para se adaptar às exigências do cotidiano, após a per-
efeito, se estiver contextualizado no sistema de crenças da-
da. Em todas as famílias, havia crianças pequenas (ou, no
quela dada famílía e responder às suas necessidades de
máximo, adolescentes), o que acarreta maiores dificuldades
transformação. Portanto, concluí que o emprego de rituais
para o pai ou mãe sobrevivente. Nesse caso, o impacto para a terapia do luto familiar independe das diferenças
maior esteve com a mãe da família B, que se viu viúva, em
156
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 157

culturais, mas deve estar totalmente fundamentado nessas - demarcação: entrada e saída da fase de entorpeci-
diferenças e especificidades.
mento; estabelecimento dos contornos da situação de perda.
Nas famílias estudadas no presente trabalho, os ri- - externalização: sucedem-se as fases de anseio-
tuais utilizados tiveram, na maioria, um enquadramento re- protesto e desespero. É um momento muito delicado, pelo
ligioso quanto ao formato que a família lhes deu (enterro que provoca em uma situação familiar que muitas vezes po-
simbóHco para a família D e celebração de missa de despe-
dia parecer equilibrada.
dida para as famílias C e F), o que não é surpreendente, se
for levada em conta a força que a religião e as crenças reli" - reorganização: é a fase final, na qual ocorrem re-
gíosas exercem, quando se trata de situar a morte no árnbí- cuperação e restituição, ou seja: o sistema encontra um
to comportamental. A família A teve, porém, um ritual de modo de funcionamento que reconhece as perdas e identifi-
cunho não religioso (fazer um álbum de fotografias com as ca novas possibilidades.
lembranças de M), pois o ponto a ser trabalhado dizia res-
O papel do terapeuta é, então, permitir que esse per-
peito à rigidez do sistema em lidar com as memórias, sem
curso se dê, auxiliando o sistema familiar a identificar seus
poder dar a elas o lugar devido, para também situá-Ias num
tempo devido, retirando-as do presente. recursos. Concluí que esse papel requer verdadeiramente a
atitude de "delicada firmeza" sugerída por COOKLIN(990),
Em resumo, concluí que a utilização de rituais para
mas vai além, abrangendo um ponto que não foi explorado
a terapia do luto familiar exige critérios rigorosos, para eVi-
na literatura: as vívêncías de luto do terapeuta ao trabalhar
tar efeitos contrários aos desejados. Em particular no caso
os lutos da família e ao dela se separar, quando o atendi-
de famílias já super-ritualizadas antes da morte e que in-
mento é considerado encerrado ou quando é interrompido.
tensificaram essa característica até que entrassem em tera-
pia, o trabalho deve objetívar o contrário: tornar flexível o A interrupção da terapia, como no caso da família B,
sistema, neutralizando o recurso dos rituais que obstaculi- pode provocar no terapeuta uma reação semelhante à pro-
zam a transformação. vocada por uma morte repentina: grande dificuldade de
aceitação e de adaptação à nova realidade. Especificamente
no exemplo citado, as tentativas de contato e reínícío do
1.6. Atuação do psicoterapeuta processo talvez tenham ido além do adequado, diante das
necessidades da família. Ajustificativa está na minha tenta-
Os três momentos que marcam a psicoterapia do tiva - no papel de terapeuta - de negar a interrupção, ou
luto familiar - demarcação, externalização e reorganização seja, a morte.
- puderam ser identificados nas famílias A, C, De F. Na fa- Uma conclusão a que cheguei é que, qualquer que
mília B, a interrupção se deu exatamente na entrada na seja a condição de luto num dado sistema familiar, o terapeu-
fase de extemalização, quando M não suportou evidências ta é participante desse sistema e, conseqüentemente, sofre as
de sua ambivalência em relação à morte de P. Na família E, ressonâncias a partir dele. Além disso, tem seus lutos pes-
quando M decide fazer o repouso recomendado, para não soais que servirão de indicadores a respeito do grau de parti-
perder mais aquele filho, estava também entrando na fase cipação que poderá ter com cada sistema familiar, em suas
de externalização. peculiaridades. Não se trata de dar ao terapeuta a possibilida-
Esse movimento, como verifiquei, não se dá auto- de de ser auto-referente e sim, de respeitar nele as experten-
maticamente, embora tenha notado uma tendência nesse cias que lhe permitiram amadurecer e se desenvolver como
sentido, por parte das famílias estudadas. É possivel afir- pessoa e profissional.
mar que essa tendência repete o padrão das fases de elabo- Assim sendo. a atuação do terapeuta deve se pautar
ração do luto, assim entendidas:
pelo domínio da técnica, reconhecimento de sua participação
158
Maria Helena P.F. Bromberg,\ " psicoterapia em situações de perdas e luto 159

no sistema familiar e pela vívêncía pessoal de seus próprios


adulto enlutado. Outro ponto coincidente está na relação
lutos, de maneira a fazer deles instnlmentos úteis na prátí- com o meio, com a tendência ao afastamento e ao ísolamen-
ca terapêutica.
',to social. A depressão emocional trazendo a suscetibilidade
a doenças também está presente.
Nas famílias estudadas no presente trabalho, veríft-
tanto nos passos iniciais da avaliação como no decor-
rer do atendimento, uma confirmação do que a literatura VÍ-
2. A TEORIA COMOFUNDAMENTOPARAA 'nha apontando: famílias estruturadas mais rigidamente,
PRÁTICATERAPÊUTICA
com pouca flexibilidade na comunicação, apresentam maior
-:dificuldade em realizar as tarefas de adaptação. Ou seja: as-
,sumirem a nova estrutura do sistema, com a falta de um
membro, persistindo na estrutura anterior à falta. Também
Do ponto de Vista do luto individual, a literatura os fatores adaptativos foram considerados, por abrirem es-
está muito bem fundamentada para permitir a prática tera- paço para intervenções de caráter sistêrníco, não apenas de
pêutica, como pode ser verificado no presente trabalho. No natureza supra-individual, mas também individual, de ma-
entanto, quanto ao luto familiar, há um número bem mais
neira a permitir o impacto que cada uma das vívêncías indi-
reduzido de elementos teóricos o que, em si, já revela uma
viduais exercia na mudança grupal, pelas ínter-relações que
posição dos pesquisadores acerca do tema do luto, visto acontecem no sistema, Na família A, esse ponto ficou parti-
muito mais como uma questão colocada no âmbito das ex- "
cularmente claro quanto a essa questão.
periências individuais e não das familiares.
Quanto à prática terapêutica, por vezes sentia-me
Como o objetivo do trabalho implicava a inter-rela- trilhando caminhos cheios de encruzilhadas e desvios, pela
ção dos dois âmbitos, vi-me obrigada a identificar os ele- tentativa de aplicar uma técnica sístêrníca, relacíonal, con-
mentos da literatura que dessem subsídios para esse objeti-
textualizada, ainda quando trabalhando com uma única
vo e abrissem a possibilidade para desenvolver minha pró-
pessoa. Nesta área, a literatura também forneceu importan-
pria pesquisa, nesta área de interesse. Os recursos de ava-
tes fundamentos que permitiram a ampliação proposta. O
liação utilizados permitiram a abordagem individual e a fa-
que não foi verificado na pesquisa teórica esteve contido nos
miliar e foram, então, considerados marcos de referência
pressupostos do presente trabalho: a terapia da família en-
durante e ao final do processo terapêutica. Particularmente
lutada deve levar em conta a relação entre o impacto indivi-
a descrição dos três tipos de luto patológico, como apresen-
dual e grupal, na medida em que é da análise das diferen-
tada por PARKES(1965) foi útil para a avaliação das neces-
ças entre as reações dos membros do grupo que se extraem
sidades de intervenção, fosse ela em forma de aconselha-
mento ou psicoterapia breve. os elementos positivos das reações da família.
Uma lacuna que notei é o número reduzido de pes-
Igualmente importantes foram os roteiros de McGOL-'
quisadores brasileiros envolvidos com a questão, de manei-
ORICK(1991) e WALSHe McGOLORICK(1991), para avalia-
ra que pudessem fornecer norteadores àprática voltada
ção da condição familiar, na especificidade da crise do luto,
para a realidade brasileira, como havia apontado anterior-
uma vez que, conhecendo essa especificidade, admiti que os
métodos usuais de avaliação familiar não se aplicavam. mente (BROMBERG, 1991 e 1992). Essa constatação não
significa que este trabalho deveria ter sido feito de maneira
A partir de minha experiência e com base na litera-' diferente ou que suas conclusões não sejam válidas e sim,
tura (BOWLBY,1978a, 1978b, 1981; PARKES, 1965, 1970,
que em seu percurso, deparei-me, em vários momentos,
1982), observei que ocorrem os mesmos sintomas somáticos
com dúvidas quanto às possíveis diferenças culturais. Em-
na criança que vive a privação emocional e no índívíduo
píríca e não sistematicamente, é possível afirmar que os re-
160
Maria Helena P.F. Bromberg ,A psicoterapia em situações de perdas e luto 161

sultados de pesquisa, mesmo tendo sido obtidos em outras


culturas, respaJdaram a ação terapêutica com razoável rnar-. 1987; LINDEMANN. 1944; PARKES. 1964a. 1986, 1990),
gem de segurança. utilizando amostra brasileira.
Concluí que o desinteresse dos pesquisadores brasi- Uma questão resultante dessa pesquisa diz respeito
leiros por questões de morte e luto está calcado na crença à possibilidade de trabalhar de maneira semelhante àquela
de que as cOnseqüências do luto são um problema inevitá- que foi aqui empregada, com famílias íritactas, porém que
vel e suportável, considerando_as apenas em uma visão a tenham sofrido outro tipo de perda. como: perda de função
curto prazo. desconsiderando as cOnseqüências psicosso- sensorial de um dos membros; perda de recursos financei-
cíais de longo prazo. como problemas psiqUiátricos, aumen- ros. como conseqüência de desemprego; ou com famílias
to de freqüência às consultas médicas por doenças psicos- que apresentam luto indefinido. por situações como: desa-
somáticas. dificuldades de aprendizagem e outros. Uma ex- parecimento (por perseguições políticas. ou mesmo sem
plicação para esse fato. verifico estar na questão da recente esta conotação), seqüestro sem resgate, morte em catástro-
dessacraJização do tema da morte. permitindo que seja vis- fe. Na minha opinião. essas situações criam reações de luto
ta. então. como objeto de estudo da Ciência. Como no Brasil patológico que também atingem cada um e todos do sistema
a orientação religiosa é forte. mesmo que seja considerada a familiar e trazem consigo necessidades que não se asseme-
diversidade entre as religiões que pautam grande parte do lham totalmente ás mencionadas neste trabalho.
universo de crenças do brasileiro. tal avanço da Ciência tem Mais particularmente no caso de luto indefinido.
que passar pela barreira rígida dessa orientação. que atua, quando não há o cadáver de forma a permitir a prova de
portanto. como um obstáculo. realidade. o risco de instalação de luto patológico é muito
grave. Os problemas gerados pela violência urbana têm au-
Uma outra razão que pode explicar esse interesse
está contida na própria história de Vida e morte. dentro da mentado. o que obriga o pesquisador a trabalhar em áreas
História do Brasil. Comparando-se com os países que se até recentemente não abordadas. como uma resposta da
ocupam de estudar a morte e as conseqüências do luto so- Ciência aos problemas sociais.
bre a população. vê-se que são países que passaram por ex-
periências maciças de morte. como as duas guerras mun-
diais. catástrofes. elevado :risco de ataques terroristas. No
Brasil. esse tipo de experiência não faz parte das possibili-
dades cotidianas. quando comparadas com outros países. 4. QUESTÕES DE PREVENÇÃO
não gerando preocupação dos pesquisadores para a impor-
tância do tema.
Como abordado neste trabalho, a terapia da família
enlutada previne o surgímento de conseqüências atê tríge-
racionais, além dos efeitos na saúde. rendimento escolar e
3. ABERTURA PARA OUTRAS ÁREAS profissionaJ. Este é. no entanto, um aspecto de prevenção
DE PESQUISA E ATUAÇÃO secundária. decorrente da ação terapêutica.
Considerando as possibilidades de prevenção primá-
ria ao luto patológico. a experiência deste trabalho apontou-
A partir do que foi levantado no ponto precedente. há me os seguintes aspectos. como fruto de reflexão.
POSSibilidadede replicação de pesquisas quantitativas e quah-
tatívas, como aquelas que caracterizam amostras de enlu ta- - Se a morte é tída como um grande tabu no século
dos quanto aos fatores de risco (STROEBE e STROEBE. XX. semelhante ao tabu sexual no século XIX. trazê-Ia mais
próxima ao campo das experiências inerentes à condíçào
162
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e lut.o 163

humana é tarefa ampla, envolvendo inúmeras áreas do co-


Uma medida preventiva é a implantação, nos currí-
nhecimento, não apenas a Psicologia. Não se trata de bana-
culos das faculdades de Medicina, de um curso que abor-
lizá-Ia, mas de permitir que o ser humano a inclua em seu dasse a atitude do profissional diante da morte, à seme-
projeto de vida.
lhança do seminário de KUBLER-ROSS(1989) nos Estados
- A conceituação que a criança faz da morte está Unidos e de BLACK (1992) na Inglaterra. Esses seminários
estritamente vinculada ao seu desenvolvimento psíquico e ou cursos não devem ser restritos aos estudantes de Medi-
não há razão ou necessidade para que esse processo seja cina, mas também oferecidos a estudantes de outras áreas
alterado. No entanto, por que privá-Ia de experimentar si- envolvidas com a Saúde: Enfermagem, Serviço Social, Psico-
tuações de perda que ocorrem diariamente? Não se trata de logia.
cultuar a morte e sim, de aprender a identificá-Ia em suas - A implantação de hospitais para pacientes termi-
múltiplas faces. Quando diante de uma ameaça objetiva por nais, com a preocupação de fornecer cuidados paliativos e
morte de alguém significativo, a contextualização de suas dar assistência à família, em uma situação de luto antecí-
reações é um recurso preventivo de muita valia. patório, tem efeitos preventivos muito positivos, como é de-
monstrado pelos resultados obtidos na rede de "hospíces"
- A comunicação médico-paciente-família do pa-
existentes em vários países, como Estados Unidos, Inglater-
ciente é um campo no qual podem ser encontrados elemen-
ra, Austrália, Japão. Os profíssíonaís são especialmente
tos facilitadores ou complicadores do luto. Com freqüência
treinados para esse trabalho, que tem por princípio não ten-
ouço queixas de familiares sobre diagnósticos comunicados
tar prolongar a vida do doente e sim dar-lhe, e à família,
de forma quase desumana, informações vagas sobre o esta-
mais vida nos dias que lhe restam.
do do paciente ou insensibilidade dos médicos no contato
com os familiares e paciente, principalmente no que se refe- Quando conheci o trabalho realizado no St. Chrts-
re à comunicação da notícia de morte. No presente traba- topher's Hospice, em Londres, sob a direção do Dr. Parkes,
lho, as famílias A, E e F sofreram situações difíceis no con- concluí que é uma forma de atuação preventiva, pois permi-
tato com médicos, quanto a informações imprecisas sobre a te que as famílias sejam cuidadosamente acompanhadas,
gravidade do estado de saúde e modo de comunicação da de maneira a identificar, muitas vezes em estado embrioná-
morte. rio, o risco de instalação de luto patológico ou a existência
de condições desfavoráveis a uma boa resolução do luto,
Por outro lado, também os médicos e a equipe hos- como: pouco suporte social, relações conflítuosas anteriores
pitalar referem-se a dificuldades no contato com o paciente à morte e outras.
e os familiares, principalmente no aspecto da comunicação, Utilizei muito do resultado da experiência da equipe
em forma e conteúdo. Penso que essa dificuldade é origina- de profissionais e pesquisadores do St. Chrístopher's Hcspi-
da em uma visão ao mesmo tempo ingênua e onipotente do ce, como, por exemplo, EARNSHAW-SMITHe YORKSTONE
médico, que se considera encarregado da missão de salvar (1986), LAITENZI-LICHT(1989), LUGTON(1989), PARKES
vidas, muitas vezes desconsiderando os limites da Ciência e (1977, 1980), TATELBAUM (1989), YORKSTONE (1981).
os seus próprios. Conseqüentemente, deparar-se com esses Como é um trabalho que vem sido desenvolvido há aproxi-
limites significa perceber seus verdadeiros contornos, como madamente quarenta anos, a experiência acumulada e re-
profissional e pessoa, de forma a poder entender a morte do vista ao longo do tempo permite uma credíbilídade conside-
paciente não como resultante de seu fracasso, incapacidade rável.
ou ignorância e sim, o único resultado possível naquelas - Quanto à atuação clínica preventiva, a experiên-
circunstàncias, a despeito de seus esforços, experiência e
cia da A.. somada à obtida com as reflexões sobre este tra-
conhecimento.
balho. indica que a avaliação da família enlutada e a indica-
164
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 165

ção para alguma forma de intervenção (seja ela em forma de


mental que exista antes uma atitude em relação ao luto. en-
aconselhamento ou psicoterapia) devem ocorrer aproxima-
tendido como fator precipitador de dificuldades sérias no
damente um mês após a morte, nunca antes. Durante esse
funcionamento familiar e de reações individuais que afetam
período de um mês, a família ainda conta com apoio social e
vários âmbitos, como o relaciona1. o sornátíco, o cognitivo.
afetívo, que passa a ser paulatinamente retirado, devolven-
do-a para a realidade que poderá não ser adequadamente Se este trabalho tiver contribuído para criar essa
enfrentada. Muito mais tarde, a partir de cinco anos da atitude ou, ao menos para sensibilizar profissionais da área
data da morte, há grande possibilidade de as reações e rela- da saúde para a importância do luto e suas conseqüências,
ções estabelecidas na família corno sistema terem se crista- sinto-me recompensada pelo esforço de ter pesquisado um
lizado, provocando muita dificuldade em lidar com o luto e tema tão ârduo mas que pode provocar mudanças no senti-
suas conseqüências. Quanto ao impacto do fator tempo nas do de uma melhor qualidade de vida.
possibilidades de ação terapêutica, ressalto que ele se dá, a Naturalmente, esta pesquisa não esgota o tema, e
despeito das condições de rigidez da família. no período an- nem era esse seu propósito. Ao alertar para uma criteriosa
terior à morte. utilização de rituais como instrumento terapêutíco.vapre-
sento, portanto, uma conclusão que deverá nortear a ação
- Há maneiras de se prever a possibilidade de eclo- terapêutica: não é o instrumento em si que deve ser ade-
são de urna crise como a do luto, a partir dos achados de quado; o que determinarâ essa adequaçâo é o contexto de
pesquisa como os indicadores de fatores de risco, claramen- sua utilização. O que foi visto neste trabalho é que, para a
te previsíveis. Para que isso se dê, é necessário criar uma família super-ritualizadas, o emprego de rituais não é indi-
atitude de consideração por esses achados, permitir o aces- cado, pois essas famílias tendem a usá-Ias desconsiderando
so a eles, torná-los até conhecidos do grande público e, a possibilidade de transformação, ficando apenas com o as-
principalmente, estabelecer serviços de atenção ao eriluta- pecto de repetição e, conseqüentemente, de manutenção do
rnento, antes e depois da perda. Se considerarmos que o estabelecido.
Brasil tem tantas necessidades no campo da saúde básica
A intervenção ecossístêrntca utilizada no presente
ainda por atender, pode parecer supérfluo falar em preven-
trabalho ressalta a importância de o terapeuta ser conside-
ção da crise do luto. No entanto. corno é sabido que essa
rado um elemento pertencente ao sistema. Dessa forma, ao
mesma crise tem repercussões secundárias na área da
terapeuta não basta dominar a técnica, é preciso que tenha
Saúde e da Educação. que acabam por onerar o Estado. em
elaborado suas questões pessoais de luto, porém não espe-
uma atuação que é de sua responsabilidade, talvez este ar-
rando obter neutralidade ou imparcialidade porque, além de
gumento possa vir a ser considerado convincente.
utópicas, seriam até mesmo empobrecedoras no processo.

5. CONCLUSÕES FINAIS

Ao término deste trabalho, consicero necessano


ressaltar que as questões do enlutamento, na medida em
que afetam o comportamento da família, mudando o curso
de seu cíclo vital com conseqüências negativas. devem ser
avaliadas com extremo cuidado. para que possa ser delinea-
da a intervenção necessária. Para isso, no entanto, é funda-
cgib.Qiogno6i.a

ABERASTURY, A. La percepción de la rnuerte en 10s ninas, ia


ABERASTURY et aL La percepción de Ia muerte en tos ninas.
Buenos Aires, Kraígerman, 1978.
ABRAHAM, K. (l924) A short story of the development of the libido,
ia Selected papers in psycho-anaIys!s. Nova Iorque, Basic
Boaks, 1953.
ANDERSON, C. Aspects of the pathologícal gnef and mourning.
IntemationaI JoumaI of Psycho-analysis, 30:48-55, 1949.
ARIES, P. O homem diante da morte. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1977.
BELLAK, L. e SMALL, L. Emergency psychotherapy and brief
psychoth.erapy. Nova Iorque, Grune and Stratton, 1978.
BLACK, D. Tne bereaved child. J. Child PsychoL Psychini.., 19: 287-
292, 1978.
BLACK, D. Counselling bereaved children and their families. J. Inst.
HealtEduc., voU7, nº 2,1979.
BLACK, D. Bereaved children: family intervenction. Bereavem.ent
Care, 2:2, 1983.
BLACK. D. Life and death, in The MacMillan guide to child health,
Londres, MacMillan, 1986.
BLACK, D. Comunicações pessoais, The Royal Free Hospital,
Londres, Junho de 1992.
BLACK, D. Family intervenctj<>n with famílíes bereaved ar about to
be bereaved. in PAPADJ\l1DS, D e PAPADATOS, C. (ed.], Children
and death, Londres, Hemísphere, 1991.
.-'

BLACK, D. e URBANq*nCZ, M. A Bereaved children, farnily


intervention, in S"ffiVENSON, J. E. (ed.), Recent research in
developmental pS}jchopathology, Oxford, Pergamrnon, 1985.
168
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdCL<;
e Iuro 169

BOURNE, S. The psychologícal effects of stíllbírths 0/1 women and


CLAYTON. P. J.. HALIKAS, J. A., MAURlCE, W. L. The bereavement
theír doctors. Joumal qf the Royal College of General
Practitioncrs, 16: 103-112, 1968. of the wtdowed. Diseases o] tlie Neroous System, 32:597-604,
1971.
BOURNE, S. e LEWIS, E. Pregnancy aftcr stillbirth ar neonatal
CLAYTON. P. J., HALIKAS, .J. A., MAURICE, W. L. 1be depressíon of
death: psychological uses and management The Lancei, julho, wídowhood, Bril. Journai ofPsuchiatn], 100:71-78, 1972.
1984.
CLAYTON, P. J. et aI. Antecipatory grief and wídowhood, Brit:
BOWEN, M. Farníly reactíon to death, in WALSH, F. e JoumalofPsychíatry, 122:47-51, 1973,
McGOLDRlCK, M. Livíng beyond ioss: death. ín the family. Nova
Iorque, W. W. Norton & Co., 1991. COOKLIN, A. r. "Delicada firmeza" ante el sufrimiento: una guia
para el terapeuta familiar, Sistemas Familiares, Ano 6, nº 2,
BOWLBY, J. Separatíon anxiety. Intemational JOUlTlaIoj Psycho- agosto, 1990.
analysis, 41:89-113,1960.
de SHAZER, S. Pautas de terapia familiar breve: W1 enfoque
BOWLBY, J. Attachment, Lrt Attachrl1.Ent and loss, vol, 1, ecosistêrnico. Barcelona, Paídós, 1989.
Harmondsworth, Penguin Books, 1978a.
DEUTSCH, H. Absence of grtef. Psycho-Analytic Quarlerly, 6:12-22,
BOWLBY. J. Separation: anxiety and anger, in Attachment and Ioss, 1937.
vol. 2, Harmondsworth, Penguin Books, 1978b.
DICKS, H. V. Marital tensions: dinical studies toward a theory of
BOWLBY. J. The mnking and breakinq oj aJfectionaJ bonds. Londres, interation.. Londres, Routledge and Kegan Paul, 1973.
Tavistock, 1979.
EARNSHAW-SMITH, E. e YORKSTONE, P. Setting IIp and running a
BOWLBY, J. Loss: sadness and depressíon, in Attach.ment and toss, bereavement seroice. Orpington, Bishop & Sons, 1986.
voI. 3, Hannondsworth, Penguin Books, 1981.
EGAN, G. The skilleâ he/per: a model for systematic helping and
BOWLBY, J. e PARKES, C. M. Separation and 108s in the chíld and in.terpersonal relaiinq. Monterey, Books/Cole, 1981, apud
his farníly, in ANTFlONY, E. J. e KOUPERNIK, C. (ed.), LUGTON, J., 1989.
Intem.atíonal yearbook of child. psychiatry and allied professions,
ELIZUR, E. e KAFFMAN, M. Chíldren's bereaved reaction. Child
voI. l. Nova Iorque, John Willey, 2970,
Psucniain], 21, 5:474-480, 1982.
BOWLING, A e CAR1WRIGHT, A Life ajter a death.: study of early
ENGEL, G. L. ls grtef a disease? A challenge for medical research.
widowed, Londres, Tavístock Publícatíons, 1982.
Psychosomatic Medicine, voI. 23, nº 1, 1961.
BREUER, J, e FREUD, S, Studies on hystería, tn The complete FIGLEY, C, R. Frorn víctím to survivor: social responsibílíty ín the
works, voI. 3, Harmondsworth, Penguin Books, 1980.
wake of catastrophe, tn FIGLEY, C, R (ed.), Trauma and tis
BROMBERG, M, H. Bríef psychotherapy for the farníly crísís: me waJce, Nova Iorque, Brurmer-Mazel. 1985.
pathological mouming. Trabalho apresentado no UI Congresso FIORINI, H. J. Teori.a. e técnicas de psicoterapias. Rio de Janeiro,
Mundial de Terapia Familiar, em Jyvaskyla, Ftnlándía, 5 de Franscisco Alves, 1978.
junho de 1991.
FREUD, S. Thoughts for the times of war and death (1915), in The
BROMBERG, M. H. Intervenção psicológica para a crise do luto complete works, vol, 14, Londres, Hogarth, 1981.
familiar. Trabalho apresentado na 44ª Reunião Anual da
FREUD, S. Mouming and melancholía, in On metha.psychDlogy: the
SOCiedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Universidade
de São Paulo, 16 de julho de 1992. theory oI psycho-analysis, Harmondsworth, Pengum Books,
1984.
BUDMAN, S. H. e GURlVlAN, A S. Theory arui practíce of btief
therapy, Londres, Hutchínson, 1988, FUL1DN, R. L. Death and social values, in FULTON, R L. [ed.)
Death and identity, Nova Iorque, John Whiley & Sons, ll965.
BYNG-HALL, J, Family scrípts and 1088, in WALSH, F. e
GERBER, I. Bereavement and the acceptance of professional
McGOLDRlCK, M. Living beyond loss: death in the jarni1y, Nova
Iorque, W, W. Norton & Co., 1991, service, in. BARTEN, H. H. Btief therapies, Nova lorque,
Behavíoral Publícations, 1971.
CLAYTON, P. The effect of living alone on bereavement symptoms.
GILBERT. P. A guide to posiiiue retiremeni. Londres, Graffon Books,
American.Jownal qIPsychiatnJ, 132:2, 133 -137, 1975.
1988.
CLAYTON, P. et aL A study of normal bereavement. American
GORER. G. Deaih; grief and mourninq in contemporary Britain.
JownalofPsychiatry, 125:2, 168-178,1968.
Londres, The Crescent Press, 1965.
170
Maria Helena P.F. Bromberg . A psicoterapia em situações de perdas e luto 171

HAASL,B. e MARNOCHA,J. Bereav'ement support group programfor LEWIS, E. e PAGE, A. Failure to mourning a stillbirth: an
children. Lancaster, GazeUe Book'$ervices, 1990. overlooked catasthrophe. British Joumal of Medical Psychology,
HILL, S. Twe1ve-hour psychotherapy. Canadiari Nurse, 72:30-34, 51:237-241,1978.
1976.
LINDEMANN,C. The symptomatology and management of acute
HOLMES, T. H. e RAHE, R. H. The social adjustmenr rating scale. gríef. Ameri.can Journai of Psychiatry, 101: 141-149, 1944.
Journal ofPsychosomatic Research, 11:213-18, 1967. LUGTON, J. Communicating with dying people and their relaiioes.
HYMAN, H. H. Of time and widowhood: nationwide studies of Londres, Austen Cornísh Publishers, 1989.
endurinq effects. Durham, Duke Press, 1983. LUNDIN,T. Morbidity followíngsudden and unexpected bereavement.
IMBER-BLACK,E. Rituais and the healing process, in WALSH, F. e British Journal. of Psychiatry, 144:84-89, 1984.
McGOLDRICK, M. Living beyond I.oss: death in thefamUy. Nova McGOLDRICK, M. Echoes from the past: helping families moum
lorque, W. W.Norton & Co., 1991. their losses in WALSH, F. e McGOLDRICK. M. Living beyond
JACKSON, E. N. Gríef and religion, in FEIFEL, H. [ed.) The tneaninq Ioss: death in thefamily. Nova Iorque, W. Norton & Co., 1991.
ofdeath. Nova lorque, McGraw-Hill, 1965. McGOLDRICK,M. et aL Mourning in different cultures in WALSH,
F. e McGOLDRICK, M. Living beyond loss: death in the jamily.
KAFFMAN, M. e ELIZUR, E. Children bereavement reaction
Nova lorque, W. W. Norton & Co., 1991.
following death of the father. Intemational Joumai of Family
Therapy, 1:3,203-229, 1979. MADDISON, D. C. e VIOLA, A. The health of widows in the year
following bereavement. Joumai of Psychosomatic Research,
KAPLAN,D., GROBSTEIN, R. e SMITH, A. Predicting the impact of
12:197-306, 1968.
severe illness in families. Health and social work, 171-182,
1976, apudWALSH, F. e McGOLDRICK, M., 1988. MADDISON,D. C. e WALKER.W. L. Factors affecting the outcome
of conjugal bereavement. British Journal of Psychiatry, 113:
KLEIN, M. Mouming and íts re1ationship to maniac-depressive 1057- 1067, 1967.
states. Intemaiionnt. Joumal of Psycho-Analysis, 21:125-153,.
1940.' . MANDELBAUM,D. G. Social uses of funeral rítes, in FEIFEL, H.
[ed.], The meaning ofdeath. Nova lorque, Mcôraw-Híll, 1965.
KNOBEL, M. Psicoterapia breve. São Paulo, EPU, 1986.
MANN, J. The core of tírne-límíted psychotherapy: time and the
KRAUS, A. S. e LILIENFELD,A. N. Effects of widowhood. Journal of central íssue, in BUDSMAN, H. Forms Df brief tnerapi].' Nova
ChronicalDeseases, apud PARKES, C. M. (1964a). lorque, Guilford Press, 1981.
KRUPP, G. R. Identification as a defence agaínst arudety ín coping MARRIS, P. Widows and their Jamilies. Londres, Routledge & Kegan
with Ioss. International Journal ofPsycho-anaIysis, 46:303-314, Paul. 1958.
1965.
MEYER, L. Família: dinâmica e terapia. São Paulo, Brasílíerise,
KUBLER-ROSS, E. Sobre a tnortere o morrer. São Paulo, Martins 1987.
Fontes, 1989.
MEYER, R. e LEWIS, E. The impact of stillbirth on a marríage.
IANGSLEY,D. G., PITIMANIII,F. S., MACHOTKA,P. e FLOMENHAFT, JournalofFamily Therapy, 1:361-369, 1979.
K. La terapia de Ia crísís familiar: resultados y implicaciones, in
MORRlSON,J. K. Successful gríevíng: changing personal constructs
ACKERMAN, N. W. Grupoterapia de Ia família Buenos Aires, through mental imagery. JournaI of Mental Imagery, 2:63-68,
Paídõs, 1981.
1978.
LATIENZI-LICHT,M. E. Bereavement servíces: practice and problems. NAGY, M. H. The chíld's view of death, in FEIFEL, H. (ed.) The
The HospiceJoumaL 5:1-28, 1989.
meaning ofdeath. Nova lorque, McGraw-Hill, 1965.
LEWIS,E. e BOURNE,S. PerinataI death, Bailliere's Clini.calObstetrics PARKES, C. M. Effects of bereavement on physical and mental
andGynaecology, vol. 3, nº 4, dezembro/1989. health: a study of the medical records of wídows. British
LEWIS, E. e BRIAN, E. Management of perinatal loss of a twín. Medi.calJoumal, 2:274-279, 1964a.
British MediCaIJoumat297: 1321-1323, 1988.
PARKES, C. M. Recent bereavement as a cause of mental illness.
LEWIS, E. e CASEMENT, P. The inhibition of mouming by British Joumai o]Psychiatry, 110: 198-204. 1964b.
pregnancy: a case study. Psychoana1.ytic Psychotherapy, vol. 2, PARKES, C. M. Bereavement and mental illness. British Joumal Qf
n2 1,45-52, 1986.
Medical Psychology, 38: 126, 1965.
172
Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 173

PARKES, C. M. "Broken heart" , a statístícal study of íncreased


SCHMALE. A. H. Relatíonshíp of separatíon to depressíon and
mortality among widowers. British. Medical Jownal, 1:740-743,
1969. dísease. PsychosomaLic Medidne, 20:259-277, 1958.
PARKES, C. M. The first year of bereavement: a longitudinal study SCHMALE,A H. J. e lKER. H. P. The effect af hopelessness and the
of the reaction of London widows to the death of their development of canccr. Psychosomatic Medicine, 28:714-721,
husbands. Psuchiatrij. vol, 33, n? 4,444-677, 1970. 1966.
PARKES, C. M. Evaluation of the family care ín terminal illness, in SCHIFF. H. S. The bereaueâ parent. Nova lorque, Penguin Books,
PRlTCHARD, E. R., COLLARD, J., ORCU1T, B. A, KUTCHNER, 1977, apudWALSH, F. e McGOLDRICK. M., 1988.
A H., FREELAND, I. e LEJKOTZ, L. (eds.) Social work with the SPITZ. R. A O primeiro ano de vida. São Paulo, Martins Fontes,
dying patient and the family. Nova Iorque, Columbia University 1979.
Press, 1977.
STEIN, Z. e SUSSER, M. W. Wídowhood and mental illness. British
PARKES, C. M. Bereavement counselling: does it work? British Joumal of Preventive and Social Medicine, 23: 106-110, 1969.
Medical Joumal, 281: 3-6, 1980.
STERN, K., WILLIAMS, A G., PRADOS, M. Grief reactions in 1ater
PARKES, C. M. The rtsk of suicide after bereavement. Bereavement life. AmericanJoumal ofPsychiatry, 108: 289-296, 1951.
Core, vol. I, nº 1, 1982.
STRAKER. R. M. Brief psychotherapy in an outpatient clíníc:
PARKES, C. M. Bereauemeni- studies of grief in adult life. Londres,
Penguín Books, 1986. evolution and evaluation. American Journai of Psycruatry,
124:1219-1226,1968.
PARKES, C. M. Risk factors in bereavement: implications for the
prevention and treatment of pathological gríef. Psychiatric STRAUSS, A. Chronic illness and the quality of Iífe. St. Louis, C. V.
Annals, (206), 308-313, 1990. Mosby, 1975. apudWALSH, F. e McGOLDRICK.M., 1988.
PARKES, C. M. Comunicação pessoal. St. Christopher's Hospíce, STROEBE, W. e STROEBE, M. Bereuuement and health: the
Londres, 28/2/1991. psychological and physical consequences of partner loss.
Cambridge, Carnbrídge University, 1987.
PARKES. C. M. e BROWN. R. S. Health after bereavement: a
controlled study of young Boston widows and Widowers. SWENSON, W. M. Attitudes toward death among the aged, in
PsychosomaticMedicine. vol, 4, nº 5. 449-461. 1972. FULTON, R. L. Death and identity. Nova Iorque, John Whiley &
PARKES. C. M. e WEISS, R. S. Recovery jrom bereQlJement. Nova Sons, 1965.
Iorque, Basic Books, 1983. TATELBAUM,J. T,'l.ecourage to qtie]. Londres, Cedar Books, 1989.
PINKUS, L. Death and the family: tiie importance of mowning. VAN EERDEWEGH, M. M., BIERI, M. D., PARILlA. R. H. e ClA'lTON,
Londres. Faber & Faber. 1974. P. J. The bereaved child. British Joumal of Psychiatry, 140:23-
PRO-AIM - Programa de Aprimoramento das Infonnações de 29. 1982.
Mortalidade no Município de São Paulo. Boletins semestrais de VOLKAN,V. A study of a patient's "re-gríef work" through dreams,
1991 e 1992.
psychologícal tests and psycho-analysis. Psychiatric Quarterly,
RAPHAEL. B. The young child and the death of a parent, in 45: 255-273, 1971.
PARKES, C. M. e STEVENSON-HINDE. J. (eds.), The place of VOLKAN,V. et aL "Re-gríef" therapyand the functíon of the linking
attachmentin human behaviour. Londres, Tavistock. 1982. object as a key to stimulate emotíonalíty, in OLSEN, P. (ed.)
RAPHAEL, B. The anatomy of bereavement. Nova Iorque, Basto Emotionalflooding. Nova Iorque, Behavíoral Publícatíons, 1975.
Books, 1983.
VOLKAN,V. e JOSEPHTHAL, D. Bríef psychatherapy in pathologícal
ROBERrS. J. Setting the trame: definition. functíon and typology of grtef: re-gríef therapy, in KARASU, T. B. e BELlAK, L. (eds.)
rítuals, in IMBER-BLACK. E., ROBERTS. J. e \iVHITING,R. Special tecbniques in psychotherapy. Nova Iorque, Internatíonal
(eds.) Rituais infamilies andfamily therapy. Nova Iorque, W. W. University Press, 1981.
Norton & ce.. 1988.
VOLKAN, V. e SHOWALTER. C. R. Known object loss, dísturbance
ROSEMBERG, M. Society and the adolescent self-tmaqe. Princeton, in reality testing and "re-gríef" work as a method of brief
Princeton University Press, 1965.
therapy. Psychiatric Quarterly, 42:358-374, 1968.
ROSENBLAIT, B. A young boy's reactíon to the death of his síster: a
WALSH, F. e McGOLDRICK. M. Loss and the family Iífe cícle, in
report based on a brief psychotherapy. Joumal of the American
Academy ofChildPsychiatry, 8:321-335, 1969. FALICOV, C. J. Family transitions. Nova lorque, The Guilford
Press, 1988.
174 Maria Helena P.F. Bromberç.

WALSH. F. e McGOLDRICK. M. Loss Iivíng beyond loss: death Ú1 tM.


family. Nova Iorque, W. W. Norton & Co .. 1991.
WASS, H. Concept of death: a developmentaI perspeetíve, in WASS,'
R e CARR. S. (eds.) Childhood anâ death.. Washington-De.'
Hemísphere, 1989.
WATZLAWICK. P.. WEAKLAND. J. H. e FISCH. R. Mudança:
princípios de formação e resolução de problemas. São Paulo,)
Cultrix, 1977.'
WHITING. R. A. Guidelines to desígníng therapeutic m':
rituaIs.
IMBER-BlACK. E .. ROBERI'S. J. e WHITING. R. A. (eds.]:
Rituais in [amilies and fami/y therapy. Nova Iorque, W. W:
Norton & Co, 1988.
YORKSTONE. R. Bereavement. British Medical Journal; 282: 1224-
1225. 1981.
YOSHIDA, E. M. P. Psicoterapias psicodinâmicas breves e critérios
psicodiaqnósticas. São Paulo. EPU. 1990.

Impressão e Acabamento
Prisma Printer Gráfica e Editora Ltda.
Fone/Fax: (Oxx19) 3229-7171
E-mail: gmjira@priJmaprinJer.cOIJI.br
1JJlIImprú!IJ(lplin/er.ro",.',r
Campina! . SP

Você também pode gostar