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DE PERDAS E LUTO
ª
I tiragem
2000
Conselho editorial
DougJas Marcondes Cesar
~obhe o. autoha
Glauci Estela Sanchez
Composição
Miero Laser ComI. Ltda.- ME
Maria Helena P. F. Bromberg é psicóloga pela PUC-
Coordenação editorial SP, Mestre e Doutora pela mesma universidade. Psícotera-
Glauci Esteja Sanchez peu ta e professora universitária (PUC-SP e UNIP) com expe-
riência em questões da terminalidade e do luto. Tem apre-
Foto sentado suas pesquisas e reflexões em congressos no Brasil
Maria Helena P. F. Bromberg e no Exterior, assim como tem se atualizado em cursos e se-
minários, particularmente na Inglaterra. país com tradição
no trato das questões do luto. Na PUC-SP, é Professora-As-
sistente-Doutora, responsável pela disciplina "Luto e morte
ISBN: 85.87622-09-9 na família", além de orientar alunos na monografia de con-
clusão de curso. Supervisiona psicólogos em formação em
Psícoterapía Infantil, além de atender pacientes na Clínica
Psicológica "Ana Maria Poppovíc'', da qual foi diretora de
Editora Livro Pleno 1989 a 1993. No curso de Pós-Graduação em Psicologia Clí-
Rua Dr. Cândido Gomide, 584 - Jd. Chapadão nica, pertence ao Núcleo de Família e Comunidade, minis-
CEP: 13070-200 - Campinas - SP - Brasil trando cursos relacionados ao tema dos vínculos e do luto.
Telefax: (OXX) 19 243-2275 Na Universidade Paulista, é Professora Titular de Psicologia
e-mail: edlivropleno@uol.com.br do Desenvolvimento I, no curso de Psicologia.
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1. QUESTÕES DA ATUAÇÃO CLÍNICA . 149 ~t
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5.2. Morte no ciclo de otâa januliar 67 .t;
71
71
1.2.
1.3.
1.4.
da terapia
atendimento familiar
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Conexão entre queixa e necessidade de
·..···
ResuLtados obtidos quanto a mudanças
nos sintomas ·.. ·..· ··
Avaliação quanto aos fatores de risco
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151
152
· 154
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1.2. Identificando o cuidado necessário 79 1.5. Uso de rituais . 155
1.6. Atuação do psicoterapeuta ,. 156 ~
2. PSICOTERAPIA DO ENLUTAMENTO 82 ~
2.1. Psicoterapia inâioiáucú para o en[utamento........ 82 2. A TEORIA COMO FUNDAMENTO PARA A ~i.
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·..·..·····.. 158
2.2. Psicoterapia famiíiar para o eniutamenio 89 PRÁTICATERAPÊUTICA ·..···
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m. OBJETIVOS 93 3. ABERTURA PARA OUTRAS ÂREAS DE I
1. O FENÔMENO POR ABORDAR 97
PESQUISA E ATUAÇÃO . 160
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2. AS PRESSUPOSIÇÕES....................... 99
4. QUESTÕES DE PREVENÇÃO
·..··..· 164
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IV. MÉTODO
1. A PESQUISA...........................................................
101
101
BIBLIOGRAFIA . 167
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2. SUJEITOS 102 ~
3. PROCEDIMENTO APÓS ENCAMINHAMENTO 103 ~
4. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS 105
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5. RECURSOS PARA AVALIAçÃO
6. PROCEDIMENTOS DE INTERVENÇÃO...................
DAS FAMÍLIAS 106
109
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7. RITUAIS COMO RECURSO TERAPÊUTICa............ 112 ~
8. PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DOS DADOS ..... 116 ~
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V. ANÁLISE DAS FAMÍLIAS ESTUDADAS 119 R'i~
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1. FAMÍLIA A ......... ........ ............ ..... ....... ... 119 ~
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2. FAMÍLIA B
3. FAMÍLIA C................................
126
130 i
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4. FAMÍLIA D 134
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5. 'FAMÍLIA E............................................ 138
6. FAMÍLIA F............................................................... 143 ~
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VI. CONCLUSÕES 149 ~
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cA:pheget'ltação
"Admirável
Não pensar ao ver um raio:
'É fugaz a vida'."
(Bashô)
A morte apenas recentemente tornou-se objeto de so e de melhor qualidade. Foi muito interessante observar
interesse dos cientistas sociais, que podem então estudá-Ia a informação unánime dada pelos agentes funerários: as
sem os desvios das interpretações de natureza sagrada. Isso pessoas que solicitam os serviços pedem que sejam execu-
foi possível pela gradual secularização das sociedades, le- tados com presteza. que o enterro seja o mais breve possí-
vando á busca de explicações racionais para os fenõmenos vel para não se demorarem na presença do cadáver. Ou
sociais e psicológicos, tradicionalmente interpretados como seja: um ritual importantíssimo não vem sendo utUizado,
sagrados em sua natureza. A contribuição das Ciências So- o do velório e enterro. que permite as despedidas.
ciais para o diálogo entre ser humano e natureza/morte Embora não havendo uma padronização de sígníü-
está na tentativa de compreender as dimensões do proble- cados atribuídos à morte rios diferentes grupos sociais, há
ma da morte para a sociedade e as implicações que tem sempre, nessas circunstâncias. um quadro de referências à
para o comportamento (FULTON,1965). morte, uma previsibilidade de comportamentos, uma estabi-
ARtES (1977) indica como a morte foi tendo seu ce- lidade nas expectativas. Por causa disso, os rituais por oca-
rimonial mudado ao longo dos tempos, significando as mu- sião da morte estão presentes nos processos cerimoniais de
danças que afetaram o impacto sobre a sociedade. Hoje o todos os povos, trazendo o objetivo e o significado da rituali-
que se vê é uma inversão completa dos costumes, desde a zação tanto do ponto de vista cultural como individual. É
relação entre moribundo e ambiente social e fisico até as possível dizer, de acordo com KRUPP (1965). que o ser hu-
manifestações sociais das emoções. Segundo ele, no século mano desenvolveu ritos culturais para lidar com a morte,
XX, nas sociedades ocidentais, a morte tornou-se um fato a bem como cerimônias grupais e padrões individuais de
ser vivido com discrição. o que transferiu o local da morte comportamento.
dos lares para os hospitais, tecnícalízando-a e dessacralí- Do ponto de vista individual, as tentativas de domí-
zando-a. É a forma que a sociedade produziu para se prote- nio da morte, ou seja. da negação da mortalidade, muitas
ger de tragédias que podem abalar seu equilíbrio. já tão fra- vezes encontram apoio em crenças religiosas que retratam a
gilízado em razão das constantes e rápidas mudanças a que morte como uma passagem. um estado transitório e não a
se submete. cessação da vida. Esta última concepção provoca o surgi-
Quando convidada a proferir palestra sobre "O mento de fortes defesas, uma vez que sem elas seria impos-
tabu da morte" aos funcionários do Serviço Funerário Mu- sível imaginar qualquer espécie de futuro.
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~.
nicipal de São Paulo, dentro do seminário "O trabalhar Assim sendo, o ser humano precisa se situar em pa- ~.
com a morte". pude perceber a extrema dificuldade da pla- rãmetros de tempo apesar de e por ser mortal. Ou seja: "Se ~
téia em se perceber não como um funcionário público bu- ~
~
você quiser que a vida dure, prepare-se para a morte". como II
rocrático e sim como uma pessoa que é obrigada a encarar disse FREUD (198l) em 1915, em seus pensamentos sobre
no seu dia-a-dia profissional aquilo que as pessoas prefe- tempos de guerra e morte, mais diretamente relacionados à
I~
rem ignorar: a morte está presente em todos os aspectos experiência vivida na I Guerra Mundial. Coincidentemente.
da vida. A platéia era composta por funcionários adminis- tive contato com essas idéias de Freud quando pesquisava a
trativos e operacíonaís (corno coveiros e exumadores). O ~
literatura, por ocasião de um estágio em Londres, entre ja- ~
conteúdo da palestra envolvia a caracterização das fases
neiro e março de 1991, período de duração da Guerra do ~
do luto, riscos quanto ao papel que a pessoa morta repre- ~
Golfo. A experiência vivida então mostrou a extrema atuali-
sentava para os familiares, condições que predispõem ao
dade do texto de Freud. aplicável tanto no que se refere às
luto patológico. Esperava-se que os funcionários pudes- ~3:
estratégias utilizadas na guerra como no cotidiano. com os
sem conhecer e compreender a condição psicológica das
pessoas que buscam seus serviços profissionais, assim freqüentes ataques terroristas colocando a ameaça de morte ~;
perrnítírido-lhes dar a elas um atendimento mais cuidado- como um ponto a ser sempre considerado. ~
~
18
Maria Helena P.F. 8romberg A peicoterapia. em sftuações de perdas e luto 19
timentos estão entre os mais profundos - são intensos e reações a uma perda e se caracterizam por um espírito de-
multifacetados, afetando emoções, corpos e Vidas, por um primido, perda de interesse e inibição de atiVidades. A dife-
longo período de tempo. Essa tristeza é preocupante e esgo- rença é a ausência - no luto - de culpa, auto-acusações e
tante, uma verdadeira onda de sentimentos em estado bru- rebaixamento da auto-estima.
to, como angústia, raiva, arrependimento, saudade, medo e
ABRAHAM(1953), em 1924, ao trabalhar com a ques-
ausência. A pessoa pode lidar com estas reações utilizando
fatores positivos ou negativos para o resultado. tão da libido, especificamente relacionada à melancolia, trouxe
uma compreensão importante para a distinção entre luto nor-
Embora sejam muitas as influências possíveis na mal e patológico. Para ele, as auto-acusações dos melancólicos
determinação do impacto que uma perda significativa tem referem-se mais ao objeto perdido do que a eles mesmos; o de-
para um dado indiViduo ou para um sistema relacíonal, ain-
sejo de ter novamente o objeto perdido pode ser expresso em
da permanece a necessidade de se avaliar a experiência pes-
fantasias de incorporação oral; se a relação com o objetoperdi-
soal. Tenta-se assim dimensionar o luto não somente do
do tiver sido ambivalente, há possibilidade de instalação de
ponto de vista indiVidual, mas considerando-se também as
uma psicose maniaco-depressíva, com as alternàncias ocorren-
implicações para a rede social, que podem ser ou não favo-
do em lugar da ambívalêncía.
ráveis à sua elaboração. Duas das formas mais consistentes
de tratar esta questão teórica estão aqui apresentadas, de A partir das idéias de Abraham, KLEIN (940) afir-
maneira que possam ser consideradas tanto do ponto de mava que tanto os aspectos bons do objeto perdido quanto
vista pessoal, individual, da experiência psíquica subjetiva, os maus são reintegrados pelo enlutado, assim como todo o
como do impacto mais amplo, vinculado à questão da pre- mundo interno associado a eles, inclusive as figuras paren-
servação da espécie. tais que os objetos substituíram; por esse motivo, na elabo-
ração do luto, ele sofre pelas reVivências das dificuldades da
1. 1. Luto e perda do objeto: a abordagem psicanalítica infância. A mesma autora associa ainda a experiência do
desmame (perda primária) com a posição depressiva, que é
encontrada no cerne do processo de luto.
Muito embora no pensamento psicanalítico seja
classicamente citada a monografia "Luto e melancolia", es- DEUTSCH (1937) escreveu um dos primeiros traba-
crita por FREUD (1984) em 1917, como a primeira explica- lhos sobre desenvolvimento patológico do luto, a partir do
ção a respeito dos mecanismos psíquicos envolvidos no estudo de quatro pacientes adultos com sintomas psiquiá-
luto, anteriormente BREUER e FREUD (1980), em Estudos tricos ligados à perda por morte ou divórcio de um dos pais
sobre a histeria já havíam feito a primeira tentativa para ex- na infância. Pouco ou nenhum luto havia sido expresso na
plicar e tratar os sintomas histéricos de Anna O., durante a ocasião da perda. Segundo ela, a criança não precisa ter a
doença e após a morte de seu pai, como uma ligação entre descrição intelectual da morte, porque já tem a experiência
luto e doença mental. Em "Luto e melancolia" as idéias ex- da perda objetal na primeira infância. Conclui dizendo que
pressas tornaram-se não somente a base para a teoria psi- a morte da pessoa amada (como uma perda objetal) precisa
canalítica da depressão mas também influenciaram profun- produzir expressão reativa de sentimentos no curso normal
damente as concepções posteriores sobre o luto. É curioso dos acontecimentos ou o luto não manifesto será, então,
pensar a razão pela qual, diante do impacto causado pelas trazido à tona de forma total, ameaçadora para o equilíbrio
idéias de Freud sobre o luto, o processo psicológico do luto psíquico do indivíduo.
não tenha estado no centro de seus interesses. Para FREUD Também concordante com M. Kleín, há o estudo de
(1984), a análise comparativa entre luto e melancolia (ou os ANDERSON (1949), considerado o primeiro grande estudo
sentimentos de luto ou depressão clínica) demonstra que o sobre luto patológico. Com uma valiosa contribuição, reve-
luto pode ser um modelo de depressão clínica: ambos são lou o papel importante da ansiedade (oposta à depressão)
no luto patológico. Descreve a síndrome do luto crônico inconsciente de seguir o morto, assim evitando a separação
como uma reação mórbida, na qual ansiedade, tensão, in- e se defendendo da dor inerente ao luto. Isso fica particular-
quietação e insônia predominam, havendo também idéias mente claro no caso da escolha objetal do parceiro. As pri-
de auto-reprovação e repentes de raiva. Essas manifesta- meiras relações de objeto são determinantes dessa escolha,
ções refletem a maneira pela qual a criança teria reagido à o que pode explicar por que a morte do parceiro é tão amea-
perda primária.
çadora para a saúde psicológica do Viúvo ou da viúva
Para KRUPP (1965), há uma conexão importante (DICKS, 1973). Para PINCUS (1974). a perda pode levar a
com o processo de luto pela pessoa amada e transformações um processo de enlutamento patológico ou depressão se o
de personalidade. Essa conexão tem por base identificação enlutado não emergir desse processo com uma personalida-
e introjeção como mecanismos de defesa, objetivando reter de mais independente. Isso só é possível, porém. se houver
experiências de prazer que se desprendem de objetos exter- experiências positivas de Vinculos e perdas anteriores a par-
nos para serem renovados. Os mecanismos podem se dar tir das relações objetaís.
por meio de:
Concluindo. é importante ressaltar o quanto esta con-
- introjeção depressiva (depressão), cuja ausência é tribuição da Psicanálise permitiu uma compreensão dos pro-
patológica; cessos de luto, tanto normal quanto patológico, e também
trouxe a possibilidade de elaborá-lo, a partir de uma visão de
- identificações sintomáticas similares aos sinto-
mas do morto; relação e perda objetaís. Este um processo doloroso, sem
é
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29
A psicoterapia em situações de perdas e luto
28 Mana Helena F.F. Bromberg
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pacientes não podem ser desconsiderados até que seja
provado que as relações de vínculo com o objeto não te-
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nham qualquer papel na patogênese da doença. 2.1. A stniomatotoçia
~
~i.
Continuação
SINTOMA DESCRIÇÃO
B- MANIFESTACÕES COMPORI'AMENTAIS
A-AFETNO DESCRI CÃO
SINTOMA
Depressão Sentimento de tristeza, depressão, disforia, acorn- Tensão, inquietação atípíca, hiperatividade, fre-
Agitação
panhado por intenso sofrimento subjetivo, dor qüentemente sem completar as tarefas (fazer
mental. Episódios (ondas) de depressão podem coisas apenas para se manter ativo), comporta-
ser intensos e algumas vezes (mas não sempre) mento de procura do cônjuge, mesmo reconhe-
precipitados por eventos externos (receber carí- cendo que é inútil.
nho, ir a certos locais, lembranças de atividades Redução do nível de atividade geral (às vezes
feitas em conjunto, aniversários etc.). Sentimen- Fadiga
interrompida pelas crises de agitação meneio-
tos de desespero, lamentação, pena são os predo- nadas anteriormente); lentificação da fala e do
minantes. pensamento; Iasstdão geral, olhar triste.
Ansiedade Medos, ameaças, sensação de impotência, de per- Lágrimas ou olhos marejados , expressão geral
Choro
der a cabeça, de morrer, medo de ser incapaz de de tristeza, com os cantos da boca caídos, olhar
sobreviver sem o cônjuge, ansiedade de separa- triste.
ção, medo de viver sozinho, preocupaçôes fínan-
C _ ATITUDES EM RELACÃO A SI AO FALECIDO E AO AMBIENTE
ceiras e preocupações sobre outros assuntos que
antes eram resolvidos com o cônjuge. Auto- reprovação Ver: A- Culpa
Continuação
não fazer afirmações definitivas e classificalórias a este res-
peito, devido às muitas diferenças individuais. Com o pro-
SINTOMA DESCRIÇÃO pósito de diagnosticar o luto patológico. é de grande ajuda
D- DETERIORAÇÃO COGNITNA considerar o luto por meio de uma visão fásíca, para então
Lentidão do pen- Pensamento lento e memória inibida: também B avaliar a presença de patologias como auséncia ou retarda-
samento e da - Fadiga. mento. Para o psicólogo que busca avaliar a condição de
concentração
luto na família, o conhecimento das fases fornece bases
E MUDANÇAS FISíOLÓGICAS E QUEIXAS SOMÂTICAS para lidar produtivamente com os recursos disponíveis, res-
Perda de apetí- I (Ãs vezes come em excesso.) Acompanhada por peitando as defesas necessárias a cada uma. Principalmen-
te mudanças no peso: às vezes considerável perda te se levarmos em conta que as fases têm sua sucessão na-
de peso.
tural e situam-se dentro de parãmetros temporais. elas se
Distúrbio de so- Frecüerrtemente insônia, às vezes dorme em ex- tornam um elemento a mais na avaliação da condição do
no cesso. distúrbios no ritmo à noite.
enlutado.
Perda de ener- Ver B - Fadiga. A partir destes cuidados, as fases consideradas re-
gia gulares parecem refletir o curso geralmente tomado pelo
Queixas somá- Incluem dores de cabeça, na nuca, nas costas, luto sem complicações:
ticas eãimbras, náuseas, vômitos, nó na garganta, bo-
ca seca ou com gosto amargo, prisão de ventre, 1)Entorpecimento: a primeira reação encontrada em
azia, indigestão, flatulêncía, visão embaçada, dor sobreviventes de catástrofes ê também a reação inicial à
ao urinar, respiração curta, necessidade de sus-
perda por morte; ocorre choque. entorpecimento, descrença;
pirar, sensação de estômago vazio, falta de força
muscular, palpitações, tremores, queda de cabelos. a duração pode ser de poucas horas ou de muitos dias;
pode ser interrompida por crises de raiva ou de profundo
Queixas somá- Aparecimento de sintomas similares aos do fale-
desespero. A pessoa recentemente enlutada se sente aturdi-
tícas do faleci- cido, particularmente aqueles da doença termi-
do nal; a pessoa pode estar convencida de ter a da, atordoada. desamparada. imobilizada, perdida. Há tam-
mesma doença. bém possíveis evidências de sintomas somátícos. como res-
piração suspirante. rigidez no pescoço e sensação de vazio
Mudanças na in- Aumento no uso de psicotrópicos (de tranqütlí- .
gestão zantes, de medicação etc.), de bebidas alcoólicas I no estômago. A negação inicial da perda pode ser uma for-
e de fumo. ma de defesa contra um evento de tão difícil aceitação.
Também presente nesta fase está a tentativa de automati-
Suscetibilidade Particularmente infecções (por queda da imuni-
a doenças dade), também as relacionadas à falta de cuida- camente continuar a viver como antes. como se nada tives-
dos com a saúde (tuberculose) e as relacionadas se mudado na vida.
ao estresse (por exemplo, problemas cardíacos).
2) Anseio e protesto: a seguir. vem uma fase de emo-
ções fortes, com muito sofrimento psicológico e agitação físí-
ca. À medida que se desenvolve a consciência da perda, há
2.2. Fases do enluiamento muito anseio por reencontrar a pessoa morta, com crises de
profunda dor e espasmos incontrolãveis de choro. Apesar
No processo de luto, a variação é de três a cinco fa- da consciência da perda irreversível, o desejo de recuperar a
ses, embora a avaliação de duração e seqüência seja vista pessoa às vezes é insuperável. Há momentos em que a pes-
como consistente por alguns autores (BOWLBY,1981;GO- soa tem a viva sensação da presença do morto; aquilo que
RER, 1965; PARKES, 1986). Resta, porém, o cuidado de não tiver relação com o morto tem pouco significado ou ím-
portância; a pessoa se mostra afastada e introvertida. Tam- ços, o que só será possível quando se afastar cada vez mais
bém é comum que o enlutado sinta muita raiva, às vezes di- das lembranças da pessoa morta. Mesmo com o processo de
rígida contra si mesmo, na forma de acusações com senti- recuperação ainda em andamento, é comum a recorrêncía
mentos de culpa por pequenas omissões de cutdado que de sintomas que haviam cedido, particularmente em datas
possam ter acontecido com o morto; às vezes é dirígida con- que ativam lembranças. como aniversário de nascimento,
tra outras pessoas, principalmente aquelas que oferecem de morte, de casamento. Por esse motivo, o fenômeno é co-
consolo e ajuda; a raiva também pode ser dingida contra o nhecido como "reação de aniversário".
morto, pelo abandono que provocou. A pessoa enlutada mo-
vimenta-se sem descanso, como em busca do morto (princi- Ainda dentro do que é considerado normal (LINDE-
pal caractenstica desta fase) e mostra-se obsessivamente MANN, 1944), há um aspecto do funcionamento psíquico
preocupada com lembranças, pensalnentos e objetos do em particular que chama a atenção pela possibilidade de
morto. Convém ressaltar que a raiva, mesmo sendo intensa e se desdobrar de forma patológica em pessoas com reações
freqüente, nesta fase não é indicativa de luto patológico. Ocor- fronteiriças, vindo a ser um fator complicador no processo.
rem também sentimentos incompatíveis ou contrários, por Refiro-me ao aparecimento de características do morto no
exemplo: esperança e desapontaInento, simultaneamente. comportamento do enlutado, especialmente os sintomas
exibidos na doença final ou comportamentos presentes
3) Desespero: com a passagem do primeiro ano de próximos da morte (se não tiver sido por doença). A inter-
luto, o enlutado deixa de procurar pela pessoa perdida e re- pretação dada a esse fenômeno é que a preocupação dolo-
conhece a imutabilidade da perda. Esta é uma fase muito rosa com a imagem do morto é transformada em preocu-
mais dificil que as anteriores. O enlutado duvida que qual- pação com sintomas ou traços de personalidade da pes-
quer coisa que vale a pena na vida possa ser preservada, soa perdida, agora deslocada para seu próprio corpo e ati-
assim, instalando-se apatia e depressão. O processo de su- vidades por meio da identificação. KRUPP (1965) aprofun-
peração dessas reações é lento e doloroso. É muito comum da essa interpretação, vendo o fenômeno como uma cone-
que ocorra afastamento das pessoas e das atividades, falta xão importante entre o processo de luto e transformações
de interesse em envolvimentos de qualquer espécie, assim da personalidade. A identificação dá-se, então, com íntro-
como a inabilidade para se concentrar em tarefas rotineiras jeção (como mecanismo para reter experiências de prazer
e para iniciar atividades. Os sintomas somattcos persistem, que dependam de objetos externos para serem renovados)
incluindo falta de sono, perda de apetite e de peso, distúr- e alterações no 'self'.
bios gastrintestinais. Concluindo, esta descrição das fases pelas quais se
dá o luto, nos meses ou mesmo anos que se seguem à mor-
4) Recuperação e restituição: a depressão e a deses- te, é necessária para a compreensão teórica do processo pa-
perança começam a se entrelaçar, com freqüência cada vez tológico intrinsecamente presente. É útil também para fina-
maior, a sentimentos mais positivos e menos devastadores. lidades práticas, assim permitindo o delineamento de um
A pessoa enlutada pode aceitar as mudanças em si e na si- quadro de referência para uma intervenção preventiva espe-
tuação, lidando com elas e obtendo maior eficácia. Vem dai cífica com os enlutados que apresentam alto risco de má
uma nova identidade, que lhe permite desIstir da idéia de re- elaboração do luto e aqueles que, na experiência de luto pa-
cuperar a pessoa morta. Dá-se o retorno da independência e tológico, por meio de uma intervenção específica, possam
da iniciativa, podendo mesmo rejeitar algum relacionamento ser redírecíonados a um caminho mais adaptativo.
que tivesse mero significado de suporte. Apesar da instabili- Essa descrição está na base do trabalho desenvolvi-
dade ainda presente nos relacionamentos sociais, nessa fase do com enlutados, quer como prevenção ou como interven-
o enlutado busca fazer novas amizades e reatar antigos la- ção terapêutica, principalmente na Inglaterra e nos Estados
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40
Maria. Helena P.F'. Bromberg A psicoterapia em situações de perdas e luto 41 I
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do cônjuge, o determínante da reação objetal esteve presen- irmão ou irmã, filhos) com a de uma amostra randómica de
te, com as distorções já existentes.
viúvas, que já havia sido estudada por MARRlS (1958). Com
A psicoterapia em situações de perdas e luto 43
42 Mar.n Helena P.F. Bromberg
os resultados dados por Marrís para a freqüência de sinto- cação dos fatores predilivos de vulnerabilidade à patologia.
mas considerados típicos para reações normais de luto, Par- Fatores de risco são os preditores que podem ser ídenuííca-
kcs concluiu que apenas um de seus vinte e um pacientes dos na época do enlutamento e que são associados a uma
teve reações dentro da normalidade. A partir daí, concei- resolução favorável ou não do luto.
tuou, ampliando as reações anormais de luto para: Um estudo sistemático de PARKES c WEISS (1983)
identificou três grandes causas para luto patológico, descre-
- luto crônico: prolongamento indefinido do luto,
vendo os diferentes padrões de reação a elas relacionados.
com predomínio de ansiedade, tensão, inquietação e insô-
de forma a campo!' síndromes específicas:
nia; também podem ocorrer sintomas de identificação;
- luto adiado: semelhante ao descrito por LINDER- - Síndrorne da perda inesperada: envolve morte re-
MANN(1944). No processo do adiamento. a pessoa enlutada pentina ou prematura, apresentando reações defensivas de
pode apresentar comportamento normal ou alguns sinto- choque ou descrença. embora também com a presença de
mas de luto distorcido, como superatividade, sintomas da alto nível de ansiedade. As complicaçóes nessa sindrorne
doença do morto, isolamento; assumem a forma de sensação persistente da presença do
- luto inibido: os sintomas do luto normal estão au- morto. auto-recriminação e sensação de contínuas obriga-
sentes. Para PARKES (1965), não há exatamente diferença ções para com o morto.
entre luto inibido e luto adiado, tratando-se apenas de - Síndrome do luto ambívalente: ocorre subseqüen-
graus diferentes de sucesso na defesa psíquica. temente a uma relação que tenha sido ambivalente ou mar-
cada por discórdia ou discussões. A reação inicial à perda é
No presente trabalho, a classificação tem relevância de alívio e pouca ansiedade. Mais tarde. é sucedida por de-
para permitir a descrição e compreensão da experiência da sespero. indo até a desesperança quanto a qualquer outro
perda. quanto ao funcionamento psíquico e relacional do vinculo. Persistem sentimentos punitivos e o desejo de corri-
enlutado, para permitir o delineamento da intervenção mais gir o passado.
adequada. Não objetiva sua categorização estanque. É. en- - Síndrome do luto crônico: os comportamentos do
tão, importante ficar claro que essas três categorias de luto
luto são imediatamente expressos após a morte e continuam
patológico estão sendo utilizadas aqui como parãmetros por tempo excessivo. É encontrada após o térmíno de rela-
para diagnóstico. Os demais indicadores, como a síntomato-
ções que se caracterizam por alta dependência. Desesperan-
logía, as síndromes descritas por PARKES e WEISS (1983) e
ça é o traço característico dessa síndrome: não é necessário
apresentadas a seguir. e os fatores de risco (também na se- que o dependente seja o sobrevivente, trata-se de uma rela-
ção seguinte) são úteis para uma avaliação mais detalhada
ção de dependéncia.
das três categorias.
A partir desta colocação, o fator tempo para a elabora- PARKES e WEISS (1983) consideram as duas pri-
ção do luto tem relevância quanto a estabelecer delimitadores meiras como síndromes que justificam a necessidade de
para as categorias. mas é considerado a par com outros fato- atendimento psicológico aos seus portadores.
res. principalmente aqueles referentes ao processo psíquico Os fatores de risco podem ser divididos em quatro
envolvido. áreas, como as pesquisas (MADDISON e WALKER, 1967;
STROEBE e STROEBE, 1987; PARKES e WEISS, 1983;
2.4. Fatores de risco BLACK, 1978; RAPHAEL, 1984; LUNDIN. 1984) apontam:
culdade no relacionamento com os pais; muitas perdas an-: morte de um filho e perdas decorrentes do processo de en-
teriores.
velhecimento. O ponto de convergência está em que, nos
2) Fatores da relação com o morto: cônjuge (particu- dois tipos de perda, vai-se o "produto" de uma vida, vai-se o
larmente para viúvas); um dos pais (especialmente para fi- assentamento da própria identidade, aproxima-se ainda
lha pequena); adolescente enlutado que perde um dos pais; mais o confronto com a própria morte. Aqui também pesam
enlutado ambívalente ou dependente em relação ao morto; os fatores mencionados a respeito das experiências vividas
filhos, especialmente com idade até cinco anos. de luto e a forma como ocorreram. Há, porém, específícída-
3) Tipo de morte: inesperada e prematura; após des que serão tratadas a seguir. A morte do cônjuge é extre-
doença muito longa; enlutado ignorante acerca do diagnós- mamente estressante, pois implica a necessidade de avalia-
tico e do prognóstico; enlutado fisicamente distante por oca- ção e posicionamento diante da nova realidade de forma
sião da morte; suicídio; assassinato. muitas vezes radical. envolvendo os diversos papéis que
4) Suportes sociais: sem filhos ou familiares próxi- compõem a identidade do enlutado. Em minha experiência
mos; família considerada inútil corno suporte. e também concordando com a literatura, um deterrninante
de peso é a qualidade da relação anterior ã perda.
A partir da apresentação desses fatores de risco, fica Aqui, porém, estão sendo abordadas descrições ge-
evidente que a experiência do luto não pode ser analisada e néricas acerca das perdas para o adulto, sem considerações
avaliada como pertinente a um indivíduo somente. A unida- sobre a qualidade da relação precedente à morte. Estas já
de gregáría humana basicamente a família e é em seu
é
foram aprofundadas a partir das condições que tendem a
contexto que morte e vida podem adquirir significado hu- causar o luto patológico.
mano. Por esse motivo, abordarei a seguir a questão do luto
na família.
Embora a pesquisa teórica utilizada como base te- 3.1. A morte de umfilho
nha percorrido diferentes abordagens, minha escolha foi
por um sistema observante, no qual fiz uso de uma com- No mundo ocidental. a morte na infância é agora
preensão psicodinãmica do fenômeno, com intervenção sís- menos comum do que em qualquer outro momento da His-
têrníca. Esta foi a forma que considerei mais coerente para tória. Como conseqüência, a morte de urna criança tem efei-
trabalhar com meu pressuposto de considerar o luto corno tos mais devastadores sobre a família do que antes. O luto
um evento pertinente ao sistema familiar. Mesmo assim, dos pais é freqüentemente misturado com raiva e culpa,
não desconsídereí o impacto individual, no sentido de iden- bem corno com a sensação de terem sido injustiçados ou de
tificar esses fatores intervenientes no funcionamento fami- auto-reprovação por sua inabilidade em impedir a morte.
liar, pela própria definição de família como sistema. Podem ocorrer sérias conseqüências para a saúde emocio-
nal do casamento (BLACK, 1986). Nos casos de famílias
atendidas por mim após a morte do filho por doença crôni-
ca, particularmente leucernía e doenças renais, verifiquei
que os sentimentos presentes, principalmente entre os pais,
3. PERDAS NA VIDA ADULTA
no momento inicial da morte eram os já referidos na fase do
entorpecimento, dando lugar, aproximadamente no fim do
primeiro mês, a muita hostilidade entre o casal. com acusa-
Ao levar em consideração o impacto de urna perda ções mútuas de omissão nos cuidados com a criança. Nos
sobre a pessoa adulta que já tenha passado pelas fases de casos de morte repentina, identifico que os adultos envolvi-
seu desenvolvimento psíquico, identifico uma convergência: dos (e aqui estão incluídas figuras da família estendida -
- "";-·""0-"'''-t~·''':~''_'''''·=--''''''''1>,~''''- '' _
Maria HeLena P.F. Bromberg A psicoterapia em s[tu.ações de perda.<; e luto
47
46
avós e tios - como é próprio da cultura brasileira) apresen- ao jovem. em seu processo de crescimento. No caso do ado-
tam vasta gama de sentimentos mistos, evidenciando que a lescente, cuja morte mais freqüentemente se dá por aciden-
morte de um filho quebra um padrão estabelecido, pondo tes (comportaITIento de risco. como abusar de drogas ou ál-
em risco a estabilidade possível e necessária. cool, dirigir descuidadamente). suicídio. homicídio ou cãn-
cer, há o agravante de provocar sentimentos conflitantcs em
No caso de pais com filhos que tenham diagnóstico
pais e irmãos. na tentativa de identificação de um sentido
de doença fatal. o enlutamento pode ter início a partir da
para essa perda precoce, porém de alguém já vinculado.
informação do diagnóstico. Também nesse caso, a primeira
fase de luto encontrada é igual de outras situações: entor-
à
Algumas situações ainda trazem respostas e envol-
pecimento. frequentemente marcado por crises de raiva. O . vimentos mais específicos. por esse motivo estão aqui sen-
fato de a criança estar viva traz uma diferença em relação à do tratadas em separado. Refiro-me aos abortos (naturais
fase de negação da morte; tem-se no caso a negação da acu- ou provocados), aos filhos natrmortos. à morte infantil re-
racidade do diagnóstico e. particularmente. do prognóstico. pentina, e à gravidez como impedimento para elaboração
Também a fase de busca de contato com o morto é substi- do luto.
tuída pela necessidade dos pais em manter viva a criança. _ Morte de filho com deficiência: a criança que cau-
provando que os médicos estão errados. As fases subse- sou dificuldades para crescer. envolvendo toda a família em
qüentes são muito semelhantes (BOWLBY,1981). sentimentos ambivalentes. ao morrer geralmente provoca
A partir do ponto de vista do ciclo vital da família. a profundas emoções de tristeza. Pelas necessidades que ti-
identificação do momento deste ciclo em que se dá a morte nha, provavelmente estabeleceu uma relação especialmente
tem um papel importante. tanto para diagnóstico, quanto dependente e próxima e é esse grau de dependência e proxi-
para prognóstico. Com isso. é possível ser avaliado o impac- midade que dará a medida do enlutamento. Mesmo com
to da perda. não apenas para os pais (os adultos), como apoio de parentes e amigos. para os pais causa muito sofri-
também para os irmãos (nos diferentes momentos de seu mento a idéia de que seu filho está melhor depois de morto
desenvolvimento psíquico). Para WALSH e McGOLDRICK pois os faz sentir-se incapazes e fracassados (BLACK.
(1988). a morte é "o processo transacíonal que envolve o fa- 1986).
lecido e os sobreviventes em um ciclo de vida compartilhado
que reconhece tanto a finalidade da morte quanto a conti- _ Abortos naturais e provocados: freqüentemente os
nuidade da vida". A partir dessas considerações, colocam-se abortos acontecem nas semanas iniciais da gravidez. roas,
algumas especificações quanto ao momento em que se deu mesmo nessa fase, para os pais fica um profundo sentimento
a morte. a idade do filho morto. o tipo de morte. Assim sen- de perda. part.icularmente para a mãe que já tinha a experiên-
do. temos: cia da existência do feto, que pode ser intensificada por expe-
riências anteriores. como muitos abortos na família. No caso
- a morte dota) filho(a}jovem, no início de sua inde- do aborto provocado devido à evidência de um feto com pro-
pendência: sendo este seu momento de vida de construção. blemas. também é uma perda a ser reconhecida e trabalhada.
de inícios, provoca forte dificuldade nos sobreviventes em se é a perda do sonho. o corte nas expectativas. acrescido de fan-
adaptar às mudanças de uma experiência oposta. Essa morte tasias de haver gerado um bebê "com defeito" (BLACK.1986).
é considerada a situação mais dífícíl para a elaboração do luto Tenho identificado um sério desequilíbrio entre a experiência
pelos familiares. de acordo com GORER (l965l, e WALSH e vivida pela mãe e aquela vivida pelo pai. A maior intensidade
McGOLDRICK(1991). dentro da visão de mortes prematuras. sentida pela mãe faz com que ela espere do pai uma resposta
suportíva que ele não pode dar. Embora o filho seja de ambos,
I
que quebram o ciclo vital. Para a família. essa experiência é
vivida como uma injustiça. com grande peso nos conflitos subjetivamente a mãe perde mais porque ela já tinha mais.
preexistentes. como por exemplo. apoio insuficiente dos pais com a gravidez.
- .,
I
- Filho natimorto: pouca atenção tem sido dada a com a morte e a vida, comprometendo as experiências de
problemas advindos da experiência com um natimorto, em- teste da realidade e o próprio processo psicológico do luto.
bora ocorra um a cada cem nascimentos. BOURNE (1968) Trata-se de viver a experiência de "vazio/pleno", ao mesmo
interpreta essa constatação a partir da relutância em lidar tempo, que pode trazer à tona os sentimentos ambívalerrtcs
com o assunto da morte em uma situação em que a preocu- que já existiam por ocasião da gravidez (LEWIS c BRYAN,
pação é com a nova vida. Lida-se com o natimorto como se 1988; BOWLBY,1981).
ele fosse um não-evento e o fracasso na elaboração do pro-
cesso de luto leva a severas dificuldades para pais enluta- _ Morte infantil inesperada e repentina: foi descrita
dos e seus filhos (LEWISe PAGE, 1978). pela primeira vez em 1950 e, embora não seja um problema
O vazio deixado pelo natírnorto parece ser mesmo ig- novo, ganhou destaque como causa de mortalidade infantil,
norado. A mãe, que passou os meses de gravidez esperando porque outras causas têm se tomado cada vez mais raras e
o nascimento de seu filho, de repente percebe que não há fi- por ser, nos países desenvolvidos, o tipo mais comum de
lho. Esse vazio será agravado se o bebê for logo retirado do morte entre bebês após uma semana de vida. Na situação
contato com a mãe, ou se ela não tiver qualquer contato brasileira. quando as crianças morrem antes de completar
com ele, deiXando-a sem lembranças para poder esquecer um ano por causas como desnutrição, esse tipo de morte
(elaborar o luto). É, portanto, necessário que o natimorto não tem sido pesquísado. Exames post-mortem desses bebês
seja percebido como um evento real, tangível. que pode ser às vezes revelam razões médicas para a morte. Freqüente-
absorvido, elaborado e deixado pelo casal (principalmente) e mente, no entanto, não é encontrada qualquer explicação
também pelos irmãos, para que não seja uma memória fan- adequada. Assim sendo, a morte de um bebê, inesperada-
tasmagórtca assombrando-os e paralisando seus relaciona- mente, em casa, quando não haviam sido detectados moti-
mentos, como freqüentemente ocorre (MEYER e LEWIS, vos para preocupação, é freqüentemente uma tragédia, pro-
1979). vocando muito sentimento de culpa e de fracasso nos pais,
Há uma tendência para que continuem existindo a apesar das evidências da realidade de que não há culpados
perplexidade e o sofrimento, após a morte de um filho re- (BLACK,1986).
cém-nascido, em lugar de diminuir gradualmente, de ma-
neira que o luto acabe por se transformar em uma de- - No caso particular de natimortos ou, em menor
pressão persistente ou em uma variedade de síndromes grau, de mortes neonataís, o luto torna-se ainda mais difícil
psíquicas, como hipocondria ou estados fóbicos (LEWIS e se a morte for seguida de perto por uma outra gravidez. No
BOURNE, 1989). O trauma pode ser reatívado após um
entanto, esta parece ser a pressão que as famílias e a socie-
período de latência, por aniversários (de nascimento ou
dade fazem sobre o casal que perdeu um filho: procurar fa-
de morte) ou por qualquer crise de perda como divórcio,
zer a reposição o mais rapidamente possível, exacerbando a
menopausa ou aposentadoria. O casamento é freqüente-
defesa da negação. como se não tivesse ocorrido morte. uma
mente afetado por esta experiência e os mais frágeis po-
dem mesmo não resistir, O motivo principal é que a morte vez que logo haverá uma nova vida.
do bebê está muito associada a acusações recíprocas en- Mulheres grávidas têm sentimentos ambívalentes in-
tre os pais. conscientes e conscientes sobre o feto. Os desconfortos da
No caso de morte de um dos bebês gêmeos, durante gravidez, o impacto do bebê sobre o trabalho da mãe e os
a gravidez ou logo ao nascimento, há, para a mãe, princi- outros membros da família, a ansiedade sobre o bem-estar
palmente, muita confusão de sentimentos, podendo mesmo do bebê e as responsabilidades da maternidade, tudo isto
impedi-la de cuidar adequadamente do bebê sobrevivente. A leva à apreensão e a sentimentos confusos sobre a expe-
confusão advém da dificuldade em lidar simultaneamente riência. Essas preocupações dão razão à grávida para ter al-
,~__ .~-~.;-':">-_-_::::ti!i';~l~~7?U'VJFiiio/WTW~"
50 Maria Helena P.F. Brombera Apsicoterapia em situações de perdas e luto 51
gum ódio inconsciente, mesmo que seja pelo bebê mais de- ABERASTURY(1978) relatou o caso de uma menina
sejado (LEWISe CASEMENT,1986). de dezesseis meses que, durante o trabalho analítico, mos-
O luto por uma pessoa excessivamente trou ter conhecimento de dois segredos familiares - a mor-
te de uma tia, pelo lado materno, quando a tia tinha dois
tende, geralmente, a ser muito dífícíl, mas na gravidez rep-
anos de idade e também um aborto provocado dois anos an-
resenta um perigo adicional. Ou seja: a mulher
tes de seu nascimento - que, elucídados. trouxeram à
pode identificar seu feto, ainda com identidade muito
consciência que a menina e sua mãe eram unidas por
com a pessoa morta idealizada e incorporada. Com isso, esse ponto: arribas eram filhas substitutas. O meio farní-
nega a perda e pode manter essa idealização pelo resto .líar. ao Ihes negar esta verdade, estava negando o luto e
vida, comprometendo gravemente o processo de aquisição as possibilidades de elaborá-lo, para fornecer a ambas a
de identidade do filho. possibilidade de uma identidade própria.
KLEIN (1940) apontou para a questão de quanto o Nos seminários dos quais participei, liderados por
luto reativa ansiedades infantis acerca da perda de objeto; a BOURNE e LEWIS (1991) na Tavistock Clinie de Londres,
negação da culpa, associada à sensação de responsabilida- sobre o tema "Enlutamento perínatal", acompanhei muitos
de por essa perda prematura, pode levar a uma negação da casos onde havia um padrão de repetição nas perdas perí-
necessidade de reparação, portanto, interferindo na elabo- nataís ou durante a gravidez. Ou seja: em pesquisa de pro-
ração dessas ansiedades. Para ela, é esse o mecanismo sub- fundidade. os casais pacientes relatavam esse tipo de perda
jacente à gravidez, como recurso inibitório do luto. em suas famílias de origem. com impacto trigeracional. Em
As seqüelas dessa não-elaboração podem ser leva- muitos casos, a tomada de consciência desse padrão de re-
das até as gerações seguintes, ou ativadas décadas depois petição não era suficiente para evitá-Ia, sendo necessária
uma intervenção de caráter mais díretívo, principalmente
por outros eventos da vida. Em pessoas que apenas aparen-
em situações de gravidez para inibir o luto.
temente se recuperam, há uma vulnerabilidade latente. a
traumas posteriores (BOURNE e LEWIS, 1984). O filho
substituto é aquele nascido após uma morte e que tem seu
3.2. Viuvez
desenvolvimento afetado tanto pela ansiedade, quanto pela
depressão dos pais, com a agravante das expectativas e de-
MARRIS (1958) observou, ao descrever os efeitos da
sejos confusos a partir do luto não resolvido. Os problemas
perda e das reações emocionais características do luto na
que vier a enfrentar envolverão identidade confusa em ter- viuvez. que esses aspectos podem prejudicar o ajustamento
mos gerais, dificuldades de identidade sexual no âmbito da social. Nesses efeitos estão presentes apatia, afastamento.
sexualidade propriamente dita, distúrbios entre ambição e indiferença e depressão, que são complicadores no processo
realização, algumas vezes um duradouro sentimento de cul- de recuperação. Pesquisou apenas viúvas e concluiu que o
pa não identificado, como se tivesse tomado o lugar de um ajustamento à viuvez está em estabelecer uma condição de
morto. independência. sem o conflito entre o desejo de voltar ao
Outra situação grave que o filho substituto enfrenta tempo anterior à morte e de chegar a um estado mental
é vista quando recebe o nome do filho que morreu, assim onde o passado tenha sido esquecido.
se definindo a extrema dificuldade dos pais, que apenas 1\1ADDISON e WALKER(1976) objetivaram examinar
precariamente diferenciam o filho morto do vivo. Isso pode retrospectivamente a interação da viúva com o meio. corno
estar assentado em idéias de reencarnação, pelas quaís o visto por ela, durante a crise do luto, operacionalmente defi-
filho vivo fica encarregado de uma missão, no lugar de seu nida como os três meses seguintes ã morte do marido. Sua
irmão morto. hipótese era de que a percepção pela viúva acerca do apoio
':....
'~""':""'.t)~==
.••.........•••••.
__. ..
52
Maria Helena P.F. Bromberq A psicoterapia. em situações de perdas e luto 53
dado pelas relações interpessoais no período era deterrní- encontrados em pacientes psícótícos depressívos. Os enlu-
nante para uma resolução saudável ou não da crise do luto. tados com depressão reativa foram comparados aos que
Verificaram que os sujeitos com pior prognóstico eram apresentaram menor número de sintomas depressivos,
aqueles que percebiam o ambiente como falho em atender quanto a 53 variáveis dernográfícas, sociais e físícas, Pou-
suas necessidades na crise. Quanto saúde, observaram
à
ção da saúde após a viuvez. O primeiro ano representa perH~:::,'ITlUito acentuada, causando um efeito bola-de-ne:,e. Al~m
go maior. lrazendo até mesmo risco de morte. De acordo~~.>âessas restrições. tem grande peso no aspe~to tínancetro
com afirmação pessoal de PARKES (1991), após dois anos;;{f~?âqui1oque é despendido em cuidados, c?m saud.e. sob a for-
tanto viúvos como viúvas tendem a se manter em um platô,t;~"}lnade maior número de consultas medicas. maior consumo
na condição em que estiverem, com pouca possibilidade de{~WY';de remédios, necessidade de uma dieta especial.
alter~ção desse est~do~ Este é um .dado import~te, a ser:~_;.j. A aposentadoria surge corno a perda maior, cat~isa-
con~l.derado na avaliação de necessld~de de terapia p~a a ~~ikpora de todas as outras: perde-se o contato cOI~os a~lgos~
família enlutada, de forma a poder ajustar as expectativas ~)f'Ereduz-se a renda, a possibilidade de ser produtivo ~sta im
da família às suas reais possibilidades, em especial no quei!hSplicitamente cortada e, para a grande maioria, o pen~d? en-
se refere às condições de saúde, segundo minha eXperiênJfff;'i\tre.aposentadoria e morte não oferec.e qualquer posslblhda-
cía. Naturalmente, muitos fatores atuam sobre a poSSibili'~~<i~'/de de reelaboraçào ou construção. E a ante-sala da morte
dade de se chegar a esse platô em boas condições, como afit~',ii
ue, mais do que em qualquer circunstância, vem como a
rede de suporte social disponível e a qualidade do relaciona·~!~-G.nica certeza. As restrições financeiras exacerbam o proble-
mento conjugal. Esses fatores foram mais profundamente':flo; ma da solidão e das dificuldades de se ajustar a um novo
detalhados na questão ~o luto normal e do luto patológico, J~r. papel, o que agrava a condição _se.à aposentadoria se somar
quanto aos fatores de nsco.:~,:-_ também o luto pela morte do cônjuge (BOWLINGe CARTW-
O que fica, portanto, como conclusão é que a Viu·$·~RIGHT, 1982).
vez é um estado de grande sofrimento, podendo-se mesmoi~r~:< GILBERT (1982) afirma que é possível promov~r
dizer que. está entre as piores perdas, juntamente com ~;.uma mudança de estilo de vida no período d~ envelhec~-
perda de fIlhos.\'i mente. assim saindo (e não entrando) de uma atitude passl-
,_ . -- 10. va e utilizando os recursos disponíveis para atuar sobre a
~:realidade, Incentiva o contato com os amigos: C?ID as. pes-
3.3. Os lutos do envelhecimento ~:'soas mais jovens, parentes ou não, co~ os pro~nos paIS e o
, . .~L cônjuge, se ainda vivos. Ressalta, porem,. ~ue 1SS0deve s~r
._ A. SOCIedadeoCldental,. apesar .de procurar re~ursos~: feito não por meio da negação da condlçao do envelheci-
da Cíêncía para prolongar a VIda e evitar doenças, nao ofe- <t e SI'm de trocas possíveis entre pessoas com expe-
'. men o, '
rece um lugar de destaque aos seus idosos, Estes têm de ~1 riências diferentes.
enfrentar muito mais '. as perdas.advíndas do .envelhecimento .; .~ - . do Iu-to
A ocorrenCIa no seu sentido restrito e não
do que os ganhos ae rnaturídade e a seremdade das expe- l _. _ t eríodo da vida, tem, sem dúvida, gran-
.- . .. lvíd E d b - bít d metafonco nes e p 1
rtencias Ja VIVIas, ssas per as a rangem am 1 os comc. g .' t b a sua possibilidade de sobrevivência e e a-
p.
· . 1-
frsio .
OglCO, , 1 financeiro
sociar, . esses f\; de impac
e e- d o en tre 1açamento desses _ Pri o so .real ente em se tratando do luto conjug al d e
- bít
am . 1- • tdoso tí
1 os com o pstcorogíco que o 1 OSO tua o tom com que 4'
,; boraçao. rmcip . lhms há sl'multaneamente agentes facilita-
'1'
t pessoas mais ve a, _
colore o envelhecimento. f
i' dores e comp l'lca d ores para sua resoluçao. Ao preparar
_ fa-
Do ponto de vista fisiológico, exercem grande impac-;~ mílias para a aposentadoria, ouço uma afirmaçao ba:'tante
to as pe~das relacionad~s ao mau fu~c~onamen~o_dos órgãos i freqüente referente à quebra de padr~o de e::cpectaüva do
dos sentidos (rnaís particularmente visao e audíção). ao fun-; aposentado. O planejado é poder orgamzar a vld~ de t~l f~r-
cionamento cerebral, a _partes ou funções dos membros. 'e rna.__y'UC,
.__ A~~' ,",o
\..,V.1J..t.uv
f;lhos gozando de sua autonomia profíssto-
.J,. J. .'
Socialmente falando, com a saida dos filhos de casa,; nal e financeira, o convívio do casal permita u sufru ir de
a aposentadoria restringindo contato com os companheiros maior proximidade e compartnhament~. Est~ é~ portan.to.
de trabalho. trazendo redução de renda e, conseqüenternen- um momento crítico para o luto, que nao sera tão neg~üvo
te, limitando as oportunidades de Jazer, a perda é também caso a morte se dê após a realização desses planos. Tam-
58
it;oterapia em situações de perdas e luto 59
PERÍODO DA VIDA
O significado dado à morte pela Criança variará de
acordo com alguns fatores. entre quaís o primeiro a ser con, ;tl~infância (sensório-motor) INão há conceito.
siderado é a idade ou melhor. o momento de seu desenvolvi~ Morte é reversível, é a restrição tem-
mento psicológico, Os outros fatores são a forma com que, porária, fenomenologícamente cau-
'adultos lidam com a perda e o binômio quantidade! qualíd sada (mágica ou psicologicamente).
de de relação tida pela criança com a pessoa falecida. Assí operações concretas I Morte é irreversível. com explicações
que a criança tem idade SufiCiente para estar Vinculada, fisioló gícas.
pode ter consciência da possibilidade de perder essa pessoa:
O medo da morte é originado no medo de perder a pessoa,
prê-adolescente.
cente
adoles- I Morte é irreversível, universal, pes-
soal, mas distante. As explicações
amada. de romper vínculos. são de ordem natural, fisiológica e
teológica.
NAGY (1965) pesquisou 367 crianças. com idades
variando de três a sete anos. utilizando composições,
nhos e entreVistas sobre o significado da morte. Seus resuí-
tados indicaram que:
WALSHe McGOLDRICK(1988) apontam para a ne-
- entre cinco e nove anos. a morte é freqüentemen_ cessidade de os adultos tentarem reconhecer essa inabilida-
te perSonificada e considerada uma contingência; de da criança em entender o que se passa (do ponto de vista
- apenas a partir de nove anos é que as Crianças do adulto) e entender o que parece ser uma resposta inade-
passam a ver a morte como um processo que acontece às quada (também do ponto de vista do adulto). Para que se dê
pessoas. de acordo com algumas regras. a compreensão da morte pela criança, com os recursos que
seu desenvolvimento permite. ela não deverá ser excluída
da experiência que cerca a perda, ajudando-a a testar a rea-
BOWLBY(1981) discorda das conclusões deste estu- lidade. Naturalmente, a ilustração. a compreensão dessa
do, por não ter levado em conta a influência das tradições realidade não será a que o adulto deseja, e sim a que a
culturais das famílias e amigos das crianças.
criança puder fazer e lhe será útil para encontrar comporta-
Quanto à consciência que a criança tem da morte, mentos e ações que dêem um significado à perda.
ABERASTURr(1978) afinna existir desde o início da infân-
BOWLBY(1981) chamou atenção para o fato de que
cia, podendo não ser identiucada pelos adultos porque é
a morte existe para a criança sob muitas formas. como um
A psicoterapia em situações de perdas. e luio 61
60 Maria Helena P.F. Bromberg
anírnalzínho que, morto, mostra-se contrário a tudo o que criança é muito grande; especificamente, BLACK(1978) le-
criança sabe sobre ele. Uma conseqüência natural a isto é a vanta três razões para isso: o pensamento onipotente da
curiosidade da criança sobre o que acontece nesse estado e . criança, que a coloca como a causa de todas as coisas. in-
uma aceitação das emoções dai emergentes: sentir-se triste, clusive da morte que a faz sofrer; a dificuldade em conoeí-
desejar a permanência do morto, desejar fazê-Io revíver, luar a morte; as ~randes mudanças às quaís terá que se
Para BLACK(1979), o brinquedo quebrado, o passeio adaptar. como resultado da morte de um ou ambos os
do, o vizinho que se muda são também experiências de per- pais. Nesses estudos mencionados, vê-se que no primeiro
da que vão dando à criança uma conceituação a respeito de ano após a morte de um dos pais. aproximadamente 50%
processos reversíveis e írreverstveís. das crianças abaixo de 17 anos estão marcadamente afe-
Verifico em minha experiência que os adultos, i;,)•. tadas em seu funcionamento cotidiano por sintomas como
sua dificuldade em enfrentar as questões da morte, não ansiedade, depressão. dificuldades de aprendizagem e dis-
mítem à criança que desenvolva seus próprios conceitos, de túrbios de comportamento. Há evidência também de que
acordo com a fase de desenvolvimento em que se encontra. crianças enlutadas pela perda de um dos pais são mais
À pergunta, muitas vezes formulada por crianças pré-esco- vulneráveis, durante a ínfâncía e também na vida adulta.
lares, "Quando alguém morre, depois desmorre?", ou seja, a outras perdas que podem precipitar a depressão.
contando com a reversibilidade, respondo negativamente, BLACK(1983) estudou famílias com filhos menores
porém abrindo espaço para que surjam outras questões so- de 17 anos, dois meses após ter ocorrido a morte de um
bre o que ocorre. Verifiquei, concordando com WASS(1989), dos pais. As famílias do grupo de controle não foram cori-
que as características básicas para uma conceítuação tatadas durante o ano em que se deu a fase inicial da pes-
morte - irreversibilidade, universalidade e causalidade quisa. Foram feitas de três a seis sessões de terapia fami-
só são compreendidas a partir da adolescência. Na cultura liar com o objetivo de abrir a comunicação na família acer-
brasileira. porém. rnarcada por explicações religiosas ca do genitor falecido, particularmente entre o genitor so-
os fenõmenos naturais. essa conceituação é freqüentemente brevivente e os filhos. e para capacitar o sobrevivente a fa-
dístorcída. a partir dessa influência. , eílítar o enlutamento nos filhos. Os itens considerados sig-
nificativos quanto aos bons resultados do enlutamento fo-
ram: menos distúrbios de comportamento, as crianças
4.2. Impactos do luto infantil chorarem mais pelo genitor morto, bem-estar do genitor
sobrevivente, que apresentava um estado de ânimo melhor
o luto infantil é freqüentemente considerado um fa- (considerando-se sentimentos atuais. preocupações, de-
tor de vulnerabilidade a muitos distúrbios psicológicos na pressão. idéias suicidas e saúde física). Concluindo, foi
vida adulta. Esses distúrbios vão desde excessiva utilização apontado que uma intervenção planejada para promover o
de serviços de saúde. por tê-Ia com freqüência debilitada. enlutamento em crianças e favorecer a comunicação nas
até aumento no risco de distúrbios psiquiátricos. famílias pode ajudar na prevenção de sofrimento a curto
SCHMALEe lKER (1971) sugerem que adultos que prazo em seguida à perda e parece estar livre de efeitos
apresentam câncer teriam tido experiências de privação e danosos.
perda na infãncia, com pontos vulneráveis remanescentes SPITZ (1979). ao descrever os quadros psicológicos
a serem ativados por outras perdas. Estas atuariam nos decorrentes de carência afetíva do bebê. identificou duas
sistemas ímunológtco e endócrino. pela depressão. Outros
categorias: prtvação afetiva parcial e privação afetiva total. Na
estudos (BLACK,1978 e 1979; KAFFMANe ELIZUR. 1979;
primeira instala-se a depressão anaclítica, em razão da sepa-
RAPHAEL,1982; ELIZURe KAFFMAN.1982; VANEERDE-
WEGH et al., 1982) mostram que o sofrimento imediato da ração temporária de três meses entre criança e mãe; nas
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63
62 Maria Helena P.F. psicoterapia em situações de perdas e luto
A intensidade com que esses traços vão tomar forma' uma única vez e os recursos imediatamente disponíveis
está estreitamente vinculada às condições do ambiente, 'para lidar com ele. Ou seja, o impacto da morLe p.Jl"Ovoca
quanto a serem favoráveis ou não a um curso saudável do uma demanda sístêmtca na família, de ordem emocional e
luto. Novamente, é importante assinalar que, a par do de-' relacíorial, além daquilo que a família pode dar conta, sem
senvolviment~ .psíqUiCO. da. criança. as ~ondições do furicír» que seja preciso recorrer à ajuda e~terna. ,,~OB~L (19~6)
namento famílíar contríbuj para a qualidade da elaboração ressalta a necessidade de definir a gestalt btopstcossocíal
do luto. . do paciente em um determinado moment~ d~ vid~, par~ po-
BOWLBYe PARKES (1970) ressaltam o aspecto bá-;:"der perceber se é uma situação de emergencia, cns~s díver-
r
sico do trabalho com o enlutamento: a morte de um rnern- sas, problemas repentinos de desajustes emocíonats e ou-
bro de uma unidade social afeta cada membro e a unidade; tros. Assim sendo, o desequilíbrio nessa "gestalt" permite a
toda. O quanto a unidade é afetada será determinado pelo J' definição de uma vívêncía de crise, que deve ainda ser deta-
status do morto, os vínculos afetivos Comele, a condição re-!;' lhada para identificação dos recursos utilizáveis para o ree-
laCi~nal já existente _nogrupo, sinais prévios de evidência de~t quílíbrío durante a terapia. No caso específico do luto na fa-
sofnme_nto na relaçao. Portanto, para o psíquísmo infantil,~' 'milia, a crise vem da necessidade de continuar desempe-
a. relaçao com a pessoa morta e com os sobreviventes (prín- 2': nhando os diversos papéis, com a sobrecarga do luto dos
c~palmente no caso _dOS pais) dá o tom quanto a uma evolu- ré,- demais elementos da família, agravada pelas reações pró-
çao_adequada eu nao para a experiência da perda e a reso-f; rias da síntornatologta do luto individual. A reorganização
luçao do luto., p _ _ _ d . e
só poderá se dar, entao, apos a superaçao essa crise qu ,
sozinha, obstaculiza qualquer mudança. Muitas. vezes, os
recursos podem ser até mesmo inapropriados. E também
5. LUTO NAFAMÍLIA uma situação geralmente inusitada na vida; muitas pessoas
envolvidas no luto não tiveram contato prévio com perdas e,
em razão das características predominantes na orientação
nuclear da sociedade ocidental, muito poucas têm oportuni-
Como está sendo considerado no presente trabalho, o
conceito de luto como experiência psicológica só pode ser en- dade para ficar legitimamente enlutadas.
tendido se estiver contextualizado também como experiência Para encarar a morte na família, é necessarto um
pertinente ao grupo familiar. Este é aqui considerado um sis- rearranjo do sistema familiar e, como cons~qüéncia, a. c:o~s-
tema que se inter-relaciona com sistemas mais amplos da co- trução de uma nova identidade, um novo nível de equílíbrío.
munidade, da sociedade e da cultura. O luto afeta a família O apoio social e familiar dura menos do que o processo de
em muitos aspectos, inclusive pelos canais de relação com es- luto, o que já mostra a necessidade de uma terapia para o en-
ses sistemas. lutado. Além desta razão, de acordo com a definição de crise,
No ciclo de vida familiar, a morte tem um significado traz a necessidade de uma intervenção em caráter breve.
diferente para cada um dos membros, assim como para cada
uma das fases específicas desse ciclo. A questão básica é: 5.1. Reações dafamília à morte
quem é a figura morta na família? Seja o pai, a mãe, um filho
pequeno (ou filha), um ou uma adolescente, o irmão ou a
irmã, morte na família é sempre um tema ao mesmo tempo BOWEN (1991j apresenta o conceito de "onda de
individual e grupal, choque emocional" para descrever a sucessão de aconteci-
mentos no âmbito familiar, em conseqüência da perda de
O luto é definido como crise porque ocorre um dese- um de seus membros. Ele chegou a esse conceito por meio
quílíbrio entre a quantidade de ajustamento necessária de
de pesquisa multígeracíonal com famílias, quando percebeu
.•......• ,,;,;;;.,,;:::~::-::~-:
67
66 Maria He1enaP,F'A psicoterapia em situações de perdas e luto
1::,
que uma série de eventos importantes ocorria aos membros,!,', 4) ter de lidar com o luto de outros ~e~bros da f~~
no período posterior a uma doença séria ou morte de um fa:t'.; milía. além de seu próprio; particularmente dtficíl para o pai
mílíar. O que parecia ser coincidência, ao ser sisternatícajj., ou mãe com uma criança pequena;
mente .investigado mostrou a existência de uma conexão~\,";l 5) a forte intensidade do lu~o, às ~e~esC'~companha-
clara. E mais bem descrito como uma rede subterrânea de~~), do por sentimentos de pânico ou ideias sUlclda",. ,
dependência em~ci~nal e,ntre os membros da fa~ília, Emb~'~~\i~ 6) medo de colapso nervoso. m~itas vez~s ~efendo
ra essa dependência seF negada. os acontecímentos naot": ..·.i,. 'e-ncl'ade I'lusões: ver ou OUVIro faleCIdo.
+,', apos a experi
aparentam estar relacionados. a família tenta lidar com eles~K 1 d ontexto para a expressão de culpa e
de maneira indiferente e seus efeitos são identificáveis após~., 7) fruta e um c
algum detalhamento. Os sintomas abrangem doenças nof~~\ raiva,
âmbito somático e também entram na área emocional. PO'IV"':, Em vários casos da minha experiência verifiquei
dendo chegar a episódios psícótícos, ;{, que as crianças, não conseguindo expressar sentimentos
~\.\,;.
A importáncia da identificação da onda de choqueff:\ ou por medo de fragilizar ainda mais os outros elementos
emocional está em uma atitude de avaliação do impacto daW;,; da família. formam sintomas, Estes, por sua vez. devem
f>;
morte sobre a família, Ou seja. esse impacto não é somentejç ser "traduzidos" para a família. para que possam adquirir
imediato e pode ser encontrado em diferentes comporta,~Yr novo significado e ser elaborados. Crianças têm necessi-
:!}::'
mentos ou formas de reações, Assim sendo. ao se avaliar o·.'ft;~.: dades específicas relacionadas à perda de um ou de am-
,,~,,::i"
funcionamento familiar a partir das mais diversas queixas~;;; bos os pais e essas necessidades são vinculadas ao de-
ou sintomas. é necessário pensar clinicamente sobre elas,'j,L, senvolvimento psicológico. Por essa razão. é difícil genera-
quanto à possibilidade de serem manifestações atuais de lu-,H;: lizar sobre os efeitos do luto em crianças. A reação do pai,
tos passados. porém não resolvidos, L ou da mãe sobrevivente tem extrema importãncia. pois
permite ou não à criança a possibilidade de entender e li-
A perspectiva de considerar o impacto da morte~:t; dar com sentimentos de tristeza. culpa ou o que for. É co-
como tendo efeito sístêmíco na família é fundamental nestejs mum que o sobrevivente não possa ajudar a criança. por
trabalho. Muito se tem escrito (WALSH e McGOLDRICKJ;;" estar absorvido em seu luto pessoal por ter perdido a es-
1988. 1991; RAPHAEL, 1983. BYNG-HALL. 1991) a esseE, posa ou o marido. O adulto deprimido não pode cuidar
respeito e a prática clínica apresenta fartas evidências, UmaK dos filhos da mesma forma como fazia antes ou mesmo
vez que a família é uma realidade social e não a soma de:'~ pode tentar esconder da criança sua tristeza. por achar
realidades individuais. As variáveis que se interpenetram [." que é uma carga muito pesada para ela, Isto faz com que
envolvem problemas em diferentes escalas. como:!;" a criança sofra adicionalmente devido aos problemas
Li
a) Tarefas familiares na adaptação: entre estas, des- De maneira geral. para se entender o impacto da
tacam-se o reconhecimento compartilhado sobre a realidade morte na família e o luto daí gerado, hà dois lados a serem
da morte; reorganização do sistema familiar; reinvestlmento considerados: o individual e o familiar. Neste último. de
em outras relações e objetivos de vida. De acordo com acordo com a proposta do presente trabalho, as possibilida-
McGOLDRlCK (1991), essas tarefas, se não realizadas pela des de intervenção podem ser mais positivas quanto aos re-
família, por seus próprios recursos, podem se transformar sultados, devido ãs características de grupalidade da famí-
nos objetivos da terapia para a crise da perda. Os aspectos lia, respeitados pontos sinalizadores de risco.
que influem nessas tarefas estão relacionadas, basicamen-
te, à fluidez na comunicação e à ausência de tentativas de
isolar elementos da família (no geral, os filhos) dos fatos en-
* Este tema está sendo espeCialmente tratado em "O luto no ciclo de vida
familiar". Maria Helena P. F. Bromberg, in O ciclo de uidajamiliar, Rosa
Maria de Macedo (Coord.J, no prelo.
II
cpgicoteftapia do ~uto
80S até antes. e que têm, a partir de achados de pesquisa, Como formas de avaliação, alguns questionários se-
essa capacidade predítíva quanto ao resultado do trabalho. rão apresentados a seguir. de forma resumida. É interes-
A par disso. também auxiliam na avaliação da condição do sante observar que, de uma [arma ou de outra, abrangem
enlutado. para que seja determinada a forma de intervenção os aspectos levantados. mesmo que contraditoriamente,
específica. bem como de prevenção do luto patológico. como fatores de risco. Não podem. em absoluto. ser consi-
Na identificação dos fatores de risco no âmbito indivi- derados instrumentos universais. pois foram elaborados em
dual. há muitas contradições entre os resultados de pesquisa. uma cultura muito diferente da latino-americana e sua uti-
PARKES (1990) resumiu-os, mesmo com o perigo de parecer lização em nosso meio requer cuidadoso estudo de adapta-
superficial, nas seguintes idéias: pessoas seguras. cuja expe- ção. Também faz diferença se forem aplicados para enluta-
riência de vida tenha levado a um nível razoável de confiança dos mais velhos. por exemplo. viúvos ou viúvas, quando
em si e nos outros, podem lidar bem com lutos que tenham comparados com enlutados mais novos. como pais que per-
sido antecipados. desde que sejam apoiadas pela famílía, que deram um filho pequeno. A aplicação desse questionário a
respeita suas necessidades emocionais. Perdas múltiplas ou familiares de alguém em estágio terminal de uma doença
inesperadas. de pessoas com quem o enlutado mantivesse também tende a trazer necessidades diferentes quando
uma relação de dependência. provocam. até na pessoa mais comparados com aqueles que perderam alguém de forma
segura, a falta de segurança e apoio que pode minar a capaci- repentina ou inesperada.
dade de lidar com o luto. GORER (1965) apresentou um questionário que, de
Não há muitas pesquisas disponíveis sobre o uso 'acordo com os objetivos de seu estudo, buscava mais a
dos fatores de risco como ídentificadores de pessoas que descrição das características dos enlutados do que a ava-
precisam de cuidados especiais após uma perda significati- liação de sua condição psíquica. No entanto, abrangeu os
va. LATIENZI-LICHT (1989). pesquisando os serviços de .pontos considerados como fatores de risco, antes mesmo
luto em hospitais para terminais nos Estados Unidos, verifi- que eles assim tivessem sido descritos pelos pesquisadores.
cou que 77% faziam algum tipo de avaliação de risco. mas a Há perguntas sobre rituais religiosos nos funerais, rituais
maioria oferecia seus serviços a todas as famílias enlutadas. socíoculturaís como uso de roupas específicas para luto.
de forma que elas decidissem quem iria receber o atendi- sinais externos na casa significando que a família estava de
mento. PARKES (1980) mostra-se contrário a esse método luto, visitas de condolências. apoio ou presença familiar no
de auto-seleção, pois verificou que serviços que ofereciam período da doença (se tiver sido o caso) ou após a morte.
aconselhamento a pessoas enlutadas não selecícnadas não mudanças particulares na condição de vida do enlutado.
haviam mostrado diferenças significativas, quando compa- abrangendo saúde (peso. sono). presença de filhos. Termi-
rados ao grupo de controle. na com uma pergunta sobre a disponibilidade do enlutado
para receber alguém em casa com quem pudesse falar li-
Em minha experiência com famílias enlutadas, os vremente sobre suas experiências a partir da perda.
fatores de risco utilizados para avaliação individual também
PA...~l{ESe WEISS (1983) elaboraram um extenso
devem ser utilizados na familiar, para obter maior acurací-
dade na avaliação das respostas índívíduaís como um meio questionário. chamado "Questionário de saúde". para ser
de trabalhar melhor a relação do sistema. Assim sendo. a usado juntamente com a série de entrevistas de acompa-
nhamento em sua pesquisa longitudinal. Os dados levanta-
experiência mostra que perdas múltiplas ou repentinas,
dos pela entrevista foram classificados de acordo com dez
quebras de relações dependentes ou ambivalentes de fato
itens de avaliação:
ativam mecanismos dificultadores do processo de elabora-
ção. Mais detalhes são apresentados no Capítulo IV, sobre o 1) nível de funcionamento. em comparação com o
"Método", no presente trabalho. nível de pré-enlutamento;
f~:·
<"
74
Maria Helena F.F. Bromber~, A psicoterapia em situações de perda.,>e luto 75
c) morte violenta, particularmente por suicídio; c) Como os vários membros da família mostraram
d) padrões familiares de desunião, com falta de suas reações à morte? Choro? Afastamento? Depressão?
Ieráncía por reações diferentes ou de coesão para apoio Atividade exagerada? Conversam entre si sobre a morte?
tua;
d) Quem estava presente no momento da morte?
e) falta de flexibilidade no sistema; Quem não estava. mas deveria estar? Quem viu e quem não
f) comunicação bloqueada e segredos, viu o corpo?
bus cercando a morte; e) Como estava o relacionamento familiar na época
g) falta de recursos sociais e econômicos; da morte?
h) papel importante da pessoa que morreu O Quem cuidou do funeral? Quem compareceu?
substituição precipitada ou inabilidade para reinvestir; Quem não compareceu?
. i) relações conflituosas por ocasião da morte; gl O corpo foi enterrado ou cremado? Se cremado, o
j) perda prematura; que aconteceu com as cinzas?
k) perdas múltiplas ou outros fatores h) Quem vai ao cemitério e com que freqüência?
de stress emocional; Quem menciona o morto e com que freqüência? O que foi
feito dos objetos pessoais do morto?
1) legado multígeracíonal de lutos não
particularmente revivências transgeracíonats de aniversário; i) Há algum segredo sobre as causas e circunstân-
cias da morte? Esse segredo existe para pessoas de dentro
rn) sistema de crenças da família envolvendo
ou de fora da família?
vergonha acerca da morte;
j) Que mítífícações ou mitos foram criados na famí-
n) contexto sociopolítico e histórico da morte,
lia acerca do morto? Foi transformado em um "santo"?
mas ou medos catastróficos.
k) Quais são as crenças culturais e religiosas sobre
Na avaliação das famílias estudadas nesse vida após a morte? Como essas crenças influíram na com-
essas questões foram utilizadas como instrumentos de ava- preensão do significado da perda?
liação por ocasião da primeira entrevista, para investigação
do grau do impacto da morte naquele sistema. Essas questões são habitualmente utilizadas por
McGOLDRlCK (1991) recomenda, como rotina na mim não somente para uma avaliação inicial, mas também
avaliação da família, traçar padrões de adaptação à perda, no decorrer do processo terapêutica, para concluir acerca do
por meio de genograma trtgeracíonal e de um levantamento seu andamento. Abrangem os pontos considerados mais vul-
cronológico dos eventos mais estressantes. Com esses instru- neráveis para o estabelecimento de reações patológicas ao
mentos, não há necessidade de obtenção de histórico familiar luto familiar, mas contribuem também para uma visão am-
mais elaborado. Sugere também uma série de questões faca- pla do padrão de relacionamento existente na família. antes
das no tema da morte, como foi experimentada pela família. e depois da morte.
Algumas dessas questões são aqui apresentadas: Outro método de avaliação familiar relativo à perda foi
desenvolvido pela equipe do Serviço de Luto do St. Chrísto-
a) As datas relacionadas à morte são vagamente
pher's Hospíce, em Londres (EARNSHAW-SMITH e YOflliSTO-
lembradas ou celebradas em ritos sagrados?
NE, 1986). Trata-se de um roteiro de observação e entrevista e
b) Os membros da família mostram-se à vontade de um questionário após a morte, aplicados por ocasião das
para falar do falecido e das condições da morte? visitas feitas pelo Serviço Social. O entrevistador deve traçar o
78 Maria Helena P.F. Bromberg
A psicoterapia em situações de perdas e I.ut.o 79
rior à morte (notadamente as relações ambívalentes ou de-I: tem se mostrado muito eficaz, como provam as experiências
pendentes). No ámbíto do sistema familiar, os parámetros~~l de VOLKAN(1971), VOLKANe JOSEPHTHAL (1981). VOL-
permanecem os mesmos, além da necessidade de conside.~: KANe SHOWALTER (J968), VOLKAN et ai. (1975), STRA-
rar as condições específicas da família. fil, KER (1968), ROSENBLATI (1969), MORRlSON (1978), uu,r,
il\ (1976), MANN (1981), BELLAK e SMALL (1978), GERBER
ri:
(1971), BUDMAN e GURMAN (1988), FIGLEY (1985). Estes
~: . autores apresentam resultados de trabalhos nos quaís uttlt-
2. PSICOTERAPIADO ENLUTAMENTO ~;:tzâram os princípios da terapia breve, no entanto com as
;ti:
modificações necessárias à especificidade da crise do luto.
~1; De acordo com LANGSLEY(1981), na vívêncía de uma crise,
O rompimento de uma relação significativa implica a~~g
não é hora para aprofundar conflitos íntrapsícológícos rn-
necessidade de adaptação à condição de viver sem aquela~~ conscientes; a abordagem deve ser muito mais ativa e adap-
pessoa. Conseqüentemente, a direção dessa mudança estáj~*; .tatíva.
em sua base, determinada pela condição de vida que haVia~fl;; A partir daí a terapia breve pode ser considerada
com aquela pessoa. Não é só isso, porém, que pesa na de-~~: como font~ de recursos importantes para aplicação em c a-
terminação do caráter da mu~ança, como já visto nesse tra",~~~> sós de enlutamento. Suas estratégias sã~ amplas, artícu-
balho. No confronto com a cnse desencadeada pela perda,ó~~W,Iando recursos variados e que podem, entao, ser adaptados
fato de essa perda ter sido causada pela morte, e não por~;4.'às diferentes necessidades da pessoa enlutada. Ressalta a
um rompimento ou separação, que ~od.e trazer embutida a-~~~..importáncia de uma compreensão da vida cotidiana do pa-
esper~ça do reencontro, torna. rr:~lLO Importante que Sejaifl\kciente, sendo indicada para situações de crises ou descorn-
dada a ~ess~a e~lutada a possíbílídade de encarar, face ~~?t
pensações, situações de mudança, distúrbios de natureza
face, as ímplícações dessa morte em seu presente e futuro'f:f reatíva em pacientes anteriormente adaptados (FIORlNI,
:~:t1978; KNOBEL, 1976; YOSHIDA, 1990). Suas características
2.1. Psicoterapia. individual para o eniuiamenio ~t;çfundamentais são: não é transferencial nem regressiva; ela-
;,~;y: bora cognitivamente, em lugar de afetivamente; permite ex-
_ . ,~"~; ..' tar mudanças para que a pessoa passe a ser sujeito
O luto e por mun entendido como crise de acordoi~?; penmen _.' _.' .
com a d e flmiçao
. - d e GERBER (1971)": peno - d o de cnse
' ernf(?,?;ativo de sua propria'. hístóría. Avaliar
ífI.'' .··..•'' .•:·.·..........
. seus resultados e uma
que há desequilíbrio entre a dificuldade e a importância do~::r tarefa fundamentalmente subjetiva, embora alguns pontos
~''''.' d d o síderados como entre outros' de-
problema e os recursos imediatamente disponíveis para li.~;-: nortea ores evam ser c n 1 ..' .
~,.,:<. . flít bí tí . delírnítar o tempo de tera-
dar com ele; as técnicas e meios costumeiros são ínadequa- ~'" límítar o con 1.0 e os ~ .~elVOS, .
do~." Mesm~ n~s situações :m que a ~valiação do deseqUilí~~.B ..•..
:;.. pia; transformar athistona em elemento do passado, desatí-
bno for subjetiva, sem apoio na realidade externa, a expeJb' vando-a do presente.
ríêncía mostra que as pessoas ou famílias nessas situaçõesfik-C VOLKAN (1971) desenvolveu a técnica por ele cha-
agem sc:m utiliz~ ~eus recursos, tornando nec:ssária a in'I\~' mada de "tr~balho de reenlutamento", ~o~ o objetivo de
tervençao terapêutíca para que possam conhecé-los e delestE;· ajudar o paciente que sofre de luto patológico a resolver os
fazer bom uso. O luto gera crise e é como uma crise que elel, conflitos da perda, por mais distante no tempo que pareça
deve ser tratado. O luto normal é autolimitador, porém pode~iY- estar essa resolução. O que o autor define como luto patoló-
se resolver pela realidade e pela possibilidade de adaPtaçãO~{-,_ gico, com sua smtomatología predizível e achados caracte-
a essa nova realidade. Uma vez avaliada como uma crisel~1\":rísticos, é a reação que está entre luto descomplicado e as
por luto que não se resolveu pela realidade, o recurso tera'}lf> reações à morte que se transformam em depressão ou em
péutíco da terapia breve, adaptada a essa crise específica'fF' outros estados neuróticos, psicossomáticos ou mesmo psí-
r~V
84 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia em situações de perda..c;c luto 85
cótícos. Utiliza-se de técnicas de terapia breve, ressaltando relação à morte e depois em relação ao morto; é freqüente
que, mesmo quando a crise amplia os problemas de perso- que ocorra desorganização:
nalidade do enlutado, estes não poderão ser resolvidos em c) reorganização: o paciente entra no luto, sente-se
terapia a curto prazo, apenas o problema em foco. VOLKAN triste; surgem questões e sugestões sobre o futuro.
e JOSEPHTHAL (1981), VOLKAN e SHOWALTER (1968) e
VOLKAN et al. (1975) ressaltam ainda algumas condições
básicas a serem garantidas para que o trabalho traga bons Os maiores obstáculos para fazer novos relaciona-
resultados, como: mentos e vívê-Ios novamente, de maneira significativa, são
os sentimentos arnbívalentes sobre o morto. As novas liga-
a) transferência positiva e imediata, forte e inabalá- ções possíveis têm muita variedade de forma, de acordo com
vel com o terapeuta: esse tipo de vínculo não deverá ser as necessidades do enlutado: trabalho, interesse, filho.
abalado por qualquer sentimento negativo ou de raiva que o neto, uma causa, ou mesmo relação de compromisso com
enlutado possa ter pelo morto ou por outras pessoas. O te- pessoa do mesmo sexo ou oposto, com quem o enlutado
rapeuta deve aceitar essas reações, sabendo que sua tarefa possa partilhar a vida. O trabalho pode durar de dois meses
é limitada, concentrada na situação imediata. O paciente, a um ano, com uma sessão semanal. É bastante freqüente,
ao encontrar nova ligação onde sua capacidade de amar após a resolução do luto, que o paciente se interesse por
seja recapturada, pode reconquistar a esperança. Relações um trabalho a longo prazo, com abrangêncía mais ampla,
passadas são exploradas apenas se afetarem diretamente a por causa do que foi remexido para o reenlutamento.
resposta ao luto; temporariamente, o terapeuta se torna o
STRAKER (1986) relatou a experiência com 220 pa-
substituto da pessoa amada e objetiva dar esperança e con-
cientes adultos no Departamento de Psiquiatria do Hospital
forto.
Geral de Montreal. Canadá, em terapia breve. Considerou a
b) foco firme na crise da perda: embora o objetivo
abordagem válida para pacientes selecionados, como aque-
não seja atingir distúrbios da personalidade, é imperativo
les que apresentaram descompensações transitórias devido
entender que problemas de personalidade ou dos padrões
ao luto, com uma razoável motivação para mudança. O ob-
de relacionamento do enlutado podem ser destacados ou
jetivo não era a reconstrução da personalidade mas uma re- r :'
ampliados pela crise. Estes não podem ser resolvidos pela
terapia breve, mas o problema específico que cada pessoa dução ou alívio de sintomas apresentados, na tentativa de
traz para a crise do luto tem que ser considerado pelo tera- ajudar o paciente a restabelecer o nível de funcionamento
peuta e pelo enlutado. Somente assim ele pode fazer a dis- anterior ao aparecimento da necessidade de ajudar o profis-
tinção entre seus abandonos e perdas imediatos e prévios sional. Como forma de avaliação, o autor apresenta o dado
(reais ou fantasiados] e a dor que foi remexida pela perda de que as mudanças positivas encontradas nos pacientes
presente e provocou tais respostas de sofrimento. no fim do tratamento foram mantídas durante acompanha-
Ao longo do trabalho de reenlutamento, de acordo mento por dois anos.
com VOLKAN(1971), são percorridas três fases: HILL(1976) apresenta resultados encontrados em te-
rapia breve. com número limitado a 12 sessões, partícular-
a) demarcação: o paciente é ajudado a racionalmente mente para pacientes com conflitos quanto a dependên-
distinguir entre o que pertence a ele e o que pertence ao cia/independência, baixa estima e dificuldades no luto. Não
morto: é indicada para psícopatologías severas e condições psíqui-
b) externalização: o paciente é encorajado a conti- cas rigidamente arraigadas. Ressalta a necessidade de diag-
nuar detalhando aspectos da morte e do morto e a raiva ge- nóstico apurado, esforço colaborativo tanto do paciente
ralmente começa a emergir nesta fase, primeiramente em quanto do terapeuta e foco específico sobre os objetivos com-
86 Maria Helena P.F. Bromberg A psicoterapia. em situ.ações de perdas e luto 87
binados. De acordo com o autor, os resultados são positiva- Esta é uma abordagem ampla, pois, para obter a
mente consistentes e duradouros. reorganização da vida do enlutado em um novo padrão.
Também MANN (1983) recomenda terapia breve abrange os vários aspectos que foram atingidos pela perda.
para casos de luto patológico, especificamente para aquelas Para BUDMANe GUHMAN(1988), o objetivototal do
pessoas que não entram no processo de cnlutamento. Res- terapeuta em situações de perda é ajudar o paciente a fazer
salta que tanto foco quanto tempo definidos são necessários a transposição de ser vítima para ser sobrevivente. Conside-
para superar defesas, controlar ansiedades e. ao mesmo ram que ambos são similares porque experimentaram um
tempo, estimular rápida aliança de trabalho. evento traumático. Ocorreu, porém. que a vítima ficou imo-
BELLAKe SMALL(1978) ressaltam a importância da bilizada e desencorajada pelo evento, enquanto o sobreviven-
avaliação do grau de perturbação causada na vida do enlu- te superou as lembranças traumáticas e adquiriu mobilida-
tado. Como instrumento para terapia breve do luto está o de. lidou com a catástrofe como fonte de força. O que distin-
encorajamento a sentir as emoções inerentes á perda. pois gue vitimas de sobreviventes é a concepção de vida, sua ati-
estas podem posteriormente se transformar em sintomas, tude sobre segurança e esperança, como os autores citam a
se não forem abordadas de frente. partir de FINGLEY(1985). Segundo eles. a terapia breve con-
GERBER (1979) relata a experíêncía realizada no sidera como parte do processo de lidar com a morte:
Montefiore Hospital Medical Group. em Nova Iorque, a res-
peito da aceitação. por parte de famílias enlutadas. da tera- a) especificar e nomear a morte relevante, explorar
pia breve que lhes era oferecida. sem que tivesse sido solici- seu significado e identificar para quaís outras pessoas, além
tada. Foi escolhida a terapia breve por se considerar que o do paciente, é também uma perda;
curso de uma reação de luto envolve o reconhecimento total b) oferecer informação sobre o curso freqüenternen-
e a experiência consciente da perda do objeto, a emancipa- te encontrado ou resposta comum a esse tipo de perda;
ção de uma ligação emocional forte com o morto, o reajusta- c) encorajar o reenlutamento pela perda, tanto para
mento ao meio no qual falta o morto e o estabelecimento de o paciente quanto para outros que sofreram a morte em
novas relações e padrões de comportamento. Nessa expe- questão;
riência, os métodos utilizados são: d) dirigir a perda a um contexto social, ou seja:
quando há pessoas significativas no meio relacional do pa-
a) permitir e estimular que o paciente ponha em ciente que também estão experimentando a perda ou são
palavras e possa expressar os afetos relacíonados a: dor, por ela afetadas, todos devem ser vistos, juntamente com o
tristeza. fim do lute; revisão do relacionamento com o mor- paciente.
to; sentimentos de culpa em relação ao morto;
b) agir como um programador de algumas ativida- Dos autores citados, BUDMANe GURMAN(1988) são
des do paciente e organizar entre parentes e amigos - dis- os únicos que ressaltam a necessidade de um atendimento
poníveis e adequados - um esquema simples e flexível, com abrangente aos atingidos pela perda e não apenas do enluta-
a mesma finalidade; do mais próximo do morto ou que evidencie maiores necessi-
c) assistir o paciente quanto a lidar com situações dades de cuidados. Embora eles não considerem especifica-
de realidade. cuidados com os filhos. problemas legais; mente a família como o alvo desse tipo de terapia. a idéia é
d) intermediar com médicos a prescrição de energí- que não somente o paciente, com mostras mais evidentes de
zantes psíquicos, se necessários, diante de depressão ou in- sofrimento. pode se beneficiar, mas também os que o cer-
sônia excessivas; cam. além de serem. de certa forma. instrumentos terapêuti-
e) oferecer assistência para planos futuros. cas no momento de dirigir a perda ao contexto social.
88 Maria Helena P.F. Bromberg A psícoierapia em situações de perdas e luto 89
Como fica claro, a abordagem de terapia breve é lar- pessoa enlutada deve ser ajudada a olhar corajosamente
gamente utílízada no enlutamento, com princípios e funda- para o que foi perdido, para poder demarcar claramente en-
mentos definidos. técnicas descritas e comprovadas e resul- tre o mundo que existe hoje e o que existiu até o momento
tados que a validam. Sua utilização, no entanto, é basica- da perda. É necessário que o terapeuta tenha a força para
mente dírígída para indivíduos e não para o grupo familiar. agir com muita autoconfíança, pois o procedimento deste
Tem, entre os autores mencionados, os seguintes pontos faz com que o paciente sinta-se, por vezes, mais infeliz do
coincidentes: permitir a expressão de emoções, por mais que estava antes da terapia, como conseqüência do reenlu-
ambivalentes ou mesmo dolorosas que possam ser, assim tamento. O terapeuta deve estar também ciente de que en-
levando à sua compreensão no contexto do Iutor-sttuar a contrará muita resistência à mudança, por parte do pacien-
perda no âmbito da realidade, para que o enlutado possa te. que não aceita desenvolver as habilidades necessárias
enfrentá-Ia e intervir sobre ela, produtivamente. Na expe- para viver uma situação não desejada por ele.
riência com famílias, também utílízo esses recursos por É um trabalho doloroso, requer que o terapeuta es-
coristderá-los úteis e adequados, uma vez que, com freqüên- teja preparado para ajudar o paciente a avaliar suas cren-
cia, os elementos da família enlutada se sentem inibidos ças. clarificar seus modelos prévios e a situação atual para
para expressar emoções, na tentativa de preservação do res- identificar os aspectos que precisam ser mudados. De acor-
tante da família e também para que possam contatar essa do com BLACK (1978). o trabalho é particularmente recom-
nova realidade que a todos afeta, sístemícamente, para se pensador quando feito com famílias e não com indivíduos
adaptarem a ela ou transformá-Ia. isolados. O interessante dessa sua afirmação é o fato de vir
HAASLe MARNOCHA(1990) relatam experiência de de uma profissional reconhecidamente atuante e experiente
grupos de apoio para crianças enlutadas, com duração de no trato do luto infantil, mas não exclusivamente. Durante
cinco sessões semanais de uma hora e meia. O trabalho contato pessoal com a Dra. Dora Black, no Royal Free Hos-
está firmemente estruturado em um programa que encoraja pital. de Londres, acompanhei sua atitude de considerar
as crianças a expressar seu luto por meio de desenhos, re- tanto a necessidade individual como a do grupo familiar, ao
presentações e conversas. Segundo os autores. embora sem tratar de famílias enlutadas.
tentar avaliar a eficácia, os grupos são úteis para crianças
com idade entre cinco e dez anos. A justificativa para ser o
trabalho feito apenas com as crianças, sem qualquer espé- 2.2. Psicoterapia familiar para o enlutamento
cie de suporte para o restante da família. está na afirmativa
de que as crianças sentem-se inibidas em apresentar suas Tradicionalmente, a compreensão da perda por mor-
emoções diante de adultos enlutados, a quem consideram te tem se dado no âmbito individual ou, se o familiar é leva-
que devem cuidados. do em conta, é sempre a partir da relação díádíca do pa-
BLACK (1978) avalia como bons os resultados com ciente sintomático com o parente morto, como ficou eviden-
crianças ou pais sobreviventes que foram individualmente te em grande parte da pesquisa teórica do presente traba-
submetidos a terapia para enlutamento, mas ressalta a ne- lho. Dessa forma, é possível concluir que o membro assinto-
cessidade do estudo de formas de intervenção terapêutica mátíco da família está se ajustando bem à perda, mesmo
que possam abranger a família como um todo. Sua preocu- que o sistema relacional náo tenha sido avaliado. No entan-
pação está, porém. especificamente voltada para a criança. to. a experiência mostra que não é bem assim: se houve
por considerá-Ia vulnerável a desenvolver patologias em uma perda na família. inevitavelmente o sistema familiar
conseqüência do luto. Coloca como objetivos dessa terapia a será alterado e os membros poderão precisar de ajuda para
facilitação de expressões de luto e a ampliação da comuni- reconstruir sua história e seus relacionamentos em uma
caçáo entre os enlutados. De acordo com PARKES (1977). a perspectiva funcional.
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A psicoterapia em situações de perdas e luto 91
90 Maria Helena P.F. Bromberg
lutamento na Inglaterra. Nessa carta, era oferecida uma chamar atenção para a necessidade de intervenção de àm-
visitaà família, para identificação de sua condição diante bito familiar, mesmo que originada no risco de instalação ":~:.
;'f
da perda, após a qual era iniciado o tratamento, com os de comportamento patológico nos filhos, sem considerar o
objetivos: explorare tentar ajudar nos problemas emocio- sofrimento familiar como um todo. .;:
nais e práticos advindo do luto; facilitar a comunicação McGOLDRICK(1991) recomenda que sejam traçados ,~~
t-
Há aspectos que diferenciam as famílias que precí- tuaís. culturalmente criados, socialmente aplicados e indivi-
sam de ajuda daquelas que não precisam. Há também dife- dualmente benéficos, têm os efeitos apontados quanto à
rentes tipos de ajuda, desde o acompanhamento às famíli possibiliàade de recomposição diante da perda por morte,
de pacientes terminais, passando por orientação famili sua utilização implica considerá-ios como instrumentos
(de caráter pragmático) até a terapia familiar. A díferenç transpostos para o universo familiar com as mesmas fun-
entre essas necessidades foi apresentada nas páginas 71-' "ções e finalidades. A prática de utilização de rituais (não es-
do Capítulo 11 do presente trabalho, considerando as carac- 1:., pecificamente para luto) é consagrada na terapia familiar
terísticas do luto normal e do luto patológico, aplicadas à ,rsistêmica e tê-Ia na terapia breve não significa desenqua-
experiência familiar. Fdramento na teoria de ambas as técnicas. É a utilização
.~.cuidadosae criteriosa para que se crie uma forma de traba-
A terapia familiar, nas diferentes abordagens em que
·"lho adequado para o problema.
pode ser feita, apresenta uma vasta gama de aplicações, in-
cluindo trabalhos com famílias de pacientes psícótícos in-
ternados ou não, de deficientes mentais ou sensoriais, de
presidiários, de dependentes de drogas e de outros, além:
das famílias com dissonãncias em seu funcionamento rela- 2. AS PRESSUPOSIÇÕES
cional não ídentíflcáveís como provocadas por causa única.
Para trabalhar com o luto da família, porém, há que:
se chegar a uma técnica que aborde-o como uma crise ê; . Considerando o já exposto, as pressuposições deste
respeite suas especificidades. É trabalhar com um grupó' [;trabalho são, portanto:
que tem características próprias e que não se desfaz ao té6, " _ luto é uma experiência de crise que afeta todos os
mino da sessão como nas terapias de grupo. É levar e"
conta o fenômeno aí recorrente, lidar com uma perda para .rnembros da família;
família como unidade e com as diferentes perdas, para cad _ não é suficiente tratar a crise individual do luto,
um dos membros da família e os vários contextos índíví porque é também um fenômeno grupal (aqui entendido
duaís. Das técnicas consagradas, a que mais se aproxima {como pertinente ao grupo familiar);
das necessidades da família enlutada quanto ao atendírnen- _ por ser uma experiência de crise, terapeutícamen-
to psicológico é a terapia breve. Mesmo assim, não corres.'
falando, assim deve ser abordado;
ponde totalmente a essas necessidades e esta é uma das
preocupações deste trabalho: verificar como é possível a utJ.': _ se todas as sociedades dispõem de rituais para li-
lização de uma técnica terapêutica que seja adequada às dar com a morte e estes têm uma função reorganizadora
para os indivíduos podem ser transpostos para o contexto
necessidades e condições específicas da família que sofre~i
perda significativa de um de seus membros. Essa preocupa-s terapêutica, guardando as mesmas características e fun-
ção surge a partir de meu posícíonarnento acerca da consic}; "ções.
deração sobre o luto como um fenômeno que não causa im.2 A partir dessas pressuposições, o presente trabalha
pacto em um índívíduo isoladamente e sim na totalidade de propôs-se a investigar o que ocorre a uma família enlutada,
seu grupo básico de referência, a família. Logo, trabalhar ao experimentar a vívêncía de uma condição especifica de
com o luto no ámbito terapêutíco significa trabalhar coma crisepor luto, com intervenção terapêutica.
família enlutada.
Para compor a abordagem terapêutica breve de ma"
ncira a atender a essas necessidades, um recurso está sewl
do utilizado neste trabalho: ritualização. Uma vez que os rio;
IV
vUétodo
1. A PESQUISA
2. SUJEITOS
Os códigos utilizados são:
P == pai; M == mãe;
Os sujeitos foram casos clínicos de famílias atendi- Fo = filho; Fa = filha;
das por mim na Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovíc" da
Pr = primo.
PUC-SP.
A seguir, é apresentado um quadro-resumo com os Os algarismos entre parênteses referem-se à idade
aspectos das seis famílias de exemplo. das pessoas, ou na época da terapia ou na época da morte,
conforme o caso.
As famílias foram atendidas mesmo quando compa-
FA- HÁ
MEMBROS IMEMBRO recia um único membro à sessão. Esta decisão se justifica
MÍ- QUANTO QUEIXA
LIA
VWOS MORrO
TEMPO
pelo fato de que a família tem uma peculiaridade, quando
A M (38)
está no contexto terapêutíco: é um grupo que não se dissol-
P (47) 7 anos Agressividade de Fo.
(17)
ve ao término das sessões. As intervenções tinham um ca-
Fa
ráter sístêrníco, embora sem desconsiderar necessidades in-
Fa (14)
dividuais. Dessa forma, o eventual risco de dístorções e per-
Fo (12)
cepções exclusivamente individuais estava sob controle.
Avó (72)
B P (29)
As famílias buscam a Clínica Psicológica "Ana Maria
M (31) 5 anos Fo (5) não fala.
'Poppovic" com queixas várias e não com uma demanda es-
F (12)
;: pecífíca por terapia em razão do enlutamento. O primeiro
Fo (9)
J motivo para isto está no fato de que a Clínica não oferece
Fo (5)
" sistematicamente esse serviço entre os atendimentos de que
c Fo (14) M (7) 11 anos Fo tem dificuldades de
~.dispõe. A segunda razão é que muito freqüentemente o sin-
Avó (54) aprendizagem.
toma ou motivo que leva ã busca de ajuda psicológica é o
Tia (30)
enlutamento, porém, visto por meio de um distúrbio: filhos
Tia (28)
agressivos, com dificuldades de aprendizagem, adultos com
Tia (27)
sintomas somátícos As pessoas não estão sensibilizadas
Tia (27)
para a questão do luto, pois não faz parte do seu universo
Tia (25) buscar atendimento psicológico para o enlutamento, princi-
Pr (ll) palmente por desconhecerem suas conseqüências a médio e
D P (32) 1 aborto entre Fa Dificuldade de relaciona- longo prazos. Em contato com vários profissionais, ao lhes
M (32) e 1 nati- e Fo mento entre M e Fa. solicitar encaminhamento de famílias enlutadas para parti-
Fa (0) morto cipação nesta pesquisa, constatei que esse desconhecimen-
Fo (6) ·to não está restrito ao leigo.
Fo (4)
uma queixa individual. Após a entrevista de triagem, fo- ,;tauséncia de alguns, bastando garantir a presença de, no
ram encaminhadas para entrevista comigo, visando verifi'~ -ínimo, um membro. Era previsto um número mínimo de
jaze sessões, mas este não seria o de terminante único (o
car adequação para atendimento dentro desta pesquisa,
(,principal) para que o trabalho seja considerado completo,
sem que tivessem sido informadas na triagem sobre o tra-
l'tomando-se em conta seus objetivos como prevalecentes so-
balho que lhes seria oferecido. Como a entrevista de tna-
gem apontava a queixa individual mas, em algum rnomen-, re o critério "número de sessões".
to, referia a ocorrência de uma perda por morte, esse prí-':
meiro contato tinha dois objetivos: fazer, para a família, (
conexão entre a queixa apresentada e seu significado den-·
tro do processo de enlutamento e oferecer o trabalho de te:' 4. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS
rapia para a família, e não apenas para o elemento que,
provocou a ida à clínica. Foi explicado tratar-se de urna';
pesquisa sobre o que ocorre a uma família enlutada sub-" Os auxiliares de pesquisa tiveram papel de grande re-
metida à psicoterapia. Foi também informada a exístêncíaj levância no presente estudo: estiveram presentes às sessões
dos auxiliares de pesquisa, que observariam as sessões'] terapêuticas observando-as pelo espelho unidirecional, ouvín-
pelo espelho unidirecional e gravariam em videoteipe. For do-as com fones de ouvido e anotando-as detalhadamente;
garantido o sigilo no tratamento dado ao material de forma _pósteJiormente,transcreveram as fitas de videoteipe que fo-
que as famílias não pudessem vir a ser ídentífícadas. O ':-rarnutilizadas para a gravação das sessões, com o auxílio de
mesmo procedimento de registro foi empregado coma Gsuas anotações. As fa.:.-níliasestavam informadas sobre este
maioria das famílias atendidas, exceção feita para a Famí- t~ptocedimentoe com ele concordaram. Em quatro fanúlias do
lia E, onde houve apenas gravação em videoteipe, sem ob- exemplo,a càmera de gravação ficou fixa em um tripé. Nas fa-
servadores e a Família A, onde houve apenas observadores }lÜliaB e F, um funcionário da Clínica Psicológica "Ana Maria
que fizeram relato cursivo. A primeira situação se deu por poppoviC"foi treinado especialmente para fazer essas grava-
falta de condições físicas (sala com espelho) da Clínica di· ,ções. Seu treinamento foi tanto no âmbito técnico, por meio
,pue, por causa do horário disponível pela família para de aulas informais dadas pelo técnico em videoteipe da Facul-
ateridímento. No caso da Família A, deveu-se a ter sido a . dade de Jornalismo da PUC, quanto no âmbito ético, com mi-
primeira família a ser atendida, quando ainda não havia nha participação direta que abordei com ele principalmente a
decídído utilizar gravação em vídeoteípe. Quando necessá- >qúestão do sigilo quanto ao material gravado_ Sua presença
rio, foram-utílízados procedimentos de habituação com ,na sala com a cámera para gravação não parece ter tido efeí-
sala de espelho e os observadores. '-:tos inibitórios sobre essas duas famílias.
As famílias atendidas concordaram com o procedi- O motivo que levou à atuação de uma pessoa que di-
mento. A questão de entender a queixa individual como per-. ",rigisse a cãmera para onde a ação estivesse ocorrendo de-
tinente ao contexto do luto familiar abrange muito mais que H.veu-se,na Família B, ao fato de existirem três crianças mui-
a anuência inicial, mas esta deveria ser dada pelo familiar ~;i.toativas que faziam grande uso do material lúdíco e gráfíco
responsável, para que o trabalho pudesse ter início. :".simultaneamente. Dessa forma, minha tentativa era ter as
; sessões documentadas da maneira mais detalhada possível.
As regras do contrato terapêutíco foram informadas:
Para a Família F. embora não existissem crianças e sim,
o foco do trabalho estava no luto e, mesmo que outras ques-
adolescentes, o cuidado manteve-se quanto a acuractdade e
tões anteriores ou externas à perda fossem levantadas, se-
riam profundamente abordadas apenas se tivessem relevân- detalhamento das sessões.
cia na questão em foco. Deveriam participar todos os mem- Nas entrevistas iniciais com todas as famílias, o re-
bros da família, mas as sessões aconteceriam, mesmo com gistro era feito por mim de forma resumida para que não in-
106
Maria Helena F.F. Bromberg Apsicoterapia em situações de perdas e luto 107
terferisse na relação que estava começando a se formar, Para aprofundar o conhecimento acerca desses pon-
ainda que incipiente e fora dos padrões em que iria se de- tos, utilizei com as famílias estudadas as questões sugeri-
senvolver. Como eu fazia reuniões semanais com a equipe
das por McGOLDRrCK(1991):
(auxiliares de pesquisa). foi possível rever as sessões grava-
das, esclarecer pontos das transcrições e discutir conteú- a) As datas relacionadas à morte são vagamente
dos. O material gráfico produzido nas sessões pelos elemen- lembradas ou celebradas em ritos sagrados?
tos das famílias está guardado comigo, o mesmo ocorrendo
com as fitas de videoteipe. b) Os membros da família mostram-se à vontade
para falar do falecido e das condições da morte?
c) Como os vários membros da família mostraram
suas reações à morte? Choro? Afastamento? Depressão?
Atividadeexagerada? Conversam entre si sobre a morte?
5. RECURSOS PARAAVALIAçÃODAS FAMÍLIAS d) Quem estava presente no momento da morte?
Quemnão estava, mas deveria estar? Quem viu e quem não viu
o corpo?
Na primeira entrevista foram também levantados os e) Como estava o relacionamento familiar na época
pontos que auxiliariam na avaliação da condição da família da morte?
diante do enlutamento.
f) Quem cuidou do funeral? Quem compareceu?
WALSH e McGOLDRICK (1991) recomendam uma Quem não compareceu?
consideração cuidadosa a respeito dos pontos que dão a di-
g) O corpo foi enterrado ou cremado? Se cremado, o
mensão de maior ou menor necessidade de atendimento te-
que aconteceu com as cinzas?
rapêutica. Esses pontos foram levantados a partir das evi-
dências teóricas que, como apresentadas neste trabalho, in- h) Quem vai ao cemitério e com que freqüência?
dicam condições mais próximas de uma resolução saudável Quem menciona o morto e com que freqüência? O que foi
do luto ou não: feito dos objetos pessoais do morto?
i) Há algum segredo sobre as causas e circunstân-
a) tipo de morte (repentina, após longo período de cias da morte? Esse segredo é para pessoas de dentro ou de
doença, violenta, prematura, suicídio); fora da família?
b) padrões familiares de união; j) Que mítífícações ou mitos foram criados na famí-
cJ flexibilidade do sistema; lia acerca do morto? Foi transformado em um "santo"?
d) comunicação. mitos e tabus sobre a morte; k) Quais são as crenças culturais e religiosas sobre
e) recursos sociais e econômicos; a vida após a morte? Como essas crenças influíram na com-
f) preensão do significado da perda?
papel do morto no sistema familiar;
gJ relações familiares por ocasião da morte; Essas questões abrangem os pontos considerados
h) perdas múltiplas; mais vulneráveis ao estabelecimento de reações patológicas ao
i) luto familiar, e contribuem também para uma visão ampla do
fatores simultáneos de estresse;
j)
padrão de relacionamento existente na família, antes e depois
legado multigeracional de lutos não resolvidos;
da morte.
k) sistema de crenças da família;
Uma investigação no âmbito individual dos elemen-
1) contexto sociopolítico e histórico da morte. tos da família também é feita. para averiguar a eventual
lO8
Maria Helena P.F. Brombergj, "A psicoterapia em situações de perdas e Iuto 109
à sessão pela terapeuta que a colocava à disposiçào para IMBER-BLACK(1991) amplia as funções dos rituais
que a abrissem se assim o desejassem. Ao término da ses- para o luto familiar, apresentando-as como:
são, era pedido que os brinquedos fossem guardados na:
caixa que era, então, fechada com o cadeado. - marcar a perda de um dos membros;
- afirmar a vida como foi vivida pelo morto;
- facilitar a expressão de luto de maneiras que se-
J~rnconsoantes com os valores da cultura;
7. RITUAISCOMO RECURSO TERAPÊUTICa _ falar simbolicamente dos significados da morte e
4aVida que continua;
_ apontar urna direção que faça sentido para a per-
Por meio dos recursos de famtlíartzação, repetiçãoe;~ tia, enquanto permite a continuação dos que vivem.
transformação, os rituais têm se revelado experiências famí-]
líares importantes, no marco de transições do ciclo vital' São as próprias características da família que deter-
(McGOLDRICK. 1991). Permitem o estabelecimento de um nnnam o ritual a ser realizado: quando. como e por quem.
elo entre passado e futuro. por incorporarem significados j~mpre foram preservadas, porém, as condições necessá-
simbólicos referentes à família e à história passada e ao fu·: ;~àS para sua eficácia (IMBER-BLACK.1991).
tual está a serviço do luto patológico. Na sub-ritualização, Significadosno ritual, enquanto as ações levam-nos além da
pode se instalar o luto adiado (ou negado), enquanto na su- esfera verbal.
pcr-ritualização, dá-se a croníficação. O aspecto patológico
A utilização de rituais no presente trabalho justífí-
está fundamentado na dificuldade de dar o primeiro passo "
na direção da elaboração do luto, que é aceitar que a morte cou-se. portanto, pela qualidade terapêutica desse recurso,
especificamente na terapia da família enlutada. Preservados
se deu. Conseqüentemente, o prosseguimento necessário
alguns cuidados quanto à identificação do momento ade-
fica impedido por esta forma enrijecida de negação da reali-
quado para introdução, envolvírnento dos familiares na cria-
dade que, para sua manutenção, consome muito da energia
ção, definição do significado e da ação envolvidos, torna-se
que poderia ser empregada de forma mais livre e, portanto;
saudável. possível que os rituais, de acordo com ROBERTS (1988) for-
neçam os enquadramentos de expectativa para que ocorram
No entanto, à medida que esses rituais são conheci- novos comportamentos. ações e significados.
dos dentro da família, torna-se possível ao terapeuta identifi-
É ainda ROBERTS(1988) quem estabelece a diferen-
car as opções de que dispõe para alterar esses padrões, Nes-
ça entre ritual e tarefa:
sa identificação entram tanto os rituais existentes previa-
mente à morte assim como os desencadeados após a morte.
A figura de comando ou central na efetivação do ritual tem RlTUAL TAREFA
papel crucíal na re-ritualização, principalmente se for o mor-
1. Trabalha com múltiplos signi- 1. Coloca mais foco no nivel
to, pois trará a necessidade de também ser identificado
ficados, nos níveis: comporta- comportamental (ações).
elemento da família que ficará investido desse papel. mental. cognítívo e afetivo.
Outros eventos do ciclo de vida familiar, como bati-
zados, casamentos, ritos de passagem, fonnatura são atin- 2. Intervenção inclui tanto as- 2. Coloca mais ênfase em
gidos pela perda (na realização dos seus próprios rituais), se' pectos abertos quanto fechados, fazer a intervenção com o fi-
com espaço para a família im- nal previsto (freqüentem ente ,
a família não tiver chegado a uma condição de flexibilidade
provisar nos abertos, O terapeu- o terapeuta pode ter urna
adequada em sua rítualízação de luto para aceitar os novos ta não necessariamente tem visão antecipada do resulta-
momentos a serem vividos. Esses eventos trazem mudanças muita certeza sobre o que a fa- do).
tanto para os indivíduos quanto para o desenvolvimento da mília irá criar com o ritual, nem
família e podem ter seu significado intensificado ou distarei- está muito interessado em predi-
zer como ficará a família após o
do por experiências de perda não resolvidas. ritual.
IMBER-BLACK (1991) considera de fundamental
importância que, no uso terapêutica de rituais com a famí- 3, Mais confiança no concreto 3. Pouca ênfase nos símbolos.
lia enlutada, sejam utilizados os rituais, tradições e come- com ação simbólica.
morações já adotados pela família, mas sem esquecer que
pode ser necessário ir além desses rituais normativos e 4, Preparação e envolvírnento na 4. Tem foco não na prepara-
criar um específico para a terapia. Para criar os novos ri- cerimônia são partes essenciais ção mas no ato de fazer em
do ritual. si.
tuais, o terapeuta precisa identificar os símbolos e atos sim-
bólicos apropriados para aquela família. O novo ritual não
deve ser imposto e sim, criado com a participação de seus
membros, deixando mesmo brechas, na execução, para que
surjam manifestações autênticas e espontáneas. Na elabora- WHITING (1988), considerando essas diferenças e a
ção do ritual. símbolo e ação se completam, de forma que o própria definição de ritual, dividiu as linhas básicas dessa
primeiro permite que os participantes desenvolvam múltiplos definição em três categorias:
116 Maria Helena P.F. Bromberg A psicolerapia em situações de perdas e lu/:o 117
1) elementos da elaboração. comuns a todos os ri- a serem alcançados por meio dele. Foi feita uma análise clí-
tuais;
nica, levando em conta o comportamento verbal e o não-ver-
2) técnicas para rituais e ações simbólicas; bal, íntercorrênctas (corno faltas, por exemplo), permítrndo
3) outras considerações sobre elaboração de rituais. que as proposições iniciais pudessem ser veríficadas a cada
passo.
Os conteúdos emergentes e o processo terapêutico
Na utilização de rituais para terapia do enlutamen-
foram analisados a cada sessão. condição necessária para
to, os três aspectos são considerados, uma vez que sua am-
plitude permite a necessária criatívídade para que o tera- um acompanhamento passo a passo do processo, razão pela
qual não houve a participação de juizes, mas de observado-
peuta escolha e utilize aquele que mais se adequar famí-
à
Corno pano de fundo para a análise, as questões uti- Neste trabalho, o problema foi o luto familiar, como
lizadas inicialmente para avaliação das famílias estiveram vivido por uma dada família, com suas peculiaridades; as
( sempre sendo consideradas. Dentre elas, algumas puderam soluções experimentadas são as maneiras que a família tem
compor áreas como pontuadores para a análise dos dados. para adaptar-se e elaborar a perda; a mudança produzida
Foram elas: está contida nos objetivos da terapia breve para a família
enlutada, enquanto o plano que produzirá a mudança en-
1) flexibilidade do sistema familiar; volve os recursos terapêuticas utilizados. Tendo em mente
2) sistema de crenças da família; esse procedimento para mudança, foi possível verificar com
3) rituais; clareza como ela se deu e avaliá-Ia nas quatro etapas.
4) comunicação na família;
5) percepção da perda;
6) perspectivas;
7) socialização;
8) saúde.
"De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira.
E. misturado. o pó das duas realidades cai.,,"
(Chuva oblíqua. Fernando Pessoa)
1. FAIVIÍLIA A
se "muito fechada", havia repetido o primeiro ano do Cole- A morte de M ocorrera após um longo período de
gial c agora estava no segundo. Fa (14) apresentava troca de doença, durante o qual os recursos financeiros da família
palavras, tinha tido duas repetêncías, na terceira e na quin- "haViam sido canalizados para o tratamento, o que significou
ta séries, estando na sexta série. Fo havia repetido a primei- um fator de estresse simultâneo. Após a morte, as crianças
ra e a quarta séries, que cursava na época. M havia falecido ., foram transferídas de uma escola particular para uma pú-
cinco anos antes, de câncer de mama, após um intervalo de . blica, o que acarretou outra perda: a quebra de vínculo com
quatro anos entre o diagnóstico e a morte. Avó justificou :professores e amigos. Quando M morreu, os filhos tinham,
sua presença na entrevista pelo fato de, desde a morte de :.respectivamente, dez, sete e cinco anos e, quando a doença
M, haver colaborado com P na administração da casa e nos foi diagnosticada, tinham seis, três e um ano. Em particular
cuidados dos filhos. .Fo cresceu ao lado de M doente e é possível pensar que pro-
::vavelmente ela tinha pouca disponibilidade para ele. Tam-
Analisando os dados da entrevista inicial, verifiquei
bém as filhas sentiram isso, e os três filhos, cada um com
que em nenhum momento fora feita a associação entre as
Os recursos psicológicos próprios à sua fase de desenvolvi-
crises de agressívídade de Fo e a morte de M; as crises co-
mento, viveram esses quatro anos de estresse anteriores à
meçaram no mesmo ano da morte, o que é muito sugestivo
'morte da M.
de urna reação de luto comum em crianças, por não sabe-
rem identificar e expressar adequadamente as emoções da M era muito ligada à Avó, sua sogra, que é até hoje
perda. Também as primeiras dificuldades escolares de Vistapor todos como a cuidadora. O contato com a família
(14) tiveram início no ano da morte de M, corroborando o materna já era restrito antes da morte de M, alegadamente
conhecimento sobre as reações de luto encontradas em por morarem no Interior de São Paulo, e ficou ainda mais.
crianças, estreitamente relacionadas à aprendizagem, como, Um fato que P teve muita dificuldade em relatar foi que sua
por exemplo, dificuldade de concentração. Os informantes . sogra, logo após a morte de M, pegou as roupas dela sem ".': J
buscaram ajuda para Fo apenas porque foram pressionados 'consultá-Io e atualmente as dà para Fa (17) e Fa (14). Dentro
pela escola, pois não valorizavam seu comportamento como do papel de cuídadora que a Avó tem, por três ocasiões ela
merecedor de cuidados. Cinco a.."10S após a morte de M, ha- foi a pessoa que cuidou de doentes que morreram ao seu
viam ficado muitas questões para serem aprofundadas a lado: mãe, marido e M. Isto é visto como "sua sina" (sic).
respeito do funcionamento familiar. Avó mora em sua pró- A família é católica, não praticante. M teve rituais
pria casa, não com P (que é seu filho), mas tem [unções católicos para velório e enterro. A única data relacionada à
"maternas", como comparecer às reuníões de pais na escola morte que é lembrada é o aniversário, nenhuma celebração
dos netos. Seu papel não parece claro. especial é feita, apenas Avóvai à missa no dia.
Foram realizadas 12 sessões, no período compreen- Avaliando, então, a família quanto ao luto, verifiquei
dido entre maio e agosto de 1991, com freqüência semanal o que se segue:
e sessões de 50 minutos. Não foram gravadas em videoteipe
mas houve observação por dois auxiliares de pesquisa, via
ai tipo de morte: após cinco anos de doença, cãncer
de mama, com incidência hereditária;
espelho unídírecíonal. A família sabia da existência dos ob-
servadores e concordou com esse procedimento. Houve urna b) padrões familiares de união: família ambívalente
interrupção de três semanas entre a quinta e a sexta sessões, quanto aos movimentos de abertura e fechamento a novos
período em que P passou por uma cirurgia oftalmológica. relacionamentos;
Avó compareceu a todas as sessões; P e Fo, a todas, menos c) flexibilidade do sistema: pouca flexibilidade, rígi-
à última; Fa (17) esteve ausente na primeira, na décima e da tentativa de manter a vida como se nada tivesse aconte-
na última; Fa (14) esteve ausente na décima e na última. cido; negação imposta ao sistema, em especial por P:
122
Maria Helena. P.F. Bromberg psicoterapia em situações de perdas e luto 123
d) comunicações, mitos e tabus sobre a morte: en- i/dupla perda que a morte de M lhes trouxe: perda afetiva e
tre P e M houve uma encenação sobre o diagnóstico e o .;"perdade status.
prognóstico, ninguém falava sobre o perigo de vida de M; os'
Nas sessões. embora todos soubessem que estavam
filhos e P não se lembram de onde os filhos estavam no dia
',reunidos para trabalhar o luto pela morte de M. com Ire-
da morte; as idas ao cemitério são raras e marcadas por
muito sofrimento; t qüêncía P dizia ficar chocado com a naturalidade com que
ime referia ao fato, parecia' querer ouvir eufemismos em lu-
e) recursos sociais e econômicos: família de classe?1 'gar de: "no dia em que M morreu" ou UM morreu de câncer".
média. tendo sofrido uma queda no padrão após as despe. Fa (17) teve a dificuldade mais nítida em falar sobre a mor-
sas com o tratamento de 1'.1; o âmbito social é bastante res-' te: faltou à primeira sessão e na segunda chorou muito; fa-
trito, não trazendo suportes significativos; . zia observações adequadas sobre as reações emocionais da
.famílía (por exemplo. em relação a Fa (14): "Essa aí fica fa-
f) papel do morto no sistema familiar: M era jovem
;s:zendo gracinha para não chorar."). mas foi preciso que se
quando foi diagnosticada a doença e tinha com a família
~;sentisse muito amparada pela minha atitude para poder fa-
uma relação aparentemente sem conflitos; muito mais liga,
r lar sobre M, Fo, embora parecesse alheio. esteve muito aten-
da à sogra (Avó) do que à família de origem, passou do pa-
pel de cuídadora para o de cuidada; to e fez também comentários pertinentes; quando se emocio-
nava, buscava o colo de P ou da Avó. Fa (14) realmente usa-
g) relações familiares por ocasião da morte: seríl~ va esse comportamento de "fazer gracínhas" para se afastar
outros conflitos além dos da perda; a relação de P com Avó,;., das memórias e do impacto que tinham na sessão.
que já era difícil antes até do casamento. tomou-se e se . Quanto às fases da terapia. a demarcação inicial so-
manteve atrítada, pela posição ambivalente de P quanto à' ".brepôs-se â externalização. A família toda parecia pedir
aceitar a ajuda de Avó;
& uma condição continente para lembranças (e, muito fre-
h) perdas múltiplas: em razão da queda no padrão'. qüentemente, esquecimentos), de maneira a não soar acu-
econômico. as filhas foram transferidas de escola, perdendo: satóría em sua dor. Um conflito permeou todo o atendímeri-
contato com amigos; a família mudou de moradia, embora toe mereceu encaminhamento específico ao final: P e Avó
permanecendo no mesmo bairro; nitidamente se relacionavam com muita ambivalência, no
sentido de aproximação/afastamento. dependência/inde-
i) fatores simultâneos de estresse: não houve. além pendência: assim. Avó era solicitada a ajudar P com os fi-
dos mencionados em h). perdas múltiplas; lhos. ao mesmo tempo que era críttcada por fazê-Ia; P era
j) legado multigeracional de lutos não resolvidos: P criticado pelo esforço absoluto para não precisar de nin-
teve experiência muito dolorosa na infância, com a perda guém. ao mesmo tempo que Avó queria tempo e espaço para
das duas avós e de uma tia. o que provocou uma revolta de si mesma. para ter atividades e desenvolver interesses pró-
caráter religioso; quando seu pai morreu. P era solteiro. rea- prios de sua idade.
gíu com muita agressividade contra Avó. como se ela fosse Os momentos marcantes ocorreram principalmente
culpada pela morte; quando os filhos começaram a perguntar a P e Avó sobre a
k) sistema de crenças da família: basicamente nor- doença de M, acrescentando e corrigindo suas lembranças.
t.eados por uma moral burguesa. valorizam as conquistas de O andamento da terapia levou à realização de um ritual que
caráter material e pautam seu comporta."11ento por essas envolveria a participação de todos. cada um à sua maneira:
idéias; a feítura de um álbum de fotografias de M. A razão para ter
sido esse o ritual escolhido foi que. durante a terapia. surgi-
1) contexto sociopolítico e histórico da morte: sem ram as já mencionadas lembranças distorcidas (grandernen-
significado para a família em questão, até que se some a te pelo tabu em se falar na doença), ao mesmo tempo que os
124 Maria Helena F.F. Bromberg psicoterapia em situações de perdas c luto 125
filhos começaram a falar de legado: Fa (17) tem os cabelos luto e sim, para auxiliar nas passagens, quc são vividas
de M, Fa (14) troca palavras e faz piadinhas como M, ambas com dificuldade principalmente pela necessidade de P em
as filhas poderão ter o mesmo tipo de câncer de mama. manter todos os eventos sob controle. Na tentativa dc evitar
Também teve peso o fato de na sala do apartamento da fa- impacto negativo sobre os filhos que atuaram de [arma
mília haver uma foto de M, que Fa (17) sempre evitava para a mudança, P foi encaminhado para tera-
olhar. O aspecto simbólico desse ritual estava em rever as individual, o que vinha pedindo e que, conseqüentemen-
memórias e colocá-las em lugar apropriado, não mais no co- aceitou prontamente.
tidiano.
A queixa que levou à terapia (agressividade de Fo] é
A feítura do álbum foi o meio pelo qual muitas ques- encontrada com freqüência no caso de crianças enlutadas.
tões da história da família foram abordadas: ele era feito não dispõem de meios adequados para expressão de
fora das sessões, mas discutido nelas, com tudo o que havia. emoções. Ainda mais se for levado em conta que vive-
provocado. Paralelamente, questões que fugiram do contex- em uma cultura onde não é permitido ao homem cho-
to do trabalho começaram a surgir, como: limites quanto a rar, ao mesmo tempo que ê estimulado a ser forte, valen-
horário para chegar em casa, mudança de colégio, líberdade não raro se dá a substituição do choro pela agressíví-
sexual. Na tentativa de manter o foco no luto, essas
tões não eram aprofundadas, apenas devolvidas e recontex-
P relatou o que é bastante comum entre VlUVOS: a
tualizadas, ou seja: aquela família, com a composição
imediata de ter uma companheira. Quatro me-
lhe era própria, poderia chegar a uma solução.
ses após a morte de M, instalou uma namorada em casa, o
Houve uma experiência importante que reativou
hoje reconhece ter sido "encontro de dois carentes". A
tigas angústias. Entre a quinta e a sexta sessões, P
relação durou pouco, seguida por várias relações efêmeras,
que se submeter a uma cirurgia oftalmológíca para
a atual, que existe há dois anos, embora morando em
ção de um tumor que, após bíópsta, foi diagnosticado
separadas (ou por esse motivo),
benigno. Por poderem levar as angústias para o contexto
rapêutíco, todos da família perceberam como se Fa (17) teve sua própria maneira de mostrar como
frágeis, apesar das tentativas em contrário. elaborou o luto por M. Era constantemente feita a compa-
Ao término do álbum foi encerrado o atendimento. ração por semelhança entre o cabelo das duas, elogiando-
As informações vindas do colégio de Fo (12) eram de que se a beleza, o comprimento etc. Após uma sessão particu-
havia apresentado grande melhora no comportamento, larmente difícil para Fa (17), ela tingiu os cabelos que. de
as crises de agressívídade diminuídas quase totalmente. ficaram loiros. Justificou com o desejo
(17) falava livremente sobre M, ao mesmo tempo que
não mais ser morena. Ou seja: de ter sua própria iden-
pressão para que P a visse como uma jovem responsável, lí- tidade. não mais precisando se assemelhar a M para retê-
berando Avó para seus próprios interesses. Esta foi encami- Ia consigo.
nhada para o grupo de terapia para Terceira Idade, na Clí- Fa (14), que também apresentava semelhança com
nica Psicológica "Ana Maria Poppovíc" da PUC-SP, para fa- M, não tanto no plano físico, mas na personalidade, como
cilitar sua inserção em um grupo de referência que lhe fosse forma de aproximação e retenção da figura de vínculo perdi-
mais próximo. da, entendeu seu processo e pode íncorporá-Io nas mudan-
O trabalho foi considerado satísfatórío, pois atingiu ças que se processavam. Isto ficou nítido quando parou de
os quatro objetivos básicos da terapia do luto familiar. Mui- fazer comentários jocosos sobre o choro de Fa (17) ou a ten-
to possivelmente, esta família mais tarde venha a se benefi- são de P e pode, ela mesma, chorar quando da elaboração
ciar de terapia, não mais especificamente relacionada ao do álbum.
127
126 Maria Helena P.F. Brombera'·· pSlcoterapia em situações de perdas e luto
questão da morte nessa família; todos a temem exagerada- o ponto básico a ser trabalhado foi a inserção de Fo
mente, a ponto de estabelecer hãbitos que a impeçam de (14) em uma família, em conseqüência de perdas múltiplas
tocá-Ios, por exemplo: não ir a velórios, sair da sala quando por morte, sendo que nessa família morte é tema-tabu. O
se fala em doença e morte: Fo (14) foi proibido de executar clima afetívo sendo positivo facilitava as comunicações que,
seus rituais em relação à M: acender vela e rezar por ela: no entanto, esbarravam sempre no tabu. A postura corporal
e) recursos sociais e econômicos: é família de classe de Fo (14) chamava muito a atenção, pela mudança que aos
média baixa, todas as tias trabalhavam e era esperado que poucos se operou: ele é um adolescente alto com pernas
Fo (14) logo começasse a trabalhar também: as duas tias compridas, e no início parecia fazer todo o possível para fi-
casadas moram próximo à casa da Avó, o contato é diário; car bem pequeno, desaparecer talvez, não ocupar espaço,
não há dados acerca desse aspecto, quando M morreu: falar baixo; aos poucos passou a falar alto, fazer brincadei-
ras com Avó e tias, até com a terapeuta. A passagem que
1) papel do morto no sistema familiar: Fo (14) perdeu
permitiu o início dessa mudança foi, sem dúvida, a sessão
a mãe aos três anos, figura qual era muito vinculado; M
à
e) recursos sociais e econômicos: família paulístana, lhos e pensa em colocá-Ias em um colégio interno e, a se-
de classe média; P é advogado, o único responsável pelo guir. começa a brincar agitadamente com eles, que haviam
sustento da casa, bom padrão; ficado (os dois menores, pelo menos) assustados com a
1)papel do morto no sistema familiar: filhos que "não ameaça. Parece haver um outro sistema em atuação, abran-
vingaram", pelo tabu, parecem-se mais com fantasmas; para gendo P, Fa (10) e avó paterna. Esse trio desconsídera deci-
M, sinalizam sua fragilidade na função feminina; sub-rítualí- sões de M, que se vê desarticulada por eles em sua autori-
zados. dade e, por sua vez, busca união com os dois filhos meno-
res. Configura-se aqui, mais uma vez, a lacuna aberta pela
g) relações familiares por ocasião da morte: aparen-
Vida/morte dos dois bebês.
temente, estavam bem, uma família em fase inicial do ciclo
familiar, com uma filha de quatro anos, tentando ter um fi- Com o andamento do processo terapêutica, foi pos-
lho para receber o nome de P; sível a M relatar aos três filhos o acontecido. Fo (6) ficou
muito interessado, principalmente porque foi mencionada a
h) perdas múltiplas: não houve;
possibilidade de o natimorto ter recebido o nome que lhe
i) fatores simultâneos de estresse: não houve; coube, ou seja, o .Júníor de P. Fo (6) precisou ser muito as-
j) legado multigeracional de lutos não resolvidos: segurado de que o bebê recebeu outro nome. Como era de
não há; ambos os avós de ambos os lados são Vivos,não há se esperar, foram feitas muitas perguntas a respeito do des-
mortes na família há anos; tino dado a esse bebê morto, o que, por um lado, abriu a
k) sistema de crenças da família: são aqueles pró- comunicação entre M e os filhos e provocou nela a emergên-
prios de classe média, objetívando dar boas condições de cia de sentimentos que estavam, em suas palavras, "aneste-
vida para os filhos, moral rígida; as realizações devem vir síados, amortecidos".
apenas como fruto do trabalho honesto; Com o materíal Iúdíco e gráfico que havia na sala, as
1) contexto socíopolítíco e histórico da morte: sem crianças passaram a desenhar cenas referentes às informa-
significado, neste aspecto. ções que iam recebendo ou que queriam receber. Repre-
sentavam também cenas, com o bebê sozinho no berço, por
exemplo, enquanto M e P choravam abraçados. A partir dai.
o fato de P não ter participado da terapia sobrecar- o ritual a ser utilizado com eles foi se configurando. Uma
regou M com uma tarefa que teria, sem dúvida, sido mais vez que os bebês Unham tido muito mais uma existência de
bem resolvida se ela não estivesse só. Por "mais bem" en- fantasmas do que de bebês humanos, foi proposto à família
tenda-se a possibilidade de experimentar o sistema familiar que desenvolvesse um ritual para enterrá-Ias, simbolica-
como um todo, com presentes e ausentes. Dessa forma, a mente, na sessão. A proposta mobilizou a todos e provocou
ausência de P juntou-se à ausência dos bebês, sendo que maior comunicação entre eles. Foi construido um pequeno
estes, segundo entendimento da mãe até aproximadamente caixão em dobradura de papel, um bebê da família de bone-
o meio do processo terapêutica, foram substituídos pelos cos foi colocado dentro desse caixão, um pequeno cortejo
dois filhos mais novos. circulou pela sala em busca de um local adequado para o
Para M e, residualmente, para todo o sistema, a per- enterro. As crianças despediram-se do bebê usando o nome
da de maior impacto foi a do bebê natimorto, que tinha tido com o qual ele fora batizado.
um tempo maior de existência. As palavras de M são elo- Foi muito interessante observar que, a partir dessa
qüentes a respeito de seus sentimentos: "É como você pre- sessão, a família passou a falar de planos de férias. que se
parar uma festa e o homenageado não comparecer." A am- aproximavam. M estava muito consciente sobre a reação
bívalêncía permaneceu e ficou clara na terapia, por exem- que causava nos filhos, ao se impacientar com eles, quase
plo, quando ela se declara impotente para educar bem os fi- como se brigar fosse a única alternativa possível de convi-
138
Maria Helena P.F. Bromberg psicoierapia em situações de perdas e Iuto 139
vêncía. A partir daí, mostrou-se mais atenta para deixar quase não conviveu. FIá dois meses começou a trabalhar em
que os filhos encontrassem forma própria de entendimento. uma casa de leilões. Parou os estudos no segundo ano do
Apesar dos bons resultados, quanto aos objetivos da Colegial. Fez psicoterapia na adolescência, não gostava da
terapia do luto familíar, a falta de P no contexto terapêutica terapeuta e interrompeu. Sente-se desanimada, angustiada,
refletiu no familiar, .impedindo o completo atingimento muito sono mas não dorme bern à noite. Quando o
objetivos. Considera.'ldo-se o que foi visto nas últimas bebê morreu, emagreceu muito; ficou quatro dias sem co-
sões, o não-compartilhamento da morte e a não-reorganiza_ mer quando encontrou o marido com a pessoa com quem
ção, por parte de P, vão significar para ele o lamentável ele tinha o relacionamento. Geralmente sente-se muito arr-
alheamento dessa nova realidade, livre de fantasmas e com
filhos verdadeiros. ~ustiada quando acorda e quando chega em casa. Tem vori-
de morrer, mas não de cometer suicídio.
Com esta torrente de informações em uma primeira
entrevista, M deixou clara a forte necessidade de uma tera-
pia para o enlutamento, uma vez que a morte do filho, além
5. FAMÍLIA E do sofrimento naturalmente i.nerente a essa experiência, de-
sencadeou um processo depressivo sério, que poderia ter re-
percussões negativas, diante de seus antecedentes emocío-
Quando foi chamada para uma entrevista de primeiro
M procurou a Clínica em razão da morte de um fi. contato com o trabalho da pesquisa, quando a terapia fami-
lho, quatro meses antes. Essa críança vivera apenas 1
liar seria proposta, revelou que estava novamente grávida,
dias. M queixava-se de um relacionamento difícil com P, ao
segundo mês de uma gravidez de risco, pois estava tendo
mesmo tempo que se culpava pela morte da criança, pois
hemorragias, tendo sido recomendado repouso, que ela não
teve hemorragias durante a gravidez e se recusou a fazer o
repouso recomendado pelo médico. O bebê nasceu com
uma infecção generalizada, contraído de M. O casal tem ou. o relacionamento com P havia melhorado, pois ele
tros dois filhos: Fo (3) e Fa (2). Nas três vezes em que engra- lhe havia assegurado ter rompido o relacionamento extra-
vídou, M estava evítaridr, filhos, ou com pílula anticoncep- conjugal. M havia se ressentido muito com o comportamen-
cional ou com DIU e particulannente essa última gravidez to de P, por ocasião do parto e da morte do filho. P esteve
não foi desejada. M diz que nos cinco anos em que está ca- ausente, não tendo dado a ela o apoio emocional de que ne-
sada, praticamente passou todo esse tempo grávida. Nunca cessitava. P tem um restaurante, o que o obriga a ficar fora
teve confiança em P, com quem não queria ter se casado, de casa até de madrugada; quando chega em casa, M e os
era noiva de outro rapaz e, ao descobrir que ele tinha uma filhos estão dormindo, de modo que os contatos com ele são
namorada, rompeu o noivado e casou-se com P. Este teve restritos. M passa o dia com sua mãe, na loja de leilões des-
um relacionamento extraconjugal durante a última gravidez ta, levando os filhos consigo, porque os considera muito di-
de M e deixou que ela percebesse.
fíceis para que possa cuidar deles sozinha.
M considera-se muito insegura, nervosa, agitada, Considerando-se os fatos deste luto, é necessário le-
sempre foi assim. Os pais se separaram quando ela tinha var em conta os seguintes aspectos:
entre quatro e cinco anos, indo morar com a avó materna,
que faleceu quando M tinha onze anos. Depois disso, M a) tipo de morte: filho recém-nascido, com impacto
acha que começaram os problemas, voltou a morar com a muito maior em M, porém atingindo todo o sistema;
mãe, com quem tem um relacionamento difícil, por serem b) padrões familiares de uniáo: fragilidade, sem re-
ambas muito autoritárias. Dá-se bem com o Pai, com quem lação de confiança entre o casal;
A psicoterapia em s~tuaçõesde perdas e luto 141
140 Maria Helena P.F. Bromberg
c) flexibilidade do sistema: talvez fosse mais ade- 1) contexto soci.opolítico e histórico da morte: sem
quado falar flacídez, pois não há clareza ou consistência significado.
quanto a este aspecto, é mais um sistema sem contornos;
d) comunicação, mitos e tabus sobre a morte: para Diante deste caso, uma questão fundamental foi co-
M pela culpa que a situação lhe causou, começou a se criar locada: seria possível circunscrever a terapia à elaboração
do luto, se o funcionamento familiar já vinha sendo tão
o mito de que a morte é uma punição pelo descuido; os fi"
ameaçado por soluções mal-empregadas? Era um casamen-
lhos foram informados da morte com uma história; "O bebê
to. segundo M. que não deveria ter acontecido porque ela
veio e foi embora, agora ele é uma estrelínha no céu"; esta
casou-se com P "por birra", quando queria mesmo casar-se
gravidez, em seguida à morte, pode trazer o risco de trans-
com um ex-namorado, de quem havia se separado por des-
formar o bebê que nascer em um herói, mítífícando sua
cobrir que tinha outra namorada. Na ocasião da terapia, ele
identidade;
vivia uma situação semelhante com o marido. A infidelidade
e) recursos sociais e econômicos: o restaurante de de P, durante a terceira gravidez índesejada de M, sinaliza
P é a única fonte de renda básica para a família, embora M . um ponto a ser mais bem entendido: o quanto essa é uma
receba suporte informal de sua mãe para, por exemplo, pa- organização familiar que o exclui, nas três vezes, ou não
gar assistência médica e as despesas do parte; permite que sua participação seja aceita na solução de pro-
f) papel do morto no sistema familiar: o bebê nas- blemas, o que o leva a se refugiar em uma relaçáo talvez
ceu de uma gravidez não desejada, uma vez que o relacio- idealizada. Mesmo assim. é surpreendente a fertilidade do
namento conjugal estava com problemas; não fica claro se casal que. embora usando meios razoavelmente seguros de
M chegou a atribuir a ele o papel de unífícador do casal; contracepção, engravida quatro vezes em cinco anos, ou tal-
vez. mais do que uma questão de fertilidade. seja de amb
gl relações familiares por ocasião da morte: comojá
í-
lia não se compatíbíltzou com o horário disponível da sala implicava a tentativa de substituição do bebê morto que.
de observação. comodito. não seria saudável.
Apesar de terem sido feitas tão poucas sessões, o Ao mesmo tempo, o casamento estando abalado não
fato de a interrupção ter se dado para que M pudesse fazer ,..só não oferecia a M a segurança necessária para o enfrenta-
o repouso foi significativo quanto a um resultado possível: a -mento do risco como representava também uma ameaça.
percepção de sua ambívalêncía e a disponibilidade para fa- Com a recusa de P em participar, foi possível trabalhar ape-
zer o sacrtfícío (como considerado por ela) necessário para .nas aqueles aspectos com os quais M podia arcar: cuidados
não passar novamente pelo sofrimento de perder o bebê. . consigo própria, não-mistura de identidade entre os dois
Durante esse curto período, foi possível trabalhar a relação bebês, medidas práticas nos cuidados de Fo (3) e Fa (2).
que estava se estabelecendo, no sentido de fazer desse bebê Pelos contatos telefônicos mantidos posteriormente.
a reposição de Fo (11 dias), a partir do desejo, com freqüên- soube-se que M continuava em repouso. mesmo não tendo
cia encontrado em pais que perderam filhos, de dar a ele o mais hemorragias. Havia contratado uma babã para os fi-
mesmo nome. M começou a considerar um outro nome a lhos e aceitava melhor as ofertas de colaboração de P. Ficou
dar, interessada em conhecer os significados atribuídos aos claro, no entanto, que tão logo tivesse maior autonomia
nomes. após o nascimento do bebê, procuraria uma terapia, muito
Observando-se os filhos nas sessões, o que chamou provavelmente individual no início, pois pudera perceber o
mais a atenção foi a pouca disponibilidade de M para aten- quanto os conflitos atuais refletiam sérias dificuldades pes-
soais. O fato de buscar terapia individual devia-se muito
dê-Ias nos pedidos que faziam e também para cuidar deles
quando se expunham a situações de risco, corno subir no também a sentir-se incapaz de envolver P em questões que
espaldar e tentar ficar se segurando com uma só mão. Isso dissessem respeito a ambos.
jã é dífícíl para uma criança de três anos, mais ainda para
uma de dois e ambos fizeram isso sem que M sequer se le-
vantasse para se aproximar deles. De fato, encontrava-se
muito deprimida, quase apática, com extrema dificuldade
para se voltar para as necessidades dos filhos. 6. FAMÍLlAF
Não é possível afirmar sobre os futuros aconteci-
mentos, caso M continuasse com a terapia. Com o que foi
observado e trabalhado, fica a idéia de que não foi a terapia
É composta por M (41), Fa (14) e Fo (12). P faleceu
de uma família enlutada no sentido mais clássico, e sim,
em junho de 1991, de enfarto do miocárdio, após curto pe-
um trabalho preventivo para o bebê que ia nascer. Assim,
ríodo de sintomas (diagnosticados clinicamente como es-
ele poderia ter uma identidade desvinculada do irmão mor-
to, que o precedeu. Quanto a Fo (3) e Fa (2), a partir do co- tresse), durante realização de exames. M procurou a Clínica
nhecimento sobre a conceítuação de morte por crianças Psicológica "Ana Maria Poppovíc'' a conselho de amigos, em
abril de 1992, por sentir-se muito deprimida, com dificulda-
dessa idade, M foi orientada a falar com eles de uma manei-
des em superar o luto. P era contador em uma construtora.
ra mais simples: "R acabou, não tem mais R", sem associar
Mera dona-de-casa, os filhos estudavam em colégio parti-
com o bebê que poderia vir a nascer. Era, sem dúvida, uma
situação delicada, pois essa nova gravidez, com a ambíva- cular, residiam em casa própria.
lência que seria naturalmente esperada, estava em risco. Foi feita uma entrevista de triagem com M. após a
acentuando a ambívalêncía crônica, por assim dizer, de M, qual, em outra entrevista, foi-lhe feita a sugestão de terapia
quanto a ter filhos. O motivo que a levava a tomar os cuida- familiar facada no lut.o, dentro desta pesquisa. Na segunda
dos necessários para chegar com a graVidez a bom termo entrevista, foram levantados os pontos de avaliação.
144
Maria Helena F.F. Bromberg A psicoterapio: em sih.w.ções de perda..<; e luto 145
A morte de P havia sido repentina, em casa, na pre- apresentaram notas baixas nos meses que se seguiram á
ção na empresa, os filhos entravam na adolescência sem,", nossa cultura, tende a reproduzir o papel masculino que
problemas significativos e M via-se diante do impasse de:'i :! absorveu de P (o que de fato estava ocorrendo), mas M, em
obter sua autonomia e diferenciação de volta, de acordo;}' sua luta por uma nova identidade, está no caminho de po-
com seu potencial - via atividade profissional - ou contí-" der ajudá-Io a se tornar um homem mais seguro, que não
nuar sendo o elemento complementar de P.. Este era um' precisa de autoritarismo para garantir sua posição.
ponto de atrito na relação, o que toma compreensível a am-, Até em outros pontos de identificação com P. ao me-
bívalê ncía de M para P. Este não aceitava ajuda, nem admí-. nos no piano da mitologia familiar ("O gênio dele é 'triste'.
tia ser objeto de preocupação; o sentimento de competência' como o de P"), M chegou a poder perceber que há mais van-
\ de M, tendo sido abafado ao longo dos anos, não podia ser tagens em se relacionar com Fo no que ele difere de P. Isso
usado quando necessário, como de fato não foi, na círcuns- apenas foi possível para M, no entanto, quando ela perce-
tãncía dos exames e da morte, porque M estava convencída-i beu que não só lhe era permitido ter raiva de P por tê-Ia
da competência exclusiva de P. Após a morte, quando voltar "poupado" (palavra que muito a irritava, pois traduzia clara-
a trabalhar não é mais uma escolha, e sim uma imposiçãO,~; mente o duplo vinculo entre ambos) como também era ne-
da situação, M permite - somente com o suporte da terapiá}, cessária essa permissão para que pudesse se perdoar pelo
- o desenvolvimento dessa potencíalídade e o surgirnento T que considerava suas omissões no momento da morte: "seu
do outro lado da relação ambívalente, o ressentimento. eu tivesse ido ao médico", "se eu tivesse percebido a gravi-
Sem dúvida, esse foi um período muito angustíante.: dade" e outras de igual teor.
que se refletiu na relação com os filhos, no âmbito doméstí-. Qua.'ldo M percebe que seu luto é diferente daquele
co e na atitude de M ao írnpedí-Ios - contraditoriamente ao vivenciado pelos filhos, porque cada um perdeu uma pessoa
que parecia - de ir às sessões terapêuticas. M tentava pre- diferente, embora fosse o mesmo P, ela pode desobrigá-Ios
servá-los dessa ambívalêncía, como se pudesse contaminá- de entrar em sua cronicidade, assim liberando-os para se-
los. Isso explica a razão das faltas dos filhos e de sua alega-
guir seu curso natural.
ção de que não precisavam de terapia. O papel de "enlutada
Um aspecto extremamente positivo foi a vinculação
da família" foi mesmo por todos atribuído a M. Esta,
de M ao emprego, o que lhe permitiu desenvolver novos inte-
seu lado. conquistava o espaço necessário para as repara-
resses, buscar conhecimentos que preenchessem as lacunas
ções e reformulações possíveis. Fa e Fo abrtgavarn-se da
de informação que percebeu ter, sem se lamentar ou se re-
dor, ao mesmo tempo que, saudavelmente, iam se colccan-
criminar por isso. Sua vida social intensificou-se a partir da
do no caminho de adolescentes, passando a exigir de M que
assumisse o papel de "autoridade da família", Foram, dessa profissional, o que também repercutiu no ãmbito familiar,
forma. co-terapeutas de M, mesmo fora das sessões. pois fez com que os filhos a vissem corno urna pessoa/mu-
lher e não apenas como a mãe que deveria estar em casa
Este paradoxo era trabalhado na terapia por meio
para servi-Ias. lünda que de forma incipiente, M começou a
da minha posição como terapeuta pois, ao mesmo tempo ..
mostrar desejo de ser bem-vista por pessoas de sexo mascu-
que insistia na presença de Fo e Fa, não deixava de envol-
lino. Sua apresentaçãO pessoal mudou muito durante o pro-
ver M nas questões de aceitação da perda e refonnulação da
cesso terapêuÜco: iniciou com roupas extremamente só-
nova realidade, consigo e com os filhos.
brias, até que no final apresentava-se com roupas leves. em
O envolvírnento de Fo com atividades esportivas e cores claras, mostrando um evidente cuidado com esse as-
sua possibilidade de ser bem-sucedido e colaborador com a pecto e, numa outra visão. a libertação da imagem de viúva.
equipe significaram uma derivação importante para a ques-
Quanto ao uso de rituais, houve uma tentativa ini-
tão de limites, regras, autoridade. Do ponto de vista afetívo,
cial, mat'cando a celebração da data do primeiro aniversário
muito provavelmente fará bom uso desse tipo de suporte so-
cial. Corno é próprio de adolescentes do sexo masculino na da morte de P. Foi proposto um ritual de despedida, por
148 Maria Helena F.F. Bromberg
- Família A: esposa/mãe, após longo período de marcas muito mais fortes quanto à questão do medo da
doença, com filhos pequenos.
morte, o que faz supor uma não-explícítaçáo das condições
- Família B: marido/pai, morte repentina e violen- de manutenção do sistema, após a transformação sofrida
ta, com filhos pequenos. com a morte da mãe, possibilitando o aparecimento do mito
- Família C: mãe, após período muito curto de que subjaz ao medo da morte (o que, por sua vez, mantém
doença não esclarecida, com filho pequeno, que sofreu ou- inalterado o sistema resultante). A família é composta por
tras perdas. um núcleo central (Avó,Fo (14), duas tias, primo), ampliado
nas famílias das outras tias que, embora casadas, vivem
Família D: aborto e natimorto, desconhecidos pe- próximas desse núcleo e sobre ele exercem influência.
los outros filhos.
- Família E: filho recém-nascido, simultâneo à
ameaça de rompimento do casamento. 1.2. Conexão entre queixa e necessidade de atendimentoJa-
miiiar
- Família F: marido/pai, morte repentina, com fí-
lhos adolescentes.
Das famílias estudadas neste trabalho, apenas a E e
Para facilitar a análise dos dados, eles foram dívídí- a F (por intermédio das respectivas mães) procuraram ajuda
dos nos tópicos a seguir: psicológica diante de urna experiência de luto e, ainda as-
sim, a partir de sintoma normalmente entendido como per-
tencente ao âmbito das reações diante de perda - a depres-
I. 1. Tempo decorrido entre a morte e o início da terapia são - e no ámbíto individual. É possível concluir que tam-
bém no pensamento leigo não existe a associação entre os
Entre as seis famílias, apenas a E e a F foram aten- distúrbios mencionados e o luto. A vínculação dessa expe-
didas com um intervalo inferior a cinco anos entre a morte riência com o impacto familiar está ainda mais distante; é
e o início da terapia. Nas famílias B e D, o intervalo havia sempre vista como a experiência que atinge mais, ou até ex-
sido de aproximadamente cinco anos, enquanto para as clusívarnente, aquele membro que apresenta sinais mais
famílias A e C, o intervalo foi maior, sete e onze anos, res- evidentes de sofrimento, ainda dentro da visão restrita dos
pectivamente. Não foi possível concluir que o intervalo teve sintomas: chora mais, apresenta reações genéricas de de-
influência nos resultados, mas urna diferença se fez sentir, pressão, sempre contidas no ámbíto afetivo.
no que se refere ao tipo de funcionamento da família, Por essas razões, concluí que é extremamente ím-
quanto flexibilidade a mudanças ao longo do tempo. Em
ã
guiu fazer no decorrer do atendimento. Inicialmente, trouxe ,'camente com ele. Por volta da quinta sessão, não mais falou
a queixa de dificuldades com uma abrangencta quase que'
exclusivamente afetivo-emocional. ." >a respeito disso. A auto-estima rebaixada por causa da rela-
ção estabelecida com P, que abafou sua potencíalidade, foi
Nas famílias A, B, C e D, que não buscaram ajuda rs
revista, fazendo com que percebesse melhor seus limites e
associando o sintoma com a perda, muito do trabalho tera-" potencialidades e fosse em busca de soluções para as con-
pêutíco foi feito nesse sentido, para obter o envolvímento de :
:'dições que não lhe eram favoráveis, notadamente no campo
todos e "traduzir" o sintoma nessa nova forma de compreen-
profissional. O reflexo no ãmbito relacíonal fez com que Fa e
dê-lo. Na família B, embora o encaminhamento inicial tíves-
iFo tivessem que mudar a maneira de se relacionar com ela,
se sido feito pela fonoaudióloga que atendia Fo (5), que en-
tendeu o problema de forma sistêmica, M teve muita dificu!'. >conseqüentemente, provocando mudanças no caráter geral
dade em aceitar a proposta. Na família D, principalmente, .da relação familiar.
devido ao grande segredo que cercava a morte dos dois be-" Na família B. embora a queixa principal fosse a dífí-
bês, M elegeu Fa(lO) como paciente identificado e, também " iculdade de Fo (5) na aquisição da fala, havia também a
neste caso, foi necessário um grande CUidadopara sensíbtlí-. queixa de deterioração cognitiva de Fo (9). com grande difi-
zá-Ia e envolver os demais membros da família. culdade de aprendizagem. Como este atendimento foi inter-
A questão do "paciente identificado", se em outras' rompido após a quinta sessão, não foi possível dar prosse-
formas de disfuncionamento familiar, já é de díficíl aborda- guimento ao trabalho sobre esses pontos.
gem, porém fundamental para a definição do campo de tra- > No caso da família C. a mudança fundamental se
balho terapêutica, no caso do luto familiar traz um complí- , ' . deu quanto às atitudes de Fo (14) em relação a si e ao am-
cador adicional, que é exatamente o que vem sendo aqui" biente. assim que a família se dispôs a lhe contar o que sa-
apontado: a dificuldade em entender o luto no âmbito rela- '
. bia sobre as condições da morte de M. Este momento foi um
cional e sob as diversas faces com que se apresenta.
"divisar de águas", pois significou a destruição do m:ito que
mantinha o sistema imune ás transformações e permitiu
também a abertura do campo para a realização do ritual.
1.3. Resultados obtidos quanto a mudanças nos sintomas
com importantes efeitos terapêuticas.
Na família D. ficou muito claro o impacto relacional
Os resultados mostraram-se mais positivos quanto
aos ãmbitos afetívo, comportamental e das atitudes em rela- quando a queixa (dificuldades de relacionamento entre M e
ção ao morto e ao ambiente. Nas seis famílias, não houve Fa) foram trabalhadas. O segredo desvendado permitiu que,
queixa somática trazida como prioritária, embora na família em lugar do que não era sabido, se desse a comunicação,
A e na F, respectivamente, P e M tenham falado a respeito atingindo não apenas M e Fa, como os outros filhos e, em-
de dificuldades no sono e na digestão. bora em menor escala, também P.
Na família F, M refere-se à sensível diminuição na Quanto ã família E, embora também tenha ocorrido
freqüência com que se sentia triste, com medo de não interrupção no atendimento, esta pode ser entendida sob um
agüentar a ausência, "desesperada", em suas palavras. ângulo positivo, uma vez que significou, por parte de M, a
Também quanto a culpa e raiva, passada a fase crítica em aceitação da morte de Fo (11 dias) e a inadequação da tentati-
que esses sentimentos se tornaram agudo, ela pode contex- va de substituí-Ia pelo outro bebê que esperava. Cuidar de si e
tualízá-los, o que fez com que passasse a buscar situações se aceitar como alguém que precisava de cuidados foram os
de prazer no contato com outras pessoas. No início da tera- pontos mais importantes para M reconhecer para si e para o
pia, ainda apresentava comportamento de procura de P, que sistema. As soluções por ela adotadas mostram esse reconhe-
via com freqüência em homens que se assemelhassem físi- cimento.
155
A psicoterap[a em situações de perdas e Luto
154 Maria Helena F.F. Bromberg
culturais, mas deve estar totalmente fundamentado nessas - demarcação: entrada e saída da fase de entorpeci-
diferenças e especificidades.
mento; estabelecimento dos contornos da situação de perda.
Nas famílias estudadas no presente trabalho, os ri- - externalização: sucedem-se as fases de anseio-
tuais utilizados tiveram, na maioria, um enquadramento re- protesto e desespero. É um momento muito delicado, pelo
ligioso quanto ao formato que a família lhes deu (enterro que provoca em uma situação familiar que muitas vezes po-
simbóHco para a família D e celebração de missa de despe-
dia parecer equilibrada.
dida para as famílias C e F), o que não é surpreendente, se
for levada em conta a força que a religião e as crenças reli" - reorganização: é a fase final, na qual ocorrem re-
gíosas exercem, quando se trata de situar a morte no árnbí- cuperação e restituição, ou seja: o sistema encontra um
to comportamental. A família A teve, porém, um ritual de modo de funcionamento que reconhece as perdas e identifi-
cunho não religioso (fazer um álbum de fotografias com as ca novas possibilidades.
lembranças de M), pois o ponto a ser trabalhado dizia res-
O papel do terapeuta é, então, permitir que esse per-
peito à rigidez do sistema em lidar com as memórias, sem
curso se dê, auxiliando o sistema familiar a identificar seus
poder dar a elas o lugar devido, para também situá-Ias num
tempo devido, retirando-as do presente. recursos. Concluí que esse papel requer verdadeiramente a
atitude de "delicada firmeza" sugerída por COOKLIN(990),
Em resumo, concluí que a utilização de rituais para
mas vai além, abrangendo um ponto que não foi explorado
a terapia do luto familiar exige critérios rigorosos, para eVi-
na literatura: as vívêncías de luto do terapeuta ao trabalhar
tar efeitos contrários aos desejados. Em particular no caso
os lutos da família e ao dela se separar, quando o atendi-
de famílias já super-ritualizadas antes da morte e que in-
mento é considerado encerrado ou quando é interrompido.
tensificaram essa característica até que entrassem em tera-
pia, o trabalho deve objetívar o contrário: tornar flexível o A interrupção da terapia, como no caso da família B,
sistema, neutralizando o recurso dos rituais que obstaculi- pode provocar no terapeuta uma reação semelhante à pro-
zam a transformação. vocada por uma morte repentina: grande dificuldade de
aceitação e de adaptação à nova realidade. Especificamente
no exemplo citado, as tentativas de contato e reínícío do
1.6. Atuação do psicoterapeuta processo talvez tenham ido além do adequado, diante das
necessidades da família. Ajustificativa está na minha tenta-
Os três momentos que marcam a psicoterapia do tiva - no papel de terapeuta - de negar a interrupção, ou
luto familiar - demarcação, externalização e reorganização seja, a morte.
- puderam ser identificados nas famílias A, C, De F. Na fa- Uma conclusão a que cheguei é que, qualquer que
mília B, a interrupção se deu exatamente na entrada na seja a condição de luto num dado sistema familiar, o terapeu-
fase de extemalização, quando M não suportou evidências ta é participante desse sistema e, conseqüentemente, sofre as
de sua ambivalência em relação à morte de P. Na família E, ressonâncias a partir dele. Além disso, tem seus lutos pes-
quando M decide fazer o repouso recomendado, para não soais que servirão de indicadores a respeito do grau de parti-
perder mais aquele filho, estava também entrando na fase cipação que poderá ter com cada sistema familiar, em suas
de externalização. peculiaridades. Não se trata de dar ao terapeuta a possibilida-
Esse movimento, como verifiquei, não se dá auto- de de ser auto-referente e sim, de respeitar nele as experten-
maticamente, embora tenha notado uma tendência nesse cias que lhe permitiram amadurecer e se desenvolver como
sentido, por parte das famílias estudadas. É possivel afir- pessoa e profissional.
mar que essa tendência repete o padrão das fases de elabo- Assim sendo. a atuação do terapeuta deve se pautar
ração do luto, assim entendidas:
pelo domínio da técnica, reconhecimento de sua participação
158
Maria Helena P.F. Bromberg,\ " psicoterapia em situações de perdas e luto 159
5. CONCLUSÕES FINAIS
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