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Luto

Maria Cristina Canavarro


Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Universidade de Coimbra

Intervenção em Situações Traumáticas


Luto: tópicos temáticos

1. Características e processo do “luto normal”

2. Questões diagnósticas: As propostas de DSM IV (APA), 1994), Bowlby


(1980), Horowitz et al. (1997), Jacobs et al. (2000)

3. Modelos teóricos: o conceito de “trabalho de luto”;


3.1. modelos de acordo com estádios (ref a Elizabeth Kubler-Ross;
1969; John Bowlby; 1980)
3.2. modelos de stress e coping (Modelo do processo dual (Stroebe e
Shut, 1999)
3.3. (luto traumático e) modelos de processamento de informação
(Horowitz, 1986)

4. Tópicos polémicos
Perda e Luto

Quando pensamos em perda pensamos na perda, por morte,


das pessoas de quem gostamos. Mas a perda é um tema bem mais presente
na nossa vida. Não perdemos apenas através da morte,
mas também partindo e vendo outros partir, quando mudamos e quando nos
deixamos ficar. As nossas perdas incluem não apenas
as nossas separações e partidas para longe daqueles de quem gostamos, mas
as nossas... perdas de sonhos, expectativas impossíveis, ilusões de
liberdade e poder, ilusões de segurança - e a perda do nosso próprio self da infância.
(Viorst, 1986, p.2)

Perda … ocorrência indesejada, implicando privação de alguém ou algo, exigindo


adaptação…
Perda e Luto

As diversas designações associadas à perda e ao luto:

- Bereavement // Perda de alguém+ Processo de Luto: Inclui a situação e o


processo de adaptação à perda de alguém significativo.

- Grief//Componente emocional do processo de luto; estado de dor e


sofrimento): Respostas emocionais que caracterizam as fazes de processo
de luto

- Mourning//luto: Padrões de comportamento e expressão emocional


culturalmente aceitáveis durante o processo de luto.
Perda e Luto

Processo de Luto

 Processo psicológico pelo qual a tristeza experimentada por perdas


significativas é elaborada.

“O trabalho do luto inclui uma série de reacções tendentes à


aceitação da perda e posterior readaptação do Eu à nova
realidade.”
Perda e Luto

O redemoinho do processo de luto (R. Wilson, 1993)

A perda (queda de água) como interrupção do curso esperado ou desejado


da vida (o rio), a que se segue habitualmente desorganização emocional,
comportamental, social, traduzidos em choque, raiva, apatia, culpa ou
ansiedade, dificuldade em manter rotinas e cumprir tarefas, isolamento…
(o redemoinho).
É possível ser-se atirado contra as rochas (dor, sintomas físicos e
emocionais), ou ficar retido nas margens (esgotamento, processos de luto
atípicos, complicados).
São necessárias estratégias para fazer o luto, aceitando a realidade da
ausência, promover a adaptação … Este processo pode permitir a
reorganização (o rio que segue o seu curso)…
Questões diagnosticas

Maria Cristina Canavarro


Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Universidade de Coimbra

Intervenção em Situações Traumáticas


Luto e luto patológico

Luto “normal” Luto “patológico”

“Processo de luto”

PROCESSO cognitivo de confrontação com a perda, de lidar


com os acontecimentos anteriores e na altura da morte e
de focar-se nas memórias do falecido, de forma a
reorganizar o vínculo relacional
Luto e luto patológico

“ O tempo cura as feridas”


(provérbio popular)

- Perigo pela passividade do sujeito implícita no processo

- Alerta para a necessidade de tempo para que o processo de luto decorra (é o


que acontece durante esse tempo que deve ser alvo de atenção…)
Luto normal e luto patológico

Formas atípicas do Luto (Bowlby, 1980)

“ausência prolongada luto “luto crónico”


de luto consciente”
Luto patológico: questões diagnósticas

De acordo com o DSM- IV (APA, 1994): LUTO


 Considerar o diagnóstico de Distúrbio Depressivo Major se persistirem sintomas
depressivos 2 meses após a perda.

 Sintomas que justificam o diagnóstico de “luto patológico” (Bereavement), não


presentes numa reacção “normal” de luto (grief):

1. Sentimentos de culpa relacionados com outras coisas para além do que fez ou não
fez na altura da morte do ente querido.

2. Pensamentos acerca da morte para além de pensar que era melhor ter sido ele(a)
a morrer ou que devia ter morrido juntamente com o(a) falecido(a).

3. Preocupação mórbida acerca da sua inutilidade e menos-valia.

4. Acentuada lentificação psicomotora.

5. Dano funcional acentuado e duradoiro.

6. Experiências alucinatórias, para além do pensar que vê a voz ou uma breve


imagem da pessoa falecida.
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Complicado (Horowitz, Siegel, Holen, 1997)

A. Critério relacionado com o acontecimento/resposta prolongada


Luto (por perda de cônjuge, outro familiar ou amigo íntimo) há pelo menos 14
meses (evita-se os 12 meses devido a possível reacção turbulenta no primeiro
aniversário da morte).
B. Critérios relacionados com sinais e sintomas
 Sintomas intrusivos
1. Memórias espontâneas ou fantasias intrusivas relacionadas com a
relação perdida
2. Fortes períodos de intensa emoção relacionada com a relação perdida
3. Anseios ou desejos fortes e perturbadores de que o(a) falecido(a)
esteja presente
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Complicado (Horowitz, Siegel, Holen, 1997)

B. Critérios relacionados com sinais e sintomas (Continuação)

 Sinais de evitamento e dificuldades de adaptação

4. Sentimentos de intensa solidão ou de vazio

5. Afastamento excessivo das pessoas, locais ou actividades que


recordam o tema do falecimento

6. Níveis pouco habituais de interferência no sono

7. Perda de interesse pelas actividades profissionais, sociais,


recreativas ou por tomar conta de terceiros, num grau que é
desadaptativo.
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Traumático (Jacobs, Mazure & Prigerson, 2000)

Critério A
1. O indivíduo experienciou a morte de um outro significativo.
2. A resposta envolve uma preocupação intrusiva e geradora de mal-estar com a pessoa
falecida (e.g., saudades, desejo ou procura).
Critério B
Em resposta à morte, um ou mais dos seguintes sintomas são evidentes e persistentes:
1. Esforços frequentes para evitar lembrar-se do falecido (e.g., evita pensamentos,
sentimentos, actividades, pessoas, lugares)
2. Sentimentos de inutilidade ou de futilidade acerca do futuro
3. Sensação subjectiva de turpor, desligamento ou ausência de reverberação emocional
4. O indivíduo sente-se atordoado, confuso ou chocado
5. Dificuldade em aceitar a morte (e.g., não acredita no sucedido)
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Traumático (Jacobs, Mazure & Prigerson, 2000)

Critério B (continuação)
6. Sentimento de que a vida é vazia ou sem sentido
7. Dificuldade em imaginar uma vida preenchida sem o falecido
8. Sentimento de que morreu uma parte de si
9. Visão do mundo alterada (e.g., perde sentido de segurança, confiança ou controlo)
10. Assume sintomas ou comportamentos prejudiciais da (ou relacionados com a) pessoa
falecida
11. Excesso de irritabilidade, amargura ou raiva relacionadas com a morte
Critério C
A duração do distúrbio (sintomas listados) é de pelo menos dois meses
Critério D
Distúrbio causa dano clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou
noutras áreas importantes.
Interacção entre luto e resposta a situações traumáticas

Experiência TRAUMA LUTO Perda


Traumática

Reexperiência Desrealização
Reexperiência
• pesadelos
• “flash-backs”
INTERACÇÃO • sonhos
• “flash-backs”
(pode intensificar os
sintomas intersectados)
Reacções somáticas
Reacções somáticas Os aspectos traumáticos
podem esconder ou Diminuição do interesse
complicar o processo de
luto) Perturbações do sono
Evitamento
Dificuldades de
Activação concentração
Hipervigilância
Irritabilidade/Raiva
Adaptado de
R. O. Nader (1997)
Luto patológico: diferenças individuais

1.
 Impacto do acontecimento (traumático ou inesperado vs não
traumático ou esperado)

2. de relação com o falecido


 Tipo

3.
 Forma como decorrem os rituais associados à morte

4.
 Factores de personalidade
Modelos compreensivos
Características e processo do “luto normal”

Modelos principais

• Baseados em estádios e tarefas:


- Elizabeth Kubler-Ross (1969)
- John Bowlby (1980)

• Baseados nas teorias de stress e coping


- Stroebe & Shut (1999)

. (luto traumático e ) Modelos baseados no processamento de informação –


Horowitz (1986)
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Elizabeth Kubler-Ross (1969)

Processo de luto

Fase 1: Negação

Fase 2: Revolta

Fase 3: (Se se trata da sua própria morte)


“Negociação” (existencial; religiosa)

Fase 4: Depressão e sensação de perda

Fase 5: Aceitação
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Caracterização dos estádios do Luto (Bowlby, 1980)

Designação Caracterização

1º) Fase de Protesto Fase dominada pela preocupação permanente com


a pessoa perdida e com a tentativa de conseguir o
seu regresso. Emoções características: ansiedade,
revolta e medo.

2º) Fase de Desespero e Fase resultante da constatação da ineficácia do


Desorganização protesto para trazer de volta a figura de vinculação.
Emoções características: desespero, tristeza e
solidão.

3º) Fase de Desvinculação Fase que marca uma aparente recuperação e gradual
interesse em actividades sociais e outras.
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Caracterização dos estádios do Luto (Bowlby, 1980)


1º) Fase de Choque e Fase caracterizada pela falha no registo da perda da
Negação figura de vinculação.

2º) Fase de Protesto Fase dominada pela preocupação permanente com


a pessoa perdida e com a tentativa de conseguir o
seu regresso. Emoções características: ansiedade,
revolta e medo.

3º) Fase de Desespero e Fase resultante da constatação da ineficácia do


Desorganização protesto para trazer de volta a figura de vinculação.
Emoções características: desespero, tristeza e
solidão.

4º) Fase de Reorganização Fase que marca uma aparente recuperação e gradual
interesse em actividades sociais e outras.
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Crí
Críticas à concepç
concepção do luto como uma progressão de fases (de acordo com
Lund,
Lund, 1996):

1 O processo de luto ocorre habitualmente de uma forma mais


desordenada, sem a uniformidade aparente nos modelos

2 Fraca evidência empírica sobre a necessidade da sua ocorrência


para a adaptação

3 Dificuldade de aplicação nalguns contextos culturais


Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Pontos-
Pontos-fortes da concepç
concepção do luto como uma progressão de fases (de acordo
com Lund,
Lund, 1996):

1 Suporte empírico sobre as emoções identificadas nos modelos

2 Contributo à identificação de “partes” de um processo


complexo.

3 Sublinham a importância do papel activo da pessoa no processo de


luto
Luto : Modelos compreensivos
Modelos baseados nas teorias de stress e coping

STRESS…
Processo dinâmico de transacções mútuas entre os diferentes ambientes de
vida (familiar, profissional, social...) da pessoa, em que se verifica uma
discrepância entre as exigências percebidas e as competências que julga
possuir para as enfrentar.

O stress define-se
na interacção
entre a pessoa e os seus contextos de vida.
Luto : Modelos compreensivos
Modelos baseados nas teorias de stress e coping

•Acontecimentos traumáticos Se no processo de avaliação uma ocorrência é


•Acontecimentos significativos da vida
considerada importante para o indivíduo e lhe cria um
•Situações crónicas
grau de exigência superior aos seus recursos e aptidões
•Micro indutores
então entra em stress
•Macro indutores

•Acontecimentos desejados que não ocorreram


Apoio Social

•Traumatismos decorridos no estádio de

desenvolvimento Respostas evocadas pelo stress

(Mantém) Biológica Cognitiva


Comportamental Emocional

Inadequadas Focadas no Problema


Estratégias
Adequadas Focadas na Interacção Social
de coping

Resolução do Stress Focadas na Emoção

UM MODELO COMPREENSIVO DE STRESS (A. Vaz Serra, 1999)


Luto : Modelos compreensivos
Modelos baseados nas teorias de stress e coping

Modelo do processo dual de coping com o luto (Stroebe


(Stroebe & Shut,
Shut, 1999)

Acontecimentos Acontecimentos/perdas
indutores de Perda Oscilação
confronto/evitamento associados à perda nuclear
stress ligados ao
luto

Coping focado Coping focado na restauração


Estratégias na perda Oscilação (emocional; instrumental)
cognitivas de (emocional)
coping
(Luto traumático e ) Modelos com base no Processamento de
Informação

Modelo com base no Processamento de Informação (Horowitz, 1979) Fases


(adaptado de Joseph, p.74):

Fases Estados comuns durante cada fase de resposta

Acontecimento Protesto Estado com elevada activação, emoção e acção

Negação Baixa activação e emoção, à medida que algumas memórias ou


implicações ideacionais da perda são evitadas

Intrusão Ocorrência de imagens e ideias intrusivas acompanhadas de


súbitos sentimentos intensos

A oscilação ocorre entre estados como os das fases de negação e


“Trabalhar intrusão, com uma gradual redução no grau de evitamento e
através de” sentimento de recordação involuntária

Finalização A pessoa retorna a estados semelhantes aos que eram


experienciados antes da perda
(Luto traumático e) Modelos com base no Processamento de
Informação

(A) Modelo com base no Processamento de Informação (Horowitz, 1979, 1986)

Perda Traumática Resposta de perturbação:


(até o processo de adaptação se completar)
“Memória Activa”
EVITAMENTOS para manter a informação fora
da consciência (processo de controlo)
Resposta adaptativa: oscila
Incorporação da perda nos Representações INTRUSIVAS do
esquemas pré-existentes acontecimento (processo de integração)
ou
Desenvolvimento de novos
esquemas
Luto normal e luto patológico

Tópicos polé
polémicos:

1 Alguma vez se pode RESOLVER uma perda major ?

A desvinculação à figura perdida é necessária para que as


2 pessoas recuperem o seu anterior funcionamento ?

A resposta à perda toma sempre a forma de uma progressão de


3 estádios ?

O trabalho de luto consciente é necessário para que as pessoas


4 recuperem o seu anterior funcionamento ?

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