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ÉTICA NA SAÚDE

autora
ANA CLAUDIA ROSIN BONIFÁCIO

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  sergio augusto cabral; roberto paes; gladis linhares

Autora do original  ana claudia rosin bonifácio

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  michel shpielman

Imagem de capa  ginasanders | dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

R821e Rosin, Ana Claudia


Ética na saúde / Ana Claudia Rosin.
Rio de Janeiro: SESES, 2015.
120 p: il.

isbn: 978-85-5548-109-3

1.Bioética. 2. Ética. I. SESES. II. Estácio.

cdd 174.2

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Ética e Filosofia: Dimensões Éticas em Bioética 9


1.1  Um histórico da ética: o domínio ético como disciplina
filosófica especial no quadro do Ocidente 11
1.1.1  Ética grega 11
1.1.2  Ética Cristã 15
1.1.3  Ética moderna 16
1.1.4  Ética contemporânea 18
1.2  O conceito de ética e seus aspectos distintos: 20
1.3  Dimensões éticas em bioética: metaética;
Ética normativa e ética prática. 26

2. Movimento Bioético: Surgimento e


Discussões Atuais 31

2.1  A história da bioética e seus princípios 33


2.2  Conceito de bioética 38
2.3  Contexto cultural da bioética 40
2.3.1 Individualismo 42
2.3.2 Hedonismo 43
2.3.3 Utilitarismo 43
2.4  Paradigmas da bioética 44
2.4.1  A bioética secular 44
2.4.1.1  O ponto de partida 45
2.4.1.2  O pluralismo ético 45
2.4.1.3  Ética procedimental, mínima e secular 46
2.4.2  A bioética confessional 47
2.4.2.1  O personalismo 48
2.4.2.1.1  Lei natural, normas e valores 49
2.4.2.1.2  Princípios derivados: a metabioéica 49
2.4.2.2  A antropologia personalista 50
2.4.3  O principialismo: autonomia, beneficência e justiça 52
2.4.4  Ética e bioética fenomenológica 53

3. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de


Pesquisas Envolvendo Seres Humanos –
um estudo comentado 57

3.1  Diretrizes e Normas para a


Pesquisa Envolvendo Seres Humanos-Resolução Nº 466/2012. 59
3.2  Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos 63

4. Movimento Bioético: Discussões Atuais e


Possiblidades Futuras 67

4.1  Ética, Bioética e construção de conhecimento 69


4.1.1  Avaliação de riscos e benefícios nas pesquisas em seres humanos à
luz dos princípios éticos 70
4.1.2  Uso de animais em pesquisa biomédica 72
4.2  Transplante de órgãos e tecidos humanos 73
4.2.1  Transplante de órgãos humanos 73
4.2.2  Transplante de tecido fetal 75
4.2.3  Células tronco 77
4.3  Ética e reprodução humana 79
4.3.1  Reprodução assistida 80
4.3.2  Projeto Genoma Humano 82
4.3.3  Aspectos éticos na redução embrionária 84
4.3.4  Aconselhamento genético e engenharia genética 85
4.3.5  Aborto, planejamento familiar e aborto terapêutico 86
4.4  Ética e tanatologia 88
4.4.1 Eutanásia 88
4.4.2  Determinação da hora da morte 92
4.4.3  Paciente terminal 92
4.5  Ética e epidemias 94
4.5.1  AIDS e Epidemia de HIV 95
4.5.2  Outras epidemias 96

5. A Bioética e a Formação Ética dos


Profissionais de Saúde 101

5.1  Relação da equipe de saúde 103


5.2  Humanização da relação paciente/profissional de saúde 105
5.2.1  Direitos do paciente 106
5.2.2  Direitos de cuidados da saúde da criança 107
5.3  Atendimento a pacientes especiais 109
5.3.1  Direitos do deficiente mental 111
5.3.2  Atenção psiquiátrica 112
5.3.3  Maus tratos ao idoso 113
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

Se pensarmos um pouco, veremos como a palavra ética e seu conceito é apli-


cado em diversas áreas da nossa vida. Esse livro tem como objetivo fazer uma
reflexão sobre a ética na formação do profissional de saúde. E, além disso, com-
preender o conceito de ética no contexto da moral social contemporânea.
No capítulo I, traçaremos um histórico das ideias sobre a ética, no âmbi-
to do seu entendimento na disciplina como filosofia no mundo ocidental, em
seguida a conceituaremos como doutrina e observaremos seus aspectos dis-
tintos no cenário da multiculturalidade, no contexto da convivência humana e
na questão da responsabilidade, por fim, trataremos das dimensões éticas na
bioética.
No capítulo II, vamos abordar a parte filosófica e histórica da bioética, com
seus fundamentos, princípios e conceitos enquanto movimento social, desde
sua origem até os dias atuais. Abordaremos também o contexto cultural da bio-
ética e ao final da unidade falaremos de seus paradigmas.
Passaremos para o capítulo III, em que apresentaremos as Diretrizes e Nor-
mas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos - Resolução
466/96 – e as Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos.
No capítulo IV preparamos tópicos que abordam a ética e a bioética enquan-
to construção do conhecimento e faremos discussões atuais da bioética e sua
conclusão com possibilidades futuras.
Por fim, no capítulo V, relacionaremos a ética com a formação do profissio-
nal de saúde, no contexto com a equipe de saúde, na humanização de sua re-
lação com o paciente, de seus direitos e do atendimento a pacientes especiais.
Esperamos poder contribuir para o início de uma reflexão que nunca se fin-
da e para sua formação como profissional da saúde.

Bons estudos!

7
1
Ética e Filosofia:
Dimensões Éticas
em Bioética
Olá, iremos iniciar uma longa conversa sobre a formação ética do profissional
de saúde, nesse contexto vamos falar sobre as dimensões éticas em bioética,
que vem trazendo práticas e teorias que buscam interpretar os problemas le-
vantados pela biotecnociência e biomedicina. Dessa forma, iniciaremos con-
textualizando a história da ética e depois a conceituaremos e falaremos de
aspectos distintos.
Espero poder colaborar para sua formação!

OBJETIVOS
•  Compreender o histórico da ética desde os primórdios da antiguidade;
•  Refletir sobre o conceito da ética e seus aspectos distintos;
•  Abordagem da ética na bioética em seus conceitos de metaética, ética normativa e ética
prática.

10 • capítulo 1
1.1  Um histórico da ética: o domínio ético
como disciplina filosófica especial no quadro
do Ocidente
Ao iniciarmos os estudos, convido você a fazer uma reflexão de como se deu o
surgimento da ética? Desde quando será que as pessoas entenderam a necessi-
dade de se falar no assunto? Com quais influências vieram esses pensamentos?
Será que há fundamentos que nasceram há muito tempo e têm sido utilizados
até os dias atuais? Somente a partir dessas inquietações será possível iniciar o
movimento de pensar o papel da ética junto à prática de formação do profissio-
nal da saúde.
Penso que todos vocês, estudantes da área da saúde, já trazem em si uma
identidade ética, incorporado à maneira de agir e pensar, mas que não esta
aflorada enquanto profissionais de saúde, pela falta de necessidade até aqui.
Será que existe uma só ética? A ética tem variações de acordo com a sociedade
em que o indivíduo está centralizado? Vamos responder a essas questões nos
baseando em estudos e pesquisas? Vamos lá!

1.1.1  Ética grega

A história da ética vem ao longo do tempo, entrelaçada com a história da filoso-


fia, buscando fundamentos para regulação do desenvolvimento histórico-cul-
tural da humanidade. Vindo de muito tempo atrás, a partir de textos de Platão
e Aristóteles, no Ocidente, a ciência moral ou ética, se inicia com Sócrates, que
defendia que o conceito de ética se baseava no corpo que era a prisão da alma,
sendo assim imutável e eterna. Isso significava que existia “um bom em si” pró-
prios da alma, e que poderiam ser lembrado pelo aprendizado, ou seja, uma
bondade absoluta do homem que tem uma relação com a ética apriorística,
pertencente à alma e que para o corpo ser purificado este tem que a reconhecer.
(CAMPOS; GREIK; VALE, 2002) Assim, Sócrates impõe ao homem e na questão
do autoconhecimento, a melhor maneira de viver com sabedoria e encontrar a
felicidade.

capítulo 1 • 11
Para Demo (1992) quandose fala em criar na perspectiva dialética histórico-
cultural tem influência subjetiva:

Nunca se cria do nada, porque a história tem sempre antecedentes e consequentes,


mas na fase nova pode predominar o novo, ao que se dá o nome de revolução. Qualquer
dinâmica criativa não cria o léu, porque a realidade histórica é pelo menos regularmente
condicionada, ainda que não determinada. O próprio fato simples de que a ciência se
dirige ao geral, não ao individual – de indivíduo no est scientia – já denota que, se existe
conceito de revolução, é porque nesse fenômeno há estruturas que se repetem, ao lado
da criação histórica. (DEMO, 1992, p.31).

Para esse autor, a criação do novo está condicionada por ideias que sofrem e
sofreram influência de antecessores, e que sofrerão de sucessores, mas que no
momento daquela criação, é ela quem predomina. Com o conceito de – de in-
divíduo no est scientia – ele expressa a intenção de que a ciência se guia a nível
geral e não individual, finalizando assim o conceito de revolução. Assim, pas-
saremos para o próximo filósofo, Platão, que teve influência direta de Sócrates.

CONEXÃO
Para compreender melhor a história da ética, acesse:
O vídeo filosofia socrática do prof. Dr. Marcello Arias Danucalov
https://www.youtube.com/watch?v=Lcp0gb6eaFY&list=PLZMi9ymwdN8qfo9R8rtH
lHlVhz1Uj_Hd8&index=3

Para Platão, que é considerado o primeiro e grande filósofo grego, que le-
vanta as principais questões éticas até os dias atuais. Seus diálogos, chamados
“socráticos”, provêm de uma influência de Sócrates, assim Platão começa a ela-
borar e desenvolver sua metafísica, o nome que se deu a teoria das formas ou
ideias. Em suas obras, a forma do bem (agathós) é caracterizada como “supre-
ma forma” ou princípio metafísico mais importante. Platão dedica a trilogia
dos Mitos do Sol, da Linha Dividida e da Caverna, com uma linguagem figura-
da, a natureza do Bem. E conclui na apresentação da alegoria da Caverna, com
um discurso de Sócrates que afirma “Nos últimos limites do mundo inteligível

12 • capítulo 1
aparece-me a ideia (ou forma) do Bem, que se percebem com dificuldade, mas
que não se pode ver se concluir que ela é causa de tudo que há de reto e de be-
lo.”(apud MARCONDES, 2007, p.147)
Assim Platão diz que o sábio é aquele que, tendo atingido a visão ou o conhe-
cimento do Bem pela via dialética, ou seja, da ascensão de sua alma até o plano
mais abstrato do real, atinge assim a forma justa. Pois conhecendo o Bem, co-
nhecerá também a Verdade, a Justiça e a Beleza. Por este motivo a concepção de
Platão ficou conhecida como a “metafísica do Bem”. Portanto, a forma do Bem
é o fundamento da ética. (MARCONDES, 2007)
Na discussão platônica, dois pontos são fundamentais sobre as questões éticas:

•  Uma de que o indivíduo que age de modo ético é considerado como aque-
le capaz de autocontrole, ou seja, de “governar a si mesmo”.
•  E a outra de que a possibilidade de agir corretamente e de ter decisões
éticas necessita de um conhecimento do Bem, que é concebido pelo indivíduo
através de um longo e lento processo de amadurecimento espiritual, ou seja, de
“ascensão da alma”. (MARCONDES, 2007)

Com Aristóteles, a ética não será mais vista como uma ontologia do Bem,
adquirindo então o poder de uma disciplina própria com aplicação prática:
praktikéepisthéme. O imperativo socrático na qual é necessário conhecer o
que é o Bem, para que, assim, possamos tornar melhores em relação àquilo que
somos, assim adquire em Aristóteles a feição de uma “doutrina da vida reta”.
(LASTÓRIA, 2003)
Aristóteles concebeu duas classes de virtudes que correspondem a duas par-
tes básicas e comunicáveis entre si: a parte irracional (álogon) e a parte dotada
de razão (logos). A parte irracional remete a uma subparte responsável pelas
funções de natureza vegetativa como por exemplo, a nutrição e o crescimento,
comum a todos os seres vivos, e outra subparte que, apesar de “privada de ra-
zão”, apresenta-se sensível aos seus apelos. A segunda parte da alma (o logos)
compreende tanto a chamada parte “alma desperta” – de onde nascem às vir-
tudes que ouvem a razão – como o logos propriamente dito. (LASTÓRIA, 2003)
Assim, as virtudes dianoéticas, que provém da parte racional da alma e
visam o aprimoramento de nossas capacidades intelectuais (como a inteli-
gência e o discernimento, por exemplo); e as virtudes éticas (que tais como a
moderação e a liberalidade) que, embora procedam da parte racional (“alma

capítulo 1 • 13
desperta”), objetivam aquela parte inconsciente – porém sensível aos apelos da
razão –, onde se situam fundamentalmente as diversas emoções (páthe) e tam-
bém o desejo (órexis). Porém as virtudes dianoéticas acontecem nos indivíduos
por intermédio da instrução – e por isso exigem experiência e tempo – as virtu-
des éticas são o produto dos hábitos. (LASTÓRIA, 2003)

CONEXÃO
Para compreender melhor a história da ética, acesse:
Filosofia Aristotélica: https://www.youtube.com/watch?v=Lcp0gb6eaFY&list=PLZ
Mi9ymwdN8qfo9R8rtHlHlVhz1Uj_Hd8&index=3
©© MOHAMED OSAMA | DREAMSTIME.COM

Nos pensamentos filosóficos anti-


gos, os indivíduos aspiram ao bem e à
felicidade, que só pode ser conseguida
através de atitudes virtuosas. Para esta
ética essencialista, o homem é visto
como um indivíduo livre, que está em
constante busca da perfeição. E esta, por
sua vez, se equivaleria a valores morais
inscritos na essência do ser humano.
Dessa maneira, para o indivíduo ser éti-
co, para alcançar a perfeição, teria de es-
tar em contato com a própria essência.
Sendo o homem um ser em busca de sua
perfeição, como qualquer outro ser, esta
se dará quando sua essência estiver ple-
namente realizada. (CAMPOS; GREIK;
VALE, 2002)
Para CAMPOS; GREIK; VALE, 2002, resumir à ética essencialista em três
aspectos é:

•  o agir em constante conformidade com a razão.


•  o agir conforme a natureza e com o caráter natural de cada ser humano.
•  a união que deve acontecer permanentemente entre ética (conduta do ho-
mem) e a política (valores da sociedade).

14 • capítulo 1
A ética era uma maneira de educar o ser humano em sua moral, seu caráter,
com o objetivo de propiciar a harmonia entre o sujeito e os valores coletivos,
tendo assim, em ambos, virtudes. (CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)

1.1.2  Ética Cristã

Para Agostinho, o ser humano teria um telos (fim) para atingir, o qual é algo,
uma realidade diferente de um mero signo, pois o signo apenas guia, aponta,
significa alguma coisa que vai além dele mesmo. Porém, para que se atinja o
fim desejado, é importante ter claro que existem duas maneiras de se relacio-
nar ou aderir aos seres em geral: o frui e o uti. Isso compreendido, vê-se que há
seres que são objeto do uti (uso), servem como intermediários, enquanto ou-
tros são objetos do frui (fruição, gozo), funcionando como fim. Bem, entender
tudo isso e viver de acordo com essa hierarquia é se posicionar naordinatadilec-
tio (ordem do amor), percebendo que a caritas (caridade) é o princípio primeiro
e fundamental. (GRACIOSO, 2012)
S. Tomás de Aquino e Santo Agostinho advêm da ideia de que a virtude se
define através da relação com Deus e não com a sociedade ou com os outros in-
divíduos. Nesse momento, Deus é considerado o único mediador entre os seres
humanos. Para esse período histórico, as duas principais virtudes eram a fé e a
caridade. (CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)
Através do cristianismo, impera também a ética do livre-arbítrio, que consi-
dera que o primeiro passo para a liberdade seria o pecado (o mal). O indivíduo
passa a ser dividido em bem e mal, visto assim como um ser fraco e pecador.
Assim, a ética estabelece para aquele momento histórico, três tipos de condu-
tas: a moral ou ética (com base no dever), a moral ou antiética e a indiferente à
moral. (CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)
A primeira fonte da moral cristã é a bíblia, ou a sagrada escritura, suas narra-
ções trazem intenções moralizadoras, fica até difícil diferenciar o elemento reli-
gioso do elemento moral. Deus é considerado um ser supremo ideal a ser exemplo
para o homem, a mais especial das criaturas criadas por Ele. (NALINI, 2009, p. 79)

CONEXÃO
Através do vídeo a seguir, entenderemos melhor a ética cristã, acesse:
Ética Cristã: https://www.youtube.com/watch?v=A7JjmBF5vno

capítulo 1 • 15
Através desse vídeo podemos observar que a ética cristã coloca a liberdade
absoluta ao indivíduo. Para Lutero, vindo após São Tomaz Aquino, há separa-
ção da moral natural ditada por nossa própria razão da moral religiosa, da fé.
Segundo ele, o pecado original supôs a corrupção total da natureza humana e
colocou o mal em cada um, porém se o ser humano viver como Deus mandou e
confiar cegamente Nele terá a graça e a salvação.
Como também observado no vídeo, a ética Cristiana, coloca que a perfei-
ção e a vida estão no amor a Deus, perfeição esta que se consegue cumprindo
fielmente a vontade divina e somente vivendo nesta vontade, será modelo de
vida moral e perfeição traçada por Deus, determinando assim a bondade ou
maldade humana.

1.1.3  Ética moderna

Na era moderna, as transformações trazidas do período antigo atingem sua cul-


minância, com a afirmação principal do indivíduo perante o grupo social, o de-
senvolvimento das ciências e a separação entre os elementos componentes do
mundo do dever-ser, consideradas, a ética, a religião e o direito. Um olhar am-
plo e o predominante do direito e sua titulação como direito estatal, delegando
a ética e a religião ao âmbito dos assuntos privados. O inverso do que acontecia
no mundo antigo, em que a tradição era considerada autoridade máxima e o
novo era visto com total desconfiança, o mundo moderno atribui papel prin-
cipal ao novo, tomando-o assim em si mesmo. (CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)
A ética moderna também advém de um contexto de revoluções religiosas,
através de Lutero, científica com Copérnico e a filosófica com Descartes, inti-
midam um novo pensamento na era moderna, profundamente marcada pelo
racionalismo cartesiano, que defende que a razão é o caminho para toda ver-
dade, e para alcançá-la é necessário discernimento, considerado um método.
O contrário do que temos visto até agora, em que a fé é o poder, a partir desse
momento o poder é exclusivo da razão de discernir, distinguir e comparar. Há
nesse momento um completo cenário de mudanças, que influencia no desen-
volvimento das relações capitalistas de produção e na força de uma também
nova classe social, a burguesia, que para manter sua hegemonia, luta através
de revoluções. A unidade cristã medieval é destruída pela reforma religiosa e há
uma predominância do modo científico de pensar, com o nascimento da ciên-
cia moderna com Galileu e Newton que iniciam o contexto da ética naturalista.
(CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)

16 • capítulo 1
O conceito de que os indivíduos precisam ser tratados como fim de ação
nunca para um meio de alcançar seus objetivos é trazido pela também ética
moderna. Defendida por Immmanuel Kant, um dos principais filósofos da
modernidade. Da filosofia de Kant, também vem o termo dignidade associado
à humanidade e na forma da proposição de um princípio da dignidade, mais
certamentena Fundamentação da Metafísica dos Costumes. (PIROTTA, 2006)
Vamos refletir sobre algumas frases de Kant:

não existe bondade natural. Por natureza somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, cru-
éis, ávidos de prazeres e que nunca nos saciamos e por isso matamos, mentimos e
roubamos. (apud CHAUÍ, 2000, p.170)

Observamos, com a frase acima citada, que Kant defendia que para sermos
indivíduos morais se fazia necessário sermos submetidos ao dever, já discutido
anteriormente. Essa lógica vinda da Idade Média em que os cristãos difundi-
ram a ideologia de que o homem era incapaz de praticar o bem por si próprio.
Justamente por esse motivo, o indivíduo deve obedecer aos princípios divinos,
formalizando assim a ideia de dever.

Não podemos nos deixar ser levados por nossos impulsos, apetites, desejos e paixões.
Não teremos autonomia ética, pois a natureza nos conduz pelos interesses de tal ma-
neira que usamos as pessoas e as coisas como instrumentos para o que desejamos.
Não podemos ser escravos do desejo. (apud CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)

Para que seja assim, devemos agir de acordo com o Imperativo Categórico,
ou seja, o ato moral deve sempre concordar com a vontade e com as leis univer-
sais que esta dá a si própria, (CAMPOS; GREIK; VALE, 2002) fazendo também
referência à frase citada abaixo.

Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se
torne lei universal. (apud CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)
(...) a moralidade de um ao não deve ser julgada por suas consequências, mas apenas
por sua motivação ética. (apud CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)

capítulo 1 • 17
Assim, Kant também afirmava que o homem é o centro do conhecimento e
da moral, sendo o agir ético e moral criado e guiado por ele, e isso passa a ser
incondicionado e absoluto. (CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)

1.1.4  Ética contemporânea

No século XIX, o alemão Friedrich Hegel propõe uma nova perspectiva ho-
mem – cultura e história, não abordada pelos filósofos da modernidade, esta
dissemina que a ética deve ser determinada pelas relações sociais. Como indi-
víduos históricos culturais, nossa subjetiva vontade deve ser submetida à von-
tade social, das instituições da sociedade. Desta maneira a vida ética deve ser
determinada pela harmonia entre a vontade individual subjetiva e a cultural.
(ABBAGNANO, 1998, p. 384)
Dessa forma, interiorizamos os valores culturais de tal forma que passa-
mos a praticá-los sem pensar, ou seja, instintivamente. E se não ocorrer assim
é porque esses valores não são intrínsecos de nossa realidade e por isso devem
ser modificados. Quando ocorrer essa situação pode acontecer de termos cri-
ses internas entre os valores vigentes e a transgressão deles. (CAMPOS; GREIK;
VALE, 2002)

CONEXÃO
Para melhor entendimento da ética contemporânea, acesse ao vídeo:
Ética Contemporânea: https://www.youtube.com/watch?v=uJDD0THeKAs
©© GEORGIOS KOLLIDAS | DREAMSTIME.COM

Eesse vídeo, muito explicativo e interessan-


te, faz uma síntese da era desse último filósofo
que vamos estudar, Hegel. Em sua filosofia, ele
tenta resgatar o foco e estudar o ser, o dever ser,
na busca pela verdade. Com isso ele faz duras
críticas a Kant que buscou a razão em suas ex-
plicações e também volta a ideias anteriores.
Vimos que Hegel tenta utilizar a fenomenologia
do espírito, explicando como a nossa consci-
ência observa os fenômenos ao nosso redor, e

18 • capítulo 1
ele faz isso tentando justamente não interferir, daí a dialética hegeliana, em
que surge um embate de ideias. Assim, ele traz o estudo da consciência que é
pautado ao nosso redor, das relações pessoais, da natureza e da linguagem. Diz
também sobre os estágios da consciência, da consciência sensível, para a cons-
ciência feliz e finalmente para o espírito absoluto, que é o em si para si, dotada
de ação, para modificar o que está ao seu redor. Observamos uma filosofia mais
compreensível, um histórico do que sofremos, do que vivemos e assim nos for-
mamos o que realmente somos.
Já na atualidade, para CAMPOS; GREIK; VALE, 2002, o conceito de ética se
fundiu em duas correntes de pensamentos:

•  A primeira na visão da ética praxista, em que o homem tem a capacidade


de julgar, ele tem uma corresponsabilidade frente as suas ações.
•  E a ética pragmática, que tem a alteridade (misericórdia, responsabiliza-
ção, solidariedade) como desafio, para a transformação do ter, o saber e o po-
der em recursos éticos para a solidariedade, contribuindo para a equidade dos
homens.

Nietzsche atribui os valores éticos à emoção, e não a razão. Para ele, o ho-
mem que é considerado forte é aquele que não reprime seus impulsos e desejos,
aquele que não se submete a moral repressiva e demagógica. É também nesse
contexto que surge, Freud com a descoberta do inconsciente, designada como
a instância que controla o homem, confundindo sua consciência para trazer à
tona a sexualidade represada e que o neurotiza, e que também defende que o
indivíduo deve equilibrar a paixão e a razão. (CAMPOS; GREIK; VALE, 2002)
Karl Marx, em seu materialismo dialético, também exprime a necessidade
de uma lei moral:

A estrutura econômica da sociedade – forças produtivas, relações de produção e sua


interação dialética – forma a base real de todo o processo social. Sobre essa base
emerge uma superestrutura e, em primeiro lugar, uma superestrutura político-jurídica
que vive numa dependência imediata em relação à base (assim, estado e direito não
são outra coisa senão instrumentos da classe economicamente dominante) e, em se-
gundo lugar, uma superestrutura ideológica sob a forma de filosofia, ciência, arte, moral
e religião. (apud NALINI, 2009, p. 84)

capítulo 1 • 19
O conceito de ética marxista tende ao reducionismo, concorda em relacio-
nar a ética como um ramo prático da filosofia, mas a vincula com a economia.
Para ele, a moral está completamente subordinada aos interesses da luta de
classes. (NALINI, 2009, p. 84)

1.2  O conceito de ética e seus aspectos


distintos:

A ética esta presente em todos os discursos. Considerando as condutas huma-


nas, ainda chocamos a sociedade tão acostumada a tantos desatinos, os mo-
ralistas sempre a postos para invocar a necessidade do repensar o comporta-
mento humano. Não é raro assistirmos a discursos de pessoas de maior ênfase
falando no assunto, sem nem poder passar perto do rótulo de pessoa ética. Tal-
vez por esse motivo, o descrédito desse propósito. Trivializou-se o apelo à ética
para objetivos mais distintos imagináveis, porém não compatíveis com o con-
ceito que a palavra expressa. Segundo Nalini: “Ética no Brasil, sofre de anemia.
Já se disse que ela é anoréxica!” (NALINI, 2009, p. 15)
Hoje, mais do que em outras épocas, é essencial reconhecer e resgatar
a ética em todo o seu entendimento. A crise humana presente atualmente
é na verdade uma crise de ordem moral. Tudo o que assistimos e presencia-
mos no dia a dia, com reflexos na violência, na exclusão, no egoísmo e na in-
diferença pela sorte do próximo, são advindos na perda de valores morais, na
frouxidão moral. A falta de sensibilidade com a natureza demonstra a conta-
minação da consciência humana pela epidemia da mais terrível insensatez.
(NALINI, 2009, p. 16)
Aproveito a discussão levantada pelo autor acima citado e lembro-me de
uma frase usada frequentemente em nosso meio:

Quando a última árvore tiver caído,


quando o último rio tiver secado,
quando o último peixe for pescado,
vocês vão entender que dinheiro não se come.
Greenpeace

20 • capítulo 1
Para KOERICH, MACHADO, COSTA (2005) a definição de ética é dada como:

“Ética é uma palavra de origem grega “éthos” que significa caráter e que foi traduzida
para o latimcomo “mos”, ou seja, costume, daí a utilização atualda ética como a “ciên-
cia da moral” ou “filosofia damoral” e entendida como conjunto de princípiosmorais que
regem os direitos e deveres de cada um de nós e que são estabelecidos e aceitos
numa época por determinada comunidade humana. A ética se ocupa com o ser hu-
mano e pretende a sua perfeição por meio do estudo dos conflitos entre o bem e o
mal, que se refletem sobre o agir humano e suas finalidades.” (KOERICH; MACHADO;
COSTA, 2005, p. 107)

A ética é a teoria ou a ciência do comportamento moral dos indivíduos


que convivemem sociedade. Ou seja, é ciência de uma maneira específica de
comportamento humano. (VÁSQUEZ, 1995, p.5) É ciência porque tem objeto
próprio (a moral), leis próprias e método próprio, na simples identificação do
caráter científico de um específico ramo do conhecimento. A moral é um dos
aspectos do comportamento humano, ou seja, conjunto de normas oriundas
do hábito reiterado de sua prática. (NALINI, 2009, p. 20)
Fazendo um paralelo entre as definições citadas, observamos que a ética se
baseia em uma filosofia que tem como norte a ciência da moral e o conjunto de
condutas morais estabelecidos e aceitos em uma determinada época por uma
determinada sociedade humana. Apesar de talvez nunca tivessem lido um con-
ceito propriamente dito de ética, acredito que muitos de vocês já tinham uma
ideia nata do que se tratava, não é? Mas e agora? Em todas as culturas existe
uma só ética? Vamos então estudar agora os aspectos distintos das éticas e res-
ponder melhor essas questões.
Quando falamos dos aspectos distintos das éticas, primeiro, tomamos no
plural, pois, no cenário da multiculturalidade, não se poderia fundamentar éti-
ca única. Este reconhecimento não isola vias comuns que toda convivência hu-
mana supõe, eles apenas encobrem que são realizados a partir de uma partida
no espaço e no tempo, já que viemos datados, natureza e sociedade. Devemos
assumir e não confundir o plano das formalidades lógicas que podem vir como
universais, em sentido formal, no plano da realidade evolucionária e histórica.

capítulo 1 • 21
No ambiente formal, dois mais dois será e sempre foi quatro em todos tempo
e lugar, isso já é sabido e assim assumimos e aceitamos que existe uma lógica,
uma matemática particular. No ambiente prático, concreto, modelos de existir
estão enraizados em modos de vir a ser e vice-versa, como na “dialética histó-
rico-estrutural”. Estrutura também se dispersa no tempo, se colocarmos que a
natureza é dialética, embora seja a mais resistente ao tempo. Tomando a his-
tória como não linear, incorporando não só a sociedade, mas também a geolo-
gia. Considerando o tempo humano, bilhões de anos são números intangíveis
se levarmos em comparação com nossas efêmeras vidas. Para os humanos, 70
anos são uma vida inteira. Para a pedra isso não significa nada, não há impacto
relevante. Assim observamos que para o tempo geológico também as estrutu-
ras físicas se dissipam, com menor rapidez, mas não menos profundamente.
Fazemos assim uma ilustração entre as mudanças sociais com base nas mu-
danças geológicas. (DEMO, 2005, p. 17)
Em outras palavras, a "dialética histórico-estrutural" é uma entre outras,
fenômeno histórico-estrutural que é aquele que contém a "consistência" da
estrutura e a "dinâmica" da história. No modernismo, a estrutura seria inva-
riante, um ótimo exemplo é o formalismo estruturalista de Lévi-Strauss, sem-
pre igual, recorrente indefinidamente, sem história, e esta ideia geralmente
leva à noção de história sem sujeito, à medida que a história estaria pré-deter-
minada. No pós-modernismo, estrutura institui "modos de ser" no "vir a ser".
Exemplificando, é a ossatura que sustenta o corpo, mas é corpo também, por
isso pode mudar, ainda que seu ritmo muito mais lento. Com o conceito de
caos estruturado, ou de estrutura dissipativa, estrutura não pode mais ser con-
siderada invariante, apesar de ser o que menos varia. Em toda dinâmica, por
mais complexa que seja, há sempre modos de ser, sendo que nos quais sempre
podemos descobrir recorrências relativas. (DEMO, 2005, p.17)
Há uma expectativa na sociedade de que a ética seja única, mas devido às
diversidades evolucionárias e históricas, avaliamos que essa ideia seja funda-
mentalismo. Exemplo: o cérebro é uma ferramenta que todos nós utilizamos,
mas ela só se realiza de maneira datada, localizada e multicultural. E é exata-
mente aí que ele se torna criativo, irrepetível e individual. Da mesma maneira
que hoje não se acredita que os direitos humanos possam ser definidos univer-
salmente, é impossível praticar uma única ética para todos. E se isso aconteces-
se, teríamos de ver nisso a mais absurda ditadura. (DEMO, 2005, p. 18)

22 • capítulo 1
O filme Julgamento Nuremberg narra a história do julgamento que aconte-
ceu na Alemanha em 1948, os líderes nazistas eram réus, e os exterminadores
nazistas e os horrores de Auschwitz, os prováveis responsáveis pelo maior cri-
me contra o ser humano que o mundo alguma vez presenciou, a serem julgados
pelos crimes organizados e praticados de forma fria e cruel contra o ser huma-
no. A ética e bioética no Julgamento Nuremberg são questões importantes, pois
colocam uma grande responsabilidade naqueles que eram responsáveis pelo
julgamento, visto que a abordagem ética dos acontecimentos vividos, se mal
julgados, poderia trazer sérios problemas sociais de relevância mundial.
O extermínio nazista, na história do século XX, foi e ainda continua sendo
um dos maiores atentados contra a vida, a liberdade, a justiça e a ética. Com
uma política de extermínio contra, especialmente, judeus, homossexuais, co-
munistas e doentes mentais, eles matam em escala industrial. Por se acharem
superiores e supremos, os nazistas exterminam todos aqueles que não pos-
suem sangue ariano, pois acham que estes não são dignos de viver.Algumas, e
não foram poucas, “mentes privilegiadas” da Ciência colaboraram com o regi-
me nazista. Muitos dos médicos alemães da época tornaram-se fiéis ao regime
nazista, aderindo a suas práticas discriminatórias e cooperando com Hitler em
realizar a “purificar a raça ariana”.
Assim, os responsáveis pelos julgamentos vivenciavam um grande dilema
de julgar um dos maiores casos da história sem se deixar guiar por opiniões
pessoais ou emoções, porque sabiam da responsabilidade que tinham em
mãos e que o mundo esperava que se fizesse justiça.
O ponto principal do filme se dá, quando há percepção, nos constantes
questionamentos e comentários dos personagens, muito pelo fato do mundo
estar à espera do veredito ou pela responsabilidade que esse julgamento será
para com a sociedade e as suas consequências não só no momento mas tam-
bém futuramente.
Ao final, a maioria dos réus foram condenados a pena de morte por enforca-
mento, outros por anos na prisão e alguns a prisão perpétua.
Coloquei um pouco da história do filme para fazermos uma reflexão sobre
o que conversamos anteriormente, cada um de nós, se fosse possível por um
instante sermos os responsáveis por esse julgamento, daríamos sentenças di-
ferentes, não é mesmo? Alguns concordariam com a sentença, outros não por
acharem que todos deveriam ser condenados da mesma maneira, alguns não
concordariam com a pena de morte e assim por diante.

capítulo 1 • 23
Voltando a pontuar os aspectos distintos das éticas. Segundo, observamos
de que forma a ética atua como referência crucial no contexto da convivência
humana: o que vivemos impacta diretamente na vida do outro. A sociologia ig-
nora, alguma vezes, a individualidade humana, porque está o tempo todo pren-
dendo os processos de um grupo, não do indivíduo. Mas como agir dessa ma-
neira, se todo grupo é composto de indivíduos irredutíveis? E está justamente aí
a beleza da sociedade, não somos indivíduos justapostos e replicados, mas sim
indivíduos polarizados. Somos ao mesmo, tempo, diferentes e iguais. Iguais,
pelas características comuns e fisiológicas. E diferente, pois um ser humano
não é cópia linear do outro. Assim, geramos o tempo todo culturas diferentes,
é impossível reproduzir as pessoas, mesmo quando são gêmeos idênticos. As
relações sociais são sempre compostas de dinâmicas de polos, de atração e re-
pulsão, dialéticas, enraizadas em uma trama de influência e poder, em que ora
somos mais sujeitos, ora mais objetos. Dessa maneira, na sociedade não existe
relação estática ou neutra. Não é possível traçar seu destino sozinho, todo des-
tino individual na trama social é tecido. Sociologicamente, ética entranha no
contexto natural de toda e qualquer sociedade, no sentido negativo (conflitos
sociais) e positivos (boa convivência). (DEMO, 2005, p. 19)
Assim, no momento em que falamos em sociedade, volto ao filme
Julgamento Nuremberg, e reflito sobre como essa “sociedade” de nazistas pra-
ticam e são coniventes com tudo isso, até médicos eram responsáveis por ativi-
dades de extermínio, já que estamos falando de profissionais de saúde e ética,
penso que era uma sociedade que no contexto natural tinham o sentido negati-
vo e acham tudo absolutamente normal.
A questão da responsabilidade, é o último ponto dos aspectos distintos das éti-
cas, é um dos esteios mais praticáveis da ética. Nas autonomias, com muita facili-
dade perdemos o ponto pelo que excesso de autonomia em um lado compromete
a autonomia do outro. No jogo das liberdades, o antigo ditado impera, onde minha
liberdade acaba onde começa a liberdade do outro. Dessa maneira, há sempre a
necessidade de negociar um tipo de convivência boa para ambos os lados. Assim,
concordo que meu comportamento impacta no comportamento do meu próximo,
não podendo assim, alegar que não tenho nada a ver com isso. (DEMO, 2005, p. 20)
A proposta da democracia é igualar a sociedade, sem extinguir as relações
de poder. Toda sociedade gera clivagens sociais, pois é parte da dialética so-
cial, da unidade de contrário, ou da unitas multiplex. (Morin, 2002) e acabar
com poder nos deixaria em uma ditadura ainda mais drástica, pois implicaria

24 • capítulo 1
poder desmedido e desvairado. A democracia, afirma que, na forma, somos to-
dos iguais, como conta na Constituição, mas na prática, não há como existir
igualdade estrita, pois a convivência nos leva a termos pretensões diferentes,
a convivência é de gente diferente, sobretudo conflitante. Se imaginássemos,
que hoje seria distribuída a riqueza disponível de forma igual para todos, no
momento seguinte já teríamos diferenças alarmantes, porque cada um faria
com a riqueza o que bem lhe parecesse melhor, uns optariam por querer mais,
outros menos, uns são mais solidários, outros mais predatórios, uns mais ton-
tos, outros mais espertos. (SACHS, 2000)
©© ALPHASPIRIT | DREAMSTIME.COM

Na dialética social igualitária, sempre uns serão os privilegiados e outros os


desprivilegiados, em virtude das diferenças incontornáveis, porém deve haver
uma regulação comum que faça o papel de cessar os privilégios e privilegiar os
desprivilegiados. Aí então, observamos outro ponto, a lógica de mercado capi-
talista é incompatível com a ética. (DEMO, 2005, p. 24)
Como na figura acima, nos parece agora que a ética não é aquele caminho
linear e único que alguns tinham em mente antes do estudo da disciplina, não
é? Mas é justamente essa inquietude que queremos provocar, o pensar em cada
todo, sendo ele macro ou micro.

capítulo 1 • 25
©© HELDER ALMEIDA | DREAMSTIME.COM

Assistindo um filme (especificamente o filme Juramento Nuremberg) pode constituir-se


um artefato cultural bom para pensar algumas dimensões da ética?

1.3  Dimensões éticas em bioética: metaética;


ética normativa e ética prática.

A partir de agora, incorporaremos a bioética em nossos estudos, a conceituare-


mos no próximo capítulo, mas já nos vem à cabeça o que ela significa. Bio-ética,
a ética na área biológica, da saúde. Em síntese sim, isso é o suficiente para ini-
ciarmos a conversa.
Apesar de benéfica, a relação entre a ética e a biomedicina não é tão pacífi-
ca quanto se pensa. Muitos cientistas, filósofos e teólogos conflitam diante de
suas posições, falaremos de três em especial, por serem muito significativas,
segundo Pegoraro 2010, p. 87:

26 • capítulo 1
a) A primeira parte do princípio de reflexão ética e bioética não se aplica no processo
de produção científica, que tem autonomia para reformular hipóteses e verificá-las. É
pensado que o problema ético é posterior e se aplica aos resultados científicos, quando
se avalia riscos e consequências decorrentes do uso. Dessa maneira, o cientista acre-
dita trabalhar em um campo “eticamente neutro”.

b) A segunda tese defende que o código de honestidade é fator intrínseco ao trabalho


de produção científica, pois se baseia na obediência rigorosa ao método científico, na
comunicação correta dos resultados, de tal forma que a comunidade possa avaliá-los.
Assim, esse é considerado o compromisso ético do cientista. Neste modelo de filosofia,
também a ética e a bioética não devem interferir, visto que a ciência cria para o seu
próprio caminho de conduta ética.

c) E o modelo personalista, ao contrário, coloca a pesquisa científica em uma dimensão


mais ampla, ontológica e axiológica da realidade e impera critérios de julgamento ético
que não excluem o da pesquisa científica, mas dá sentido geral da realidade pesquisa-
da. Por exemplo, a intervenção científica sobre o indivíduo não pode rejeitar o que é o
ser humano, seu valor, seu destino, dignidade e transcendência.

Portanto, para o modelo personalista são insuficientes os paradigmas éti-


cos para solução de problemas, baseado em um consenso flexível; ao contrário,
é exigido uma justificação de caráter ontológico e a “demonstração da razão
última”, na qual alguma ação deverá ser considerada lícita ou ilícita. Ou seja,
precisamos de uma metaética, para justificar racionalmente valores, princípios
e normas adotadas no campo da bioética. Assim, é sobre a metaética – ética
não normativa - que é construída a metabioética. São necessários os pilares
de apoio para a construção da bioética. Esses pilares são dois: o primeiro, de
uma ética global, de princípios gerais e teóricos – metaética. E o segundo, o
da metabioética, bem próximo conceitualmente do primeiro. Isso significa que
é necessário recorrer a princípios gerais e abstratos como respaldo às normas
concretas da bioética. (PEGORARO, 2010, p. 88)
A postura metaética, no entanto, submetem duas desvantagens pedagó-
gicas: a de prorrogar a própria natureza da ética, por um lado, e a de inferio-
rizar os níveis de questionamentos éticos aos ditames das normas. Coloca-se
a ética no mais alto imperativo das regras e/ou sob o nível da interrogação,

capítulo 1 • 27
problematizando-a sem regulamentá-la, ainda que haja contínuo questiona-
mento da ética das práticas profissionais, seja necessária, isso significa que
não há como negar que nenhuma prática social pode passar ao largo da ética
construída na sociedade. (SOUZA; SARTOR; PRADO, 2004)
Algumas abordagens da ética são normativas. Se pensarmos em quais são
as normas gerais para a orientação e avaliação da conduta que devem ser moral-
mente aceitas e por quais razões, a resposta seria a ética normativa geral(CAS-
TILHO; KALIL, 2005). A ética normativa, em geral, não se prende em apenas
uma escola filosófica ética na análise e no exame dos procedimentos de uma
ação correta ou incorreta. Ela se alinha nas diversas éticas, e suas variações,
como: a utilitarista – avaliação das consequências – bem como da deontológica
– avaliação a partir do dever. (SOUZA; SARTOR; PRADO, 2004)
E as formas de desvendar as implicações de teorias gerais para maneiras
mais específicas de conduta e julgamento moral é usualmente denominada de
ética prática, embora muitas vezes seja erroneamente chamada ética aplicada.
Sendo também uma ética normativa, ela também é descritiva, que é a inves-
tigação propriamente dita do comportamento e das crenças morais, utilizan-
do técnicas científicas para o estudo de como os indivíduos pensam e agem.
(CASTILHO; KALIL 2005)

ATIVIDADES
01. Quando falamos em discussões platônica, quais são os dois pontos principais relaciona-
dos as questões éticas?

02. Qual a definição de ética?

REFLEXÃO
A comissão científica e tecnológica da UNESCO, a COMEST, preocupada com o ensino
da ética em universidades e outras instituições fez um documento em que recomenda,
entre outros tópicos, a oportunidade do estudo da ética a todos os estudantes, em
todos os níveis acadêmicos. E você, futuro profissional da área da saúde, tem dado a
devida importância a este estudo?

28 • capítulo 1
Atendendo a estratégias como a citada acima, acredita-se que tenhamos profissionais
com uma formação mais sólida e capaz de enfrentar mais fácil e claramente os conflitos de
interesses do mercado de trabalho e norteando-se sempre em argumentações baseadas na
ética.

CONEXÃO
Para compreender melhor a ética e bioética em suas interfaces contemporâneas, acesse:
Revista Latino Americana de Bioética: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1657-47022014000200001&lang=pt

LEITURA
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAMPOS, M. GREIK, M. VALE, T. História da Ética. In: Cientfico, Ano II, v. I, Salvador, 2002.
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CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, São Paulo, 2000, 567 p.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 3a. ed. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1992.
DEMO, Pedro. Éticas multiculturais - Sobre convivência humana possível. Ed. Vozes, Rio de Janeiro,
2005.
DEMO, Pedro. Santo Estado, maldito mercado: de certas esquerdas que são direitas. Sociedade
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GRACIOSO, Joel. A dimensão teleológica e ordenada do agir humano em Santo Agostinho.
Transf/Form/Ação, v. 35, Marília, 2012.
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Contexto Enfermagem, v.14, n. 1, p 106-110, jan-mar, 2005.
LASTÓRIA, Luiz A. Calmon Nabuco. Impasses éticos na educação hoje. Educação Social,, vol. 24, n.
83, p. 429-440, Campinas , agosto, 2003, Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>

capítulo 1 • 29
MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Ética: De Platão a Foucault. 4ª Edição, Rio de Janeiro:
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MORIN,E. La méthode – 5. L’humanité de l’humanité: L’identitéhumaine. Paris: Editora Seuil, 2002.
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009.
PEGORARO, Olinto A. Ética e Bioética - Da subsistência à existência. 2 Ed, Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 2010. 133 p.
PIROTTA, Wilson Ricardo Buquetu. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. Revista de direito
sanitário, v. 8, n. 3, p. 226-233, São Paulo, 2008.
SACHS, W. Dicionário do Desenvolvimento – guia para o conhecimento como poder. Petrópolis:
Editora Vozes, 2000.
SOUZA, Maria de Lourdes; SARTOR, Vicente Volnei de Bona; PRADO, Maria Lenise. Subsídios para
uma ética da responsabilidade em enfermagem. Texto Contexto Enfermagem,v.14, n. 1, p. 75-81,
jan, 2005.
VÁSQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1995.

30 • capítulo 1
2
Movimento
Bioético:
Surgimento e
Discussões Atuais
A história da bioética pode ser compreendida por meio das principais refe-
rências mundiais que impactaram a construção desse conceito, de seus prin-
cípios, e de como se deu a origem das diretrizes de normatização desta. Será
por meio do estudo de obras que fazem referência a essa história e apresen-
tam os embates teóricos e ideológicos que vamos compreender o movimento
bioético.

OBJETIVOS
•  Entender os problemas éticos de maior relevância que deram origem à bioética;
•  Compreender seu histórico, conceitos e princípios;
•  Analisar o contexto cultural contemporâneo da bioética;
•  Aprender os paradigmas bioéticos.

32 • capítulo 2
2.1  A história da bioética e seus princípios
Como estudamos no capítulo I, durante muito tempo as inovações culturais
do mundo ocidental foram baseadas no éthos com uma mínima sustentação
de uma metafísica mais ou menos compartilhada. As etapas da modernidade
ficaram marcadas por serem as etapas pelas quais a ética comunitária ficou se-
parada de toda metafísica. Especificamente após a II Guerra Mundial, com o
aceleramento das inovações tecnocientíficas, a sociedade sentiu como um se-
tor particularmente vulnerável o de sua saúde, tanto do corpo como da mente.
E foi a partir deste fenômeno que se deu o nascimentoda bioética, através da
observação dos males que uma higidez mal defendida fazia correr aos mem-
bros de nossa espécie. Como sabemos todo fenômeno histórico de relevância
não provém apenas de uma causa, mas é resultado de um conjunto de fatores,
agentes e ocorrências. Porém, entrelaçado à aparição da bioética alinha-se a re-
pulsa por paradigmas antigos como a absolutização de dogmas que trazem do
céu todas as respostas, a sacralização do éthos ancestral, a crença numa incon-
tornável lei da natureza, supostamente única e capaz de fazer a vontade divina.
Aprendemos que é quase impossível negar o impacto do éthos ambiental, ou
seja, do costuma, pois a lei natural é absorvida pela mente humana através de
uma inevitável interpretação. (LEPARGNEUR, 2009)
O problema da ética adquiriu maior visibilidade em 1930, momento em que
ocorre o episódio conhecido como “o desastre de Lübeck”, que ocasionou a morte
de 75 de 100 crianças submetidas a um teste com uma vacina para prevenção da
tuberculose, os pesquisadores acharam que o vírus estava atenuado o suficiente
para imunizá-las não estava e mais sem o consentimento dos seus responsáveis.
Em 1931, a Alemanha estabelece as Diretrizes para Novas Terapêuticas e Pesquisa
em Seres Humanos; porém, ao mesmo instante estava acontecendo a Segunda
Guerra Mundial, que também ficou marcada por atrocidades - sob a denomina-
ção de ‘pesquisas’ - com judeus, ciganos e com outros grupos vulnerados. Após o
término da Segunda Guerra Mundial e a criação do Tribunal de Nuremberg, onde
os nazistas eram julgados – incluindo os médicos, que usavam de seu prestígio
para “eliminarimpuros”– foi elaborado um conjunto de 10 princípios norteadores
da pesquisa envolvendo seres humanos – com bastante ênfase no consentimento
informado –, os quais foram denominados Código de Nuremberg. Em 1949, esse
código foi um documento internacional que marcou muito claramente a neces-
sidade de que os seres humanos envolvidos em atividade científica tivessem seus
direitos respeitados. (MOTTA; VIDAL; SIQUEIRA-BATISTA, 2012)

capítulo 2 • 33
Nas décadas de 50 e 60, com o uso generalizado de antibióticos e técnicas
artificiais de respiração, abrem-se os olhares e as perspectivas para o prolonga-
mento da vida humana. A partir daí, a medicina dá um salto em relação a trans-
plante de órgãos (o primeiro bem sucedido em 1954) há contestações sobre os
critérios de morte cerebral (hoje chamada de morte encefálica), a descoberta
da técnica de depuração sanguínea em Seattle, pelo Dr. Belding Scribner em
1961. A introdução da pílula anticoncepcional no mercado impõe uma mudan-
ça radical no comportamento sexual e abre novos horizontes de planejamento
familiar e profissional inconcebíveis até os anos sessenta do século XX. O de-
senvolvimento de técnicas mais seguras e legalmente acessíveis de aborto leva
a uma reavaliação normativa das práticas usuais de interrupção da gravidez.
(HECK, 2005)
Em 1970, o médico oncologista estadunidense Van Ressenlaer Potter, fez
a proposta de defesa do nome bioética e a concebeu como uma ligação entre a
ciência da natureza e as humanidades, dando maior ênfase no conhecimento
biológico e os valores humanos, que julgava ser importante para o caminho da
sabedoria. (REGO; PALÁCIOS; SIQUEIRA-BATISTA, 2009)
De 1932 a 1972, outro caso que marcou a história da bioética foi o Tuskegee
SyphilisStudy– em que 399 negros que tinham contraído sífilis participaram
de uma pesquisa sobre a entidade mórbida, sem sequer ter garantido o trata-
mento com a penicilina e muito menos o acesso a tal intervenção terapêutica.
(MOTTA, VIDAL, SIQUEIRA-BATISTA 2012)
Em fevereiro de 1975 aconteceu uma reunião com 140 cientistas norte-ame-
ricanos e estrangeiros realizada no Centro de Convenções de Asilomar, locali-
zado em Pacific Grove, Califórnia. Nesta reunião científica ocorreu da proposta
de moratória nas pesquisas que envolvessem manipulação genética, feita em
1974, por um grupo de pesquisadores. Esta proposta foi publicada simulta-
neamente nas revistas Nature e Science. Em abril de 1974, esta moratória foi
discutida e implantada em uma reunião científica realizada no Massachusetts
Instituteof Technology (MIT). Lá ficou decidido que o Comitê Assessor para
DNA recombinante (RAC), que foi criado em 1974, seria o responsável pela
elaboração das diretrizes de Asilomar para a segurança dos experimentos com
DNA recombinante. Este documento foi aprovado em 23 de junho de 1976. A
reunião de Asilomar também foi um marco na história da ética aplicada à pes-
quisa, pois foi a primeira vez que foram discutidos os aspectos de proteção aos
pesquisadores e demais profissionais envolvidos nas áreas onde se realiza o
projeto de pesquisa. (BERG, et al 1974; MILANO, 1997, p. 182; BERG, et al 1975)

34 • capítulo 2
Em uma reação institucional aos absurdos relatados acima o governo e o
congresso norte-americano constituíram em 1974 o Relatório Belmont, a
National Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and
Behavioral Research. Foi estabelecido, como principal objetivo da Comissão,
a identificação dos princípios éticos “básicos” que deveriam nortear a experi-
mentação em seres humanos, o que ficou conhecido com Belmont Report, que
apresentou os princípios éticos, considerados básicos, que deveriam nortear a
pesquisa biomédica com seres humanos, segundo Alves; Costa, 2011:

que exige que aceitemos que as pessoas sejam autô-


PRINCÍPIO DO nomas, tanto nas suas escolhas como em seus atos,
RESPEITO ÀS ou seja, liberdade para que as pessoas se autogover-
PESSOAS OU DA nem. O princípio da autonomia define que o médico
AUTONOMIA respeite a vontade do paciente ou do seu responsável,
assim como seus valores morais e crenças.

que dá o direito ao paciente de que sejam atendidos os


interesses importantes e legítimos de cada indivíduos
PRINCÍPIO DA e que, na medida do possível, sejam evitados danos. Na
BENEFICÊNCIA Bioética, esse princípio é também conhecido como o
princípio do bem-estar e interesses do paciente por in-
termédio da ciência médica e de seus representantes.

que exige equidade no que se refere ao exercício da


medicina ou qualquer área da saúde, na distribuição de
PRINCÍPIO DA bens e benefícios. Uma pessoa considerada injustiça-
JUSTIÇA da quando lhe é negado um bem ao qual tem direito e
que, portanto, Ihe é devido.

Em 1991, os Estados Unidos criou o Código de Regulamentos Federais que


serviu, naquele momento, como regra geral para toda e qualquer pesquisa en-
volvendo seres humanos, suas principais designações eram:

•  aprovação prévia das pesquisas por um comitê de ética;


•  consentimento informado por escrito e documentação comprobatória;

capítulo 2 • 35
•  recrutamento equitativo dos participantes na pesquisa;
•  proteção especial para grupos vulneráveis;
•  acompanhamento contínuo das pesquisas aprovadas.

O conselho de organizações internacionais de ciências médicas, em 1993,


elaborou e divulgou as diretrizes éticas internacionais para pesquisa bioética
envolvendo seres humanos, que colocava sobre:

•  o consentimento informado;
•  pesquisa em países em desenvolvimento;
•  proteção de populações vulneráveis;
•  compartilhamento de responsabilidades e benefícios;
•  papel desempenhado pelos comitês de ética.

Com a crescente demanda por diretrizes cada vez mais localizadas e pró-
prias, cada país foi aprimorando e adequando as primeiras diretrizes estaduni-
denses ás suas realidades. Hoje, no Brasil, segue-se a NORMAS PARA PESQUISA
ENVOLVENDO SERES HUMANOS (Res. CNS n.o 466/12 e outras).
Portanto vimos que o termo bioética surgiu na metade do século passado
juntamente com os avanços tecnológicos, descobertas e aplicações na área da
biologia. E trouxeram consigo os problemas éticos, pois vieram com grande
poder de intervenção sobre a vida e a natureza. Nos anos 80, com a chegada
da AIDS, a bioética se afirmou, levando a população a uma grande e profunda
reflexão em virtude de suas consequências para os indivíduos e a sociedade.
(KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005)
A palavra bioética, em seu surgimento, não agradou a todos, pois para al-
guns ela ocupava o lugar de outras palavras como a de ontologia, ética médica
entre outras. Assim, começaram ainda outras expressões de propostas como
ética biomédica, ética biológica, médica e etc. Sem muito sucesso! Ainda assim
a palavra bioética continua seguindo seu caminho e sendo cada vez mais utili-
zada no mundo ocidental. Nela cabe quase tudo, e ela indica bem o que se quer
dizer. Para Durand, 2007 ela designa três principais pontos:
1. práticas e discursos;
2. que objetiva esclarecer ou resolver questões éticas;
3. que suscita o desenvolvimento tecnocientífico no campo da saúde e da
vida humana.

36 • capítulo 2
A disciplina bioética trata de temas específicos como nascer ou não nascer
(aborto), morrer e não morrer (eutanásia), saúde e doença (ética biomédica),
bem-estar e mal-estar (ética biopsicológica) e se preocupa com os novos cam-
pos de atuação do conhecimento, como clonagem (ética genética), falta de res-
ponsabilidade diante dos pósteros (ética de gerações), degradação da nature-
za extra-humana circundante e agressões ao equilíbrio sistêmico das espécies
(ecoética), e assim por diante. Diante das diversas práticas da bioética damos
um olhar mais amplo às atividades terapêuticas em sentido macro. Todo exer-
cício das relações profissionais de médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos,
nutricionistas, biólogos, fisioterapeutas e demais técnicos estabelecidos na
área da saúde e doença, bem como os usuários dessas novas técnicas biomédi-
cas e farmacológicas tornam-se plateia do discurso bioético e ficam, também
na condição de pacientes, devendo respostas à bioética. (DURAND, 2007)
O que podemos dizer também sobre a bioética é que o agir do indivíduo
não apenas é sentido, constatado e descrito, mas também comparado, obser-
vado e avaliado positiva ou negativamente pelo respectivo agente e seus pares.
Dentro de tal quadro macro analítico, a bioética ganha bastante atenção por
suas narrativas épico-fundacionais, através da busca do resgate da vulnerabili-
dade da sociedade e do ser humano, quando não está exaustivamente engajada
em favor de massas discriminadas, grupos oprimidos e indivíduos vulneráveis
ou desamparados. (HECK, 2005)
©© ANDREY BURMAKIN | DREAMSTIME.COM

capítulo 2 • 37
A figura apresentada nos mostra exatamente a realidade do nascimento da
bioética, observamos diante de seu histórico, que ela nasceu de uma necessi-
dade já existente. Ou seja, o tempo foi passando e foi instalado um caos diante
de tantas necessidades referentes à ética na pesquisa com seres humanos, com
inovações tecnológicas e descobrimento de novas formas de se manter vivo os
indivíduos. Diante disso, a sociedade saiu em uma busca desesperada atrás de
algo que os pudesse nortear e amparar os seres humanos em proteção a sua
vida e sua saúde. Acho fantástica a história da bioética, principalmente pelo
fato de que de certa forma estamos participando dela, vocês acreditam que da-
qui a 10 anos (um curto espaço de tempo), as diretrizes éticas serão as mesmas?
E como nós vamos colaborar com essa realidade? Vamos continuar nossa refle-
xão juntos!

2.2  Conceito de bioética


Em 1927, o alemão Fritz Jahrapud Azevedo 2010,definiu bioética como a emer-
gência de obrigações éticas não apenas com o homem, mas a todos os seres
vivos. Para o autor existia o imperativo bioético com o princípio: Respeita cada
ser vivo em princípio como uma finalidade em si e trata-o como tal na medida
do possível.
Passado muito tempo, em 1970, Potter a definiu dessa maneira (grifo do
autor):

Nós temos uma grande necessidade de uma ética da terra, uma ética para a vida sel-
vagem, uma ética de populações, uma ética do consumo, uma ética urbana, uma ética
internacional, uma ética geriátrica e assim por diante... Todas elas envolvem a bioética,
(...) (POTTER, 1970, p. 127)

Esta nova ética, conceituada por Potter, pode ser chamada de ética interdis-
ciplinar, definindo-a assim para incluir tanto a ciência como as humanidades,
mas este termo é rejeitado pois não é auto evidente.(POTTER, 1970)
Em 1971, o mesmo autor define bioética como a ponte entre a ciência e as
humanidades, como também já estudamos anteriormente. E completa:

38 • capítulo 2
Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais im-
portantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária:
conhecimento biológico e valores humanos. (POTTER, 1970, p. 127)

Em vários artigos e livros essa citação tem sido considerada como sendo a
primeira em que a palavra bioética foi utilizada, porém foi à primeira citação
publicada em um livro. Em 1970, havia sido publicado um resumo do primeiro
capítulo do livro Bioethics. Bridge tothe future.
Com o objetivo de enfatizar a proposta de uma Bioética Global, Potter, em
1988 redefiniu o conceito:

Bioética é a combinação da biologia com conhecimentos humanísticos diversos cons-


tituindo uma ciência que estabelece um sistema de prioridades médicas e ambientais
para a sobrevivência aceitável. (POTTER, 1988)

Dez anos mais tarde, passando sem muita significância por outras defini-
ções, em 1998, Potter traz uma nova definição:

Bioética como nova ciência ética que combina humildade, responsabilidade e uma
competência interdisciplinar, intercultural e que potencializa o senso de humanidade.
(POTTER, 1998, p. 370)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-americana


de Saúde (OPS), em 2001, no Programa Regional de Bioética, a conceituaram
como: Bioética é o uso criativo do diálogo para formular, articular e, na medida
do possível, resolver os dilemas que são propostos pela investigação e pela in-
tervenção sobre a vida, a saúde e o meio ambiente.
Já em 2002, OnoraO'Neall, disse que: Bioética não é uma disciplina, nem
mesmo uma nova disciplina; eu duvido se ela será mesmo uma disciplina. Ela
se tornou um campo de encontro para numerosas disciplinas, discursos e or-
ganizações envolvidas com questões levantadas por questões éticas, legais e so-
ciais trazidas pelos avanços da medicina, ciência e biotecnologia.

capítulo 2 • 39
A alemã Engel, em 2004, p. 221 redefiniu: Bioética como a reflexão ética so-
bre os seres vivos, incluído o ser humano, tais como esses seres vivos se apre-
sentam nas relações cotidianas do mundo vivido e nos contextos teóricos bem
como práticos da ciência e da pesquisa.
E finalmente, em 2006, Goldim conceituou: Bioética é uma reflexão com-
partilhada, complexa e interdisciplinar sobre a adequação das ações que envol-
vem a vida e o viver.
Assim, nasceram a Bioética e suas definições, provocando inicialmente a
inclusão das plantas e dos animais em sua reflexão, já realizada para os seres
humanos. Logo após, foi proposta a inclusão do solo e dos diferentes elemen-
tos da natureza, alargando os horizontes para a discussão. A definição mais
recente traz uma visão integradora do ser humano com a natureza como em
geral, em uma abordagem ecológica. Dessa maneira, torna-se impossível que a
Bioética seja abordada de forma restrita ou simplificada. (GOLDIM, 2006)

CONEXÃO
Para verificar conceitos de bioética, confira o link: https://www.youtube.com/watch?
v=2WxU80MLcDY

2.3  Contexto cultural da bioética


Diante de tantos desafios impostos às associações médicas da época, essas
não conseguem reagir satisfatoriamente. A arte médica baseia-se, quando mui-
to, com diretivas minimalistas do tipo primum non nocere (pelo menos não
lesar) e salusaegroti suprema lex (o bem-estar do paciente em primeiro lugar).
Aos poucos vai se tornando claro que os problemas assinalados não se limitam
à esfera da medicina; na medida em que olham sobre múltiplas áreas do conhe-
cimento, a classe médica não consegue dar-lhes encaminhamento adequado.
O nascimento da bioética coincide, portanto, com a crise da ética médica tra-
dicional, restrita à normatização do exercício profissional da medicina e sem
preparo para responder às profundas mudanças no contexto das ciências bio-
lógicas. “O fenômeno da bioética” escreve Hugo-Tristam Engelhardt, filósofo e
médico texano, apud Heck 2005:

40 • capítulo 2
(...) está associado sob vários aspectos à desprofissionalização da ética médica e sua
reconceitualização como disciplina secular, orientada filosoficamente, não dependente
dos profissionais de saúde. (ENGEL HARDT apud HECK, 2005)

Os primórdios do novo ramo do conhecimento se confundem com a supe-


rexaltação de princípios que, desde tempos mais remotos, se confrontam com
as fatalidades da vida, as crueldades do destino e a ternura da morte certa. As
duas mais incisivas são obras teológicas que antecedem o estabelecimento da
bioética no cenário acadêmico norte-americano. Em 1954, o teólogo protestan-
te Joseph F. Fletcherautordo livro Morals and Medicine. The Moral Problems
of the Patient Rightto Know the Truth, Contraception, Artificial Insemination,
Sterilization, Euthanasia. O texto é considerado o primeiro no campo dos di-
reitos dos pacientes e antecede grande parte da problemática assumida pela
bioética. O segundo livro, intitulado The Patient as Person. Exploration in
MedicalEthics, lançado em 1970 pelo teólogo protestante Paul Ramseys, é tido
como texto propedêutico básico à bioética. (HECK, 2005)
Dessa maneira, acredita-se que tanto a bioética cotidiana como a bioética
da proteção demostram-se referenciais de análise consistentes para produzir
uma reflexão. A bioética cotidiana busca refletir sobre as situações da vida co-
tidiana que envolvem a sociedade e que são permanentemente ocultadas, omi-
tidas ou negligenciadas. Na bioética da proteção se preocupa com as questões
relativas ao fortalecimento das ações que visam à proteção da qualidade de vida
e da saúde humana. Nos dois modelos referenciais da bioética, se apresentam
e se aproximam, quaisquer que sejam, os princípios da responsabilidade e da
autonomia. (VERDI, CAPONI, 2005)
A bioética foi o campo da ética aplicada que mais avançou nas últimas déca-
das. Em seu processo evolutivo construtivo, três referenciais básicos a susten-
tam em seu estatuto epistemológico:
1. uma estrutura multiintertransdisciplinar, que torna possível análi-
ses ampliadas e “reorganizações” entre variados conteúdos de conhecimen-
to e diferentes ângulos das questões observadas, a partir da interpretação da
complexidade:
a) do conhecimento científico e tecnológico;
b) do conhecimento socialmente acumulado;
c) da realidade concreta que nos cerca e da qual fazemos parte;

capítulo 2 • 41
2. a necessidade do respeito ao pluralismo moral instalado nas democra-
cias secularizadas pós-modernas, que baseia a busca de equilíbrio e observân-
cia aos referenciais de sociedade específicos que orientam pessoas, sociedades
e nações no sentido da necessidade de convivência harmônica e sem superpo-
sições de padrões morais;
3. a compreensão da impossibilidade de existência de paradigmas bio-
éticosuniversais, o que levaria à necessidade de (re)estruturação do discur-
so bioético a partir da utilização de ferramentas e/ou categorias dinâmicas e
factuais como a comunicação, linguagem, coerência, argumentação e outras.
(GARRAFA, 2005)

Além de todo esse contexto que estudamos, devemos entender o contexto


cultural e social em que estamos inseridos. Agora vamos estudar três modali-
dades que exercem grande influência na reflexão ética: o individualismo, o he-
donismo e o utilitarismo.

2.3.1  Individualismo

O individualismo coloca que a atitude mais importante para tomarmos uma


decisão seja a reivindicação da liberdade, alinhada à garantia incondicional
dos espaços individuais. Claramente todos concordam que a liberdade é um
bem moral que precisa ser defendido. Porém, especialmente nesse caso, trata-
se de uma liberdade que se resume à busca de uma independência total. Dessa
maneira, se partirmos do princípio que nós somos seres sociais, frutos de rela-
ções familiares e dependentes de vínculos sociais, essa independência torna-se
impossível. Essas relações limitam as liberdades individuais e colocam respon-
sabilidades diante das consequências dos atos individuais na vida dos outros.
Os vínculos nos fortalecem, a independência nos fragiliza. Quando falamos de
“liberdade” logo devemos considerar a “responsabilidade” dos nossos atos.
(JUNQUEIRA, 2011)
Assim, consideramos que a liberdade de escolha do indivíduo é o valor
maior que deve ser respeitado. Qualquer situação que interfere na liberdade do
sujeito é considerado incorreto. (PUPLAKSIS, 2011)

42 • capítulo 2
2.3.2  Hedonismo

A lógica hedonista defende que a supressão da dor e a extensão do prazer cons-


troem o sentido do agir moral. Quando se fala em suprimir a dor e estender o
prazer, em um primeiro momento, pode parecer algo positivo. Os problemas
surgem quando essa busca se torna o único referencial para todas as nossas
ações. Este é o hedonismo. Reduz o desejo de felicidade a uma perspectiva de
nível físico, material, sensorial. (JUNQUEIRA, 2011)
Nalini 2009 p. 44, considera que no hedonismo, a felicidade está no prazer,
sendo ele sexual, no exercício da atividade intelectual ou artística ou na fruição
da tranquilidade tirada do deleite. Na sociedade em que vivemos atualmente,
é considerada hedonista porque troca todos os demais objetivos pela busca in-
cessante pelo prazer.
No pensamento hedonista, quando não é possível encontrar o prazer, é
preciso suprimir a dor a qualquer custo, ficando pelo menos, anestesiado. Por
exemplo: pelas drogas (cocaína), que não trazem a felicidade ao usuário (muito
pelo contrário, lhe cria muitos problemas), mas o tiram da realidade. E este es-
tar anestesiado não é suficiente para manter o sentido de viver do sujeito, para
ser feliz não é necessário uma constatação vinda de muita reflexão, mas uma
realidade que qualquer um pode ter. (PUPLAKSIS, 2011)

Nesta lógica hedonista, vivemos com bem somente quando é possível viver como os
personagens das novelas da televisão e das revistas: jovens “sarados” e bonitos; este
é o estereótipo do hedonismo. Mas todos tem que ser assim? E quem não é, não são
pessoas dignas? Não têm valor como pessoa humana? É claro que têm! Exatamente
por este motivo, essa corrente de pensamento deve ser analisada com extremo cuida-
do, para que ela não se torne o único sentido do nosso agir moral!

2.3.3  Utilitarismo

No utilitarismo, o parâmetro utilizado é a relação custo/benefício. Ou seja, nes-


se contexto, o lucro e o prejuízo banalizam as ações morais, pois as ações e as
relações são baseadas mediante os interesses, geralmente financeiros, do indi-
víduo. (PUPLAKSIS, 2011)

capítulo 2 • 43
Em relação a esse parâmetro custo/benefício, Sgreccia 1996, p. 74 relata:
“Mas esse princípio não pode ser usado como único e fundamental, “compa-
rando” bens não-homogêneos entre si, como quando se compara os custos em
dinheiro com o valor de uma vida humana.”
Em um primeiro momento, valoriza-se algo positivo: o justo desejo de que
nossas ações produzam frutos. O problema desse raciocínio utilitarista é que,
facilmente, entende-se que “só o que é útil tem valor”. Na sociedade capitalis-
ta em que vivemos, rotineiramente vemos que nossas ações são determinadas
pelo mercado. Isso é, que aqueles sujeitos considerados improdutivos, que
representam um custo para a sociedade, que perderam ou que nunca tiveram
condições físicas ou mentais para participar do sistema de produção de bens e
valores eficientemente, são classificadas como “inúteis”. É o caso por exemplo
dos idosos, dos deficientes físicos, das crianças com problemas de desenvol-
vimento. Na lógica utilitarista, não é viável ou é muito oneroso, defendê-los,
ampará-los, incentivá-los. (JUNQUEIRA, 2011)
E vocês, concordam que vivemos nessas cenas apresentadas acima?
Concordam que facilmente nos deparamos com algumas realidades como es-
sas e que nos levam a achar tudo isso “normal”, já que é tão rotineiro, como
alguns casos de eutanásia por exemplo? Enquanto que nós, como profissionais
de saúde, temos o dever de dar a essas pessoas condições suficientes para que
sejam respeitadas.

2.4  Paradigmas da bioética


Os paradigmas da bioética são divididos em quatro tópicos diferentes: secular,
confessional, principalista e fenomenológico. Os três primeiros são referentes
à bioética da área da saúde e o último é mais abrangente ao postular a bioética
da solidariedade antropocósmica.

2.4.1  A bioética secular

No trabalho monumental de H. Tristram Engelhardt, titulado: Os fundamentos


da bioética, uma obra do princípio neokantiana, específica dois princípios: a
autonomia e a beneficência.

44 • capítulo 2
2.4.1.1  O ponto de partida

A constatação do fracasso da filosofia moderna em tentar elaborar uma dou-


trina moral, de conteúdo universal, com capacidade de reunir convicções e co-
munidades morais diferentes. Isso seria o triunfo da razão e que abriria mão
do auxilio da metafisica e da religião, que secularmente fundamentavam a mo-
ralidade. Se fosse assim, a ética seria racional, universal e secular, não tendo
ligações com tutelas religiosas e metafísicas. (PEGORARO, 2010)
Para Engelharde, apud Pegoraro, 2010 p. 80:
“as tecnologias biomédicas oferecem um meio de tornar nossa natureza
conforme as metas por nós escolhidas.”
Com essa frase, o autor quer expressar que o desenvolvimento da ciência
não tem limites a priori, pois nela é realizada os fins que o indivíduo, enquanto
agente moral, dá a si mesmo.
Segundo Engelhard tapud Kuhlmann, 1993, pág.45, seu projeto pode ser
sintetizado em três pontos:

a) construir uma ética normativa;

b) fundar uma ética pluralista que tenha condições de refletir problemas cotidianos na
área da saúde.

c) e a elaboração da ética fundamentada na racionalidade que se posiciona acima das


exigências formais e vazias.

2.4.1.2  O pluralismo ético

Assim como estudamos nos aspectos distintos da ética, aqui na bioética tam-
bém não é adotado um discurso de conteúdo global ou canônico a ser seguido
por todas as sociedades. Mesmo porque a sociedade e os estados liberais con-
temporâneos são pluralistas, e sendo assim, englobam vários tipos de comu-
nidades de variadas convicções e têm decisões legais que podem ou não serem
aceitas por entidades particulares.

capítulo 2 • 45
O pluralismo se define como uma concepção ética e política indicada ao
desenvolvimento de sociedades compostas por indivíduos e grupos que não
compartilham das mesmas convicções culturais, morais, políticas, religiosas e
filosóficas, mas que, no entanto, decidem conviverem em conjunto e que, para
isso, acordam entre si um conjunto de regras que assegure uma boa convivên-
cia em sociedade. (BORBA; HOSSNE, 2010)
A pluralidade existe indiscutivelmente em toda a sociedade, é boa e deve
ser preservada. Porém, o problema que surge é a intolerância diante da indi-
ferença, ou seja, o conflito é gerado pela intolerância diante do exercício da
Liberdade, segundoEngelhardt 2004, a solução para o conflito é simples: a pos-
sibilidade de manutenção da diferença através da tolerância e da Liberdade. O
mesmo autor defende que a preocupação, na verdade, não está no conflito, mas
sim, naquilo que o gera.
Assim, cria-se uma questão: como criar uma bioética capaz de falar com
autoridade, em um contexto culturalmente pluralista? Em qual justificativa de
pauta, em termos éticos e bioéticos, a moralidade da reprodução humana in vi-
tro ou da eutanásia? Como construir uma bioética com capacidade de englobar
o pluralismo moral e os “estranhos morais” e ser um marco de encontro de paz,
entre muitas tendências? Engelhardt tem as resposta com a tentativa de cria-
ção de uma ética procedimental, mínima e secular. (PEGORARO, 2010, p. 82)

2.4.1.3  Ética procedimental, mínima e secular

Engel hardt apud Pegoraro 2010 p. 82, toma como tarefa descobrir uma manei-
ra pacífica dos indivíduos debaterem sobre um problema ético controvertido,
ou seja, o autor supõe que exista de um leque de perspectivas éticas, mas que
de alguma forma encontram um modo pacífico, um ponto de convergência,
ainda que mínimo. Esse diálogo é conhecido como “desconhecidos morais”,
os que não convergem das mesmas discussões éticas. Aos “estranhos morais”,
Engelhardt contrapõe os “amigos morais” como àqueles que convivem em um
mesmo grupo social, de orientações éticas definidas ou em comunidades reli-
giosas protestante, católica, judaica ou muçulmana. A cada uma dessas, o autor
supõe uma “comunidade particular” que são aceitas com seus princípios éti-
cos, derivados de uma filosofia ou da fé. Basta somente a elas, seguir o caminho
escolhido.

46 • capítulo 2
O maior problema gira em torno dos “estranhos morais”, compostos de in-
divíduos que queiram resolver-se pacificamente os problemas, sem recorrer a
princípios metafísicos ou a autoridade divina. Para Engelhardt apud Pegoraro
2010:

“O resultado do diálogo entre os “estranhos morais” deveria remeter pelo menos a


uma ética mínima e secular que embora não ilumine todo o campo moral, ou seja,
pelo menos, capaz de, através da negociação, estabelecer critérios de retidão moral e
determine, no seio de uma sociedade construída por numerosas comunidades morais,
aqui que é eticamente aceito fazer.” (ENGELHARDT apud PEGORARO, 2010, p. 82)

A ética procedimental oferece um quadro para a resolução de problemas


inseridos nas sociedades complexas e plurais. Trata-se de uma teoria comuni-
cativa que se define como única maneira de fazer normas justas e válidas ssur-
girem de discussões baseadas em argumentos realizada em lugares públicos
abertos, pluralista e igualitário entre todos os envolvidos. Porém, vale destacar,
que muitos questionamentos bioéticos surgem da vulnerabilidade ou até inca-
pacidade comunicacional do interlocutor, como por exemplo o caso dos ani-
mais e dos embriões. (BORBA; HOSSNE, 2010)
Os princípios que regem as discussões, escolhas e decisões consensuais de
uma bioética mínima e secular são os da autonomia e beneficência, que já estu-
damos anteriormente. Porém aqui, há outro paradigma, o primeiro proíbe toda
e qualquer imposição externa ao agente moral e o segundo ordena que se faça
o bem a todos. Ora, como é possível fazer o bem a um sujeito moral, se ele tem
o direito de recusar a ação, se baseando no conceito da autonomia. Engelhardt
soluciona esse impasse substituindo o “faça o bem aos outros” por: “faça aos
outros o bem que eles entendem que é o seu bem. (PEGORARO, 2010, p. 83)

2.4.2  A bioética confessional

Para a bioética confessional, existem dois esquemas éticos globais:

•  um, que parte do absoluto, criador do mundo e fundamento metafísico


de todas as normas éticas – elaborado na Antiguidade Medieval, mais rígido;
•  o segundo, que parte do homem como corpo, psiquismo e espírito e se
eleva ao absoluto, transcendente e fundamento da moralidade – elaborado

capítulo 2 • 47
como apoio à filosofia moderna e à psicologia contemporânea, mais flexível
aberto ao diálogo. (PEGORARO, 2010, p.86)

Vamos observar que os dois modelos chegarão às mesmas conclusões éti-


cas e as mesmas normas bioéticas quando falamos em problemas impostos
pela genética humana contemporânea. Também verificaremos que ambos os
modelos tem um enfoque central na dignidade humana.

2.4.2.1  O personalismo

Em Manual de bioética, Elio Sgreccia, um dos mais significativos representan-


tes deste modelo escreve um trabalho completo sobre o tema.

CONEXÃO
Assista a esse vídeo sobre bioética confessional, acesse:
Bioética Confessional Personalista: https://www.youtube.com/watch?v=p6jN1m5lLHI

A bioética traz características centrais, que são:

•  Reconhecermo-nos como seres racionais: o corpo é regido pelo espírito,


pela alma racional que o torna capaz de refletir e tomar suas decisões morais.
•  Na decisão ética existem dois momentos: o subjetivo e o objetivo, ou seja,
a avaliação subjetiva e livre é o primeiro momento da ação moral; e o segundo é
objetivo, onde prevalece a norma moral.

O personalismo clássico entende-se como um método triangular, onde


no primeiro ângulo está o fato científico basicamente, no segundo a análise
filosófica e antropológica do fato científico e no terceiro ângulo está a solu-
ção ética frente aos valores fundamentais do indivíduo e às normas objetivas.
Oferecendo assim critérios que demonstrem que o que é tecnicamente possí-
vel, muitas vezes é moralmente lícito. (PEGORARO, 2010, p. 86)
Assim como visto no vídeo, observamos que na cultura contemporânea des-
cobrimos que temos direitos e justamente esses são seus deveres, assim como
o inverso também é verdadeiro. Isso é na verdade o atuar respeitando as exigên-
cias que os outros contrapõe.

48 • capítulo 2
2.4.2.1.1  Lei natural, normas e valores
A Lei Natural, com notáveis ligações com a religião, esta inserida no modelo
pela qual o homem não é sujeito, em relação ao seu destino, e sim objeto de
algo pré-determinado que ele não poderá modificar (ou mesmo entender). As-
sim, segundo o filósofo italiano Mori, apudSegre; Silva; Scharamm, 2009: (...) o
matar e o deixar morrer assumem idêntica situação ética. (MORI apud SEGRE;
SILVA; SCHARAMM, 2009)
Isso significa que apesar de nos parecer óbvio, inclusive juridicamente, que
pelo dano resultante da ação ou da omissão de quem quer que seja, o autor é
igualmente responsabilizado. (SEGRE, SILVA, SCHARAMM 2009)
Em resumo, a lei ética é a lei natural, inseridas na estrutura ontológica do
homem, que exige que se faça o bem e evite o mal. Sendo considerado o bem
como aqui que corresponde à essência de cada coisa e mal tudo o que é oposto
a esta estrutura. (PEGORARO, 2010, p. 90)
Assim, a lei natural, é o espelho da lei transcendente e divina que construiu
a ordem dos valores. Portanto, as leis positivas, religiosas ou políticas jamais
podem transgredir a lei moral fundamental. (PEGORARO, 2010, p. 90)

2.4.2.1.2  Princípios derivados: a metabioéica


Neste esquema doutrinário geral estão inseridos alguns corolários que norteiam
a intervenção humana sobre a vida, na área da saúde. Esses princípios metabioé-
ticos, descritos abaixo, são os orientadores das normas práticas da bioética:

Apontado como fundamental, considera que a vida


corpórea e física do homem é extrínseco a ele, e
antes de tudo vital. É contraditório dizer, portanto,
PRINCÍPIO DA DEFESA DA a importância desse princípio em relação a vários
VIDA FÍSICA tipos de supressão da vida humana como: o homi-
cídio, o suicídio, o aborto, a eutanásia, o genocídio e
assim por diante. (FERREIRA, 2002)

Em defesa, primeiramente, da vida, tanto a


própria quanto a do próximo. Sendo consi-
PRINCÍPIO DA LIBERDADE derado anterior ao direito da liberdade, pois
a vida é condição do exercício da liberdade.

capítulo 2 • 49
O princípio da liberdade proíbe, por exemplo,
qualquer tentativa de eutanásia, pois ninguém
pode escolher a supressão da própria vida, sen-
PRINCÍPIO DA LIBERDADE do ela, considerada, um dom maior e anterior a
qualquer outra qualidade ou capacidade humana.
(PEGORARO, 2010, p.91)

Esse princípio, também conhecido como prin-


cípio terapêutico, trata da intervenção sobre a
parte doente ou que diretamente é a causadora
do mal, para salvar o organismo são, quando não
há outros meios de findar a doença, quando exis-
PRINCÍPIO DA tem grandes chances de sucesso. (FERREIRA,
TOTALIDADE 2002) Porém, o personalismo toma muito cuida-
do para não incluir neste princípio a eutanásia, o
aborto terapêutico e a fecundação in vitro, pois
nestes, não se visa salvaguarda da totalidade.
(PEGORARO, 2010, p. 91)

Neste princípio está consagrado à mútua coo-


peração entre os indivíduos na promoção e na
defesa da vida e da saúde, onde há o apoio de
PRINCÍPIO DA ambos em casos de surtos epidemiológicos, po-
SOCIALIDADE luição desmedida e doação de órgãos e tecidos
por exemplo, que só poderão cessar ou pelo me-
nos ajudar a sociedade, através da ação fraterna
da comunidade. (FERREIRA, 2002)

2.4.2.2  A antropologia personalista

Este modelo enraíza-se na filosofia moderna, especialmente de corte hegelia-


no, sendo considerado mais suave que o personalismo clássico. Inspirados nos
escritos de Henrique C. Lima Vaz. (PEGORARO, 2010, p. 93)

50 • capítulo 2
O principal objetivo da antropologia personalista é ilustrar um horizonte
que nos ajude a esclarecer e tomar decisões éticas e bioéticas sobre compor-
tamentos humanos. Sua base é a tríplice estrutura do ser humano: somática,
psíquica e espiritual. (PEGORARO, 2010, p 93)
Essa antropologia representa uma visão dialética do processo que compre-
ende o ser humano como movimento entre as estruturas: corpo, psiquismo,
espírito e a expressão pela mediação do indivíduo nas relações de objetividade
com o mundo, intersubjetividade com os demais e transcendência com o ab-
soluto. Estas relações se estabelecem como conteúdo de valor e de significa-
dos éticos e morais objetivos e subjetivos no estudo do desenvolvimento moral.
Os valores e significados propostos são aqueles que acontecem pela natureza
própria do ser humano como ser vivente no mundo, na relação com os outros
e chamado à transcendência, enquanto os subjetivos são aqueles elaborados
pela consciência, fundamentados na liberdade e na autonomia própria do ser
humano. Esses aspectos são importantes para a compreensão do desenvolvi-
mento moral e ético do indivíduo, na relação com os outros e com o transcen-
dente. (BORDIGNON, 2012)
Nosso corpo se apresenta como substância material e ao mesmo tempo o
percebemos como um organismo vivo, com funções definidas, articulado em
órgãos, formando assim uma totalidade biológica impecável. E por fim, obser-
vamos que o personalismo liga intrínseca e ontologicamente esta estrutura fí-
sica com as demais estruturas: psíquica e espiritual. (PEGORARO, 2010, p. 94)
A unidade psíquica, das virtualidades e mecanismos do eu é um sujeito ab-
soluto - unidade ontológica ou pessoa-síntese de condições da sua natureza –
em que o atualismo se extrema nas limitações de um pensamento e de uma
liberdade. Assim, da consciência transcendental caminharemos à imanência
ou à pessoalidade do absoluto. (FERREIRA, 1971)
A existência propriamente humana é existência espiritual, noética. Com
essa consideração, a dimensão noética é considerada superior às outras, sendo
também mais compreensiva porque inclui as dimensões inferiores, sem negá
-las. O homem se diferencia dos animais porque faz parte de seu ser a dimensão
noética. O homem não nega suas demais dimensões, mas sua essência central
está na dimensão espiritual, dimensão da vivência da liberdade e da respon-
sabilidade, caracterizada propriamente pela capacidade de responder, ou seja,
pela liberdade de atuar no momento em que o indivíduo decide se posicionar
diante das circunstâncias presentes no cotidiano. (SOUZA; GOMES, 2012)

capítulo 2 • 51
Neste contexto, o indivíduo é a essência humana enquanto realização do
seu ser ontológico. Ou seja, o indivíduo é sempre um ser concreto, histórico
que sintetiza em si a corporalidade, a psiquê e o espírito e suas relações com o
ambiente (mundo) e com o absoluto, com a amplitude do infinito como último
horizonte e supremo sentido. (PEGORARO, 2010, p. 92)
Portanto, a antropologia personalista fundou um paradigma ético, conjugan-
do a tríplice estrutura ontológica do indivíduo. Dele enxerga-se a importância de
introduzir o conceito de relação que, entretanto, fica marginalizado do núcleo
central. Contrário a esse conceito, Santo Agostinho e a fenomenologia na era
contemporânea, superaram este receio e estudaram o sujeito como existência
relacional, aberta, sem necessidade de um núcleo fixo que garanta a identidade
ontológica do indivíduo. O que é o espírito senão uma dimensão da psiquê? A
antropologia personalista talvez queira dar ênfase ao fato da inteligência conse-
guir discutir o mundo transcendental da verdade, do bem, da justiça e indagar-se
sobre Deus.

2.4.3  O principialismo: autonomia, beneficência e justiça

Ao contrário das posições filosóficas


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anteriores, confessional e secular, que


norteiam os temas éticos e bioéticos no
campo da saúde, o principialismo é de
inspiração utilitarista e, portanto, de uma
ética calculada. A razão utilitarista calcu-
la essas consequências como benéficas
ou maléficas de uma atitude, tomada de
posição terapêutica ou de uma pesquisa
científica. Mediante várias alternativas,
a razão calculante tem como obrigató-
ria a atitude, a decisão que maximiza o
bem-estar, a saúde e minimiza os efeitos
colaterais, o sofrimento, o desprazer e o
mal-estar. (PEGORARO, 2010, p. 98)
Os princípios da autonomia, beneficência e justiça nós já conceituamos
no início da unidade, portanto agora discutiremos o principal paradigma do
principialismo.

52 • capítulo 2
Observamos que os três princípios englobam, de maneira simples e prática,
todos os atores da área da saúde: o paciente, a equipe médica e a justiça. Ótimo,
assim teremos uma perfeita harmonia entre a ética e bioética estudada e a re-
alidade? Não! Como por exemplo, interpretar os três princípios de modo uní-
voco, se quando os colocamos em prática, se conflitam? Como solucionar, em
termos de justiça, as necessidades de equipamentos médicos, quando temos
um orçamento restrito? Ou como balancear a grande demanda de pacientes
com um corpo clínico mínimo, a falta de recurso e espaços para atendimento?
(PEGORARO, 2010, p. 100)

2.4.4  Ética e bioética fenomenológica

A ética e a bioética fenomenológicas vão à contra mão dos tipos de éticas es-
tudados até agora, visto que elas são eminentemente indutivas. Divide-se em
quatro os passos da ética fenomenológica até chegar a uma resolução dos pro-
blemas éticos e bioéticos, segundo Pegoraro 2010, p. 107:

a) Parte-se de dados da existência pessoal e histórica;

b) Eleva-se a uma linha de postulados flexíveis;

c) Entre esses dois polos se estabelece um vaivém reflexivo;

d) Desenvolve juízos éticos em situação.

Nestas quatro etapas do juízo-em-situação estão implícitas duas grandes


referências. Uma é a concepção aberta da ética, que não se espera um conjun-
to de princípios, como visto em paradigmas anteriores. A ética fenomenológi-
ca se baseia na ideia de um estilo de vida, um horizonte que o indivíduo traça
para si ou um rumo ético. Não há um caminho linear para alcançá-lo. Em cada
situação há de se descobrir, se criar e inventar o caminho. Os tratados de éti-
ca de destaque, desde os gregos até os dias atuais, traçam que os horizontes
éticos são compilados em três referências conjugadas: justiça, solidariedade e
paz. Esses adjetivos devem ser dos sujeitos e das estruturas sociais. Em cada

capítulo 2 • 53
época existe uma maneira de fazer justiça, criar solidariedade e promover a paz.
Assim, a ética é inventiva e criativa. (PEGORARO, 2010, p. 108)
Para Heidegger (1988, p. 68), na bioética fenomenológica, a liberdade e a ca-
pacidade de questionar são estruturas ontológicas “do ser que nós sempre so-
mos”. Ou seja, a existência humana é caracterizada pela capacidade de questio-
nar sobre o sentido da existência própria e das que nos cercam (HEIDEGGER,
1988, p. 68).
O paradigma central da bioética fenomenológica não é “o que devo fazer” e
sim “o que esta acontecendo ao redor de mim”. Isso é, parte através da análise
dos acontecimentos pessoais, históricos, científicos e genéticos construindo
diretrizes e orientações interpretativas de tais. (PEGORARO, 2010, p. 112)
A bioética fenomenológica, evitando o perigo do subjetivismo, expõe quatro
elementos decisivos: o diálogo, a argumentação, a sabedoria prática e a narrati-
va (VIAFORA, 1990, p. 171)

ATIVIDADES
01. Quais são os três princípios básicos da ética, norteadores da pesquisa biomédica com
seres humanos?

02. Qual o conceito mais recente que define a bioética?

REFLEXÃO
A história da Bioética no Brasil é marcada por constantes empates teóricos, em diversos
momentos os desafios retrocederam a questões básicas tais como, qual caminho seguir?
Quais as características do indivíduo ético? E onde se da a sua formação? A definição do
que é Bioética, está em um momento dinâmico de discussão, devido às presentes e futuras
utilizações e técnicas que auxiliem o indivíduo na busca incessante pelo prolongamento e
manutenção da vida e das relações interpessoais. Essa discussão está somente começando,
vale a pena buscar o aprofundamento dela por meio da leitura das obras indicadas.

54 • capítulo 2
LEITURA
Para ampliar seu conhecimento, leia o artigo “Bioética da vida cotidiana” de Claudio Cohen
e Gisele Gobbetti. Ciência e Cultura, vol. 56, no.4. São PauloOct./Dec. 2004, acesso http://
cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252004000400020&script=sci_arttext
acessado em 19/04/2015.

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DURAND, Guy. Introdução geral a bioética – história, conceitos e instrumentos. 2 edição, São Paulo:
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SEGRE, M., SILVA, F. SCHARAMM, F.R. O contexto histórico, semântico e filosófico do princípio
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VIAFORA, C. Vent’annidi bioética. Pádova: Lanza. 1990.

56 • capítulo 2
3
Diretrizes e Normas
Regulamentadoras
de Pesquisas
Envolvendo Seres
Humanos– um
estudo comentado
Neste terceiro capítulo falaremos sobre as normas e diretrizes que estão em
vigor e que regulamentam as atividades de pesquisas envolvendo seres huma-
nos, tanto a nível nacional, quanto a nível internacional.

OBJETIVOS
•  Conhecer as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos;
•  Esclarecer sobre os aspectos legais do termo de consentimento livre e esclarecido;
•  Entender sobre o protocolo de pesquisa, comitê de ética em pesquisa e comissão nacional
de ética em pesquisa;
•  Conhecer as Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.

58 • capítulo 3
3.1  Diretrizes e Normas para a
Pesquisa Envolvendo Seres Humanos-
Resolução Nº 466/2012.
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A presente resolução considera o respeito pela dignidade humana e pela es-


pecial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo
seres humanos, o desenvolvimento e o engajamento ético, que é inerente ao de-
senvolvimento científico e tecnológico; o progresso da ciência e da tecnologia,
que desvendou outra percepção da vida, dos modos de vida, com reflexos não
apenas na concepção e no prolongamento da vida humana, como nos hábitos,
na cultura, no comportamento do ser humano nos meios reais e virtuais dispo-
níveis e que se alteram e inovam em ritmo acelerado e contínuo; o progresso
da ciência e da tecnologia, que deve implicar em benefícios, atuais e potenciais
para o ser humano, para a comunidade na qual está inserido e para a sociedade,

capítulo 3 • 59
nacional e universal, possibilitando a promoção do bem-estar e da qualidade
de vida e promovendo a defesa e preservação do meio ambiente, para as presen-
tes e futuras gerações. (BRASIL, 2012)
Além das considerações acima, a resolução 466 ainda assume as questões
de ordem ética suscitadas pelo progresso e pelo avanço da ciência e da tecno-
logia, enraizados em todas as áreas do conhecimento humano; o progresso e
seu avanço devem, sempre, respeitar a dignidade, a liberdade e a autonomia
do ser humano; os documentos que constituem os pilares do reconhecimen-
to e da afirmação da dignidade, da liberdade e da autonomia do ser humano,
como o Código de Nuremberg, de 1947, e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948; os documentos internacionais recentes, reflexo das gran-
des descobertas científicas e tecnológicas dos séculos XX e XXI, em especial a
Declaração de Helsinque, adotada em 1964 e suas versões de 1975, 1983, 1989,
1996 e 2000; o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, de 1966; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de
1966; a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos,
de 1997; a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, de
2003; e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2004 e a
Constituição Federal da República Federativa do Brasil, cujos objetivos e fun-
damentos da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político e os
objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o de-
senvolvimento nacional, de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais e de promover o bem de todos, sem qualquer
tipo de preconceito, ou de discriminação coadunam-se com os documentos in-
ternacionais sobre ética, direitos humanos e desenvolvimento. (BRASIL, 2012)
A resolução incorpora novos documentos internacionais como a
DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE O GENOMA HUMANO, A DECLARAÇÃO
INTERNACIONAL SOBRE OS DADOS GENÉTICOS HUMANOS E A DECLARAÇÃO
UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS. Porém, não se refere à
Declaração de Helsinque, que até em sua última versão de 2008 era incluída,
referindo-se somente às versões até o ano de 2000 (quando o uso do placebo
não era flexibilizado).
Esta resolução aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesqui-
sas envolvendo seres humanos, assim todos os projetos de pesquisa deverão
atendê-la. (BRASIL, 2012)

60 • capítulo 3
A presente resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletivida-
des, referenciais da bioética, tais como, autonomia, não maleficência, benefi-
cência, justiça e equidade, dentre outros, e visa assegurar os direitos e deveres
que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao
Estado. (BRASIL, 2012)
A resolução inicia conceituando alguns termos, e também observamos que
para esta atualização, em estudos acadêmicos, as instituições passam a ser re-
conhecidas como patrocinadoras, tendo assim, todas as obrigações inerentes
a esse título.
Na unidade III, a resolução explica os aspectos éticos da pesquisa envolven-
do seres humanos, considerando o respeito ao participante da pesquisa em sua
dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua
vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por intermédio de
manifestação expressa, livre e esclarecida; ponderação entre riscos e benefí-
cios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coletivos, comprome-
tendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos; garantia
de que danos previsíveis serão evitados; e relevância social da pesquisa, o que
garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido
de sua destinação sócio humanitária. (BRASIL, 2012)
Também aponta as exigências nos quesitos que os princípios científicos
que justifiquem a pesquisa e suas possibilidades concretas de responder a in-
certezas. (BRASIL, 2012)
A resolução esclarece todo o processo de consentimento livre e esclarecido
e das normas para elaboração do TCLE, que garante ao participante autonomia
para se manifestar, como o próprio nome diz, de forma livre e esclarecida, e as-
sim, aqui se dá as maneiras usuais para que todo esse processo aconteça. Além
disso, nesta atualização tornou-se obrigatória a rubrica em todas as páginas do
termo, o processo geralmente já acontecia, mas não era previsto na atualização
anterior. E também se tornou obrigatório, nos estudos encaminhados para o
CONEP, o contrato da comissão explicitado no TCLE.
Ainda nesta resolução, há o tópico que preconiza tudo que engloba os ris-
cos e benefícios referentes á pesquisa envolvendo seres humanos. Neste tópico,
procura-se garantir que a pesquisa só ocorra caso os benefícios justifiquem os
danos, e caso estes ocorram os meios que devem ser percorridos para serem
sanados.

capítulo 3 • 61
Há também na resolução toda explicação referente ao protocolo de pesqui-
sa, do sistema CEP/CONEP (Comitê de Ética em Pesquisa e Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa, respectivamente) em que se enfatiza a hierarquia da sub-
missão da pesquisa e ainda, foi incorporado esse título nesta atualização en-
fatizando o caráter de integralidade e parceria do sistema CONEP/CEPs, que
devem atuar num trabalho cooperativo e de interrelação.
Ainda, a resolução atribui a cada comitê, tanto o CEP quanto o CONEP, suas
atribuições com o objetivo desse tópico é distribuir entre as instâncias envolvi-
das na hierarquia da aprovação da pesquisa científica, as funções referentes a
cada uma. E nesta atualização foi inserida a priorização dos temas de relevância
pública e de interesse do SUS e foram retirados os prazos para análise. E ainda
podemos entender aqui que qualquer copatrocínio do governo exclui a necessi-
dade de envio para CONEP. Porém, projetos de alunos com bolsas de agências
de fomento não precisariam mais ser encaminhados.
A CONEP/MS é uma instância colegiada, de natureza consultiva, delibera-
tiva, normativa, independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde. Isto
significa que em uma instância acima do CEP está a CONEP/MS que atua como
superior hierárquico e consultivo, e que como visto na resolução tem outras
funções de maior grandeza que o CEP. E a CONEP/MS por sua vez, deve se re-
portar ao Conselho Nacional de Saúde (CNS). Vale ressaltar que a Resolução
CNS 466 (2012) é considerada uma recomendação ética e não uma lei, mas isso
não a torna mais ou menos relevante.

Assim, concluimos que a Resolução 466/2012, fundamentou-se nos mais


importantes documentos internacionais de que derivaram declarações e dire-
trizes sobre pesquisas envolvendo seres humanos, ela deve ser considerada a
regulamentação norteadora da ética em pesquisas envolvendo seres humanos
no Brasil, inserindo sob o olhar do indivíduo e das coletividades os quatro refe-
renciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justi-
ça, entre outros, e pretende assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à
comunidade científica, aos indivíduos da pesquisa e ao Estado.
Esta Resolução define a pesquisa como uma classe de atividades que ob-
jetiva desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável que con-
siste em teorias, relações ou princípios ou no acúmulo de informações sobre
os quais estão baseados, que podem ser corroborados por métodos científicos

62 • capítulo 3
aceitos de observação e inferência, e a pesquisa envolvendo seres humanos
como aquela que, individual ou coletivamente, insira o sujeito de forma direta
ou indireta, em partes ou em sua totalidade, incluindo o manejo de informa-
ções ou materiais.
A mesma Resolução ainda entende, que todo procedimento de qualquer
natureza envolvendo o indivíduo, cuja aceitação não esteja ainda consagrada
na literatura científica, será considerado como pesquisa e, dessa maneira, de-
verá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os procedimentos referidos
incluem entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional,
educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles
farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica
ou terapêutica.
Dessa maneira, observamos uma base atual e norteadora para pesquisado-
res que desejam envolver seres humanos em seus trabalhos.

CONEXÃO
Para ter acesso a esta resolução na íntegra, acesse:
Resolução Nº 466, DE 12 de dezembro DE 2012: http://conselho.saude.gov.br/resolu
coes/2012/Reso466.pdf

3.2  Diretrizes Éticas Internacionais para a


Pesquisa Envolvendo Seres Humanos

Esta diretriz direciona as pesquisas envolvendo seres humanos em trabalhos


internacionais. Assim, há também um direcionamento em relação ao consen-
timento informado e também no caso do sujeito a ser pesquisado ou, no caso
de um indivíduo que não seja capaz de dar um consentimento informado, um
consentimento por delegação de um representante adequadamente autoriza-
do. Ainda dá instruções sobre a indução à participação, do envolvimento de
crianças em pesquisas, da pesquisa envolvendo pessoas com distúrbios men-
tais ou comportamentais, da pesquisa envolvendo prisioneiros, da pesquisa
envolvendo indivíduos de comunidades subdesenvolvidas, do consentimento

capítulo 3 • 63
informado em estudos epidemiológicos. Neste último caso, explica que o estu-
do epidemiológico envolve contatos diretos entre o pesquisador e os indivídu-
os, as exigências gerais para a utilização do consentimento informado são di-
retamente aplicadas. No caso de grupos populacionais com estruturas sociais,
costumes comuns e lideranças reconhecidas, o pesquisador deverá assegurar
uma cooperação e obter a concordância da liderança do grupo.
E ainda, a diretriz prevê a distribuição equitativa de riscos e benefícios, a
seleção de gestantes e nutrizes como sujeitos de pesquisa, a salvaguardas à
confidencialidade, dos direitos dos sujeitos à compensação, da constituição e
responsabilidades dos comitês de revisão ética e das obrigações dos países pa-
trocinadores e anfitriões.
As diretrizes internacionais nos trazem realidades bem parecidas com a
brasileira, dentre vários pontos, observamos alguns pontos diferentes que: dis-
põe sobre a indução da participação que da liberdade de pagamento – sem ex-
cesso – ao indivíduo participante da pesquisa, da participação de prisioneiros,
do envolvimento de indivíduos de comunidade subdesenvolvidas e das obriga-
ções dos países anfitrião e patrocinador. Vamos passar para a reflexão sobre o
conteúdo abordado!

CONEXÃO
Para ter acesso a esta resolução na íntegra, acesse:
Diretrizes Éticas Internacionais Para A Pesquisa Envolvendo Seres Humanos
http://www.ufrgs.br/bioetica/cioms.htm

ATIVIDADES
01. Quais são as garantias que o participante de pesquisa científica consegue com o TCLE,
segundo a resolução nº 466/2012?

02. Quais são os pontos divergentes em relação á resolução nº 466/2012 e as diretrizes


éticas internacionais?

64 • capítulo 3
REFLEXÃO
Ao final da leitura da Resolução, fiquei intrigada com alguns aspectos, esta prevê a garantia
de que danos previsíveis serão evitados, o que vocês pensaram lendo esse tópico? Eu fiquei
questionando, será que todos os danos previsíveis são mesmo previstos? Como isso é possí-
vel se estamos falando de pesquisa científica? E quanto aos animais, porque eles podem ser
usados em pesquisa? Entendo que existem leis que regulamentam sua utilização, mas seria
mesmo ético o uso? E quanto às pesquisas envolvendo medicamentos? Será que ao final do
processo já é sabido tudo sobre o medicamento, a ponto de realmente não causar dano, ou
os cobaias somo nós, população que massifica o uso, e aí sim veremos o resultado em uma
amostragem real?
O que acharam de ter um representante da sociedade como componente do CEP? Este
indivíduo seria aquele que teria o olhar de um membro da sociedade dentro do comitê, inte-
ressante não é?
E vocês, alunos, quais reflexões tiveram ao final da leitura das resoluções?
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capítulo 3 • 65
CONEXÃO
Listo os documentos abaixo como referência para o estudo da legislação bioética, acesse:
Resolução 251/97 - Normas de Pesquisa com Novos Fármacos, Medicamentos, Vacinas
e Testes Diagnósticos Envolvendo Seres Humanos
Resolução Normativa 01/97/HCPA - Uso de prontuário e bases de dados
Resolução Normativa 02/97/HCPA - Uso de material biológico descartado
Diretrizes, Normas e Leis em Pesquisa em Saúde
Comitê de Ética em Pesquisa
Formulário de Registro de Comitê de Ética em Pesquisa
Roteiro para Abordagem de Casos em Ética Aplicada à Pesquisa
Ética Aplicada à Pesquisa em Seres Humanos (aula)
Página de Abertura - Bioética

CONEXÃO
Assista a esse vídeo sobre bioética confessional, acesse:
SIMPÓSIO NACIONAL DE SERVIÇO SOCIAL EM SAÚDE - 2009:
https://www.youtube.com/watch?v=6HJowc_r0qs

LEITURA
FREITAS, Corina Bontempo Duca. O sistema de avaliação da ética em pesquisa no Brasil:
estudo dos conhecimentos e práticas de lideranças de comitês de ética em pesquisa [tese].
São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 2006.

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regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da União, 2012.

66 • capítulo 3
4
Movimento
Bioético:
Discussões Atuais
e Possiblidades
Futuras
Iniciaremos esse capítulo contextualizando a construção do conhecimento na
prática do ensino da ética e bioética.
Após esse tópico, entramos em temas polêmicos que envolvem as pesquisas
com seres humanos em seus aspectos risco/benefício e princípios éticos, trans-
plantes de órgãos e tecidos humanos, ética nas vertentes como: reprodução hu-
mana, tanatologia e epidemias.

OBJETIVOS
•  Conhecer métodos e estratégias de ensino para a construção do conhecimento, envolven-
do avaliação de riscos e benefícios nas pesquisas em seres humanos e uso de animais em
pesquisas biomédicas;
•  Apresentar as polêmicas envolvidas em transplante de órgãos e tecidos humanos;
•  Definir os aspectos éticos em reprodução humana;
•  Relacionar a ética com a tanatologia;
•  Conhecer os aspectos éticos nas epidemias.

68 • capítulo 4
4.1  Ética, Bioética e construção de
conhecimento

Os métodos e as estratégias de ensino não devem consolidar uma prática de


transmissão de valores e normas a serem acatadas e cumpridas pelos alunos.
O pano de fundo do ensino e da aprendizagem da ética devem ser os contextos,
os conflitos de convivência e de trabalho, na qual os alunos e os professores
estabelecem o diálogo. Quando falamos de ensino e aprendizagem da ética, ob-
servamos que nas experiências reais e diretas da vida coletiva e do processo de
trabalho em saúde são os contextos em que elas se dão de maneira mais eficaz.
Dessa maneira, é fundamental que se tenha um ambiente em que a ética e a
prática da ética seja uma vivência concreta. Alguns modelos de ensino como a
problematização e a aprendizagem baseada em problemas são tidas como efi-
cazes, porém para a formação moral é preciso que os educadores fundamen-
tem sua prática em uma determinada epistemologia ou teoria do conhecimen-
to. Não é suficiente metodologias e meios inovadores, se o docente não tiver
uma concepção pedagógica bem estruturada para fundamentar e direcionar
sua prática educativa. (FERREIRA; RAMOS, 2006)
Quando pensamos em métodos e instrumentos de ensino logo nos repor-
tamos a uma reflexão teórica consistente sobre o processo de aprender e, para
isso, os conceitos centrais da psicologia genética de Jean Piaget são de grande
relevância. Segundo ele, para o reconhecimento de alguma coisa, o indivíduo
desenvolve formas de ação, variando desde formas externas e visíveis, quando
manipula objetos e interage com a natureza, como internas e não visíveis, des-
critas como operações mentais. Para a psicologia, a conduta moral e a compe-
tência ética são questões quem vem do próprio desenvolvimento sociocognitivo
do sujeito no seu meio, na sua cultura. O julgamento moral e o comportamen-
to moral são uma questão de desenvolvimento cognitivo que precisa de matu-
ração biológica das estruturas mentais, bem como da qualidade de interação
do ser humano com o ambiente como desenvolvimento psicossocial. Assim, é
possível compreender que a aprendizagem para o desenvolvimento moral en-
contra fundamentos nas teorias psicológicas interacionistas e socioculturais,
pois explicam que as aprendizagens advém da interação entre o indivíduo que
aprende e o objeto do conhecimento,em um determinado ambiente cultural.
A aceitação de que o conhecimento se concretiza através das representações
mentais que o indivíduo estabelece a partir de sua relação com o objeto e deste

capítulo 4 • 69
com os outros objetos, nos leva a afirmar que a problematização, sendo uma
categoria de construção de conhecimento, é uma alternativa plausível para o
ensino da ética e da bioética. A problematização requer experimentação, traba-
lho em grupo e pesquisa como elementos de provocação, de desafio, de signifi-
cação para diversas atividades pedagógicas. (FERREIRA; RAMOS, 2006)
Assim, objetiva-se com o ensino, contribuir com a formação integral do fu-
turo profissional da área de saúde, transmitindo conhecimentos que norteiam
uma prática profissional com conteúdo ético incluindo noções sobre prin-
cípios, regras e virtudes comuns. Neste contexto, a bioética surge como uma
disciplina para esclarecer valores e escolhas para pacientes e profissionais de
saúde. (MUSSE et al, 2007)
A transversalidade do ensino da ética e da bioética em cursos da área da saú-
de deve vir de um processo participativo, que envolve ativamente professores,
alunos, profissionais da saúde e representantes dos usuários dos serviços de
saúde .Oficinas para revisão e reformulação de conceitos relacionados à ética e
à bioética são de extrema importância e,mais do que isso, conceitos pedagógi-
cos devem ser exaustivamente discutidos para a transformação da práxise para
o resgate do verdadeiro sentido da enfermagem:o respeito à vida do ser huma-
no. (FERREIRA; RAMOS, 2006)

CONEXÃO
Assista a esse vídeo sobre construção do conhecimento, acesse:
Construção Do Conhecimento Prof. Ms. Bruno Tamancoldi:
https://www.youtube.com/watch?v=NU3WYrDJgYo

4.1.1  Avaliação de riscos e benefícios nas pesquisas em seres


humanos à luz dos princípios éticos

Quando estudamos os princípios da bioética, observamos que no princípio


da beneficência não bastava tratar o indivíduo como autônomo, mas também
deveríamos contribuir para seu bem-estar. Além da compaixão, bondade, cari-
dade, altruísmo, amor, humanidade, o princípio da beneficência, em pesqui-
sa envolvendo seres humanos, deve ser visto de modo que contemple todas as

70 • capítulo 4
formas de ação que tenham o propósito de beneficiar outras pessoas. Deve-se,
portanto, proceder a uma ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais
como potenciais, individuais ou coletivos, buscando o máximo de benefícios e
o mínimo de danos e riscos. (CASTILHO; KALIL, 2005).
Toda vez que realizamos um avanço científico ou tecnológico, a humanidade
fica diante da possibilidade de obter benefícios, porém os riscos devem ser con-
siderados. O risco na pesquisa com seres humanos deve ser compreendido como
probabilidade de dano que, obrigatoriamente, estará associado ao experimen-
to. Potencialmente, devemos considerar que todo experimento pode provocar
danos eventuais ou permanentes de natureza física, psicológica, social, moral,
intelectual, cultural, espiritual e econômica. Mesmo porque até as intervenções
terapêuticas de rotina, estão associadas a efeitos colaterais. (ARAÚJO, 2003)
Na condução de uma pesquisa médica, quando o sujeito da pesquisa é o ser
humano, devemos nos atentar para todos os conceitos éticos, que já estudamos
anteriormente. Pragmaticamente, baseia-se em ter princípios para avaliação
ética de um projeto, a saber: 1) consentimento do sujeito; 2) manutenção da
privacidade das informações do sujeito; 3) aprovação pelos pares e pela comu-
nidade. A aprovação pelos pares se baseia na relevância da questão científica, a
relação entre o benefício da informação que será obtida com a pesquisa e o ris-
co do sujeito, e a qualidade científica da proposta para responder as questões
levantadas. (CASTILHO; KALIL, 2005).
Nesse sentido o TCLE, que estudamos no capítulo III, este é um importante
documento na pesquisa envolvendo seres humanos no sentido de precaver ris-
co/benefício, pois tem o compromisso de esconder riscos inerentes à pesquisa,
ou ser direcionado aos pares que analisarão à proposta. Em sua redação não
deve tomar direcionamento visando à proteção do pesquisador, de instituição
ou de patrocinador. Além disso, deve estar claramente especificados os possí-
veis desconfortos, os riscos e os possíveis benefícios; como o paciente consegui-
rá obter continuidade se caso venha a se beneficiar do tratamento e como será
indenizado ou tratado por problemas decorrentes da pesquisa. (CASTILHO;
KALIL, 2005).
Sempre que envolvemos seres humanos em pesquisa científica, jamais po-
demos contar com a sorte! Tudo deve ser metodologicamente e rigorosamente
precavido, documentado e consentido pelo paciente.

capítulo 4 • 71
4.1.2  Uso de animais em pesquisa biomédica

O uso de animais em pesquisas científicas, sempre tiveram e continuam tendo


papel inquestionável na maioria dos avanços relacionados com a melhora da
saúde humana no último século. Doenças como câncer, diabetes, aterosclero-
se, entre outras, tiveram seus mecanismos de doenças conhecido graças a essas
pesquisas. Além disso, da descoberta do antibiótico, analgésico, anestésicos e
antidepressivos, até mesmo o sucesso no desenvolvimento dos transplantes de
órgãos, cateterismo cardíaco, marca-passo cardíaco e muitas outras técnicas
cirúrgicas, a grande maioria de protocolos de pesquisa sobre segurança, toxi-
cidade, eficácia e controle de qualidade de novos fármacos passam pelo uso de
animais de laboratório. Nos últimos 100 anos, a expectativa de vida aumentou
em quase 30 anos, graças as pesquisas científicas na área médica, praticamente
todas realizadas em animais. Prova disso são que 75% dos vencedores de prê-
mio Nobel de Medicina e Fisiologia, desde sua origem até os dias atuais, traba-
lhavam com animais de laboratório. (FEIJÓ; BRAGA; PITREZ; 2010, p. 68)
Importante lembrar também, que essas pesquisas também levaram a incal-
culáveis benefícios para os animais. Vários estudos resultaram em importantes
avanços para a medicina veterinária, beneficiando animais domésticos, de fa-
zenda, silvestres e em risco de extinção. Assim, eles estão vivendo melhor devi-
do as vacinas, fármacos e procedimentos cirúrgicos, muitas vezes descobertas
em estudos em animais para benefício humano. (FEIJÓ; BRAGA; PITREZ; 2010)
©© ISSELEE | DREAMSTIME.COM

72 • capítulo 4
Com esse crescente e abusivo uso de animais em pesquisa científica nos úl-
timos anos, cientistas e movimentos de defesa do bem-estar e dos direitos dos
animais, não concordando com essa rotina, procuram propor disciplina a essa
prática em harmonia com o princípio dos três erres, que são: reduzir ao máxi-
mo o uso de animais em experimento; refinar as técnicas de criação e de experi-
mentação; e repor ou substituir os animais por alternativas tecnológicas ou por
animais menos sensíveis. Passando assim, a intensificar a busca de alternati-
vas tecnológicas ao uso de animais em experimentos científicos, mesmo dian-
te das tantas dificuldades em alcançar resultados nesse sentido. (MACHADO,
FILIPECKI; TEIXEIRA; KLEIN; 2010)
É essencial aos comitês de ética avaliar e aprovar ou não o uso dos animais
em pesquisa, realizar orientação ética de linhas de pesquisa e criar novas ideias
e discussões para melhorias do bem-estar animal e para busca de métodos al-
ternativos dentro e fora das instituições.

4.2  Transplante de órgãos e tecidos humanos


O debate incessante ao redor da remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano para fins de transplantes e tratamento oferece também linhas éticas.
Vamos estudá-las!

Transplante é considerado “amputação ou ablação de órgão, com função própria, de


um organismo para ser instalado em outro e exercer as mesmas funções”. (Lei Federal
9.434/97)

4.2.1  Transplante de órgãos humanos

O transplante de órgãos humanos, segundo Maria Helena Diniz apud Nalini


(2009), é classificado em:
1. Autotransplante ou auto enxerto: transferência de órgão ou tecido de
uma parte do organismo para outra, coincidindo a figura do doador e a do re-
ceptor. Ex.: ponte de safena. Nesse caso o transplante somente poderá ser reali-
zado com autorização da própria pessoa, mediante registro em seu prontuário
médico, ou, se incapaz, da permissão dos pais ou responsável legal.

capítulo 4 • 73
2. Isotransplante: transplante de tecidos ou órgãos em gêmeos univiteli-
nos, ou seja, seres idênticos em relação a caracteres genéticos.
3. Alotransplante: ausência de identidade das características genéticas
entre doador e receptor.
4. Xenotransplante: transferência de órgão ou tecido animal para ser hu-
mano. (NALINI, 2009, p. 206)

A Lei nº 9.434/97, regulamentada pelo Decreto nº 2.268/97, alterada pela


Lei nº 10.211/2001, regula a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo hu-
mano, com a finalidade de transplante e tratamento, introduzindo modifica-
ções no ordenamento jurídico, abordando pontos como: a) doação presumida
de órgãos, tecidos, com efeito post mortem de acordo com diagnóstico de mor-
te encefálica; b) doadorpost mortem será aquele que não manifestar em vida
vontade contrária, ou aquele cujo cônjuge ou parente em linha reta ou colateral
até segundo grau consentir a retirada dos seus órgãos, sendo necessária além
da consulta à família, que a mesma seja orientada sobre o processo; c) a doação
de órgãos e tecidos inter vivos é permitida a qualquer pessoa capaz, desde que
se trate de órgãos duplos, ou partes renováveis do corpo humano que não colo-
quem em risco sua vida ou integridade física; d) gratuidade da doação de órgãos
e tecidos; e outros pontos que são ressaltados na legislação.
O Brasil realiza poucos transplantes, cerca de 7,5 transplantes por milhão
de habitante, quando consideramos ideal 20 por milhão. Países mais desen-
volvidos já atingiram a relação de 45 transplantes por milhão de habitantes.
(NALINI, 2009, p. 206)
Para atingirmos efetiva utilização dos transplantes advêm de uma mudança
cultural, derivada de uma nova postura ética. Tecnologia já existe, basta que a
sociedade pressione por um sistema de maior eficiência, em relação à infraes-
trutura. O que falta é vontade para seguir em plenitude ao que parece derivar do
bom senso. (NALINI, 2009, p. 207)
Maria Helena Diniz, apud Nalini (2009, p. 208), relata recomendações ante
a crescente relevância do tema abordado:
1. Para ela, o transplante apresenta grande risco, portanto, só deve ser re-
alizado quando não houver outra alternativa.
2. A experiência e alto nível de conhecimento da equipe médico-cirúrgica
envolvida é de extrema importância.
3. As equipes para pré e pós-operatório devem ser especializadas.

74 • capítulo 4
4. O diagnóstico de morte encefálica do doador deve ser seguro e certo.
5. A finalidade precípua do transplante deverá ser o bem-estar do paciente.
6. A eleição do doador deverá ser baseada nas perfeitas condições do ór-
gão ou tecido doado e no estudo imunológico de sua compatibilidade com o
receptor.
7. Inexistência de discriminação na escolha do receptor.
8. Consentimento do doador ou de seu representante legal.
9. Consentimento livre e esclarecido do receptor, com alertas claros sobre
os riscos cirúrgicos e condições de êxito.
10. Preparação psicológica tanto do receptor quanto do doador, quando se
tratar de transplantes inter vivos.
11. Gratuidade na doação. Tráfico de órgãos é crime.
12. Garantia de sigilo, em alguns casos recomenda-se preservação do ano-
nimato do doador.
13. Imposição de responsabilidade civil e penal da equipe médico-cirúrgi-
ca pelos danos advindos ao doador e ao receptor, mesmo com a anuência dos
mesmos.

Diante do tópico abordado apelamos para a sociedade urgentemente exer-


cer o princípio da solidariedade para que o princípio da dignidade humana
possa ser concretizado, por esse processo de intervenção médico-científico,
envolvendo o transplantado na alegria de uma vida saudável e uma confiança
maior no futuro.

4.2.2  Transplante de tecido fetal

A questão do uso do tecido fetal não é tão recente, embora somente nos últi-
mos cinco a dez anos se tenha desenvolvido de fato. Nesse sentido, sabe-se que
em 1928, na Itália, realizou-se sem sucesso o transplante de tecido pancreático
em um paciente diabético; em 1939, repetiu-se a tentativa em dois pacientes,
nos Estados Unidos,também sem êxito.No início da década de 50, também nos
Estados Unidos, realizou-se um transplante de tecido fetal em um caso de leu-
cemia, sem sucesso. O primeiro caso de sucesso, porém, ocorreu em 1968, nos
Estados Unidos, com o transplante de tecido hepáticofetal no tratamento da

capítulo 4 • 75
síndrome de Di George. Mesmo assim, somente ao final da década de 80 que
o transplante de tecido fetal assume posição de destaque, em decorrência das
tentativas de tratamento da doença de Parkinson pelo transplante de células
cerebrais do feto. Em experimentos, foi possível concluir, sob o ponto de vista
histológico e funcional, o crescimento das células cerebrais fetais transplanta-
das, a recuperação da célula do próprio receptor e a produção de dopamina,me-
diador celular cuja deficiência leva ao quadro clínico da doença de Parkinson.
Hoje, há experiência clínica em vários países, embora em fase experimental.
(SEGRE; HOSSNE, 2009)
Para Segre e Hossne (2009), as células fetais possuem quatro propriedades
altamente favoráveis para o êxito em transplantes:

•  capacidade de crescer e proliferar;


•  capacidade de diferenciação celular e tecidual (plasticidade intrínseca);
•  capacidade de produzir fatores de crescimento, estimulando células do
receptor, e;
•  menor antigenicidade (por ausência de marcadores de membrana) do
que os tecidos adultos e, daí, possibilidade menor de rejeição.

Para o mesmo autor, existem algumas específicas indicações terapêuticas


para uso de tecidos fetais:
1. Alterações de Imunodeficiência;
2. Alterações hematológicas;
3. Alterações Endócrinas;
4. Alterações neurológicas;
5. Alterações metabólicas e outras alterações genéticas.

Fazendo uma análise ética, transplante de tecido fetal, representa sempre


uma reflexão crítica sobre valores de normas e costumes. Como em toda análi-
se ética, três princípios fundamentais devem ser considerados: a autonomia ou
autodeterminação do ser humano, a beneficência (incluindo a "não maleficên-
cia") e a justiça. Considerando esses princípios nem sempre obtemos o mesmo
resultado, ao contrário, na maioria das vezes estabelecem-se, aspectos confli-
tantes. Esses princípios podem ser hierarquizados ou priorizados no equacio-
namento da escala de valores, dependendo das convicções íntimas do aticista e
da natureza de cada situação. (SEGRE; HOSSNE, 2009)

76 • capítulo 4
4.2.3  Células tronco

A célula-tronco é considerada uma célula indiferenciada. Assim, é suscetível de


diferenciar-se em outros tipos de células, de formar tecidos nervosos, epiteliais
e conjuntivos. Portanto, pode ser utilizada no tratamento de doenças em que a
reposição de células germinativas é a alternativa. (NALINI, 2009, p. 228)
©© VAMPY1 | DREAMSTIME.COM

Esta diferenciação celular vai variar de acordo com o tipo de células-tronco,


como afirma Martinez apud Nascimento e Moura:

Existem alguns tipos de células-tronco, como os de origem embrionária, que podem


originar todos os tipos de tecidos presentes em um organismo adulto. Por outro lado,
existem poucos tipos de células-tronco presentes em tecidos adultos, e sua capacida-
de de especialização parece ser mais limitada. (NASCIMENTO; MOURA, 2014, p. 339)

Em seres humanos adultos as Células-tronco estão presentes em muitos te-


cidos, no sangue e na pele, como diz Holland apud Nascimento e Moura:

capítulo 4 • 77
as células-tronco advindas de tecidos específicos só tinham condições de gerar tecidos
desses tipos; assim, eram tidas como dotadas de grande capacidade mas de direciona-
mento limitado. ...as células-tronco advindas de tecidos adultos podem ser mais maleá-
veis do que se julgava até então; por exemplo, as células-tronco advindas do cérebro de
camundongos adultos podem gerar outros tecidos além dos cerebrais. (NASCIMENTO;
MOURA, 2014, p. 339)

Sobre as peso ético das células-tronco que, no momento atual, é fonte de


muitas discussões no campo das ciências biomédicas, pois tem como princi-
pais fontes encontradas presentes no corpo humano são, segundo Nascimento
e Moura (2014):

•  Embriões recém-fecundados chamados de blastocistos, ou mesmo cria-


dos por fertilização in vitro – embriões disponíveis;
•  Células germinativas ou órgãos de fetos abortados;
•  Células maduras do tecido do cordão umbilical no momento do
nascimento;
•  Células maduras de tecido adulto reprogramadas em laboratório para
terem comportamento de Células-tronco (medula óssea) – tecidos adultos do
corpo humano.

A lei 8.974/95, proibia a manipulação genética de células germinativas hu-


mana, assim como também proibia o armazenamento e a manipulação dos
embriões humanos quando se tratava a servir como material biológico disponí-
vel. (NALINI, 2009, p. 229)
Nesse sentido,

... em 29 de maio de 2008, o Superior Tribunal Federal aprovou as pesquisas com células-
tronco embrionárias, transformando o Brasil no primeiro país da América Latina e o 26º
no mundo a permitir esse tipo de pesquisa e colocando-o no rol de países como Finlândia,
Grécia, Suíça, Holanda Japão, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, Reino
Unido e Israel. O artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de
2005) libera no país a pesquisa com células-tronco de embriões obtidos por fertilização
in vitro e congelados há mais de três anos. (NASCIMENTO; MOURA, 2014, p. 347)

78 • capítulo 4
O debate ético é aberto e influenciado pela religião que contribui para um
aprofundamento. Mas o caminho a ser trilhado ainda é longo, até que se atinja
o consenso em relação às práticas e suas consequências, sobretudo para os in-
divíduos neles gerados. (NALINI, 2009, p. 230)
O principal argumento em torno do qual se agruparam os agentes – religio-
sos ou não – que se posicionaram contra a liberação do uso das células tronco
em pesquisa foi a “defesa da dignidade da pessoa humana”, inserindo em seu
centro a questão da definição da condição humana. (SALES, 2014)
Religiosos defendem que processo de produção de legitimação do argumen-
to “em defesa da vida humana”- defendida pela linha não-religiosa - não pas-
sou por uma articulação discursiva exclusivamente teológica. A concepção de
que a vida humana se inicia no momento da fecundação se tornou convincente
por meio do uso paralelo de argumentos doutrinários e científicos. Concepções
teológicas e razões científicas se mostraram profundamente imbricadas nesta
controvérsia. (SALES, 2014)
O fato é que, a favor do avanço científico, os principais fundamentos da bio-
ética: a autonomia, a beneficência e a justiça, ganham uma nova cara, pois, o
campo da ciência destinado a salvar vidas, na grande maioria das vezes a des-
trói em seu estágio inicial. Vivendo e concordando com essa realidade deixa-
mos a questão, onde estaria a eticidade presente nas pesquisas com células-
tronco embrionárias? (NASCIMENTO, MOURA, 2014)

CONEXÃO
Para um conhecimento mais aprofundado em células-tronco, acesse:
O vídeo células-tronco - UNIVESP: https://www.youtube.com/watch?v=lQSEejmmcVw

4.3  Ética e reprodução humana


O início deste milênio propõe uma importante revolução biológica. O sujeito
moderno, graças aos avanços da ciência médica e da engenharia genética, obte-
ve condições de se reproduzir de forma não natural. Para o Prof. Botella Llusiá,
a sociedade estava a caminho de destruir a união entre homem e mulher tida
até então como imprescindível, de sorte a perder o sentido que o sexo masculi-

capítulo 4 • 79
no e feminino terão na civilização do futuro. Com o acesso as atuais tecnologias
reprodutivas e a ideologia da escolha de cada um permitiriam o nascimento do
chamado eugenia do consumidor. A escolha do sexo, das características físicas
e até do perfil psicológico da criança passou a ser um tema de mercado. Aces-
sível, assim, a quem tiver dinheiro para custear seu projeto pessoal de procria-
ção. (NALINI, 2009, p. 219)
Considerando a dimensão biomédica, vamos nos fundamentar no aspecto
ético, jurídico e psicológico. A preocupação moral deve ser considerada como
ponto redutor das observações interdisciplinares envolvidas. Esta aí um campo
ricamente peculiar para exame de intimidade entre moral e direito. Pois o direi-
to atua na ordem de ontológica – o que deve ser – e não na ordem ontológica – o
que é. (NALINI, 2009, p. 219)
Vamos estudar e refletir sobre o assunto!

4.3.1  Reprodução assistida

A reprodução assistida tem ampliado os limites da fecundidade masculina e


feminina. Algumas técnicas compõem o conjunto da reprodução assistida, des-
tacaria: a fertilização in vitro (FIV) e suas variantes; a inseminação artificial; a
doação de óvulos, sêmen e embriões; o “empréstimo” de útero; o congelamen-
to de embriões. Em estudos não-médicos sobre o assunto, o mesmo conjun-
to de técnicas é denominado, também, como novas tecnologias reprodutivas
(NTRs). (CORRÊA, 2009)
Antigamente estas técnicas eram acessíveis somente a uma estreita camada
da sociedade, com condições financeiras elevadas e que podia custear por esse
serviço em clínicas particulares. Nos últimos anos, essa realidade se alterou,
especialmente a partir de 2006, quando o Sistema Único de Saúde (SUS) propor-
cionou acesso às técnicas de reprodução assistida para a população brasileira,
como meio de assegurar o planejamento familiar elencado em nossa Magna
Carta. (BOPP et al., 2014)
Importante dizer que mesmo com os recursos escassos do país, surge a
Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, que
garante o direito à saúde reprodutiva e à justiça social. (BOPP et al., 2014)
Nesse sentido, observamos na sociedade brasileira um aumento explosivo
na quantidade de técnicas de reprodução assistida realizada, junto delas vie-
ram os problemas éticos e bioéticos, vamos abordar alguns, mas antes vamos
explicar de maneira simples o que constitui cada técnica.

80 • capítulo 4
Em 1978 os jornais estamparam o sorriso de Louise Brown a primeira me-
nina de “proveta”, a reflexão ética tem de lidar com os dois lados que esse tipo
de intervenção traz, de um lado a inocente e bem vinda intervenção terapêutica
igual a tantas outras apresentadas pela medicina de remediar um defeito da
natureza e por outro lado a manifestação do “brincar de Deus” na criação da
vida. (RODRIGUES; DE LEON RODRIGUES; BAIARDI, 2014)
A técnica da fertilização in vitro implica em uma indução ao crescimento
dos ovócitos para posterior coleta com o auxílio laparoscopia e depois uma
transferência para um terreno de cultura ao qual é adicionado o líquido semi-
nal, no momento em que o embrião se encontra entre 4-6 células é transferido
para o útero por via vaginal ou por via abdominal. Por conta da pluriovulação
o número de embriões obtidos na grande maioria das vezes supera o número
de embriões dos que serão transferidos, o que gera a questão ética, do que agir
com os embriões que sobram? Eliminação, congelamento? No caso do conge-
lamento, ele é principalmente utilizado quando falham as primeiras tentativas
de gravidez, também existem “bancos de sêmen”, que são gerados através de
doações. (RODRIGUES; DE LEON RODRIGUES; BAIARDI, 2014)
A técnica conhecida como “barriga de aluguel” se configura quando uma
mulher tem a gestação no lugar de outra, existem duas formas: em um caso
a mãe substituta doa o óvulo e a gravidez e no segundo caso só a gravidez. O
nome barriga de aluguel não é muito explicativo, visto que a mãe substituta
pode fazê-lo por caridade, como é geralmente o caso entre parentes próximos.
O problema do pagamento pela gravidez é um problema moralmente diver-
so do problema da gravidez substituta. (RODRIGUES; DE LEON RODRIGUES;
BAIARDI, 2014)
O problema ético surge ao colocar o caso de duas irmãs que decidem que
uma delas assumirá a gravidez pela outra em função de algum problema de
saúde, daí a pergunta: “Qual objeção moral pode ser adotada contra a gravi-
dez substitua nesse caso?” Alguém pode sempre argumentar que a interven-
ção não é legal porque contraria a vontade de Deus que não permitiu aquela
mulher engravidar. “Mas qual argumento resta a quem abandonou tal princí-
pio?” Outros apontam é contrária à dignidade de uma mulher, que se vê redu-
zida a uma simples incubadora, a resposta vem que a dignidade maior reside
na escolha autônoma de ajudar sendo mãe substituta. (RODRIGUES; DE LEON
RODRIGUES;BAIARDI, 2014)
Outro lado da discussão, diz respeito aos riscos à saúde que podem ad-
vir dos avanços tecnológicos que requerem a avaliação acerca dos possíveis

capítulo 4 • 81
prejuízos, situação que nos remete ao princípio de não maleficência, o qual
implica a obrigação de não se causar dano intencional a ninguém, além de não
prejudicar, isentando-se de impedir a realização dos interesses de terceiros. No
mesmo sentido, há que se considerar, na mesma linha, o princípio de benefi-
cência, que propõe a promoção do agir para o bem em sentido lato, realizando
ações que pretendem o benefício em geral, e avaliando-se as desvantagens que
possam decorrer. (VASCONCELOS et al, 2014)
Quantos problemas éticos podem surgir com o uso da reprodução assis-
tida, não é? Ainda bem que temos a regulamentação brasileira que nos ser-
ve de suporte nessa discussão. A primeira regulamentação oficial brasileira
que foi criada sobre o uso das técnicas de reprodução humana assistida foi a
Resolução n° 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina (CFM), substituída
pela Resolução n° 1.957/2010 em 2010 e pela Resolução n° 2.013/2013, que atu-
almente regula a prática de reprodução assistida no Brasil.
A referida resolução nos trouxe muitos pontos positivos. Considerou a no-
ção ampliada de família; se preocupou em proteger os doadores de gametas;
determinou uma forma de facilitar o acesso à técnica, com a chamada “doa-
ção compartilhada de oócitos”; trouxe uma resposta ao problema do grande
número de embriões criopreservados e não implantados; desvendou a questão
da “doação temporária de útero”; e procurou dar maior segurança à reprodução
assistida post mortem. (DE OLIVEIRA NAVES; DE SÁ, 2015)

4.3.2  Projeto Genoma Humano

As primeiras discussões sobre as possibilidades e as vantagens de se estudar


genoma humano aconteceu nos Estados Unidos em 1986. No mesmo país, em
1989, o National Institutes of Health criou o Genoma I, com a criação de um de-
partamento para a pesquisa do genoma humano, chamado National Center for
Human Genome Research. Finalmente, em 1990, foi criado nos Estados Uni-
dos o PGH – Projeto Genoma Humano. Dois anos mais tarde, foram publica-
dos os primeiros mapas do genoma humano. Através desse mapa, se localizou
nos cromossomos o espelho de algumas doenças genéticas e suas mutações.
Ainda contando com a evolução da informática a possibilidade da diminui-
ção nos custos do sequenciamento, assim como o tem tornado mais rápido.
(PELIZZOLI, 2007)

82 • capítulo 4
A modificação laboratorial do genoma de uma célula viva é um dos desafios
da engenharia genética. Dessa maneira, ela permitirá a identificação, o isola-
mento e mesmo a multiplicação de seres. O cientista, nesse sentido, pode mo-
dificar o genoma de uma célula viva para a produção de produtos químicos ou
até organismos geneticamente modificados (OGM). (NALINI, 2009, p. 213)
Maria Helena Diniz, levantam indagações sobre o tema:

Haveria, nessas técnicas, verdadeira melhoria na qualidade de vida no momento pre-


sente? Garantiriam elas uma existência realmente digna às gerações futuras? O ser
humano, ao empregar a biotecnologia, não estaria assumindo um risco à sua saúde
e sobrevivência? Seriam tais técnicas biotecnológicas responsáveis pela preservação
da vida para o futuro da humanidade? Estar-se-ia respeitando a dignidade humana ao
fazer experimentações com material genético humano? Não violariam elas o direito de
todo homem de ser único e irrepetível se a clonagem do ser humano se tornar uma re-
alidade? Como garantir a preservação da privacidade de um patrimônio genético se ele
for violado? Como admitir juridicamente uma seleção hipotética de pessoas, fazendo
com que tenham alto nível intelectual, sejam dotadas de grande forca física ou tenham
determinada contextura física? Tais avanços biotecnológicos não nos levariam a um
perigoso e arriscado caminho sem retorno? (apudNalini, 2009, p. 213)

Existem outras linhas de pensamento ao redor do Projeto Genoma Humano,


destacando uma oposição: entre uma investigação científica fundada em valo-
res mais humanitários do que comerciais, que o autor identifica com a parti-
cipação pioneira da França, e outra que enfatiza as possibilidades comerciais
desse novo e promissor campo de conhecimento como condição daquele
desenvolvimento, que marca a entrada americana nesse campo de pesquisa.
(FERREIRA; MOSER, 2014)

CONEXÃO
Acessem ao documentário abaixo sobre o genoma humano, acesse:
A Década do Genoma Humano (Documentário-2010):
https://www.youtube.com/watch?v=oJJ-j9A4KyA

capítulo 4 • 83
4.3.3  Aspectos éticos na redução embrionária

O status moral do embrião é uma das questões mais antigas em pauta relacio-
nada à reprodução humana assistida. A principal controvérsia é o momento
exato em que a vida se inicia. Assim, não há consenso se o embrião é uma vida
humana e deve ser tratada como tal, ou não. A Sociedade Americana de Medici-
na Reprodutiva (ASRM) entende que o embrião deve ser considerado uma vida
em potencial e por isso deve ter status especial em relação a outros tecidos do
organismo, mas isso não justifica ser visto e protegido como uma pessoa. Os
grupos religiosos, na grande maioria das vezes, têm uma posição mais conser-
vadora. Eles acreditam que a vida humana se origina no momento em que ocor-
re a fecundação e por esse motivo o embrião deve ser considerado uma vida
humana em desenvolvimento, tendo todos os direitos garantidos, inclusive o
direito à vida. (LEITE; HENRIQUES, 2014)
Baseado nesse conceito mais conservador sobre o status do embrião, inicia-
se a controvérsia gerada em relação ao procedimento de redução embrionária.
Nos tratamentos de reprodução assistida, gravidezes múltiplas são frequentes
devido à transferência de múltiplos embriões para o útero materno. Porém,
seja por motivos médicos ou por desejo do casal, é possível reduzir o número
de fetos a serem gerados através da redução embrionária. O procedimento con-
siste em eliminar alguns embriões, geralmente os menos viáveis ou com locali-
zação pouco favorável dentro do útero, e dar continuidade à gravidez. O grande
debate desse procedimento é que a técnica se assemelha ao aborto e tem as
mesmas questões éticas e morais envolvidas. (LEITE; HENRIQUES, 2014)
A redução fetal é um procedimento controverso, porém de grande utiliza-
ção, principalmente em caso de gestação múltipla. Quando observamos ou-
tros países que realizam essa técnica, observamos que somente o Brasil faz
essa proibição. Essa restrição se dá porque no Brasil o aborto não é permitido
(DECRETO-LEI nº 2.848, de 07/12/1940 - Código Penal Brasileiro). Em um olhar
amplo, a redução fetal e o aborto estão associados. Nos países onde o aborto
é permitido, geralmente também se permite a redução fetal. Destaque para
Itália, que proíbe congelamento porque causaria injúrias ao embrião, mas per-
mite o aborto e a redução fetal. (IFFS, 2010)

84 • capítulo 4
4.3.4  Aconselhamento genético e engenharia genética

Aconselhamento genético é definido como uma comunicação que lida com


problemas humanos associados com a ocorrência, ou risco de ocorrência, de
uma doença genética em uma determinada família, envolvendo a participação
de uma ou mais pessoas treinadas para ajudar o indivíduo ou sua família, que
consiste em 1) compreender os fatos médicos, incluindo o diagnóstico, prová-
vel curso da doença e as condutas disponíveis; 2) apreciar o modo como a he-
reditariedade contribui para a doença e o risco de recorrência para parentes
específicos; 3) entender as alternativas para lidar com o risco de recorrência;
4) escolher o curso de ação que pareça apropriado em virtude do seu risco, objeti-
vos familiares, padrões éticos e religiosos, atuando de acordo com essa decisão;
5) ajustar-se, da melhor maneira possível, à situação imposta pela ocorrência
do distúrbio na família, bem como à perspectiva de recorrência do mesmo.
(BRUNONI, 2002)
O dilema que aparece quando, ao realizar um teste genético para diagnós-
tico de uma doença hereditária, descobre-se que o pai da criança não é seu pai
biológico, registrando que cerca de 10% dos testes de paternidade que são rea-
lizados incidem neste resultado. Qual a melhor maneira de informar tal fato à
família, especialmente quando o resultado do exame de paternidade está vin-
culado ao de uma doença genética grave? Seria viável denunciar tal situação,
que certamente terá reflexos na estrutura familiar, mesmo sem o consentimen-
to das pessoas envolvidas? Também há outras questões polêmicas, tais como
os diagnósticos genéticos que apontam uma pré-disposição para o desenvolvi-
mento de determinadas doenças poderiam ser utilizados pelos empregadores
e planos de seguro e de saúde para negar – ainda que veladamente – a contra-
tação com determinados indivíduos? Nos Estados Unidos, por exemplo, para
evitar esse tipo de situação, foram criadas leis, que vedam a disponibilidade
de informações sensíveis, dentre as quais se encontram aquelas relativas aos
dados genéticos. (BRANDÃO, WALDMANN, 2015)
Ainda em relação aos diagnósticos genéticos, será válido disponibilizá-los
quando ainda não desenvolvido tratamento para a doença nele prevista? Qual
seria a utilidade de ter conhecimento da possibilidade de ter uma determinada
doença se não há tratamento para ela? (BRANDÃO, WALDMANN, 2015)
Os testes genéticos são geralmente conhecidos como exames para diagnos-
ticar síndromes decorrentes de anomalias em determinados genes, tais como a

capítulo 4 • 85
Distrofia de Duchenne, Anemia Falciforme. Em algumas enfermidades, como
o câncer de mama por exemplo, os referidos testes são fornecidos pelos planos
de saúde e em alguns hospitais públicos. No entanto, além de fornecer o diag-
nóstico de doenças raras, são cada vez mais comuns os testes genéticos reali-
zados com caráter de prevenção de doenças, bem como visando aprimorar a
performance na execução de exercícios físicos e personalizar a dieta mais ade-
quada para cada pessoa. (BRANDÃO, WALDMANN, 2015)
Atualmente já existem cerca de 14.000 testes genéticos, que avaliam desde
ancestralidade, aspectos nutrigenômico até pré-disposição para sofrer deter-
minadas enfermidades. Entretanto, falta uma regulamentação específica que
discipline, desde a confidencialidade dos dados, bem como os procedimentos
relativos à eficácia dos exames e a sua disponibilização no mercado, sendo que,
no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é a regulamen-
tadora dos produtos do teste genético, enquanto que o procedimento fica sob
a fiscalização de outros órgãos, tais como o Conselho Federal de Medicina.
(BRANDÃO, WALDMANN, 2015)
Quando falamos em engenharia genética, estamos falando da ideia do
emprego de técnicas científicas preordenadas à modificação da constituição
genética de células e organismos, através da manipulação de genes. (NALINI,
2009, p. 212)
Um dos grandes desafios da engenharia genética é a modificação laborato-
rial do genoma, permitindo assim o isolamento, a identificação e a manipula-
ção dos genes, podendo assim produzir produtos químicos ou até mesmo no-
vos seres. (NALINI, 2009, p. 213)
A análise jurídica, para os dois temas abordados nesse tópico, deverá se
aprofundar ao máximo, fornecendo o substrato necessário - de forma tempes-
tiva e qualificada - viabilizando o prosseguimento da pesquisa genética e os
benefícios dela decorrentes, bem como inibindo práticas lesivas e promoven-
do a responsabilização daqueles que inferem as normas estabelecidas sobre a
matéria.

4.3.5  Aborto, planejamento familiar e aborto terapêutico

Aborto em linhas gerais significa a interrupção da gravidez antes de seu termo


normal, de modo espontâneo ou provocado, com expulsão ou não do feto mor-
to (NALINI, 2009, p. 200). Aborto terapêutico ou necessário é aquele realizado

86 • capítulo 4
por intervenção médica, com o objetivo de resguardar a vida da progenitora, e
não sua saúde. (SOARES, 2015)
O aborto no Brasil é proibido, pois qualquer intervenção sobre esse proces-
so vai contra um direito a Constituição brasileira que garante a inviolabilidade
da vida. (NALINI, 2009, p. 199)
O problema ético no caso do aborto terapêutico é que alguns pontos são
questionáveis, já que o significado de terapêutico é preservar, salvar, conservar,
e, no entanto no aborto terapêutico não ocorre isto. Mata-se uma vida, não se
preserva a mãe, pois futuramente ela pode vir a desenvolver doenças psíquicas
e físicas, após o processo do aborto. (BRAVIN, 2015)
Outro ponto da questão é: onde está o fundamento de que a vida da mãe é
deve ser preservada e a do embrião não? Como retirar um feto poderia ser signi-
ficado como terapêutico? (BRAVIN, 2015)
Se somos detentores da igualdade, não há como medir qual vida tem mais
valor e nem retirar a vida de outrem justificando com o porquê de que a nossa
está em perigo. Se, segundo os preceitos da lei, nós todos somos iguais, inde-
pendente do estágio, se com 25 (vinte e cinco) anos, ou ainda em estágio em-
brionário. Assim, não há justificativa para mensurar a grandeza da vida da mãe
como de maior valor do que a de seu feto. (BRAVIN, 2015)
Como se resolver, assim, uma gestação que coloca a saúde da mãe em risco?
Para a filosofia pró-vida, com a tecnologia existente, há força o suficiente para
se tentar salvar os dois, ao invés de, por simples decisão, matar o feto. Aqui se o
feto ou a mãe não resistir, a culpa se vai para um evento natural, onde ninguém
morreu por decisão de um sujeito; mas sim, porque as premissas da fatalidade
os atingiram. (BRAVIN, 2015)
Dessa maneira, a vida de nenhum indivíduo passa em branco sem antes
haver a insistência da tentativa com os meios existentes. Um método de não
abortar, que pode deixar a mãe futuramente com traumas, como a culpa; que
é extremamente desagradável, e que pode desencadear doenças psíquicas.
(BRAVIN, 2015)
Ao invés de considerar o aborto como solução pragmática para diversos pro-
blemas que afligem a atual sociedade, esta deveria prestigiar a vida. Que deve
ser encarada como um verdadeiro milagre (NALINI, 2009, p. 203). O começo
de uma vida é sempre um atestado de que a humanidade ainda tem futuro, e
um futuro que podemos planejar até certo ponto. Nesse sentido, começamos a
falar do planejamento familiar.

capítulo 4 • 87
Ao mesmo tempo, as pessoas precisam se conscientizar de que ter filhos é
um compromisso permanente. Quem o gera é responsável pelo alimento físico
e espiritual, pela sua formação, pelo amor e pela realização integral do indiví-
duo gerado. (NALINI, 2009, p. 203)
Nem sempre é essa realidade que encontramos. O que dizer dos filhos sem
genitor, das adolescentes que procriam sem mesmo saber a quem suas crian-
ças chamarão de “pai”? Por outro lado, há uma ambiguidade na política voltada
a promover valores humanos e a fazer com que os sujeitos se desenvolvam até
à plenitude e o verdadeiro estímulo à procriação com a outorga assistencialista
de auxílio em dinheiro para cada criança nascida. Outro ponto: essa mesma so-
ciedade que admite o subsidio acima citado, sem nenhuma vinculação à obri-
gação, também prega o abortamento. (NALINI, 2009, p. 203)
Outro aspecto que podemos observar é o crescimento populacional brasileiro,
que estando acima do esperado, a cada dia nos traz mais ameaças de uma programa-
ção ideal de número de escolas, trabalho digno a todos, moradia e infraestrutura?
É necessário também, propostas de conscientização da população em as-
sumir um planejamento familiar consistente e uma paternidade/maternidade
responsável. E cabe ao governo, criar uma educação integral, para que haja con-
dições para o exercício eficiente dessa política. Enquanto cada um, em sua es-
fera, não se conscientizar dessa realidade, não haverá futuro digno para o país.
(NALINI, 2009, p. 205)

4.4  Ética e tanatologia


A discussão da tanatologia apresenta um conteúdo importante a ser incorpo-
rado na formação dos profissionais de saúde. Essa ciência nos conduz a uma
visão conceitual dos significados nascer,viver e morrer, desmitificando o para-
digmada morte como algo abominável, distante eobscuro.
Ao redor desse tema, abordaremos a eutanásia, a determinação da hora da
morte e o paciente terminal. Vamos lá!

4.4.1  Eutanásia

Para Silva, a eutanásia se destacou nos últimos anos. No entanto, há de


se observar seus vários significados encontrados atualmente no mundo
contemporâneo:

88 • capítulo 4
Sentido etimológico: boa morte, sem dor; Luta contra o sofrimento, a qualquer preço;
Supressão da vida de um doente a pedido dele próprio, ou dos familiares, ou dos pró-
prios profissionais da medicina; Decisão de abster de meios extraordinários, conside-
rados ‘despropositados’ na fase terminal, e vistos como obstinação terapêutica; Direito
à própria morte, com o significado de morte apropriada, que outros chamam de morte
digna (SILVA, 2007, p. 5-6).

Se referindo ao ato, a eutanásia está relacionada à atividade do agente que


pratica a ação, que pode ser o médico, o enfermeiro ou alguém próximo ao do-
ente, como familiares e amigos. Há três formas de eutanásia: ativa, passiva e de
duplo efeito:

É assim denominada quando um indiví-


duo consciente age de propósito para
ceifar a vida de outro indivíduo que so-
EUTANÁSIA ATIVA fre de uma doença incurável, em razão
de compaixão e dignidade, para diminuir
o sofrimento do enfermo. (SIQUEIRA;
SCHRAMM, 2005)

é o "deixar morrer", ou seja, é uma omis-


são intencional de profissionais em
qualquer situação na qual, se houvesse
intervenção, salvar-se-ia a vida do en-
fermo (SIQUEIRA; SCHRAMM, 2005).
Aqui se inicia o primeiro problema ético,
EUTANÁSIA PASSIVA pois ocorre a omissão de socorro, crime
(ORTOTANÁSIA) previsto no Código Penal brasileiro em
seus artigos 133 e 134, denominado de
omissão imprópria, pois o sujeito tinha o
dever de cuidado. Assim, o culpado res-
ponde pelo resultado ocorrido. (BRASIL,
1940)

capítulo 4 • 89
Quando se usa de procedimentos
médicos, que buscam o alívio do en-
fermo,como por exemplo, administra-
EUTANÁSIA DE DUPLO EFEITO ção de morfina para administração da
agonia, ocasionando, posteriormente,
stress respiratório e óbito. (SIQUEIRA;
SCHRAMM, 2005)

Outra classificação em relação à eutanásia é a do consentimento, ou seja,


de sua opinião sobre a possibilidade de sua morte, que pode ser: voluntária,
involuntária e não-voluntária. (SIQUEIRA; SCHRAMM, 2005)

é quando há o pedido do paciente terminal, ou seja,


EUTANÁSIA o enfermo pede a ajuda de um indivíduo para prati-
VOLUNTÁRIA car o ato da eutanásia. Enfim, expõe o seu desejo de
querer morrer (SIQUEIRA; SCHRAMM, 2005).

é considerada quando realizada sem o consenti-


mento ou a vontade do enfermo. Esse tipo de ação,
sem a licença, é considerado homicídio, de acordo
com o Código Penal brasileiro de 1940, em seu art.
EUTANÁSIA 121 (SIQUEIRA; SCHRAMM, 2005). Dessa manei-
INVOLUNTÁRIA ra, a eutanásia involuntária ocorre quando o pacien-
te está em situação em que não pode responder
pelos seus atos, porém, se estivesse em condições,
teria optado pela sua morte.

ocorre quando não se conhece em hipótese nenhu-


EUTANÁSIA NÃO- ma a vontade do agente (SIQUEIRA; SCHRAMM,
VOLUNTÁRIA 2005). Ou seja, o paciente está em estado súbito
deinconsciência.

90 • capítulo 4
Para Nalini (2009, p. 209), a ninguém é dado dispor da própria vida. Muito
menos da vida alheia. Ninguém é convencido pela explicação de que o suicídio
consiste na autonomia da vontade do suicida e, portanto, merece repúdio ético.
Todo ato contra a vida, é reprovável.
Quatro pontos de vistas éticos circundam sob a problemática da eutanásia,
segundo Nalini (2009, p. 211):

DOUTRINA DA SAGRAÇÃO DA para ela nenhuma das modalidades de


VIDA EM SENTIDO ESTRITO eutanásia é aceitável.

proibição de qualquer forma de eutaná-


DOUTRINA DA SAGRAÇÃO DA sia direta-ativa, assim como de assistên-
VIDA EM SENTIDO MODERADO cia ao suicídio.

permite a eutanásia indireta-passiva ou


deixá-lo morrer no sentido de eutanásia
POSIÇÃO LIBERAL MODERADA passiva, porém proíbe o paciente que se
pratique a eutanásia direta-passiva.

permite assistência ao suicídio e tam-


bém as formas de eutanásia.
Em termos éticos, somente as duas pri-
POSIÇÃO FORTEMENTE LIBERAL meiras doutrinas seriam admissíveis. As
outras posições chocam com o valor in-
superável da vida.

Em linhas gerais, todo indivíduo, uma hora ou outra, deverá definir a forma
mais adequada, para si próprio ou para um parente próximo, e decidir assim
pela hora e o tipo de morte (NALINI, 2009, p. 212). Para isso é preciso colocar
na balança alguns ponto como a ética, a vontade do paciente e a consciência
daquele que tem que decidir pela vida de outrem.

capítulo 4 • 91
4.4.2  Determinação da hora da morte

Iniciamos a conversa da determinação da hora da morte puxando o gancho da


eutanásia, que estudamos ainda a pouco. Considerando a eutanásia, qual seria
o melhor momento para praticá-la? Existe um momento digno para o desliga-
mento dos aparelhos ou da aplicação de alguma medicação?
Todas essas questões tem sido um desafio e que leva a refletir sobre a pos-
sibilidade da interferência da medicina na preservação da vida de um paciente
terminal, visto que a ideia de dignidade que acompanha o ser humano ao longo
de sua existência também deve estar presente na hora de sua morte. (SCARTON,
2014)
Para corroborar o exposto, Maria de Fátima Freire de Sá (2001), diz que:

[...] o ser humano tem outras dimensões que não somente a biológica, de forma que
aceitar o critério da qualidade de vida significa estar a serviço não só da vida, mas tam-
bém da pessoa. O prolongamento da vida somente pode ser justificado se oferecer às
pessoas algum benefício, ainda assim, se esse benefício não ferir a dignidade do viver
e do morrer [...]. (2001, p. 60 apud SCARTON, 2014)

Assim, concluímos que na verdade não existirá nunca um momento apro-


priado para a eutanásia, pois esta é considerada uma ação ilegal e eticamente
reprovada.

4.4.3  Paciente terminal

Novas perspectivas sobre o respeito à autonomia do paciente terminal estão


sendo discutidas. Pacientes e familiares podem contar com um instrumento
chamado“testamento vital” ou “diretiva antecipadada vida” para se preparar
com antecedência para situações de doença crônico-degenerativa e morte emi-
nente, tendo um final de vida com dignidade e respeito, com sensibilidade e
ternura daqueles que os amam. Através desse documento, um sujeito da con-
fiança do paciente deve ser destinada para decidir em seu lugar, dizendo o seu
desejo de como ser cuidado em uma situação inevitável de fase terminal. (SAN-
TANA; PESSINI; DE SÁ, 2015)
No testamento vital, cinco desejos são definidos pelo paciente, segundo
Santana; Pessini; De Sá, 2015:

92 • capítulo 4
designar uma pessoa de sua confiança que vai decidir
pela paciente, alguém que fielmente lhe garante que
DESEJO NÚMERO 1 seus desejos serão respeitados quando não puder
fazê-lo.

quais tratamentos médicos deseja ou não receber,


fica documentado quais intervenções não deseja se
DESEJO NÚMERO 2 submeter, se deseja ou não o prolongamento de sua
vida e a quais tratamentos de manutenção da vida de-
seja ser submetido.

nível de conforto que deseja ter. Documentar os va-


lores pessoais, sociais e culturais que construiu ao
longo da vida e que deseja que sejam permanecidos,
DESEJO NÚMERO 3 como: textos e música de preferência que deseja ou-
vir, imagem pessoal que deseja preservar, os modos
de alívio de dor e dicas do seu funcionamento fisio-
lógico.

quais tratamentos deseja receber das pessoas. As-


sim, documenta-se as relações afetivas, profissionais
DESEJO NÚMERO 4 e religiosas que deseja manter mesmo durante o pe-
ríodo que estiver doente, e como deseja que seja a
comunicação e o contato físico no cuidado.

o que deseja que seus entes queridos saibam. Docu-


mentar o desejo de libertar os outros e a si mesmo da
DESEJO NÚMERO 5 dor e da mágoa que possa ter causado, que saibam
da sua sensação diante da morte e o desejo do que
fazer com o corpo.

Consideramos enfermo terminal o paciente gravemente doente, ou com


moléstia grave, irreversível, que não tem resposta a nenhuma terapêutica

capítulo 4 • 93
conhecida e que se encontra em processo cujo desfecho será a morte, podendo
ter, em geral, até seis meses de vida. (LIMA; REGO; BATISTA, 2015)
A partir da reflexão bioética e do debate que circunda a questão da tomada
de decisão diante dos avanços das biotecnologias nas ciências da saúde, deve-se
optar entre uma série de posicionamentos adotáveis nos limites do fim da vida,
como os cuidados paliativos, o tratamento intensivo, a recusa/ suspensão/não
instituição de tratamentos fúteis, entre outros. (LIMA; REGO; BATISTA, 2015)
O emprego de diversos critérios para a tomada de decisão ao final da vida
– processo que deve envolver enfermos (e no caso de impossibilidade, seus res-
ponsáveis), familiares e profissionais da saúde – torna-se possível em um âm-
bito no qual prevaleça o respeito à autonomia, com todas as suas nuances e
limitações. (LIMA; REGO; BATISTA, 2015)

4.5  Ética e epidemias


Nos últimos anos, várias novas doenças têm sido descobertas, algumas de am-
pla gravidade e de difícil controle. Desde a descoberta do vírus da imunodefi-
ciência humana (HIV), no início dos anos 1980, mais de vinte patógenos foram
descritas e envolvidas em diversas doenças. Essas novas doenças vêm à acres-
centar a outras já existentes – cuja incidência tem aumentado – e entre os novos
agentes microbianos encontram-se diversos vírus para os quais o arsenal tera-
pêutico disponível é insuficiente. (GRECO, 2008)
Segundo Greco (2008), essa situação tem características peculiares, entre
elas:
a) aumento da população mundial (mais de seis bilhões de pessoas);
b) grandes movimentações dessas populações, consideradas espontâne-
as (viagens de lazer ou negócios) ou induzidas (guerras, secas e outros desastres
ambientais);
c) aumento das doenças pela maior exposição de grupos específicos a si-
tuações de risco, como institucionalizados em prisões, asilos para idosos, or-
fanatos, migrantes e em escolas, as populações de rua e também aquelas com
condições precárias de moradia;
d) mudanças do meio ambiente intensas e rápidas, relacionadas ao de-
senvolvimento econômico e industrial;
e) diminuição do suporte social, aumento do desemprego, urbanização
desorganizada;

94 • capítulo 4
f) utilização intensa e desordenada de antimicrobianos, facilitando, por
um lado, o aparecimento de cepas resistentes e, paradoxalmente, por outro,
também contribuindo para o desenvolvimento de resistência quando da falta
de aderência aos tratamentos.
Vamos abordar agora em nosso estudo, algumas epidemias de relevância
brasileira e mundial.

4.5.1  AIDS e Epidemia de HIV

O surgimento da epidemia no início dos anos 1980, considerada para a épo-


ca grave e mortal, envolvendo diversos aspectos das relações humanas como
sexo, morte, preconceito, pode servir como exemplo para o enfrentamento
de demais doenças. A expectativa infundada da possibilidade de controlar as
doenças infecciosas no final do século XX não deu certo e, no caso específico
da aids, pela dificuldade de efetivar os meios preventivos comprovados - tais
como: modificação de comportamento, utilização de preservativos, bancos de
sangue seguros, utilização de seringas descartáveis - de desenvolver medica-
mentos eficazes e de custo acessível e, ainda, de desenvolver e disponibilizar
vacinas eficazes. (GRECO, 2008)
Para Greco (2008) em relação à questão ética, a aids trouxe uma imensa va-
riedade de desafios legais e, em especial, éticos, vários desses que antecederam
essa epidemia, tanto em países industrializados como naqueles ainda em de-
senvolvimento. Esses desafios se colocam em diversas categorias bem conhe-
cidas, como:

•  Alocação de recursos escassos;


•  Prevenção;
•  Sigilo e confidencialidade;
•  Discriminação;
•  Proteção da saúde pública em contrapartida à proteção individual (saúde
pública versus necessidades individuais);
•  Pesquisa envolvendo seres humanos (que já estudamos nesse livro);
•  Aplicação dos princípios de justiça distributiva.

capítulo 4 • 95
Em um estudo publicado recentemente, PAULA et al (2015), refere que:

O sentimento de vergonha, associado à discriminação social, é, por vezes, internalizado


como parte da identidade. Diante de tal situação, é urgente a necessidade de promo-
ver, efetivamente, políticas de enfrentamento da epidemia de aids no Brasil, tanto de
prevenção da transmissão da infecção quanto da melhoria da qualidade de vida dessas
populações. Ao incorporar as questões sociais dos adolescentes com HIV à discussão
bioética acadêmica, pretende-se contribuir, também, para uma atitude de responsabi-
lidade e competência ética na atenção à saúde, de modo a respeitar os direitos huma-
nos. Isso reforça o imperativo da confidencialidade, a qual todo participante de pesquisa
tem direito. (PAULA et al, 2015, p. 167)

Na realidade, sem educação, recursos e cuidados de saúde, não há perspec-


tiva para o controle da epidemia de HIV. E o acesso a esses só será possível após
consideráveis modificações na ordem internacional, por exemplo, mais justi-
ça, equidade, melhor distribuição de renda, proteção social. Claramente, essa
nova ordem internacional só será almejada com as mesmas modificações em
cada nação; realmente, é difícil clamar por justiça internacional quando a de-
sigualdade que ainda existe no Brasil é tão marcada. É necessário, mudar o pa-
radigma da valorização monetária, de mercado, por outra de valorização do ser
humano. Assim, certamente, o Brasil será capaz de se impor como nação, con-
trapondo-se aos valores neoliberais da ordem econômica atual. (GRECO, 2008)

4.5.2  Outras epidemias

O Brasil chega ao final do século XX com vários problemas sociais de grande


relevância, com reflexos diretos sobre a saúde pública. Entre estes, o êxodo da
zona rural para as cidades, o desemprego e a concentração de renda. Para o
IBGE, apenas 1% da população retém riqueza superior a dos 50% dos brasilei-
ros mais pobres, o que significa que, menos de 2 milhões de pessoas possuem
mais que a soma dos bens de 83 milhões de brasileiros -acrescenta-se a isto
o descaso com a saúde pública. Claramente, estes fatores contribuem para o
aumento da incidência de doenças infecciosas e parasitárias, incluindo o rea-
parecimento de outras já praticamente eliminadas, e a expansão de novas pato-
logias. (GRECO, 2009)

96 • capítulo 4
Assim, vê-se a expansão dos casos de leishmaniose, hanseníase, dengue,
malária e tuberculose, esta última principalmente em associação com a AIDS;
ao reaparecimento da cólera e febre amarela urbana; à falta de controle da
esquistossomose - apesar da significativa diminuição dos casos novos de do-
ença de Chagas, ocorrida principalmente através da dedetização, não houve
melhoria significativa nas condições básicas para seu efetivo controle (melhor
habitação, educação sanitária, emprego digno, etc.). Aliás, a necessidade desta
melhoria e seu avesso (piora das condições de vida, desemprego, ausência de
saneamento básico) é comum às outras doenças endêmicas, epidêmicas, emer-
gentes e reemergentes deste final de século. (GRECO, 2009)
Para o controle dessas endemias e epidemias muitos esforços devem ser
combinados para prevenir sua disseminação, com a educação continuada de
todos em relação aos métodos preventivos; para disseminar nosso clamor pela
solidariedade e não-discriminação; para incentivar pesquisas eticamente apro-
priadas para novos fármacos, testes diagnósticos e vacinas. (GRECO, 2009)
Será, no entanto, a ação concentrada de ativistas de todos os setores e dos
profissionais de saúde suficiente para melhor alocação de recursos para a edu-
cação e saúde, melhor distribuição de renda? Provavelmente não, mas significa
fazer com que nossas vozes contrárias a essas situações sejam ouvidas. E nos-
so papel como cidadãos atuantes é multiplicar e amplificar o clamor por jus-
tiça e equidade para todos, independente de raça, religião, origem ou língua.
(GRECO, 2009)

ATIVIDADES
01. Quais as classificações de transplantes de órgãos humanos?

02. Qual o principal problema encontrado quando falamos de teste genético para diagnós-
tico de uma doença hereditária?

capítulo 4 • 97
REFLEXÃO
Esse capítulo nos trouxe muitas polêmicas a serem
©© YANLEV | DREAMSTIME.COM

refletidas! Ao longo do texto já fizemos algumas,


mas agora ainda caberá outras!
Sempre que abordamos temas como esses
em uma roda de conversa observaremos que cada
um terá uma opinião, geralmente bem controversa,
penso que todas elas devem ser respeitadas desde
que não sejam bizarras. E o que vai julgar tudo isso,
será o momento e a situação em que cada um terá
que decidir por si ou por quem este é responsável! Pensar que cada um terá uma atitude
sensata é subjetivo, já que a sensatez nesse caso está relacionada com bom senso e que
nem sempre advém de sensos considerados bons pela maioria da sociedade.
A meu ver, as opiniões serão consideradas nesses casos, mas existe algo que não dei-
xará margens para muitas “escolhas”, as leis acerca desses temas que cada país constituiu.

LEITURA
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100 • capítulo 4
5
A Bioética e a
Formação Ética dos
Profissionais de
Saúde
Ao iniciarmos esse último capítulo convido você a fazer uma reflexão de como
se dá a formação de um profissional ético? Será que somente a graduação é
suficiente para preparar o profissional para a área da saúde? Como trabalha
o profissional da saúde diante de tantas demandas da sociedade, da família,
do currículo, do sistema no qual atua, entre outros. Somente a partir dessas
inquietações será possível iniciar o movimento de pensar o papel da ética junto
à prática de formação do profissional da saúde.
Parece muito fácil seguir a lógica de que o estudante será ético pois baseará
sua carreira em princípios e valores que se baseiam nesse conceito. Mas vocês,
estudantes da área da saúde, devem se atentar a todas as formas de serem éti-
cos. Vocês já pensaram, a imensidão de situações que vocês estarão envolvidos
e que colocarão em cheque suas condutas? Quantos pacientes passarão por vo-
cês com histórias diferentes e assombrosas, até mesmo intrigantes, e aí, como
vocês reagirão? E isso pode ser estendido a todas as profissões, cada um em sua
área pode criar uma situação-problema em sua imaginação nesse momento e
solucioná-la

OBJETIVOS
•  Relacionar a bioética na formação do profissional de saúde em seus relacionamentos com
a equipe de saúde;
•  Contextualizar a humanização da relação paciente/profissional de saúde;
•  Apresentar os direitos dos pacientes especiais.

102 • capítul0 5
5.1  Relação da equipe de saúde
Os problemas éticos nas relações com a equipe nos levam a observar as difi-
culdades crescentes de se delinear os papéis e funções de cada indivíduo da
equipe de saúde em decorrência da incorporação de novos profissionais e das
inovações nas propostas assistenciais. Também é claro que, para vivenciar essa
realidade, os profissionais têm de definir suas atribuições e responsabilidades
mutuamente, discutindo as questões de qualificação e competência de manei-
ra conjunta e não cada profissão em separado, imbutidos de disponibilidade
para o diálogo, o respeito às diferenças e sem esquecer que a centralidade da
atenção à saúde reside no atendimento das necessidades de saúde do usu-
ário e/ou das famílias, sob risco de comprometê-la se perderem isso de vista.
(ZOBOLI; PAC, 2004)
A atual estrutura do sistema e das organizações de saúde servem como fa-
tor gerador de problemas éticos, além de determinar a forma de sua percep-
ção, análise e solução. A estrutura dos serviços, então, parece de fundamen-
tal importância na geração e no apoio para a resolução dos problemas éticos.
(ZOBOLI; PAC, 2004)
Nas relações interpessoais que se constituem no dia-a-dia que envolve o cui-
dar, é observado que para se efetivar a compreensão das pessoas que convivem
mutuamente são necessárias à escuta, a presença e a sensibilidade para ativar a
verdadeira dimensão das características individuais de cada sujeito participan-
te dessa relação. (DE LIMA NETO et al, 2015)
Essa temática merece destaque em virtude da sua complexidade, se aten-
tando que ocorrem relações entre as pessoas e cada uma é constituída de carac-
terísticas e personalidades diferentes. As relações interpessoais acontecem em
consequência aos processos de interação. No ambiente de trabalho existem ati-
vidades predeterminadas a serem executadas diariamente, assim como intera-
ções e sentimentos imprescindíveis como cooperação, comunicação, respeito
e amizade. Conforme as interações se dão, os sentimentos podem diferenciar-
-se dos iniciais e logo influenciarão as interações e as próprias atividades. (DE
LIMA NETO et al, 2015)
Em virtude das novas demandas exigidas pelo exercício de cuidar do sujeito
e das transformações no mundo do trabalho, nas organizações em geral e nas
instituições de saúde, o debate acerca das mudanças necessárias na gestão e
organização do trabalho em saúde está cada vez mais intenso. (DE LIMA NETO
et al, 2015)

capítulo 5 • 103
O processo de trabalho nas unidades de saúde exige dos profissionais sabe-
res e habilidades específicas. É sabido e considerado extremamente relevante
um bom relacionamento interpessoal entre todos os membros da equipe para
que a atenção oferecida a quem necessite seja da melhor forma possível, assim
como o próprio desenvolver das atividades profissionais torne-se mais agradá-
vel e satisfatório. (DE LIMA NETO et al, 2015)
Outro ponto que vale a pena ser citados é dos problemas éticos na relação
com os usuários e família, pois trazer à tona a imprevisibilidade de resultados
inerente às relações humanas na saúde. De um lado, os usuários e suas famí-
lias buscam a resolução de um problema de saúde, e juntamente a isso, trazem
consigo seus segredos, medos, crenças e expectativas. De outro lado, a equipe,
muitas vezes inexperiente para lidar com situações decorrentes da contínua
proximidade com os usuários e família ficam presa a procedimentos, normas
e rotinas do serviço ou ainda a seu entendimento técnico do que é melhor para
os usuários e/ou as famílias. (ZOBOLI; PAC, 2004)

Para Zoboli e Pac (2004) outro problema ético na categoria é o das “relações com a
organização e o sistema de saúde” que guardam uma relação direta com a ética na
gestão dos serviços de saúde, deixando claro a dificuldade de, pela própria finalidade
das instituições sanitárias, separar a ética dos cuidados de saúde da ética na adminis-
tração em saúde.

Nesse sentido, parece evidente também que, se os problemas éticos são


permeados em sua geração e solução pelas condições de trabalho, seria indi-
cado a implementação de estratégias para apoiar a condução de tais situações,
além da criação de oportunidades para os profissionais de saúde se envolverem
em discussões de temas éticos, com vistas a formar um ambiente de trabalho
sadio, colaborativo e que propicie a excelência técnica e moral da assistência
prestada. (ZOBOLI; PAC, 2004)
Destacados os pontos iniciais dessa unidade, amplia-se o olhar para que
seja extremamente importante desenvolver estudos que identifiquem os pro-
blemas referentes ao relacionamento e interação entre os diversos indivíduos
profissionais nos ambientes de assistência à saúde para que assim essa identi-
ficação seja possível à realização de intervenções dinâmicas que busquem me-
lhorar este contexto. (DE LIMA NETO et al, 2015)

104 • capítul0 5
5.2  Humanização da relação paciente/
profissional de saúde

Atualmente, a humanização, o acolhimento e o investimento no bem-estar do


paciente tem sido objeto de grande interesse no ponto de vista do Ministério da
Saúde elencar a humanização dos serviços de saúde como um de seus progra-
mas prioritários. (GUERRA, 2015)
Quando refletimos no campo da saúde, observamos a indiscutível impor-
tância que é colocada sobre esse profissional e seu empenho em transcender
a promoção de saúde e acolher o sujeito que sofre. Curar na área da saúde vai
além dos limites do campo do conhecimento científico. Dessa maneira, a atua-
ção desse profissional varia no equilíbrio entre a habilidade técnica, a formação
científica e a visão humanista da promoção da saúde. Hoje entendemos que a
humanização está alicerçada no tripé: acolhimento e direito do usuário, prática
e construção de um modelo organizacional humanizado. (GUERRA, 2015)
E nesse modelo o atendimento humanizado valoriza todos os indivíduos
participantes do processo de promoção de saúde, sejam eles o paciente, o pro-
fissional e equipe ou gestores (GUERRA, 2015). Assim, vamos nos aprofundar
nesse tema.
©© TIVERYLUCKY | DREAMSTIME.COM

capítulo 5 • 105
5.2.1  Direitos do paciente

A reflexão sobre práticas humanizadoras em saúde se iniciou nos anos 1970


através da discussão e da luta sobre os “direitos do paciente”. A primeira decla-
ração de direitos dos pacientes reconhecida pela literatura foi construída pelo
Hospital Mont Sinai, em Boston/USA, em 1972. Um ano mais tarde, a Associa-
ção Americana de Hospitais lança a Patient’s Bill of Rights [Carta dos Direitos
dos Pacientes], que foi revisada em 1992. De grande relevância para a funda-
mentação sobre a humanização na saúde foi a Declaração da Conferência In-
ternacional sobre Cuidados Primários de Saúde, co-patrocinada e organizada
pela Organização Mundial de Saúde e pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas
para a Infância), que aconteceu em Alma-Ata, capital do Kazaquistão Soviético,
em setembro de 1978, a qual reafirmou que a saúde é um estado de bem-estar
completo, físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças ou en-
fermidades, devendo ser compreendida como um direito humano fundamen-
tal. A Declaração ampliou a atenção para a obtenção do mais alto nível de saúde
possível é o objetivo social mais importante a ser atingido pelos sistemas de
saúde, sendo que os indivíduos devem ter o direito e a obrigação de participar,
individual e coletivamente, no planejamento e na implementação de seus cui-
dados com saúde.
No Brasil, além das bases constitucionais relativas a direitos individuais,
coletivos e sociais, a legislação infraconstitucional referente ao setor de saúde
traz diretrizes e normas que se referem, de forma direta ou indireta, à humani-
zação da atenção em saúde, tais como a preservação da autonomia das pessoas
na defesa de sua integridade física e moral, à igualdade da assistência à saúde,
sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, e o direito à informação
das pessoas assistidas sobre sua saúde (Lei federal 8080/90, art. 7º, III, IV e V).
Outras normas legais também dispuseram sobre tópicos relacionados à huma-
nização da atenção à saúde. Por exemplo, em conformidade aos arts. 11 e 12
do Estatuto da Criança e do Adolescente, os estabelecimentos de saúde devem
proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais
ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente, além de
manter alojamento conjunto possibilitando ao neonato estar junto à sua mãe. É
também interessante se destacar que no Estado de São Paulo, em 1995, a ques-
tão dos direitos do paciente foi contemplada no Código de Saúde do Estado
de São Paulo, lei complementar 791/95. Como exemplo, encontramos em seu

106 • capítul0 5
art. 3º, IV, disposições legais referentes aos indivíduos poderem decidir livre-
mente, sobre a aceitação ou a recusa da prestação da assistência à saúde, ao
direito a ser tratado com presteza, privacidade e respeito, assim como o de ser
informado sobre seu estado de saúde e as alternativas possíveis de tratamento.
Ainda em 1995, foi emitido importante documento — a Cartilha dos Direitos do
Paciente — pelo Conselho de Saúde do Estado de São Paulo, a partir de estudos
efetuados pelo Fórum Permanente de Patologias Crônicas, cujas diretrizes e os
princípios aí dispostos foram inspiradores da lei estadual nº 10241, promulga-
da em março de 1999, relativa aos direitos dos usuários dos serviços e das ações
de saúde no Estado. As normas deste ato legal expressam, entre outros, o direito
dos usuários a ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso; a ser identifi-
cado e tratado pelo seu nome ou sobrenome; a não ser identificado ou tratado
por números, códigos ou de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso;
a ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais, através da manutenção
do sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pú-
blica; a poder identificar as pessoas responsáveis, direta e indiretamente, por
sua assistência; receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre
hipóteses diagnósticas, diagnósticos realizados, exames solicitados e ações
terapêuticas; a consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida,
com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a se-
rem nele realizados; a acessar, a qualquer momento, o seu prontuário médico
(Art. 2º, itens I a VIII). Essas iniciativas tiveram repercussões em outros estados
brasileiros, sendo que, recentemente, no município de Belo Horizonte/MG, foi
promulgada a lei nº 8926, de 02 de agosto de 2004, que “dispõe sobre os direi-
tos do usuário dos serviços e das ações de saúde no município”, a qual é voltada
fundamentalmente para a humanização dos serviços de saúde.
DE CARVALHO FORTES, Paulo Antônio. Ética, direitos dos usuários e políticas de
humanização da atenção à saúde. Saúde e Sociedade, v. 13, n. 3, p. 30-35, 2004

Em 2009, o Ministério da Saúde criou a Portaria nº 1.820, que dispõe sobre


os direitos e deveres dos usuários da saúde, que atualmente é a legislação nor-
teadora para esse assunto.

5.2.2  Direitos de cuidados da saúde da criança

A Constituição Cidadã de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),


Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, avançaram decisivamente na garantia

capítulo 5 • 107
legal desse grupo social, reconhecendo-os como indivíduos de direito, de pro-
tagonismo, de proteção integral por parte da sociedade e do estado, sendo prio-
ridade no uso dos recursos públicos para a garantia de provimento e efetivação
da proteção. (SANCHEZ; MINAYO, 2004)
O ECA, em todos os seus capítulos, se curva à importância de especificar o
que considera proteção integral, de mostrar como ela deve ser ofertada e a indi-
car penalidades para os transgressores dos direitos do grupo social em questão.
Contudo, o capítulo I se atenta ao tema “Do direito à Vida e à Saúde”, referindo-
se mais diretamente ao papel do setor saúde. (SANCHEZ; MINAYO, 2004)
O Estatuto da Criança e do Adolescente na sua concepção e instituição teve
importante contribuição do setor saúde, que entendeu sua importância para a
ampliação da consciência social em relação aos pré-requisitos do desenvolvi-
mento físico, emocional e moral do ser humano, nessa faixa etária. (SANCHEZ;
MINAYO, 2004)
Quando falamos de adolescentes, muitas vezes os serviços de saúde é o es-
paço no qual eles encontram possibilidades de expor seus anseios e conseguir
ajuda para aliviar suas dores, porém os profissionais de saúde muitas vezes en-
contram dificuldades em alguns princípios éticos e legais. Por exemplo, diante
de uma situação de abuso ou violência, o profissional é obrigado a acionar o
Conselho Tutelar, correndo o risco de sofrer sanções previstas na lei, caso as-
sim não o faça. Mas cabe salientar que essa notificação pode provocar mais pre-
juízos do que benefícios ao adolescente. (RATES et al, 2015)
Uma outra questão bioética em relação à adolescentes diz respeito às rela-
ções sexuais antes dos 15 anos, as quais, segundo o Código Penal Brasileiro,
configuram crime de estupro, previsto no art. 213, estando a violência presumi-
da na razão da idade da vítima (art. 224, alínea a). Mas a realidade social atual
demonstra que metade dos adolescentes ingressa na atividade sexual muito
cedo, o que tem produzido um aumento de gestações e doenças sexualmente
transmissíveis. Diante dessa situação questiona-se: o que fazer? (RATES et al,
2015)
Assim, percebemos a necessidade de identificar quais são as situações do
atendimento aos adolescentes que envolvem questões bioéticas, éticas e legais.
Par que após essa identificação, criarmos, por exemplo, diretrizes mínimas de
atuação que protejam o adolescente e ajudem o profissional de saúde na toma-
da de decisões em seu trabalho. (RATES et al, 2015)

108 • capítul0 5
Em termos de direitos humanos, os direitos sociais estão presentes nas di-
retrizes políticas de atenção à saúde da criança. Os direitos sociais são direitos
inerentes do cidadão, conhecidos como positivos, ou de segunda geração, entre
eles estão os direitos à educação, ao trabalho e à saúde, pressupondo iniciativas
concretas do Estado para sua garantia. (FIGUEIREDO; MELLO, 2007)
No sentido de contribuir e apoiar os profissionais de saúde contamos ain-
da com a Caderneta de Saúde de Adolescentes, criada em 2009, através do
Ministério da Saúde, que contribui também para que os próprios adolescentes
acompanhem as transformações que ocorrem em seu corpo e tenham infor-
mações qualificadas sobre saúde, direitos e relações afetivas saudáveis. (DOS
SANTOS, 2014)
É muito importante que os profissionais de saúde procurem articular as
diretrizes políticas e as práticas de saúde, buscando ampliá-las através de pes-
quisas e criação de tecnologias que possibilitem a reorganização das práticas
de saúde da família e da atenção integrada às doenças prevalentes na infância
(AIDPI), promovendo a saúde e qualidade de vida de crianças e famílias. Esses
profissionais também devem ser agentes públicos incumbidos de observação e
intervenção para respeitar, proteger e efetivar direitos humanos. (FIGUEIREDO;
MELLO, 2007)
Assim, é necessário repensar a ação profissional, levando em consideração
a importância do seu papel transformador, pois o que se espera é que as trans-
formações de si e da realidade, após o encontro com as pessoas, encontrem es-
paços de cuidado em saúde. Porém, as dificuldades do cotidiano são diversas,
visto que muitas vezes persistem, dificultando a realização de transformações,
a execução de um trabalho com qualidade, conhecer e atuar sobre os direitos
da criança, especificamente. É nesse sentido que a população apreende a utili-
zação dos serviços de saúde. (FIGUEIREDO; MELLO, 2007)

5.3  Atendimento a pacientes especiais


Primeiramente devemos conceituar que o pensamento de que excepcional
esta ligado ao indivíduo portador de deficiência mental é errôneo. A palavra ex-
cepcional significa exceção, extraordinário, limitado, diferente, desvio do nor-
mal, e não somente envolvendo o fator mental. Na medicina, o termo excepcio-
nal foi, durante vários anos, utilizado apenas para designar as encefalopatias.
(PERES; PERES; SILVA, 2005)

capítulo 5 • 109
No momento em que excepcional deixou de ser apenas preocupação psi-
quiátrica e neurológica, passando a ser também uma preocupação pedagógica,
houve uma importante contribuição no desenvolvimento das ciências referen-
tes ao atendimento dessa população. Segundo Haim Grünspun, o conceito de
excepcional é todo indivíduo que se desvia física, intelectual, social ou emo-
cionalmente daquilo considerado normal quanto aos padrões de crescimento
e de desenvolvimento. Dessa maneira, não deve receber educação regular pa-
dronizada, requerendo educação especial e instrução suplementar em serviços
adequados para o resto da vida. (PERES; PERES; SILVA, 2005)
Atualmente o termo excepcional não pode ser aceito como sinônimo de pa-
ciente especial, pois nem todos os sujeitos que atendemos precisam de educa-
ção especial para o resto da vida. Dessa forma, é possível conceituar paciente
especial como todo indivíduo que possui alteração física, orgânica, intelectual,
social ou emocional, podendo ser aguda ou crônica, simples ou complexa, que
necessita de educação especial e instruções suplementares, temporária ou de-
finitivamente. Porém, todo paciente excepcional é um indivíduo com alteração
intelectual e/ou neuromotora em razão de lesão cerebral precoce e não evoluti-
va. (PERES; PERES; SILVA, 2005)
Segundo Peres; Peres; Silva (2005) é possível categorizar os pacientes espe-
ciais, tendo como foco que qualquer classificação corresponde sempre à sepa-
ração em grupos distintos e o objetivo é ser preciso dentro das possibilidades.
Assim, essa classificação de pacientes especiais é didática e pode ser feita da
seguinte maneira:
1. excepcionais: deficientes mentais; paralisia cerebral; e superdotados;
2. deficientes físicos;
3. desvios comportamentais e sociais;
4. desvios psiquiátricos, neurológicos e psicológicos;
5. alterações genéticas e congênitas;
6. alterações metabólicas;
7. deficiência sensorial;
8. doenças sistêmicas crônicas;
9. doenças imunológicas;
10. gestantes;
11. idosos;
12. toxicômanos.

110 • capítul0 5
CONEXÃO
Para compreender melhor os direitos dos pacientes com deficiências, acesse:
DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS:
https://www.youtube.com/watch?v=5W56PXV2Lpk
O vídeo expressa um debate envolvendo vários temas dos direitos dos indivíduos com
diversas deficiências.

Nesse capítulo abordaremos os deficientes mentais e os pacientes psiquiá-


tricos. Vamos lá!

5.3.1  Direitos do deficiente mental

Na terminologia, deficiência engloba o transtorno mental. O termo deficiência


significa uma restrição física, mental ou sensorial de natureza permanente que
limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária,
causada e agravada pelo ambiente econômico e social. É importante salientar
que se observa na literatura o termo portador, sendo que alguns autores ques-
tionam essa terminologia. Ela pode reforçar a ideia de excluir o diferente. Com
a portaria GM/MS número 1.060 de cinco de junho de 2002, o Governo Federal
aprovou a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. (DA
SILVA et al, 2015)
Porém, a convivência com a doença e o adoecer, seja físico ou psiquiátrico,
representa uma dificuldade e um desgaste para o grupo familiar e esse olhar
pode ser ampliado se este adoecer for longo, com manifestações agudas e,
sobretudo, for vivido, como incapacitante e estigmatizado.Quando nos aten-
tamos às singularidades da doença mental, observamos que os transtornos
mentais e comportamentais exercem considerável impacto sobre os sujeitos,
as famílias e as comunidades. Esses indivíduos não só apresentam sintomas
inquietadores de seu distúrbio, como sofrem também por estarem incapacita-
dos de participar em atividades de trabalho e lazer, muitas vezes em virtude da
discriminação. É fator preocupante para eles o fato de não poderem cumprir
com suas responsabilidades para com a família e os amigos, e temem ser um
fardo para os outros. (DA SILVA et al, 2015)

capítulo 5 • 111
Com esse contexto, devemos considerar que a real possibilidade de rein-
serção social do sujeito com transtorno mental implica envolvimento e com-
prometimento familiar e isto independe como a família se constitui, pois ela
sempre continua representando a garantia de sobrevivência e proteção de seus
membros. Assim, no que tange às relações sociais, é fácil perceber que o pro-
cesso de inclusão começa na família, pois ela precisa se atentar da importância
de um indivíduo com deficiência ter estreitas e íntimas relações com as outras,
participando da vida normal, inserindo-se em grupos sociais diversos. Nesse
sentido, a aceitação por parte dos pais será o fator fundamental para o desen-
volvimento do indivíduo ao longo da vida, estimulando a convivência com os
demais membros da sociedade, a participação em atividades culturais, esporti-
vas, de lazer e outros. (DA SILVA et al, 2015)

5.3.2  Atenção psiquiátrica

Já em 1989, a Organização Pan-Americana de Saúde alarmava para o fato de que


a América Latina enfrentaria uma pandemia de transtornos psiquiátricos, que
segundo ela terá:

importantes repercusioneseneldesarrollo social de los países latinoamericanos


y enlaplanificación y prestación de serviços de psiquiatría e salud mental. (BREDA,
AUGUSTO, 2001, p. 471).

As internações psiquiátricas no Brasil, tem apresentado altos custos com


a rede hospitalar do Sistema Único de Saúde. Os leitos, cerca de 80%, privados
e contratados pelo setor público, apresentam internações longas, alcançando
em alguns casos a média de 55,6 dias de duração. (BREDA; AUGUSTO, 2001)
Essa situação torna-se mais preocupante quando consideramos o cresci-
mento absoluto de habitantes, o impacto psiquiátrico causado pela crescente
concentração de renda, e a diminuição do acesso aos bens e serviços distribuí-
dos pelo Estado, que em última instância, centraliza-se em umprocesso destru-
tivo da qualidade de vida e saúde. (BREDA; AUGUSTO, 2001)
O modelo assistencial hospitalocêntrico, questionado a partir de 1970
com a organização do Movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil, se mos-
trou mais prejudicador do que produtor de ressocialização e reabilitação.

112 • capítul0 5
Entretanto, apenas em 2001 foi aprovada a Lei Federal nº. 10.216, que esta-
belece os direitos da pessoa com transtorno mental, limita e regulamenta as
internações psiquiátricas. O texto legal dispõe sobre a substituição do modelo
assistencial centrado nos hospitais psiquiátricos, com enfoque nos recursos
assistenciais de base comunitária. (GUIMARÃES et al, 2015)
Atualmente, a política de saúde mental nos leva para novas formas de com-
preender, tratar e se relacionar com a pessoa com transtorno mental. Os ser-
viços que se destacam a essas formas são: os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), leitos psiquiátricos em hospitais gerais, ambulatórios, Unidades
Básicas de Saúde (UBS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e redes de
apoio, como associações de moradores de bairros, igrejas, grupos de ajuda mú-
tua, escolas e universidades.(GUIMARÃES et al, 2015)
Dessa maneira, a assistência em saúde mental precisa ser sustentada no
modo psicossocial, em que centraliza sua ação não na doença, mas na pessoa
e nas suas potencialidades, priorizando o atendimento por equipe multipro-
fissional que deve atuar de maneira interdisciplinar em diversos serviços de
saúde, com visão à reabilitação psicossocial e à reintegração sociocultural das
pessoas com transtorno mental. (GUIMARÃES et al, 2015)
Assim, quando tratamos de pacientes psiquiátricos não se admite mais a
noção de “cura”, mas de reabilitação, e os meios para alcançar essa meta dei-
xam de ser os instrumentos coercitivos e passam a ser os que propiciam a va-
lorização do sujeito-cidadão que sofre mentalmente, como o acolhimento e a
escuta ativa. (GUIMARÃES et al, 2015)

5.3.3  Maus tratos ao idoso

Com o aumento da idade aparecem sensíveis alterações no estilo de vida da


população idosa, por problemas de saúde ou até pelo processo fisiológico do
envelhecimento, que se mostra como um processo múltiplo e desigual de com-
prometimento e decadência das funções que caracterizam o organismo vivo
em razão do tempo de vida. (GARBIN, 2010)
O avanço da expectativa de vida e a diminuição da taxa de mortalidade re-
presentam um fenômeno mundial atualmente, gerando um aumento do nú-
mero de idosos e trazendo várias consequências para as políticas sociais, repre-
sentando um dos maiores desafios da saúde pública contemporânea. No Brasil
esse quadro é semelhante, e hoje o país já conta com mais de 14,5 milhões de
idosos. (GARBIN, 2010)

capítulo 5 • 113
Com essa realidade, o Brasil se coloca como sexto colocado em termos de
população idosa no ano de 2025, com mais de 30 milhões de habitantes acima
de sessenta anos. As mudanças vindas da terceira idade levam os idosos, na
maior parte dos casos, a precisar de alguém para auxiliá-los em atividades que
antes pareciam simples de se executar. (GARBIN, 2010)
Surge assim, a figura de cuidador de idosos, que na grande maioria do sca-
sos nos passam despercebidos sua (in) capacidade, resultando em desgaste
tanto para o ser cuidado quanto para o cuidador. Porém, hoje no país, pouco
se conhece sobre esse impacto, sobre o sistema de saúde, de idosos que estão
dependentes e necessitam de um cuidador. (GARBIN, 2010)
Nesse contexto, em que os idosos são cuidados por sujeitos não capacitados
para a função, é que surge muitas vezes os maus tratos aos idosos.
Essa violência com os preconceitos contra idosos precisa ser investigada nas
abordagens qualitativas e quantitativas, precisando ser estimulada a criação de
novos instrumentos de aferição de preconceitos, assim como ferramentas para
intervenções e, principalmente, para a prevenção aos riscos de violência. Nessa
abordagem, a luta contra a discriminação contra idosos precisa ser uma ques-
tão de saúde pública e ter apoio de diversos segmentos sociais. Priorizando, fis-
calizando e implementando ações previstas nas políticas públicas direcionadas
aos idosos. É importante ressaltar que a participação de todos nas esferas de
decisão política deverá significar, em um curto espaço de tempo, o diferencial
no tratamento dado as situações que violam os direitos das pessoas idosas no
Brasil, como a violência. Ainda contamos com o Estatuto do Idoso, qu foi um
marco legal nas políticas públicas e contribuiu para o aumento da consciência
e informação sobre a violência contra os idosos. (DA SILVA; FRANÇA, 2015)
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114 • capítul0 5
Enfim, percebemos também a mídia com o papel fundamental em relação a
ruptura de preconceitos e a discriminação contra pessoas idosas. Apesar de os
meios de comunicação estarem mais atentos a outros tipos de discriminação
como contra mulheres, negros e homossexuais, ainda são difíceis as menções
frente a discriminação contra idosos. Pesquisas nesse campo, deverão servir
como exortadores no processo de mudança social na direção do respeito, cida-
dania, participação social e prevenção contra os vários tipos de violência perpe-
trada contra idosos. (DA SILVA; FRANÇA, 2015)

ATIVIDADES
01. Os direitos da criança e do adolescente são previstos por qual estatuto brasileiro?

02. Quais as classificações de pacientes especiais?

REFLEXÃO
Nesse capítulo relacionamos a bioética com a formação dos profissionais de saúde, em seus
aspectos em relação com a equipe de saúde, humanização dessas relações com o paciente
e dos atendimentos a pacientes com necessidades especiais.
Observamos os vários paradigmas éticos envolvidos nesses temas e podemos concluir
que toda relação deve vir de muito respeito, carinho e dignidade de ambas as partes. Assim,
atingiremos o que almejamos desde o início desse livro, que é, em um sentido bem amplo, a
ética e suas vertentes no âmbito dos profissionais de saúde.

LEITURA
GOMES, Doris; RAMOS, Flávia Regina Souza. Solidaridad, alianza y
compromisodelprofesional de lasaludenlasprácticasdel Sistema Brasileño de Salud
(SUS): un debate bioético. Interface, v. 19, p. 52, 2015.
SILVA, Marcos Antônio Gomes da et al. Humanização Na Clínica Médica: Relação Usuário-
Profissional De Saúde. Revista Rede de Cuidados em Saúde, v. 9, n. 1, 2015.
MOSSER, Gordon; BEGUN, James W. Compreendendo o trabalho em equipe na saúde. Artmed
Editora, 2015.

capítulo 5 • 115
MIRANDA, Ana Lídia Pinheiro Lins et al. O cuidado de enfermagem à pessoa com síndrome de
down na estratégia saúde da família. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, 2015.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRÊDA, Mércia Zeviani; AUGUSTO, Lia Giraldo da Silva. O cuidado ao portador de transtorno
psíquico na atenção básica de saúde. Ciênc Saúde Coletiva, v. 6, n. 2, p. 471-80, 2001.
DA SILVA, Vanessa Luana et al. Uma Reflexão Sobre o Estudo das Representações Sociais das
Famílias de Alunos Com Transtorno Mental. Revista Includere, v. 1, n. 1, 2015.
DA SILVA, Edson Alexandre; FRANÇA, Lucia Helena de Freitas Pinho. Violência contra idosos na
cidade do Rio de Janeiro. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 15, n. 1, p. 155-177, 2015.
DE CARVALHO FORTES, Paulo Antonio. Ética, direitos dos usuários e políticas de humanização da
atenção à saúde. Saúde e Sociedade, v. 13, n. 3, p. 30-35, 2004.
DE LIMA NETO, Alcides Viana et al. Relacionamento interpessoal entre a equipe de uma
emergência hospitalar: um estudo qualitativo sob o olhar de enfermeiros. Enfermagem Revista, v. 18,
n. 1, p. 75-87, 2015.
DOS SANTOS, Viviane Silva. Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente. 2014.
146 fls. Dissertação (Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente) – Universidade Federal de
Pernambuco, Pernambuco.
FIGUEIREDO, Glória Lúcia Alves; MELLO, Débora Falleiros de. Child health care in Brazil:
aspects of program vulnerability and human rights. Revista latino-americana de enfermagem,
v. 15, n. 6, p. 1171-1176, 2007.
GARBIN, Cléa Adas Saliba et al. O envelhecimento na perspectiva do cuidador de idosos.
Ciências e saúde coletiva, v. 15, n. 6, p. 2941-8, 2010.
GUERRA, Camila Tuanny et al. Reflexões sobre o conceito de atendimento humanizado em
Odontologia. ARCHIVES OF HEALTH INVESTIGATION, v. 3, n. 6, 2015.
GUIMARÃES, Andréa Noeremberg et al. Mudanças na atenção à saúde mental decorrentes
da reforma psiquiátrica: percepções de profissionais de enfermagem/Changes in mental
healthcareduetothepsychiatricreform: nursingprofessionals’ perceptions. Ciência, Cuidado e Saúde, v.
14, n. 1, p. 830-838, 2015.
PERES, ARSENIO SALES; PERES, S. H. C. S.; SILVA, R. H. A. Atendimento a pacientes especiais:
reflexão sobre os aspectos éticos e legais. RevFacOdontol Lins, v. 17, n. 1, p. 49-53, 2005.
RATES, Camila Maria Pereira et al. Questões bioéticas e adolescência: revisão integrativa da literatura
brasileira. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, 2015.
SANCHEZ, Raquel Niskier; MINAYO, Maria Cecília de Souza. Violência contra crianças e
adolescentes: questão histórica, social e de saúde.Violência faz mal à saúde, p. 29-38, 2004.

116 • capítul0 5
ZOBOLI, E. L. C. P.; PAC, Fortes. Bioética e atenção básica: um perfil dos problemas éticos
vividos por enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família, São Paulo, Brasil. Caderno
Saúde Pública, v. 20, n. 6, p. 1690-9, 2004.

GABARITO
Capítulo 1
01. Uma de que o indivíduo que age de modo ético é considerado como aquele capaz de
autocontrole, ou seja, de “governar a si mesmo”. E a outra de que a possibilidade de agir cor-
retamente e de ter decisões éticas necessita de um conhecimento do Bem, que é concebido
pelo indivíduo através de um longo e lento processo de amadurecimento espiritual, ou seja,
de “ascensão da alma”.

02. A ética é a teoria ou a ciência do comportamento moral dos indivíduos que convivem
em sociedade. Ou seja, é ciência de uma maneira específica de comportamento humano.
É ciência porque tem objeto próprio (a moral), leis próprias e método próprio, na simples
identificação do caráter científico de um específico ramo do conhecimento. A moral é um
dos aspectos do comportamento humano, ou seja, conjunto de normas oriundas do hábito
reiterado de sua prática.

Capítulo 2

01.
Princípio do respeito às pessoas ou da autonomia: que exige que aceitemos que as
pessoas sejam autônomas, tanto nas suas escolhas como em seus atos, ou seja, liberdade
para que as pessoas se autogovernem. O princípio da autonomia define que o médico respei-
te a vontade do paciente ou do seu responsável, assim como seus valores morais e crenças.
Princípio da beneficência: que dá o direito ao paciente de que sejam atendidos os
interesses importantes e legítimos de cada indivíduos e que, na medida do possível, sejam
evitados danos. Na Bioética, esse princípio é também conhecido como o princípio do bem
-estar e interesses do paciente por intermédio da ciência médica e de seus representantes.
Princípio da justiça: que exige equidade no que se refere ao exercício da medicina
ou qualquer área da saúde, na distribuição de bens e benefícios. Uma pessoa considerada
injustiçada quando lhe é negado um bem ao qual tem direito e que, portanto, Ihe é devido.
02. Bioética é uma reflexão compartilhada, complexa e interdisciplinar sobre a adequação
das ações que envolvem a vida e o viver.

capítulo 5 • 117
Capítulo 3

01. A resolução esclarece todo o processo de consentimento livre e esclarecido e das nor-
mas para elaboração do TCLE, que garante ao participante autonomia para se manifestar,
como o próprio nome diz, de forma livre e esclarecida, e assim, aqui se dá as maneiras usuais
para que todo esse processo aconteça.

02. As diretrizes internacionais nos trazem realidades bem parecidas com a brasileira, dentre
vários pontos, observamos alguns pontos diferentes que: dispõe sobre a indução da partici-
pação que dá liberdade de pagamento – sem excesso – ao indivíduo participante da pesqui-
sa, da participação de prisioneiros, do envolvimento de indivíduos de comunidade subdesen-
volvidas e das obrigações dos países anfitrião e patrocinador.

Capítulo 4

01.
Autotransplante ou autoenxerto: transferência de órgão ou tecido de uma parte do
organismo para outra, coincidindo a figura do doador e a do receptor. Ex.: ponte de safena.
Nesse caso o transplante somente poderá ser realizado com autorização da própria pessoa,
mediante registro em seu prontuário médico, ou, se incapaz, da permissão dos pais ou res-
ponsável legal.
Isotransplante: transplante de tecidos ou órgãos em gêmeos univitelinos, ou seja, seres
idênticos em relação a caracteres genéticos.
Alotransplante: ausência de identidade das características genéticas entre doador e
receptor.
Xenotransplante: transferência de órgão ou tecido animal para ser humano.

02. O dilema que aparece quando, ao realizar um teste genético para diagnóstico de uma
doença hereditária, descobre-se que o pai da criança não é seu pai biológico, registrando que
cerca de 10% dos testes de paternidade que são realizados incidem neste resultado. Qual a
melhor maneira de informar tal fato à família, especialmente quando o resultado do exame de
paternidade está vinculado ao de uma doença genética grave? Seria viável denunciar tal si-
tuação, que certamente terá reflexos na estrutura familiar, mesmo sem o consentimento das
pessoas envolvidas? Também há outras questões polêmicas, tais como os diagnósticos ge-
néticos que apontam uma pré-disposição para o desenvolvimento de determinadas doenças
poderiam ser utilizados pelos empregadores e planos de seguro e de saúde para negar – ain-
da que veladamente – a contratação com determinados indivíduos? Nos Estados Unidos, por

118 • capítul0 5
exemplo, para evitar esse tipo de situação, foram criadas leis, que vedam a disponibilidade de
informações sensíveis, dentre as quais se encontram aquelas relativas aos dados genéticos.

Capítulo 5

01. A Constituição Cidadã de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei


n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, avançaram decisivamente na garantia legal desse grupo
social, reconhecendo-os como indivíduos de direito, de protagonismo, de proteção integral
por parte da sociedade e do estado, sendo prioridade no uso dos recursos públicos para a
garantia de provimento e efetivação da proteção.

02. excepcionais: deficientes mentais; paralisia cerebral; e superdotados; deficientes físi-


cos; desvios comportamentais e sociais; desvios psiquiátricos, neurológicos e psicológicos;
alterações genéticas e congênitas; alterações metabólicas; deficiência sensorial; doenças
sistêmicas crônicas; doenças imunológicas; gestantes; idosos; toxicômanos.

capítulo 5 • 119
ANOTAÇÕES

120 • capítul0 5

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