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LÓTUS
Primeira edição
Salvador/Brasil
2019
Spin-Off de Escolhas
LÓTUS
Capa: Joice S. Dias
Revisão: Lorena Bastos
Diagramação: Lara Smithe
Fanpage: @autoralarasmithe
Facebook: lara.smithe.14
Site: www.larasmithe1.wix.com/meusite
Instagram: @autora_lara_smithe
Livros físicos sites:
Custe o que Custar; www.editoraarcadia.com.br
A Luz do Seu Olhar; www.lojabezz.com.br/
Sumário
Índice
Sumário
Mensagem
SINOPSE
1
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46
EPÍLOGO
Próxima História
LUKE
Se ainda não leu ESCOLHAS – Prequel de LÓTUS
Índice
Agradecimentos
Mensagem
Sinopse
Prólogo
Adam
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Eva
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Epílogo
Outros Romances da Autora
Agradecimentos
FLOR DE LÓTUS
Cidade de Paraíso...
Já faz três dias que estou em Paraíso. As coisas estão indo de acordo
com o que planejei, estão até melhores do que eu esperava. Falta pouco para
dar o golpe de misericórdia em Rodrigo. Ele já não tem mais saída, suas
dívidas de jogo são impagáveis, está completamente arruinado, mas ainda
não é o bastante, pois quero deixá-lo bem desesperado a ponto de vender a
própria alma.
— Senhor Salles, os investigadores chegaram. Estão no escritório.
— Obrigado, Alfredo. Sirva algo para eles beberem, já estou descendo.
Alfredo sai e fecha a porta. Estou ansioso por saber como andam as
investigações e sobre todo o processo da decadência dos González.
Antes de ir ao encontro dos dois investigadores, olho-me no espelho.
Estou com um pouco de olheiras, pois desde que cheguei a Paraíso não tenho
dormido direito, por dois motivos. Primeiro, por causa do assassino do meu
pai; segundo, por causa de uma moça que teima em me desafiar, mas hoje
vou surpreendê-la. Assim que me livrar das minhas visitas.
Entro no escritório. Os dois homens estão apreciando uma xícara de
café, o cheiro bom vem até mim.
— Boa tarde, senhores. — Eles se levantam para me cumprimentar. —
Fiquem à vontade. — Sento-me, estico o corpo para trás e os observo,
enquanto sorvem o café. — Então, o que os senhores trouxeram para mim?
— inquiro.
— Muitas novidades — responde um dos homens, o senhor Lawrence, o
mais alto e careca da dupla — Inclusive que a filha do Rodrigo não está mais
na Suíça. Segundo a diretora, o pai mandou buscá-la. Ela está aqui, em
Paraíso, muito bem guardada na fazenda, e descobrimos que ele anda tão
desesperado que está procurando um casamento bem vantajoso para a filha.
Dirijo minha atenção para ele, não esperava escutar isso. Eu preciso agir
o mais rápido possível.
— Ele já tem algum pretendente em vista? Se tem, quero saber quem é,
não quero falhas. Vocês são muito bem pagos para fazer este trabalho e não
admito erros, entenderam? — eles se mexem, inquietos, nas cadeiras, olham
um para o outro e assentem com a cabeça quando dirigem o olhar outra vez
para mim.
— Claro, senhor Salles — afirma o outro investigador, Ailton, o
baixinho corpulento. — A propósito, já saldamos a dívida do senhor Rodrigo
com os dois agiotas da capital, a dívida dele agora é do senhor. E ontem ele
pediu mais um alto empréstimo na casa de aposta. O homem está o devendo
até as próximas dez reencarnações, se de fato isso existir. É muito dinheiro.
— Pois que deva, eu o quero no fundo do poço e com uma corda bem
grossa no pescoço, sem saída alguma — comento, cuspindo o meu ódio.
Os dois homens dirigem os olhares para mim, curiosos.
— Ele já não tem como pagar, todas as propriedades dele foram dadas
como garantia para saldar as dívidas antigas. As novas estão acumuladas há
mais de quatro anos, não sei por que o senhor insiste em emprestar-lhe mais
dinheiro, se sabe que ele não tem como quitar a dívida — observa Ailton.
— Ele terá, Ailton, e não vai demorar muito para que eu cobre. —
Levanto-me, os dois homens também, e estendo a mão para me despedir. —
Continuem alimentando o vício do Rodrigo, façam como mandei. Façam com
que ganhe duas vezes, deixem-no bastante confiante, e quando ele apostar
tudo, que ele perca, ok?
— Ok, como o senhor quiser. Até mais.
Apertamos as mãos e eles vão embora. Eu sigo a caminho da cachoeira,
ao encontro de uma moça que está me tirando o sono.
Desta vez prefiro ir a cavalo até a clareira. Escolho um cavalo puro-
sangue, de pelos negros. Monto na sela, aperto os flancos do animal e ele sai
trotando. Em menos de oito minutos estou na clareira, então desço do cavalo
e o deixo seguro, preso em um tronco. Faço o mesmo percurso que já
conheço, quando escuto o som das águas da cachoeira batendo nas rochas
marrons. Eu já sabia que a pequena Lótus estava se banhando entre as flores.
Sou um homem perspicaz, já sabia que aquela moça não aceitaria um não, ela
certamente voltaria à cachoeira. Então mandei instalar duas câmeras de
segurança no local e do meu notebook eu poderia saber se alguém invadiria
aquela parte da minha propriedade. Dito e feito, a pequena Lótus invasora
voltou e durante os dias que se passaram eu só a observei de longe. Sabia até
o horário que ela vinha se banhar no lago.
Lá está ela e desta vez não está nua, como das outras vezes. Desta vez
veste uma roupa de banho, o que é uma pena, pois adoro ver o seu corpo alvo
adornado de belas curvas. Seu traseiro parece um coração, os quadris largos e
a cintura fina desenham a forma de um violão. Seus seios redondos e
pontudos deixam as minhas mãos coçando de vontade de tocá-los, mas o que
mais me excita é ver seu monte de vênus coberto por uma penugem escura,
desenhando um pequeno triângulo. As mulheres com as quais compartilhei a
cama são sempre lisas em suas partes íntimas, mas a pequena Lótus tem pelos
nos lugares apropriados, o que muito me agrada, e hoje eu vou tocá-los.
Faço-me notar quando me aproximo da beira do lago, agacho-me e pego
as suas roupas que estão jogadas em uma pedra. Desorientada, a pequena
Lótus nada para um ponto mais afastado e esconde o corpo sob a água lodosa.
Fito-a com um olhar de desagrado.
— O que faz aqui? — ela pergunta, aterrorizada, no momento em que
percebe que escondo suas roupas atrás de mim.
Olho para trás e jogo as roupas longe. Aproximo-me mais um pouco.
Paralisada de medo, ela nada mais um pouco para perto da cachoeira.
— Eu que pergunto, o que a senhorita faz aqui? Pelo que eu vejo, você
gosta de viver perigosamente. — Chego bem perto da beira do lago, se der
mais um passo molho os meus sapatos. — Saia do lago e vá embora. Eu
avisei que se a encontrasse aqui outra vez soltaria os cachorros em cima de
você.
Acho que ela não levou a sério as minhas palavras. Ela arregala os olhos
ao escutar o tom severo de minha voz.
— Por favor... deixe-me ficar aqui, eu só tenho este lugar para me isolar
quando quero ficar sozinha. Não vou roubar nada, tampouco destruir a sua
propriedade. Olhe como esse lugar está bem conservado, fui eu quem fez
tudo isso. Por favor, deixe-me ficar — murmura, tentando me convencer com
suas súplicas mentirosas.
— Não — digo rispidamente, minha voz soa fria e impaciente — Saia
agora, ou eu mesmo tiro-a daí. Saia agora, sua moleca sem noção. Já! —
grito, cerrando os punhos e dando mais um passo.
Eu sei que as minhas palavras a atingem em cheio, como uma violenta
bofetada.
— Você é um grosso arrogante, se acha o dono do mundo. Custa me
deixar ficar? Esse seu ar prepotente não me engana, insolente filho da mãe —
ela me olha desafiadoramente.
— Não sou o dono do mundo, senhorita sem noção, mas sou o dono
dessas terras e aqui só pisa quem eu quero e autorizo, e a senhorita não é
minha convidada. Agora saia da minha propriedade, ou ligo para os
seguranças e peço para soltarem os cães. — Digo com um olhar frio. Pego o
meu celular e começo a discar.
— Por favor, seja razoável. — Implora. Perco a paciência, retiro os
meus sapatos, calça e camisa, entrando na água.
Ela solta um grito aterrorizado e nada até as pedras. Desvio-me dos
galhos submersos das flores de lótus até alcançar a parte cristalina do rio. Sou
um exímio nadador e chego rápido ao outro lado, onde estão as pedras e é
raso. A pequena invasora tenta escapar de mim subindo em uma pedra, mas
sou mais rápido e, num gesto brusco, prendo-a firmemente em meus braços.
Ao unir os nossos corpos, um fogo traiçoeiro cresce dentro de mim, e já sem
controle das minhas emoções, começo a acariciar o seu corpo, provocando-a.
Em pânico, ela tenta se libertar, mas as minhas mãos sedentas por seu
corpo não a deixam raciocinar direito. Meus dedos a afagam com volúpia,
despertando em seu corpo as mesmas sensações que ela desperta no meu.
Quanto mais ela luta, mais eu a aperto contra o corpo. Nossos rostos estão
próximos, e eu, cego de desejo, roubo sua boca num beijo implacável. Ao
sentir o poder do meu beijo ela se amolece e geme baixinho, mas quando
percebe que está prestes a se entregar ao desejo, reluta contra as sensações
devoradoras e começa a se debater desesperadamente.
— Solte-me, seu... seu idiota — pede. Sua boca ainda colada na minha,
a respiração ofegante, os seios duros com os bicos quase furando o tecido da
sua roupa de banho.
Impaciente, baixo as alças do maiô, deixando os seus seios à mostra e os
contemplo com verdadeira adoração. Minha boca saliva, então baixo os
lábios até o bico duro e o chupo, mordendo levemente. Ela fica
completamente inerte ao sentir minha boca lá e eu faço o mesmo com o outro
seio. Incapaz de resistir ao desejo, ela estremece e em sua última tentativa de
fuga, empurra o meu peito, suplicando em voz murmurante.
— Solte-me, deixe-me ir, por favor...— Eu já sei que isso não é um
“não”, pois todo o seu corpo responde ao meu toque.
Sugo os seus seios com audácia, e o desejo, meu e dela, desperta num
prazer incontrolável. Enquanto a enlouqueço com a boca, minha mão desce
entre suas coxas, afasto o maiô para o lado e os meus dedos acariciam a
penugem escura que eu tanto queria tocar. Os pelos são lisinhos, seu monte
de vênus é rechonchudo. Lótus, ao sentir meu toque, arqueia o corpo,
respirando fundo. Meu dedo escorrega entre seus grandes lábios até encontrar
o seu ponto sensível e eu brinco com ele, esfregando-o sofregamente.
— Oh, Deus! — geme — isso é bom, é muito bom... — diz entre
gemidos.
Estou tão duro que meu pênis chega a doer. Essa moça sem noção está
me tirando a razão, me tirando dos trilhos. Estou louco de desejo, louco para
entrar nela com força.
Eu posso fazer o que quiser com ela nesse momento, posso jogá-la na
pedra, arrancar o seu maiô e possuí-la de todas as maneiras. Posso, mas não
vou. Mesmo desejando-a, mesmo excitado como estou, não vou deixar
minhas emoções dominarem a minha razão...
Afasto-me bruscamente. Ela está de olhos fechados, delirando, a boca
entreaberta, os bicos dos seios duros, vermelhos e molhados pela minha
saliva.
— Espero que tenha aprendido a lição, pequena Lótus. Não brinque com
homens como eu. Agora vá embora e não volte mais, pois da próxima vez eu
não serei tão cavalheiro.
Ela abre os olhos, perplexa. É notável a confusão em seu olhar, decerto
nem percebe o que acabara de acontecer, que eu a rejeitei.
— Idiota, você é um grande idiota. — Diz, alterada, enquanto sobe as
alças do maiô.
— Sim, eu sou um idiota por não querer me aproveitar de você, mas não
se engane, pequena Lótus. Se continuar insistindo em invadir a minha
propriedade, da próxima vez não serei tão educado. Vá embora e não volte,
entendeu?
Viro-me. Vejo o seu olhar percorrer o meu corpo, que só está coberto
por minha cueca. Ela viu o tamanho do meu desejo, grande, duro e espesso,
pulsando dentro da peça íntima.
— Você só me tocou porque eu deixei, seu idiota, só porque eu deixei.
Mas posso rejeitá-lo a hora que eu quiser, Senhor Convencido de Merda.
Ela não entendeu o meu recado. Viro-me ligeiramente, e antes que ela
pisque, já está em meus braços, sendo beijada por minha boca insaciável.
Minhas mãos apalpam o seu corpo, famintas, e quando percebo que ela está
entregue outra vez, solto-a. Fito-a com frieza e sem nenhuma compaixão,
digo:
— Vá embora, enquanto é tempo — minha boca está bem próxima a
dela. — E não volte mais. — A última frase eu grito, e ela estremece. —
Você conhece a história da Chapeuzinho e do Lobo Mau?
A pequena Lótus engole em seco, mas mantém o olhar preso ao meu.
— Conheço. Certamente, você é o lobo mau?
— Não. — Falo com firmeza. — Eu sou o lenhador... o lenhador mata o
Lobo Mau e come a Chapeuzinho, portanto, não venha mais aqui ou o
lenhador irá te comer. Adeus, pequena Lótus.
Dou-lhe as costas e mergulho nas águas cristalinas, até chegar à parte do
lodo das flores de lótus. Ela fica escorada na pedra tomando fôlego, olhando-
me. Sinto o seu olhar em mim, mesmo sem me virar para observá-la.
Desapareço entre as árvores, deixando-a completamente atordoada.
5
LILLY
Como todas as noites, janto sozinha. Não vejo o papai desde a nossa
última conversa e provavelmente hoje à noite também não o verei. Assim
sendo, após o jantar resolvo me trancar em meu quarto. Não tenho muita
opção em Paraíso para diversão, ou leio um livro ou assisto TV, e não estou
com vontade de fazer nenhuma das duas opções. Deito-me e tento dormir,
mas não sei por quanto tempo fico lutando para cair no sono, só sei que ao
olhar para o relógio da parede do meu quarto percebo que já passa das duas
horas da manhã. Então, cansada de lutar contra o redemoinho de emoções
que assolam a minha mente e o meu coração, resolvo ir até a cozinha. Talvez
um chá de camomila me acalme e eu possa, enfim, fazer com que eu
adormeça.
Já estou no penúltimo degrau da escada, que dá acesso à sala principal,
quando escuto um barulho vindo do gabinete do meu pai.
Será que é algum invasor?
Aproximo-me sorrateiramente, pé ante pé, e encosto a orelha na porta.
Não ouço vozes, só o barulho de coisas sendo quebradas. Insegura, mas me
enchendo de coragem para abrir a porta e enfrentar seja lá o que fosse que
estivesse dentro do gabinete, escancaro a porta e entro.
— Quem está aí? — Pergunto, receosa, enquanto procuro o interruptor
da luz. Não consigo enxergar muita coisa só com a luz do abajur acesa. —
Apareça, eu sei que tem alguém aqui!
O gabinete do papai é composto de uma antessala, onde geralmente
ficam os estofados, o minibar e uma minibiblioteca. A porta que dá acesso ao
escritório está aberta, aproximo-me, então escuto um praguejo e reconheço a
voz.
— Papai! — Entro no escritório, ele está completamente bagunçado. —
Papai, o que está acontecendo aqui?
Ele nem me olha, continua procurando algo e tudo o que encontra joga
ao chão com violência.
— Merda! Merda! Onde está? Onde está? — Joga ao chão um jarro de
porcelana chinesa, após procurar dentro dele e não encontrar o que queria.
Fico parada observando o seu desespero, tento entender o que está
acontecendo, esperando a resposta da minha pergunta.
De repente ele joga a prateleira de livros ao chão.
— Estou perdido, perdido... — cai ao chão, desesperado, segurando a
cabeça com as mãos. Corro até ele e me agacho, segurando-o por seus
cotovelos.
— Papai, se o senhor me disser o que procura talvez eu possa ajudar.
Sou empurrada com violência e meu pai me encara com um olhar
enfurecido.
— Ajudar! Quer mesmo me ajudar... — Ele engatinha até mim, ficamos
face a face. — Arrume dinheiro, mas precisa ser muito dinheiro... você tem?
— Solta uma gargalhada, enquanto se afasta. — Claro que não tem, é uma
imprestável, durante toda a vida nunca soube de onde vinha o dinheiro que a
sustentava, não é mesmo?
Não reconheço meu pai. Seus olhos estão arregalados, o suor cobre o
seu rosto, a camisa está fora da calça, parece suja, e ele todo fede a bebida.
Está enlouquecido.
— Se quer dinheiro, espere até amanhã e vá ao banco, não precisa
destruir a casa, papai...
Falo inocentemente.
— Banco? Que banco?! Estamos falidos... falidos, entendeu? Não temos
um centavo. Por que você acha que a trouxe de volta para o Brasil? Porque
estava com saudades da minha filhinha? — dá uma gargalhada sinistra. —
Não se iluda, Lilly, se eu pudesse a teria mandado para bem mais longe de
mim... não aqui para Paraíso.
As lágrimas começam a embaçar minha visão. Escutar tais palavras
vindas da boca do meu pai é doloroso demais. Apesar de saber sobre o seu
distanciamento e frieza, ele nunca foi cruel e agora tudo indica que colocará
para fora tudo o que está guardado há tempos.
Levanto-me, cambaleante, escoro-me na cadeira à minha frente. Dou-lhe
as costas, não quero escutar suas palavras espinhosas.
— Aonde vai? Não quer escutar a verdade? — Diz cruelmente. Paro,
mas permaneço de costas para ele. — Você não está aqui porque eu quero a
sua presença, você está aqui porque estamos falidos, estamos na completa
miséria. Acha que estamos sem empregados por quê? Porque acabou a
colheita? Não, Lilly, estamos sem dinheiro até para o básico, comemos e
bebemos o que plantamos, e os poucos empregados que temos só ficaram
porque estão piores do que nós. Eles aceitaram trabalhar em troca de comida
e de um canto para dormir...
Ficamos em silêncio. Só escuto o som dos meus soluços.
— Olhe para mim, Lilly... Olhe-me! — Grita. Viro-me e o encaro, meu
rosto banhado pelas lágrimas. — Há muito tempo que eu não pagava a sua
faculdade, então recebi uma carta com um aviso que você seria dispensada.
Não tive outra alternativa senão trazê-la de volta. Agora estamos arruinados,
completamente na miséria, dona Lilly González, e se eu não conseguir um
bom casamento para você, nós vamos morar debaixo da ponte, entendeu?
Reze para que algum ricaço se apaixone por você, porque se isso não
acontecer, o nosso destino será a sarjeta. Vamos ver se pelo menos você serve
para encantar algum homem rico. Agora saia da minha frente, saia...
Ele grita a plenos pulmões a sua raiva. Cospe aquelas palavras frias e
cruéis em meu rosto. Fico tonta, febril, sinto uma necessidade enorme de
desaparecer, fugir... morrer. Corro do gabinete sem ao menos olhar para trás.
Com meu rosto banhando pelas lágrimas, quase não consigo ver nada à
minha frente. Só consigo pensar em meu refúgio, o único lugar onde encontro
paz. A cachoeira, o lago de lótus. Corro em direção ao atalho que me levará
até lá. Embrenho-me entre a escuridão e a densa floresta. Eu não preciso de
iluminação, a luz da lua é o suficiente para os meus olhos, conheço o
caminho de olhos fechados. Já consigo escutar os sons das águas da cachoeira
batendo nas pedras. Alívio...
Por que o meu pai me odeia tanto? O que eu fiz para merecer o seu ódio,
o seu desprezo? O que fiz?
Perdida em meus pensamentos tenebrosos chego, por fim, à beira do
lago. Entro nas águas geladas e nado até a parte cristalina. Fico lá,
mergulhada em minha tristeza, em minha agonia degenerativa, tento entender
os porquês de o meu pai me odiar daquela forma. Os motivos dele ter
mudado tanto. Eu o amo tanto, sinto tanta saudade dele...
Papai!
Grito a minha dor. Caio num choro convulsivo, escondo meu rosto entre
as mãos.
Papai!
Meu grito desesperado ecoa em meio à escuridão da floresta. Submerjo
completamente na água gelada, talvez assim eu consiga esquecer a dor do
abandono que está me machucando com tanta força.
RAPHAEL
Faz vinte e quatro anos que não durmo tão bem quanto dormi essa
madrugada. Sem pesadelos, sem insônia, apenas um sono tranquilo e
reconfortante. Quando acordo, os raios do sol já entravam no quarto através
das arestas da janela e a minha bela Lótus ainda dormia. Agora estou aqui,
parado na janela, de banho tomado e vestido impecavelmente para minha
rotina, observando-a acordar.
Ela pisca os olhos repetidamente, estica os braços, espreguiçando-se,
sem se dar conta que estou a observá-la.
— Bom dia, preguiçosa! — quebro o silêncio do quarto, sem desviar os
olhos dela. — Costuma dormir até tarde assim? Ou foi a minha cama que a
fez perder a hora?
O tom da minha voz faz com que ela pule da cama imediatamente. Ao
perceber que está somente com a minha camiseta, ela puxa a coberta,
cobrindo-se.
— Pare com isso, pequena Lótus. — Aproximo-me em dois passos e
puxo-lhe o cobertor. Ela o toma de volta, fazendo um bico de zanga. —
Chega a ser cômico querer cobrir-se, até parece que nunca a vi nua. É o que
mais tenho visto ultimamente. — Puxo-lhe a coberta novamente e desta vez a
jogo para longe.
Seu olhar furioso me fuzila. Minha vontade e puxá-la para os meus
braços e roubar aquela boca carnuda, beijá-la até que perdesse o fôlego. Mas
não faço isso. Fico só observando a sua linguagem corporal.
— Onde estão as minhas roupas? Por favor, eu preciso delas. — Ela
olha por todo o quarto à procura das roupas.
Sigo até a mesinha de canto. Suas roupas estão dobradas
cuidadosamente sobre ela, Mila as trouxe logo cedo. Pego-as e as entrego.
— O banheiro é logo ali. — Aponto com o dedo para uma porta à minha
direita. — Banhe-se e se vista, estarei à sua espera na antessala.
— Não, obrigada! Tomarei banho em casa. — Ela toma as roupas das
minhas mãos e se vira rapidamente, desaparecendo pela porta do banheiro.
— Mila preparou um delicioso café da manhã para você. Fará essa
desfeita? — pergunto, enquanto caminho para a antessala.
— Posso saber o porquê de estar sendo tão gentil? — pergunta em voz
alta, já que a porta do banheiro está fechada.
— Estou de bom humor. — Respondo. A porta do banheiro se abre e
uma moça linda com os cabelos presos no alto da cabeça surge diante dos
meus olhos. — Pronta?
Ela assente com a cabeça enquanto suas mãos alisam a saia do vestido.
Em seguida saímos do quarto.
Ela acompanha com o olhar tudo à sua volta, atônita com todas as coisas
que consegue visualizar.
— Nossa! — admira-se assim que chegamos à grande sala. — Isso aqui
é lindo! — Toca em todas as coisas e fita as que estão penduradas à parede
com um brilho maravilhoso no olhar. — Você comprou a propriedade de
porteira fechada?
Volto meus olhos interrogativos para ela.
— É assim que falamos aqui, quando compramos uma propriedade com
tudo o que está dentro. — Sorrindo, ela responde a minha curiosidade.
Realmente eu não sabia o que aquela expressão significava.
— Sim, comprei com tudo o que estava dentro — minto. — Venha,
vamos até a cozinha. Infelizmente, a sala de jantar ainda não está arrumada
adequadamente. Espero que não se importe em tomarmos o café na cozinha.
Seus olhos me encaram e ela dá um leve sorriso. Já conheço aquela
expressão, ela irá dizer algo nada agradável.
— Não me incomodo, vizinho. Esqueceu que eu sou uma simples nativa
de Paraíso? Não estou acostumada a luxos. — Pisca os cílios
deliberadamente e passa na minha frente com um riso presunçoso esticando
os lábios.
Minha vontade é segurá-la pelo cotovelo, colocá-la de bruços em meu
colo e aplicar algumas palmadas em seu traseiro redondo. Respiro
profundamente e a deixo entrar na cozinha. Eu preciso me controlar, ou
acabarei com a minha manhã antes mesmo que ela começasse.
Escuto coisas se espatifando no chão. Corro em direção à cozinha.
— Santo Deus! Estou tendo um déjà vu. — Mila deixa uma bandeja cair
ao chão e olha assombrada para Lótus, levando as mãos à boca.
— Nossa! Estou tão mal assim, para assustá-la? — Lótus corre para
ajudar Mila, agacha-se e começa a recolher a louça quebrada.
Faço o mesmo. Colocamos todos os cacos dentro da bandeja e ajudo
Lótus a levantar-se.
— Você está bem? — pergunto a Lótus, olhando suas mãos com
cuidado.
— Sim, estou. Não é comigo que deve se preocupar, é com ela. —
Aponta para Mila. — A coitada está pálida, parece que viu um fantasma.
Avalio, preocupado, o estado de Mila. Realmente ela está pálida,
olhando atônita para Lótus.
— O que aconteceu? Escutei o barulho de coisas se quebrando lá do
gabinete. — Alfredo entra na cozinha. — Mila, meu bem. O que foi? — Ela
nem pisca, continua fitando o rosto de Lótus. Alfredo vira o rosto na mesma
direção. — Santo Deus! — Exclama com um olhar espantado.
— Ok, ok, vamos parar. Acho que vou aceitar o convite para o banho,
devo estar um bagaço para assustar todos assim. — Lótus se vira e já
caminha em direção à porta, quando Mila quebra o silêncio. Porque eu não
estou entendendo nada.
— Não, não é a senhorita. Só nos assustamos porque você se parece com
alguém que nós conhecemos há muito tempo, só isso. — Mila se vira em
direção à pia. Alfredo vai com ela.
— Bem, o susto já passou, então podemos nos sentar... Lótus, por favor.
— Puxo a cadeira para que se sente. Ela sorri com deboche.
— Para quem disse não ser cavalheiro, está me surpreendendo. —
Senta-se. — Obrigada, cavalheiro. — Ironiza.
— Não faça com que eu me arrependa de tê-la convidado a me
acompanhar no café da manhã. — Cochicho ao seu ouvido.
— Humm, ele não tem senso de humor... — diz enquanto abre o
guardanapo. — Vizinho muito delicado.
— Lóóótus! — Advirto-a.
Mila limpa a garganta chamando a nossa atenção.
— Vou servi-lhes o café. Parem de discutir, ok?
— Desculpe. — Lótus olha para Mila e sorri. Mila continua olhando-a
como se estivesse vendo um fantasma. — Mila, a propósito, você sabia que
existe uma música com o seu nome? É bem assim: Ô, Mila, mil e uma noite
de amor com você... É só isso que eu sei, tenho uma conhecida que costuma
cantá-la repetidamente.
— Sim, eu sei. Já ouvi muitas gracinhas por causa dela. — Mila olha
para o Alfredo.
— E eu já escutei o Alfredo cantando esta música diversas vezes, não é
mesmo, Alfredo? — Olho para o Alfredo e ele sorri, fitando Mila com amor
nos olhos.
Os dois estão casados há vários anos, mas percebe-se que o amor
continua vivo e forte.
— Hum, seu nome é Alfredo? — Lótus dirige o olhar para ele. — Sabia
que tem uma propaganda de papel higiênico onde o homem se chama
Alfredo? E as pessoas ficam chamando o coitado bem assim: ALFREEEDO!
— Grita o nome do Alfredo bem alto.
— Eu sei, senhorita. Também já escutei muita gozação por causa dessa
propaganda sem graça. — Alfredo e Mila se entreolham e sorriem um para o
outro.
— Bem, vamos comer. — Digo, cortando o clima amistoso que se
formou na cozinha. Sirvo o café para Lótus. — Alfredo, ligue para o meu
advogado e peça-o que venha até aqui.
— Sim, senhor, farei isso agora mesmo. Com licença senhorita... — Ele
faz uma pausa. Sorri. — Lótus. Foi um prazer conhecê-la.
Alfredo vai embora.
— Coma tudo, depois a levarei para casa. — Digo, olhando-a
seriamente. Ela deixa o garfo descansando no prato e volta o rosto para mim.
— Não precisa me levar em casa, irei sozinha. Quero passar antes na
cachoeira. — Volta a comer o bolo de cenoura sem dizer mais nenhuma
palavra.
— Então irei com você até a cachoeira. — Ela para de mastigar, engole
o bolo que tinha na boca e me encara com um olhar questionador.
— O senhor quer ter a certeza que não roubarei nada da sua
propriedade? É por isso que está tão preocupado em me acompanhar? É isso?
— Levanta-se, jogando o guardanapo com força na mesa. — O príncipe
acaba de virar sapo. — Antes de me virar as costas, ela completa: —
Arrogante filho da mãe. — Olha para Mila. — Foi um prazer conhecê-la, mas
não posso dizer o mesmo de certas pessoas aqui. — Volta o olhar desdenhoso
para mim. — Adeus, vizinho insuportável.
Sai da cozinha apressadamente.
— Volta aqui, Lótus. Volta aqui, sua moleca petulante. — Ela não
responde. — Arrgghh! Odeio essa moça. — Olho para Mila e ela está me
encarando com um olhar divertido. — Não estou achando graça, Mila. Essa
moça me tira do sério...
— Percebi isso, senhor, e os seus olhos brilham quando olham para ela.
— Mila sorri, presunçosa.
— De raiva. Meus olhos brilham de raiva, Mila. — Jogo o guardanapo
com força na mesa e vou atrás da moça petulante e mimada.
Mostrarei a ela que não se deve brincar com um Bergsen.
LILLY
O que será que eu fiz ou disse, para deixá-lo tão irritado? Eu não
entendo, ele parecia tão entregue... tão, tão meu. E agora está me encarando
com esses olhos inquisidores, como se eu fosse uma criminosa.
— Responda-me, o que pensou que iria acontecer após eu ter sido o
primeiro? — Meus pensamentos são bloqueados por sua voz raivosa,
acusadora.
Nua, seios à mostra, boquiaberta e ainda sentindo os beijos e o toque do
homem que amo e que agora me trata com tanta crueldade, fico a fitá-lo,
buscando uma resposta para a tal pergunta que eu nem mesma sei se há
resposta, tamanho o absurdo.
— Como... do que está me acusando? — Sento-me e procuro pelo
roupão, mas não o encontro, então me embrulho com o lençol.
Ele me olha friamente, aproxima-se um pouco, o bastante para que eu
veja seu maxilar apertar e as suas têmporas pulsarem. Fico com medo da sua
reação, por isso encolho-me e fecho os olhos, só relaxo quando escuto o tom
gelado da sua voz.
— Eu não sou como os homens de Paraíso, minha cara. Não me importo
com virgindade. Se estava pensando que ao descobrir que fui o primeiro iria
querer assumir um compromisso com você, enganou-se...
Não sei como e onde encontro tanta agilidade, pois em questão de
segundos eu me levanto da cama e, tão rápida quanto, eu me aproximo dele,
pronta para esbofeteá-lo.
Com agilidade, ele segura o meu pulso.
— Eu já a avisei para não fazer isso. — Diz enfurecido, os olhos
chispando de raiva. — Não sou um cavalheiro. Comigo bateu, levou. Não
tente isso outra vez, da próxima eu não a impedirei, mas tenha a certeza de
que levará o troco.
Ele solta o meu punho e ficamos nos olhando fixamente, ambos cheios
de fúria.
— Em que século você está, seu arrogante? Acha mesmo que eu iria
exigir que se casasse comigo só porque foi o primeiro? Acorde! Já sou bem
grandinha. Será que não passou por sua cabeça que eu simplesmente só quero
que seja o primeiro em minha vida? Que eu escolhi você...
— Então, deveria ter perguntado a mim se eu queria tal
responsabilidade. — Ele me interrompe, suas mãos poderosas seguram os
meus ombros com firmeza e os seus olhos dançam sobre o meu rosto. — O
seu direito termina onde o meu começa.
— Quer dizer que, se soubesse, não estaríamos aqui hoje? —
interrompo-o e engulo a vontade de chorar, pois nesse momento é o que mais
quero fazer.
— Com toda a certeza — responde-me secamente. — E vá por mim,
você ainda vai me agradecer por isso. — Ele se vira e caminha em direção ao
banheiro. — Vista-se, partiremos em quinze minutos.
— Filho da mãe prepotente. Sujeito arrogante, ordinário...
Mal fecho os meus lábios e ele se volta em minha direção. Sou
sacolejada pelos ombros enquanto dois olhos verdes e frios me fitam com
raiva.
— Posso ser tudo isso e muito mais, mas eu não sou um canalha. Jamais
usaria uma moça inocente para saciar os meus desejos sexuais. A primeira
vez de uma mulher tem que ser especial, tem que ser por amor. Esqueça-me,
Lótus, estou longe de ser um príncipe encantado. Estou mais para um maldito
sapo venenoso, só posso oferecer sexo e nada mais, e você merece mais do
que isso... muito mais.
Nesse instante eu vejo o brilho dos seus olhos mudarem. Eles ficam
intensos, posso até jurar que há carinho, admiração neles. Ele me solta, dá as
costas para mim e caminha para o banheiro.
— Então se eu não fosse virgem, você faria sexo comigo? — Ele para,
mas continua de costas.
— Sim, estaríamos fazendo sexo até agora e durante toda a tarde, até
que chegasse a hora de irmos embora.
— Então, se eu me entregar para o primeiro que surgir na minha frente,
você fará sexo comigo? — Falo com sarcasmo. Antes eu tivesse ficado
calada.
Ele torna-se duplamente perigoso, quando calo a boca. Volta-se em
minha direção tão rápido como uma flecha. Segura-me pela cintura,
apertando o meu corpo contra o seu, penso até que vai me beijar. Seu rosto
fica tão próximo ao meu que os nossos narizes se tocam.
— Moça desaforada, entregue a porra da sua virgindade a quem quiser,
se fizer isso, não vai mudar a nossa situação. Pode até piorá-la, pois para mim
não passará de uma moça mimada e sem caráter, e tudo o que penso sobre
você irá por água abaixo.
Meu corpo é suspenso do chão e sou guiada até a cama. Penso até que
ele mudou de ideia quanto a fazer sexo, mas é apenas um pensamento. Ele
me senta na cama, sem afastar os olhos dos meus. Sua respiração abranda,
molha os lábios com a ponta da língua e fecha os olhos enquanto sua testa
encosta na minha. Respira profundamente e se afasta.
Maldito, orgulhoso, insuportável!
— Vista-se, você tem cinco minutos.
Desaparece através da porta do banheiro.
Sentada no colchão da enorme cama, onde há pouco estava sendo
acariciada por um homem febril e que parecia apaixonado, fico no mais
completo desalento e me pergunto por que e como tudo aconteceu. Fecho os
meus olhos e me perco em meus pensamentos. Permaneço imóvel, largada à
minha tristeza, sentindo-me uma completa idiota.
A porta do banheiro se abre e um homem lindo e com ar arrogante
estampado no rosto surge, vestido em seu terno caro, tão escuro quanto a sua
alma cruel. Ele me olha.
— Ainda não se vestiu? — Espera uma resposta e eu apenas o fito com
um olhar consternado. — Apresse-se, estou esperando-a no lobby do hotel.
A porta do quarto se fecha, mal consigo conter o meu fôlego e pisco os
meus olhos instintivamente. Num pulo eu me levanto e saio em busca das
minhas roupas. Visto-me em menos de cinco minutos e sigo para encontrá-lo.
Ele não está no lobby, o que me gera apreensão. Será que ele foi embora
e me deixou sozinha aqui?
— Senhorita. — Uma voz me acorda dos meus pensamentos tristonhos.
Viro-me para um rapaz sorridente, o mesmo que me levou o lanche. —
Queira me acompanhar, por favor.
Eu o sigo em direção ao elevador. Já sei para onde estamos indo. Para o
heliporto do hotel.
Meu vizinho insuportável está de pé diante de uma estrutura de zinco, as
mãos enfiadas nos bolsos da calça, os cabelos bagunçados pelo vento. Parece
perdido em seus próprios pensamentos. Aproximo-me. Ele olha para mim.
— Pronta? — pergunta, indiferente, não parece aquele homem de
quando viemos, mostrando-me tudo e respondendo a todos os meus
questionamentos.
Eu só assinto com a cabeça.
A viagem de volta a Paraíso é feita em silêncio. Meu vizinho calado e eu
também, lutando contra a vontade de chorar desesperadamente.
Assim que chegamos em sua propriedade, continuamos mudos até
entrarmos no castelo. Eu o sigo até o gabinete.
— Forasteiro. — Chamo-o suavemente, é quase uma súplica.
Ao me ouvir, ele volta o rosto em minha direção e, subitamente, eu
percebo que algo está diferente. Há um sofrimento estampado em seu olhar
frio.
— O que ainda faz aqui? — pergunta, secamente. — Se não se importa,
eu preciso trabalhar.
Sinto uma necessidade de desafiá-lo. O que ele pensa que eu sou? Uma
qualquer que ele simplesmente dispensa sem nenhuma consideração?
— Sim, eu me importo. Então é assim, você me manda embora e
acabou? — Pergunto com presunção na voz.
— Moça, vá embora. Não temos mais nada para falar, não prolongue
esse assunto. — Seus olhos não se desviam do meu rosto.
Penso até que ele virá em minha direção.
— Eu o amo, será que é tão difícil de entender? Eu me apaixonei por
você no momento em que me beijou pela primeira vez. E quer saber? Você
foi o primeiro homem a me beijar e tocar e seria o primeiro a fazer amor
comigo, se não fosse tão idiota.
Ele me olha, silenciosamente. Aproximo-me, ficamos tão perto um do
outro que posso ver o pulsar da veia do seu pescoço. Ele cruza os braços, mas
mantém o olhar frio em meu rosto.
— Como pode dizer que me ama? Nem ao menos sabe o meu nome.
Deixe de ser infantil, pequena Lótus, o amor é um sentimento tolo, só nos
causa dor e sofrimento. Vá embora e me esqueça, não sou o que pensa.
Seguro em seu braço. Não quero discutir com ele.
— Não sei o seu nome porque você faz questão de mantê-lo em segredo,
mas nomes não fazem a menor diferença. Eu o amo e pronto, por que não me
dá uma chance de demonstrar o meu amor? Por que não podemos tentar?
Suas mãos circulam o meu rosto. Seu olhar indecifrável varre a minha
face demoradamente.
— Meu nome não tem importância, e quanto a uma chance para nós...
impossível. Estou indo embora de Paraíso amanhã logo cedo e não pretendo
nunca mais voltar a esta terra maldita. O que eu tinha de fazer aqui, já fiz.
Portanto, para o seu próprio bem, pequena Lótus, esqueça-me. — Diz com
raiva na voz, pega-me por meu braço e leva-me até a porta. — Alfredo!
— Chamou, senhor? — O mordomo surge de repente.
— Acompanhe a senhorita Lótus até fora do castelo. — Como uma
pessoa pode ser tão fria, tão cruel como ele? Nunca em toda minha vida fui
tratada assim, com tanta indiferença.
As lágrimas que estão presas começam a cair dos meus olhos. Um nó se
forma em minha garganta. Sinto vontade de gritar com ele, bater nele, xingá-
lo de todos os nomes feios possíveis. Mas fico paralisada diante de tanta
frieza, tanta desumanidade.
Sou empurrada para fora do gabinete e a porta se fecha em minha face.
Não consigo acreditar que ele fez isso. Escondo o rosto em minhas mãos e
choro, um choro desesperador.
— Senhorita, não fique assim. Ele tem razão, é melhor esquecê-lo.
— Do que ele é feito? De gelo, é isso? — Encaro o Alfredo com um
olhar consternado, limpando minhas lágrimas. — Algum dia na vida esse
homem teve o coração de um ser humano?
Alfredo nada diz, apenas dirige-me um olhar afetuoso.
— Não precisa me acompanhar, eu conheço o caminho. Adeus, Alfredo!
13
LILLY
Acordo um pouco depois das oito. Sei disso porque, assim que
abro os olhos, eles vão direto para o pequeno relógio na mesinha de cabeceira
que fica à minha esquerda. Reviro-me na cama por alguns minutos. Não
quero me levantar, não quero que a sensação que sinto e que vivi durante o
sono saiam de mim. Ainda sinto as mãos do meu vizinho insuportável em
meu corpo. O sabor dos seus beijos em meus lábios ainda está tão vivo que
parecia ser de verdade. Sua voz rouca ao meu ouvido, o raspar da sua barba
por fazer na pele do meu rosto pareciam tão real. Como eu gostaria que
fossem, como eu gostaria que ele surgisse do nada e me resgatasse do
demônio que está prestes a me possuir.
Mas ele não pode, e mesmo que pudesse, não ergueria um dedo para me
salvar. Acorde, Lilly, sua vida pertence a outra pessoa. Pertence a um
estranho, um demônio.
Jogo as cobertas para o lado, olho para todo o quarto e sinto o perfume
dele. Como um sonho podia ser tão real? Levanto-me e sinto a maciez do
tapete felpudo sob os meus pés, é uma carícia boa de sentir. Escuto o som de
um helicóptero ao longe. Corro até a janela, empurro a cortina de voal branco
e procuro o objeto responsável pelo barulho, mas não o vejo no céu azul claro
com poucas nuvens. Logo os meus olhos se ocupam da linda paisagem que
cerca toda a propriedade até onde minha vista alcança.
Os jardins estão floridos com um colorido lindo de se ver. Abro a janela
e me deixo inebriar com o perfume da terra molhada e da maresia do mar.
Bate uma saudade do Brasil, principalmente da fazenda e do meu pai. Como
será que ele está? Será que sente a minha falta? Quando o tal Raphael chegar
pedirei para ligar para o meu pai. Quero falar com a Nuza, sinto tantas
saudades dela.
Fecho a janela, calço meus chinelos e sigo para o banheiro. Após o
banho e já vestida decentemente, saio do quarto e vou para a cozinha.
Sigo o corredor longo e desço as escadas. Assim que me aproximo,
escuto vozes exasperadas. Reconheço as vozes, são Sônia e Lolita.
— Ela não é a minha patroa, é uma estranha que acha ser a esposa do
Raphael. Eu sei que esse casamento é de fachada, assim como são todos os
casamentos dos sangues nobres. Como foi o do senhor Adam e o do senhor
Hamar. Não seria diferente com o Raphael, essa mulher não significa nada
para ele, ela não passa de um nada...
— Cale-se, Lolita. Não seja inconveniente, ponha-se em seu lugar. Se o
senhor Raphael escutá-la falando desse jeito...
— Ele não dirá nada, pois pensa como eu.
Faço barulho para que ouçam que alguém está a caminho da cozinha e
imediatamente elas encerram a conversa. Espero alguns segundos para entrar.
— Bom dia! — digo assim que entro. Lolita engole em seco e recebo
um olhar congelante. Ela me odeia, não sei por que, mas é esta a impressão
que tenho.
— Bom dia, senhora Lilly! — Sônia responde ao meu cumprimento
alegremente. — Por que se levantou? Já ia levar o seu café da manhã.
Ela limpa as mãos que estão sujas de farinha, vai até o fogão industrial e
mexe com uma grande colher de pau em algo dentro de uma panela de ferro
fumegante.
— Hoje fiquei com vontade de tomar café aqui. Estou com saudade de
casa, lá na fazenda eu tomava o café da manhã na cozinha, amava o cheiro do
pão e do café fresquinhos. — Puxo a cadeira e me sento.
Lolita me encara desafiadoramente. Permanece muda, mas os seus olhos
furiosos dizem tudo. Se pudesse me chutaria para fora da cozinha.
— Na minha cozinha sempre tem pão e café fresquinho. — Sônia
começa a me servir. Assim que o aroma do café entra em meu nariz, remete-
me para a cozinha da Nuza. — Cheiro bom, não é? Também adoro esse
cheiro. — Acaricia o meu braço. — Lolita, pegue os pães no forno. — Lolita
não sai do lugar. — Ande, menina, pegue os pães para a senhora Salles.
Lolita fuzila Sônia com o olhar, vira-se e fala algumas palavras em um
dialeto que eu não entendo. Volta com uma cesta cheia de pães.
— Se me dão licença, vou respirar um pouco de ar puro. — Olha-me
com desdém e sai com passadas firmes.
— Não ligue para a Lolita, senhora, ela é uma criança birrenta e não está
acostumada com pessoas. O senhor cond... o senhor Raphael nunca trouxe
pessoas aqui, nem ele nem o senhor Adam, o pai dele, portanto é de se
esperar que a Lolita fique assim. Ela é muito apegada ao senhor Raphael. São
ciúmes de menina boba, vão passar logo, logo. — Ela sorri.
Aquele sorriso franco deixa o meu coração mais tranquilo. Balanço a
cabeça para clarear a confusão dos meus pensamentos.
— Vou dar uma volta na propriedade, acho que cavalgar me fará bem.
— Bebo o último gole de café e termino com o pão que está em minha mão.
Já estou perto da porta, quando Sônia me chama de volta.
— Senhora, o senhor Raphael lhe mandou um presente e pede para que
use tudo o que estiver dentro dele. Quando voltar do seu passeio a caixa
estará em seu quarto. O seu marido virá hoje à noite para o jantar que será
servido às vinte horas. Ele mandou avisar para não se atrasar.
Receber a notícia que o meu marido virá finalmente me conhecer, tão
friamente pela cozinheira da casa, acabou com o meu dia. Como um homem
pode ser tão frio assim? Custava ter me ligado para avisar que viria logo mais
à noite? Custava se importar um pouco mais com o seu objeto de troca?
Definitivamente esse homem consegue ser mais frio do que o meu
vizinho insuportável. Pelo menos o meu vizinho se importava comigo.
Mesmo tentando esconder, eu sei que se importava.
Agradeço a Sônia por dar o recado e saio sem destino para fora da casa.
Perco a vontade de cavalgar ou de fazer qualquer outra coisa. Sento-me na
espreguiçadeira do jardim de inverno e tento me distrair com um livro
qualquer, pois nem sei o título do mesmo. Lolita veio me avisar que o almoço
já estava pronto, e eu a sigo em silêncio.
Tento comer, mas o meu apetite vai embora assim que me lembro do
meu encontro à noite com o demônio que me comprou. Então desisto de
tentar comer algo que eu sei que logo mais irá privada abaixo. Levanto-me da
mesa e sigo direto para o quarto.
Acordo com batidas em minha porta.
— Entre. — Digo e me sento na cama.
— Com licença, senhora, aqui está a caixa que o senhor Raphael
mandou entregar.
Sônia deixa a caixa sobre a cama e sai rapidamente, acho que nem
escutou o meu “obrigada”.
Levanto-me, ando pelo quarto. A cada passo olho para a grande caixa
com um laço de fita vermelho em volta.
O que será que tem aí dentro?
Só saberei se abri-la. Aproximo-me lentamente, e com mãos trêmulas,
desfaço o laço. Abro a caixa sem pressa, e assim que os meus olhos veem o
que tem dentro, fico embasbacada.
Com as mãos indecisas, pego o lindo vestido vermelho de seda. O tecido
é tão delicado e macio. Acaricio-o levemente. Ele é longo e não sei como
ficará em meu corpo, provavelmente deixará minhas curvas acentuadas. Não
é decotado, ao menos isso, mas é sexy, principalmente pela cor sugestiva.
Deixo o vestido esticado sobre a cama e volto para a caixa.
Um par de sapatos altíssimos, dourados. Há outras pequenas caixas com
laços vermelhos. Abro a menor e encontro um colar e brincos de rubis com
pequenos brilhantes em volta e um lindo anel da mesma pedra. A outra caixa
me surpreende. Cinta-liga, meia sete oitavos com rendas na borda e um
conjunto de lingerie, todos vermelhos.
Lembro do recado. É para eu usar tudo o que estivesse dentro da caixa.
Certamente o senhor Raphael quer desembrulhar o seu presente e usá-lo
ao seu bel-prazer.
20
RAPHAEL
O dia amanhece nublado, frio, assim como eu. Nem sei como consegui
dormir, acho que fui vencida pele peso do abandono. Sim, abandono. As
palavras frias e duras do Raphael foram como lâminas afiadas em minha pele,
rasgando-a. Ele foi cruel.
Como ele mesmo costuma dizer:
Eu não sou o Lobo na história da Chapeuzinho Vermelho, sou o
Lenhador.
Ele quer me matar...
Eu sei que deveria odiá-lo, até tento, mas o meu amor é maior do que
qualquer outro sentimento que possa nutrir por ele. Às vezes eu o desprezo,
mas é um raro momento. Talvez eu seja uma idiota, burra, imbecil, por amar
alguém assim tão desprezível e que não está nem aí para mim. Ele só quer me
engravidar e me foder, como fode as outras mulheres. Palavras dele, que
ainda ouço.
É, Lilly, uma coisa você não vai esquecer, ele fez amor com você, não
sexo. Ele pode não admitir, mas foi amor.
— Bom dia, senhora Lilly! — A porta do meu quarto se abre e a Sônia
entra através dela com uma bandeja nas mãos e um sorriso aberto. Eu nem a
escutei bater na porta. — O senhor Raphael pediu para lhe trazer o café na
cama e preparar um banho com ervas relaxantes.
Fico surpresa ao escutar tal afirmação. Será que realmente o senhor
arrogante e com o coração de aço está preocupado com o meu bem-estar? Ou
se arrependeu por ter me tratado como uma pessoa insignificante e quer se
redimir? O que eu acho pouco provável. Aquele olhar frio e cheio de empáfia
que me lançou ontem à noite não é de um homem que se arrepende das coisas
que faz. Ele realmente só me vê como a mulher que gerará o seu futuro
herdeiro.
— Bom dia, Sônia! — cumprimento-a, enquanto ergo o meu corpo,
sustentando-o pelos meus cotovelos. — Que horas são? — Olho para a janela
e não dá para ver muita coisa, pois o céu está coberto por nuvens escuras.
— Já passa das oito, mas não se preocupe. Foi o próprio senhor Raphael
que deu ordens de deixá-la dormir um pouco mais.
Mais uma surpresa, na certa ele quer me poupar para logo mais, à noite.
Está cuidando da futura mãe do seu filho, acho que ele quer me engravidar
logo, assim não precisará se deitar comigo por muito mais tempo.
— Nossa! É muito tarde — rapidamente me levanto. Só então eu
percebo o quando estou dolorida entre minhas pernas, lá embaixo.
— Meus Deus, querida, você tem absorventes? Acho que acabou de
menstruar.
Olho para a mesma direção em que os olhos de Sônia estão. Lá está a
prova de que não sou mais virgem, os lençóis de linho branco estão
manchados com o meu sangue.
— Não é menstruação, Sônia... — murmuro, envergonhada.
Sônia percebe que fico constrangida. Larga a bandeja em cima da
cômoda e vem até mim.
— Oh, minha querida, não precisa sentir vergonha. Eu devia ter
desconfiado, todos os casamentos arranjados são assim mesmo, a moças
escolhidas são castas, e aposto que você foi educada em um colégio interno,
acertei?
Como assim, casamento arranjado? Será que ela sabe sobre o meu
contrato com o Raphael? E se sabe, o que deve estar pensando a meu
respeito?
— Você sabe sobre o meu casamento? — Engulo o meu orgulho e
resolvo perguntar, se é para morrer de vergonha, que eu morra logo.
— É claro que sabemos. — Como “sabemos?” É muito pior do que eu
imaginava, todos na ilha sabem que fui comprada. Minha vergonha queima
em meu rosto. — Senhora Lilly, não precisa ficar assim... — Ela me abraça e
nos sentamos na cama. — Todos os casamentos da família do senhor Raphael
são arranjados, já esperávamos isso, não é nenhuma surpresa. Foi assim com
o senhor Adam, o pai do senhor Raphael.
Não sei se me sinto aliviada ou confusa, não imaginava que isso ainda
existisse. Eu sei que em Paraíso muitos pais arranjavam maridos para suas
filhas, mas essa tradição estava acabando. Agora, em plena Noruega, como
isso ainda pode acontecer?
— Como assim, Sônia? Tradição familiar em pleno século vinte e um?
— Fito-a com aquele olhar cheio de dúvida e curioso.
— Algumas famílias abastadas da nossa região ainda permanecem no
século dezenove, querida. E a do senhor Raphael é uma delas.
— E é normal o casal dormir em quartos separados? — Não contive a
minha vontade de perguntar, pois eu queria muito que ela dissesse sim. Sinto-
me tão constrangida com o desprezo do Raphael.
— Sim... — Ela me olha com carinho e a sua mão vem até o meu
cabelo, alisando-o. — Oh, minha querida, você não entendeu essa parte, não
foi? É normal, sim, muitos casais dormem separados a vida toda. Outros se
apaixonam ou se acostumam um com o outro. O Senhor Adam se acostumou
à senhora Adeli e passaram a dormir juntos após o nascimento do senhor
Raphael... — Seus olhos me avaliam carinhosamente e eu sei que ela
pressente algo. — Este quarto era dela, era da senhora Adeli. E o quarto do
senhor Raphael era do senhor Adam.
Ela continua com os olhos correndo por meu rosto. Parece que está
lendo a minha alma.
— Eles se apaixonaram? — Baixo os cílios ao perguntar. — Os pais do
Raphael se apaixonaram?
— Não, minha querida. Eles se acostumaram um com o outro, se
respeitavam muito e eram grandes amigos, tanto que, quando a senhora Adeli
faleceu, o senhor Adam perdeu o chão. Ele perdeu a sua grande companheira,
sua melhor amiga. Existem vários tipos de amor, querida.
Seu olhar inquieto continua me avaliando e isso começa a me
incomodar. Por que ela me olha tão intensamente?
— Oh, senhora Lilly, se apaixonou por ele, não foi? A senhora está
apaixonada por seu marido?
Levanto-me rapidamente, afastando-me do seu contato visual. Eu sei
que estou amando aquele insuportável, mas não quero que ninguém mais
saiba disso, principalmente uma de suas empregadas.
— Claro que não. Ninguém se apaixona tão rapidamente assim,
principalmente em seu primeiro contato íntimo.
É a desculpa mais esfarrapada que eu dou. E pelo o olhar que ela me
deu, não acreditou em uma só palavra.
— Senhora Lilly, ninguém manda no coração, o amor não precisa de
tempo, ele simplesmente acontece. Mas tudo bem, quem sou eu para julgar
qualquer coisa ou para dar conselhos. Estou aqui para cumprir ordens, e as
minhas ordens são para cuidar muito bem da senhora.
Ela vai para o banheiro. Escuto o barulho da água caindo dentro da
banheira.
— Dispa-se e venha mergulhar na água com ervas, garanto que este
desconforto que está sentindo desaparecerá assim que sair do banho.
Faço o que ela manda, e quando entro na água morna e cheirosa, volto
aos meus questionamentos.
— Onde está o Raphael? — Finalmente tomo coragem de perguntar.
— Saiu bem cedo. Foi para Ålesund, só retorna à noite.
Decepcionada é como me sinto. Ele nem ao menos veio me desejar um
bom dia.
— Ele veio até o seu quarto, eu vi. Acho que não quis acordá-la, saiu
rapidamente. — Acho que a Sônia lê pensamentos, ela saiu na defesa do
insuportável rapidamente. — Bem, não se demore no banho, por dois
motivos: a água do banho ficará gelada e o seu delicioso café da manhã ficará
frio.
Pisca um olho para mim e alarga os lábios em um sorriso carinhoso. Sai,
fechando a porta.
Ele veio me ver antes de sair. Isso quer dizer que se importa comigo, o
que é um bom sinal. Só espero que o meu amor possa derreter o aço daquele
coração frio e sem emoção.
Será que algum dia na vida ele sentiu algo por alguma mulher? Ou pior,
será que sofreu uma grande decepção e resolveu nunca mais amar de novo?
Quem será que foi a imbecil que machucou o coração do Raphael?
Será que ele ainda a ama? Como posso concorrer com um fantasma?
Eu preciso de respostas.
24
RAPHAEL
Hoje faz trinta dias que eu consegui dar início à minha tão desejada
vingança, mas confesso que as coisas não estão saindo como eu planejei e eu
preciso matar um leão todas as noites para não deixar que ela perceba o que
está acontecendo com as minhas emoções. Muitas vezes, ou quase sempre, eu
preciso ser rude com ela, ou então tudo o que planejei por todos esses anos
irá por água abaixo. Durante o dia é fácil seguir com o planejado, mas... são
as noites o meu verdadeiro desafio.
Entrar todas as noites no quarto da Lilly, fazer amor com ela e fingir que
o que acabou de acontecer era só sexo não era nada fácil, pois todas as noites
eu a amo, assim como a amei na primeira. Por mais que eu tente ser
indiferente com o que eu estou sentindo, não está sendo possível manter o
meu controle. Ele é a porra mais difícil do mundo de domar. Consigo
aniquilar meus inimigos com um só golpe, mas não consigo amansar a minha
paixão pela minha esposa.
Sim, por mais que eu negue, estou completamente apaixonado por ela. E
são nas nossas noites, debaixo dos lençóis, que a minha derrota é certa.
Fechado entre aquelas quatro paredes com ela eu não sou nada, não mando
em nada, não domino nada. Ao contrário, quem domina é ela; domina
completamente o meu coração. Quando eu soube que a minha Lótus era a
Lilly González tive o pressentimento de que isso não seria lucrativo para os
meus planos, o próprio Alfredo tentou abrir os meus olhos, no entanto, não
quis dar ouvidos, nem a ele e nem à minha razão. Achei que seria até melhor
já nos conhecermos, já que sentíamos atração um pelo o outro, mas foi na
nossa primeira noite de amor que eu descobri o quanto eu estava errado.
Deixar a Lilly dormir sozinha naquela noite foi a tarefa mais difícil de
toda a minha vida. Escutá-la suplicar para que eu ficasse, foi pior ainda. Nem
sei como eu consegui ser tão frio, porque a minha vontade era de me deitar ao
seu lado, envolvê-la em meus braços e fazê-la adormecer escutando as
batidas aceleradas do meu coração. Foi preciso muito controle para falar
todas aquelas palavras cruéis e virar-lhe as costas, batendo a porta em seu
rosto lindo e coberto pelas lágrimas. O pior foi ficar ouvindo o seu choro por
trás da porta até que ela finalmente adormecesse.
Não posso dizer que foi o pior momento da minha vida, porque estaria
mentindo. O meu pior momento foi ver o meu pai ser queimado vivo.
Entretanto, posso afirmar que foi um dos piores. E no outro dia, ao vê-la
dormindo em meio aos lençóis, testemunhas do nosso amor, onde o seu
sangue virgem estava derramado, foi como um castigo, pois eu a queria mais
uma vez. Fiquei tão duro só de olhar para ela adormecida, de um modo tão
inocente. Fiquei tão louco que esqueci por alguns instantes o que ela
realmente significava para mim... vingança. Minha razão naquela manhã foi
vencida pela minha emoção e ela me guiou até sua cama, onde beijei seus
lábios com carinho. Um beijo leve, mas o suficiente para despertar um desejo
devorador dentro de mim. E desde esta manhã, luto com todas as minhas
forças para não a deixar perceber o quanto a amo. O que eu puder fazer para
dar um fim nesse amor, eu farei. Devo isso ao meu pai.
Não é fácil cumprir essa tarefa, pois tocar em seu corpo, beijar sua boca,
sentir o seu coração de encontro ao meu todas as noites, é um verdadeiro
dilema. Às vezes, eu tenho de me concentrar em não dizer “eu amo você”,
entre as nossas carícias, ou quando estou dentro do seu corpo, sentindo suas
paredes íntimas apertarem o meu pau enquanto goza. Ou então quando estou
jorrando o meu prazer dentro dela, fazendo com que o meu corpo se
convulsione em espasmos tão fortes que penso que não resistirei a tanto
prazer. Sua boceta é o meu vício, seu mel, quando é saboreado por minha
língua, me enlouquece, deixa-me ébrio. Seus gemidos de êxtase são músicas
para meus ouvidos, e quando ela chama o meu nome, em alto som, quando
está tragando a mais sublime sensação orgástica, leva-me ao céu. Seus lábios,
quando tocam o meu pau e o sugam com volúpia, mesmo com sua
inexperiência, transportam-me para outra dimensão, não dá para explicar
como me sinto quando estou em seus braços.
Só posso dizer que estou muito fodido.
— Senhor Conde, chegamos.
— Já disse para não me chamar assim — advirto com arrogância o
marinheiro da minha lancha.
Proibi todos os meus empregados de me chamarem de Conde. Eu não
sei o quanto Lilly sabe sobre a minha família, mas ainda não é hora de ela
saber a verdade sobre o seu pai, sobre o assassino que é o Rodrigo González.
Então, por enquanto, eu não quero que ela saiba quem eu sou de verdade.
Hoje é a primeira vez que venho almoçar em casa, decidi que ficar
afastado dela durante o dia é uma maneira de mostrar que não me importo
com os seus sentimentos. O desprezo é uma forma de mantê-la afastada,
talvez ela até deixe de me amar, e o ódio dela alimentaria a minha vingança.
No entanto, não tenho obtido muito resultado. Lilly, a cada dia, demonstra
mais amor por mim, e essa porra de sentimento está acabando com o meu
sossego. Ela não sai da minha cabeça e do meu corpo.
— Bom dia, Sônia! — Ao escutar a minha voz, Sônia me encara como
se estivesse vendo um fantasma. — Onde está a minha esposa?
— Não está lá fora? — Ela gagueja, então leio a sua linguagem corporal.
Suas mãos alisam o seu vestido e depois ela finge me ignorar.
— Sônia, onde está a Lilly? — Vou direto para o seu quarto e Sônia
vem logo atrás de mim. — Cadê ela, Sônia? Porque lá fora ela não está.
— Ela foi nadar, senhor Raphael. — Viro-me e já estou indo em direção
à piscina interna. — No rio. Ela descobriu o rio semana passada e foi nadar
lá...
— O quê!? — vocifero. Lembranças de quando eu a conheci no castelo
veem à minha mente. De ela nua, no lodo de lótus. — E você permitiu?
Nem espero a resposta, saio às pressas direto para as baias. Monto o meu
cavalo e vou de encontro a Lilly, só espero que ela não tenha tido a infeliz
ideia de se banhar nua nas águas do rio.
O rio fica entre a vegetação alta da ilha, não tem como ir a cavalo.
Assim que chego à clareira vejo o cavalo branco que ela costuma montar.
Deixo o meu cavalo ao lado do dela e sigo pelo caminho estreito que dá
acesso ao rio. Em menos de cinco minutos já avisto o barulho da correnteza.
Filha da mãe!
Ela está completamente nua. Suas roupas estão espalhadas pela grama,
inclusive sua calcinha e seu sutiã.
— Lilly, saia daí agora! — ordeno. Ela se assusta com o tom bravo da
minha voz e rapidamente cobre os seios com as mãos. — Vamos, venha, saia
logo daí.
Eu a fuzilo com o olhar e, engolindo a custo minha raiva e ciúme, dou
um passo à frente.
— Venha me tirar daqui se quer tanto que eu saia. — Fita-me
seriamente, quase me desafiando.
— Lilly, não teste a minha paciência, saia agora. — Esbravejo. Meu tom
de voz sai tão arrogante quanto o meu olhar fuzilante. — Você sabia que os
meus empregados podem vê-la nua? Saia agora, Lilly, não estou pedindo,
estou mandando.
— Até parece que se importa, você nem liga para mim. Só tem olhos
para mim à noite, quando estamos entre quatro paredes. Então pode ir
embora, ainda não é noite e eu só sairei daqui quando quiser.
Retruca com ironia.
— Lilly, não me faça entrar aí e tirá-la à força dessa água. — Estou a
ponto de explodir de raiva. Olho para todos os lados para ver se avisto
alguém escondido, pois se tiver alguém eu juro que cego os dois olhos do
infeliz.
— Não saio. Se quer mesmo me tirar daqui, vai ter que entrar na água.
— Ela está determinada a testar a minha paciência.
Não penso duas vezes. Livro-me de todas as minhas roupas, e quando
ela percebe o que vou fazer, nada para a parte mais funda do rio, perto das
rochas.
Assim que mergulho percebo o quanto a água está gelada.
— Que merda, Lilly! A água está gelada, você pode ficar doente por
isso. — Ela se afasta um pouco mais, deixando apenas a cabeça à mostra. —
Lilly, pare, é muito fundo onde você está indo.
Consigo alcançá-la, meu coração bate forte quando me junto a ela.
Encurralo-a, meus braços a prendem junto ao meu corpo. Lilly tenta me
afastar, empurrando o meu peito, mas sou muito mais forte do que ela.
— Você não aprende mesmo, por mais que tente, não pode escapar de
mim. Lembra que eu te disse que não sou o Lobo Mau, sou o Lenhador da
sua história, linda Lótus? — Aproximo-me mais, meu rosto a centímetros de
distância do dela. — Você sairá deste rio, por bem ou por mal. Não queira me
ter como inimigo, linda Lilly, eu sou muito bom nisso, tenho anos de prática.
— É para eu ter medo de você? — Pergunta, concentrando o olhar no
meu. — Porque se for, acho que não está funcionando.
— Não me provoque. Garanto a você que não vai querer me ver
zangado. — Aperto-a em meus braços.
Seus seios bicudos raspam meu peito nu. A sensação dos bicos pontudos
ralando em minha pele faz com que meu pau fique duro e cutuque o seu
ventre.
— Solte-me, Raphael, eu não tenho medo de você. Aliás, nesse
momento, não sinto nada por você.
— Será? Não é o que os seus olhos e o seu corpo dizem. Sinto o seu
desejo através deles.
— Idiota, cretino... solte-me. — Ela tenta me afastar, tenta esconder o
seu desejo, a sua fome por mim. Ela não é uma boa atriz.
Afasto-me um pouco, consciente da nossa proximidade, do tesão que
emana dos nossos corpos. Fito-a como se o meu olhar a fodesse. E a força do
desejo vence mais uma vez. Ela abre os lábios e sua língua passa sutilmente
sobre eles em um convite para que eu a beije. Eu já conheço a sua linguagem
corporal.
Seu olhar varre o meu rosto, depois os meus lábios. Ela está sedenta, ela
me quer dentro dela tanto quanto eu quero. Então pressiono meu corpo com
força sobre o seu. Minha boca desliza por seu rosto até chegar à sua orelha.
— Você quer, aqui e agora. Quer tanto que quase não consegue respirar
— sussurro em seu ouvido.
Ela nada diz, só solta um sonoro gemido enquanto o seu corpo responde
por ela, roçando-se levemente em mim. Esfrega seu sexo levemente contra a
minha coxa. Uma das minhas mãos desliza por sua cintura até encontrar sua
carne rechonchuda. Aperto-a. Ela ofega longamente ao meu toque.
— Viu, eu posso não provocar medo em você, mas o que provoco é
muito mais perigoso. Porque eu posso dominar o meu desejo, mas você não
consegue dominar o seu.
— Seu idiota... — Suas mãos tocam o meu peito e tentam me afastar.
Mas, quando minha boca cobre a sua, ela se desmancha em meus braços,
gemendo baixinho.
Enquanto o meu beijo provoca calafrios em seu corpo, minhas mãos
exploram o seu sexo, deslizando o dedo entre os lábios do seu sexo, à procura
do seu delicado clitóris que eu já sei o quanto é sensível ao meu toque e
língua. Sem conseguir se defender do que está sentindo, ela desiste de lutar.
Eu a suspendo nos braços, fazendo-a ficar pendurada em meu corpo. Sua
boceta encontra o meu pau. Aprofundo o beijo, provocando-a ainda mais.
Desesperada, ela começa a balançar o corpo, friccionando seu sexo no meu.
— Foda-me, foda-me, Raphael. Eu quero, eu preciso de você dentro de
mim.
Paro de beijá-la. Seu olhar suplicante, desejoso, encontra o meu. Preciso
ser muito resistente e me lembrar de quem ela é filha e o porquê de ter me
casado com ela para fazer o que tenho que fazer. Desço-a do meu corpo
enquanto me afasto sem deixar os nossos olhares se perderem.
— Eu avisei, não sou o Lobo Mau, sou a merda do Lenhador.
Pasma, sem fôlego e exalando desejo por mim. Olho seus olhos
enevoados de tesão. Não sinto orgulho do que estou fazendo, pois magoá-la é
como enfiar uma faca em meu próprio peito. Meu coração não quer fazer
aquilo, mas a minha razão é quem manda em mim.
— Imbecil, babaca... Eu odeio você, odeio.
Suas mãos empurram o meu peito, quase perco o equilíbrio. Ela tenta
nadar para longe de mim.
— Nem pensar, a senhora só sairá deste rio depois de mim. — Passo à
sua frente e em menos de dois minutos já estou na margem. Pego minhas
roupas e as dela. — Vista-se rapidamente antes que algum empregado resolva
vir até aqui.
Ela toma as roupas bruscamente das minhas mãos e começa a se vestir
longe de mim. Eu sou mais rápido, visto-me primeiro que ela.
A frustração está estampada em seu rosto, tanto que assim que se veste
ela sai às pressas para longe de mim.
— Deixe-me em paz, eu sei voltar sozinha. — Ela diz assim que percebe
que estou atrás dela. — Fique bem longe de mim, só me procure à noite para
que possamos cumprir com a nossa obrigação, senhor meu marido.
Corre em direção ao cavalo e eu corro em sua direção. Ela monta
rapidamente, saindo a galope.
— Lilly, você não perde por esperar — grito. Sem se virar, mostra o
dedo do meio para mim. — Sua moleca indecente, você vai se arrepender por
ter feito isso — esbravejo enquanto monto o meu cavalo e cavalgo na mesma
direção
25
RAPHAEL
Duas horas depois que chego à empresa, peço à minha secretária para
ligar para o Magnor. Segundos depois, peço que ela esqueça. Não quero que
o Magnor desconfie que existe algo entre mim e a Lilly, mesmo querendo
saber onde os dois estão.
Chego em casa um pouco depois das vinte horas, e a Lilly ainda não
havia chegado. Isso fez com que o meu humor fique muito mais tenebroso.
Não quis jantar, tranquei-me em meu escritório e fiquei de olho no portão de
entrada da mansão e no relógio em meu pulso. À meia-noite, desisto de
esperá-la e subo para o seu quarto, quero surpreendê-la assim que ela entrar.
Apago as luzes e me sento na poltrona de frente à cama. Estou quase
adormecendo, quando escuto o barulho de um motor de carro. Olho para o
relógio: uma hora e dez minutos... Você me paga, Lilly. Fico em silêncio,
quase não respiro. Ela entra, acende o abajur e segue direto para o banheiro.
— Onde você estava? — murmuro entredentes, contendo minha vontade
de segurá-la com força e exigir explicações.
— Ai, que susto, Raphael! — Ela leva a mão ao coração enquanto puxa
o ar para os pulmões.
— Responda a minha pergunta. Onde estava? — Levanto-me e o clima
fica tenso. — Sabe que horas são?
— Sei — responde indiferente. Começa a soltar os cabelos que estão
presos no alto da cabeça, retira os brincos e os coloca na mesinha próximo à
porta do banheiro.
— Lilly, não teste a minha paciência. Onde você estava? — Em dois
passos estou bem perto dela.
— Não lhe devo explicações, que eu saiba somos apenas amigos. Não
foi isso que disse a seu primo? Então posso fazer o que eu quiser.
— Sua fedelha. — Seguro-a pelos punhos e a puxo para perto do meu
corpo. Forço-a a me encarar e ela fixa os olhos nos meus. — Você é a minha
esposa e me deve explicações, sim, senhora.
— Sério? Não foi o que disse ao Magnor, e pelo que andei sabendo,
ninguém tem conhecimento do nosso casamento. O poderoso, implacável,
audacioso e destemido Raphael Salles é solteiro, então eu também sou.
Ela não desvia os olhos dos meus, me encara com empáfia.
— Não me provoque, Lilly. Não devo satisfação da minha vida a
ninguém, você é a minha esposa e ponto final. — Agito o seu corpo enquanto
afirmo com arrogância.
— Sim, eu sou sua esposa na cama, e só. Eu sou uma dívida de jogo, eu
sou uma barriga de aluguel. As minhas obrigações com você são na cama,
portanto, o que acontecer fora dela não lhe diz respeito, já que ninguém sabe
que é casado.
Ela me empurra, mas eu a puxo com força. Prendo-a com força contra o
meu corpo, fitando-a desafiadoramente.
— Fedelha insolente, você não me conhece, não sabe do que sou capaz.
Não tente rir da minha cara, você não gostará do que virá depois...
— Fará o quê? Desistirá do nosso contrato e vai me devolver para o meu
pai? Será que tem a coragem de perder tanto dinheiro?
Ela tenta se livrar do meu aperto.
— Não, não a devolverei para o seu pai, mas posso exigir o que é meu, e
você é minha. Enquanto estivermos casados você me pertence.
— Só pertenço a você na cama, fora dela eu posso fazer o que eu quiser.
— Insolente. O que você andou fazendo esse tempo todo com o Magnor,
para voltar assim tão dona de si, hein? Diga-me, ele a tocou?
Esbravejo, minha voz arrogante espalha-se por todo quarto.
— E se tocou, o que você tem a ver com isso? Não preciso da sua
permissão para que um homem me toque, me beije ou faça qualquer outra
coisa. — Retruca com ironia, em seguida explode sua raiva. — Eu e você
somos apenas amigos, lembra-se?
— Então ele a tocou, não foi? — Ela quer jogar, então vamos jogar.
— Sim, tocou... — Provoca-me.
— A beijou? — Inquiro, olhando-a intensamente e apertando-a ainda
mais ao meu corpo.
— Sim...
Antes que ela sequer pense em resistir, minha boca cola na sua com um
beijo ardente, possesivo. Enquanto a beijo com paixão, sinto o seu coração
descompassado batendo de encontro ao meu corpo. Sua pele se arrepia ao
entrar em contado com meus dedos acariciando-a com posse, desejo. Minhas
mãos dominam seu corpo, percorrem seus braços, suas costas e mergulham
em seus cabelos.
— Ele a beijou assim?
— Não...
— A acariciou assim? — Minha mão se fecha em seu seio, acaricio o
mamilo ereto com o dedo por cima do tecido da blusa de seda.
— Não... — ofega.
— Ele fez o seu corpo inteiro se arrepiar assim... — Deslizo os dedos
por seus pelo eriçados.
— Não... Deus, não... — Tonta de desejo, ela me abraça com força.
Roça o corpo ao meu, respondendo a cada toque.
Entrelaço os dedos nos fios dos seus cabelos e os puxo, fazendo com
que a sua cabeça se incline para trás. Seus olhos brilhantes de desejo me
encaram.
— Você é minha e essa boceta é minha. — Encho a mão com sua
vagina, aperto-a. — Nenhum outro homem vai tocá-la como eu toco, fodê-la
como eu fodo ou vai desejá-la como eu desejo... Minha, só minha.
Solto-a. E me afasto, dando-lhe as costas.
— Aonde vai? — pergunta, com a voz atordoada, ofegante.
— Dormir. Boa noite, Lilly, tenha bons sonhos comigo.
— Canalha, filho da mãe, ordinário! — esbraveja, jogando algo em
minha direção. Ela tem péssima pontaria, o objeto passa bem longe,
espatifando-se na parede.
Apresso-me, e antes que ela jogue outro objeto, eu saio do quarto,
fechando a porta atrás de mim.
34
RAPHAEL
Faz quatro horas que estou esperando por ela... horas de desespero,
horas agonizantes. Já perdi a conta de quantas vezes liguei para o Magnor,
quantos recados ameaçadores deixei em sua caixa postal. Não sei se ele os
viu ou escutou, só sei que minha vontade é de ir à procura dos dois. Só não
faço isso porque tenho medo de um desencontro. Enquanto isso, meus
pensamentos me atormentam, meu ciúme está me matando aos poucos.
O que será que os dois estão fazendo agora?
Rindo de mim, com certeza. Devem estar se entregando à luxúria em
algum hotel luxuoso da capital. Conheço os gostos caros do Magnor, ele com
certeza quer impressioná-la.
Merda!
Jogo o copo de uísque na parede com força. Os estilhaços de cristal se
espalham por toda parte.
Por que fui me apaixonar por você? Por quê?
Estava tudo tão bem arquitetado. Tudo tão simples... Era só deixar o
González viciado na jogatina, liberar dinheiro para ele, fazê-lo ganhar e
depois limpá-lo, forçando-o a se endividar a cada dia, ano após ano, até que
ele não tivesse mais nada para apostar. E quando ele pensasse que o seu
credor se esqueceu da dívida, quando menos esperasse, eu daria o tiro de
misericórdia e a minha vingança estaria apenas começando. Casaria com a
sua única filha com a desculpa de lhe devolver todos os seus bens e perdoaria
o resto da dívida se ela me desse um filho, assim colocaria todos os seus bens
no nome da criança e seria o seu administrador. Só depois de tudo feito eu me
apresentaria ao senhor Rodrigo González como o filho do Adam Bergsen, o
Conde de Bergsen.
Ter um neto com um sangue do seu pior inimigo e saber que sua única
filha foi casada com o filho dele será pior do que a morte, minha vingança
seria triunfal.
No entanto, como diz o ditado, o feitiço virou contra o feiticeiro... eu me
apaixonei e infelizmente não tenho um plano B, pois jamais cogitei essa
possibilidade.
Merda!
Sirvo-me de outra dose de uísque, e quando levo o copo à boca, escuto o
barulho do motor de um carro. Desisto da bebida e sigo para a porta
principal. Ao ver o Magnor ajudando-a a descer do carro e ela sorrindo para
ele, perco completamente a compostura e parto apressadamente em direção
aos dois.
— Solte-a, seu filho da p... — Afasto-o bruscamente, empurrando-o. —
Eu o avisei para não tocar nela.
— Está louco, Raphael...!? — Os dois falam ao mesmo tempo.
— Você ainda não me viu louco, Lilly. — Seguro o Magnor pela lapela
do paletó e olho enfurecido para ela, enquanto soco meu punho no maxilar do
Magnor.
— Raphael... — Lilly grita, desesperada. — Alguém ajude, o Raphael
está louco... — Ela tenta me afastar do Magnor.
Magnor está no chão e eu estou por cima dele. Sou muito mais forte do
que ele, consigo imobilizá-lo e meu punho encontra o seu maxilar outra vez.
— Eu avisei que se tocasse nela eu cortaria a sua mão e se encostasse
outra coisa nela eu o capava. O que quer que eu corte primeiro, sua mão ou
seu pau? — Meu rosto está bem próximo ao dele, pressiono tanto a lapela do
paletó com a mão que estou quase o sufocando. — Escolha, seu maldito!
— Pare, Raphael, ele não me tocou. Não fizemos nada, só fomos a uma
boate, só isso... Pare, por favor. — Ela pede clemência por ele. As lágrimas
banham o seu rosto, sua mão tenta afastar o meu braço do paletó do Magnor.
— Solte-me, Lótus. Solte-me e vá para o quarto. Minha conversa agora
é com ele, com você será depois.... Solte-me! — Vocifero.
— Não! — esbraveja. Ela tem coragem de me enfrentar.
Magnor aproveita nossa discussão e consegue se livrar do meu aperto.
Recebo um soco no rosto e sou jogado ao chão. Nesse ínterim, Lilly, que está
me segurando, recebe a rebarba e cai sentada no chão duro. Ela grita de dor.
— Lilly... — Mila e Alfredo surgem atordoados. — Meu Deus, o que
está acontecendo aqui? — Alfredo socorre a Lilly. — Leve-a para dentro,
Mila. Cuide dela, eu cuido dos dois moleques inconsequentes aqui.
— Não deixe os dois se matarem, Alfredo, por favor. — Lilly é levada
para dentro da mansão, aos prantos, por Mila. Ela me fita com um olhar
suplicante e medroso.
Ela acabara de conhecer o Lenhador... o lado mais sombrio de mim.
— Levantem-se, seus moleques. — Alfredo nos separa, ficando entre
nós dois. — Conversem feito homens, não como dois adolescentes
disputando a namoradinha. — Ele nos fita estreitando os olhos. — Posso
soltá-los?
— Eu o avisei para não tocar nela... — digo, tentando segurar o Magnor,
mas o Alfredo me detém com a mão em meu peito.
— E quem você pensa que é, para exigir que eu fique longe dela? Que
eu saiba vocês são apenas amigos, então eu posso perfeitamente me
aproximar, seu imbecil.
Ele também tenta avançar para me alcançar. E mais uma vez o Alfredo
impede.
— Eu sou o marido dela, entendeu? Marido... — grito, olhando-o com
raiva.
— O quê?! Como assim, marido? — Ele se afasta alguns passos,
confuso com o que acabara de escutar.
Alfredo se afasta e nos deixa sozinhos.
— Isso mesmo que ouviu. Eu sou o marido dela, somos casados...
Recebo vários empurrões no peito, enquanto ele grita, exasperado, a
plenos pulmões:
— Canalha, cretino. Como ousou a machucá-la assim? Como ousou
apresentar a sua esposa para outro homem como sua amiga? O que se passava
em sua cabeça quando fez isso, não pensou nela? Agora eu entendo a tristeza
aparente, quando a Lilly falava sobre você... Canalha!
Recebo um soco, mas desta vez eu não revido. Eu mereço.
— Ela o ama... — Segura-me pela gola da camisa, fixa os olhos nos
meus e através do meu olhar distante ele percebe o que eu já sei. — Porra!
Você já sabe disso e mesmo assim fez o que fez. — Ele me solta, e enquanto
segue para o carro, completa: — Você merece ficar sozinho. Merece perdê-la,
e é o que eu espero. — Antes de entrar no carro, vira-se e fixa o olhar frio em
meu rosto. — E fique sabendo que quando ela o deixar eu estarei esperando
por ela...
— Se você chegar perto dela outra vez eu o mato. — Não o deixo
completar a frase. — E você sabe que sou capaz de fazer isso. Suma da
minha frente. — Viro-lhe as costas.
— Ela vai deixá-lo e eu estarei esperando. Você não poderá fazer nada,
seu idiota.
— Eu o mato antes disso... — Entro em casa e bato a porta com toda
força.
Já estou quase no último degrau da escada que leva para o andar de
cima, quando sou interceptado pela figura altiva do Alfredo.
— Aonde pensa que vai? — Ele se coloca na minha frente, impedindo-
me de passar. — Não acha que já fez estragos o suficiente por hoje? Deixe-a
sozinha, ela precisa de um tempo e você também. Amanhã...
— Não sou homem de deixar para amanhã o que posso fazer hoje. Além
do mais, amanhã pode ser tarde demais e não terei coragem de lhe dizer o que
quero dizer hoje.
— Raphael, pense bem. Ela está ferida, com raiva, e você também... —
Alfredo toca em meu ombro, apertando-o com os dedos. — Venha, vamos
cuidar do seu rosto machucado.
Retiro sua mão do meu ombro e afasto-o do meu caminho.
— Agradeço a preocupação, mas minha conversa com a Lilly será hoje.
Boa noite, Alfredo.
Entro no quarto da Lilly. Mila está com ela. Há duas malas sobre a
cama.
— O que está acontecendo? — Minha voz soa autoritária e impaciente.
Lilly finge não me escutar e começa a arrumar suas coisas nas malas.
Tenho o ímpeto de correr até lá e desfazer o que ela está fazendo com tanta
determinação, mas minha dignidade fala mais alto.
— O que pensa que está fazendo, Lilly?
— Estou fazendo minhas malas para ir embora, não está vendo? — ela
comunica com firmeza, mostrando-me as malas sobre a cama e me
enfrentando.
Faço um breve silêncio enquanto ela e Mila esperam a minha reação.
— Quer nos deixar a sós, por favor, Mila? — peço e minha voz soa
vibrante, carregada de emoção.
Mila prontamente nos deixa sozinhos, um de frente ao outro. Lilly é a
primeira a falar, corajosamente:
— Vou embora, Raphael, e não há nada que me faça mudar de ideia.
— Sinto muito, mas sou obrigado a lembrá-la que o nosso contrato ainda
não acabou — lembro-a do nosso contrato de casamento. — Se esqueceu da
dívida que o seu pai tem comigo? Quer que eu cobre cada centavo que ele me
deve?
— Não, eu não esqueci, mas mesmo assim eu prefiro ir embora. Não dá
para continuar fingindo que tudo está bem, não posso mais viver assim. —
Ela continua jogando algumas peças de roupa nas malas. — Amando um
homem que não se importa comigo, sendo para ele apenas uma moeda de
troca. Não consigo mais...
— E vai viver de quê? Vai morar onde? E o seu pai, ele pode até perder
todos os bens que tem, menos a fazenda. Acha mesmo que ele suportará isso?
— Sou inteligente, tenho nível superior e falo três idiomas, para alguma
coisa isso deve servir. Se não servir, tenho dois braços e duas pernas, posso
perfeitamente trabalhar em qualquer lugar. Quanto ao meu pai, ele vai ter que
aceitar a ruína e aceitar que não é mais o senhor todo poderoso de Paraíso.
Um novo silêncio se estabelece no quarto, enquanto eu, muito pálido
pelo choque da sua determinação, apenas a olho. Ela fecha as malas, coloca-
as no chão, fita-me com resignação e passa por mim.
Antes dela tocar na maçaneta da porta eu grito, descontrolado:
— Não vai a lugar nenhum! Vai ficar aqui, nesta casa! — Mas ela
permanece onde está, sem se deixar intimidar.
— Estou decidida, Raphael. Não quero mais continuar com o contrato,
quero o divórcio. Você me disse que não sou sua prisioneira e que eu poderia
ir embora quando quisesse, portanto, não tente me impedir. — Solta a
maçaneta da porta, vira-se e me encara. — Só peço que me coloque em um
hotel e providencie a minha volta para o Brasil o quanto antes.
— E se eu não fizer isso? — pergunto com um olhar desafiador.
— Darei um jeito. Aqui não fico mais...
— Aposto que o Magnor está por trás desta sua determinação —
vocifero, cerrando os punhos. — Aposto que ele está lhe esperando na
esquina, não é isso? Você e ele resolveram me apunhalar pelas costas, não
foi, Lilly?
— A sua empáfia o cega, senhor Raphael Salles. — Enfrenta-me,
corajosa. — Não me compare a você, não fui eu quem o apresentei como um
amigo. Não fui eu quem resolveu me substituir por outra mulher. Eu não sou
uma traidora, mesmo que o nosso casamento seja uma farsa, eu o respeitei até
hoje. Ao contrário do senhor, que anda com outras mulheres a tiracolo e que
esconde para o mundo ser casado...
— Cale-se! — esbravejo. — Não seja ridícula, eu não a traí. Aquela
moça que viu ao meu lado na festa é apenas uma modelo contratada, nem
lembro o seu nome. Ela só me acompanhou ao evento, depois um motorista a
levou ao hotel... — Dou um passo para frente e ela, não tendo para onde ir, se
encosta na porta. — Depois que nos casamos não saí com nenhuma outra
mulher, ao contrário de você...
— Agora quem está sendo ridículo é você. — Fita-me com decepção
aparente no olhar. — E mais uma vez você prova que realmente o nosso
contrato deve ser rompido, antes que eu saia desta união mais machucada do
que já estou. — Vira-se.
— Lilly! — grito, aproximando-me rapidamente e a segurando pelos
ombros, com a respiração ofegante.
Então, percebendo que estou prestes a cometer mais um erro, readquiro
meu autocontrole e me afasto. Instantes depois, volto a falar, agora
mansamente:
— Não faça as coisas com a cabeça quente, Lilly. Pense em seu pai e
não finja que não gosta de estar casada, afinal, não está sendo tão ruim assim
ficarmos juntos, já que nos damos bem...
— Na cama! — Ela me interrompe. — Talvez para você o sexo seja o
suficiente, mas para mim não está sendo e cheguei à conclusão de que você
nunca me amará. Uma relação não sobrevive só com sexo, Raphael, pelo
menos para mim.
— Sim, eu sei disso — respondo. — Mas podemos usar o sexo a nosso
favor, já que nos damos tão bem na cama. Afinal, tanto eu como você só
temos a ganhar com o contrato, concorda?
— Você continua sendo um idiota... já disse que não me importo mais
com essa porcaria de contrato — diz, decepcionada. Vira-se para abrir a
porta.
Seguro-a, impedindo-a.
— Sinto muito, mas não posso permitir que vá — afirmo.
O seu olhar firme em meu rosto me mostra que ela não está disposta a
ceder.
— Por quê? Acha mesmo que depois de tudo o que passei voltarei atrás?
Para mim, basta! Esse contrato de mentira acabou!
— O nosso casamento, é isso que quer dizer. Não, ele ainda não acabou!
— Você quer me deixar louca, Raphael? Você não me ama, só me quer
como moeda de troca enquanto eu o amo com toda a força do meu coração.
Então, diga-me... por que eu continuaria casada com você, já que não me
importo mais com o nosso acordo? — ela pergunta, furiosa.
— Ora, porque... porque... eu... eu preciso de você. — digo com os
nervos à flor da pele.
— Isso não é o suficiente para me fazer ficar. Sinto muito, mas eu
preciso muito mais do que isso. Prove-me que você não é esse homem frio e
interesseiro.
Ela me fita com um olhar suplicante. Eu sei o que ela quer que eu diga,
eu também quero muito dizer, só não tenho a coragem. Talvez eu tenha
medo.
Ela se vira outra vez em direção à porta. Desesperado, grito:
— Lilly, não... — Ela para, mas não retira a mão da maçaneta da porta.
Passo a mão pelos cabelos, aparentemente sem saber o que dizer.
Respiro profundamente. Solto o ar.
— Lilly... fique, por favor. Por favor.
Sua mão gira a maçaneta da porta e ela dá dois passos até sair do quarto.
Caminha lentamente, arrastando as malas.
— Adeus, Raphael...
Faça alguma coisa, seu imbecil. Seja rápido.
— Lótus... — Ela para, respira apressadamente. Espera. — Podemos nos
entender, eu sei que podemos.
Idiota. Você é idiota, Raphael.
— Não, não podemos. Não desse jeito. — Volta a caminhar em direção
às escadas.
— Amo você. — Reconheço com a voz sumida. — Amo você desde o
dia em que a vi no lodo de lótus. Desde aquele dia nunca mais fui o mesmo.
Fique... fique, porque eu não consigo mais viver sem você.
39
RAPHAEL
Hoje o dia está chuvoso. É a primeira vez que vejo chuva depois que
cheguei ao Brasil, Areal do Norte é uma cidadezinha seca, calorenta e
poeirenta. Cheguei até a pensar que aqui não chovia. Gosto de dias chuvosos,
quando era mais jovem gostava de sentir as gotas da chuva caindo em meu
rosto, mas especialmente hoje não sinto essa vontade. As nuvens escuras
trazem lembranças de outro lugar – a ilha de Bergsen – e bateu uma
nostalgia, uma saudade contida. Este sentimento nostálgico faz com que uma
lágrima desça suavemente sobre o meu rosto. Toco o meu ventre de quase
quatro meses, já posso senti-lo endurecido e um pouco avantajado. Eu o
escondo por baixo de roupas largas, para que meu pai não perceba. Por
quanto tempo esconderei minha gravidez? Espero que o Raphael não demore
muito a vir me procurar.
Raphael, meu amor, por que você é tão teimoso?
E, para não pensar mais no assunto, abro os olhos e vou me sentar ao
lado de papai. Ele está com a cabeça recostada no sofá, os olhos fechados e a
mão pousada no braço esquerdo. Noto, preocupada, que seu rosto se torna
tenso e parece que está sentindo alguma dor.
— Pai, você não está bem? — Ele abre os olhos, alisando o braço. — O
que está sentindo? — pergunto carinhosamente, passando a mão no seu rosto.
— Estou sentindo uma dorzinha no braço esquerdo e um aperto no peito.
Não deve ser nada, querida. Deve ser só cansaço — responde, mas sua voz
trêmula o trai e a sua respiração entrecortada também.
Há alguns dias venho notando que ele se cansa com facilidade e sente
muita dor na nuca. Toco sua testa com o dorso da mão.
— O senhor está frio — comento, com expressão assustada. — Quer se
deitar na cama? — Ele nega com a cabeça. — Quer uma coberta?
— Não, filha. Vai melhorar, eu só... — Ele para de falar e faz uma
careta de dor.
— Papai, o que está doendo?
— Uma pontada aqui... — murmura apertando o peito. Com dificuldade,
abre a boca e tenta respirar melhor.
Está tão pálido que eu penso que ele vai desmaiar.
— Papai! Papai! Meu Deus! O que está acontecendo?
Eu o amparo com os braços e ele deita a cabeça em meu ombro, mas
continua apertando o peito com a mão.
— Vamos ao posto médico enquanto está aberto. — Papai tenta
argumentar e, antes que diga não, eu me levanto, pego minha bolsa e o ajudo
a se levantar.
Em seguida começamos a caminhar em direção ao posto médico. Na
velocidade de nossas passadas, levamos cerca de vinte minutos até
chegarmos ao posto de atendimento. Assim que chegamos, uma enfermeira
vendo minha dificuldade de carregar meu pai, que já estava quase desmaiado,
vem ao meu socorro. Enquanto o levamos para uma sala de atendimento ela
grita, chamando o médico. Um homem vestido com um jaleco branco corre
em nossa direção. Ele ajuda meu pai a se deitar na maca, abaixa-se e põe a
mão em seu peito. Sem desviar os olhos do rosto pálido de papai, ordena à
enfermeira para pegar sua maleta em sua sala. Ela volta apressadamente,
entregando-a ao médico.
Em seguida ele começa a examiná-lo e olha para mim com uma
expressão séria.
— Ele é hipertenso? Usa algum medicamento?
— Não que eu saiba — respondo, olhando para o rosto do papai. — Pai,
o senhor tem problema de pressão alta?
— Não sei, faz tempo que não vou ao médico — responde e respira
profundamente. — Já estou me sentindo melhor. Deve ser o calor infernal
que faz essa cidade, não estou acostumado.
— Não, o senhor não está. Sua pressão arterial está altíssima, vou
medicá-lo e esperar que o medicamento faça efeito, depois voltarei e
conversaremos. Vou prescrever alguns exames. — O médico pede para a
enfermeira providenciar a medicação.
— Qual o seu nome, senhor? E o da senhorita? — Seus olhos
sorridentes varrem o meu rosto demoradamente. — O meu é Ronaldo.
— O dele é Rodrigo González e o meu Lilly. — Estendo a mão para
cumprimentá-lo, ele aceita. Seu olhar continua avaliando o meu rosto com
admiração.
— É um prazer. Fique com o seu pai, daqui a alguns minutos volto para
ver se a pressão voltou ao normal. Agora eu preciso voltar aos outros
pacientes.
Papai fecha os olhos e eu me sento em uma cadeira de ferro que está ao
lado da cama. Noto que ele adormeceu, então fico quieta, deixando-o
descansar.
Permaneço sentada, com os olhos fechados, torcendo as mãos e rezando
mentalmente. Minha vontade é chorar, me sinto tão impotente. Eu sei que
estou muito sensível, a obstetra daqui do posto me disse que é normal as
grávidas se sentirem assim – molengas – nós choramos por tudo. Mas eu sei
que preciso me controlar, ter medo é normal, só não posso deixá-lo tomar
conta da situação. Mesmo que nesses últimos dois meses não esteja sendo
nada fácil... Esconder uma gravidez, fingir que não estou sofrendo com a
ausência do Raphael, e o pior, não contar para papai a verdade sobre a real
identidade do meu marido. Agora mais essa, papai está doente. É muita coisa
para uma pessoa que mal saiu de um colégio interno e que não conhecia a
vida como ela é.
— Filha! Já estou melhor, podemos ir embora. — Papai ergue a cabeça
para me encontrar. Percebo que enruga a testa, então eu sei que continua
sentindo dores.
— Aquiete-se, senhor González. O senhor não irá a lugar algum. —
Pressiono seu peito com a mão, com cuidado, para que volte a deitar.
— Filha, não quero vê-la assim... triste. Estou bem, eu juro. — Tenta me
convencer, mas os seus olhos apertados o desmentem.
— Quando o médico voltar a vê-lo, ele irá dizer se está pronto para
voltar para casa. — Ele não me contraria, luta contra a sua própria
incapacidade de raciocinar.
— Papai, é impressão minha, ou o senhor anda mais sorridente do que
de costume? — Mudo o foco da conversa para distraí-lo.
— O quê?! Então quer dizer que eu não sorrio?
— Sim, o senhor costumava sorrir muito, mas isso foi há muito tempo
do que posso me recordar. Só que de uns meses para cá seus lábios andam
esticados com mais frequência. — Papai arqueia as sobrancelhas, fitando-me
em repreensão.
— Lilly, não comece. Acho melhor você nem falar o que está pensando.
— Então o senhor sabe do que eu estou falando? Ou a quem estou me
referindo? — Ele faz um muxoxo, entortando a boca. — Não adianta me
ignorar, senhor Rodrigo. Pensa que não percebi os olhares que anda trocando
com a Larissa? As gargalhadas na varanda da casa dela? Nem parece o
Rodrigo carrancudo quando está ao lado dela, e eu sei que o sentimento é
recíproco...
— Não comece — ele me interpela rapidamente, na defensiva. — A
Larissa e eu somos apenas amigos. Não tenho interesse nenhum em romance,
só amei uma mulher em minha vida e foi a sua mãe...
— Ela está morta. — Quem interrompe a conversa sou eu. — A mamãe
está morta e o senhor vivo. Está na hora de dar uma chance para o seu
coração, e a Larissa está apaixonada. Os olhares dela e o jeito como o trata é
de uma mulher apaixonada. Deixe de ser um velho idiota e não lute contra
esse sentimento.
— Lilly González, me respeite! — Finge aborrecimento, mas eu sei que
ele sabe que estou certa. — Não tenho a intenção de me apaixonar, e vamos
mudar o assunto da conversa... Onde está esse médico?
— Papai, nosso coração é terra de ninguém, não mandamos nele. O
senhor, mais do que ninguém, sabe perfeitamente disso. Chegou a hora de
amar e ser amado, não desperdice essa oportunidade. — Ele fica pensativo.
— Se a Larissa sente algo por mim é porque não conhece o monstro que
habita aqui dentro. Duvido que se conhecer o homem que fui no passado vá
me amar. Ela irá me odiar, isso sim. — Fala com tanta amargura que fico
com dó do meu pai. Mas o que será que ele fez de tão errado no passado, para
pensar que é um monstro?
— Se for amor, ela não se importará com o seu passado, papai. O amor
faz milagres, não...
— Ai, meu Deus! O que aconteceu? O que você tem, Rodrigo? — Nossa
conversa é interrompida com a entrada brusca da Larissa, cheia de
preocupação e com um ar desesperado.
— Larissa! — alarmo-me. Ela já está inclinada sobre o papai, segurando
sua mão e alisando seus cabelos. Ela nem me olha. — Como soube?
— Já viu o tamanho da nossa cidade? Aqui todo mundo sabe da vida de
todo mundo. O Valdomiro da dona Cotinha foi me contar, disse que viu você
carregando o Rodrigo nas costas em direção ao posto médico.
— Que exagero! — papai se exaspera e tenta se livrar das mãos
carinhosas da Larissa. Ele está envergonhado, principalmente depois da nossa
conversa. — Estou bem, Lari... Larissa. Foi só um mal-estar.
— Pode parar. Não finja que está bem, eu sei que é problema de pressão,
já me informei com a enfermeira. O senhor quer me matar!? Se eu soubesse
que tem pressão alta não teria permitido que comesse torresminho e batata
frita quase todos os dias. Agora o senhor vai se ver comigo, de hoje em diante
eu mesma cuidarei da sua alimentação...
— Estou lascado com vocês. Não comecem a me tratar como um
inválido. Era só o que me faltava, ser tratado como uma criança...
— Torresminho, senhor Rodrigo? — Ronaldo entra no quarto. — Bem,
eu vou relevar, porque o senhor não sabia do seu problema. Mas agora que
sabe, então se cuide. Alimentação saudável é o melhor remédio para controlar
a pressão arterial. — Ele me entrega a receita médica e uma caixa com as
medicações que o papai terá de tomar de hoje em diante.
— Ficarei escravo de remédios agora? — Papai olha para a pilha de
comprimidos. — É só por um tempo, é isso?
Larissa olha para ele com carinho. Ela sabe que não, já passou por isso
com o marido. Ela me contou a luta para cuidar do marido hipertenso. Ele
não seguia as regras e vivia sabotando o tratamento, comendo e bebendo o
que não devia às escondidas.
— Não, o senhor agora precisa se cuidar e ficar atento a todos os
sintomas, tomando a medicação nas horas certas, se alimentando
adequadamente e praticando exercícios. Assim terá uma vida longa e
saudável.
— Isso mesmo, papai, agora nós é que cuidaremos do senhor. — Pisco o
olho para Larissa.
— Pense assim, você ganhou duas lindas enfermeiras... — Ronaldo me
fita com um brilho no olhar.
— Tô lascado, isso sim. — Papai resmunga insatisfeito.
Larissa bate levemente no braço dele e eu sorrio com o jeito que os dois
se entreolham.
— Assim que a enfermeira colher o sangue para os exames o senhor
poderá ir para casa. Por hoje só descanse, amanhã poderá voltar às suas
atividades normais, mas sem exageros.
— É só isso? — pergunto, mas ainda estou preocupada, papai quase teve
um infarto. — Ele não precisa ir para um hospital?
— Não, ele teve uma crise hipertensa. O corpo só avisou que ele precisa
de cuidados, e agora que ele já sabe, é só se cuidar. — Ronaldo manda a
enfermeira colher o sangue. — Lilly, foi um prazer conhecê-la, espero poder
vê-la novamente. Só espero que não seja em uma situação como essa.
Qualquer coisa que precisar é só me procurar. Aqui está o meu cartão, pode
me ligar a cobrar.
A enfermeira colhe o sangue e sai do quarto acompanhada pelo médico.
— Só faltou ele a pedir em namoro — comenta papai com ironia
enquanto a Larissa o ajuda a se levantar.
— Não exagere, homem. A Lilly precisa resolver a situação dela antes
de pensar em se envolver com outra pessoa.
— Nem lembre disso. Só de pensar naquele lá, já sou tomado por uma
raiva...
— Papai, lembra o que o médico disse? Nada de estresse. E fique
sabendo que não quero me envolver com ninguém, já tenho problemas
demais. — Olho para a Larissa e ela assente com a cabeça.
Contei para Larissa a minha situação, nos tornamos íntimas e amigas.
Contei tudo, desde o dia em que conheci o Raphael, ao dia que decidi vir
embora. Sobre a decisão de deixá-lo sozinho para que pudesse fazer as suas
próprias escolhas.
Chegamos em casa meia hora depois. Eu e a Larissa quase forçamos o
papai a se deitar um pouco. Teimoso como ele é, queria terminar um conserto
das tábuas soltas da varanda da dona Amelinha, uma velhinha muito
simpática que morava a alguns metros da nossa casa. Papai ocupava o seu
tempo fazendo serviços de carpintaria, ele é muito bom nisso, era o seu
passatempo favorito na fazenda.
Estou procurando um livro para que ele possa ler, quando ouço batidas
na porta.
— Está esperando visitas, Lilly? Se quiser posso ver quem é e
despachar.
— Deve ser a vizinhança curiosa. Fique com o papai, vou ver quem é.
Abro a porta e encaro dois homens altos e fortes, muito bem-vestidos em
seus ternos pretos. Estranho a visita.
— Sim, pois não? — digo, avaliando os dois armários em forma de
homens.
— Senhora Lilly Bergsen? — Assusto-me.
— Por favor, querem falar baixo? E não falem o nome Bergsen... Sim,
sou eu, o que querem?
— Somos seguranças particulares do senhor Raphael Berg... Salles e
viemos buscá-la.
Quase dou um passo para trás e bato com a porta na cara dos dois
homens.
— Como assim me buscar? Não voltarei para a Noruega. Eu disse ao
Raphael que quando ele soubesse a resposta da minha pergunta me
procurasse. Avisem-no para vir até mim. Passem bem.
Tento fechar a porta, mas um dos homens a segura com a mão.
— Sinto muito, senhora, mas temos ordens de levar a senhora e o seu
pai. Só voltaremos com os dois, e o senhor Raphael não está na Noruega. Ele
está em Paraíso, no castelo, à sua espera...
— Castelo? Então foi o senhor Salles quem comprou o castelo? Por que
não me contou isso, Lilly?
Papai surge na sala de repente, com os olhos furiosos em direção aos
dois homens que seguram a porta.
— Eu sinto muito, Lilly, mas não consegui manter o seu pai na cama. —
Larissa está bem atrás dele.
— Não contei porque não achei relevante. Desculpe-me, papai.
— Tudo bem, filha, mas já que ele se dispôs a vir ao Brasil falar com
você, deve ser porque quer se livrar logo desse casamento. Na certa já tem
outra vítima para suas intenções. É melhor irmos com eles e acabar logo com
essa palhaçada.
— Papai, o senhor não precisa ir junto. Explicarei ao Raphael a sua
situação e ele entenderá...
— Senhora, as ordens são para levar os dois. — Um dos seguranças me
interpela.
— Iremos em três. Você irá conosco, Larissa — Ele se vira para ela, não
foi uma pergunta, foi uma constatação.
— Posso mesmo? — Ela pergunta, olhando diretamente para os
seguranças.
— Sim, pode. — Eles respondem, olhando um para o outro.
Minutos depois estávamos a caminho do meu destino. Qual seria a
resposta do Raphael? Criaríamos juntos ou separados o nosso filho? Papai
aceitaria ou não o neto? Ele me perdoaria por estar amando um Bergsen?
Como ele lidaria com isso, sabendo que mais uma vez a história se repetiria,
um Bergsen apaixonado por uma González? Essas respostas eu só saberia
quando toda a verdade fosse mostrada, nua e crua.
45
RAPHAEL
Para Refletirmos:
O espírito que adquirir a virtude do perdão não achará dificuldade em
mais nada.
Haja o que houver, aconteça o que acontecer, ele saberá administrar
sua vida. (Chico Xavier)
Próxima História
LUKE
O cordeiro na pele de um lobo
Prequel de Lótus
ESCOLHAS
sempre temos uma
1ª edição
Salvador - Brasil
2018
ESCOLHAS
Sempre temos uma
Capa: Joice S. Dias
Revisão: Lorena Bastos
Diagramação: Lara Smithe
A escolha é sua
Você pode curtir ser quem você é, do jeito que você for, ou viver infeliz
por não ser quem você gostaria. Você pode assumir sua individualidade, ou
reprimir seus talentos e fantasias, tentando ser o que os outros gostariam que
você fosse. Você pode produzir-se e ir se divertir, brincar, cantar e dançar, ou
dizer em tom amargo que já passou da idade ou que essas coisas são fúteis
sérias e bem situadas como você.
Você pode olhar com ternura e respeito para si próprio e para as outras
pessoas, ou com aquele olhar de censura, que poda, pune, fere e mata, sem
nenhuma consideração para com os desejos, limites e dificuldades de cada
um, inclusive os seus.
Você pode amar e deixar-se amar de maneira incondicional, ou ficar se
lamentando pela falta de gente à sua volta.
Você pode ouvir o seu coração e viver intensamente ou agir de acordo
com o figurino da cabeça, tentando analisar e explicar a vida antes de vivê-la.
Você pode deixá-la como está para ver como é que fica ou com
paciência e trabalho conseguir realizar mudanças necessárias na sua vida e no
mundo à sua volta.
Você pode deixar que o medo de perder paralise seus planos ou partir
para a ação com o pouco que tem e muita vontade de ganhar.
Você pode amaldiçoar sua sorte, ou encarar a situação como uma grande
oportunidade de crescimento que a Vida lhe oferece.
Você pode mentir para si mesmo, achando desculpas e culpados para
todas as suas insatisfações, ou encarar a verdade de que, no fim das contas,
você é quem decide o tipo de Vida que quer levar.
Você pode escolher o seu destino e, através de ações concretas caminhar
firme em direção a ele, com marchas e contramarchas, avanços e retrocessos,
ou continuar acreditando que ele já estava escrito nas estrelas e nada mais lhe
resta a fazer senão sofrer.
Você pode viver o presente que a Vida lhe dá, ou ficar preso a um
passado que já acabou e que, portanto, não há mais nada a fazer, ou a um
futuro que ainda não veio e que, portanto, não lhe permite fazer nada.
Você pode ficar numa boa, desfrutando o máximo de coisas que você é e
possui, ou acabar de tanta ansiedade e desgosto por não ser ou não possuir
tudo o que você gostaria.
Você pode engajar-se no mundo, melhorando a si próprio e, por
consequência, melhorando tudo que está à sua volta, ou esperar que o mundo
melhore para que então você possa melhorar.
Você pode celebrar a Vida e a Deus que o criou, ou celebrar a morte,
aterrorizado com a ideia de pecado e punição.
Você pode continuar escravo da preguiça, ou comprometer- se com você
mesmo e tomar atitudes necessárias para concretizar o seu Plano de Vida.
Você pode aprender o que ainda não sabe, ou fingir que já sabe tudo e
não precisa aprender nada mais.
Você pode ser feliz com a Vida como ela é, ou passar o seu tempo se
lamentando pelo que ela não é.
A ESCOLHA É SUA.
E o importante, é que você sempre tem escolha.
Pondere bastante ao se decidir, pois é você que vai carregar o peso das
escolhas que fizer.
(autor desconhecido)
Texto retirado na web; https://www.refletirpararefletir.com.br/
Sinopse
Nota da autora:
As escolhas feitas pelos protagonistas desta história serão determinantes
para o destino dos seus filhos – Raphael Bergsen e Lilly González
(Protagonistas da próxima história – LÓTUS) – pois as escolhas que fazemos
hoje gera consequências futuras, sejam elas boas ou más. Por isso, antes de
optarmos pelo caminho que devemos seguir, precisamos tomar cuidado. Não
somente com aquilo que nos diz respeito, mas também com o que diz respeito
àqueles que nos cercam.
Prólogo
ADAM
Capítulo 1
Nos vinte e cinco dias que passei na Noruega, não parei de pensar em
Eva. A cada minuto passado, a imagem do seu sorriso lindo assolava minha
memória. Por sorte, eu consegui falar com ela algumas vezes. Coincidência
ou não, nos dias em que liguei para o castelo, atrás de notícias suas, ela
estava por lá. Ficávamos conversando por horas, meu coração se partia com a
sua voz embargada e com os seus soluços quando era a hora da despedida,
pois a minha saudade era e é do tamanho do meu amor.
Minha vontade era de largar tudo e correr de volta para cá, mas
infelizmente eu não podia fazer tal loucura, a minha presença em Ålesund
ainda era muito necessária. O que me consolava era saber que dentro de
alguns dias nós estaríamos casados e embarcando de volta para minha terra
natal. Minha Noruega querida.
— Papai, olha que lindo!
A voz alarmada do meu filho Raphael me traz de volta ao presente. Olho
sorrindo para ele. Raphael apoia as duas mãos no vidro da janela do carro,
tentando esticar o pescoço para não perder nenhuma parte da maravilhosa
vista de Paraíso.
Chegamos ao Brasil há mais de 4 horas. Alfredo foi nos buscar no
aeroporto da capital.
— Nossa, papai! É alto aqui! Se o Alfredo perder o controle do carro
não vai sobrar nada de nós.
— Menino Raphael, isso é coisa que se diga? Eu nunca perderia o
controle. — Alfredo, atento a tudo, inclusive à estrada, chama a atenção do
meu filho de imaginação fértil.
— Meu filho, você anda vendo filmes demais. — Dou uma leve bronca.
— A estrada é perigosa, sim, mas o Alfredo é um excelente motorista.
Raphael olha perplexo pela janela do carro e depois novamente para
mim. Então sacode a cabeça com veemência.
— Dá medo só de olhar, eu sinto um frio bem aqui! — Ele passa a mão
na barriga, depois volta a atenção para o que tanto o amedronta.
Realmente, a estrada que dá acesso ao castelo é muito perigosa. Ela fica
à beira de um longo precipício. A subida é íngreme. De um lado há uma
parede de pedras e do outro lado um abismo de árvores penduradas nas
encostas da sombria floresta de Paraíso.
— Alfredo, você avisou a Eva que eu chego hoje?
— A Mila disse que daria um jeito de avisar. — Ele tira os olhos
rapidamente da estrada para me fitar. — Não a vemos desde que o pai dela
voltou de viagem. Isso tem dez dias. — Ele limpa a garganta, como se
quisesse me dizer algo desagradável.
— Aconteceu algo, Alfredo? — Encaro o seu perfil, mas Alfredo
permanece calado. — Vamos, homem, desembucha!
— Soube... soube que já...
— Alfredo, o que está acontecendo? — Pergunto, exasperado.
— O Senhor Rodrigo anunciou o casamento com Eva. Soubemos que
fizeram uma festa de noivado ontem.
Olho para o banco de trás do carro. Raphael está entretido, observando o
cenário.
— Maldição! Por que não me avisou, Alfredo? Eu teria antecipado o
meu retorno.
— Soube disso ontem, Senhor Conde. O Senhor já estava a caminho do
Brasil, se acalme.
— Me acalmar?! — Digo, estupefato. — Calma é a minha última opção,
eu preciso acabar com essa loucura o quanto antes, e será hoje.
— Senhor, tenha cuidado, Rodrigo é um homem perigoso e poderoso.
Ele é quem manda em toda essa região, em Paraíso ele é o rei. Por favor, não
faça nada que possa pôr a sua vida em risco.
Ele vira a cabeça na direção do Raphael e eu entendo o recado.
— Não se preocupe, Alfredo. Eu tenho a lei a meu favor.
— A lei aqui é o Seu Rodrigo. — Ele me interrompe. — Se lembre do
que eu disse, o Rodrigo é poderoso. Só tome cuidado.
Respiro fundo e deixo escapar um suspiro nervoso. Eu sei o quanto
Rodrigo é influente em toda a região nordeste do Brasil, mas tudo tem um
limite. Não serei intimidado por esse homem, eu também tenho muita
influência! Se eu não puder me casar com Eva em paz, eu a levo embora
daqui e me caso no Rio de Janeiro. Já estava decidido.
O carro faz a última curva e logo vemos os portões de ferro que
protegem a entrada da propriedade.
— Nossa! — Raphael diz, admirado. Seus olhos nem piscam ao fitar a
entrada imperiosa do castelo. — Quando o Senhor me disse que o castelo é
velho, não pensei que seria tão velho assim.
Alfredo para o veículo em frente ao castelo. Assim que coloco os pés no
chão de pedras e viro a cabeça para a entrada principal, uma linda moça de
cabelos esvoaçantes corre em minha direção. Meu sorriso vai de orelha a
orelha e abro os braços para recebê-la.
— Eva, meu amor. Que saudade de você.
Não há tempo para uma resposta, pois a minha boca é tomada pela sua.
O beijo, além de saudoso, é sofrido. Sinto um soluço abafado e lágrimas
molham o meu rosto. Lágrimas dela. Da minha Eva.
Aperto os braços em torno do seu corpo, tentando consolá-la com o meu
calor. Eva soluça, o seu corpo trêmulo me quebra por completo.
Tento me afastar, mas ela se prende a mim como se não quisesse me
soltar nunca mais, como se sua vida dependesse disso.
— Ei... — Sussurro, com a boca ainda colada na sua. — Querida, eu não
vou embora. — Consigo me afastar um pouco e a seguro pelos braços,
encarando-a com preocupação.
Eva está ofegante. Os seus olhos estão vermelhos, com olheiras
profundas e...
Não, não... ele não ousou tocar nela outra vez!
Seu lábio superior está com um pequeno corte, já quase cicatrizado.
— Quem bateu em você? Foi o seu pai? Eva!
Ela me encara com um olhar nervoso, então seus olhos se desviam para
algo atrás de mim.
— É... é o seu filho? — Ela pergunta, enquanto limpa os olhos com o
dorso da mão. — Nossa, ele se parece muito com você.
Eva se afasta de mim e vai em direção ao Raphael.
A esta altura o meu filho já está sendo abraçado por ela. Raphael olha
espantado para a Eva, enquanto ela se inclina e lhe beija a face corada.
— Você é mesmo muito linda! — Ele diz, embasbacado. — Igualzinha
à pintura da sala. Você sabia que o papai fez uma pintura sua?
Eva agita a cabeça, afirmando, e o abraça outra vez.
— Eu vim para o seu casamento com o papai. Estou muito feliz por
saber que o papai não ficará triste de novo.
Ela se afasta e vira a cabeça para me olhar. Eva está chorando. Seu olhar
suplicante é dolorido. Ela está sofrendo.
Quando dou um passo à frente, ela se retrai e sai correndo aos prantos,
desaparecendo dentro do castelo.
— Eu disse algo errado, papai? — Raphael pergunta, enquanto os seus
olhos me encaram, decepcionados.
Eu me aproximo e afago os seus cabelos. Em seguida, beijo o alto da sua
cabeça, mantendo um tom de voz tranquilo enquanto lhe digo:
— Não, meu filho, você não disse nada de errado. A Eva está
emocionada. — Eu me abaixo enquanto seguro o rosto do meu filho nas
mãos. — Vá com o Alfredo, ele vai lhe mostrar tudo o que quiser ver.
Raphael é uma criança de dez anos, mas é muito esperto para a idade
que tem. Ele me encara, estreitando os olhinhos, como se quisesse me
perguntar: Tem certeza, papai?
Mesmo preocupado, ele se vira para Alfredo e sorri, segurando sua mão
logo em seguida. Os dois saem caminhando para o jardim.
Entro apressado no castelo à procura de Eva.
Encontro-a sentada em uma poltrona na biblioteca. Ela está de cabeça
baixa. Eu me sento ao seu lado e ela recosta a cabeça no meu ombro.
Fecho os olhos, tentando mentalizar o que poderia ter acontecido para
deixá-la tão triste. Ela puxa o ar fortemente para os pulmões, esconde o rosto
no meu peito e começa a chorar copiosamente. Percebo que algo muito sério
está acontecendo, não é só o anúncio do seu casamento com Rodrigo que a
preocupa.
— Ei, minha querida! Espero que este choro seja de felicidade por
estarmos juntos outra vez. É por isso, não é?
Tento afastá-la, para que eu possa olhar para o seu lindo rosto.
— Eles... eles não permitirão o nosso casamento. — Ela finalmente
balbucia algumas palavras. — Eu prefiro morrer a pertencer a outro homem.
Ela levanta a cabeça, me encara com os olhos vermelhos de choro e diz
com a voz firme:
— Faça amor comigo, Adam! Faça agora! Eu quero pertencer a você
antes que aquele monstro me force a pertencer ao Rodrigo. Assim, quando o
meu futuro marido descobrir que eu não sou mais pura, talvez ele acabe com
a minha vida.
Sua voz some, sendo substituída pelo choro. Procuro as palavras certas,
mas não as encontro. Enquanto tento conciliar tudo aquilo, Eva toma a
iniciativa.
Ela agarra a minha camisa e me puxa para si, nossas bocas se encontram
e eu a beijo com desejo.
— Por favor... me... me faça sua. — Eva murmura, enquanto eu sinto o
seu corpo tremer de expectativa.
— Eva... — Tento manter a minha razão à frente do meu desejo. Eva
arqueia as costas, roçando os mamilos no meu peito. Afoito pelo destempero
enlouquecedor da paixão que sinto por ela, eu a puxo para mim, enquanto me
deito no estofado e a coloco por cima do corpo.
Minha mão se detém no seu quadril, colando os nossos corpos. Minha
ereção palpita sob a calça, o meu desejo quase insuportável. Sinto as batidas
do coração da Eva em meu próprio peito e o meu corpo queima com o calor
que o dela emana.
Beijo-a com amor. Enquanto acaricio as curvas do seu corpo, suas mãos
procuram o zíper da minha calça. Eu sinto o calor do seu sexo bem próximo
ao meu.
Minha reação é instantânea.
— Não... não... — Minha razão volta a comandar o meu cérebro. Afasto
a boca da sua. Ainda sinto o meu membro perto de seu sexo, pulsando,
impaciente, doido para penetrar aquele local proibido. Mas não é a hora. —
Eva, querida, não é assim que as coisas têm que acontecer.
— Não! Por que não? — Ela grita. — Você quer que o outro me tome à
força? — Seu olhar tristonho encontra o meu, e nesse momento eu desabo.
— Eva, minha querida. — Beijo-a com amor. — O único homem que
vai tocar em você sou eu. Só eu, meu amor.
— Será que você não entende, Adam?! Não vamos mais nos casar, eu já
estou noiva. — Ela me mostra o anel de noivado no dedo e desata a chorar.
Me recomponho e sento com ela no colo.
Beijo-a outra vez, enquanto afago seus braços. Agora eu tenho certeza.
Desde que eu a vi pela primeira vez, minha vida deixou de me pertencer,
porque já não consigo sequer cogitar a possibilidade de uma vida sem ela.
— Eva, esse anel não quer dizer nada. Esse noivado e a marcação da
data do casamento não querem dizer nada. Você se casará comigo, o seu pai
querendo ou não.
Antes que ela possa responder, eu junto os lábios aos seus. Eu a beijo
com tanto amor que quase a sufoco.
Ela fica sem ar. Afasto-me, olhando-a com carinho. Eva levanta os cílios
lentamente e o seu olhar encontra o meu. Sem desviar os olhos, ela articula:
— Vamos fugir então? — Sua pergunta é mais como uma confirmação.
— Se for preciso, fugiremos, mas eu acho que não será necessário.
— Você não conhece o meu pai e nem o Rodrigo. Ele está obcecado por
mim.
— Então, vamos acabar com isso agora. — Ao terminar a frase, me
levanto com ela nos meus braços. Eu a coloco no chão segurando na sua mão.
— Vamos, vou falar com o seu pai agora mesmo.
— Adam... — Ela me puxa. Está assustada. — Estou com medo, e... e se
o meu pai quiser nos afastar e nos separar?
Sem me afastar do seu corpo, eu respondo, mantendo o aperto dos meus
braços. Eva suspira profundamente.
— Então, que Deus nos proteja. — Sinto os seus braços me apertarem.
Eu me afasto, seguro na sua mão e seguimos em direção à sua casa.
Capítulo 8
Eva
Capítulo 10
“Eu vou te amar para sempre... Eu vou te amar para sempre... Eu vou
te amar para sempre...”. Eu fico repetindo a mesma frase por todo o caminho.
O caminho mais longo e assustador de toda a minha vida.
A mesma frase que eu disse para ele.
Ele. O único homem que amarei enquanto respirar. O meu príncipe, o
meu Adam.
Vê-lo todo ensanguentado, de joelhos no chão, sendo subjugado por
aquele monstro do Rodrigo...
Não, não. Eu não poderia ficar indiferente àquilo tudo, eu precisava
salvá-lo, mesmo que para isso tivesse que me tornar a prisioneira do monstro.
Faria tudo outra vez se fosse preciso. Agora, ele e o Raphael estão salvos,
voltando para o país deles.
Adeus, meu amor. Seja feliz, mesmo que longe de mim... seja feliz.
Não consigo parar de chorar. O meu corpo inteiro convulsiona, a minha
cabeça dói. Me sinto febril.
Oh, Deus! Deus, como dói! Faz essa dor parar. Por favor, faz parar.
Acho que a dor da saudade e da perda são as piores dores que um ser humano
pode suportar.
Em tão pouco tempo eu conheci o amor, a felicidade, e em um tempo
menor ainda estou conhecendo a dor da perda, do desespero.
Adam! Eu te amarei para sempre... para sempre.
Grito mentalmente, pois tenho medo que os homens do Rodrigo me
escutem e falem a ele.
Só espero que Rodrigo mantenha a sua palavra e deixe Adam e Raphael
em paz. Pelo menos eles viverão vidas felizes.
Quanto à minha... eu serei a refém de um monstro.
Chego na fazenda do Rodrigo e sou levada para um dos inúmeros
quartos da casa. Escuto vozes vindo do corredor. As vozes soam todas de
uma só vez, mas uma delas eu reconheço – a da minha mãe.
Ela chora, está desesperada.
— Onde ela está? Onde está a minha filha? Vocês não a machucaram,
não é? Por favor, só me digam se ela está bem? Está?
— Se acalme, senhora. A menina Eva está bem, ela está no quarto do
final do corredor. Pode ir até lá, o Senhor Rodrigo logo estará aqui.
Escuto passos apressados, como se viessem correndo. A porta do quarto
é escancarada e, ao me ver, a minha mãe interrompe os passos, leva as mãos
à boca e cai de joelhos, aos prantos.
Estou sentada na cama. Ao vê-la no chão, chorando desesperadamente,
corro ao seu encontro. Me ajoelho e abraço o seu corpo trêmulo.
— Não chore, mamãe! Eu estou bem, eles não me machucaram. —
Mamãe segura os meus braços. — Vamos ficar bem, mamãe, eu prometo.
Ela ergue a cabeça e me olha. Quase grito quando vejo as marcas no seu
pescoço. Os dedos do meu pai estão lá, eu sei que há outras marcas pelo seu
corpo, ele sempre a açoita com um chicote. É assustador, eu nunca pude
ajudá-la. Na vez em que tentei, acabei apanhando em seu lugar e ela me fez
prometer jamais voltar a intervir. Por isso, sempre que papai a agredia, eu me
trancava no quarto, fechava os olhos, tapava os ouvidos e contava até cem.
Quando os abria outra vez, a casa já estava em total silêncio. Assim é que eu
sabia que ele não estava mais em casa e eu corria ao quarto da mamãe para
cuidar das suas costas.
Eu me sentia impotente, uma inútil. Por isso estava juntando dinheiro
para fugir de Paraíso. Eu planejava vir buscar a minha mãe assim que
encontrasse um emprego e um local para ficar. Mas as coisas nunca são como
planejamos, estou vendo que morrerei aqui, que o meu destino será igual ao
dela.
Mamãe seca as lágrimas com o dorso da mão. Acaricia o meu rosto, para
logo depois beijá-lo.
— Eu sinto muito, sinto muito mesmo, minha filha. Eu não pude fazer
nada, quando o seu pai descobriu, me trancou no quarto e foi avisar ao
Senhor Rodrigo. Eu... eu rezei tanto para que eles não chegassem a tempo.
Oh, meu Deus! O que será de você agora, meu anjo?
Sinto os braços quentes da minha mãe me abraçarem. Ela chora muito,
me aperta com tanta força que eu quase perco o ar. Tento afastá-la um pouco.
— Mamãe, mamãe... — Ela afrouxa os braços em torno de mim e me
olha de forma apreensiva, dolorida. — Vai dar tudo certo, eu sei que vai.
— Será que você não entende, filha? — Suas mãos apertam meus
braços. — Rodrigo ameaçou o seu pai. Ele disse que se você não se casar
com ele e não demonstrar afeição, ele tomará tudo de nós e depois nos
expulsa das nossas terras só com a roupa do corpo.
— Que absurdo! — Interpelo. — Mamãe, você deve estar exagerando.
Rodrigo não pode fazer isso. As terras são nossas, ele não...
— Ele pode, sim! — Mamãe me interrompe. — Ele pagou por você e o
seu pai já gastou todo o dinheiro, portanto, somos devedores do Senhor
Rodrigo. Nos perdoe, filha. Que destino cruel o seu.
Ela volta a me abraçar. Agora eu tenho certeza de que o meu destino
será igual ao seu. Não posso fugir dele, estou amarrada a um homem cruel e
poderoso.
Beijo o alto da sua cabeça. Não sei por quanto tempo fico sentada no
chão, com ela nos braços. Só me dou conta do tempo quando a porta do
quarto é aberta e Rodrigo surge, cheio de confiança e com autoridade na voz.
— Lúcia, saia! — Rodrigo está com um olhar indecifrável, as mãos
cerradas em punhos, as veias do pescoço pulsando com força. — Saia agora,
mulher! — Ele grita tão ferozmente que tomamos um susto.
Levanto-me apressadamente e ajudo minha mãe a fazer o mesmo. Ela
me olha com apreensão.
— Saia, ou quer que eu mesmo a expulse do quarto, Lúcia?
— Ela vai sair, não se preocupe. — Eu mesma a guio até a porta.
Ela segura as minhas mãos, não quer me deixar sozinha com o monstro.
— Não se preocupe, mamãe. Eu vou ficar bem. — Sorrio levemente,
tento mostrar segurança.
Mamãe solta as minhas mãos lentamente e se afasta, mas fica parada
diante da porta enquanto eu a fecho. Vejo as lágrimas descerem pelo seu
rosto, e neste momento eu não consigo mais segurar as minhas. Elas cedem,
como uma tormenta desarvorada.
Fico em pé diante da porta fechada, de costas para Rodrigo. Eu sei que
ele está me olhando, sinto o seu olhar inquisidor.
— Vire-se, Eva! — Exige. — Agora! — Rodrigo esbraveja.
Eu me viro lentamente. Olhos baixos, mãos trêmulas e coração
acelerado. Eu sei que Rodrigo é um monstro, só não sei a intensidade da sua
monstruosidade.
— Olhe para mim, Eva. — A voz dele é firme e chicoteia a minha alma.
Ergo a cabeça. Acho que faço isso em câmera lenta, pois leva uma
eternidade para que os meus olhos encontrem os dele. Os olhos cor de mel de
Rodrigo se fixam no meu rosto, varrendo cada centímetro dele. Ele dá três
passos na minha direção. Ficamos tão próximos que posso sentir a sua
respiração.
— Eva, eu sou um homem feio? Sem atrativos? — Sinto o calor da sua
exalação sendo atirada no meu rosto. — Me responda!
Não, ele não é feio. Ao contrário, Rodrigo é um homem muito bonito.
Alto, corpo másculo, cabelos castanhos, olhos puxados para o dourado,
queixo quadrado, sobrancelhas grossas e bem desenhadas. Ele é um homem
muito bonito. É o demônio na forma de um anjo.
— Não... — Sussurro.
— Eu não escutei, Eva. Fale mais alto. — Sinto os seus dedos no meu
queixo, que é erguido. O que faz com que os meus olhos encontrem seu rosto.
— Você é bonito, muito bonito. — Respondo em um tom de voz mais
alto.
— Pois é, eu sou e sei disso. — Ele solta o meu rosto. — Sabe, Eva, eu
poderia ter a mulher que eu quisesse. E não me refiro apenas às mulheres de
Paraíso. Eu me refiro a qualquer mulher desse mundo. Sou rico, bonito,
popular, mas escolhi você para ser a minha esposa. A mãe dos meus filhos, a
minha companheira para o resto dos meus dias.
Ele só se esqueceu de perguntar se era isso que eu queria. Não sou
obrigada a amar uma pessoa só porque ela me ama.
Rodrigo me observa, avalia cada movimento do meu rosto.
— Eva, eu te amei quando você ainda usava tranças. Quando eu a via
correndo por toda a cidade de Paraíso, subindo nas árvores... — Ele sorri. —
Nossa, eu disse a mim mesmo, vou esperar que ela cresça e quando se tornar
uma mulher, ela será minha.
Fecho os meus olhos, tentando não imaginar Rodrigo me observando
com tais intenções esse tempo todo.
— Afastei todos os rapazotes que tentaram chegar perto de você. Se
lembra do Adroaldo, o filho do Manuel do armazém?
Olho intrigada para ele. Sim, agora eu me lembro, o Adroaldo vivia me
cercando. Lembro até que ele tentou me beijar uma vez. Só que foi há tanto
tempo que tinha me esquecido dele.
— O idiota tentou tocar em você, os meus homens me contaram. Pobre
infeliz, levou a maior surra da vida e depois disso foi embora. Eu dei um jeito
de ele ir estudar bem longe de Paraíso. — Ele sorri, debochado. — E foi
assim com todos os que se atreveram a pensar em se aproximar de você.
Seu olhar interrogativo se fixa ao meu. Sinto um frio na espinha, sua
mão toca o meu rosto.
— Ele tocou em você? — Seus olhos mudam de cor, se tornam
esverdeados, de um tom bem escuro. Aquele olhar frio percorre toda minha
face. — Você fez sexo com aquele estrangeiro?
Quase engasgo. Fico com vontade de afirmar que sim, quero desafiá-lo,
quero que ele saiba que não será o primeiro, mas tenho medo da sua reação.
— Não, o Adam não me tocou. Ele queria esperar o nosso casamento.
Rodrigo engole o bolo que aparentemente se formou na sua garganta,
acaricia o meu rosto e sorri.
— Beije-me, Eva. — Dou um passo para trás ao escutar a ordem. —
Beije-me agora!
Rodrigo dá dois passos para frente e me segura pelos braços. Aquele
olhar perigoso me congela completamente. E agora, o que farei?
Capítulo 11
O seu tom incisivo de voz me leva a acreditar que ele não está de
brincadeira. Eu estou em apuros, me sinto impotente sabendo que a partir de
agora minha vida será sempre assim: ele manda e eu obedeço.
Meus olhos estão fixos nos dele. O medo corrói cada partícula do meu
corpo.
Sem conseguir estabilidade, movo um dos pés para trás. Rodrigo me
mantém no lugar.
— Beije-me, Eva. Eu quero sentir os seus lábios sobre os meus, eu
quero ser beijado com a mesma intensidade com que beijou aquele
estrangeiro de merda.
Rodrigo me olha com fúria e eu sinto um desafio na sua voz.
— Ro-Rodrigo... — Não tenho tempo de completar a frase.
A boca do Rodrigo cobre a minha. O beijo, de início, é suave e terno. Eu
sinto os seus braços rodearem meu corpo...
— E-Eva, como eu amo você. Como eu te quero. Há quanto tempo eu
espero por você, Eva, minha Eva...
Ele delira na minha boca. Sua língua desliza entre os meus lábios e aos
poucos me invade. Mãos começam a percorrer minhas costas, desenhando as
minhas curvas, depois elas acariciam meus braços para logo em seguida
alcançar um dos meus seios.
— Eva, minha Eva. Eu sou louco por você.
Estou paralisada, não consigo reagir. Senti-lo me tocando, me
apalpando, me beijando, é... é tão assustador, tão humilhante. Não faço nada,
apenas deixo que prossiga.
Ele se roça no meu corpo. Sinto a sua ereção pulsante no meu ventre,
suas mãos alcançam as minhas nádegas e ele as aperta, acaricia e geme na
minha boca. Satisfazendo o seu desejo por mim, saciando a sua necessidade.
Não reajo. Minhas pernas estão prestes a ceder. Meu coração acelera, eu
ofego, vou desmaiar. Deus, eu vou cair. Fico dura como uma tábua. Braços
jogados ao longo do corpo, boca seca, olhos abertos.
Então ele para de me beijar. Seus olhos se abrem e encaram os meus.
Ficamos assim por alguns segundos. Respiro, aliviada.
— Era assim que você o beijava? — Engulo em seco. — Hein, Eva? Era
assim que você beijava aquele estrangeiro de merda? Era assim? — Ele grita
e me empurra. Eu quase caio.
— Por favor... — Tento me explicar.
— Por favor, o que, Eva? — Ele se aproxima, segura os meus braços
com força e exige o meu olhar.
— Entenda, por favor. Eu... eu preciso de tempo. Tenha paciência.
— Paciência?! — Esbraveja e me olha com presunção. — Era só o que
me faltava, precisar ter paciência para ter alguma intimidade com a minha
noiva.
— Rodrigo, eu não pedi para ficar noiva. Eu não te amo.
Ele me olha com raiva. Vejo o pulsar das veias em sua têmpora. Rodrigo
cerra os punhos. Meu Deus, eu vou apanhar!
Aperto os olhos com força.
— Eva, você prometeu me aceitar, prometeu se entregar a mim sem
reclamar. Agora cumpra com a sua promessa, ou eu juro que farei você se
arrepender, entendeu? — Ele grita a última frase.
— Entendi. — Baixo os olhos, e as lágrimas caem.
— O jantar será servido às dezenove horas, seja pontual! — Continuo
em pé, trêmula.
Rodrigo passa por mim, cabisbaixo, só ouço a porta bater com violência.
Respiro profundamente e caio no chão. As lágrimas secaram, mas o meu
corpo continua sofrendo tremores. Sinto uma mão na cabeça e me
sobressalto. Ergo o rosto e vejo a minha mãe. Eu não a vi entrar. Ela se senta
no chão e me puxa para o colo. Deito a cabeça em suas pernas.
— Mamãe, alguma vez a senhora amou o papai? — Pergunto, entre
soluços.
— Nunca houve amor entre nós dois, meu anjo. Seu pai nunca gostou de
mim, nem eu dele. Forçaram a nossa união, foi uma imposição dos nossos
pais, e eu acho que é por isso que ele me castiga.
— E como a senhora conseguiu? Como... se entregou para ele? Eu sinto
que não vou conseguir.
Eu sei que não vou conseguir. Ao sentir os lábios do Rodrigo sobre os
meus, suas mãos me acariciando, eu senti uma vontade louca de empurrá-lo.
Quis bater nele, gritar com ele, vomitar em cima dele. Não, não. Eu não vou
conseguir nem beijá-lo outra vez, quanto mais fazer sexo com ele.
Mamãe me ajuda a sentar. Ela segura o meu queixo e eu encaro aqueles
olhos sofridos.
— Meu anjo, há uma grande diferença entre o seu pai e o Senhor
Rodrigo. Seu pai nunca me amou. Na nossa primeira noite eu fui violentada,
obrigada a fazer todas as coisas que você possa imaginar. Eu era uma menina,
nem sabia beijar. As palavras carinhosas que ele me disse foram: Agora eu
não preciso pagar para ter uma puta, tenho uma de graça.
Fico horrorizada com o que acabo de escutar. Como um homem pode
tratar a sua mulher assim? Será que Rodrigo fará o mesmo comigo? Acho que
mamãe percebe a minha preocupação.
— Já o Senhor Rodrigo — ela continua. — Tenho certeza que te ama,
eu vejo o brilho nos olhos dele quando olha para você. Ele te ama, minha
filha, se apegue a esse sentimento e tente ser feliz. Eu acho que se você se
entregar por vontade própria, ele vai ser carinhoso. Acredite, meu anjo, o
amor virá com o tempo.
— Não. — Eu grito e me levanto. Começo a andar de um lado para o
outro. — Nunca vou amar um monstro, eu vi o que ele fez com o Adam. Eu
vi, mamãe! Não vou me entregar a ele, o Rodrigo vai ter que me tomar à
força — As lembranças do espancamento de Adam vêm fortes e a dor
dilacera o meu coração. — Eu sei, eu sei que o Adam virá me buscar, e
quando isso acontecer eu vou fugir com ele.
— Oh, meu Deus! — Desanimada, mamãe se levanta e vem até mim. —
Minha filha, esqueça esse conde, esqueça! — Sinto no seu olhar que ela não
sabe mais o que fazer para que eu aceite o meu destino.
— Nunca! Eu prefiro morrer a ficar sem o Adam. Eu prefiro a morte!
Sou abraçada com carinho, os meus cabelos são acariciados e o meu
rosto é beijado por diversas vezes.
— Se acalme, minha filha, tente se acalmar. Tudo tem seu tempo, só dê
uma chance ao Senhor Rodrigo.
Tentei fazer o que mamãe me pediu. Durante quinze dias tentei aceitar o
Rodrigo, mas em todas as vezes que ele me beijava e que as suas mãos
percorriam meu corpo, eu endurecia, petrificava. Minha alma escapava de
mim e eu morria mais um pouco por dentro. Mal conseguia respirar e uma
sensação mista de angústia, medo e terror dominava a minha vontade. Não
conseguia fingir, nem o agradar.
— Filha, o seu noivo está te chamando no gabinete.
Ainda não me acostumei com esse título de “noivo”.
O que será agora? Será que quer me beijar outra vez?
Deixo a mamãe no meu quarto e vou até o gabinete. Ele está de pé,
diante da janela. Quando me vê entrar pede para que me sente na poltrona.
Depois vem até mim e se ajoelha.
— Eva, eu comprei algo para você. — Ele diz, enquanto segura a minha
mão direita. — Minha linda princesa, você não tem noção do tamanho do
meu amor. — Rodrigo pega algo no bolso da camisa, uma pequena caixa
preta. — Eva, o que eu puder fazer para te ver feliz eu farei. Se você quiser
um pedaço da Lua, farei o que for possível para lhe dar, só peço que me
permita te amar. Deixe que eu me aproxime, é só isso que eu peço.
Ele abre a caixinha preta. Dentro dela há um anel com uma pedra
vermelha, a joia mais linda que eu já vi.
— É o seu anel de noivado. Essa pedra é um rubi, da cor da paixão, do
amor que eu sinto por você. — Ele coloca o anel no meu dedo.
Fico muda, não sei o que dizer, eu estou completamente surpresa. A
pedra de rubi pesa no meu dedo, e de repente eu vejo o vermelho escarlate
como sangue escorrendo entre os dedos. O anel é o símbolo do meu
sofrimento, o grilhão que me aprisiona a Rodrigo.
— Eva, eu pensei muito sobre nós dois e tomei uma decisão. Não vou
mais me aproximar de você até a nossa noite de núpcias. Eu vou respeitar o
seu tempo, só peço que após o nosso casamento você deixe a porta do seu
coração aberta, que me deixe entrar. Entendeu?
Continuo boquiaberta, só consigo assentir com a cabeça.
— Ah, tem mais uma surpresa. — Eu o olho com mais espanto.
Ele desabotoa a camisa branca e tira a peça de roupa, então eu a vejo.
Levo a mão à boca e os meus olhos se abrem, pasmados. No lado esquerdo
do seu peito, bem próximo ao coração, há uma tatuagem enorme, em letras
vermelhas. Nela está escrito:
Minha EVA.
Então eu percebo que o que ele sente por mim não é amor, é obsessão.
Capítulo 12
Acordo com uma dor no peito e muita falta de ar. Tento disfarçar
para que Rodrigo não perceba. Eu ainda o odeio, mas o meu ódio eu guardo
apenas para mim. Ele tem sido o meu anjo da guarda nos últimos anos. Sem
ele eu não seria nada, e hoje sei o quanto me ama. Se não me amasse, não
estaria com uma mulher que só lhe dá trabalho, já que há dois anos não temos
nenhuma intimidade. Ele se contenta apenas com beijos, contudo, os seus
sentimentos não mudaram. Pelo contrário, acho que aumentaram. Ele se
dedica a mim em tempo integral, eu nunca fico sozinha. Se isso não for amor,
não sei qual é o nome que posso dar a esse sentimento.
Só que eu não consigo retribuí-lo.
— Meu amor, você precisa se alimentar. A sopa é de legumes, você
adora.
Empurro a mão do Rodrigo para longe da boca, mas ele não se deixa
vencer pela minha insistência em não comer. Faz alguns dias que não consigo
me alimentar, dói quando mastigo ou engulo, mesmo com uma alimentação
toda líquida. Eu sei que o Rodrigo está sofrendo por me ver assim, o que me
deixa angustiada. Por isso eu faço de tudo para que ele fique com raiva de
mim, mas o seu olhar carinhoso e paciente continua invencível.
— Eva, hoje vamos ter uma sessão de cinema. A Lilly quer assistir o Rei
Leão outra vez. Eu já mandei colocar o telão na biblioteca, o que me diz?
Lilly, a minha linda filha, é a alegria da casa e do Rodrigo. O que ela
pede, ele faz. Não importa o que seja, ele realiza todos os seus desejos, assim
como os meus. O Rodrigo vive exclusivamente para mim e para a Lilly. Às
vezes, eu penso que ele se culpa pelo meu estado vegetativo.
Faz dois anos que eu não saio mais do quarto. Até o meu banho de sol é
feito na varanda. O Rodrigo me coloca na cadeira de rodas e fica comigo por
uma hora pela manhã e mais uma hora no final da tarde. Eu não tenho ânimo
para sair do quarto, ele até tentou me tirar daqui, mas eu entrei em pânico,
quase tive uma parada respiratória, então, os médicos o aconselharam a não
me forçar a fazer o que não quero. Eu tenho o acompanhamento de um
psiquiatra, mas ele não faz muita coisa para ajudar, e eu também não quero a
ajuda. Quero apenas uma coisa.
Morrer.
Sonhei com ele na noite passada. Sonho com ele todas as noites. São os
momentos mais felizes que tenho. Dormir, para mim, é encontrar a felicidade,
pois é quando eu me encontro com ele... com o meu Adam.
Nos meus sonhos as minhas pernas estão perfeitas, eu não sinto fraqueza
e nem tristeza, só sinto amor. Nos meus sonhos sou beijada e acariciada por
ele, o meu único e verdadeiro amor. É nos meus sonhos que ele me diz que o
dia de ficarmos juntos está próximo.
— Mamãe.
— Eva, meu amor.
— Papai, a mamãe está sonhando acordada?
— Não, filha, a mamãe só está cansada.
— Mamãe... mamãe, sou eu, a sua Lilly.
Uma mãozinha macia e delicada acaricia o meu rosto. Os meus olhos se
fixam aos seus e ela sorri.
— Mamãe, você estava sonhando com o moço? Aquele que a senhora
diz que vem te buscar?
Rodrigo me encara, desconfiado, ele sabe que Lilly está falando do
Adam. Eu contei para Lilly que um anjo me visita nos meus sonhos e que um
dia virá me buscar. Ele limpa a garganta, pega Lilly nos braços e enquanto
lhe faz cócegas, diz:
— Eu já disse, princesa Lilly. A mamãe está cansada.
Lilly solta gritinhos de êxtase. Ela agarra o pai pelo pescoço e lhe dá
vários beijos no rosto. Rodrigo se delicia com os carinhos da filha.
A Lilly é muito apegada ao pai, ela tem verdadeira adoração por ele. Eu
não tiro sua razão, afinal, Rodrigo é seu pai e sua mãe. Eu não posso cuidar
dela, mesmo que quisesse, não poderia. Sei que não fui uma boa mãe, tentei
matar a minha filha ainda no ventre, mas suportei as consequências dos meus
atos de cabeça erguida. Não amei a Lilly enquanto recém-nascida, no entanto,
quando a vi pela primeira vez, me apaixonei. Eu a amo muito, ainda que a
tristeza que domina o meu coração me impeça. Não quero que a minha filha
cresça vendo a mãe definhar aos poucos, por isso peço silenciosamente a
Deus que me leve o mais rápido possível. Sei que esse dia está próximo. Lilly
é muito pequena e logo se esquecerá de mim, Rodrigo será um excelente pai.
Ele a ama muito e vai proteger a nossa filha, por isso vou me encontrar com o
meu Adam em paz. Lilly será muito feliz.
Rodrigo coloca Lilly de volta na cama. Ela engatinha até mim e deita a
cabeça em meu peito.
— Mamãe, você vai assistir o Rei Leão com a gente, não vai? Tem
pipoca e refrigerante. O papai deixou.
Beijo os cabelos da minha filha, eles cheiram a flores. Eu a aperto contra
o coração. Sinto um aperto e uma tristeza profunda no peito.
— Meu anjo. — Eu estremeço, não estou bem. — Lilly, olhe para mim.
— Ela ergue o rostinho em direção ao meu e sorri. — Eu te amo muito, muito
mesmo. Posso não ter sido a mamãe que você merece, mas eu te amo. Me
perdoe, filha, me perdoe por ter sido tão ausente...
— Mamãe, não chore. — Ela me interrompe, quase chorando. — Onde
tá doendo?
Sua inocência me dói. Eu caio no choro.
— Eva, meu amor, o que foi? Você está nos assustando. Está sentindo
dor, é isso?
Ultimamente eu sinto muita falta de ar e dores terríveis no peito. Já fiz
todos os exames possíveis, mas nada foi encontrado. E agora sinto de novo
aquela dor sufocante, que queima meu peito, me sufoca.
Aperto o peito e começo a tossir.
— Lourdes! — Rodrigo vocifera o nome da babá de Lilly. Ela surge no
quarto. — Leve a Lilly daqui, tente distrair a menina.
— Não quero ir, papai. Não quero deixar a mamãe...
Lilly se joga no meu corpo e os seus bracinhos circulam o meu pescoço.
Esse simples gesto piora o meu estado. A tosse aumenta e eu grito de dor.
Rodrigo é rápido e retira Lilly de cima de mim. Ela começa a chorar. Eu
quero dizer que tudo vai ficar bem, mas não consigo raciocinar direito. A dor
é lancinante, me devora.
— Mamãe...! — Ela grita e tenta me alcançar com os braços esticados.
— Tire ela daqui! — Rodrigo vocifera para a babá.
Minha filha desaparece diante dos meus olhos e eu sei que é a última
vez que a vejo. Escuto Rodrigo falar com alguém ao telefone. Na certa, com
o meu médico.
— Eva, meu amor, o médico já está a caminho. Fique calma, você vai
ficar bem.
Ele afaga os meus cabelos. As suas mãos de toque leve fazem um
passeio por todo o comprimento dos fios. Olho para seu rosto sofrido. As
rugas ao redor dos olhos são por minha causa, os fios de cabelos brancos
apareceram precocemente, também por culpa minha. Mesmo assim, ele ainda
é um homem muito bonito. Qualquer mulher se jogaria aos seus pés, exceto
eu.
Eu ainda o odeio.
Mas eu sou grata por todos os seus cuidados, pela sua devoção, e eu não
quero que ele sofra, quero que se liberte de mim. Ele está preso a mim e o
amor que ele sente também me faz sua prisioneira. Agora chegou a hora de
termos a nossa liberdade de volta.
— Ro-Rodrigo. — Começo a tossir. Levo a mão à boca, e quando a
afasto ela está suja de sangue. Rodrigo, ao ver o sangue, me puxa para si.
— Minha Eva, minha Eva. Vai ficar tudo bem. Eu não vou te deixar
sofrer...
— Ro-Rodrigo. — Eu o interrompo, nervosa, quase chorando. —
Rodrigo, por favor, seja feliz. Promete?
— Shhh! Não fale, meu amor. O médico já está chegando, não se canse.
Tento falar, mas ele me cala com um beijo sofrido. A dor em meu peito
aperta e o ar me falta. Perco os sentidos.
Aos poucos os meus olhos se abrem e eu escuto o médico sussurrando
para Rodrigo:
— Não há nada que possamos fazer, meu amigo, a não ser deixá-la o
mais confortável possível e esperar.
Eles viram o rosto na minha direção. Eu fecho os olhos rapidamente,
fingindo dormir. Rodrigo leva o médico até a porta. Ele fica parado por
longos minutos diante da porta fechada, com a testa encostada nela. Rodrigo
respira profundamente várias vezes e soca a madeira com os punhos
fechados.
A dor retorna, mas eu não quero chamá-lo, ele já está sofrendo demais.
Resolvo ficar calada com a minha dor, até adormecer novamente.
— Querida, minha querida...
Escuto uma voz muito familiar me chamar. Abro os olhos lentamente, já
não sinto dor nem tristeza. Finalmente os meus olhos encontram os dele.
— Adam... — Eu começo a chorar. — Estou sonhando?
— Sim, meu amor, você está sonhando. Não chore, acabou o
sofrimento. Logo estaremos juntos.
Ele beija a minha testa ternamente, e do mesmo jeito que surgiu,
desaparece.
— Eva, Eva. Acorde, meu amor. Não chore, eu estou aqui.
— Adam, Adam, não me deixe. Leve-me com você, leve-me, não me
deixe mais uma vez, leve-me...
— Eva!
— Meu amor, e-eu te amo tanto... Adam... Adam, você veio me buscar.
Veio me libertar do monstro...
— Eva! — Sinto o meu corpo ser agitado violentamente, e ao abrir os
olhos encaro um homem completamente transtornado.
— Ro-Rodrigo? — Exclamo.
— Sim, sou eu. O seu marido e o pai da sua filha, o homem que te ama
mais do que tudo na vida. Sou eu... — Ele agita os meus ombros com força.
— Esqueça ele, Eva. Esqueça aquele estrangeiro de merda. Ele está morto.
Morto, entendeu? Eu o matei, eu o tirei do meu caminho... esqueça. É a mim
que você deve amar. Deve chamar por mim, não por ele.
— Eu não te amo, Rodrigo e nunca te enganei. Vo-você sempre soube
disso. — Estava difícil respirar. — Sempre amei o Adam, sempre amarei...
— Pare de dizer tolices, Eva. — Ele me interpela, seco e com muita
raiva na voz. — Aquele conde de merda está morto. Morto, entendeu? — Sou
sacolejada com violência.
— Ele virá me buscar. Mesmo morto, ele virá me buscar.
— Eu o matei, Eva. Ele não sairá do inferno para vir te buscar.
— Pare. Pare, Rodrigo. Deixe-me em paz. Por favor, saia daqui! — Eu
me humilho, levada pelo desespero.
— Você é minha, Eva. É só a mim que deve amar. Minha! — Ele
vocifera com toda voz que possui.
A dor aperta o meu peito, eu respiro com dificuldade. Deus! Me leve
daqui, não suporto ver o ódio nos olhos desse homem.
Ele parece ler os meus pensamentos, seu silêncio confirma as minhas
suspeitas. Ele se afasta e eu vejo lágrimas nos seus olhos. Rodrigo chora
compulsivamente.
— Eva... Eva, eu te amo tanto. Não faça isso comigo, não prefira um
morto a mim... — Ele suplica aos prantos, os braços cercando o meu corpo.
Rodrigo me puxa para o peito e tenta me beijar.
Tento me afastar, mas estou sem forças. Então eu o vejo... o meu Adam
está perto da porta.
— Adam! — Estico o braço como se quisesse alcançá-lo. — Adam. —
Sussurro.
Rodrigo se afasta e olha em direção à porta.
— Você está delirando, não tem ninguém ali, Eva. Só eu estou aqui. Eu,
o seu marido. Aquele merda está no inferno, eu o mandei para lá.
— Não! — Grito. Juntos as últimas forças que me restam e grito. —
Não, ele veio me buscar e eu vou com ele. Finalmente vou me libertar de
você e você nunca mais vai me tocar.
— Você é minha, minha! — Rodrigo pega em meus pulsos e me mostra
a aliança grossa no meu dedo anelar esquerdo. — Está vendo? Você é minha!
Olho outra vez para a porta. Adam estica o braço, abre a mão e sorri.
— Sim, meu amor, eu estou pronta para ir com você. — Rodrigo olha
para mim e depois para a porta. Ele está completamente atônito. Fito-o. —
Adeus, Rodrigo! Cuide da nossa filha. Adeus!
Rodrigo me segura nos braços, enquanto a minha cabeça cai para trás,
lentamente. Ele me apoia nos travesseiros. Não sinto mais nada, só paz...
...Rodrigo González...
...Raphael Bergsen...
Sou só uma criança, um inocente, mas eu sei que preciso ser forte,
não posso permitir que o medo me enfraqueça. O papai sacrificou a vida para
salvar a minha, portanto é necessário lutar contra essa vontade louca de me
jogar nos braços da morte e me encontrar com os dois. Com ele e com a
mamãe. Ainda escuto os gritos do papai, ainda sinto o cheiro da sua carne
queimando... Eu o vi morrer, sofrer.
— Maldito! — Grito o mais alto que eu posso, mas só escuto o eco da
minha própria voz.
Não sei há quanto tempo estou aqui, só que já há tempo suficiente para o
carro virar cinzas. Da minha posição posso vê-lo, pude ver o rosto do papai
ser consumido pela dor e pelo desespero.
Sinto sangue escorrer pela minha testa. Estou muito machucado, os
galhos da árvore rasgaram a minha pele, sangraram a minha carne. Minhas
mãos pequenas estão em carne viva, agarradas com força aos galhos para que
eu não caia. Escuto sons de pássaros e o farfalhar das folhas ao vento. Não sei
até quando vou suportar a dor que sinto no corpo. Eu estou tão cansado.
— Acorda, Raphael! — Digo para mim mesmo — Acorda, você precisa
viver, você precisa virar um homem e vingar a morte do seu pai.
Sim, eu me vingarei. Esse tal de Rodrigo González vai conhecer a ira
dos Bergsen. Posso ser apenas uma criança para muitos, mas a partir de hoje
a criança que vive em mim morreu junto com o meu pai. Eu nunca vou me
esquecer do rosto dele, eu o vi, vi quando bateu no meu pai. Eu escutei
quando deu ordens aos homens para que jogassem o carro no penhasco.
— Papai! Papai, eu juro, por todo amor que eu sinto por você que eu
vingarei a sua morte. Farei da vida do seu assassino um inferno, a dele e a de
todos os seus descendentes. Eu prometo dedicar a minha vida a essa
vingança! — Esbravejo aos quatro ventos e nesse momento uma ventania
sacode os galhos de todas as árvores, como um prelúdio do que estar por vir
como resultado da minha promessa.
O esforço dos meus gritos consome minhas últimas energias. O sono me
abate e eu quase despenco do galho em que estou preso. Acordo rapidamente,
minhas pernas estão dormentes, os braços doloridos e a minha cabeça lateja.
— Raphael! Raphael!
Escuto gritos, uma voz me chama, mas eu não a reconheço. Tento olhar
para o alto, mas não vejo nada a não ser galhos e mais galhos de árvores.
— Raphael, filho. Raphael!
Essa voz eu reconheço, é do Alfredo.
— Aqui, eu estou aqui! — Quase sem forças, eu grito, ainda que seja um
grito tímido, ele é sonoro o bastante para ecoar.
— Filho, não se mexa, já estamos indo. Segure firme, meu filho. Segure
firme.
A voz do Alfredo está trêmula, embargada. Na certa ele pensou que não
me encontraria mais, que eu estaria fazendo companhia ao meu pai no meio
das cinzas.
— Estou vendo o menino, senhor Alfredo! Estou vendo! — Uma voz
grita alegremente.
De repente uma corda me alcança e dois homens descem por outras
duas.
— Fique calmo, menino Raphael, nós já estamos aqui, nada de ruim vai
lhe acontecer. — Não os conheço, mas nada importa, eu só quero sair daqui.
Um dos homens me pega e o outro passa a terceira corda em volta do
meu corpo. Aliviado, eu choro. Agora posso chorar outra vez, mas essas
serão as últimas lágrimas que irei derramar. Nunca mais vou chorar, nunca!
Assim que o nó é feito, eles me puxam para cima e um dos homens sobe
junto comigo, me segurando. A subida é longa e dolorida, todo lugar em meu
corpo dói. Eu estou me sentindo muito mal e pioro quando olho para baixo e
vejo o carro do meu pai em cinzas. Despeço-me.
Adeus, papai!
— Peguei você, meu filho! Agora você está seguro, está comigo. Eu juro
que ninguém vai te machucar. Nunca mais, meu filho, nunca mais!
Os braços fortes do Alfredo cercam o meu corpo pequeno e machucado,
as suas lágrimas molham o meu rosto enquanto ele me beija, emocionando.
— Alfredo, me deixa ver o meu pai uma última vez? — Peço enquanto
ainda tenho forças. Alfredo me ergue nos braços e eu olho para o penhasco
nebuloso.
— Um dia voltarei e vou me vingar do monstro que matou o meu pai.
Ele vai se arrepender de ter cruzado o meu caminho, eu juro, Alfredo. Vou
destruir esse homem, juro com toda a força que tenho em mim. — Engulo o
nó que se forma na minha garganta. — Leve-me embora dessa cidade, eu
quero voltar para o meu país.
— Filho, não pense em vingança. O seu pai não gostaria de ver você
com essas ideias. Um dia você esquecerá de tudo isso, filho. O que tem a
fazer agora é crescer feliz e viver a sua vida, só isso. Deixe que do resto cuido
eu, a partir de agora eu vou te proteger, você será o nosso filho querido.
Alfredo me acolhe em seu colo protetor. Eu sei que ele vai cuidar de
mim, ele e a Mila, e eu sei que serei amado como um filho. Mas essa história
não acaba aqui, é só o início do inferno para o senhor Rodrigo González e os
seus descendentes.
Eu, Raphael Salles Bergsen, vingarei a morte do meu pai. Um dia
voltarei a Paraíso e vou cobrar com juros tudo o que fizeram ao meu pai e a
mim. Os González não perdem por esperar.
...Para refletirmos...
“Nossa vida é a soma dos resultados das escolhas que fazemos,
consciente ou inconscientemente. Se somos capazes de controlar nosso
processo de escolher, podemos controlar todos os aspectos de nossas vidas.
Desfrutamos, então, da liberdade que vem do fato de estarmos em controle
de nós mesmos.”
(Robert F. Bennet)
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