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# 74
JULHO u 2015
Saúde, Ambiente e Cidadania na Bacia do Rio das Velhas
ética?
saúde?
participação?
transposição?
sustentabilidade?
Av. Alfredo Balena, 190, sl. 813.
Manuelzão • 07.2015 cOMUNIDADE 3
manuelzão
COMUNIDADE Menos esgoto no rio
PROCÓPIO DE CASTRO
ximas ao Rio das Velhas: Ouro Preto, na sua
nascente, e a poucos quilômetros, na bacia
do Rio Doce, a cidade de Mariana. E ainda Pinturas rupestres da região
na bacia do Velhas: Sabará, Caeté e Santa de Lagoa Santa, datadas em
Luzia. Parte do município de Diamantina, seis mil anos
fundada nos anos 1700, pertence também
à bacia hidrográfica do Rio das Velhas. O
rio, e toda a sua bacia, sofreram muito com
o garimpo, com o desmatamento, inclusive
das matas ciliares, e depois com a explo-
ração das montanhas regionais, ricas em
minério de ferro. E sofreram também com
a poluição originada nos centros urbanos,
que utilizam os curso d’água como destino
para todo o tipo de esgoto e lixo.
Apesar da degradação ambien-
tal dos últimos séculos, a cultura regional
sobreviveu com criatividade e firmeza. Isso
pode ser constatado no depoimento de
moradores, como, por exemplo, sempre
valorizam as memórias de suas cidades e
vilas. Nos relatos emocionados e saudo-
Apesar da
degradação
ambiental, a
cultura regional
sobreviveu com
criatividade
e firmeza
WALTER NEVES/USP
sistas sobre os vestígios da navegação, em do rio, de seus afluentes e de suas milhares
barcos apelidados de “gaiolas”, que des- de nascentes. O Projeto Manuelzão, sedia-
ciam o rio em direção à Bahia, e o subiam do na Universidade Federal de Minas Ge-
no retorno. E dos restos da extensa rede rais, orgulhosamente faz parte deste grupo
ferroviária iniciada no tempo do Brasil Im- de entidades.
pério, com suas patéticas marias-fumaça. Além de nossa participação co-
Também, nos atuais grupos organizados de tidiana em defesa do rio, já promovemos
dança, música, teatro e na fértil produção cinco FestiVelhas, todos com o objetivo de
literária dos seus habitantes, que resistem conciliar as agendas ambiental e cultural. O
ativos, mesmo com a falta de estímulo de primeiro, em 2005, na cidade de Morro da
órgãos governamentais. No orgulho em Garça; o segundo, em 2007, em Jequitibá; o
preservar as receitas antigas da típica culi- terceiro, em 2009, itinerante por seis cida-
nária mineira e na apreciação, nem sempre des da bacia do Velhas (Ouro Preto, Santa
moderada, dos derivados alcoólicos à base Luzia, Curvelo, Presidente Juscelino, Várzea
da cana-de-açúcar, cada um deles com sua da Palma, terminando em Belo Horizon-
história de muitas décadas e de muitas ge- te); o quarto em Belo Horizonte; e neste
rações de cultivadores, produtores e consu- ano, quando é comemorada a maioridade
midores. do Projeto Manuelzão, pois chega aos 18
Atualmente, a bacia hidrográfica anos de existência, e 10 anos do primeiro
do Rio das Velhas tem uma população de FestiVelhas, a cidade escolhida foi Itabirito.
aproximadamente quatro milhões e meio Mais uma vez, teremos a oportunidade de
de habitantes, espalhados em 51 municí- valorizar as várias formas de expressão da
pios, que englobam inclusive a Região Me- rica cultura da bacia hidrográfica do Rio das
tropolitana de Belo Horizonte. Vários gru- Velhas, fruto de vários séculos de ocupação
pos organizados estão lutando em defesa lUZIA: A PRIMEIRA MINEIRA de toda a região pelo Homo sapiens. u
6 crise e cultura Manuelzão • 07.2015
A crise está nas ruas e por isso a democracia tem valor. Ela nos
tira da zona de conforto e nos obriga a pensar, refletir e reagir
Marcus v. Polignano
Professor e Coord. do Manuelzão
ALEXSANDER SOUSA
Que preservar seja a preocupação básica da sociedade. No Festivelhas, a população esperou os caiaqueiros
ciais. Que estes dependem de sistemas da cultura. De uma cultura que seja “per- processo a exaustão total, da qual com
naturais complexos que requerem áreas meável” a água e comprometida com a certeza não teremos salvação.
de recarga, solo permeável, áreas de pro- vida. Uma cultura que entenda cada nas- A crise só não pode nos privar de
teção, vegetação e nascentes para se man- cente como expressão do nascimento da futuro, pois nela também há os oportunis-
terem vivos. vida e da necessidade de preservação, que tas que ao invés de procurar rever concei-
Ao longo de nossa história ge- torne as cidades “permeáveis”, deixando tos, querem apenas vender soluções sim-
ramos uma cultura de degradação e de os rios existirem e seguir seu caminho na- plificadas do mesmo. Repetindo modelos
morte lenta dos rios, e assim passamos tural sem poluição. e não pensando o novo. A crise tem que
despejando esgotos domésticos, efluentes Que preservar e não poluir seja ser uma ponte para novos paradigmas e
industriais e minerários para dentro dos a preocupação básica e fundamental de não para o precipício. Nela os prejuízos
cursos d’água. As nascentes foram degra- qualquer empreendimento, que poupar são socializados.
dadas, aterradas e enterradas e córregos anteceda em muito o consumir; que a res- Assim, apesar da escassez de
deixaram de ser perenes para se tornarem ponsabilidade com a vida se torne o com- água, da energia e do ambiente, o lucro
intermitentes. Com isso, os afluentes dei- promisso maior e essencial da sociedade. que não cessa a mudança de modelos não
xam de alimentar o Rio das Velhas, que Infelizmente, nossa atual cultura é da es- é discutido. É possível aumentar as tarifas,
como outros, deixam de alimentar o São cassez, que representa o fim de um mo- garantir os lucros do capital e socializar a
Francisco. Assim vai se formando um ce- delo. Continuar a reproduzi-lo é levar o má gestão de serviços e do modelo am-
mitério de rios. biental, seguindo a expressão-símbolo do
A crise nos ensina que a degra- liberalismo econômico “laissez faire, laissez
dação não é conceito, mas uma institui- aller, laissez passer”, que significa literal-
ção, pois nossa cultura legitima e reforça Não chegamos mente “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”.
este modelo com o argumento do cresci- à escassez hídrica Nesse contexto, o FestiVelhas Ma-
mento a qualquer custo. A escassez não nuelzão convoca a todos para refletirem e
é somente hídrica. Ela também é ética, por acaso, mas pensarem sobre este estado de coisas, res-
política, de falta de compromisso com a gatando as raízes históricas e culturais para
questão ambiental, com a justiça social e por um caminho entender que somos fruto desta fusão de
com as gerações futuras. que a nossa ideais, energias e expressões. Temos que
Portanto, há muito o Projeto Ma- utilizar isso para resgatar a história do Rio
nuelzão defende que as mudanças neces- cultura construiu das Velhas para que possamos reconstruí
sárias e fundamentais tem que vir através -la de outra forma para o futuro. u
8 autonomia e ação Manuelzão • 07.2015
AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO NA
GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
diálogo e construção coletiva são chaves na formação autônoma
LILA GAUDÊNCIO
possa permitir a liberdade de negociação
entre vários atores sociais se estabelece
quando gera a sensação de interdepen-
dência envolvendo o Estado e a sociedade.
Discutir autonomia significa dis-
cutir as relações de poder que existem e as
responsabilidades que geram. E justamen-
te, por este motivo, grupos sociais precisam
constantemente fazer valer a autoridade
que lhe é legítima. A autonomia que se
quer construir não está apenas em parida-
de quantitativa, mas na qualidade de sua
participação, no respeito à liberdade de ex-
pressão e no poder de transformação. Para
isso, é preciso exercitar uma democracia
que se reinventa no cotidiano, entendendo
isto como certo alargamento da política,
trazida para os lugares de experimentação
da vida. Os caminhos percorridos pelos
conselheiros devem permitir o diálogo en-
tre diversos saberes e práticas e, na dire-
ção de somar conhecimentos aos níveis de
consciência dos sujeitos, se deixar deslocar,
buscando perceber formas de ser e atuar
no mundo.
Não existe uma fórmula de como
ter autonomia, mas existem formas de con-
duzir escolhas, de ter atitudes e comporta-
mentos coerentes com o que se almeja em
grupo. Para isso é preciso navegar, nadar,
atravessar o rio, o que não se encerra em
operacionalizar as ações. É preciso reavaliar
constantemente nossas práticas, capacitan-
É PRECISO CONSTRUIR POLÍTICAS A PARTIR DAS ÁGUAS E PELAS ÁGUAS do os conselheiros, convidando outros ato-
res, ampliando o debate na direção do ho-
rizonte que se quer alcançar. Que sejamos
çou no sentido de descentralizar a tomada gestão territorial social e ambientalmente
também capazes de reconhecer a origem
das suas decisões, compartilhando poderes mais justa; o comitê tem de ser um espaço
deste movimento, do seu imaginário trans-
com representantes de toda a bacia. Além de questionamento e também de trans-
gressor que faz de sua autonomia uma tra-
desses espaços de diálogo, que são os sub- gressão, onde se constrói política pública a
vessia, uma construção contínua e também
comitês, é importante lembrar também partir das águas e pelas águas.
um estado a ser atingido em sucessão de
atuação na bacia do rio das Velhas, do Pro- Se queremos a autonomia isso
pequenas conquistas. u
jeto Manuelzão, que criou um movimento significa o direito de discordar uns dos ou-
social em prol de rios vivos. A existência tros, mas este discordar deve ser propositi-
dos Núcleos Manuelzão, que compartilham vo, deve conseguir questionar as estruturas
informações, discutem e definem ações lo- e propor adequações. É preciso permitir a
cais para solucionar problemas ambientais mudança em um legítimo espaço de diá-
e sociais. logo e construção. Sabemos que para que Referências
É possível aos comitês terem au- um espaço de diálogo legítimo seja cons-
tonomia, uma vez que são amarrados de truído, é preciso que os agentes da socie- FREIRE, Paulo. Pedagogia da auto-
forma heterônoma às estruturas e às com- dade civil, acreditem em sua própria força, nomia: saberes necessários a prática
petências jurídicas e normativas? É possível escavem e briguem pela construção de um educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
que o CBH seja mais que uma instância de tipo de participação igualitária. Isso se dá,
Brasil. LEI DAS ÁGUAS. Lei 9.433, de
decisão de alguns instrumentos de uma entre diversas outras ações políticas, na
08 de Janeiro de 1997. Disponível em:
política setorial e restrita? Queremos que o formulação, desenvolvimento e avaliação http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
CBH faça mais do que analisar instrumen- dos projetos que são comuns a todos. Essa LEIS/L9433.htm; acesso em 04 de maio
tos da gestão de recursos hídricos! Acredi- é uma forma de explicitar as diferenças, de 2011.
tamos que é possível que os Comitês, se- fazendo desvelar o sentimento de corres-
guindo com seu tempo e suas condições ponsabilidade de todos nos processos de SEPULVEDA, Rogério. Descentralização
limitadas, possam desenvolver autonomia, construção de um projeto público. participativa por meio dos subcomi-
partindo de um movimento social e de um Da mesma forma deve ser enten- tês na bacia hidrográfica do rio das
Velhas/Brasil. VI Fórum Mundial das
forte imaginário na mente dos sujeitos. O dimento do Estado que a democracia parte
Águas. Marselha/França, fev. 2012.
Comitê tem de ir além de suas capacidades também da construção de condições para
normativas e jurídicas para efetivar uma a participação coletiva. Uma relação que
10 sustentabilidade Manuelzão • 07.2015
A relação predatória
produz euforias o falso discurso
consumistas
inconsequentes
da sustentabilidade
Anônimo, 1780; coleção j.f. almeida prado ieb/usp
pROCÓPIO DE CASTRO
Pres. do Instituto Guaicuy
promoveu desvios de cursos d’água para A escassez da água zer uso. Esta é a mentalidade mais perver-
lavagem de barrancas auríferas, assore- A nossa forma de agir construiu um mode- sa no modo que lidamos com a água, pois
ando os rios, segundo o geólogo alemão lo civilizatório que claramente conduz a es- transfere aos outros o prejuízo da nossa
Barão de Eschewege: “Revolvendo-se fre- cassez deste líquido precioso, seja por con- inconsciência. O resultado é que rios que
quentemente as cabeceiras dos rios, estas duzir à sua falta, seja por contaminá-la. Isto poderiam ser fonte de vida se tornam em
se carregam cada vez mais de lama, a qual se reflete claramente na expressão “tempo locais evitados, malcheirosos, perigosa-
se foi depositando sobre a camada rica, bom” que significa sol de rachar. Esta ex- mente poluídos: rios mortos produtores
alcançando de ano para ano maior espes- pressão reflete nossa cultura de expulsão de doenças e mortes. Rios que para serem
sura, tal como vinte, trinta e até mesmo da água praticada na impermeabilização provedores de água para consumo huma-
cinquenta palmos. Por este motivo, as di- dos quintais, na eficiência dos sistemas de no e industrial necessitam de tratamento
ficuldades tornaram-se tão grandes, que drenagem, nas retificações dos rios, na des- cada vez mais caros e na natureza produ-
não se pode mais atingir o cascalho vir- truição dos sistemas naturais de absorção, zem a escassez de vida, pois ela não têm
gem.” (Eschwege, 1833, p. 168) apud Gue- como os alagadiços e matas ciliares. como reagir. O produto final é a mortanda-
des. O assoreamento histórico, por causas Depois que a água desaparece de de peixes que nos faz lembrar o que diz
naturais e minerárias, atingem até 12 me- pensamos em soluções emergenciais da o lema do Projeto Manuelzão: “o destino
tros conforme estudos realizados na calha reservação, sem praticar a recuperação dos do peixe anuncia o nosso”.
do rio do Velhas por Giovana Parizzi et al sistemas naturais produtores de água. Uma Temos que mudar este paradigma
(2011) : “Geofísica e sedimentologia aplica- floresta absorve a água da chuva e a libera ou nunca produziremos sustentabilidade e
das à avaliação do grau de assoreamento lentamente por longos períodos. Em nos- nossa herança para as próximas gerações
de trecho do Rio das Velhas em Rio Acima, sas cidades impermeabilizadas a absorção será apenas a escassez. u
Minas Gerais”. é muito baixa e a água é liberada com mui-
Este mesmo modelo extrativista ta rapidez.
adotado pela mineração do ferro e outros
minerais, resulta em imensos passivos que Comparação rural e urbano REFERÊNCIAs
extrapolam a área das minas. Um modelo No campo á água é absorvida pela vege-
relegado ao extrativismo sem preocupa- tação e pelo solo e demora para escoar en- WARMING, Eugênius. Lagoa Santa: a Vegetação
ções em se desenvolver as fases sequen- quanto na cidade impermeabilizada ela se dos Cerrados brasileiro por Ferri, Mario G. Belo
Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da USP, 1973.
ciais dos processos produtivos em que esvai rapidamente provocando enchentes e
outros valores são agregados aos produtos outros problemas. GUEDES, Valdir Lamim. Uma análise históri-
finais por adição de tecnologia. O Rio das Culturalmente viramos as costas co-ambiental da região de Ouro Preto pelo
Velhas é testemunha dos assoreamentos, relato de naturalistas viajantes do século XIX.
para o rio e nele jogamos nossos dejetos Disponível em: https://naraiz.wordpress.
das contaminações químicas, dos desma- humanos e industriais como sendo a coisa com/2010/11/05/uma-analise-historico-am-
tamentos, dos passivos históricos de ca- mais normal a se fazer. Realmente o rio tem biental-da-regiao-de-ouro-preto-pelo-rela-
vas não recuperadas e do esgotamento de capacidade de depuração, mas esta nunca to-de-naturalistas-viajantes-do-seculo-xix/.
Acessado em 12-06-2015
recursos e de insegurança de um futuro foi sua função, que é prioritariamente a de
incerto para quando o mineral acabar. O fornecer base de vida para todos os seres M.G. Parizzi, et al. / Geofísica e sedimentologia
resultado desta cultura predatória nos di- vivos. Quando o usamos para limpar nossa aplicadas à avaliação do grau de assoreamento
reciona para sermos gestores da escassez de trecho do Rio das Velhas em Rio Acima, Mi-
sujeira o estamos poluindo e prejudicando nas Gerais - Geonomos, 19(2), 152-162, 2011.
que o modelo produz. a todos os que dele ainda necessitarão fa-
10 a 80 a 40 a 50 a 90 a 0a
20% 90% 50% 60% 100% 10%
12 água e cultura Manuelzão • 07.2015
por uma
CULTURA
da ÁGUA
Há diferentes culturas da água e diferentes formas de reflexão a
respeito desse recurso. Estas culturas são povoadas por discursos
que são de uma só vez manifestações estruturantes, reguladoras
e instrutivas de ações. A cultura não é uma, mas multifacetada e
variada quanto a própria humanidade.
Renato Crispiniano
Repórter
A
água é inseparável do fenômeno ral à água, ela faz um paralelo e revela os o mau cheiro (a Lagoa da Pampulha, por
da vida. É um recurso que com- simbolismos destes termos na história. Os exemplo), o desvio de seus cursos, a des-
partilhamos com o resto dos seres egípcios estabeleceram uma rica civiliza- truição das matas ciliares, mudança de co-
vivos. Do ponto de vista antropo- ção às margens do Rio Nilo. “O rio favo- loração, incapacidade de uso original de
cêntrico, a importância da água na receu a produtividade da terra e serviu de seus recursos (por exemplo, o Rio Tietê e
vida se reflete de muitas formas e enten- acesso às fontes de matérias primas”. o Rio Iguaçu)”, disse.
der que isto é fundamental para conseguir A professora do Departamento
uma gestão adequada deste recurso é pri- Há uma escassez de cultura? de Antropologia e coordenadora do Ges-
mordial para se caracterizar uma cultura Atualmente muito se fala em escassez de ta (Grupo de Estudos em Temáticas Am-
da água. cultura, seja no que se concerne a palavra, bientais)/UFMG, Andrea Zhouri, também
“Cultura pode ser entendida como um conjunto de características hu- considera que não há escassez de cultu-
como sendo um conjunto de característi- manas, ou num contexto social e econô- ra, mas uma despolitização da sociedade.
cas humanas que não são inatas, ou seja, mico. Para Fernanda Matos, não há uma “A ideia de escassez é própria da cultura
não nascem com os indivíduos”, afirma a escassez cultural, pois cada cultura é o ocidental, que pensa a natureza fora como
professora doutora em Administração e resultado de evolução histórica e sua rela- algo que é delimitado. Há na verdade um
Mestre em Turismo e Meio Ambiente, Fer- ção com outras culturas. “Nesse sentido, a problema e ele é político. Há uma escassez
nanda Matos. Para ela, essas característi- cultura é o meio de adaptação do homem política, vivemos na verdade uma crise de
cas culturais se desenvolvem, preservam aos diferentes ambientes. Existem dois má distribuição do poder na sociedade.
ou aprimoram através da comunicação e tipos de mudança cultural: interna, que Pequenos grupos têm o poder de definir
cooperação entre indivíduos em socieda- resulta da dinâmica do próprio sistema como as coisas devem ser para a maioria.
de, associada a uma capacidade de simbo- cultural. Esta mudança é lenta; porém, o O poder está mal distribuído e com ele,
lização considerada própria da vida coleti- ritmo pode ser alterado por eventos histó- o meio ambiente também”, afirma ao res-
va. ricos, como catástrofe ou uma grande ino- saltar que: “cultura não é sabedoria, não é
Portanto, como explica, a cultu- vação tecnológica. E a mudança externa, informação e nem acesso a determinado
ra é fortemente influenciada por seu am- que é resultado do contato de um sistema atendimento. Ela é uma forma de ser no
biente. “Assim, as condições geográficas cultural com outro. Esta mudança é mais mundo. É a introdução do ser no mundo,
influenciam toda a cultura de seus habi- rápida e brusca”, esclarece. são formas de existir no mundo”.
tantes. Onde a cultura determina o meio “Os rios favoreceram o desen- “È preciso resgatar a política em
ambiente, e, também é determinada por volvimento urbano e agrícola, mas esse todos os níveis. E isso significa abrir o de-
ele, adaptando às condições externas im- crescimento tem ocasionado a ‘morte’ de bate à diferença de opiniões, incorporá-la,
portantes a fim de elevar a qualidade de vários deles, ao transformá-los em meio ouví-la e abrir espaços para o contraditó-
vida”, declara. de escoamento de esgoto. Os rios urbanos rio. A despolitização do debate ambiental
Ao relacionar a questão cultu- sofrem com a poluição, o assoreamento, de certa forma banil o dissenso, a oportu-
Manuelzão • 07.2015 água e cultura 13
ACERVO MANUELZÃO
O CONTRASTE ENTRE A CULTURA DE DEGRADAÇÃO DOS CÓRREGOS POLUÍDOS E AS NASCENTES LIMPAS: PRESERVAR É PRECISO
nidade do não. Fica um debate em torno conviver com a sazonalidade do ciclo da crença, fluidos medicamentosos são adi-
dos meios e esquecem os fins, sobre o que água. “Os ribeirinhos amazônicos e panta- cionados à água. Nas tradições afro-bra-
queremos da sociedade. Qual o projeto neiros vivem ao sabor das cheias e vazan- sileiras têm-se também elementos relacio-
político e modelo de sociedade querem tes, expandindo sua vida social durante o nados à água.
construir?”, acrescenta Zhouri. período de estiagem e restringindo-a du- Entre os usos múltiplos da água,
rante a subida das águas”, exemplifica Fer- o turismo depende de forma direta da
Ambiente geográfico e cultura nanda Matos ao destacar que ao percorrer existência de patrimônio hídrico com po-
“O ambiente não determina o tipo e o as cidades, pode-se perceber também a tencial cênico e paisagístico. No Brasil,
grau de cultura dos povos, mas limita ou incorporação da água como elemento na- parte significativa das localidades com
favorece o desenvolvimento de uma cul- tural ao ambiente construído pelo homem, atividades turísticas ou com potencial tu-
tura”, afirma Matos. Para ela, quanto mais como fontes (os chafarizes das cidades rístico - como é o caso da Serra do Gan-
uso e aproveitamento uma cultura faz do históricas mineiras, os monjolos e rodas darela, em Minas Gerais -, a água torna-se
meio geográfico, tanto mais dependente d’água), pontes, aquedutos, barragens, um atrativo. Nesse contexto, é relevante a
ela fica. Ou seja, o domínio do homem so- dentre outros que são partes do patrimô- articulação da gestão de recursos hídricos
bre a natureza o torna cada vez mais de- nio cultural; presentes também no paisa- com a gestão do patrimônio cultural.
pendente desses recursos. gismo com a valorização da paisagem dos
“Desempenhando um leque de espelhos d’água e lagos urbanos. conscientização cultural
funções, a água é utilizada para cultivo e Nas religiões, ela também des- Falar em cultura da escassez, numa época
produção de alimentos, como símbolo po- taca que o uso ritual da água segue um em que temos muitos caminhos e modos
lítico e cultural, bem como um local para ritmo de envolvimento crescente que de receber informações, é desafiador, por-
entretenimento, lazer e esportes. Ao longo vai desde a simples aspersão, até a total que vemos sempre no novo, possibilida-
da história da arte a água também aparece imersão. Para se livrarem do ciclo de reen- des diversas. Mas cultura não diz apenas
em esculturas, pinturas, objetos, além de carnações, os hindus mergulham nos rios do conjunto dos conhecimentos adqui-
música e literatura. A representação do ele- considerados sagrados, como o Ganges. ridos, mas do que é feito desse conheci-
mento aquático na arte ocorreu também Os judeus se purificam pelo banho ritual. mento e como ele pode transformar nos-
por meio de alegorias mitológicas, como Os muçulmanos lavam os pés, os braços e sas vidas.
os personagens Netuno, Narciso e as se- o rosto antes da oração. Do mesmo modo, A proposta é ir além e fazer com
reias”, argumenta Matos ao revelar que as o cristianismo incorporou, no sacramento que a identidade das manifestações cultu-
representações culturais das águas variam do batismo (presente também em outras rais possa contribuir para o entendimento
segundo as culturas, as religiões, o habitat denominações religiosas) o simbolismo de do processo da atual cultura de degrada-
em que se desenvolveram, sua maior ou regeneração que a água irradia, e o uso da ção e destruição por qual estamos passan-
menor disponibilidade e sazonalidade. água benta. No espiritismo tem-se o uso do, perdendo valores e criando outros que
As comunidades aprenderam a da água fluidificada, no qual, segundo a geralmente não consolidam um sentimen-
14 água e cultura Manuelzão • 07.2015
LILA GAUDÊNCIO
to de pertencimento. No entanto, é pre-
ciso despertar a conscientização cultural INTERVENÇão REALIZADa
das pessoas para a necessidade absoluta NO PARQUE MUNICPAL:
de uma política cultural, seja ela qual for, "GUARDA CHUVA"
como fruto do mais amplo debate, cuja
preparação todas as pessoas possam con-
tribuir sem dogmatismos.
Por isso, é importante sensibili-
zar criticamente as pessoas sujeitas a um
permanente processo de massificação e
procurar transformá-las em agentes ati-
vos da criação cultural, pois quando se fala
em cultura da escassez, não se quer dizer
cultura ‘popular’ ou ‘erudita’; a questão vai
além, remete a cultura do que falta, a cul-
tura da miséria de pensamentos e atitudes,
pois a escassez cultural se faz na falta de
conscientização e efetivação dos fazeres
locais.
Estamos nos acostumando a não
dialogar com nossa própria cultura e nos-
so saber local, por isso, é necessário uma
substancial democratização da cultura que
terá que ser inevitavelmente completada
pela descentralização das suas consequ-
ências, ou seja, uma cultura germinada,
apropriada por todos e que retrate o pro-
cesso cultural que se deu por diferentes
raças, povos, e interesses que forjaram um
processo diverso que ora resiste, ora justi-
fica essas ações de degradação.
A escassez não se esgota na cul-
tura enraizada, lógica, pontual, vivida, mas
também no ponto de vista social, quando
revela as mazelas da sociedade. Do ponto
de vista educacional, quando não há uma
educação de qualidade quando a popula-
ção não tem o mínimo necessário para se
satisfazer; ora fisiologicamente, ora ma-
terialmente. A hora de mudar é agora e o Alexsander sousa
movimento tem que ser o de alertar para a
necessidade de um esforço para descons-
truir uma cultura poluidora, consumidora
e que nos levou a escassez, pois a luta se
amplia e vai além da quantidade de água,
também se faz na qualidade consciente,
mostrada através de uma nova dimensão
cultural.
É necessário que haja um com-
promisso ético e esse passa pela constru-
ção de alternativas e exemplos práticos
em que as melhorias da qualidade de vida
se baseiem na recuperação e conservação
dos ecossistemas hídricos e não se limi-
tem apenas a ser compatíveis com eles.
Uma das chaves está em reconhecer e en-
tender que um rio é muito mais que um
canal de água, do mesmo modo que hoje
entendemos que um bosque é muito mais
que um armazém de madeira. A questão é
entender os valores sociais, culturais e de
identidade, tanto territorial como coletiva
da água. u Envolver a comunidade nas ações pró-meio ambiente
fortalece a conscientização política local
Manuelzão • 07.2015 ENTREVISTA 15
Foto: Alice Okawara
S diante dos desafios atuais, escassez de água. Isso para não dizer
como trabalhar uma nova outros resíduos. Ainda não sabemos
proposta de preservação calcular, por exemplo, o que significa a
ambiental? extinção de um bioma tão raro como
o campo rupestre sobre as cangas
Penso que hoje a mais danosa questão ferruginosas ou os raros trechos de
cultural brasileira seja não a da des- mata atlântica primaria que restaram
truição ambiental em si, mas a do des- em Minas Gerais e estão na Serra do
Bernardo puhler
conhecimento e depois a da omissão Gandarela. O que está evidente é o
Músico e Comunicólogo
perante o fato. Atualmente Belo Ho- impacto que representará a perda de
rizonte, com seus mais de 3 milhões um aquífero fundamental.
de habitantes, está ameaçada por um O Gandarela, o Fica Ficus, Salve
projeto de mineração irresponsável a Mata do Planalto e os Núcleos S O que representa a água para
(Projeto Apolo) que irá comprometer Manuelzão, em BH, são alguns a cultura de uma população?
gravemente seu abastecimento hídri- exemplos de mobilização popular.
co nos próximos anos. Tudo porque, Para o músico Bernardo puhler, um Desde cedo aprendemos na escola
em outubro do ano passado, foi criado dos coordenadores do Movimento que o Brasil é a maior reserva de água
um parque nacional na região da Ser- pela Serra do Gandarela, a mais doce do mundo. Esqueceram de fa-
ra do Gandarela que inexplicavelmen- danosa questão cultural brasileira lar, no entanto, que a maior parte da
te não contemplou locais de imensa talvez não seja a da destruição população brasileira não tem acesso
importância para a preservação de ambiental, mas o desconhecimento à abundância desse recurso, que veio
nascentes responsáveis por 70% do e a omissão do fato. sendo mal gerido pelos órgãos com-
abastecimento da cidade. Este cená- petentes. Penso que esse discurso de
rio catastrófico iminente não pertence nossas potencialidades tem certa cul-
ao diálogo cotidiano da maior parte Mato Dentro é a cidade com menor índice pa no comportamento irresponsável
daqueles que serão diretamente atin- de violência no Estado. Já Conceição está com o meio-ambiente que apresen-
gidos. Logo, a cultura da destruição regularmente no noticiário do crime, algo tamos. Trazemos ainda a herança do
ambiental, por parte de segmentos da inacreditável para uma cidade com menos índio e sua relação plena com a natu-
sociedade, sequer é percebida. Então de 10 mil habitantes na zona urbana que reza. O índio tomava 3 banhos por dia,
a função principal do Movimento é a era considerada até há pouco tempo a ca- no rio, e tais reflexos podem ser vistos
difusão deste conhecimento e suas pital mineira do ecoturismo. na sociedade moderna. Mas o índio
implicações. Basicamente sensibilizar não destruía seu habitat e nem joga-
para mobilizar. S O que estaria levando as va esgoto em cursos d`água. A maior
pessoas a essa cultura? parte dos brasileiros hoje tem grande
S Há atualmente uma cultura zêlo com a higiene pessoal, mas não
da escassez? Por quê? Fundamentalmente dois pontos protago- tem mais contato direto e diário com a
nizam na construção desse perfil: primei- água, a não ser a que saí das torneiras.
A gestão dos recursos naturais de for- ro o estímulo ao consumo inconsciente e Não tem mais os rios pra se banhar
ma sustentável exige tempo e esforço depois fragilidade do sistema educacional quando quiser. É esse o ponto onde a
de todos os setores, sejam eles públi- de base. Os dois partidos que dominam adaptação ao meio se deu de manei-
cos ou privados. A urgência dos inte- a política brasileira permanecem alheios à ra equivocada e a água deixou de ter
resses de grandes corporações num questão ambiental. Há uma disputa pelos o valor que sempre teve em qualquer
país emergente, claramente vulnerá- números de crescimento do poder de con- cultura no mundo.
vel à imposição do capital, implica no sumo. Fulano comemora que a classe X já
atropelamento dos melhores procedi- pode comprar TV 40 polegadas, mas se es- S O movimento acredita na
mentos. A esse quadro se soma o tão quece que as questões básicas de cidada- transformação cultural pela
falado enraizamento da corrupção na nia continuam inacessíveis. Não há saúde, mudança da realidade?
sociedade e o resultado é a ruptura do segurança e principalmente educação de
compromisso social a longo prazo. Vi- qualidade. Se houve um reposicionamento Achamos que a transformação a par-
vemos, antes de todas essas precarie- de receita para uma parcela da sociedade tir da cultura é potencialmente uma
dades, a escassez moral, das empresas não existiu uma condução deste processo, ferramenta poderosa, de acesso ao
e do poder público principalmente. orientando este novo fator. Veja, por exem- coração e à sensibilidade das pesso-
Conceder licenciamentos para de- plo, o constante estímulo à indústria auto- as. E, por mais que isso pareça ingê-
terminados empreendimentos pode mobilística com todo seu lobby criminoso nuo, ainda acreditamos que este é o
ser o atestado de óbito de todo um que atingiu estratégias de desenvolvimen- melhor caminho. Não podemos crer
contexto cultural. Estamos assistindo to brasileiro ao longo das últimas décadas que as pessoas só irão se movimentar
isso acontecer em Conceição do Mato e, paralelamente, políticas de transporte quando não houver mais uma gota de
Dentro, por exemplo, onde a implan- público e/ou alternativo totalmente in- água na torneira. Até por que as pos-
tação de uma mina e mineroduto mo- cipientes. Os governos permanecem de sibilidades reais de mudar a grave si-
dificou de maneira brusca a qualidade mãos dadas com a indústria automobilísti- tuação atual estão no “agora”, porque
de vida na cidade. Observe o contras- ca e as mineradoras. Enquanto isso, as cida- qualquer minuto adiante já pode ser
te: a menos de 60 km dali, Itambé do des têm graves problemas de mobilidade e tarde demais. u
16 REVITALIZAÇÃO Manuelzão • 07.2015
Carlos m. teixeira
Jardins, praças e cinema sobre o rio arrudas piscina filtrante no rio hudson em nova york
Manuelzão • 07.2015 REVITALIZAÇÃO 17
nascentes ou
Luiz I no Porto, em Portugal), mas também fato, com calçadas mais largas, árvores que
o fato de que nossas pontes mais ambicio- justifiquem sua alcunha e um tratamento
sas são de uma escala intimidante para não ambiental ambicioso que vai da Praça da
'morrentes'?
dizer acachapante: a ponte mais famosa do Estação ao Corredor Verde. Nesta perspec-
Brasil é a Rio-Niterói... tiva, a Avenida Andradas deixa de ser uma
Além de uma conexão Centro-La- via de oito pistas para se transformar num
goinha mais generosa que a pinguela de calçadão capaz de recriar um vale verde
pedestres atual, é preciso construírmos vá- Centro-Leste.
rias outras: uma primeira ligando o circuito A infraestrutura do canal existente Nas últimas décadas, o des-
da praça Floriano Peixoto à praça Duque de deve passar a ser vista com um olhar me- matamento de encostas, das matas
Caxias em Santa Tereza, outra como con- nos funcionalista e um pouco mais poético. ciliares e o uso inadequado dos so-
tinuação da rua Sapucaí e rua Itambé na As centenas de vigas de concreto sobre o los tem contribuído para a diminui-
Floresta até o Parque Municipal, uma outra Arrudas não estão a espera de novas pistas ção dos volumes e da qualidade da
na Avenida Bernardo Monteiro – todas co- de rolagem (como o foram no retrógrado água, um bem natural insubstituível
laborando para que a infraestrutura urbana Boulevard Arrudas): são vazios expectantes na vida do ser humano. Os cuidados
se transforme para prover identidade e no- onde estão os melhores futuros da cidade. devem se iniciar com a preservação
vos marcos visuais a estes bairros. Já há a Praia da Estação; agora imaginemos das nascentes, pois, são as origens
a praia sobre o rio: o leito do Arrudas como dos rios. Elas são manifestações su-
Um Parque Linear um vazio urbano a espera de jardins ele- perficiais de água armazenadas em
E sob essas passarelas, não um trânsito de vados, cinemas ao ar livre, shows musicais, reservatórios subterrâneos, chama-
passagem, mas um parque linear ao longo atividades cívicas inusitadas. dos de aquíferos ou lençóis, que dão
de um canal com seções de diferentes ti- Quimeras? Enquanto Belo Hori- início a pequenos cursos d’água, que
pos e com novas encostas verdes, quadras zonte duplica a avenida Andradas, outras formam os córregos, se juntando
esportivas, escadarias, jardins verticais e cidades estão redescobrindo seus rios. para originar os riachos e dessa for-
diversos equipamentos para a prática de Aquelas vigas, elemento molesto concebi- ma surgem os rios.
esportes – todos conformando um futuro do por uma engenharia de trânsito caduca, Para a conservação de nas-
Corredor Verde Centro-Leste. Sendo uma podem ser ressignificadas como elemento centes e mananciais em proprieda-
das raríssimas regiões planas de BH, este propulsor de novos espaços públicos e de des rurais, podem ser adotadas algu-
corredor vai funcionar também como item uma nova relação com o Centro e com o mas medidas de proteção do solo e
fundamental da rede de ciclovias que está rio. E assim uma cidade de festas e de cele- da vegetação, que vão desde a elimi-
sendo implantada, definindo uma nova brações poderá reativá-lo: o Arrudas como nação das práticas de queimadas até
infraestrutura de mobilidade e desempe- evento, como um campo ativo capaz de ca- o enriquecimento das matas nativas.
nhando papel importante num urbanismo talisar uma ampla gama de atividades fixas “A água é um recurso valioso nas áre-
agora pensado para a experiência daqueles e transitórias, públicas e privadas, lúdicas e as rurais e por isso precisamos cuidar
que mais fazem uso da cidade: o pedestre de lazer, possibilitando diferentes arranjos para que sejam sempre limpas e vi-
e o usuário de transporte coletivo. e assumindo as mais diversas facetas. u vas”, comenta Odilon Lima, produtor
rural da região de Acurui, em Itabiri-
to.
Para ele, perceber que a
água é um bem vital e que pode de-
terminar a cultura de um local é fun-
Prefeitos assinam por damental para que haja mais pesso-
as dispostas a conviver em sintonia
RENATO CRISPINIANO
Repórter
Serviço
O Parque Ecológico de
Itabirito se localiza à
Avenida Queiroz Júnior,
1510, e funciona de terça
a domingo e feriados de
7h às 22h.
20 festivelhas 2015 ARTE E CULTURA NA BACIA DO RIO DAS VELHAS Manuelzão • 07.2015
FestiVelhas é o Festival Cultu- desfigurando suas características naturais e “FestiVelhas 2009” foi itinerante, e aconte-
ral da Bacia do Rio das Velhas, idealizado o modo de vida dos povos que habitam a ceu durante a expedição de 2009 pelo Rio
pelo Projeto Manuelzão UFMG a partir da região. A cultura é parte fundamental do das Velhas, com o objetivo de sensibilizar
expedição de 2003 que percorreu toda a Projeto Manuelzão que, desde seu surgi- todas as comunidades da bacia para a pro-
extensão do rio. Além da riqueza em biodi- mento, anunciou que a revitalização da posta de revitalização da Meta 2010.
versidade, esse rio alimenta uma corrente- bacia do Rio das Velhas depende da cons- A edição do evento em Belo Hori-
za cultural que compartilha o seu destino. trução de novos imaginários. O objetivo é zonte, no ano de 2011, focou no teatro do
Entretanto, como consequência da degra- fazer da cultura o motor da mudança de “absurdo” as ações antrópicas insustentá-
dação das águas, muitas espécies da fauna mentalidade que se transforme em ação. veis movidas por um modelo econômico
e da flora começaram a desaparecer e, com Graças à expedição, surgiu a ideia de sem preocupação com a gestão ambiental.
elas, várias manifestações culturais. organizar um movimento cultural que con- Passada a Meta 2010-2014 é necessário
Cada dia fica mais difícil pescar vocasse as populações ribeirinhas a se ma- estabelecer novos rumos e metas a serem
um dourado, um pacu, descansar à sombra nifestarem usando a arte como linguagem. alcançadas.
de um jequitibá, ver um beija-flor gravata E deu certo. Centenas de artistas, escritores, A nova edição do Festivelhas 2015,
verde, um canarinho chapinha, um trinca- dançarinos, violeiros, contadores de histó- em Itabirito, tem como objetivo resgatar
ferro, ou ouvir um violeiro tocar uma moda rias, homens e mulheres de toda a bacia o movimento sociocultural da bacia, inte-
de viola. As lavadeiras não cantam, nem la- reuniram-se no “FestiVelhas Manuelzão em grando povos e pensamentos através da
vam; os barcos não navegam, a biodiversi- Morro da Garça”, em 2005, que procurou arte e cultura na busca da transformação
dade morre por não ter água limpa. demonstrar a diversidade cultural da bacia da mentalidade em tempo de escassez hí-
Desde o início, o Projeto Manuel- no “FestiVelhas Jequitibá 2007” fortale- drica. O FestiVelhas Itabirito é uma realiza-
zão se empenhou em mudar esse paradig- cemos os debates e procuramos sinalizar ção do Projeto Manuelzão em parceria com
ma de progresso sem conservação, que a riqueza do passado através do folclore a prefeitura de local e o Comitê de bacia do
aniquila as veredas e a fauna das Gerais, presente em todas as regiões da bacia. Já o Rio das Velhas. u
Manuelzão • 07.2015 festivelhas 2015 ARTE E CULTURA NA BACIA DO RIO DAS VELHAS 21
Soneto da Meditação
aCERVO mANUELZÃO