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Artigo Original Reprodutibilidade da classificação ultra-sonográfica de Niamey

REPRODUTIBILIDADE DA CLASSIFICAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA


DE NIAMEY NA AVALIAÇÃO DA FIBROSE PERIPORTAL
NA ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA*
Germana Titonelli Santos1, Danilo Moulin Sales2, Alberto Ribeiro de Souza Leão2,
José Eduardo Mourão Santos3, Luciane Aparecida Kopke de Aguiar4, Paulo Eugênio Brant4,
David Carlos Shigueoka5, Ramiro Colleoni Neto6, Giuseppe D’Ippolito7

Resumo OBJETIVO: Medir a concordância intra- e interobservador da classificação ultra-sonográfica qualitativa para
graduar a fibrose periportal adotada no encontro de Niamey em 1996. MATERIAIS E MÉTODOS: No período
de fevereiro de 2005 a março de 2006 foi realizado estudo prospectivo, observacional e transversal em 30
pacientes esquistossomóticos, sem outras hepatopatias associadas, submetidos a ultra-sonografia abdomi-
nal e classificados segundo os critérios de Niamey. Os exames foram realizados por dois radiologistas de
forma independente em diferentes momentos: durante o exame dinâmico (primeiro momento) e 30 e 90 dias
depois (segundo e terceiro momentos) do exame, por meio da documentação fotográfica analisada em es-
tação de trabalho. A concordância intra- e interobservador foi avaliada pelo teste kappa. RESULTADOS: A
concordância intra-observador medida pelo teste kappa foi 0,43 para o observador 1 e 0,57 para o observa-
dor 2. A concordância interobservador durante o estudo dinâmico e na avaliação fotográfica foi, respectiva-
mente, de 0,46 e 0,71. CONCLUSÃO: O uso do ultra-som para classificar a fibrose periportal segundo o
protocolo de Niamey apresentou uma reprodutibilidade que variou de moderada a substancial.
Unitermos: Ultra-sonografia; Reprodutibilidade dos testes; Fibrose; Esquistossomose.

Abstract Reproducibility of ultrasonography in the assessment of periportal fibrosis according to Niamey criteria in
patients with schistosomiasis mansoni.
OBJECTIVE: To determine the intra- and interobserver agreement in the classification of periportal fibrosis,
according to the criteria defined at the Niamey Workshop of 1996. MATERIALS AND METHODS: A pro-
spective, observational and transverse study was developed in the period between February, 2005 and March,
2006, in 30 schistosomal patients with no other hepatic findings associated, submitted to abdominal ultra-
sound. Ultrasonographic studies were independently performed and reviewed by two radiologists at three
different moments: the dynamic examination itself (first moment), 30 and 90 days later (second and third
moments), by means of the images review performed in a workstation. Intra- and interobserver agreement
was evaluated by means of the kappa test. RESULTS: Intraobserver agreement was 0.43 for the first, and
0.57 for the second observer. Interobserver agreement as regards the dynamic examination and images review
was respectively 0.46 and 0.71. CONCLUSION: Ultrasonography demonstrated moderate to substantial
reproducibility in the classification of periportal fibrosis according to the Niamey criteria.
Keywords: Ultrasonography; Reproducibility of results; Fibrosis; Schistosomiasis.

* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por INTRODUÇÃO da extensão, evolução e possível regressão
Imagem e nas Disciplinas de Gastroenterologia Clínica e Cirúr-
gica da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de
da doença após seu tratamento(2). Homeida
Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. A fibrose periportal e a esplenomegalia et al., em 1989, demonstraram que o espes-
1. Médica Especializanda do Departamento de Diagnóstico por
Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista
são as causas da hipertensão portal, que é samento periportal detectado na US se cor-
de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. a maior responsável pela morbidade e mor- relaciona com a fibrose periportal encon-
2. Médicos Pós-graduandos do Departamento de Diagnóstico
por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Pau- talidade da infecção causada pelo Schisto- trada nas biópsias em 100% dos casos(1).
lista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. soma mansoni(1). A progressão da doença A fibrose periportal se correlaciona di-
3. Mestre em Radiologia Clínica pela Universidade Federal de
São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, é clinicamente insidiosa e silenciosa. A retamente com as condições clínicas e os
SP, Brasil. ultra-sonografia (US) permite a avaliação riscos de complicação pela doença. A he-
4. Médicos Pós-graduandos do Departamento de Gastroen-
terologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista matêmese, a escleroterapia, a transfusão
de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. sanguínea e o edema de membros inferio-
5. Doutor em Radiologia Clínica, Médico do Departamento de gem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de
Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/ Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. res ocorrem, com freqüência mais elevada,
Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Bra- Endereço para correspondência: Prof. Dr. Giuseppe D’Ippolito.
sil.
em pacientes com espessamento periportal
Rua Professor Filadelfo Azevedo, 617, ap. 61, Vila Nova Con-
6. Professor Afiliado da Disciplina de Gastroenterologia Cirúr- ceição. São Paulo, SP, Brasil, 04508-011. E-mail: scoposl@uol. maior. Outros parâmetros relacionados
gica da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de com.br
Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil.
com a intensidade da fibrose periportal são
Recebido para publicação em 13/4/2007. Aceito, após revi-
7. Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Ima- são, em 18/5/2007. a esplenomegalia, os calibres da veia porta

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Santos GT et al.

e da veia esplênica, a presença de circula- 2005 e março de 2006, em 30 pacientes pro- Os resultados dos exames não foram
ção colateral e o número e tamanho das va- venientes do ambulatório de esquistosso- intencionalmente discutidos entre os exa-
rizes esofágicas vistas na endoscopia(3). mose da Disciplina de Gastroenterologia da minadores durante o estudo. Os exames
As características ultra-sonográficas da Universidade Federal de São Paulo/Escola foram executados segundo a padronização
esquistossomose foram descritas em várias Paulista de Medicina (Unifesp/EPM) e sub- ultra-sonográfica proposta pelo Niamey
áreas endêmicas, como no Brasil(4), no Su- metidos a US no Departamento de Diagnós- Working Group e que consiste em sete cor-
dão(1) e no Egito(3). Nesses estudos foram tico por Imagem desta Instituição. Estuda- tes padrões: três longitudinais (paraesternal
usadas diferentes metodologias para ava- mos 16 homens e 14 mulheres, com idade esquerdo, medioclavicular direito e axilar
liar a fibrose periportal, fazendo com que variando entre 23 e 59 anos (média de 39,5 anterior direito), subesternal transverso,
os dados obtidos não pudessem ser compa- anos). O grupo consistia de pacientes com subcostal trans-hepático, oblíquo direito e
rados entre si. Uma padronização dos pro- esquistossomose na forma hepatoesplênica, intercostal oblíquo direito(6).
tocolos foi então desenvolvida e publicada sem outras hepatopatias associadas.
pelo Cairo Working Group em 1992, com Os critérios de inclusão foram: pacien- Análise das imagens
o objetivo de padronizar a avaliação ultra- tes acima de 18 anos de idade, com diag- A fibrose periportal foi classificada pelo
sonográfica, classificar os doentes, avaliar nóstico de esquistossomose obtido por método qualitativo descrito no encontro de
a sua evolução e permitir comparações meio de biópsia retal ou por forte evidên- Niamey(6). Os resultados obtidos foram
entre diversos centros de estudo(5). Este cia clínico-laboratorial (sinais de hiperten- comparados com os padrões de A a F (Qua-
protocolo foi revisto em Niamey(6), quando são portal e/ou exame parasitológico de dro 1; Figuras 1 a 5).
foi adicionada uma análise qualitativa para fezes positivo) e história epidemiológica Os exames foram realizados de forma
graduar a fibrose periportal; dessa forma, positiva (contato com água de rios e lagoas independente pelos dois radiologistas e a
a avaliação ultra-sonográfica da fibrose pe- em área endêmica). classificação foi definida em diferentes
riportal em pacientes esquistossomóticos Os critérios de exclusão foram: antece- momentos: a) durante o exame dinâmico
foi composta por uma graduação subjetiva dente de etilismo (ingestão maior que 160 (denominado momento 1); b) 30 dias após
(análise qualitativa, comparando-se o fíga- g de etanol por semana), sorologia para o exame dinâmico, ou seja, apenas pela
do examinado com determinados padrões hepatite B ou C positivas, doença auto- análise do registro fotográfico obtido no
de acometimento pela fibrose periportal) e imune que possa cursar com hepatite e uso momento 1 (denominado momento 2); c)
objetiva (análise quantitativa, medindo-se conhecido de drogas hepatotóxicas. 90 dias depois do exame dinâmico, também
a espessura da fibrose periportal). O projeto foi aprovado pelo Comitê de pela análise do registro fotográfico (deno-
Apesar das suas inegáveis vantagens, a Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo. minado momento 3).
US é um método reconhecidamente opera- A concordância inter e intra-observador
dor-dependente e que, aliado ao fato de os Técnica de ultra-sonografia foi avaliada por meio do teste kappa. Con-
critérios adotados para a classificação da fi- Utilizamos equipamento de ultra-som sideramos concordância insignificante para
brose periportal serem bastante subjetivos, da marca Philips (Philips Medical System kappa entre 0 e 0,2; concordância mediana
pode levar a uma baixa reprodutibilidade do Brasil), modelo EnVisor, equipado com para kappa entre 0,21 e 0,4; concordância
na graduação da fibrose, comprometendo transdutor convexo multifreqüencial. moderada para kappa entre 0,41 e 0,6; con-
a utilidade da classificação de Niamey. Os exames foram realizados por dois cordância substancial para kappa entre 0,61
Dois trabalhos foram publicados de- radiologistas — um com seis anos (obser- e 0,8; e concordância quase perfeita para
monstrando a variabilidade interobserva- vador 1) e outro com dois anos (observa- kappa entre 0,81 e 1,0(8).
dor na graduação da fibrose periportal se- dor 2) de experiência após a conclusão da
gundo os critérios do Cairo e segundo cri- residência médica em diagnóstico por ima- RESULTADOS
térios específicos para crianças(7). No en- gem e familiarizados com a graduação da
tanto, na nossa revisão da literatura, não fibrose periportal segundo o protocolo de Os 30 pacientes foram classificados
encontramos nenhum trabalho que medisse Niamey. pelos dois examinadores como padrão C,
a reprodutibilidade da US utilizando a clas-
sificação de Niamey. Quadro 1 Padrões do parênquima hepático, segundo a classificação de Niamey.
Portanto, o objetivo deste trabalho foi
Padrão Imagem ultra-sonográfica
estudar a concordância intra- e interobser-
vador da classificação ultra-sonográfica A Normal.
qualitativa para graduar a fibrose peripor- B Céu estrelado (focos ecogênicos difusos).
tal, adotada no encontro de Niamey. C Ecos anelares e em haste de cachimbo.
D Hiperecogenicidade junto à bifurcação portal.
E Focos altamente ecogênicos se estendendo dos vasos portais para o parênquima.
MATERIAIS E MÉTODOS
F Bandas altamente ecogênicas se estendendo para a periferia do fígado e retraindo o
Realizamos estudo prospectivo, trans- parênquima subjacente.

versal e observacional, entre fevereiro de Fonte: Niamey Working Group 2000(6).

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Figura 1. Padrão B. Padrão em céu estrelado (focos hiperecóicos esparsos no parênquima hepático). (Figura 1A retirada de Niamey Working Group 2000(6)).

D, E ou F; nenhum foi classificado como


padrão A ou B de fibrose hepática.
Os resultados da análise dos 30 pacien-
tes avaliados pelos examinadores 1 e 2 en-
contram-se na Tabela 1. Nota-se tendência
do observador 2 em superestimar a fibrose
periportal em relação ao observador 1.

Tabela 1 Distribuição dos 30 pacientes com es-


quistossomose mansônica, segundo os padrões de
fibrose do protocolo de Niamey, para os observa-
Figura 2. Padrão C. Fibrose de ramos portais intraparenquimatosos poupando a região central, apre- dores 1 e 2 durante o exame dinâmico.
sentando-se como anéis (corte transversal do vaso) e “hastes de cachimbo” (corte longitudinal). (Figura
Padrões de fibrose
2A retirada de Niamey Working Group 2000(6)).
Observador C D E F Total

1 1 4 13 12 30
2 1 2 14 13 30

A concordância interobservador do es-


tudo dinâmico, medida pelo teste kappa, foi
de 0,46 (concordância moderada), e a da do-
cumentação fotográfica (comparação dos
exames realizados no segundo e terceiro
momentos) foi de 0,71 (concordância subs-
tancial) (Tabela 2).
Figura 3. Padrão D. Bandas de fibrose junto à porta e seus ramos principais e região perivesicular. (Fi- O cálculo da concordância intra-obser-
gura 3A retirada de Niamey Working Group 2000(6)). vador na avaliação dos exames estáticos
(momentos 2 e 3) obteve kappa de 1,0 para
ambos os observadores (concordância per-
feita). Por outro lado, ao compararmos a
análise dos exames dinâmico (momento 1)
e estático (momento 2), obtivemos concor-
dância intra-observador que variou entre
0,43 e 0,57 (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Desde que foi instituído o tratamento


com drogas apropriadas, observou-se sen-
Figura 4. Padrão E. Padrão focal em placas, com predomínio central, insinuando-se para o parênquima, sível redução das formas graves da esquis-
sem atingir a superfície hepática. (Figura 4A retirada de Niamey Working Group 2000(6)). tossomose(9), tornando mais freqüentes as

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Figura 5. Padrão F. Padrão em garra de pássaro. Bandas e placas de fibrose estendendo-se até a periferia do fígado, com retração dos contornos, não sendo
consideradas as fissuras hepáticas. (Figura 5A retirada de Niamey Working Group 2000(6)).

Tabela 2 Concordância interobservador para o momento 1 (durante o exame dinâmico) e para os tes foram classificados como grau II e ne-
momentos 2 e 3 (30 e 90 dias depois do exame). nhum paciente foi classificado como grau
Casos concordantes III. Apesar da boa concordância obtida, é
importante observar que os pacientes foram
Momento C D E F Concordância Kappa
categorizados apenas em três grupos (ao
1 1 1 8 10 66,6% 0,46 contrário dos critérios de Niamey, em que
2 1 1 10 13 83,3% 0,71 se classificam os pacientes em seis grupos).
3 1 1 10 13 83,3% 0,71 Nesse estudo foi utilizado equipamento
portátil de baixa resolução (e que pode ter
dificultado a análise das imagens), e os
Tabela 3 Concordância intra-observador (exame dinâmico × registro fotográfico estático). autores não mencionam a experiência dos
Casos concordantes examinadores envolvidos no estudo.
Thomas et al., em 1997, estudaram a
Observador C D E F Concordância Kappa
variabilidade interobservador da US utili-
1 1 2 9 9 70,0% 0,57 zando o método do Cairo. A variação en-
2 1 1 7 11 66,6% 0,43 contrada foi considerável. Para o primeiro
observador, 31% (84/268) tinham espessa-
mento periportal, e para o segundo, 79%
formas brandas de apresentação da doença. da reprodutibilidade inter e intra-observa- (200/253) tinham espessamento periportal.
Dessa forma, o exame clínico passou a ser dor. Neste sentido, existem poucos traba- Nesse estudo, apenas dois pacientes, de
insuficiente para diagnosticar a esquistos- lhos na literatura que se propuseram a es- acordo com o primeiro observador, e qua-
somose nas áreas endêmicas, sendo neces- tabelecer a reprodutibilidade da US na ava- tro pacientes, para o segundo observador,
sários exames subsidiários para confirmar liação da fibrose periportal em pacientes eram grau II, e nenhum apresentava o grau
o diagnóstico e, principalmente, avaliar a esquistossomóticos. III de fibrose periportal(2).
resposta ao tratamento(10). Neste sentido, a Doehring-Schwerdtfeger et al. desen- Maharaj et al., em 1988, estudaram a
US tem sido largamente utilizada(3,4). volveram, em 1992, um trabalho sobre va- acurácia da US no diagnóstico de doenças
Uma das primeiras classificações ultra- riabilidade interobservador, usando uma hepática focais e difusas incluindo a es-
sonográficas da fibrose periportal foi des- classificação em três níveis(13) e anterior- quistossomose. A sensibilidade e a especi-
crita por Homeida et al. em 1988, que esta- mente detalhada em outro artigo do mesmo ficidade do diagnóstico ultra-sonográfico
beleceram uma classificação de espessa- grupo(7), e aplicada em crianças esquistos- foi menor nas doenças hepáticas difusas
mento periportal, em seguida utilizada por somóticas sudanesas. Os autores observa- do que nas focais. A reprodutibilidade in-
outros autores(1). Um sistema padrão para ram concordância entre os examinadores terobservador só foi analisada nas doenças
ser usado em crianças foi proposto por em 38 dos 49 casos estudados (77,5%). Em focais e mostrou concordância de 77%(14).
Doehring-Schwerdtfeger et al. em 1989(7). 10 casos os observadores foram discordan- Na nossa revisão da literatura não foi
Posteriormente, uma padronização de pro- tes em definir quais eram os pacientes nor- encontrado nenhum trabalho medindo a
tocolos foi desenvolvida e publicada pelo mais e aqueles grau I. Não houve discor- reprodutibilidade da US utilizando a clas-
Cairo Working Group em 1992(11,12). dância entre os graus I e II. Nesse trabalho, sificação qualitativa de Niamey e nenhum
Ao se propor um método diagnóstico a população estudada foi exclusivamente estudo que avaliasse também a variabili-
para se avaliar determinadas doenças, pediátrica, na qual as manifestações da dade intra-observador, o que nos motivou
deve-se procurar estabelecer não somente doença diferem das encontradas nos adul- a desenvolver este estudo.
a eficácia do método, mas também a sua tos(1). Não foram encontrados casos mais Um dos limites do nosso trabalho está
precisão, que é medida através do cálculo graves de fibrose, pois apenas dois pacien- relacionado ao fato de não termos conse-

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guido abranger de uma forma mais ampla Para que um teste diagnóstico seja con- dardization of methodology. Acta Trop 1992;51:
toda a classificação de Niamey, incluindo siderado útil, precisaria ter, entre outras 45–63.
6. Niamey Working Group 2000. Ultrasound in
casos com apresentação mais leve da doen- características, elevada reprodutibilidade. schistosomiasis. A practical guide to the standard-
ça. Diferentemente dos estudos citados, os Ao analisarmos os resultados obtidos no ized use of ultrasonography for the assessment of
nossos casos se concentraram nas formas presente trabalho, observamos concordân- schistosomiasis related morbidity. World Health
Organization/TDR/SCH/ULTRASON/docu-
moderada e grave da esquistossomose. Isto cia que variou entre moderada e substan- ment. Geneva, Switzerland [in press].
se deve, provavelmente, à maneira com que cial, o que poderia ser considerada indese- 7. Doehring-Schwerdtfeger E, Mohamed-Ali Q,
foram selecionados os pacientes, envol- jável ou insuficiente, segundo algum ponto Abdel-Rahim IM, et al. Sonomorphological ab-
normalities in Sudanese children with Schisto-
vendo apenas a forma hepatoesplênica da de vista. Por outro lado, é importante con-
soma mansoni infection: a proposed staging-sys-
doença, pois são estes os doentes que pro- siderar que outros testes diagnósticos con- tem for field diagnosis of periportal fibrosis. Am
curam a nossa instituição, quando é geral- sagrados e amplamente utilizados, como o J Trop Med Hyg 1989;41:63–69.
mente observada apenas a forma mais uso da mamografia na classificação BI- 8. Landis JR, Koch GG. The measurement of ob-
server agreement for categorical data. Biometrics
avançada de fibrose periportal(15). Seria RADS, tem demonstrado índices de con- 1977;33:159–174.
importante validar os resultados obtidos em cordância (kappa) que variam de 0,28 a 9. De Jesus AR, Miranda DG, Miranda RG, et al.
um grupo mais diversificado de pacientes, 0,75 para a descrição de alterações mamo- Morbidity associated with Schistosoma mansoni
infection determined by ultrasound in an endemic
abrangendo os seis graus de fibrose, se- gráficas e de 0,37 quando é proposta con- area of Brazil, Caatinga do Moura. Am J Trop
gundo os critérios de Niamey. duta para a lesão(17), o que permite valori- Med Hyg 2000;63:1–4.
Ao avaliarmos a reprodutibilidade da zar de maneira análoga a US na classifica- 10. Lamothe F, Develoux M, N’Goran E, Yapi Y,
Sellin B. Intérêt de l’echoghaphie dans l’étude de
US neste grupo de pacientes, notamos con- ção da fibrose periportal, que apresenta
la fibrose périportale d’órigine billharzienne en
cordância que variou entre moderada e concordância semelhante. zone endémique africaine. Ann Radiol (Paris)
substancial e, surpreendentemente, com Finalmente, lembramos que, como já 1990;33:44–47.
melhores resultados quando foi feita a aná- tivemos a oportunidade de demonstrar(18), 11. Hatz C, Jenkins JM, Ali QM, Abdel-Wahab MF,
Cerri GG, Tanner M. A review of the literature on
lise das imagens estáticas em comparação a ressonância magnética pode contribuir the use of ultrasonography in schistosomiasis
com a avaliação dinâmica. Uma hipótese naqueles casos em que ocorre discrepância with special reference to its use in field studies.
postulada para justificar este resultado es- entre a avaliação ultra-sonográfica e o qua- 2. Schistosoma mansoni. Acta Trop 1992;51:15–
28.
taria ligada à seleção das imagens arquiva- dro clínico em pacientes com esquistosso- 12. Hatz C, Jenkins JM, Morrow RH, Tanner M. Ul-
das e consideradas as mais representativas mose mansônica crônica. trasound in schistosomiasis – a critical look at
da doença, ao contrário da análise dinâ- Concluindo, os resultados obtidos neste methodological issues and potential applications.
Acta Trop 1992;51:89–97.
mica, quando aspectos subjetivos podem estudo sugerem que a US pode ser usada
13. Doehring-Schwerdtfeger E, Kaiser C, Franke D,
apresentar um maior peso no julgamento. de forma confiável na classificação da fi- Kardorff R, Ali QM, Abdel-Rahim IM. Inter-ob-
Foi interessante observar que a concor- brose periportal, utilizando-se os critérios server variance in ultrasonographical assessment
of Schistosoma mansoni-related morbidity in
dância intra-observador foi melhor para o de Niamey em pacientes apresentando a
young schoolchildren. Acta Trop 1992;51:85–88.
observador 1 e que possuía mais experiên- forma avançada da esquistossomose. 14. Maharaj B, Bhoora IG, Patel A, Maharaj J. Ultra-
cia (Tabela 3). Isto sugere que a classifica- sonography and scintigraphy in liver disease in
ção tende a se tornar mais precisa com o developing countries. A retrospective survey.
REFERÊNCIAS
Lancet 1989;2:853–856.
aumento da experiência dos examinadores. 1. Homeida M, Abdel-Gadir AF, Cheever AW, et al. 15. Domingues AL, Lima AR, Dias HS, Leão GC,
Uma contribuição do nosso estudo se- Diagnosis of pathologically confirmed Symmers’ Coutinho A. An ultrasonographic study of liver
periportal fibrosis by ultrasonography: a prospec- fibrosis in patients infected with Schistosoma
ria ajudar a difundir o uso desta classifica-
tive blinded study. Am J Trop Med Hyg 1988;38: mansoni in north-east Brazil. Trans R Soc Trop
ção, tendo em vista que a fibrose peripor- 86–91. Med Hyg 1993;87:555–558.
tal se correlaciona diretamente com as con- 2. Thomas AK, Dittrich M, Kardorff R, et al. Evalu- 16. Machado MM, Rosa ACF, Oliveira IRS, Cerri GG.
dições clínicas e riscos de complicações ation of ultrasonographic staging systems for the Aspectos ultra-sonográficos da esquistossomose
assessment of Schistosoma mansoni induced hepatoesplênica. Radiol Bras 2002;35:41–45.
dos pacientes(3). Até então, provavelmente hepatic involvement. Acta Trop 1997;68:347– 17. Berg WA, Campassi C, Langenberg P, Sexton MJ.
pelo não-treinamento específico dos exa- 356. Breast Imaging Reporting and Data System: in-
minadores e também pelas incertezas sobre 3. Abdel-Wahab MF, Esmat G, Farrag A, el-Boraey ter- and intraobserver variability in feature analy-
YA, Strickland GT. Grading of hepatic schistoso- sis and final assessment. AJR Am J Roentgenol
a reprodutibilidade do método, ela tem sido miasis by the use of ultrasography. Am J Trop 2000;174:1769–1777.
subutilizada. Os exames de US em pacien- Med Hyg 1992;46:403–408. 18. Bezerra ASA, D’Ippolito G, Caldana RP, et al.
tes esquistossomóticos têm-se restringido, 4. Cerri CG, Alves VA, Magalhães A. Hepatosplenic Avaliação hepática e esplênica por ressonância
schistosomiasis mansoni: ultrasound manifesta- magnética em pacientes portadores de esquistos-
no nosso meio, ao estudo do calibre das
tions. Radiology 1984;153:777–780. somose mansônica crônica. Radiol Bras 2004;37:
veias porta e esplênica, à organometria e à 5. Cairo Working Group. The use of diagnostic ul- 313–321.
medida da fluxometria da veia porta(16). trasound in schistosomiasis – attempts at stan-

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