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Escola Teológica Charles Spurgeon - Polo Belém/PA

Apologética Cristã

Alexsander H.M.O. Brito

Boa Vista – RR

17/12/2019
É deveras deleitoso acompanhar uma área da teologia que aborda de forma piedosa,
inteligente e prática a defesa da fé cristã. Podemos ver claramente em 1Pedro 3.15 e Judas 3 a
incitação dos escritores neotestamentários à apologética. Em Atos 17; 18.4; 19.8 podemos ver o
esforço de Paulo em debater, argumentar e discutir de forma audaz, racional e inteligente sobre os
ortodoxos e elementares princípios da fé para proclamar Cristo tanto a judeus quanto aos gentios.
Escritores do Antigo Testamento também recorriam à apologética para justificar a fé judaica
quando profetas ridicularizaram deuses e ídolos pagãos por sua limitação e insignificância e quando
traçavam paralelos comparativos entre esses deuses diante da grandeza do Deus de Israel na criação
do Universo (1Rs 18:27, Is 44 e 45). Tais passagens oferecem exemplos notáveis do uso da
apologética na Bíblia.

Durante o curso ficou evidente que o exercício da apologética está intimamente


relacionado ao uso da lógica e da razão, áreas de domínio da filosofia. Moreland e Craig (2005)
afirmam que os profetas recorriam a posicionamentos teológicos amparados sobre um raciocínio
filosófico causal e também usavam princípios gerais do raciocínio moral (por exemplo Amós 1 e 2),
para criticar a irracionalidade e a imoralidade das nações pagãs. Dessa forma o autor afirma que a
Bíblia fornece exemplos para sustentar a tese de que a filosofia auxilia a defesa do teísmo cristão
diante dos argumentos contrários além de oferecer evidências positivas a seu favor. Os autores cita
C. S. Lewis que afirma que o cristão não pode:

"ser ignorante e ingênuo nessas circunstâncias — não estar apto para encontrar o inimigo
no terreno dele seria jogar ao chão nossas armas e trair nossos irmãos iletrados que não tem,
abaixo de Deus, qualquer defesa contra os ataques intelectuais do pagão exceto nós. A boa
filosofia deve existir, se não por outra razão, porque a filosofia ruim precisa ser
contestada".

No campo da contestação, a disciplina demonstrou que a defesa da fé também pode ser


ofensiva (por vezes a melhor defesa é o ataque). Muitas vezes ataques ao cristianismo partem de
alguma disciplina de estudo que tentam se valer do uso da lógica, da filosofia e da chamada ciência
para amparar seus raciocínios falazes. Mas, para desmascarar o erro, a apologética se levanta com
forte arcabouço dialógico, cuja estrutura racional está fortemente ancorado na filosofia, fato esse
que levanta em alguns cristãos piedosos um sentimento de resistência e desconfiança. A apologética
transita por terrenos situados fora dos limites dos campos da fé, mas sempre vizinhos a estes. É
temerário que, nessa caminhada, alguém se distancie do propósito do cristianismo de levar a Luz
divina, em detrimento da luz da razão, a um mundo que jaz nas trevas.
Provavelmente, um dos maiores desafios da apologética seja a de mantê-la submissa ao
evangelho de Deus. Nesse assunto pode-se chegar a dois extremos: por um lado uma recusa a se
usar a lógica e a razão para tratar de assuntos relacionados a fé (desconsiderando Rm 12:1 (logikos)
e 1Pe 3:15 (logos)) e , por outro, tentar usar a razão e o conhecimento lógico como substitutos de
Cristo para dar entendimento (desconsiderando Lc 24:45, 1Jo 5:20) e/ou do Espírito Santo para o
convencimento (desconsiderando Jo 16:8). A Bíblia nos fornece um belo exemplo apologético em
meio ao evangelismo do apóstolo Paulo em Atenas. Ali o vemos usando o contexto religioso e a
crença dos ouvintes como pretexto para a execução de uma apologia que estabeleceu um ponto de
contato que culminou com a pregação da ressurreição de Jesus Cristo.

Entretanto, uma observação mais detalhada pode revelar importantes detalhes dessa
passagem. Paulo foi conduzido até Atenas por irmãos que queriam livrá-lo da perseguição que
alguns judeus de Tessalônica provocaram durante sua estadia em Beréia (At 17:13-15). O primeiro
sentimento do apóstolo diante da profunda idolatria em Atenas, o maior centro intelectual da época,
foi o de profunda indignação (NVI e King James), de revolta, inflamação e dolorosa comoção em
seu espírito (BJP, JFA, LTTe ARA), possíveis traduções das palavras gregas pneuma e paraxunô
(At 17:16). A reação do apóstolo (At 17:17) foi a de discutir, argumentar pregar e dissertar tanto na
sinagoga (local onde se encontravam judeus e atenienses prosélitos) quanto na praça (local de
encontro do povo para troca de ideias). A mensagem de Paulo nesses locais baseou-se nas Boas
Novas de Jesus e na Sua ressurreição, o que fez com que os filósofos epicureus e estóicos
(históricos inimigos mútuos) esquecessem suas desavenças e passassem a discutir com ele (At
17:18). Em seguida os filósofos o conduziram ao areópago, local onde se reunia um conselho que,
tradicionalmente, supervisionava questões religiosas e educacionais, além dos sempre curiosos
atenienses (At 17:19-21). Os versículos 22 a 31 descrevem o célebre discurso paulino, no qual ele
primeiramente estabelece um ponto de contato ao citar poetas e filósofos (provavelmente
Epimenides, de Creta e Aratus da Cilícia, conhecidos da época), discorrendo em seguida sobre
conceitos religiosos um tanto quanto polêmicos e estranhos aos ouvintes, até chegar ao ponto
central da sua pregação ao falar sobre arrependimento diante do juízo de Deus e da ressurreição dos
mortos. Nesse momento, ao ouvirem sobre a ressurreição, seu discurso foi interrompido. Mesmo
com a interrupção a Bíblia relata que alguns dos ouvintes creram.

A passagem de Paulo em Atenas muitas vezes é usada como exemplo de uma atividade
apologética. Contudo, ao se observar a ordem cronológica dos eventos, nota-se que o apóstolo
começa sua pregação com uma mensagem fortemente evangelística. Paulo não diluiu o evangelho
nem na sinagoga e nem na praça (At 17:18) e, após discorrer sobre arrependimento, juízo de Deus e
ressurreição dos mortos, certamente ele falaria sobre a ressurreição de Jesus Cristo se sua pregação
não fosse interrompida no areópago. A passagem de Paulo pela cidade foi casual e não há relatos
nem de um retorno do apóstolo e nem da existência de uma assembleia local por ali. A igreja mais
próxima ficava a 83 Km, na cidade de Corinto, a qual Paulo se refere como “as primícias da Acaia”
(1Co 16:15).

Diante de todas essas coisas conclui-se que apologética, filosofia e evangelismo podem
se complementar na defesa da fé cristã. Enquanto a apologética envolve a defesa do teísmo cristão,
a filosofia atua fortemente no campo da contestação (polêmica), na critica e refutação de
cosmovisões alternativas e na identificação de falácias lógicas e formais. Tudo isso ajuda a diminuir
a aridez do coração, de forma que as sementes do Evangelho encontrem melhores condições para
germnar sob o poder do Espírito de Deus. Um ambiente intelectualizado é uma tremenda fortaleza
para a recepção da loucura da cruz de Cristo. A sabedoria de Deus, em Cristo Jesus é a verdadeira
luz e o verdadeiro tesouro que o Criador graciosamente concedeu aos seres humanos. Todavia, em
sua loucura, os homens amaram mais as trevas do que a Luz. Em sua busca pelo entendimento das
coisas e do sentido da vida, a humanidade insiste em criar doutrinas e filosofias, como foi o
iluminismo, como substitutos da verdadeira Luz. O saber incha e ensoberbece o que se considera
rico de conhecimento, tornando assim mais difícil sua entrada no reino dos céus. Portanto, ao se
fazer apologética, devemos sempre buscar, como foi proposto na disciplina, o equilíbrio entre a
razão e a fé, intelectualidade e a piedade, sempre tomando o cuidado de não misturar uma coisa
com a outra. E, diante dos ouvintes, buscar sempre a oportunidade para, em tempo ou fora de
tempo, semear a Palavra de Cristo e a regar, orando para que caia em solo adequado e dê os devidos
frutos para honra e glória de Deus Pai.

Bibliografia

MOODY, D. Comentário Bíblico do Novo Testamento. Disponível no aplicartivo


“Bíblia de Estudos” <https://play.google.com/store/apps/details?id=biblia.de.estudos>, acesso em 7
Dez 2019.

MORELAND, J. P, CRAIG, W. L. Filosofia e Cosmovisão Cristã. 1ª. Edição. São


Paulo: Vida Nova, 2005

BÍBLIA, Nova Versão Internacional. 1ª. Ed. São Paulo: Vida Editora, 2003. 1394 p.

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