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A RODA DA VIDA DOS ORIXÁS

Revista Planeta, Set/1994

A tradição afro-brasileira nos legou um sistema cosmogônico de grande abrangência e, ao mesmo


tempo, facilmente compreensível. É o xirê, nome que o Templo Guaracy, de São Paulo, utiliza para
designar esse mapa das origens do mundo elaborado pela sabedoria e sensibilidade dos
africanos. Os elementos da natureza, suas leis e processos são as peças de base que permitiram
a criação do xirê.

Por Luis Pellegrini

Desde que o mundo é mundo, toda cultura, toda religião desenvolveu teorias e mitos sobre a
origem do universo. A esses relatos da criação, em geral muito ricos em símbolos, dá-se o nome
de cosmogonias. A irrupção do ser pra fora do nada não pode, contudo ser objeto de história por
ser, por definição, sem testemunhas. Sua causa primeira é também intangível e incognoscível. A
única realidade que se pode perceber é o fruto da criação, a criatura, e não a própria criação. Toda
cosmogonia, de tal forma, aparece e se estrutura a partir da observação e da compreensão dos
efeitos tangíveis, e não da causa primeira.
Outra característica comum a todas as cosmogonias é o fato de que o modelo original que
descreve a criação do mundo perpetua-se no tempo e no espaço, de tal forma que cada novo
episódio de criação, por mais insignificante que possa parecer, respeita os padrões do modelo
original. Conhecer esse modelo significa possuir uma “chave de ouro” capaz de abrir as portas da
compreensão de todo e qualquer fenômeno criativo, seja ele do tipo físico, psicológico, intelectual
ou espiritual.
Os mistos cosmogônicos, por outro lado afirmam que os modos apropriados do ser pessoal e
social são os mesmos que os da natureza. Seis séculos antes de Cristo, o filósofo chinês Lao-tsé
explicava no seu Tao Te King:
“O homem modela-se sobre a terra,
a terra sobre o céu,
o céu sobre o caminho,
e o caminho sobre o que assim é naturalmente.”
A natureza é, portanto, o grande palco onde se desenrola todo o drama da criação. É observando
a natureza e compreendendo os seus processos que podemos nos inserir na infinita estrada do
desvendar do mistérios do mundo e do ser humano. Uma estrada que não tem começo nem fim,
mas que, quando percorrida, nos coloca cada vez mais perto daquilo que é, ao mesmo tempo,
nossa origem e destino: a grande causa.
Há, como dissemos, muitíssimas cosmogonias; cada uma delas se estrutura em cima de padrões
culturais específicos e se anima com a mesma sensibilidade perceptiva da cultura que lhe deu
origem. Nós também, no Brasil de hoje, dispomos de um sistema cosmogônico de primeira linha.
Aquele que foi trazido para cá pelos negros africanos e que hoje constitui a pedra de base de
várias doutrinas que se alimentam dessa tradição. As doutrinas das assim chamadas religiões afro-
brasileiras, como o candomblé, a umbanda e outras.
As informações que fazem parte do texto a seguir foram colhidas no Templo Guaracy, em São
Paulo. Dirigido pelo babalaorixá Carlos Buby, esse templo, embora assentado na antiga tradição
afro-brasileira, busca hoje desenvolver-se em linhas próprias, conservando o conhecimento e a
sabedoria essencial da tradição que lhe é fonte, mas trabalhando ativamente no sentido de criar,
para a apresentação dos mesmos, uma linguagem mais adequada aos tempos atuais. O que não
implica, para seus dirigentes, o não-reconhecimento da validade de outros sistemas análogos
utilizados na doutrina de instituições congêneres.
Falaremos assim sobre o xirê – nome que, no Templo Guaracy, designa o modelo de criação e
evolução do mundo através da seqüência dos orixás, os deuses da tradição afro-brasileira. As
citações entre aspas são falas do próprio babalorixá Carlos Buby.
Xirê, na língua iorubá, significa jogo ou brincadeira. A própria etimologia dessa palavra já dá uma
idéia do conceito cosmogônico afro-brasileiro: o mundo como invenção, jogo ou brincadeira de um
princípio superior. O termo também é usado, no candomblé, para designar a seqüência de danças
rituais com que se homenageiam os orixás.
No xirê do Templo Guaracy entende-se, como em toda grande cosmogonia, que em algum
momento da eternidade a luz, em estado de ponto zero, toma consciência do estado de ponto zero,
toma consciência do espaço e se propaga. Primeiro, porque uma coisa só pode se propagar a
partir da existência do espaço. Segundo, porque só o fato de existir o espaço não é suficiente: é
preciso também consciência da existência do espaço para que ocorra propagação. No momento
em que a luz, até então em estado de pura potência, toma consciência do espaço, ela se propaga.
Essa propagação recebe o nome de ‘efeito de Dan”, ou “princípio universal do movimento”.
A partir do efeito de Dan, que pode ser comparado ao Big Bang, a grande explosão original
cogitada pela ciência moderna, a propagação da luz contém três teores que inicialmente correm
paralelos: a energia, a consciência e a própria luz. Todos os três partem juntos, de forma unificada.
Mas, à medida que a energia se distancia do seu ponto de origem, ela perde em intensidade. Entra
numa trajetória descendente e passa a descrever uma parábola para baixo. Ao mesmo tempo, a
consciência e a luz continuam em sua trajetória sem sofrer alterações de rota.
Distanciando-se mais e mais do seu ponto de origem, a energia vai perdendo qualidade, vai
baixando a sua freqüência vibratória. Nesse processo de queda, a energia tende a se condensar, a
se “materializar”. Quanto maior a queda, quanto maior for o grau de condensação ou de
materialização, maior a distância da consciência e da luz. Isso significa que um ser encarnado
num estágio de menor grau de condensação da energia tem mais consciência e luz do que nos
estágio mais densos. “Isto para nós é uma forma de representar as diferentes encarnações: as
‘iluminadas’, as ‘pouco iluminadas’, as ‘não-iluminadas’.”
A tendência de toda matéria condensada é fazer novamente a conexão com a consciência e a luz
– a isso dá-se o nome de religare, ligar novamente a energia condensada à consciência. Mas a
religação não se faz com passes de mágica. Faz-se com um trabalho de evolução onde a própria
experiência da vida vai proporcionando a reconquista da consciência. “Por isso, quanto mais
distante do seu ponto de origem acontece a encarnação, mais distante de Deus diz-se que está
essa encarnação. Para nós, distante de Deus significa distante da luz e da consciência. Assim,
num mesmo plano físico de materialização, vamos Ter pessoas com alto teor de luz e consciência,
e pessoas com médio e baixo teor dessas mesmas coisas.”
Se ampliarmos a curva descrita pela energia em seu processo de queda e ascensão, acabamos
por desenhar um círculo que se fechará novamente no mesmo ponto. A isso chamamos tempo
cronológico. À linha de luz e consciência chamamos tempo eternal. Esta última linha é infinita. Mas
a energia cumpre um ciclo, e no decorrer desse ciclo sofre alterações, transformações que lhe
conferirão vários estágios no caminho da purificação. Xirê é, portanto, essa seqüência de
transformações da energia até voltar ao seu estado original de luz e consciência, estado esse
identificado ao orixá Oxalá. Mas como essa curva é na realidade uma espiral, já que ascende
sempre, trata-se na verdade de uma curva infinita de evolução. Os ciclos evolutivos são sucessivos
e cada um deles pode ser considerado a oitava superior do ciclo anterior.
À energia com baixo teor de luz e consciência, em baixa freqüência vibratória, dá-se o nome de
Elegbara é o primeiro orixá do xirê: uma qualidade da energia quando ainda se encontra no estado
do fogo, o estado radiante, considerado o primeiro estado da matéria, e seguido pelos estados de
terra, da água e do ar. Os três últimos correspondem aos estados sólido, líquido e gasoso
conhecidos pela física.
“O xirê é a fórmula que explica a evolução em espiral da energia na sua busca de religação com
a consciência e com a luz. O xirê se inicia num fenômeno primordial de separação ao qual se dá o
nome de ‘efeito de Dan’. Portanto, cada vez que cumprimos um ciclo, uma curva completa da
espiral, nos deparamos com a possibilidade atingir novamente a origem da luz e da consciência.
Depois desse encontro há uma nova ‘explosão’, um novo efeito de Dan, e entramos num outro
ciclo. Reiniciamos o processo numa outra oitava ou dimensão.”
É bom notar que não importa qual ponto dessa curva cíclica se considere, trata-se sempre da
mesma energia, da mesma substância energética. O que se transforma é a qualidade dessa
energia, a sua freqüência vibratória.
Esse esquema, na doutrina do Templo Guaracy rege toda a criação. Consciência, energia e luz
constituem uma trindade. Não se deve confundir consciência e luz. A partir da consciência é que se
atinge a luz.
Na sua trajetória evolutiva, a energia passa por quatro estados, cada um deles com quatro
qualidades principais e muitas subqualidades em cada uma delas. O primeiro estado, o do
elemento fogo, possui as qualidades denominadas de Elegbara, Ogum, Oxumaré e Xangô.
Elegbara corresponde ao estado mais denso da matéria, com baixo teor de consciência. Ele é
quase potência pura. As tradições que visualizam
Elegbara de uma forma humanizada o relacionam também às entidades comumentes chamadas
de exus e pomba-giras. Não são poucos os que, por seu lado, relacionam essas manifestações
espirituais ao demônio católico, por exemplo, ou com outras conotações maléficas. Na verdade,
exus e pomba-giras não têm nenhuma relação com o demônio. São entidades que têm profundo
conhecimento da potência e se alimentam dessa qualidade energética. Eles também, como tudo,
estão em evolução.
“Não podemos confundir orixá com entidade espiritual. Há, em relação a isso, uma clara
diferença entre o sistema que chamamos umbanda e os cultos de nação, como é o caso do
candomblé. O culto de nação trabalha e se utiliza dessas energias elementais da natureza, que
também são dotadas de inteligência e sabedoria, embora diferentes das nossas. A umbanda, por
seu lado, trabalha com entidades espirituais que se alimenta da energia do orixá ao qual estão
ligadas por afinidade vibratória. Entidades que se apresentam como caboclos, pretos-velhos,
baianos, marinheiros, etc. Mas é preciso não confundir as coisas. Alguns médiuns de umbanda
dizem: ‘Vou incorporar o meu orixá na umbanda.’ Não. Deve-se dizer: ‘Vou incorporar uma
entidade espiritual que pertence a uma linha elemental’,”
Após o estágio vibratório de Elegbara, a energia se transforma e passa a vibrar numa qualidade
de maior freqüência, sempre do elemento fogo, denominada Ogum. Esse estágio é caracterizado
pela dinâmica que mantém a continuidade do movimento. Também na faixa de Ogum existem
entidades espirituais que vibram em consonância com a linha e que incorporam nos médiuns de
umbanda. Na verdade, todas as linhas elementais possuem suas entidades, que se organizam em
falanges. No caso do elemental Ogum, algumas das suas falangens respondem pelos nomes de
Ogum Beira-Mar, Ogum Naruê, Ogum Megê, Ogum Rompe-Mato, etc.
“O se humano, como ser da criação, também evolui segundo as regras do xirê. Em sua natureza
e estrutura, o homem e a mulher possuem todas as qualidades do xirê, sendo que num
determinado momento algumas predominam e outras não. No Templo Guaracy faz-se um trabalhos
individual e grupal no sentido de desenvolver principalmente aquilo que está subdesenvolvido, para
que haja equilíbrio com aquilo que já está predominando. Quando se diz, por exemplo, que fulano
é filho de Ogum, isso siginifica apenas que naquele momento a qualidade que nele predomina é a
qualidade de Ogum. Mas não significa que ele não tenha todas as outras 15 qualidades de energia
mais ou menos desenvolvidas, e em alguns casos muito subdesenvolvidas, muito atrofiadas. Tais
casos de atrofia severa vão gerar sempre algum desequilíbrio. Entendemos que, desde Elegbara, a
mais densa forma de apresentação da energia, até Oxalá, a mais sutil, todas as 15 qualidades
devem estar em harmonia e equilíbrio, tanto em seus aspectos de potência quanto de movimento.
Por outro lado, todas as qualidades têm uma equivalência no plano inferior, também chamada de
polaridade negativa. Quando, por exemplo, a pessoa não tem a sua energia de Oxalá equilibrada,
com a sua energia de Ogum, ela vai Ter a sua polaridade negativa de Oxalá tentando um equilíbrio
com Ogum. Teremos então um conflito. Para atenuar esse confronto, a pessoa terá de desenvolver
a sua vibração de Oxalá. Se não for assim, ela terá de diminuir a sua potência de Ogum, e não é
conveniente que isso aconteça. Não se deve nunca diminuir a potência. Deve-se sempre aumentar
a consciência.
“O ser humano deve Ter consciência da sua própria potênia. Quando essa consciência
desabrocha, o resto é movimento natural. A natureza se encarrega do resto. Mas acontece que
muitas vezes, na ausência de consciência, tenta-se compensar com o aumento da potência.
Observamos isso nas guerras. Elas nada mais são do que ausência da consciência. Quanta falta
consciência aos líderes, ou ao próprio povo, a potência se manifesta para organizar artificialmente
uma situação de desequilíbrio que deveria se organizar naturalmente. Observemos um carro. A
máquina é só potência. O motorista é a consciência da máquina. Se essa máquina se movimenta
sem o controle da sua consciência, só podemos esperar algum desastre.”
No xirê, a seguir, quando a energia chega à máxima freqüência de Ogum, há um novo efeito de
Dan e um outro salto acontece, desta vez para o campo do orixá do fogo, Oxumaré.
Oxumaré já começa a se aproximar do elemento sólido na sua representação física. Observa-se
aqui um princípio de materialização: a energia etérica do elemental já encontra correspondência
em algum elemento físico. No caso de Oxumaré, sua representação é o arco-írirs, onde já
aparecem as cores e suas radiações. Não mais apenas a luz indiferenciada, a luz branca, mas a
luz que se fragmenta ao se relacionar com as partículas de água evaporada em suspensão na
atmosfera.
De Oxumaré salta-se para o último orixá do fogo, Xangô, o fogo da terra. Pode-se representar
uma das subqualidades de Xangô com a lava vulcânica.
Entra-se em seguida no quadrante dos elementais da tera, dos quais o primeiro é Obaluaê.
Neste estágio, a energia que saiu inicialmente do centro da terra ( Elegbara ) chage à sua
superfície e passa a sofrer transformações por processos de metamorfose física ( processos de
composição e de decomposição ).
“Obaluaê corresponde, no homem, ao corpo físico. O espírito pode evoluir independentemente
do corpo. Mas também pode evoluir tilizando o corpo. Esse corpo pode se transformar, e a sua
transformação pode significar a purificação do espírito. Obaluaê corresponde principalmente ao
aspecto de composição da matéria. Ele tem também um aspecto de decomposição, ao qual se dá
o nome de Omulu. Com ambos estamos no terreno da química orgânica e inorgânica”.
A próxima qualidade do xirê, em sua fase ligada ao elemento terra, chama-se Oxóssi. Esse
elemental corresponde-se diretamente aos vegetais, constituindo uma forma de apresentação da
terra, já com teor de água. Isso significa que a energia está a caminho do estado líquido.
Ossãe ( ou Ossaim ) vem a seguir, o orixá ou elemental das folhas. Um vegetal com teor ainda
maior de água. Ossãe é o orixá ligado ao princípio ativo das ervas e folhas, sendo, portanto o
campo privilegiado de trabalho para aqueles que se ocupam da medicina e da cura.
A trajetória da terra em direção à água fica ainda mais evidente quando examinamos a
representação física do orixá seguinte, Obá: a lama, o barro. Terra com altíssimo teor de água.
Uma das características de Obá é permeabilidade. A água, quando cai sobre a terra, tende a se
infiltrar. Obá é também a propriedade da infiltração.
O orixá seguinte encontra-se já plenamente dentro do quadrante da água: Nanã, representada
pelas minas e fontes. Nanã é o processo contrário de Obá. Nanã é o afloramento à superfície
daquilo que, no estágio anterior, infiltrou-se no subterrâneo. Obá é a água que vai ao centro da
terra e Nanã é a água que vem do centro da terra.
A seguir vem o orixá Iemanjá, o grande arquétipo da mãe. Iemanjá é entendida como um estágio
onde a polaridade do fogo sexual de Elegbara se polariza com a maternidade de Iemanjá. Por esse
motivo, ela é chamada de “mãe dos orixás”. A água de Iemanjá é salgada como a água do mar e
aquela do líquido amniótico. Não pode ser bebida pelo homem.
A água do orixá seguinte, Oxum, pode ser bebida. É a água potável, água dos rios e cachoeiras.
Por isso, costuma-se dizer que “Iemanjá alimenta o homem com seu leite; Oxum mata-lhe a sede
com sua água”.
A seguir vem a última qualidade da água, o orixá Ewá: a água num estado de grande purificação
e sutilização, o vapor de água que ascende e vai constituir as nuvens. Água com alto teor de ar.
O processo do xirê começa a se completar. Primeiro o fogo que se transforma em terra. Depois a
terra que se transforma em água. A seguir, a água que se eleva com Ewá e se movimenta através
dos ventos do orixá seguinte, o primeiro orixá do ar, Iansã.
Iansã, a grande mensageira, a grande intermediária, é quem entrega a energia ao orixá seguinte,
o Tempo. Toda a experiência vivida e acumulada pela energia até esse ponto – a vivência do
ímpeto criativo do fogo, da materialização da terra, das emoções da água – será agora trabalhada
pelo Tempo. Este, depois de cumprir o seu ciclo, entrega por sua vez a energia ao elemental
seguinte, Ifá, identificado à sabedoria e à consciência. A seguir, quando a energia desenvolveu
plenamente esses atributos de Ifá, ela chega ao ápice, a Oxalá, a própria luz. Em Oxalá retorna-se
à trindade original: energia, consciência, luz. Mas como a dinâmica evolutiva não pára, e a curva
do xirê desenvolve-se em espiral ascendente, novo efeito de Dan é detonado em Oxalá. A energia
novamente é lançada para Elegbara. Só que agora, numa oitava superior deste primeiro orixá do
fogo. E um novo ciclo evolutivo tem início.
“A dinâmica do xirê é universal. Por isso, tudo aquilo que acontece no plano da matéria e da
energia acontece também no plano da psique humana. As leis são exatamente as mesmas. Elas
atuam também na esfera das relações, inclusive as relações humanas. O que é uma relação
humana? É fundamentalmente o fato de que você busca em aquilo que não tem. Eu busco em
você aquilo que eu não tenho. O nascimento e a evolução das relações segue o mesmo processo
de tudo o mais: o processo descrito no xirê.
“O xirê é também chamado de ‘dinâmica de Odudua’. Odudua é a Terra. Em sua evolução o
homem responde à dinâmica de Odudua, porque ele é filho da Terra. Quando se conhece o xirê da
Terra, a sua dinâmica evolutiva, conhece-se também o xirê do homem. Parte-se do princípio de
que todo movimento gera uma transformação. Esse movimento gera uma transformação obedece
a uma seqüência. Através dessa seqüência, nós podemos, a cada momento, repetir o ciclo que
chamamos de xirê. A cada situação corresponde um início em Elegbara e uma finalização em
Oxalá. As analogias que podem ser feitas nesse sentido em relação à questão humana são
inúmeras, e algumas bem interessantes. Pode-se, por exemplo, relacionar o fenômeno da
fecundação com a passagem da energia ao elemento fogo, o primeiro elemento do xirê. O segundo
elemento na seqüência de transformações evolutivas é a terra, relacionado com o corpo físico e
coma as relações sociais da pessoa nesse mesmo plano. Viria em seguida a água, com todas as
vivências ligadas ao plano emocional e afetivo; e finalmente o ar, com o aprendizado intelectual e a
formação espiritual. Podemos inclusive estabelecer uma relação do xirê com o mito cristão da
Gênese, imaginando que tudo surgiu do Fogo criador. Formou-se primeiramente a terra e aágua.
Da relação dos dois surgiu o barro, do barro foi feito o homem. Posteriormente, segundo o relato
bíblico, Deus soprou o ar nas narinas do homem, conferindo-lhe o sopro da vida e as prerrogativas
do espírito.”
O grande ciclo cósmico representado no xirê reflete, na doutrina do Templo Guaracy, o processo
de criação e evolução de todas as coisas. As relações do xirê com outros sistemas simbólicos e
cosmogônicos, como as grandes mitologias do Ocidente e do Oriente, são inúmeras, e por si só
constituiriam tema para outros estudos. Ele é a cosmogonia que a tradição africana nos legou e
que o Templo Guaracy procura resgatar para os tempos modernos.

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