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DESENVOLVIMENTO
HUMANO
AULA 1
CONVERSA INICIAL
A ciência do Desenvolvimento Humano tem como objeto de investigação os processos
sistemáticos de mudança e estabilidade que ocorrem ao longo de toda a vida humana, desde sua
concepção até a morte. Trata-se de um campo de estudo transdisciplinar que se serve de um
amplo espectro de disciplinas como a Psicologia, Neurociência, Psiquiatria, Sociologia,
Antropologia, Biologia, Genética comportamental, História, Medicina e muitas outras.
Apresentaremos uma breve história da ciência do desenvolvimento humano para, a seguir,
adentrarmos nesse campo de estudo. Para tanto, é necessária a operacionalização de alguns
conceitos para uma melhor apreensão de importantes questões que se formulam no interior dessa
disciplina. Qual a relevância de compreender até que ponto um comportamento, por exemplo, pode
ser influenciado pelas contingências do meio, e até que ponto que a hereditariedade o determina?
Como se dá a interação entre as influências ambientais e genéticas? Dentre os fatores ambientais,
quais e como influenciam determinadas predisposições genéticas?
Veremos ainda alguns conceitos fundamentais que em um primeiro momento podem até
parecer dicotômicos, mas que visam justamente suscitar a compreensão da complexidade inerente
ao processo de desenvolvimento humano. Na realidade, a relação entre todos eles é a de
complementaridade e de múltipla influência, haja vista o dinamismo dos processos de
desenvolvimento humano. Vale lembrar, no entanto, que a definição dos conceitos também
conserva uma certa plasticidade, na medida em que diferentes autores os utilizam de diferentes
maneiras. Adotamos, aqui, as definições mais comuns nos livros de desenvolvimento humano.
Os primeiros estudos sobre questões evolutivas sob um viés especificamente psicológico
“datam apenas da metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX” (Dessen; Costa
Junior, 2008, p. 20). Antes, porém, filósofos como John Locke (1632-1704), que pressupunha os
bebês como uma “tábula rasa”, uma folha em branco na qual o ambiente iria imprimir toda sua
influência, e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804), que já
enfatizavam características inatas do ser humano, pautaram, portanto, algumas das questões que
iriam permear as teorias sobre a Psicologia do desenvolvimento humano no século XX:
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Essas tendências filosóficas acabaram por influenciar a construção das teorias da psicologia
do desenvolvimento, no século XX. De um lado, os modelos mecanicistas que enfatizavam a
esfera do empirismo, buscando operacionalizar as investigações dentro do que poderia ser
medido e quantificado, sendo o desenvolvimento humano visto como modelado pelo
ambiente. A história do indivíduo não era nada mais do que o acúmulo de experiências de
aprendizagem. A filosofia behaviorista e as teorias de aprendizagem social constituem
exemplos deste modelo. De outro lado, os modelos organicistas valorizavam os processos de
caráter universal presentes no desenvolvimento de qualquer indivíduo (Palácios, 1995). Estes
modelos ressaltavam os processos internos mais que os externos, sugerindo a existência de
uma certa necessidade evolutiva que faria com que o desenvolvimento percorresse
determinados estágios. A psicanálise e, até certo ponto, a teoria piagetiana, são exemplos de
tal modelo. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 23)
Foi no século XX, porém, inspirada pelos métodos positivista e das ciências naturais como a
observação direta do comportamento, as entrevistas e os questionários que a ciência do
desenvolvimento humano se consolidou, voltada para a infância e a adolescência (Dessen; Costa
Junior, 2008, p. 23).
Predominavam ainda, nesses primórdios da disciplina, como de certa forma ainda hoje
repercutem, discussões binárias do tipo entre inatistas e ambientalistas. Por exemplo, no que diz
respeito ao desenvolvimento da comunicação e da linguagem, o livro do psicólogo norte-
americano B. F. Skinner, Comportamento Verbal, de 1957, defendia a tese de que a aquisição e o
desenvolvimento da linguagem e da comunicação em geral, como os outros comportamentos
humanos explicados pelo behaviorismo radical, era quase que exclusivamente proveniente das
contingências ambientais. Ou seja, uma criança, ao emitir sons em um determinado idioma, seria
positivamente reforçada para repetir os sons que nesse idioma fizessem sentido, abandonando os
sons ininteligíveis.
O linguista também norte-americano Noam Chomsky teceu críticas contundentes que nunca
foram respondidas pelo próprio Skinner, mas apenas dez anos depois e por outros behavioristas:
A concepção de Chomsky é denominada inatismo. Ao contrário da teoria da aprendizagem de
Skinner, o inatismo enfatiza o papel ativo do aprendiz. Uma vez que a linguagem é universal
entre os seres humanos, Chomsky (1957, 1972) propôs que o cérebro humano possui uma
capacidade inata para aquisição da linguagem; os bebês aprendem a falar com a mesma
naturalidade com que aprendem a andar. Ele sugeriu que um dispositivo de aquisição da
linguagem (DAL) inato programa o cérebro das crianças para analisar a língua que ouvem e
entender suas regras. (Papalia et al., 2006, p. 198)
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psicológicas bastante variadas, isso porque os processos de maturação não se reduzem aos
processos de crescimento, eles envolvem também fatores socioculturais:
Um evento normativo é experimentado de modo semelhante pela maioria das pessoas em um
grupo. Influências normativas etárias são muito semelhantes para pessoas de uma
determinada faixa etária. Elas incluem eventos biológicos (como puberdade e menopausa) e
eventos sociais (como ingresso na educação formal, casamento, paternidade-maternidade e
aposentadoria.) O tempo de ocorrência dos eventos biológicos é fixo, dentro de uma faixa
normal. (As pessoas não experimentam a puberdade aos 35 anos ou a menopausa aos 12). O
tempo de ocorrência dos eventos sociais é mais flexível e varia em diferentes tempos e
lugares, embora dentro de limites de maturação. Uma mulher normalmente pode engravidar e
ter um filho em qualquer tempo entre a puberdade e a menopausa. Nas sociedades industriais
do ocidente, as crianças geralmente iniciam a educação formal em torno dos 5 ou 6 anos, mas
em alguns países em desenvolvimento, a educação escolar, quando ocorre, começa muito
mais tarde. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 58)
tempo deitadas em seus berços ou camas: “A maioria das crianças com 2 e 3 anos não andava nem
falava, e as crianças maiores brincavam a esmo. Tomografias de seus cérebros mostraram extrema
inatividade nos lobos temporais, que regulam as emoções e recebem dados sensórios” (Papalia et
al., 2006, p. 174).
Muitas dessas crianças foram adotadas por famílias estrangeiras. Os pesquisadores da
Universidade de Simon Fraser de British Columbia estudaram 46 crianças, de 8 meses a 5
anos e 6 meses, que foram adotadas por casais canadenses (Ames, 1997; Morison, Ames e
Chisholm, 1995). Na época de adoção, todas as crianças apresentavam atrasos no
desenvolvimento motor, linguístico e psicossocial, e quase 80% delas estavam atrasadas em
todas essas áreas. Três anos depois, quando comparadas com crianças que ficaram nos
orfanatos romenos, elas apresentavam um progresso notável. Mesmo quando comparadas
com crianças canadenses criadas em seus próprios lares desde o nascimento,
aproximadamente um terço não tinha nenhum problema sério e estava bem - em alguns casos
até melhor do que uma criança mediana criada em casa. Outro terço delas - geralmente
aquelas que permaneceram internadas por mais tempo - ainda tinha sérios problemas de
desenvolvimento. O restante estava encaminhando-se para comportamento e desempenho
normais. (Papalia et al., 2006, p. 174)
Entretanto, os autores ainda citam outras pesquisas que sugerem “que a estimulação
ambiental precisa ocorrer muito cedo para que os efeitos da privação extrema sejam plenamente
superados” (Papalia et al., 2006, p. 174), pois, um dado importante sobre a plasticidade do
desenvolvimento humano é justamente o fato de que ela é tanto maior em idades mais precoces,
haja vista que as trilhas neuronais ainda estão se consolidando.
O fato é que o desenvolvimento humano pressupõe períodos críticos ou sensíveis que
comportam alguma plasticidade, como a plasticidade neural, que possibilita inclusive ao cérebro
contrabalancear deficiências com remanejamentos funcionais de neurônios. Sabe-se, por exemplo,
que neurônios do lobo occipital envolvidos com o processamento visual de pessoas que nascem
com deficiência no aparelho visual, com o passar do tempo são cooptados para outras finalidades
que não as que inicialmente lhe eram atribuídas. Ou seja, quando a deficiência é congênita ou
acontece em período muito precoce, o cérebro possui a capacidade de remanejamento desses
neurônios que não permanecem ociosos, mas cooperam para o desenvolvimento de outra
capacidade.
Essa capacidade, contudo, não se verifica em pessoas que adquirem a deficiência visual em
idade posterior, pois os neurônios já estão envolvidos com o processamento dos estímulos
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NA PRÁTICA
A sabedoria popular preconiza que, “filho de peixe, peixinho é”, bem como compreende que as
influências do meio exercem suas determinações, afinal, “diga-me com quem andas, e direi que
és”.
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Por que será que João é assim e Joaquim assado? Ora, dentre as questões que devem ser
respondidas depois desta aula estão: o desenvolvimento humano é um fenômeno ou processo
rígido e linear, geneticamente determinado, que não ocorre por exemplo na velhice?
A resposta deve considerar que o desenvolvimento humano é um processo flexível e
complexo, dinâmico e biopsicossocial, ou seja, com determinações genéticas e biológicas, sociais,
comunitárias e culturais, e psicológicas, que interagem entre si potencializando-se ou anulando-se
no ciclo vital completo, desde o nascimento até a morte.
FINALIZANDO
Vimos que a ciência do desenvolvimento humano tem como objeto de investigação os
processos sistemáticos de mudança e estabilidade que ocorrem ao longo de todo o clico vital,
desde sua concepção até a morte, e que se trata de um campo amplo de estudo transdisciplinar
que se serve de uma gama enorme de outras disciplinas, dada a complexidade e o dinamismo
inerentes ao desenvolvimento humano.
Vimos, ainda que brevemente, que o desenvolvimento humano sob o enfoque mais específico
da Psicologia se iniciou em meados do século XIX e que, durante o século XX, as concepções
dicotômicas e voltadas quase que exclusivamente para a infância e a adolescência predominavam;
que filogênese é o processo de desenvolvimento das espécies, e que a ontogênese é o
desenvolvimento de um determinado organismo particular na relação com seu meio, e que por
hereditariedade entendemos como o código genético herdado das gerações anteriores influencia
nas expressões fenotípicas, em uma relação de mútua influência com os traços adquiridos no
ambiente, dentre eles, na cultura, que, por sua vez, as potencializa ou inibe, ou seja, influencia
exponencialmente na expressão dos fenômenos intrapsíquicos e do comportamento. Vimos
também que o crescimento nos remete às transformações biológicas quantitativas do corpo, e que
a maturação já denota uma alteração qualitativa em que o organismo adquire a capacidade de
realizar atividades mais complexas e maduras.
Sobre os períodos críticos ou sensíveis, em relação à plasticidade, discutimos sobre esses
espaços temporais em que o organismo está particularmente sensível a determinados estímulos
que os influenciam, e a flexibilidade que nosso desenvolvimento tem diante deles. Essa discussão
nos levou à díade estágio e transição, que são duas constantes do desenvolvimento, na medida em
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que, no ciclo vital, o organismo se transforma por estágios. Todos esses conceitos e outros tantos
mais visam delinear aspectos ou dimensões do processo de desenvolvimento e, quando
conjugados, explicitam a complexidade desse campo do saber.
As questões que nortearam o debate no interior da disciplina em seus primórdios como entre
inatistas, ambientalistas, cognitivistas e interacionistas, pavimentaram as concepções modernas da
ciência do desenvolvimento humano no sentido das concepções sociogenéticas, em que os seres
humanos são concebidos como “co-construtores do seu desenvolvimento enquanto sujeitos
singulares e, simultaneamente, são co-construtores dos contextos socioculturais nos quais se
inserem” (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 95).
É, portanto,
com a emergência da cultura e da possibilidade de um aprendizado coletivo (histórico) parece
ser um dos fatores essenciais para o surgimento da consciência humana, seja no plano
filogenético seja no ontogenético. Afinal, fora de um contexto sociocultural estruturado não é
possível pensarmos em consciência humana, a menos que acreditemos em uma versão
essencialista da consciência, como se a mesma já estivesse “pronta”, pré-programada em
nossos genes. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 97)
REFERÊNCIAS
BELSKY, J. Desenvolvimento humano: experenciando o ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed,
2010.
DESSEN, M. A.; COSTA JUNIOR, Á. L. (Orgs.). A ciência do desenvolvimento humano:
tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre: Artmed, 2008.
PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. Porto Alegre:
Artmed, 2006.
SPITZ, R. A. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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