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Trechos retirados do COF (Curso Online de Filosofia)

ministrado por Olavo de Carvalho

1. Aluno: O senhor também


também é autodidata em línguas?
línguas?

Olavo: Sem dúvida. Para mim, o único processo de aprendizado possvel ! o


auto
autodid
didat
atis
ismo
mo.. "u fico
fico impa
impaci cien
ente
te.. Por
Por e#em
e#empl plo,
o, $uan
$uando
do eu fui
fui estu
estuda
darr
alem%o na Casa de &oethe, eles $ueriam $ue eu decorasse os nomes de
$uarenta tipos de salsichas. 'raturst, ienurst. "u fi$uei revoltado com
a$uele ne*+cio. O $ue eu fazia era pe*ar um livro e tentar ler. "u tinha uma
professora espetacular, a aniela Caldas, ent%o eu lia os ne*+cios, fazia as
tradu-es capen*as e levava para ela corri*ir e e#plicar onde eu tinha errado,
e assim aprendi al*uma coisinha de alem%o. S+ $ue at! ho/e eu tenho de ler
alem
alem%o
%o assi
assim,
m, trad
traduz
uzin
indo
do.. 0%o
0%o cons
consi*o
i*o ler
ler corr
corrent
ente,
e, te
tenh
nhoo $ue
$ue fazer
fazer a
tradu-%o de cada linha, sen%o n%o entendo. Tem *ente $ue ! capaz de
aprender de outras maneiras, mas todos esses m!todos $ue eles chamam de
impre*na-%o
impre*na-%o total,
total, isto pra mim s+ me enlou$uece,
enlou$uece, por$ue tudo isso foi feito
para voc1 aprender a falar. 2*ora, e#iste uma diferen-a enorme entre voc1
aprender uma ln*ua para falar e para ler. Tem um autor, acho $ue o
Frederic3
Frederic3 'odmer, $ue e#plica isso em uma frase. "le diz $ue para falar voc1
precisa sa4er um número limitado de palavras, mas $ue precisa estar na
pont
pontaa da ln*
ln*ua5
ua5 mas
mas para
para ler,
ler, voc1
voc1 preci
precisa
sa sa4e
sa4err mal
mal uma
uma infin
infinid
idad
adee de
palavras,
palavras, pois voc1 n%o ter6 de record6las
record6las por si mesmo, voc1 s+ vai recordar
$uando elas aparecerem. 7 um ne*+cio $ue ! mais vasto e de certo modo
passiv
passivo.
o. "u nunca
nunca aprend
aprendii nada
nada para
para falar,
falar, aprendi
aprendi para
para ler e 8s vezes um
pouco para escrever. "nt%o esse ne*+cio de conversa-%o nunca me interessou,
para mim ! perda de tempo. Tanto $ue a primeira vez $ue vim a$ui nos "92,
em ;, eu falava in*l1s, conversava com as pessoas, s+ $ue elas riam do meu
 /eito de falar, por$ue era muito pedante. Para pedir um cachorro<$uente,
falava a$uilo em lin*ua*em universit6ria, usando palavras de ori*em latina.
"nt%o eu per*untava se tinha falado al*uma coisa errada e as pessoas diziam:
=no, 4ut it>s a little 4izarre.? 7 o understatment, ou se/a, completamente
ridculo.

o mesmo modo $uando eu che*uei na Fran-a. @uando fui fazer o teste na


 2lian-a Francesa, eles /6 me colocaram no último ano5 eu tinha aprendido do
 /eito $ue eu contei para voc1s. Fui fazer o teste e me disseram: =n%o, mas o
senhor /6 sa4e muito franc1s, vamos coloc6<lo lo*o no último ano?. Che*uei
na Fran-a confiante dos meus poderes franc+fonos, e fui lo*o no pr!dio da
90"SCO, onde tinha um senhor sentado na portaria. "u disse =monsieur, s>il
 vous plAit, oB est la dele*acion 4razilienne?. "le olha para mim e diz: =o
senhor ! portu*u1s, n%o !?.
2. 0a assimi
assimila-
la-%o
%o da literat
literatura
ura estran
estran*ei
*eira,
ra, vai aconte
acontecer
cer um pro4lem
pro4lemaa
*ravssimo: voc1 vai incorporar das suas leituras n%o somente os elementos
ima*in6rios, mas tam4!m os elementos lin*Dsticos, so4retudo se voc1 l1 no
ori*inal. " na hora em $ue voc1 assimila esses elementos lin*Dsticos, voc1
$uase instintivamente vai $uerer imit6<los no seu uso do portu*u1s, e tentar6
dizer coisas similares de modo $ue d1 o mesmo efeito em portu*u1s. 2 voc1
pode se dar muito mal, e ! e#atamente isso $ue acontece ho/e.

urante a maior parte da e#ist1ncia da literatura 4rasileira a influ1ncia


fundamental era francesa. Os camaradas aprendiam a escrever em primeira
instAncia com os 4ons escritores 4rasileiros, em se*unda com os portu*ueses
e em terceira com os franceses. Portu*al tem uns tr1s ou $uatro escritores
maravilhosos, $ue voc1 precisa mesmo assimilar: Camilo Castelo 'ranco, "-a
de @ueiroz, 2$uilino Ei4eiro, Ferreira de Castro, e muitos mais. as n%o d6
para comparar Portu*al com a Fran-a, e so4retudo com a Gn*laterra no
domnio da fic-%o. Ocorre $ue, $uando a influ1ncia dominante no 'rasil
dei#ou de ser francesa e passou a ser in*lesa, come-ou<se a copiar o modo
an*losa#Hnico de falar e escrever I e isso ! a4solutamente incompatvel com
a estrutura da nossa ln*ua.

Seria preciso fazer um esfor-o de transposi-%o, mas isso ! muito comple#o.


0%o conse*uindo, ent%o, fazer a transposi-%o Iou se/a, n%o conse*uindo criar
e$uivalentes e#pressivos id1nticos ou e$uivalentes aos da ln*ua in*lesa I, os
camaradas imitam os pr+prios recursos e#pressivos da pr+pria ln*ua in*lesa.
"m in*l1s voc1 pode colocar cinco ad/etivos um atr6s do outro. Se voc1 fizer
isso em portu*u1s n%o funciona, fica horroroso, e no entanto as pessoas fazem
isso ho/e. "m in*l1s voc1 pode pe*ar um ad/etivo, antecedido de um adv!r4io,
e colocar tudo antes do su4stantivo. Gsso ! normal em in*l1s, mas em
portu*u1s fica horroroso, e no entanto ho/e em dia est6 todo o mundo
escrevendo assim, por$ue se aprende a escrever so4retudo pela internet (n%o
! nem com os *randes escritores, mas com um in*l1s de terceira ou $uarta
m%o). "nt%o acontece o se*uinte: voc1 perde a sensi4ilidade auditiva, perde a
música do idioma.

Se voc1 perde a música do idioma, voc1 perde um dos principais elementos


e#pressivos. " $uando acontece isso I ou se/a, $uando voc1 est6 falando uma
coisa mas n%o perce4e $ue a$uilo soa mal I ! claro $ue voc1 est6 enco4rindo
as suas e#peri1ncias reais. Joc1 est6 enco4rindo a e#peri1ncia real da $ual
 voc1 est6 falando por$ue voc1 est6 enco4rindo a e#peri1ncia real de estar
fala
faland
ndo.
o. Se na prod
produ-
u-%o
%o da sua
sua fala
fala voc1
voc1 n%o
n%o est6
est6 prese
present
ntee com
com totota
tall
consci1ncia, incluindo a sensi4ilidade auditiva, o conteúdo do $ue voc1 fala
tam4!m fica deslocado. "u n%o posso, por e#emplo, dar a ima*em de um
persona*em sincero, se eu mesmo n%o estou sendo sincero ao descrev1<lo.
Gsso acontece com uma fre$D1ncia e#traordin6ria. Ontem mesmo eu estava
lendo uma tradu-%o $ue um su/eito fez de uma mat!ria in*lesa. "u n%o
lem4ro e#atamente as palavras, mas vou tentar criar um e$uivalente a$ui: =2 
horrivelmente hip+crita sociedade 4ritAnica?. Gsso n%o ! portu*u1s5 isso !
in*l1s com palavras 4rasileiras. "m portu*u1s voc1 n%o pode fazer isso. Joc1
n%o pode anteceder um adv!r4io, um ad/etivo e depois um su4stantivo,
por$ue n%o funciona. 0o entanto, o número de pessoas $ue escreve assim
ho/e ! enorme.

"nt%o n+s vamos ter $ue colocar entre par1nteses as nossas influ1ncias an*lo<
sa#Hnicas durante um certo tempo, e recuperar influ1ncias de ln*uas latinas
$ue s%o mais pr+#imas 8 nossa, como o franc1s, o espanhol, o italiano, $ue
s%o mais facilmente assimil6veis sem estra*ar a nossa ln*ua. " a in*lesa 2 
in*lesa pode ser assimilada, mas n%o pode ser assimilada assim como est6.
 Joc1 tem de fazer um mane/o, voc1 tem de usar par6frases, achar um
e$uivalente semAntico, $ue n%o ser6 um e$uivalente sint6tico em hip+tese
al*uma.
3. O franc1s ! muito 4om para voc1 aprender a escrever em portu*u1s,
por$ue muitos escritores 4rasileiros aprenderam com os franceses I "-a de
@ueir
eiros ! $uas
uase um escritor franc1s c1s I e por$ r$uue a ln*ua francesa esa
literariamente ! muito 4em tra4alhada I o $ue os caras fazem no franc1s !
maravilhoso. O espanhol, $ue est6 4em perto de n+s, tem de sa4er e, se puder,
o italiano tam4!m. Joc1 vai ter $ue ler um pou$uinho em cada uma dessas
ln*uas. Capriche no in*l1s, mas n%o por$ue voc1 vai aprender a escrever em
in*l1s. 2 pior coisa $ue voc1 pode fazer ! tentar aprender a escrever em in*l1s
para passar para o portu*u1s, como o pessoal faz ho/e e s+ sai merda. Gn*l1s !
muit
muitoo difer
diferen
ente
te do port
portu*
u*u1s
u1s.. 2pre
2prend
ndaa o in*l
in*l1s
1s como
como acess
acessoo a font
fontes
es de
informa-%o, por$ue eles traduzem tudo e as tradu-es s%o muito 4oas. ",
so4retudo, ! a ln*ua de tra4alhos acad1micos I o $ue voc1 procurar a de
tra4alho acad1mico, sempre tem no in*l1s. O $ue n%o tem no in*l1s, n%o
e#iste pro mundo de informa-es acad1micas. "nt%o, ! fundamental para
isso
isso,, n%o
n%o para
ara apre
aprend
nder
er a escr
escrev
ever
er.. "sse
"sse pess
pessoa
oall $ue
$ue l1 muit
muitoo escr
escrit
itor
or
americano e tenta fazer a mesma coisa em portu*u1s, s+ faz porcaria. Joc1
tem de aprender com ln*uas $ue se/am afins 8 sua: o espanhol, o franc1s, o
italia
italiano,
no, e o latim
latim eviden
evidentem
tement
ente.
e. Se aprend
aprender
er latim
latim e ler os discurs
discursos
os de
Ccero, voc1 nunca vai perder. "u n%o sei $uem dizia: =Joc1 $uer aprender a
escrever Keia Ccero? I eu acho $ue ! verdade, por$ue ! uma coisa de uma
clarez
clareza,
a, de uma
uma for-a
for-a muit
muitoo *ran
*rande
de.. as
as n%o
n%o vamo
vamoss falar
falar niss
nissoo a*
a*ora
ora,,
continua treinando l6 com o 0apole%o endes de 2lmeida, mais tarde voc1 l1
o seu Ccero.
4. Aluno: As aulas estão cada vez melhores, muito
muito obrigado por tudo. Tenho
uma dvida de ordem pr!tica. "eri#i$uei logo de imediato ser necess!rio
ad$uir
ad$uirir
ir conhec
conhecime
imento
nto de língua
língua estran
estrangei
geira
ra para
para o estudo
estudo.. Comecei
Comecei a
aprender ingl%s sozinho, buscando somente aprender a ler, é o $ue me
bastava. &as ve'o também a necessidade de aprender o #ranc%s. &inha
dvida é a $ual dessas duas línguas eu devo dar pre#er%ncia.

Olavo: O franc1s ! mais f6cil, a estrutura dele ! 4em parecida com a do


portu*u1s e houve uma influ1ncia muito *rande na cultura portu*uesa e
 4rasileira. 2trav!s do franc1s voc1 tem acesso a praticamente toda a
 4i4lio*rafia universal mais importante. as, na esfera dos estudos
acad1micos mais recentes, a tem de ser o in*l1s mesmo, por$ue ainda n%o
deu tempo
tempo de traduz
traduzir
ir essas
essas coisas
coisas para o franc1
franc1s.
s. "nt%o,
"nt%o, para
para a forma-%
forma-%oo
*eral, o franc1s5 para a atualiza-%o com estudos acad1micos, o in*l1s. Franc1s
primeiro e in*l1s lo*o depois, mas tem de caprichar nos dois. 2 4i4lio*rafia
acad1mica em in*l1s ! um dos *randes feitos da humanidade, ! um ne*+cio
a4solutamente impressionante o $ue eles fizeram. Joc1 tem informa-%o so4re
tudo
udo o $ue $uiser. "u est estou faz
fazendo ess
essa pes$uisa so4re a ment ente
revolucion6ria faz anos. Praticamente n%o h6 $uest%o (a *ente vai 4uscando a
e#plica-%o hist+rica e de repente sur*em certos eni*mas) para a $ual voc1 n%o
enco
encont
ntre
re respos
resposta
ta em estu
estudo
doss acad
acad1m
1mic
icos
os em in*l
in*l1s
1s.. 7 uma
uma verd
verdad
adei
eira
ra
maravilha.
5. Aluno: (uero aprender
aprender #ranc%s sozinho.

Olavo: uito 4em. O franc1s ! 4om para voc1 aprender por$ue a *ram6tica !
parecida com a nossa at! certo ponto. O primeiro livro $ue eu li em franc1s foi
f oi
Ke 0oeud de JipLre (O 0+ das J4oras), de Fran-ois auriac. Su*iro esse
mesmo livro por$ue ! um livro $ue voc1 n%o conse*ue lar*ar, $uer sa4er o
$ue vai acontecer. O pro4lema ! $ue ele ! t%o atraente $ue voc1 $uer pular as
palavras e ir para a p6*ina se*uinte. 0%o fa-a isso, refreie o MimpulsoN. Se
pular Mal*uma parteN, vai perder o melhor5 ent%o leia linha por linha, e anote
todas as palavras $ue voc1 n%o conhece. Se voc1 perce4e: ="stou lendo essa
pala
palavr
vraa de novo
novo,, eu sa4i
sa4ia,
a, a*
a*or
oraa /6 es$u
es$uec
eci?
i?,, Mcon
Mconsu
sult
lteN
eN o dici
dicion
on6r
6rio
io
novamente. 0%o di*a: =epois eu lem4ro?, MconsulteN o dicion6rio vinte vezes,
Mse necess6rioN. "u MconsultavaN vinte vezes: =e novo "s$ueci de novo a
mesma palavra?, ficava revoltado com a minha 4urrice, mas eu ia l6 e
anotava de novo, de novo e de novo. @uando terminei de ler o livro, eu sa4ia
franc1s. "nt%o voc1 vai criando a$uela intimidade profunda com o te#to, eu
acho $ue ! a melhor maneira.

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