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Sexoplumasparasitas PDF
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M E D I C EVOLUTIVA
I N A
Se
A reprodução assexuada
parece ser uma ótima
maneira de um ser vivo
passar seus genes
para a próxima geração.
Afinal, nesse caso,
os filhos são praticamente
plum
cópias genéticas dos pais.
Se isso é verdade,
para que existiria o sexo?
Essa pergunta já incomodou
muita gente e obteve
muitas respostas,
cada uma com sérias
limitações, mas uma teoria
lançada nos anos 80 parece
resolver o problema.
Segundo essa teoria,
o sexo permite que
os organismos equilibrem
a constante luta evolutiva
contra os seus próprios
parasitas.
xo,
as e
parasitas
Que sexo é bom, poucas pessoas discordam. No entanto, quando
os cientistas se perguntam bom para quê? há
controvérsias. Em 1889, o biólogo alemão August
Weismann (1834-1914) notou que a função do sexo
não poderia ser a de permitir a multiplicação dos
organismos, pois diversas espécies reproduzem-se
sem recorrer ao sexo. Qualquer pessoa que gosta de
jardinagem sabe que muitas espécies de plantas
pegam de galho: basta enterrar um pedaço de um
ramo para obter novo indivíduo.
Outros organismos, como as planárias (vermes
de vida aquática), podem gerar novo organismo pe-
la fissão do corpo. Micróbios unicelulares simples-
mente dividem-se em dois, por um processo seme-
lhante à mitose. E muitos insetos, como os pulgões,
passam parte do ano produzindo ovos que geram
cópias genéticas do indivíduo que os produziu tal
processo, chamado de partenogênese, é uma forma
de reprodução assexuada bem comum entre os ani-
mais, e ocorre até em animais mais complexos,
como alguns lagartos, peixes e anfíbios. 4
Núcleo
vantagens ecológicas. Este artigo apresenta em deta- toda parte e procuram sempre, por sua natureza,
lhes uma das propostas, a teoria sosigônica (ou explorar seus hospedeiros. Além disso, apresentam
teoria da Rainha Vermelha, como é também conhe- virulência específica, afetando apenas determina-
cida), que vem recebendo muita atenção da comuni- dos genótipos dos hospedeiros, enquanto estes têm
dade científica nos últimos tempos. genes que conferem resistência ao ataque. Como o 4
tempo de geração dos
parasitas (figura 3) é
O mundo da Rainha Vermelha muitas vezes menor
que o dos hospedeiros
Essa audaciosa teoria sobre a origem e a manutenção e por isso suas taxas
do sexo foi proposta pelo evolucionista inglês de evolução são mui-
William D. Hamilton (1936-), da Universidade de tas vezes maiores, a
Oxford, em 1980. Segundo ele, os parasitas estão em única saída para os A B
Figura 3.
A luta contra
os parasitas
– como os da
ancilostomíase(A),
e da doença
evitar o acúmulo de mutações pre- riabilidade temporal e espacial do perados e em topos de montanha, de Chagas (B),
judiciais. ambiente”. onde espera-se maior instabilidade. que atacam
Harris Bernstein (1983) – Sexo é... LIMITAÇÕES: essa hipótese prevê Michael Ghiselin (1974) – Sexo é... o homem
– parece explicar
“um mecanismo que permite o con- que o sexo deve ocorrer com maior “um mecanismo de diferenciação a origem
serto das fitas de DNA (ácido freqüência em ambientes instáveis, ecológica entre irmãos e parentes, e a evolução
desoxirribonucléico) através da re- mais sujeitos a variações das condi- que permite sua coexistência em do sexo entre
combinação”. ções bióticas. No entanto, os pa- ambientes saturados”. os seres vivos
LIMITAÇÕES: diversos argumen- drões geográficos e ecológicos rela- LIMITAÇÕES: não existe justificativa
tos sugerem que o conserto do DNA cionados à reprodução sexuada são para que o filho que conseguiu so-
deve ser visto como uma conse- opostos ao previsto por essa hipóte- breviver por se diferenciar ecologi-
qüência benéfica da existência do se: a reprodução assexuada é mais camente dos demais parentes opte
sexo e não sua causa. comum em organismos de água por se utilizar do sexo para produ-
doce, onde os teores de nutrientes zir filhos diferentes dele mesmo.
HIPÓTESES ECOLÓGICAS e a temperatura flutuam bastante, 4 William D. Hamilton (1980) –
George C. Williams (1966) e John e a reprodução sexuada predomi- Sexo é... “um mecanismo evolutivo
Maynard Smith (1971) – Sexo é... na em ambientes marinhos, mais pelo qual os organismos podem es-
“um mecanismo que permite a pro- constantes. Além disso, organismos capar dos seus parasitas” (teoria
dução de filhos geneticamente di- assexuados são comuns no início da sosigônica).
versos, capazes de enfrentar a va- sucessão ecológica, em países tem- LIMITAÇÕES: a serem descobertas.
n o v e m b r o d e 1 9 9 9 • CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE • 2 9
BIOLOGIA EVOLUTIVA
Figura 5.
As grandes
monoculturas,
que utilizam
plantas
geneticamente
uniformes,
são mais
suscetíveis
ao ataque
de pragas
e doenças
É como se soluções genéticas obsoletas em dado As mesmas idéias de coevolução entre parasitas Figura 6. A
momento fossem temporariamente colocadas de e hospedeiros que ajudam a entender a evolução do majestosa
cauda dos
lado para serem eventualmente recicladas no futu- sexo podem ser úteis para explicar as diferenças
pavões seria
ro. Se isso é correto, a teoria da Rainha Vermelha fisiológicas, morfológicas e comportamentais entre uma espécie de
ajudaria a explicar a diversidade de alelos e, em machos e fêmeas. ‘propaganda
conseqüência, a existência de diferentes formas de genética’:
proteínas, que tanto intrigaram os geneticistas a as maiores e
mais bonitas
algumas décadas. Plumas: arma contra parasitas indicariam
Muitas das suposições decorrentes do modelo de que seus donos
Hamilton foram confirmadas recentemente. Estu- Quando o inglês Charles Darwin (1809-1882) pu- têm os genes
dos empíricos demonstraram que populações natu- blicou sua obra máxima, A origem das espécies, que garantem
rais têm uma substancial variação genética para em 1859, propondo que a diversidade biológica melhor
proteção
resistência às doenças e à virulência dos parasitas. poderia ser explicada pela evolução através do pro-
contra
Além disso, mostrou-se que há forte associação cesso de seleção natural, ele tinha consciência de parasitas
entre genótipos, como um sistema chave-fecha- que alguns fatos desafiavam essa grande teoria. Se a
dura: parasitas com a chave certa atacam o hospe- evolução realmente ocorre pela sobrevivência dos
deiro e reproduzem-se com sucesso, enquanto para- mais aptos, como a seleção natural poderia expli-
sitas com a chave errada penam para se car a evolução do elaborado arranjo das plu-
perpetuar. Muitos estudos indi- mas multicoloridas da cauda dos
cam, também, que espécies pavões?
com reprodução asse- O excesso de cores,
xuada são mais sus- formas e materiais des-
cetíveis a ataques de sa magnífica cauda,
parasitas que espé- que mais parece um
cies aparentadas traje carnavalesco
com reprodução (figura 6), dificil-
sexuada. Isso tam- mente pode ser
bém é verdade atribuído a um pro-
para variedades de cesso tão econômico
plantas. Qualquer quanto a seleção na-
agricultor sabe que tural. De fato, ao invés
monoculturas de cereais de promover a sobrevi-
geneticamente uniformes vência, tal estrutura parece
são altamente propensas a serem ser um fardo, que torna os pavões
devastadas por pragas (figura 5). machos mais suscetíveis à ação dos predadores.
A teoria da Rainha Vermelha prediz diversos E é evidente que isso não precisa ser assim, já que
padrões ecológicos que têm sido verificados na o traje das fêmeas dos pavões é tão conservador
natureza. Segundo a teoria, por exemplo, quanto quanto os das senhoras vitorianas.
maior a diferença entre o tempo de vida do hospe- Em 1871, Darwin publicou um enorme tratado
deiro e o tempo de vida do parasita, maior será a denominado A origem do homem e a seleção em
pressão de parasitismo. Assim, o sexo deve ser mais relação ao sexo, no qual reconheceu que a evolução
freqüente em organismos grandes e de alta longevi- de muitas das diferenças entre machos e fêmeas
dade, o que foi confirmado em uma grande revisão (chamadas de características sexuais secundárias)
da literatura científica. Em outro exemplo, prevê-se só poderia ser explicada por um processo de seleção
que organismos com reprodução assexuada devem que privilegiasse o sucesso reprodutivo, mesmo que
ser mais comuns em ambientes instáveis, onde as isso acarretasse certo custo em termos de sobrevi-
relações parasita-hospedeiro são quebradas cons- vência. Para descrever esse processo, Darwin criou
tantemente. De fato, tais organismos são mais fre- o termo seleção sexual.
qüentes em campos do que nas florestas maduras, Ele notou que em muitas espécies ocorre com-
em países temperados e em topos de montanhas, petição entre machos, na disputa por fêmeas re-
condições de maior instabilidade ambiental. Além produtivas, e que alguns poucos machos monopoli-
disso, organismos de água doce, submetidos a gran- zam grande parte das oportunidades de reprodução,
des variações de temperatura e de teores de nu- enquanto os outros têm poucos filhos ou até mor-
trientes, tendem a se reproduzir mais assexuada- rem virgens. Assim, qualquer característica fisioló-
mente que organismos de ambientes marinhos, mais gica, morfológica ou comportamental que aumen-
constantes. tasse a probabilidade de sucesso no conflito entre 4
Figura 7.
Características
sexuais
secundárias
como os chifres
dos veados
(OU as presas
dos elefantes/
OU as grandes
pinças dos
caranguejos)
também
funcionariam
como uma
demonstração
do melhor
potencial machos seria selecionada. Para Darwin, esse pro- rísticas sexuais, como os chifres dos alces, seriam
genético de cesso explicaria, por exemplo, porque machos são uma forma de ordenar os machos quanto às suas
seu portador em geral maiores e mais fortes que as fêmeas e qualidades genéticas antiparasitas.
possuem estruturas poderosas usadas como verda- Nesse mercado reprodutivo competitivo, porém,
deiras armas em combates físicos com outros ma- pode-se esperar que nem todos os machos sejam
chos (como os chifres dos veados, as grandes presas honestos quanto às suas qualidades. A tentação de
dos elefantes e as fortes patas dos caranguejos) produzir adornos um pouquinho mais elaborados
(figura 7). do que o vizinho, mesmo sem ter bons genes, é
Darwin percebeu ainda que em muitas espécies muito grande. Isso leva ao surgimento de propa-
o poder de escolher o parceiro reprodutivo está com gandas não-fidedignas. Para que isso não ocorra,
as fêmeas. Nesse caso, os melhores machos seriam segundo o evolucionista israelense Amotz Zahavi,
aqueles com mecanismos de sedução desenvolvi- da Universidade de Tel-Aviv, as características se-
dos. Isso explicaria, por exemplo, a evolução de xuais secundárias têm que ser custosas, de modo
cantos, danças e exibições altamente elaboradas dos que apenas indivíduos com genes realmente bons
comportamentos de corte de muitas espécies, as- possam produzi-las. Em outras palavras, se o custo
sim como o aparecimento das majestosas plumas da mentira é grande, não vale a pena mentir. É
dos pavões. interessante notar que enquanto Darwin considera
Em 1982, com a publicação do artigo de William o custo das características sexuais secundárias um
Hamilton (e de sua então aluna de pós-graduação subproduto não-desejável da seleção sexual, a teo-
Marlene Zuk), os parasitas infectaram o cenário ria da Rainha Vermelha vê em tal custo uma condi-
dos debates sobre seleção sexual e evolução de ção essencial para o funcionamento do modelo.
características sexuais secundárias. No mundo da Essa nova teoria também resolveu um antigo
Rainha Vermelha, no qual os parasitas estão a pou- problema dos modelos de seleção sexual baseados
cos passos evolutivos atrás dos hospedeiros, acasa- em vantagens genéticas, identificado em 1930 pelo
lamento é coisa séria. Como em geral as fêmeas geneticista norte-americano Ronald Fisher (1890-
investem mais recursos na prole que os machos e 1962). Se há genes bons, e se as fêmeas preferem se
dedicam mais tempo ao cuidado das crias, espera-se acasalar com os machos que os possuem, tais genes
que sejam extremamente cuidadosas na escolha tenderiam a se espalhar na população e a se fixar
dos parceiros reprodutivos, pois uma má escolha rapidamente, e as fêmeas não conseguiriam
pode comprometer de maneira vital a sobrevivên- mais fazer essa escolha. Assim,
cia de seus filhos. como as vantagens genéti-
Figura 8.
O colorido Acredita-se, portanto, que as fêmeas, ao decidir cas seriam mantidas
dos pássaros, com quem se acasalar, buscam sinais que eviden-
em geral ciem a presença de bons genes contra parasitas,
nos machos, para aumentar as chances de que seus filhos adqui-
e até os cantos
ram essas defesas. Ao mesmo tempo, espera-se que
mais elaborados
seriam machos possuidores de bons genes façam propa-
maneiras ganda disso. Assim, cores vistosas (figura 8), exibi-
de atrair ções atléticas prolongadas e cantos elaborados po-
o interesse dem ser vistos como propagandas genéticas que
das fêmeas
sinalizam as qualidades relativas entre potenciais
e garantir
o sucesso parceiros reprodutivos. Além disso, os combates
reprodutivo entre machos e a evolução de muitas outras caracte-