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DOENÇA OROVALVAR

ESTENOSE MITRAL

 Introdução:

 Função da Valva Mitral: A valva mitral posiciona-se entre o átrio esquerdo e


o ventrículo esquerdo, sendo categorizada, juntamente com a valva tricúspide, como uma
valva atrioventricular. A sua integridade é fundamental para a função cardíaca. Na diástole,
a valsa se abre, permitindo o enchimento ventricular esquerdo, sem oferecer nenhuma
resistência à passagem de sangue entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo. Na sístole,
a valva se fecha, direcionando o sangue para a aorta, impedindo-o que reflua para o átrio
esquerdo. Para garantir uma boa abertura, os folhetos valvares precisam ter uma boa
mobilidade e elasticidade. Para garantir o seu fechamento, é necessária a integridade de
todo o aparelho valvar mitral.

 Aparelho Valvar Mitral: O aparelho valvar mitral é composto por:

a) Anel ou ânulo mitral


b) Dois folhetos ou cúspides valvares
c) Cordoalha tendinosa
d) Músculos papilares
Os músculos papilares são proeminências musculares do miocárdio do ventrículo
esquerdo, ligando-se à borda dos folhetos mitrais através da cordoalha tendinosa, um
conjunto de cordões fibrosos.

Durante a sístole, os músculos papilares se contraem, tensionando a cordoalha


tendinosa, de forma a ancorar os folhetos mitrais. Isso evita que eles prolapsem para o
interior do átrio esquerdo, permitindo o fechamento da valva. Paras um adequado
fechamento mitral, os folhetos devem estar íntegros e o ânulo mitral deve reduzir o seu
diâmetro pela contração sistólica, um efeito semelhante as um esfíncter.

 Definição de Estenose Mitral: Quando a valva mitral se abre amplamente na


diástole, o sangue passa livremente através de uma área entre 4 a 6cm2. Esta á a área
valvar mitral normal. Esta área confere uma resistência desprezível ao fluxo sangüíneo,
portanto, praticamente não há gradiente de pressão diastólico entre o átrio esquerdo e o
ventrículo esquerdo. Podemos dizer que, quando a área valvar mitral está normal, a pressão
do átrio esquerdo é idêntica à pressão do ventrículo esquerdo no final da diástole, ou seja, o
coração esquerdo funciona como uma câmara única atrioventricular nesse momento.
 Classificação quanto à Gravidade: A gravidade da estenose mitral é medida
pela área valvar mitral, tendo uma correspondência com o gradiente médio de pressão átrio
esquerdo – ventrículo esquerdo na diástole. Este gradiente de pressão pátrio esquerdo –
ventrículo esquerdo também é chamado de gradiente de pressão transvalvar.

 Fisiopatologia:

 Congestão Pulmonar: Na estenose mitral há uma obstrução fixa ao fluxo de


sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo durante a fase de enchimento
ventricular – diástole.
Para que este fluxo se mantenha adequado, apesar da obstrução, faz-se necessário
um Gradiente de Pressão Transvalvar, que não existe em condições normais. O gradiente
ocorre à custa do aumento da pressão do átrio esquerdo, que se transmite ao leito
venocapilar pulmonar. Uma pressão venocapilar maior do que 18mm de Hg (normal: até
12mm de Hg) é capaz de promover um ingurgitamento venoso e extravasamento capilar de
líquido, ou seja, a síndrome congestiva. Entretanto, na estenose mitral, a pressão
venocapilar pulmonar eleva-se de forma insidiosa, estimulando um mecanismo de
adaptação da vasculatura pulmonar, o que permite a um indivíduo tolerar uma pressão
venocapilar de até 25mm de Hg sem apresentar sintomas.
A congestão pulmonar é a principal responsável pelos sintomas da estenose
mitral, especialmente a dispnéia aos esforços e a ortopnéia. Um pulmão “cheio de
líquido” torna-se pesado e dificulta o trabalho respiratório, além de prejudicar a trocas
gasosa nos casos mais graves. A dispnéia vem do maior trabalho dos músculos respiratórios
e do estímulo aos receptores J do interstício pulmonar pelo edema.

Durante o esforço físico, o débito cardíaco e a freqüência cardíaca aumentam. Estes


são justamente os dois fatores determinantes do gradiente de pressão transvalvar na
estenose mitral:

 Débito Cardíaco: Se o débito cardíaco está aumentado, o retorno venoso


também aumenta, fazendo chegar mais sangue ao átrio esquerdo. Isso faz aumentar a
pressão atrial esquerda e o gradiente de pressão transvalvar, promovendo congestão
pulmonar. Analisando-se de outra forma, o aumento do débito cardíaco aumenta o fluxo
sangüíneo pela valva estenosada. Como regra de qualquer valva estenótica, aumentando-se
o fluxo transvalvar, eleva-se o gradiente de pressão transvalvar.

As condições principais de alto débito cardíaco são: esforço físico, estresse,


anemia, febre, gestação, hipertireoidismo, etc.
 Freqüência Cardíaca: A taquicardia reduz proporcionalmente o tempo da
diástole, dificultando o esvaziamento atrial pela valva estenosada. Isso faz aumentar a
pressão atrial esquerda e o gradiente de pressão transvalvar, promovendo congestão
pulmonar. Por isso, a fibrilação atrial aguda, com alta resposta ventricular (uma
taquiarritmia comumente associada à estenose mitral) pode descompensar o quadro e até
causar edema agudo de pulmão. A perda da contração atrial é um outro fator também
contribui para a descompensação do quadro.

 Hipertensão Arterial Pulmonar: O aumento crônico da pressão venocapilar


pulmonar é transmitido retrogradamente para o leito arterial pulmonar, levando a um
pequeno aumento da pressão arterial pulmonar (hipertensão arterial pulmonar passiva).
Este aumento inicial pode desencadear uma vasoconstricção pulmonar (hipertensão
arterial pulmonar reativa). Com o passar dos anos, as arteríolas e as pequenas artérias
pulmonares vão se hipertrofiando e começam a entrar em um processo fibro-degenerativo,
levando à obliteração crônica e progressiva do leito arteriolar pulmonar. Esta é a fase
avançada da hipertensão arterial pulmonar reativa. Quando já chegou a este estágio, pelo
menos parte da hipertensão arterial pulmonar torna-se irreversível.
O valor da pressão arterial pulmonar sistólica normal pode chegar até 30mm de Hg,
enquanto que a pressão arterial pulmonar média pode chegar até 19mm de Hg. As
conseqüências da hipertensão arterial pulmonar são principalmente sobre o ventrículo
direito, que precisa vencer a resistência vascular pulmonar para ejetar o sangue durante a
sístole. Quando a hipertensão arterial pulmonar sistólica atinge cifras acima de 50 a 60mm
de Hg, o ventrículo direito pode entrar em falência miocárdica, levando ao quadro de
insuficiência cardíaca direita, com todas as suas conseqüências. Nesse momento, associa-se
ao quadro clínico de congestão pulmonar um quadro de congestão sistêmica e baixo débito
cardíaco.

 Baixo Débito Cardíaco: O débito cardíaco, em geral, não é prejudicado nas


fases iniciais da estenose mitral, pois o enchimento ventricular esquerdo é preservado à
custa do aumento do gradiente de pressão transvalvar e dos sintomas de congestão
pulmonar. Porém, quando a estenose se torna crítica, principalmente quando há disfunção
do ventrículo direito associada, o débito cardíaco torna-se limitado, especialmente durante
o esforço físico. O uso de diuréticos para o tratamento da estenose mitral sintomática, se
feito de maneira não criteriosa, pode transforma uma síndrome de congestão pulmonar em
uma síndrome de baixo débito, tal como acontece com a maioria das síndromes de
insuficiência cardíaca congestiva.

 Etiologia: A etiologia de mais de 95% das estenoses mitrais é a cardiopatia


reumática crônica. O processo inflamatório crônico progressivo leva à degeneração
fibrótica do aparelho valvar. A valva mitral é a valva mais acometida; e a estenose mitral, a
lesão mais encontrada (65% dos casos) na cardiopatia reumática crônica. O seu
comprometimento é mais freqüente no sexo feminino, em cerca de 2/3 dos casos. Em
ordem decrescente de freqüência temos (segundo a última edição do Braunwald, de 2008):
dupla lesão mitral (estenose + insuficiência) – estenose mitral “pura” – insuficiência
mitral “pura”.
A degeneração fibrótica (e posteriormente fibrocalcífica) acomete os folhetos,
reduzindo a sua mobilidade e fundindo as comissuras (bordas proximais dos folhetos). O
aspecto macroscópico da valva em um estágio mais avançado é classicamente o de “boca-
de-peixe”.

São causas raríssimas de estenose mitral: congênita, endocardite infecciosa,


endocardite de Liebman-Sacks, amiloidose, síndrome de Hunter-Hurler.

 OBS: As Mucopolissacaridoses são doenças metabólicas hereditárias causadas por


erros inatos do metabolismo que levam a falta de funcionamento adequado de determinadas
enzimas, que são substâncias que participam de muitas reações químicas no nosso
organismo mantendo-nos vivos e com saúde. As Mucopolissacaridoses fazem parte de um
grupo chamado Doenças de Depósito Lisossomal.
Nas Mucopolissacaridoses ocorre deficiência ou falta de enzimas que digerem
substâncias chamadas glicosaminoglicanos, antigamente conhecidas como
mucopolissacárides e que deram nome à doença. Os glicosaminoglicanos são moléculas
formadas por açúcares, que se ligam a uma proteína central, absorvem grande quantidade
de água, adquirem uma consistência mucóide, viscosa, o que garante a essa estrutura uma
função lubrificante e de união entre os tecidos, permitindo, por exemplo, o movimento das
articulações (juntas) do corpo. Quando os glicosaminoglicanos não são digeridos
corretamente, devido à deficiência de alguma enzima, eles ficam depositados no interior
dos lisossomos e também são eliminados pela urina.

Algumas doenças simula a estenose mitral, por levarem à obstrução do fluxo


sangüíneo através do orifício mitral (mixoma atrial esquerdo, trombo atrial esquerdo
pedunculado) ou no interior do próprio átrio esquerdo (cor triatriatum – uma membrana
congênita que divide o átrio esquerdo em duas câmaras).

 História Clínica: A estenose mitral reumática é uma doença endêmica no nosso


meio, já que o número de casos de febre reumática continua bastante significativo. A
virulência das nossas cepas de estreptococos leva a quadros congestivos por estenose mitral
em idades bastante jovens (10-18 anos), geralmente em meninas. É comum o diagnóstico
de estenose mitral em adolescentes e adultos jovens (20 a 40 anos). Contudo, a doença pode
se manifestar em qualquer idade (até em pacientes idosos).
O principal sintoma da estenose mitral é a dispnéia aos esforços, sintoma cardinal
da síndrome congestiva pulmonar. Em fases mais avançadas, associa-se à síndrome de
baixo débito, caracterizada por fadiga, cansaço e lipotímia (tonteira) provocada pelos
esforços. Os sintomas da estenose mitral, portanto, são os mesmos da insuficiência cardíaca
congestiva. Aliás, a estenose mitral é considerada um tipo especial de insuficiência cardíaca
diastólica.
Contudo, a estenose mitral pode manifestar-se de maneiras peculiares, confundindo
eventualmente os próprios médicos. O paciente pode apresentar uma história de tosse com
hemoptise, associada a emagrecimento, o que leva a pensar em diagnóstico de
tuberculose ou neoplasia pulmonar. O mecanismo da hemoptise, em geral de pequena
monta, é a ruptura de capilares ou pequenas veias brônquicas, que se encontram
ingurgitadas e hipertensas (a hipertensão venosa é transmitida do sistema venoso pulmonar
párea o sistema venoso brônquico). Os pacientes com hipertensão pulmonar secundária à
estenose mitral podem queixar-se de dor torácica, às vezes de caráter anginoso, pela
distensão do tronco da artéria pulmonar. Em pacientes com mais de 40 anos, a dor anginosa
pode ser causada por doença coronariana aterosclerótica associada, que sempre deve ser
pesquisada nesses casos.
Um grande aumento do átrio esquerdo pode causar compressão do nervo faríngeo
recorrente esquerdo contra o brônquio fonte, acarretando rouquidão (Síndrome de
Ortner). A compressão esofágica acarreta disfagia para alimentos sólidos.
A síndrome de Ortner, também conhecida como síndrome cardiovocal, é uma
entidade rara, que pode ser secundária a muitos distúrbios cardiopulmonares. A hipertensão
pulmonar ou alguma causa que leve à dilatação e aumento da tensão na artéria pulmonar,
sendo temporária ou “dinâmica” pode ser responsável pela paralisia da prega vocal. A
compressão do nervo entre a aorta e a artéria pulmonar sob tensão é um fator constante em
todos os casos. Assim, seria pertinente fazer exame de laringoscopia indireta em todos os
casos de doença cardíaca.
 Exame Físico:

 Inspeção e Palpação: O pulso arterial em geral é normal, porém, pode estar


em amplitude diminuída na estenose mitral crítica, com uma redução importante do débito
cardíaco. O pulso venoso é reflexo das pressões do coração direito. Se o paciente
apresentar como complicação a hipertensão arterial pulmonar grave, teremos uma onda A
exacerbada no pulso jugular, nos pacientes em ritmo sinusal. Se houver insuficiência
ventricular direita, a pressão jugular estará aumentada, verificada pela elevação da altura do
pulso da jugular interna, com o paciente em 45°ou pela turgência patológica da veia jugular
externa. Alterações do pulso venoso na estenose mitral significam doença avançada, pois
refletem as conseqüências da hipertensão arterial pulmonar. Se houver insuficiência
tricúspide secundária à dilatação do ventrículo direito, ocorre uma “arterialização” do
pulso venoso. Veremos uma onda V gigante no pulso jugular, que se parece com um pulso
arterial visível.
A palpação do precórdio em geral mostra um íctus de ventrículo esquerdo fraco ou
impalpável. O choque valvar de B1 (correspondendo à hiperfonese de B1) é a alteração mais
comum no precórdio desses pacientes. Em casos de hipertensão arterial pulmonar, um
choque valvar de P2, no foco pulmonar pode ser sentido, correspondendo à hiperfonese de
P2. Nos casos de sobrecarga de ventrículo direito, pela hipertensão arterial pulmonar, o íctus
do ventrículo direito será palpável e proeminente. Uma dilatação importante do ventrículo
direito pode rodar o coração no sentido horário, deslocando o ventrículo esquerdo para trás.
Nesses casos, o ictus do ventrículo direito ocupa o lugar onde seria o ictus do ventrículo
esquerdo, o que pode confundir o diagnóstico com doenças que cursam com dilatação do
ventrículo esquerdo. O sopro da insuficiência tricúspide pode, então, ser confundido com o
sopro de uma insuficiência mitral.

 Ausculta: A ausculta do precórdio revela uma hiperfonese de B1, caso a


valva mitral ainda apresente uma mobilidade razoável e pouca ou nenhuma calcificação. A
estenose mitral aumenta a tensão entre os seus folhetos que então, ”vibram mais” ao se
fecharem. Uma outra explicação seria o atraso do fechamento mitral na sístole, devido á
alta pressão no átrio esquerdo. A valva partiria de uma posição mais aberta do que o
habitual antes de fechar-se. Às vezes, a hiperfonese de B 1 é o único achado auscultatório da
estenose mitral. Com a progressão da doença, a valva torna-se calcificada e perde a sua
mobilidade, reduzindo a fonese da primeira bulha. Nesse momento, a B 1 se tornará
hipofonética. A hiperfonese de P2 (componente pulmonar da B2) é o primeiro sinal da
hipertensão arterial pulmonar. A P2 se aproxima de A2 e, em estágios mais avançados, o
desdobramento fisiológico de B2 desaparece completamente, ficando uma bulha única e
hiperfonética.
O estalido de abertura da valva mitral ocorre no momento em que a valva se
abre, com os seus folhetos tensos. Portanto, o som dá-se logo após B 2 e se parece com um
desdobramento da segunda bulha e com a terceira bulha (B 3). O som é mais “seco” que a
B2 e é mais audível no foco tricúspide e mitral. A presença do estalido indica que a valva
tem uma mobilidade razoável. Quanto mais próximo do estalido da B 2, maior a gravidade
da estenose mitral.
 OBS: A manobra de Valsalva, amplamente difundida, é realizada ao se exalar (emitir
ou lançar fora de si) forçadamente o ar contra os lábios fechados e nariz tapado, forçando o
ar em direção ao ouvido médio se a tuba auditiva estiver aberta. Esta manobra aumenta a
pressão intratorácica, diminui o retorno venoso ao coração e aumenta a pressão arterial.

O ruflar diastólico não é patognomônico da estenose mitral. Pode ocorrer na febre


reumática aguda (sopro de Carey-Coombs), na insuficiência mitral grave (hiperfluxo pela
valva mitral) e na insuficiência aórtica grave (sopro de Austin-Flint). A diferenciação é
feita pela hiperfonese de B1 e pelo estalido de abertura, que só estão presentes na estenose
mitral.

 OBS: Sopro Carey-Coombs: É um sopro mesodiastólico em ruflar no foco mitral


conseqüente a endocardite reumática.
Sopro Austin-Flint: É um sopro ruflar diastólico no foco mitral conseqüente a
insuficiência da vala aórtica

A estenose mitral pura não cursa com bulhas acessórias (B3 ou B4), pois o ventrículo
esquerdo é poupado nesta patologia. Mas podemos ter bulhas acessórias provenientes do
ventrículo direito (B3 ou B4 de ventrículo direito), nos casos de sobrecarga ou insuficiência
ventricular direita. Esses sons aumentam caracteristicamente com a inspiração profunda
(manobra de Rivero-Carvalho) e estão associados a um ictus de ventrículo direito
palpável e proeminente. A terceira bulha do ventrículo direito (B 3 de ventrículo direito), por
ser um som protodiastólico, pode ser confundida com o estalido de abertura. Este último,
entretanto, não intensifica com a inspiração.
Nos casos de insuficiência tricúspide teremos um sopro sistólico (que pode ser
holossistólico), mais audível no foco tricúspide. Nos casos em que o ventrículo direito se
desloca para a esquerda, pode ser mais audível no foco mitral. Este sopro pode ser
facilmente confundido com o sopro de insuficiência mitral. A diferenciação é feita pelo
aumento característico do sopro com a inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvalho)
e pela presença de outros sinais de insuficiência tricúspide no exame (onda V gigante no
pulso jugular, pulso hepático). Na insuficiência tricúspide, outros sinais de aumento do
ventrículo direito (ictus de ventrículo direito, B3 de ventrículo direito) também são notados.
 OBS: Estenose Mitra Silenciosa: Alguns pacientes portadores de estenose de mitral
não têm ruflar diastólico audível. Isso ocorre devido à idade avançada, obesidade, DPOC,
aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax ou estados de baixo débito cardíaco (baixo
fluxo). A doença deve ser suspeitada por outros dados.

 Complicações:

 Fibrilação Atrial: O átrio esquerdo aumenta de tamanho progressivamente na


estenose mitral, devido ao aumento da pressão intracavitária.

A própria cardiopatia reumática acomete o miocárdio atrial, levando a uma espécie


de miocardite atrial crônica. Estes dois fatores geram as condições eletrofisiológicas que
predispõem à fibrilação atrial. Cerca de 30 a 50% dos pacientes com estenose mitral
desenvolvem fibrilação atrial, na forma paroxística intermitente ou na forma crônica
permanente. A rápida resposta ventricular característica na fibrilação atrial (geralmente
entre 110 a 180bpm), aliada à perda da contração atrial, promove um importante aumento
da pressão atrial esquerda, levando aos sintomas de congestão pulmonar (dispnéia,
ortopnéia). Episódios de fibrilação atrial paroxística podem se manifesta com edema agudo
de pulmão. A hipotensão arterial ou o choque podem ser decorrentes do baixo débito
cardíaco. O débito cardíaco está reduzido pelo pequeno tempo de enchimento ventricular
diastólico e pela perda de contração atrial (responsável por cerca de 30% do enchimento
ventricular). A fibrilação atrial é a responsável pelos fenômenos tromboembólicos que
complicam a doença valvar mitral.

 Fenômenos Tromboembólicos: A embolia sistêmica ocorre em cerca de 10 a


20% dos pacientes com estenose mitral. São especialmente comuns quando há fibrilação
atrial associada: freqüência média de 6% ao ano (altíssimo risco) O momento de instalação
da fibrilação atrial também é importante: 1/3 dos eventos tromboembólicos acontece no
primeiro mês de instalação, e os 2/3 restantes, nos primeiro ano. Os pacientes com
estenose mitral reumática em ritmo sinusal e com átrio esquerdo bastante aumentado
também podem evoluir com tromboembolismo, embora com chance bem menor. O átrio
esquerdo grande e fibrilando, ou seja, sem contração eficaz, é um enorme estímulo para a
formação de trombos intracavitários devido à estase sangüínea. O apêndice atrial esquerdo
é um local comum para a formação de trombos. Estes trombos podem se deslocar do átrio
esquerdo, seguindo pela circulação sistêmica até embolizar uma artéria cerebral, esplênica,
mesentérica, renal, etc. O acidente vascular encefálico isquêmico é o evento embólico mais
comum. A anticoagulação com warfarim, quando bem conduzida, reduz significativamente
a chance de eventos tromboembólicos nesses pacientes.
 Endocardite Infecciosa: A turbulência do fluxo transvalvar permite a
formação de pequenos trombos que podem ficar aderidos à face ventricular da valva mitral,
que podem servir de “abrigo” para alguns tipos de bactérias. Episódios de bacteremia (ex:
manipulações dentárias) podem infeccionar esses focos, formando um quadro infeccioso
sistêmico chamado de endocardite infecciosa. Em geral, se manifesta na forma subaguda.
A destruição da valva pela endocardite pode levar á insuficiência mitral.

 Exames Complementares Inespecíficos:

 Eletrocardiograma: O eletrocardiograma é importante para determinar se o


paciente está em ritmo sinusal ou tem fibrilação atrial crônica. Pode revelar os sinais de
aumento atrial esquerdo (onda P larga e bífida em D2 e o índice de Morris em V1 – porção
negativa da P aumentada com área maior que um “quadradinho”). A alteração da onda P
nesses casos é denominada P mitrale. Nos casos mais avançados, pode haver sinais de
sobrecarga do ventrículo direito, com desvio do eixo para a direita, ondas S amplas em V 5,
V6 e ondas R amplas em V1 e V2.

 Radiografia de Tórax: O sinal mais precoce é o aumento atrial esquerdo


isolado. Na incidência de perfil, com o esôfago contrastado com bário, observa-se o
aumento do átrio esquerdo pelo deslocamento posterior do esôfago. O aumento do átrio
esquerdo pode ser notado na incidência PA, através dos seguintes sinais:
O átrio esquerdo localiza-se posteriormente ao coração e suas bordas não aparecem
na incidência PA, por ser uma câmara pequena. O aumento para a direita permite a
visualização da sua borda direita, que se aproxima das borda do átrio direito – justificando
o sinal do duplo contorno.
O sinal da bailarina ocorre quando o átrio esquerdo aumenta para cima. De todos os
sinais radiológicos de aumento do átrio esquerdo, o mais precoce é o deslocamento
posterior do esôfago contrastado.

As alterações pulmonares são proeminentes: inversão do padrão vascular (dilatação das


veias pulmonares apicais), linhas B de Kerley, edema intersticial. A congestão pulmonar
crônica leva ao acúmulo de hemossiderina no interstício pulmonar (devido a pequenos
sangramentos congestivos). Na radiografia aparecem pequenos nódulos intersticiais
difusos, eventualmente calcificados. O diagnóstico diferencial deve ser com pneumopatias
crônicas miliares e intersticiais.

 OBS: Padrão Radiológico do Edema Intersticial:


 Linhas A de Kerley: São mais longas, de quatro a 12 centímetros, mais retas do
que curvas, e se estendem da área hilar ou para-hilar em direção à periferia. São comuns no
edema intersticial agudo e mais vistas nos lobos superiores.
 Linhas B de Kerley: São linhas horizontais densas, de mais ou menos dois
centímetros de comprimento, mais bem visualizadas na porção inferior dos pulmões, nas
projeções oblíquas. São septos interlobulares espessa dos separados por líquido.
 Borramento hilar: Há uma perda de definição dos grandes vasos centrais, com
aumento da densidade.
 Padrão Reticular Difuso: Observa-se quando o edema avança por todo o pulmão.
Há formação reticulada fina, em forma de “teia de aranha”, as linhas C de Kerley, de
padrão semelhante à fibrose intersticial difusa, porém, nesta entidade, não se observam
linhas A de Kerley.

 Ecocardiograma-Doppler e Cateterismo Cardíaco: Tanto através do


ecocardiograma unidimensional (M-model) quanto pelo ecocardiograma
bidimensional, podemos observar a mobilidade e as características dos folhetos mitrais. O
ecocardiograma bidimensional é excelente para observarmos não só a mobilidade das
cúspides, mas também todo o aspecto do aparelho mitral.
A etiologia reumática é confirmada pelo aspecto do folheto posterior da valva
mitral, que se encontra caracteristicamente imóvel e espessado. Existem critérios muito
importantes para estabelecer o quanto está comprometido o aparelho valvar mitral pela
doença reumática.
São eles:

O escore ecográfico de Wilkins ou escore de Block, é a soma desses quatro


critérios assinalados acima, cada um pontuado com um número de 1 a 4.

Quanto maior for o escore de Wilkins ou de Block, maior o comprometimento e a


degeneração valvar e pior será a resposta à plastia valvar. O escore vai de 4 a 16. Um
escore < 8 significa uma valva pouco comprometida e não calcificada, com uma excelente
resposta à plastia. Um escore > 11 denota uma valva bastante degenerada e muito
calcificada, com uma resposta insatisfatória à plastia. A gravidade da estenose mitral deverá
ser determinada pela estimativa da área valvar mitral.

Além do aspecto do aparelho mitral e da estimativa do gradiente pressórico e área


mitral, o ecocardiograma deve também avaliar o diâmetro do átrio esquerdo, a função
ventricular esquerda, a presença de insuficiência mitral associada, o acometimento da valva
aórtica e estimar a pressão arterial pulmonar. A pressão arterial pulmonar sistólica pode ser
estimada nos casos de insuficiência tricúspide, mesmo leve, utilizando-se a medida do fluxo
de regurgitação tricúspide.
A presença de trombo intra-atrial também deve ser investigada. A sensibilidade do
ecocardiograma transtorácico para trombo atrial é de apenas 50%, pois este exame tem a
capacidade limitada para avaliar a cavidade do apêndice atrial esquerdo.
O eco transesofágico tem uma sensibilidade > 95% para trombo atrial, incluindo o
apêndice, devido à proximidade do transdutor ao átrio esquerdo. Pequenas cintilações no
átrio esquerdo denominadas contraste ecogênico espontâneo, representam predisposição à
formação de um trombo.

 Cateterismo Cardíaco: O cateterismo cardíaco direito e esquerdo deve ser


solicitado nos pacientes em que o resultado do ecocardiograma está discrepante dos dados
clínicos, ou quando existe acometimento significativo de mais de uma valva e existe dúvida
na quantificação das lesões.
A coronariografia deve ser realizada em homens > 45 e mulheres > 55 anos, que
serão submetidos à cirurgia valvar aberta. Nestes casos, a coronariografia pode ser
substituída pela angiotomografia computadorizada coronariana.

 História Natural: A estenose mitral moderada a grave cursa quase sempre com
sintomas congestivos. O prognóstico depende da classe funcional NYHA em que se
encontra o paciente.
A Classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) proporciona
um meio simples de classificar a extensão da insuficiência cardíaca. Categoriza os doentes
em uma de quatro categorias baseada na limitação da atividade física (dispnéia e angina de
peito).

Nos pacientes englobados na classe funcional I, a sobrevida é de 80% em cerca de


10 anos. Em mais da metade dos pacientes (60%) a doença mantém-se estável por diversos
anos. Em contrapartida, nos pacientes englobados na classe funcional IV, a sobrevida média
em 5 anos é de apenas 15%.
Aqueles que apresentam hipertensão arterial pulmonar grave têm uma sobrevida
menor do que três anos. A morte geralmente ocorre por insuficiência cardíaca congestiva
(70% dosa casos), com tromboembolismo sistêmicos contribuindo com cerca dce 20% dos
óbitos.

 Tratamento:

 Medicamentoso: Os  -bloqueadores são as drogas de escolha para tratar os


sintomas da estenose mitral. A redução da freqüência cardíaca dada por essas drogas é o
principal mecanismo de ação. Na bradicardia, op esvaziamento atrial esquerdo dá-se de
forma mais completa, pelo maior tampo diastólico, reduzindo, assim, o gradiente pressórico
transvalvar e a pressão atrial esquerda. Essas drogas aliviam a dispnéia e melhoram a classe
funcional do paciente. O cuidado deve ser tomado caso haja outra lesão valvar associada
que leve à disfunção ventricular esquerda. Os antagonistas do cálcio, do tipo verapamil e
diltiazem, devem ser administrados nos pacientes que não podem usar os -bloqueadores
devido á hiperatividade brônquica (broncoespasmo). Os digitálicos não possuem um efeito
benéfico na estenose mitral com ritmo sinusal. Os diuréticos podem ser associados aos -
bloqueadores para facilitar a compreensão do quadro. Contudo, o excesso de terapia
diurética pode levar à síndrome do baixo débito.

 Fibrilação Atrial: Na vigência de fibrilação atrial em caso de instabilidade


hemodinâmica grave (ex: choque), procedemos de imediato à cardioversão elétrica
sincronizada com 100-200-300J. No restante dos pacientes, devemos primeiramente
controlar a resposta ventricular com betabloqueadores e observar se há indicação para se
tentar a reversão da arritmia. Apesar de ser um tema controverso, geralmente a opção é por
não reverter a fibrilação atrial nos pacientes com critérios desfavoráveis (átrio esquerdo
aumentado, recidiva da fibrilação atrial na vigência de profilaxia antiarrítmica, fibrilação
atrial há mais de 12 meses). Na ausência desses critérios,m podemos programar a reversão.
Se a fibrilação atrial se instalou com mais de 48 horas, deve-se anticoagular o paciente com
warfarim por, no mínimo, três semanas antes e 4 semanas depois da reversão. Uma outra
estratégia é fazer um ecocardiograma transesofágico, exame com sensibilidade de 95 a 97%
para detecção de trombo atrial. Na ausência de trombos, a cardioversão é feita com
heparinização antes, durante e após o procedimento. As diretrizes da ACC/ AHA enfatizam
a importância de mantermos os pacientes com anticoagulação após a cardioversão. A
reversão pode ser alcançada com drogas antiarrítmicas [amiodarona (Ancoron®),
ibutilida], geralmente com auxílio da cardioversão elétrica eletiva.

 Anticoagulação: A anticoagulação está indicada em pacientes com estenose mitral


associada à fibrilação atrial seja ela recorrente, persistente ou permanente. Se o paciente
está em ritmo sinusal e já apresentou alguma embolia sistêmica (acidente vascular
encefálico, isquemia mesentérica...) ou apresenta trombo em átrio esquerdo, a
anticoagulação também é indicada.

 Antibióticos: Como sabemos, a febre reumática é a principal causa de estenose mitral.


Por isso, não podemos esquecer de recomendar a sua antibioticoprofilaxia para evitar
recorrências. A endocardite infecciosa pode ocorrer em pacientes com esta lesão, assim a
profilaxia também deve ser recomendada.
 Intervencionista: Está comprovado que a correção intervencionista da
estenose reduz os sintomas e aumenta a sobrevida dos pacientes.
Quando indicar a terapia intervencionista da estenose mitral? Pelas “Diretrizes
da ACC/ AHA 2006”:

 Valvoplastia Percutânea com Balão: É a terapia de escolha para


pacientes com NYHA II, III ou IV, com estenose moderada a severa com morfologia
favorável (Wilkins/ Block < 8), na ausência de trombo em átrio esquerdo ou regurgitação
mitral severa. Esta técnica também é indicada para pacientes sintomáticos com área valvar
< 1,5cm2 e hipertensão pulmonar (> 50mm de Hg em repouso ou > 60mm de Hg em
exercício). Nestes pacientes, os resultados são muito bons: sucesso primário > 90%,
complicações < 2% e taxa de reestenose de apenas 10 a 20% e 5 anos. A sobrevida em 10
anos está entre 80-90%, melhorando significativamente o prognóstico dos pacientes. Esses
resultados são comparáveis aos da comissurotomia aberta. Este método foi introduzido em
1984 por Inoue. Através do cateterismo do átrio direito, transpassa-se o septo interatrial
com o cateter, pelo forame oval, chegando-se à valva mitral. A extremidade do cateter tem
um balão que é insuflado quando em posição, desfazendo a fusão das comissuras. O
gradiente de pressão transvalvar se reduz de imediato (em estudos, foi reduzido de 23 para
5mm de Hg, em média), e a área mitral aumenta (de 0,9 para 2,4cm2, em média).
O método é sujeito a complicações, como embolia sistêmica, regurgitação mitral e
CIA. A incidência dce complicações e os resultados do procedimento dependem da
experiência do grupo que o realiza. Por exemplo: um estudo revelou que centros que
realizam poucos procedimentos (25 ou menos em 2 anos) têm um índice de complicações
de 18%, necessidade de cirurgia mitral em 15% e mortalidade em 30 dias de cerca de 7%,
enquanto centros com grande número de procedimentos (mais do que 100 em 2 anos) têm
apenas 8% de complicações, 4% de necessidade de cirurgia mitral e 1% de mortalidade.

 Comissurotomia Cirúrgica: Nesse procedimento, também denominado


de valvoplastia cirúrgica, a valva mitral estenosada é “aberta” cirurgicamente (a fusão
das comissuras é desfeita).

Na comissurotomia fechada, o átrio esquerdo é incisado e o procedimento é feito


com o dedo do cirurgião ou com um dilatador, sem circulação extracorpórea. Na
comissurotomia aberta, o procedimento é realizado após a visualização da valva, pela
abertura do coração, em circulação extracorpórea. Nesta última, o cirurgião ainda pode
liberar aderências entre a cordoalha tendinosa, além de debridar o cálcio dos folhetos,
extrair trombos atriais e ressecar o apêndice atrial esquerdo (importante fonte
emboligênica). Enquanto que a comissurotomia fechada oferece um risco alto de embolia,
além de resultados menos satisfatórios a curto e longo prazo, a comissurotomia aberta
possui excelentes resultados nos pacientes com escore de Wilkins/ Block < 8 e ausência de
insuficiência mitral moderada a grave. A mortalidade operatória gira em torno de 0,3% a
3%. Os resultados são semelhantes aos da valvoplastia percutânea realizados por equipe
experiente. A comissurotomia cirúrgica aberta deve ser a terapia de escolha nos pacientes
que seriam indicados para a valvoplastia percutânea (escore de Wilkins/ Block < 8,
ausência de insuficiência mitral moderada a grave), porém, que apresentam trombo intra-
0atrial após três meses de anticoagulação, ou quando não há equipe treinada disponível para
a realização de valvoplastia percutânea. A comissurotomia cirúrgica fechada somente deve
ser realizada na indisponibilidade da cirurgia extracorpórea e do método percutâneo,
situação comum em países pobres.
 Troca Valvar: A troca valvar é reservada para os pacientes classificados
com escore de Wilkins/ Block elevado (> 11), valva calcificada ou quando há insuficiência
mitral moderada a grave associada (dupla lesão mitral). Nesses pacientes, os resultados da
plastia valvar (percutânea ou cirúrgica) são limitados. A troca valvar oferece uma nova
morbidade ao paciente – a prótese valvar. Mesmo assim,m os resultados a curto, medo e
longo prazo são satisfatórios.
Operam-se os pacientes com classe funcional NYHA III ou IV ou pacientes
sintomáticos ou oligossintomáticos com hipertensão arterial pulmonar muito grave (pressão
arterial sistólica > 60mm de Hg).
As próteses valvares podem ser biológicas (biopróteses) ou mecânicas
(metálicas).

ESTENOSE AÓRTICA

 Introdução:

 Função da Valva Aórtica: A valva aórtica posiciona-se entre o ventrículo


esquerdo e a aorta descendente, sendo categorizada, juntamente com a valva pulmonar,
como uma valva ventrículo-arterial ou semilunar. A sua integridade é fundamental para a
função cardíaca. Na sístole, a valva se abre, permitindo o esvaziamento do ventrículo
esquerdo (ejeção ventricular), sem oferecer nenhuma resistência à passagem de sangue. Na
diástole, a valva se fecha, impedindo o refluxo de sangue da aorta para o ventrículo
esquerdo. Para garantir uma boa abertura, os folhetos valvares precisam ter uma boa
mobilidade e elasticidade. Para garantir o seu fechamento, são necessárias não só a
integridade da estrutura valvar como também a da raiz da aorta ascendente.

 Valva Aórtica - Anatomia: A valva é constituída por um anel fibroso (anel ou


ânulo aórtico) e três folhetos ou cúspides, em aspecto de meia-lua. O ânulo valvar, na
verdade, constitui a origem da raiz aórtica, cuja porção inicial contém bolsas que limitam os
espaços logo acima das cúspides, denominados seios de Valsalva, de onde se originam as
duas artérias coronárias. Os três folhetos aórticos recebem a denominação segundo a
relação com a origem das coronárias: folheto coronariano esquerdo, folheto coronariano
direito e folheto posterior. O anel aórtico faz parte do esqueleto fibroso cardíaco, situando-
se no mesmo plano do anel mitral. O ânulo aórtico é adjacente ao ânulo mitral.

 Estenose Aórtica – Definição: Quando a valva aórtica se abre amplamente na


sístole, o sangue passa livremente através de uma área entre 2,5 a 3,5cm2. Esta é a Área
Valvar Aórtica Normal. Esta área confere uma resistência desprezível ao fluxo sangüíneo,
portanto, praticamente não há gradiente de pressão sistólico entre o ventrículo esquerdo e a
aorta ascendente.

 Classificação quanto á gravidade: A gravidade da estenose aórtica é medida


pela área valvar aórtica, tendo duma correspondência com o gradiente médio de pressão
sistólico entre o ventrículo esquerdo e a aorta, na sístole.

 Fisiopatologia:

 Fase Compensada: Se não existissem os mecanismos de compensação


cardíacos, uma estenose aórtica grave levaria uma significativa redução do débito cardíaco,
devido a um absurdo aumento das pós-carga (só para relembrar: pós-carga é “qualquer
coisa” que dificulte a ejeção ventricular). A disfunção sistólica seria inevitável, levando a
um processo de insuficiência cardíaca congestiva. Entretanto, isso não acontece, pois a
estenose aórtica é um processo crônico e insidioso, permitindo mecanismos compensatórios
bem sucedidos, pelo menos nos primeiros anos da doença. Deles, o principal é a
hipertrofia ventricular concêntrica do ventrículo esquerdo. Duas vantagens importantes
advêm da hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo:
 Aumento da Contratilidade Miocárdica: O maior número de unidade
com trateis (sarcômeros) garante um maior inotropismo, capaz de manter o débito sistólico,
mesmo na vigência de uma pós-carga elevada.

 Redução da Relação R (Raio da cavidade) / h (Espessura da parede):


Este fator evita um aumento excessivo da pós-carga. A pós-carga depende, entre outros
fatores, das relações geométricas do ventrículo. A pós-carga está representada pelo estresse
de parede (E) é proporcional à pressão intracavitária (P) e à relação R/ h, sendo R = raio
da cavidade e h = espessura da parede.

A hipertrofia concêntrica reduz essa relação, pois diminui o diâmetro cavitário e


aumenta a espessura da parede. Devido a esses dois principiais mecanismos
compensatórios, o paciente vive anos e anos com estenose aórtica grave sem apresentar
sintomas sem riscos de eventos cardíacos graves.
 Gradiente de Pressão Ventrículo Esquerdo-Aorta: Na estenose aórtica, o
débito cardíaco é mantido à custa de um gradiente de pressão sistólico entre o ventrículo e a
aorta, dependente da maior contração ventricular esquerda para vencer a resistência valvar.
O fluxo transvalvar é o próprio débito cardíaco. Quanto maior o débito cardíaco, maior será
o gradiente pressórico. Ao realizarmos um cateterismo cardíaco e determinamos as curvas
de pressão aórtica e ventricular simultaneamente, podemos obter o gradiente pressórico
transvalvar.
Podemos definir três tipos de gradiente pressórico transvalvar:

 Gradiente pico a pico: Mensurado entre as distâncias entre os picos de


pressão aórtico e ventricular.
 Gradiente máximo: Mensurado pela maior distância entre as pressões
aórtica e ventricular.
 Gradiente médio: Mensurado pela área que separa as curvas de pressão
aórtica e ventricular.

Quando o débito cardíaco está significativamente reduzido, por disfunção


ventricular esquerda, o gradiente pressórico diminui para uma mesma área valvar aórtica.
Este fato é muito importante clinicamente, pois os pacientes na fase descompensada da
estenose aórtica apresenta m disfunção ventricular. Ao estimularmos grau de estenose
aórtica apenas pelo gradiente pressórico nesses pacientes, iremos subestimar as gravidade
da estenose.

 Fase Descompensada: A estenose aórtica grave impõe uma sobrecarga


pressórica crônica sob o miocárdico. A hipertrofia ventricular concêntricas é a primeira
resposta a esta sobrecarga. Contudo, o miocárdio sofre um efeito lesivo após anos e anos de
sobrecarga pressórica grave, iniciando-se um processo insidioso de degeneração e apoptose
dos miócitos, além de fibrose intersticial. A hipertrofia ventricular esquerda excessiva reduz
a reserva coronariana, pela compressão da microvasculatura miocárdica, além de contribuir
para a desorganização das fibras musculares, participantes da gênese de arritmias
ventriculares malignas.
A partir de um certo momento da doença, existe uma transição insidiosa da fase
compensada e assintomática para a fase descompensada, quando os seguintes processos
fisiopatológicos nefastos começam a ocorrer:

 Isquemia Miocárdica: A isquemia miocárdica advém da redução da


reserva coronariana, associada ao aumento da demanda metabólica do miocárdio
(MVO2). Este processo é desencadeado ou exacerbado na demanda metabólica do
miocárdio não pode ser acompanhado pelo aumento da perfusão coronariana. A reserva
coronariana está reduzida por três motivos:

 Compressão extrínseca da microvasculatura coronariana pelo músculo


hipertrofiado, especialmente durante a sístole ventricular.
 Prolongamento da fase sistólica, exacerbando o fenômeno anterior.
 Aumento da demanda metabólica do miocárdio no repouso,
“gastando” uma parte da reserva coronariana.
O aumento da demanda metabólica do miocárdio em repouso é decorrente de maior
número de sarcômeros (unidades com trateis) e de uma pós-carga ventricular excessiva.
Nesse momento, a relação R/ h diminuída não é suficiente para evitar um significativo
aumento de estresse ventricular sistólico.

 Débito Cardíaco Fixo: Nas fases inicias da estenose aórtica grave, o


débito cardíaco é mantido em faixas fisiológicas no repouso e exercício físico, devido à
hipertrofia ventricular concêntrica compensatória. Porém, na fase descompensada, a
hipertrofia ventricular não é mais suficiente para garantir o aumento do débito cardíaco
durante o esforço físico, levando à síndrome de débito fixo. No esforço, o débito cardíaco
é deslocado párea a musculatura esquelética, devido à vasodilatação decorrente de ação de
adrenalina nos receptores 2. Se o débito cardíaco não aumentar de forma fisiológica no
esforço, haverá baixa perfusão cerebral. Este é um dos mecanismos principais da síncope
relacionada à estenose aórtica grave.

 Insuficiência Cardíaca Congestiva: A fibrose miocárdica, associada à


própria hipertrofia ventricular concêntrica, leva à redução progressiva da complacência
ventricular. Significa que, para um determinado volume diastólico final, teremos uma maior
pressão de enchimento ventricular. A conseqüência deste processo é o aumento da pressão
atrial esquerda e venocapilar pulmonar, levando à congestão pulmonar e dispnéia,
desencadeada pelo esforço físico. Este processo pode ocorrer mesmo quando a função
sistólica do ventrículo esquerdo ainda está preservada, constituindo-se uma
insuficiência cardíaca diastólica. Contudo, a progressão natural da doença é para uma
disfunção sistólica, decorrente da falência miocárdica do ventrículo esquerdo, com
dilatação ventricular e queda da fração de ejeção – insuficiência cardíaca sistólica. Os
pacientes portadores de estenose aórtica moderada a agrave que apresentam insuficiência
cardíaca têm o prognóstico bastante reservado, especialmente se for o tipo sistólico.

 Etiologia: As principais causas de estenose valvar aórtica são:

 Valva Bicúspide Congênita: É a causa mais comum de estenose aórtica em


crianças, adolescentes e adultos com menos de 65 anos. Está presente ainda em cerca de
30% dos casos de estenose aórtica em idosos (>65 anos). Por anomalia congênita, dois
folhetos encontram-se fundidos – a valva funciona com apenas duas cúspides. A estenose
aórtica pode decorrer da própria anomalia congênita, manifestando-se na infância ou na
adolescência, ou ocorrer na vida adulta, devido à degeneração calcifica precoce. A valva
bicúspide não estenótica tem uma anatomia propensa á lesão crônica das cúspides pelo
trauma constante do fluxo aórtico. Acaba ocorrendo regurgitação em cerca de 20% dos
casos de valvas bicúspides.

 Degeneração Calcífica: É a causa mais comum de estenose aórtica em idosos


(>65 anos). Como a estenose aórtica é uma doença que acomete principalmente os idosos, a
degeneração calcifica é a causa mais comum de estenose aórtica. Neste caso, a valva aórtica
é tricúspide, sem nenhuma alteração congênita. Por fatores desconhecidos, certos
indivíduos apresentam uma doença degenerativa das cúspides valvares em idades mais
avançadas, levando ao extenso depósito cálcico. O cálcio aderido na porção aórtica das
cúspides faz um “peso” excessivo, impedindo a abertura adequada da valva. A
hipercolesterolemia e o Diabetes Mellitus são fatores de risco para a estenose aórtica
calcifica. Por esse fato, existe uma forte correlação entre a estenose calcífica e a doença
coronariana aterosclerótica.

 Cardiopatia Reumática Crônica: No nosso meio, é uma causa muito


comum de estenose aórtica em adolescentes e adultos. O acometimento principal ocorre
nos bordos dos folhetos, havendo fusão das comissuras. É comum haver insuficiência
aórtica associada, devido à retração dos folhetos. A doença reumática é a causa mais
comum de dupla lesão aórtica. Diferentemente da lesão mitral, a lesão valvar aórtica
reumática é mais comum no sexo masculino. Muitas vezes, a associação de lesão valvar
mitral e aórtica ocorrer na cardiopatia reumática crônica. É a causa mais comum de
doença valvar mitro-aórtica.

 Outras: A estenose aórtica congênita pode ocorrer precocemente (no recém-


nascido ou no lactente), devido à um defeito estrutural grave da valva aórtica, geralmente
devido à valva bicúspide estenosada pela fusão de suas comissuras. Raramente, o defeito
congênito é uma valva bicúspide, levando a estenose aórtica grave geralmente no recém-
nascido. Doenças infiltrativas, metabólicas e inflamatórias podem comprometer os folhetos
da valva aórtica. Os principais exemplos são a artrite reumatóide e a ocronose.

 OBS: A alcaptonúria é uma doença autossômica recessiva rara, decorrente da


deficiência da enzima ácido homogentísico oxidase, causada por mutação no gene 3q (3q21
– q23), produzida pelo fígado e rins, que está envolvida no metabolismo de dois
aminoácidos: fenilalanina e tirosina, ), levando ao acúmulo do ácido em diversos órgãos e
tecidos, com aumento de sua excreção urinária.. Na ausência desta enzima ocorre o
acúmulo de pigmento ocronótico.
A alcaptonúria pode ser assintomática ou dar origem à ocronose, que é
caracterizada pelo acúmulo de um polímero do ácido homogentísico sob a forma de um
pigmento, a alcaptona, nos tecidos orgânicos. Aproximadamente metade dos pacientes
portadores de alcaptonúria desenvolvem a ocronose, com predominância no sexo masculino
na proporção de 2:1, geralmente após a quarta década de vida.
A incidência da alcaptonúria na população é de aproximadamente 1: 1000. 000 de
nascimentos, sem predominância étnica.
As manifestações clínicas caracterizam-se pela presença da coloração característica
na esclera e nas cartilagens nasal e auditiva. O diagnóstico é clínico, confirmado pela
presença do ácido homogentísico na urina (aproximadamente 5g/ 24hs).
Observa-se ainda coloração negra e pardo-esverdeada das secreções sebáceas. Os
sintomas osteoarticulares aparecem ao redor dos 30 anos de idade, como artropatia crônica,
gerada pela infiltração do ácido homogentísico nas cartilagens articulares.
Na coluna vertebral, assemelham-se à espodiloartrose, com ampla calcificação dos
discos intervertebrais, principalmente na lombar. A calcificação e a ossificação englobam a
sínfise púbica, a cartilagem costal, os ligamentos e os tendões periféricos.
A gradativa calcificação dos discos intervertebrais resulta na formação de pontes
ósseas, o que radiograficamente é conhecida como “coluna em ferrovia”. No esqueleto
periférico, as articulações mais afetadas são os joelhos, os quadris e os ombros.
O depósito ocronótico também pode ser observado no tímpano e ossículos
existentes no ouvido médio, resultando em hipoacusia ou surdez. Esse pigmento pode
também causar cálculos na bexiga, rins, ureteres e uretra. O local mais atingido é a próstata,
que por apresentar pH alcalino leva à rápida polimerização do ácido homogentísico.
Conseqüentemente aos cálculos, ocorre obstrução vesical como a prostática, o que se traduz
em infecções copiosas do trato urinário e uremia.

 História Clínica: Em função dos mecanismos compensatórios citados acima, os


pacientes portadores de estenose aórtica moderada a grave costumam permanecer
assintomáticos por longa data. A fase descompensada é marcada pelo aparecimento dos
sintomas relacionados à estenose aórtica, momento no qual a vida dos pacientes passa a
estar ameaçada pela doença, à medida que os anos passam. A tríade clássica dos sintomas
da estenose aórtica constitui-se em:

 Dispnéia: A dispnéia é o sintoma inicial que marca o aparecimento da


insuficiência cardíaca congestiva. Está presente em cerca de 50% da apresentação clínica
da estenose aórtica grave. O seu mecanismo é a congestão pulmonar exacerbada pelo
exercício. Como vimos, a insuficiência cardíaca pode ser sistólica (fração de ejeção baixa,
dilatação cavitária) ou diastólica (redução da complacência ventricular, fração de
ejeção normal, sem dilatação cavitária).
A insuficiência sistólica confere um prognóstico bastante nefasto aos pacientes
portadores de estenose aórtica grave. Sabe-se que o teste ergométrico é formalmente contra-
indicado na estenose aórtica sintomática.
Entretanto, os pacientes considerados assintomáticos pela anamnese pode ser
avaliados por um teste ergométrico supervisionado. Alguns deles podem apresentar
sintomas – os chamados “falso-sintomáticos”.

 Angina: É a apresentação clínica em cerca de 35% dos pacientes portadores


de estenose aórtica moderada a grave. É causada por isquemia miocárdica, geralmente
desencadeada pelo esforço físico. Em particular, este tipo de angina não responde à terapia
medicamentosa antianginosa clássica (nitratos, -bloqueadores, antagonistas do cálcio).
Devemos lembrar, entretanto, da alta prevalência de doença coronariana aterosclerótica
entre os pacientes com estenose aórtica calcífica.

 Síncope: A síncope normalmente é desencadeada pelo esforço físico. O


mecanismo da síncope relacionada à estenose aórtica grave é a síndrome do débito fixo,
ocasionando uma baixa perfusão cerebral durante um esforço físico. Em alguns casos, a
síncope pode ser devida a arritmias cardíacas isquemia-induzidas.

 Exame Físico:

 Inspeção e Palpação: O pulso arterial normalmente está alterado na estenose


aórtica grave. Essas alterações devem ser pesquisadas no pulso carotídeo, cuja ascensão é
lenta e sustentada (“pulsus tardus”), e a amplitude é fraca (“pulsus parvus”). O pulso
carotídeo, também se apresenta anacrótico (ascensão irregular) e com “sobressaltos”
(carotid shudder). Esse anacronismo é mais fácil de ser percebido na curva da pressão
arterial invasiva. A palpação e análise do pulso arterial ajudam o médico a diferenciar a
estenose aórtica de outras causas de sopro sistólico.
Algumas condições associadas tendem a diminuir as alterações do pulso arterial,
fazendo o médico subestimar a gravidade da estenose aórtica.
Alguns idosos possuem as paredes arteriais enrijecidas devido à aterosclerose
vascular, fato que, por si só, aumenta a amplitude do pulso arterial.
A outra condição é a insuficiência aórtica que, associada à estenose aórtica, tende a
“normalizar” a amplitude e a rapidez de ascensão do pulso.
O pulso venoso pode mostrar um aumento da onda A, quando a complacência do
ventrículo direito está comprometida pelo abaulamento do septo interventricular para sua
cavidade, conseqüente à hipertrofia do ventrículo esquerdo exagerada.
O ictus do ventrículo esquerdo normalmente é tópico, com caráter propulsivo e
sustentado. Pode haver um atraso do pulso arterial em relação ao ictus de ventrículo
esquerdo. Um impulso pré-sistólico pode ser palpável e visível. É comum um frêmito
sistólico no foco aórtico, borda esternal esquerda, carótidas e fúrcula esternal.
 Ausculta Cardíaca: Revela comumente uma quarta bulha (B4) proeminente,
devido à hipertrofia ventricular esquerda. Nesses casos, pela redução do relaxamento e
complacência ventricular, a contração atrial dá-se com mais vigor, senso a responsável pela
B4.
Na estenose aórtica calcífica temos uma hipofonese de A2 – o componente
aórtico da segunda bulha. Freqüentemente pelo alto grau de calcificação, o componente
A2 torna-se inaudível.
Na estenose aórtica não-calcífica, o componente A2 é audível. Nesse caso, podemos
observar o desdobramento paradoxal de B2, devido ao atraso da sístole do ventrículo
esquerdo.
Se a valva não estiver muito calcificada, a sua vibração ao se abrir produz um ruído
parecido com a B1 – ruído de ejeção. A ausculta é semelhante ao desdobramento de B1,
mais audível com o diafragma do estetoscópio no foco aórtico, com ampla irradiação até o
foco mitral. É muito comum na estenose aórtica por valva bicúspide na criança ou no
adolescente.

Deve ser diferenciado de outros sopros sistólicos de ejeção no foco aórtico:

 Sopro inocente do idoso (devido à esclerose ou calcificação do anel aórtico).


 Sopro inocente da criança.
 Insuficiência aórtica – hiperfluxo pela valva aórtica.
 Cardiomiopatia hipertrófica com, estenose subaórtica.
 Estenoses supraórtica e subaórtica congênitas. Estenose pulmonar congênita
 Comunicação Interatrial (CIA).

O sopro da estenose aórtica pode variar com algumas manobras. Sua intensidade
aumenta com manobras que aumentam o retorno venoso e/ ou a contratilidade do
ventrículo esquerdo (posição de cócoras, exercício físico, batimento pós-extrassistólico) e
diminui com manobras que reduzem o retorno venoso (Valsalva, posição ortostática ou que
aumentam a resistência vascular periférica) (handgrip - forma de pulso).

 OBS: Fenômeno de Gallavardin: O sopro da estenose aórtica pode irradiar-se para o


foco mitral, porém, com certas características que podem confundir o médico. Pode haver
um hiato auscultatório na região entre o foco aórtico e o foco mitral, e o som do sopro pode
modificar-se no foco mitral, tornando-se de mais alta freqüência.
Com isso, pode parecer que existem dois sopros diferentes – um aórtico e um
mitral - sugerindo patologia mitro-aórtica. Este fenômeno é explicado pela continuidade
anatômica entre os anéis aórtico e mitral, fazendo com que a vibração do primeiro seja
diretamente transmitida ao último.
Algumas vezes, o sopro da estenose aórtica é mais audível no foco mitral do que no
foco aórtico, devido às características constitucionais do paciente. Para diferenciar o
fenômeno de Gallavardin de uma insuficiência mitral, podemos utilizar as manobras
descritas acima. Eventualmente, a diferenciação só é possível com o ecocardiograma.

 Complicações:

 Embolia Sistêmica: Depósitos de cálcio dos folhetos aórticos podem soltar-se


e embolizar para a periferia vascular, podendo determinar um acidente vascular encefálico
isquêmico, amaurose unilateral (artéria central da retina), infarto agudo do miocárdio, etc. A
embolia também pode advir de um microtrombo aderido à valva.

 Endocardite Infecciosa: A turbulência do fluxo transvalvar aórtico predispõe


à endocardite da face aórtica dos folhetos valvares. A endocardite infecciosa pode levar à
insuficiência aórtica associada.

 Hemorragia Digestiva Baixa: A angiodisplasia intestinal é mais incidente


nos indivíduos com a estenose aórtica calcífica. Sua manifestação clínica é a enterorragia
(sangramento profuso).

 Exames Complementares Inespecíficos:

 Radiografia de Tórax: Geralmente a silhueta e o tamanho cardíaco não se


alteram, a não ser na fase descompensada, com a cardiopatia dilatada.
A calcificação da valva aórtica é o achado mais comum na radiografia de tórax,
com técnica hiperpenetrada, sendo encontrada em quase todos os casos de estenose aórtica
grave em pacientes > 65 anos. Entretanto, a presença de calcificação não significa
necessariamente que há estenose aórtica, pois a maior parte das calcificações aórticas
comprometem apenas o anel, não levando á estenose aórtica.
Para saber se a calcificação está em topografia de valva aórtica ou mitral, traçamos
uma linha que liga o hilo ao seio costofrênico anterior, na incidência lateral: acima da linha
corresponde à valva aórtica.
 Eletrocardiograma: Costuma mostrar sinais de hipertrofia ventricular
esquerda (em cerca dce 85% dois casos) do tipo sobrecarga pressórica.

Há aumento da amplitude dos complexos QRS e o chamado padrão “strain”


(infradesnivelamento de ST com onda T negativa e assimétrica). A sobrecarga atrial
esquerda é comum, geralmente com o índice de Morris positivo. Bloqueios de ramo,
especialmente o hemibloqueio anterior esquerdo e o bloqueio de ramo esquerdo são
comuns. O eletrocardiograma basal pode apresentar alterações isquêmicas da onda T, em
alguns casos.

 Ecocardiograma-Doppler: A gravidade da estenose aórtica pode ser estimada


com precisão pela ecocardiografia. O gradiente transvalvular máximo pode ser calculado a
partir da velocidade do sangue que atravessa a válvula pela fórmula a seguir:

Onde o V é a velocidade sanguínea máxima medida em metros por segundo através


da válvula. A determinação ecocardiográfica da velocidade através da válvula também pode
ser usada para calcular a área valvular aórtica, usando-se a equação de continuidade:

Determinação da área valvular aórtica usando a equação de continuidade. Para o


fluxo sanguíneo (A1 x V1) permanecer constante quando ele atinge uma estenose (A 2), a
velocidade precisa aumentar para V2. A determinação do aumento da velocidade para V2
pela ultra-sonografia Doppler permite tanto o cálculo do gradiente valvular aórtico quanto a
solução da equação para A2. A: área; V: velocidade.
A ecocardiografia constitui a mais importante ferramenta complementar no
diagnóstico na estenose aórtica. Fornece não apenas a anatomia da valva, mas também a
quantificação dos gradientes e da área valvar aórtica. A determinação da área valvar é
fundamental para que se estabeleça a gravidade da estenose. A medida é realizada
diretamente no eco transesofágico e estimada por cálculos no eco transtorácico.
Permite ainda a avaliação da repercussão hemodinâmica da doença pela detecção da
hipertrofia ventricular esquerda e a avaliação das funções sistólica e diastólica do ventrículo
esquerdo. O Doppler também é capaz de estimar com razoável precisão a
gravidade da estenose aórtica, pela determinação do gradiente
pressórico ventrículo esquerdo-aorta. O mais fidedigno é o
gradiente médio, pois é muito semelhante quando determinado
pelo cateterismo hemodinâmico.
A determinação dos gradientes aórticos pelo Doppler é muito precisa, desde que o
feixe esteja devidamente alinhado com o fluxo aórtico. Gradientes aórticos são dependentes
do fluxo transvalvar, e a área valvar, apesar de válida, é uma medida menos robusta,
especialmente em razão da dificuldade em se medir a via de saída do ventrículo esquerdo
em alguns pacientes. Portanto, a área valvar isoladamente não deve ser usada na tomada de
decisão e outros parâmetros, como a classe funcional, gradiente pressórico transvalvar, taxa
de fluxo transvalvar e a função ventricular devem ser consideradas. Quando é difícil obter a
área da valva, o índice da velocidade do fluxo da via de saída do ventrículo esquerdo pela
velocidade da valva aórtica (dimensionless index) pode ser usado para estimar a gravidade
da lesão (quando < 0,25 indica estenose aórtica importante). Ocasionalmente, a
ecocardiografia transesofágica pode ser indicada para analisar melhor a valva aórtica ou
mesmo medir a área valvar. Mais recentemente, a aferição precisa dessa área faz-se
possível também por meio da ecocardiografia tridimensional.
Um gradiente médio acima de 40mm de Hg ou 50mm de Hg tem sido
tradicionalmente aceito como indicando estenose aórtica importante. Quando se
encontra entre 30 a 50mm de Hg, temos uma estenose aórtica moderada.

O aumento do gradiente em resposta ao exercício à ecocardiografia de esforço


parece ter valor incremental na estratificação de risco, mas ainda não foi incorporado em
diretrizes internacionais. Em um artigo recente foi mostrado que a ecocardiografia de
esforço fornece informação prognóstica incremental, além da obtida na ecocardiografia de
repouso ou no teste ergométrico. Um aumento no gradiente médio maior que 20mm de Hg
com o exercício foi independentemente associado a um aumento de 3,8 vezes no risco de
eventos. Pacientes que tiveram tanto um gradiente médio basal maior que 35mm de Hg e
um aumento do gradiente induzido pelo exercício maior que 20mm de Hg apresentaram um
aumento de 9,6 vezes no risco de eventos, em comparação com aumento de 2,5 vezes em
pacientes com um gradiente basal maior que 35mm de Hg e um aumento no gradiente
menor ou igual a 20mm de Hg com o exercício.

Estenose aórtica com baixo gradiente e função


ventricular reduzida: Um uso mais bem estabelecido da
ecocardiografia sob estresse com dobutamina é em pacientes com
estenose aórtica, baixos gradientes e função ventricular reduzida. O
teste pode não apenas estabelecer a gravidade da lesão valvar, mas
também elucidar se há reserva contrátil, o que é um importante fator
prognóstico. Baixa dose de dobutamina deve ser utilizada (até 20mcg/
kg/ min) e se houver um aumento no volume de ejeção e no gradiente
médio, enquanto a área da valva aórtica permanece inalterada, a
estenose aórtica é significativa e pode ser responsável pela disfunção
ventricular esquerda. Se o gradiente continua baixo, apesar de um
volume de ejeção maior, e a área valvar aórtica aumenta, a estenose
aórtica é considerada discreta. Se não há aumento no volume de ejeção,
a gravidade da estenose aórtica não pode ser estabelecida.

 Estenose aórtica “importante” na presença de baixo gradiente e fração


de ejeção normal: Recentemente, uma nova entidade descrevendo pacientes com estenose
aórtica importante e baixo gradiente na presença de fração de ejeção normal tem sido
relatada. Alguns trabalhos sugerem que esses pacientes possam representar um subgrupo de
estenose aórtica importante em estágio avançado, com volume de ejeção reduzido em razão
da função ventricular comprometida, apesar da fração de ejeção preservada. Esses pacientes
teriam pior prognóstico, especialmente se a cirurgia não for indicada. No entanto, um
estudo recente envolvendo 1.525 pacientes do estudo SEAS descobriu que 435 (29%)
pacientes assintomáticos apresentavam estenose aórtica “importante” e baixos gradientes
na presença de fração de ejeção ≥ 55%. A evolução desses pacientes foi semelhante à de
pacientes com estenose aórtica moderada. Esses autores concluíram que, desde que os
pacientes sejam assintomáticos, eles devem ser manejados como pacientes com estenose
aórtica moderada e acompanhados de perto com a utilização da ecocardiografia. Como a
fração de ejeção não é um índice puro de contratilidade ventricular, sendo influenciada por
pré e pós-carga, novos índices não-invasivos de análise da contratilidade têm surgido, como
o strain e strain rate. Estudo em pacientes com estenose aórtica importante e fração der
ejeção normal, que apresentavam strain diminuído, mostraram que após a cirurgia o strain
desses pacientes se normalizou, sugerindo que pacientes com estenose aórtica importante e
função sistólica “normal” pelos métodos convencionais podem já apresentar disfunção
incipiente do ventrículo esquerdo, quando técnicas mais avançadas de avaliação da função
ventricular são empregadas.

 Ecocardiografia transesofágica na estenose aórtica: Por meio do


ecocardiografia transesofágica, por vezes não é possível obter com acurácia a medida direta
da planimetria da valva aórtica estenótica. Essa aferição se faz possível com o
ecocardiografia transesofágica, com excelente correlação com a área valvar aferida pela
equação de continuidade, uma vez que a disponibilidade de tecnologia multiplanar da sonda
transesofágica permite uma avaliação mais precisada área valvar. O coeficiente de
correlação com a área valvar determinada pelo cateterismo (fórmula de Gorlin) foi de 0,95,
com sensibilidade de 96% para detectar estenose importante(área valvar < 0,75cm ). A 2

etiologia da doença valvar também pode ser mais bem determinada ao ecocardiografia
transesofágica. É possível, também, excluir de forma confiável a presença de doença
subvalvar, como uma discreta membrana fibrosa subaórtica.

Ecocardiografia 3D na valvopatia aórtica: A


observação ecocardiográfica tridimensional da valva aórtica pode ser
realizada a partir da via de saída do VE ou tendo como referência a aorta
ascendente. Essa rotação angular da valva aórtica possibilita a sua
visualização integral. A medida tridimensional da área valvar aórtica
pode ser determinada por método planimétrico (com o emprego da
ecocardiografia transtorácica ou ecocardiografia transesofágica) ou
também se levando em consideração o volume sistólico ejetado através
da valva e a integral da velocidade tempo do fluxo através da valva,
conforme demonstrado:

Essa nova possibilidade de determinação da área da valva aórtica apresenta melhor


correlação com a aferição invasiva (método de Gorlin), quando comparada com métodos
ecocardiográficos bidimensionais.

 Cateterismo cardíaco na estenose aórtica: O cateterismo cardíaco é o padrão-


ouro para estimar o gradiente pressórico ventrículo esquerdo-aorta e quantificar a
estenose aórtica. Se os dados clínicos e ecocardiográficos são típicos de estenose aórtica
importante isolada, a angiografia coronariana pode ser o único procedimento invasivo
necessário antes da cirurgia. Uma avaliação completa com cateterismo direito e esquerdo
pode ser necessária se existe discrepância entre os dados clínicos e ecocardiográficos.
O gradiente pressórico através de uma valva aórtica estenótica está relacionado à
área do orifício valvar e ao fluxo transvalvar. Na presença de um débito cardíaco baixo,
gradientes pressóricos relativamente mais baixos podem ser obtidos em pacientes com
estenose aórtica importante. Por sua vez, durante o exercício ou estados de fluxo elevado,
gradientes pressóricos significativos podem ser medidos em valvas aórticas com estenoses
mínimas. Por esses motivos, uma avaliação completa da estenose aórtica requer medida do
fluxo transvalvar, determinação do gradiente pressórico transvalvar médio e cálculo do
orifício valvar efetivo.
Se os dados clínicos e ecocardiográficos são típicos de estenose aórtica importante
isolada, a angiografia coronariana pode ser o único procedimento invasivo necessário antes
da cirurgia. Uma avaliação completa com cateterismo direito e esquerdo pode ser
necessária se existe discrepância entre os dados clínicos e ecocardiográficos (tabela 17).
O gradiente pressórico através de uma valva aórtica estenótica está relacionado à
área do orifício valvar e ao fluxo transvalvar. Na presença de um débito cardíaco baixo,
gradientes pressóricos relativamente mais baixos podem ser obtidos em pacientes com
estenose aórtica importante. Por sua vez, durante o exercício ou estados de fluxo elevado,
gradientes pressóricos significativos podem ser medidos em valvas aórticas com estenoses
mínimas. Por esses motivos, uma avaliação completa da estenose aórtica requer medida do
fluxo transvalvar, determinação do gradiente pressórico transvalvar médio e cálculo do
orifício valvar efetivo.
 Cateterismo cardíaco na estenose aórtica com baixo fluxo / baixo
gradiente: Pacientes com estenose aórtica importante e débito cardíaco baixo com
freqüência se apresentam com um gradiente pressórico médio menor que 30mm de Hg.
Esses pacientes podem ser difíceis de distinguir daqueles com baixo débito cardíaco e
estenose aórtica discreta a moderada. Nos pacientes portadores de estenose aórtica
verdadeiramente importante, a lesão estenótica contribui para uma pós-carga elevada,
fração de ejeção reduzida e baixo volume sistólico. Nos pacientes portadores de estenose
aórtica discreta a moderada, a disfunção contrátil primária é responsável pela redução na
FE e baixo volume sistólico. Em ambas as situações, o estado de baixo fluxo e gradiente
pressórico baixo contribuem para um cálculo de área efetiva valvar que pode atingir o
critério de estenose aórtica importante.

 Tomografia computadorizada: Esse exame é a melhor maneira de reconhecer e


quantificar a magnitude da calcificação da valva aórtica, com implicações prognósticas. A
angiotomografia de coronárias não substitui a cineangiocoronariografia pré-operatória
nessa valvopatia porque, com freqüência, existem calcificações coronarianas de tal
magnitude que impedem a quantificação do grau de estenose coronariana.

 Ressonância Magnética Cardiovascular: A presença e a quantidade de fibrose


miocárdica focal em pacientes com valvopatia aórtica importante correlacionou-se
diretamente com a quantidade de fibrose intersticial vista na biópsia endomiocárdica
realizada durante a cirurgia de troca valvar. Por sua vez, a quantidade de fibrose, seja
medida pela biópsia, seja pela ressonância, correlacionou-se diretamente com a recuperação
funcional do ventrículo esquerdo e com a mortalidade desses pacientes após a troca valvar.
As recomendações para o uso da ressonância magnética cardiovascular na estenose aórtica
estão apresentadas na tabela abaixo:

Esse dado foi corroborado por trabalho semelhante em que a classe funcional não
melhorou após troca valvar nos pacientes com fibrose miocárdica pela ressonância
magnética cardiovascular. A visualização da valva aórtica é obtida de forma precisa pela
cinerressonância (SSFP, de Steady-State Free Precession) e pode fornecer não só a
gravidade da estenose pela medida da área valvar, como informações sobre a etiologia da
estenose. A ressonância magnética pode avaliar a gravidade da estenose aórtica basicamente
de duas formas:
1) Avaliação da velocidade de fluxo pelo orifício valvar: Calculando gradiente
aorto-ventrículo esquerdo (equação de Bernoulli modificada) ou a área valvar aórtica pela
equação da continuidade.
2) Planimetria direta do orifício valvar aórtico: Apresenta a vantagem de ser
uma medida independente do fluxo, dos volumes ventriculares ou da função ventricular
esquerda, fatores esses que têm levado a situações freqüentes de discordância entre
gradientes e áreas valvares baseados no fluxo aórtico, em casos de pacientes com estenose
aórtica importante com gradiente normal e fração de ejeção preservada.

 História Natural: A estenose aórtica grave é uma doença que possui nitidamente
duas fases clínicas divergentes do ponto de vista prognóstico:

 Fase Assintomática:

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