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Os segredos do papa da moda | 12/11/2001

Bernard Arnault, que comanda o maior império mundial de grifes de


luxo, diz que o negócio consiste em dar aos artistas e designers liberdade total para
inventar sem limites

Por Suzy Wetlaufer

Quem gostaria de dirigir uma empresa que fabrica e vende produtos


EXAME Edição(753 )
dos quais ninguém precisa? Só um tolo, certo? A menos, é claro, que se trate da
LVMH Mo't Hennesy Louis Vuitton, o maior e mais bem- sucedido fornecedor de
bens de luxo do mundo. Todos os anos, a LVMH vende bilhões de dólares - - 10
bilhões em 2000, para ser exato -- em itens que pouca utilidade têm na vida dos
compradores, exceto realizar seus sonhos, que não são nada baratos: uma garrafa
de champanhe Don Pérignon Ros, de 1985, custa 925 dólares. Um vestido Givenchy,
15 mil dólares. Um sofisticado relógio TAG Heuer não sai por menos de 58 mil
dólares. Naturalmente, ninguém precisa dessas coisas -- mas milhões de pessoas as
desejam.
O executivo responsável pela inspiração desses desejos é Bernard Arnault, de 52
anos, presidente da LVMH, um homem de negócios perspicaz como poucos.
Apelidado de "o papa da moda" pela imprensa mundial, Arnault passou os últimos 15
anos construindo a LVMH. De uma pequena fabricante de roupas praticamente falida,
ele ergueu um conglomerado que abriga aproximadamente 50 das marcas mundiais
mais famosas. Segundo o grupo de pesquisas francês Jacques Chahine, as receitas
combinadas da LVMH deverão chegar a 11 bilhões de dólares neste ano, com uma
capitalização de me rcado de cerca de 27 bilhões.
Sem dúvida, nem tudo foram acertos na trajetória de Arnault -- parte de seus
investimentos pessoais na internet não decolou como esperado --, mas é preciso
reconhecer sua extrema perícia em lidar com a criatividade com foco no lucro e no
crescimento. Todos os anos, os novos produtos respondem por aproximadamente
15% das vendas da LVMH - - alguns chegam a ter margens operacionais acima de
47%. O que torna essas estatísticas ainda mais notáveis é o fato de que muitos
desses produtos, à primeira vista, parecem totalmente fora de propósito: uma bolsa
de mão com a forma de um rim coberta de pinos de segurança, por exemplo, ou um
estojo de sombra para os olhos batizado de "gangrena". Porém, de algum modo, e
bem depressa, o modus operandi da LVMH torna esses itens obrigatórios para alguns
dos consumidores mais exigentes do mundo. Como? Prepare- se para respostas
surpreendentes.
Tudo começa com uma inovação radical -- uma atividade imprevisível, confusa e
altamente emotiva endossada completamente pela empresa. Na verdade,
diferentemente de muitos executivos que supervisionam o trabalho de gente criativa
-- quer sejam engenheiros, escritores ou designers - -, Arnault não acredita na
imposição de limites pela administração. Os artistas têm de trabalhar totalmente
livres de preocupações financeiras e comerciais, insiste Arnault, para que dêem o
melhor de si. Ninguém pode "controlar" John Galliano, o cérebro iconoclasta da Casa
de Dior, assim como ninguém poderia "controlar" Leonardo da Vinci ou Frank Lloyd
Wright. É por esse motivo que, há dois anos, Arnault não se abalou quando Galliano
colocou modelos nas passarelas da alta-costura vestidas de jornal. Se tivesse
impedido a iniciativa -- sob o argumento, por exemplo, de que é uma estupidez fazer
vestidos de jornal - - , acabaria destruindo a criatividade do designer. Pouco depois, a
Dior fez os vestidos de tecido, com estampas de jornal, e vendeu tudo rapidamente.
"Portanto, usando certas técnicas, todos saem ganhando", observa Arnault. "A
empresa, o designer e o cliente."
Em uma série de entrevistas recentes em Paris e Nova York, Arnault falou
detalhadamente sobre outras técnicas por ele utilizadas para incentivar a criatividade
que dá lucro. A empresa ouve atentamente os grupos de foco e só contrata gerentes
que respeitem de tal modo o processo criativo a ponto de suportar o caos dele
decorrente. No entanto, quando chega o momento de pôr a criatividade nas
prateleiras, não há mais caos. A empresa conduz com uma disciplina rígida seu
processo de fabricação, planejando meticulosamente, por exemplo, todas as 10 mil
tarefas envolvidas na produção de uma bolsa.
O processo da LVMH tem um único objetivo: trabalhar com marcas de prestígio. De
acordo com Arnault, uma marca só adquire prestígio quando a empresa consegue
imprimir nela um caráter de "perenidade" que nunca deixa de ser, ao mesmo tempo,
intensamente moderno. Produtos assim são vendidos rápida e vorazmente,
acumulando lucros. "Dominar o paradoxo das marcas de prestígio é algo difícil e
raro", diz rispidamente Arnault. "Felizmente."
Qual foi sua reação quando o senhor viu pela primeira vez os vestidos de
jornal de John Galliano?
Fiquei chocado, o que é bom, é claro. O produto criativo e importante é aquele que
choca na primeira vez que o vemos.
E depois de passado o choque, o seu gerente interno não soou o alarme?
Não tenho alarmes em relação à criatividade. Se pensarmos e agirmos de acordo
com os princípios tradicionais de gestão quando lidamos com pessoas criativas - -
impondo regras, políticas e opiniões sobre as preferências dos clientes -- , seu talento
definhará rapidamente. Nosso negócio consiste em dar aos artistas e designers que
trabalham conosco liberdade total para inventar sem limites. Na verdade, nossa
filosofia é de fato muito simples. Se insistirmos em fiscalizar a criatividade das
pessoas, seu trabalho perderá muito em qualidade. Não é o que aconteceria conosco
se um gerente qualquer ficasse nos rodeando com uma calculadora na mão? É por
isso que a LVMH, como empresa, é tão descentralizada. Cada marca é responsável
por si mesma, em conformidade com a orientação do seu diretor artístico. A sede da
empresa em Paris é bem pequena, especialmente em se tratando de uma companhia
com 54 mil empregados e 1,3 mil lojas no mundo todo. Como nós, só existem outros
250, e eu garanto que ninguém fica à espreita pelas esquinas questionando as
decisões criativas que são tomadas.
Isso quer dizer então que ninguém na empresa perguntou a Galliano se
haveria alguma mulherno mundo disposta a usar um vestido feito de
jornais?
Exatamente. E nem era preciso. As pessoas mais criativas -- e Galliano certamente é
uma delas - - querem ver suas criações nas ruas. Elas não inventam só por inventar.
É verdade que não lhes faltam idéias extraordinárias, muitas delas até chocantes: a
princípio, parecem loucura. Contudo, os verdadeiros artistas que fazem da LVMH um
sucesso não pensam em encerrar o processo por aí. Eles querem que as pessoas
usem as roupas que criaram, o perfume que desenvolveram ou a mala que
projetaram.
A responsabilidade do gerente de uma empresa que depende da inovação consiste,
em grande medida, em saber escolher as pessoas criativas com quem pretende
trabalhar, ou seja, aquelas que querem ver seus designs ganhar as ruas. O líder de
uma empresa assim precisa de muita sensibilidade para perceber isso. Afinal, poucos
artistas saem por aí proclamando que desejam ser um sucesso comercial. Ao
contrário, eles sentem repulsa por esse tipo de atitude. Se alguém lhes perguntasse
se é isso o que desejam, diria m que pouco importa se alguém compra ou não o seu
produto. A verdade, porém, é que eles se importam. Está no DNA deles, e, como
gerente, você tem de aprender a detectar esse sentimento. Sei que você vai
perguntar: "Como posso penetrar no DNA de uma pessoa e descobrir se estou diante
de um artista com instintos comerciais?" É preciso experiência. Anos de prática -- de
tentativas e erros -- até aprender.
Também é importante permitir que a criatividade aconteça. É preciso que a empresa
esteja repleta de gerentes que tenham um certo amor por artistas e designers.
Quando passamos a apreciar e a amar o trabalho e o modo de pensar das pessoas
criativas, o que normalmente se dá de modo imprevisível e irracional, só então
começamos a entendê- las. Nesse momento, é possível perscrutar suas mentes e
penetrar seu DNA.
Suponhamos que o mercado esteja exigindo um determinado tipo de
produto. Esse fator deve ser levado em conta no processo criativo?
Existe essa mentalidade, mas ela não é condizente com a verdadeira criatividade.
Algumas empresas se deixam influenciar exageradamente pelo mercado; seguem o
consumidor e são bem- sucedidas nessa estratégia. Elas vão às ruas, testam o que as
pessoas estão querendo, e depois passam a produzi- lo. Esse enfoque, porém, nada
tem a ver com inovação, que é, em última instância, o que realmente impulsiona o
crescimento e a lucratividade. Não se pode dar às pessoas só aquilo que elas
esperam. Além disso, você jamais terá produtos de sucesso se seguir esse raciocínio
-- refiro- me aos produt os que provocam fila de clientes na porta da loja, ansiosos
por adquiri- los.
Então o senhor acha que não há necessidade de testar os produtos no
mercado, em grupos de foco, por exemplo, antes de lançá-los?
É uma boa prática, mas isso não nos permitirá prever se um determinado produto
fará sucesso ou não. Os resultados dos testes são limitados. Eles nos permitem
saber se o nome dado ao produto apresenta algum problema em potencial. É
possível que o nome seja ótimo em inglês mas tenha um significado muito diferente
em japonês. Ou, talvez, ao testar um perfume, você descubra que em algumas
partes do mundo há elementos em sua fórmula que trazem uma conotação ruim na
qual você não havia pensado. Esses testes, contudo, jamais lhe dirão se o produto
fará sucesso no mundo todo. Veja o caso do J'Adore, a fragrância que
lançamos em 1999. Quando a testamos, não houve uma indicação sequer de que
faria sucesso. As pessoas dos grupos de foco disseram que ela era muito boa, só
isso. Mas veja o que aconteceu: de acordo com nossos levantamentos, o
J'Adore ficou entre os três perfumes mais vendidos do mundo no ano passado.
É claro que não lançaríamos um produto se os testes demonstrassem claramente
que seria um fracasso, mas também não o mudaríamos só por causa disso. Ouvi
dizer que muitos estúdios de cinema, hoje em dia, exibem para um público
selecionado vários finais possíveis de um filme, e depois o modificam de acordo com
a reação da platéia. Assim, os filmes acabam se tornando um sonho do mercado, e
não do artista.
Nossa estratégia consiste em confiar na criatividade dos nossos artistas. É preciso
dar- lhes liberdade. Quando uma equipe criativa acredita em um determinado
produto, temos de confiar no instinto básico do grupo. É o caso de um perfume que
lançamos este ano, o Flower, da Kenzo. Nós o lançamos não por causa dos testes
feitos, mas porque a equipe acreditou nele. Trata-se de uma criação muito especial.
Nos testes, as pessoas não sabiam o que fazer com ele -- o formato do frasco é
diferente, a flor por ele representada é a papoula, que não tem aroma algum. Ele é
diferente de tudo o que há por aí. É um produto fantástico, e tem granjeado um
sucesso inacreditável para a empresa. As vendas do Grupo de Fragrâncias Kenzo
cresceram 75% nos primeiros seis meses deste ano, graças quase que
exclusivamente ao sucesso do Flower. Por isso eu acho que os grupos de foco devem
ser ouvidos com uma certa cautela.
No momento em que se dá às pessoas criativas tanta liberdade e
autocontrole, como no caso da LVMH, não é de espe rar que os fracassos
aconteçam?
Bem, não gostamos de fracassos. Tentamos evitá-los. É por isso que, dado o grande
número de produtos que fabricamos, procuramos fazê-los em número limitado. Não
colocamos a empresa toda em risco com a introdução de novidades constantes. Em
um ano específico, na verdade, apenas 15% de todo o nosso negócio vem de novos
produtos; o resto vem de artigos tradicionais, já testados -- os considerados
clássicos. A Vuitton é um exemplo perfeito disso. Este ano, Marc Jacobs teve a idéia
do design com grafites, o que foi um grande desvio da linha tradicional. Você viu? É
uma coisa linda, meio maluca, não é mesmo? À primeira vista, não parece Vuitton.
Quem imaginaria um design desses para malas de viagem? Foram poucos os itens
em que o aplicamos, mas a fila de espera por eles no mundo todo é enorme. Os
demais produtos compunham- se de itens da Vuitton que poderiam ter sido
comprados no ano passado, ou daqui a cinco ou dez anos. São peças clássicas.
Usaremos o mesmo enfoque com a nova bolsa da Dior. É um item formidável, e
muito caro. Você a verá em propagandas, e sem dúvida vai querer comprá- la.
Garanto que ficaremos sem estoque em pouco tempo. O preço, entretanto, é bem
alto: 1,8 mil dólares. A produção será limitada a alguns milhares. O restante da linha
refletirá algumas das idéias embutidas no novo modelo de bolsa - - terá o mesmo
formato - -, mas será menos radical no tocante aos tecidos empregados e ao design.
Produziremos um número maior desses itens e os venderemos por menos. Assim,
preservamos a criatividade e minimizamos também o risco.
É claro que, em alguns negócios, não dá para evitar o risco. Às vezes, fracassamos.
É assim que se aprende. Já com outros negócios não se pode dizer que sejam
fracassos completos ou experiências de aprendizagem. A única coisa que se pode
dizer é que seu sucesso está demorando um pouco. É o caso da Christian Lacroix.
A LVMH lançou a casa Lacroix há dez anos e, embora muitos a considerem
uma das mais criativas de todo o seu portfólio, ainda não deu lucro. Por que
não fechar a loja?
Porque aprendemos muito com ela. É como se fosse um laboratório para nós, onde
aprendemos como começar uma marca do zero. No início, pensávamos: "Muito bem,
temos um gênio aqui na Christian Lacroix", mas entendemos que genialidade, só,
não basta para ter sucesso. Falando francamente, foi um choque descobrir que até
mesmo os grandes talentos não podem lançar uma marca a partir do zero. A marca
tem de ser herdada: não existem atalhos.
O fato é que as marcas de prestígio levam tempo para crescer. Veja, por exemplo, o
caso de pequenas empresas de cosméticos que compramos recentemente, como a
Bliss e a Urban Decay. Quando as compramos, eram modestas start-ups dirigidas
por seus fundadores -- negócios muito simples, mas com produtos bastante
originais. Sabemos agora que é preciso cultivá- las, dar-lhes uma história. Mesmo
que sejam necessários 10 ou 15 anos para que se tornem famosas, o investimento
não deixa de ser compensador, você não acha?
Quer dizer então que a herança é a principal característica de uma marca de
prestígio?
Eu diria que são quatro: perpetuidade, modernidade, crescimento acelerado e alta
lucratividade.
É possível que uma marca seja as quatro coisas ao mesmo tempo?
É difícil acontecer. Na minha opinião, há menos de dez marcas de prestígio no
mundo do alto luxo. É complicado harmonizar as quatro características de uma só
vez -- afinal de contas, crescimento acelerado nem sempre combina com alta
lucratividade - -, mas é isso que faz delas marcas de prestígio. Quem tem uma marca
nobre pode ter certeza de que dominou um paradoxo.
Vamos detalhar um pouco mais cada uma dessas características. O que o
senhor quer dizer com perpetuidade?
Quero dizer que a marca é construída, por assim dizer, para durar para sempre.
Significa que existe há muito tempo. Don Pérignon é um bom exemplo disso. Tenho
certeza de que as pessoas continuarão a bebê- lo no próximo século. A marca foi
criada há 250 anos e continuará importante e desejada por mais um século, mais do
que isso até. Ela foi feita para durar gerações sem fim -- assim como certas malas
que você compra e usa a vida toda. Perpetuidade não é algo que você encontra
apenas nas marcas da LVMH. Eu diria que a marca Cartier também possui essa
perpetuidade, assim como a Hermès, o Rolls-Royce e até mesmo a IBM. São todas
marcas de prestígio.
O problema é que a qualidade do perpétuo leva anos para se desenvolver, às vezes,
décadas. Não é o tipo de coisa que se decreta. A marca tem de dizer a que veio - - é
preciso que signifique algo perante os olhos do mundo. Como gerente, você pode
apressar o processo -- isto é, criar a impressão de perpetuidade o mais rápido
possível sem comprometer a qualidade.
Muitas empresas falam em qualidade, mas se você quiser que sua marca dure para
sempre, tem de cultuá- la com fanatismo. Antes de lançarmos a mala Louis Vuitton,
por exemplo, nós a submetemos a um processo mecânico torturante, no qual ela é
aberta e fechada cinco vezes por minuto durante três semanas. E não é só isso: ela
é jogada no chão, sacudida e pisada. Você riria se visse o que fazemos, mas é assim
que se constrói algo que dure para sempre. A propósito, se você submeter certos
produtos da concorrência a esse mesmo processo, verá que no fim só restará uma
pasta disforme.
A qualidade também é fruto da contratação de gente dedicada, que fica na empresa
por muito tempo. Tentamos conservar as pessoas que trabalham nos produtos --
sobretudo artesãos, costureiras e outras pessoas que os fazem -- porque eles têm a
marca entranhada no sangue, conhecem sua história e sabem seu significado.
Também nas lojas a maior parte dos vendedores tem a grife entranhada no sangue.
A maioria das empresas, quando adquire uma marca nova, manda embora os
antigos empregados. Nós, não, porque descobrimos que a qualidade fica
terrivelmente comprometida quando isso acontece. Se você despede toda aquela
gente, manda embora pessoas que respeitam mais do que ninguém a marca e que
muito fizeram para que ela tivesse longevidade, perpetuidade e autenticidade.
Ao mesmo tempo, o senho r sempre pede às pessoas que reinventem a
marca, certo?
Sim, caso contrário, perdemos a atualidade. Uma marca de prestígio tem de ser
atual -- senão, melhor dizer que está simplesmente na moda. Ela tem de ser
vibrante, ter sex appeal e modernidade. De certa forma, realiza uma fantasia. Ela é
tão nova e singular que você sente vontade de comprá-la. Ela se torna irresistível, é
impossível não possuí-la; senão, perde- se o momento. Fica-se para trás.
É claro que a moda provém da inovação, da criatividade dos designers. Às vezes,
isso é algo ainda mais difícil de garantir do que a qualidade - - que pode ser
incorporada a um produto -- , mas é tão importante quanto ela. A verdade pura e
simples é que o velho e o novo têm de conviver juntos. Em uma marca de prestígio,
honra- se o passado e inventa- se o futuro a um só tempo. O equilíbrio é sutil.
E, enquanto isso, há crescimento?
Sem crescimento não há marca de prestígio, é assim que eu vejo. Em 2000, Louis
Vuitton, que é de longe a maior e a mais luxuosa do mundo, teve um crescimento de
40% nas vendas, o que a torna uma superstar. O crescimento mostra aos acionistas
que você conseguiu estabilizar o que é duradouro e o que é moda, e por isso mesmo
pode agora cobrar um alto preço pela harmonia alcançada. O crescimento,
entretanto, não resulta apenas do alto preço. É possível crescer também quando se
muda para novos mercados, como os de países em desenvolvimento. Contudo, o
crescimento está, principalmente, condicionado a um grande desejo. É preciso que
os clientes desejem o produto. Parece simples, sei disso, mas conseguir o tom certo
na propaganda é algo complexo. É difícil conseguir que a propaganda represente de
fato uma marca. Muitas empresas acham que basta apresentar a imagem do
produto. Não é suficiente. É preciso projetar a imagem da própria marca.
É verdade que a linha de frente de uma marca de prestígio -- a inovação, o apoio ao
processo criativo, a publicidade e assim por diante - -, é algo tremendamente caro. A
alta lucratividade só aparece no fim do processo, e nos bastidores. Tudo começa na
fábrica. Nossos produtos são de uma qualidade incrivelmente alta, e têm de ser. Sua
produção, entretanto, é organizada de tal maneira que a produtividade também é
inacreditavelmente alta. O ateliê é lugar de uma disciplina e de um rigor
assombrosos. Todo movimento, por menor que seja, todo passo do processo, é
cuidadosamente planejado com base nos mais modernos e aperfeiçoados processos
tecnológicos de engenharia. Não é muito diferente do processo de fabricação de
carros na maior parte das montadoras modernas. Estudamos a maneira como cada
parte do produto será feita, onde comprar os componentes, onde achar o melhor
couro pelo menor preço, que tipo de tratamento aplicar. Uma simples bolsa pode
exigir mais de mil tarefas para sua fabricação, e nós planejamos cada uma delas.
Assim, o processo de produção da LVMH é exatamente o oposto do processo criativo,
tão livre e caótico.
Se você for à fábrica da LVMH, verá poucas máquinas. Praticamente tudo é feito à
mão. De modo geral, o trabalho por empreitada é o sistema operacional mais
ineficiente do mundo. No nosso caso, porém, é diferente, porque damos aos artesãos
um treinamento fora do comum, por meses a fio, antes de começarem a trabalhar
nos produtos. Cada uma das tarefas que realizam tem de ser estudada e refinada
durante anos, o que nos permitirá saber como organizar o ateliê. Não há nenhum
desperdício de tempo ou de movimento. Isso nos permite oferecer um produto de
alta qualidade a um custo que torna nosso negócio altamente lucrativo.
O único problema é que um sistema desses precisa de tempo para amadurecer. Não
se pode apressar o treinamento dos artesãos nem o planejamento do ateliê se o
objetivo é a fabricação de um produto com a máxima eficiência. Quando, por
exemplo, desenvolvemos uma nova bolsa, gastamos meses no planejamento do
processo de produção, para que seja rentável. Por isso, às vezes, os clientes são
obrigados a esperar, A produção é limitada.

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