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ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual. Uma psicologia da visão criadora.

Tradução de
Ivone Terezinha de Faria. São Paulo: EDUSP, 1980.

FICHAMENTO DO CAPÍTULO 6 - LUZ

PRINCIPAIS CONCLUSÕES: “Se quiséssemos começar com as primeiras causas da percepção


visual, um exame da luz devia ter precedido todos os outros porque sem luz os olhos não
podem observar nem forma, nem cor, nem espaço ou movimento. Mas a luz é mais do que
apenas a causa física do que vemos. Mesmo psicologicamente ela continua sendo uma das
experiências humanas mais fundamentais e poderosas, uma aparição compreensivelmente
venerada, celebrada e solicitada nas cerimônias religiosas. Para o homem, como para todos os
animais diurnos, é o pré-requisito para a maioria das atividades. É a contraparte visual
daquele outro poder animador, o calor. Ela interpreta para os olhos o ciclo vital das horas e
das estações.” (p. 293); “O conhecimento nos fez deixar de falar como as crianças, cronistas
antigos ou ilhéus da Polinésia. A imagem que temos do mundo, contudo, está longe de ter
mudado, porque é ditada por condições perceptivas convincentes que prevalecem em todos os
lugares e sempre. Mesmo assim, somos treinados para confiar mais no conhecimento que no
sentido da visão, a tal ponto que é preciso explicação dos ingênuos e dos artistas para nos
fazer entender o que vemos.” (p. 294); “A claridade que vemos depende, de um modo
complexo, da distribuição de luz na situação total, dos processos ótico e fisiológico nos olhos
e sistema nervoso do observador, e da capacidade física de um objeto em absorver e refletir a
luz que recebe.” (p. 295); “Perceptivamente, não há maneira direta de distinguir entre o poder
refletivo e a iluminação, uma vez que o olho recebe apenas a intensidade resultante da luz,
mas nenhuma informação sobre a proporção na qual os dois componentes contribuem para
este resultado. […] Em outras palavras, a claridade que se observa no objeto depende da
distribuição de valores de claridade no campo visual total.” (p. 295); “O fato de um lenço
parecer ou não branco é determinado não pela quantidade absoluta de luz que ele envia ao
olho, mas por seu lugar na escala de valores de claridade proporcionada pelo conjunto todo.
Leon Battista Alberti disse: 'O marfim e a prata são brancos, os quais, quando colocados
próximos das plumas do cisne, parecem pálidos. Por esta razão as coisas parecem muito claras
na pintura, quando há uma boa proporção de branco e preto, como há entre as partes
iluminadas e as sombreadas dos próprios objetos; assim todas as coisas são conhecidas por
comparação.'” (p. 295); “Mas se pintássemos destramente um gradiente do preto ao branco
numa longa faixa de papel e a observássemos num ambiente permeado por um gradiente de
luz de inclinação similar, o gradiente pintado ou reforçará ou neutralizará o gradiente da
iluminação, dependendo de como for colocado.” (p. 297); “Do mesmo modo que, na
perspectiva central, um sistema de convergência é imposto sobre um conjunto de formas, a
iluminação é a imposição perceptível de um gradiente de luz sobre a claridade e cores do
objeto do conjunto. […] Uma atitude completamente diferente é expressa pelos pintores do
século XIX que representavam a soma da claridade local, cor local e a claridade e cor da
iluminação através de um único tom de pigmento. Esta técnica não apenas confirmou a
sensação puramente visual como a realidade definitiva; também afirmou filosoficamente que
o ser das coisas não é intocavelmente permanente. Elementos acidentais são vistos como
participantes da essência das coisas tanto quanto suas propriedades invariáveis. Este
procedimento pictórico também define o indivíduo como sendo parcialmente a criatura de seu
ambiente, sujeita a influências que não podem simplesmente cair como véus.” (p. 299);
“Deve-se notar que não há uma resposta óbvia à pergunta de como o valor claridade-cor do
objeto é determinado. Voltando a pensar no exemplo do barril de madeira atingido pela luz,
compreendemos que o que os olhos realmente recebem é uma gama de tons. É um deles
designado como a cor 'verdadeira' do objeto, talvez porque seja o mais saturado, o menos
contaminado pelo acinzentado? Delacroix admitiu a existência de tal tom verdadeiro (le ton
vrai de 1'objet) e observou que ele é encontrado próximo do 'ponto luminoso', isto é, o brilho.
Mas talvez esse tom não esteja realmente presente no objeto percebido, e a claridade do
objeto e a cor do objeto sejam, ao invés, valores médios, que servem como denominadores
comuns dos vários tons.” (p. 300); “Em conjuntos globais bem como em objetos isolados, os
gradientes constantes de claridade, como gradientes constantes de tamanho oferecem um
aumento ou decréscimo contínuo de profundidade. As transições súbitas de claridade ajudam
a produzir saltos de distância. O assim chamado repoussoirs, objetos maiores no primeiro
plano, que pretendem fazer o fundo parecer mais distantes, são reforçados na pintura, na
fotografia, nos filmes, e em cenografia se houver uma forte diferença de claridade entre o
primeiro plano e o fundo.
Uma vez que a claridade da iluminação significa que uma dada superfície está voltada para a
fonte de luz, enquanto a obscuridade significa que está afastada, a distribuição de claridade
ajuda a definir a orientação dos objetos no espaço. Ao mesmo tempo mostra como as várias
partes de um objeto complexo se relacionam entre si. As áreas de orientação espacial similar
correlacionam-se visualmente por sua claridade similar. Quanto mais próximo da
perpendicularidade incidente da luz elas se encontrarem, mais claras parecem. Sabemos que
unidades de claridade similar são agrupadas na percepção. Assim um agrupamento por
semelhança de claridade indiretamente produz um agrupamento de similaridade de orientação
espacial. Os olhos ligam as superfícies paralelas em qualquer lugar no relevo em que podem
ocorrer, e esta rede de relações é um meio poderoso de criar ordem e unidades espaciais.” (p.
302); “ Estamos novamente às voltas com o problema que surge da inabilidade do olho em
distinguir diretamente entre capacidade refletiva e força de iluminação. Roger de Piles escreve
numa análise de claro-obscuro: 'Claro implica não apenas algo exposto a uma luz direta, mas
também todas as cores que são por natureza luminosas; e obscuro, não apenas todas as
sombras diretamente causadas pela incidência e ausência de luz, mas, da mesma forma, todas
as cores que são naturalmente marrons, tais que, mesmo quando expostas à luz, mantenham
obscuridade, e são capazes de se agrupar com as sombras de outros objetos'. A fim de evitar a
confusão entre a claridade produzida pela iluminação e claridade devida ao colorido do
próprio objeto, a distribuição espacial de luz no ambiente deve ser inteligível aos olhos do
observador.” (p. 303); “Em anos recentes, os museus e as galerias de arte têm desfavorecido a
escultura iluminando-a com focos de 'spotlights' para criar um efeito dramático. Experimentos
têm mostrado que sombras próprias mantêm seu caráter de película transparante somente
quando suas bordas são gradientes esfumados.[...] O 'spotlight' focalizado cria os mesmos
contornos nítidos semelhantes às linhas pretas de Hering e por isso interrompe a continuidade
da superfície escultórica impiedosamente e produz um arranjo de formas brancas e pretas sem
sentido. A luz do dia, por outro lado, torna a escultura tão agradavelmente visível porque sua
difusão suplementa a incidência direta da luz do sol e cria gradientes suaves.” (p. 302, 303);
“O pensamento humano, tanto perceptivo como intelectual, procura as causas dos
acontecimentos mais próximos do lugar de seus efeitos quanto possível. Em todo o mundo a
sombra é considerada como um efeito do objeto que a projeta. Neste caso, uma vez mais
descobrimos que a escuridão não aparece como a ausência de luz, mas como uma substância
positiva com direito próprio.” (p. 306); “Quanto às propriedades mais sóbrias das sombras
projetadas, percebe-se que, como as sombras próprias, definem espaço. Uma sombra
projetada através de uma superfície define-a como plana e horizontal ou talvez como curva e
inclinada; desse modo cria indiretamente espaço ao redor do objeto pelo qual é projetada. Ela
opera como um objeto adicional, criando um campo ao se colocar nele.” (p. 306); “Os padrões
de claridade de tom não apenas se confundem com os valores de claridade e obscuridade do
próprio objeto, como também interferem na claridade das cores locais do objeto e suas inter-
relações. Quando os pintores começaram a criar volume e espaço por meio dos efeitos de
iluminação, descobriu-se logo que esta técnica de 'chiaroscuro' perturbava a composição de
cor. Enquanto as sombras foram concebidas como aplicações da obscuridade monocromática,
elas inevitavelmente turvaram e obscureceram as cores e, deste modo, não apenas adulteraram
de modo desagradável a saturação das cores, como também embotaram sua identidade.[…] É
bem possível que Leonardo da Vinci, a quem Heinrich Wõlfflin chamou de pai do
'chiaroscuro', fosse incapaz de completar algumas de suas pinturas porque o desejo de
produzir relevos espaciais vigorosos por meio de sombreado coincidiu, no tempo, com uma
nova sensibilidade em relação à organização de cor. A unificação dos dois sistemas
competitivos de forma pictórica deu-se gradualmente. A sombra foi redefinida como uma
modificação de matiz – um desenvolvimento que foi Ticiano por meio de Rubens e Delacroix
a Cézanne. 'A luz não existe para o pintor', escreveu Cézanne a Emile Bonnard. Em nosso
próprio século, o estilo de cor dos fovistas com frequência eliminou o problema, omitindo
todo o sombreado, compondo com matizes saturados.” (p. 308, 309); “No início do
Renascimento a luz ainda era usada essencialmente como um meio de modelar o volume. O
mundo é claro, os objetos são por si só luminosos e as sombras são aplicadas para sugerir
rotundidade. Observa-se concepção diferente na Última Ceia de Leonardo da Vinci. Aqui a
luz incide como uma força, a partir de uma dada direção, penetrando numa sala escura, dando
toques de claridade a cada figura, ao tampo da mesa e às paredes. O efeito alcança a chave
mais alta nas pinturas de Caravaggio ou La Tour, que preparam os olhos para os refletores
elétricos do século XX.” (p. 313); “Mencionei antes que, na percepção, a obscuridade não
aparece como uma mera ausência de luz, mas como um contraprincípio ativo. Encontra-se o
dualismo das duas forças antagônicas na mitologia e filosofia de muitas culturas — por
exemplo, da China e da Pérsia. O dia e a noite tornam-se a imagem visual do conflito entre o
bem e o mal. A Bíblia identifica Deus, Cristo, a verdade, a virtude e a salvação com a luz, e o
ateísmo, o pecado e o Diabo com a obscuridade. A influente filosofia do neoplatonismo,
baseada inteiramente na metáfora da luz, encontrou sua expressão visual no uso da iluminação
pela luz do dia e velas nas igrejas da Idade Média.” (p. 313); “Por outro lado, os efeitos de luz
dos séculos XV e XVI, corretamente observados, eram essencialmente produtos da
curiosidade, da pesquisa e do aprimoramento sensório. Rembrandt personifica a confluência
final das duas fontes. A luz divina não é mais um ornamento, mas a experiência realística da
energia radiante, e o espetáculo sensual de claridades e sombras se transforma em uma
revelação.” (p. 313, 314); “Como Rembrandt obtém sua luminosidade vibrante? Já mencionei
algumas das condições perceptivas. Um objeto se apresenta luminoso não só em virtude de
sua claridade absoluta, mas superando o nível de claridade média estabelecido por sua
localização pelo campo total. Assim o misterioso brilho de objetos mais escuros surge quando
são colocados em ambiente ainda mais escuro. Além disso, a luminosidade aparece quando
não se percebe a claridade como um efeito da iluminação. Para este fim, as sombras devem
ser eliminadas ou reduzidas a um mínimo. E a luz mais intensa deve aparecer dentro dos
limites do objeto.” (p. 314); “O brilho se associa também à ausência de textura de superfície.
Os objetos aparecem opacos e sólidos devido à textura, que define a superfície frontal. Um
objeto brilhante não detém o olhar com semelhante invólucro externo. Seus limites não são
claramente definidos para os olhos.” (p. 315); “Num sentido mais didático, a iluminação tende
a guiar a atenção seletivamente, de acordo com o significado desejado. Um objeto pode ser
destacado sem que seja grande ou colorido ou situado no centro.” (p. 315); “'Em estilos de
pintura que não concebem a iluminação, o caráter expressivo e simbólico da claridade e
obscuridade é traduzido através de propriedades inerentes aos próprios objetos. A morte pode
aparecer como uma figura vestida de preto ou a brancura do lírio pode representar a
inocência. Quando se representa a iluminação, luz e sombra tendem a assumir a tarefa de
produzir estes climas.” (p. 315); “Para o pintor realista, este método tem a vantagem de dar a
um objeto o grau de claridade que serve seu propósito, sem interferir em sua aparência
'objetiva'. Ele pode tornar escura uma coisa branca, sem sugerir que é escura em si. O
procedimento é usado constantemente nas águas-forte de Goya. No cinema também, a
iluminação vinda de trás serve para dar a uma figura a sinistra qualidade da obscuridade. A
misteriosa sensação conseguida desta maneira se deve, em parte, ao fato de que a figura
escura não se apresente positivamente como um corpo sólido material com textura de
superfície perceptível, mas apenas negativamente, como um obstáculo à luz, sem volume e
sem materialidade. É como se uma sombra se movesse no espaço, como uma pessoa.” (p. 315,
316); “Os objetos pictóricos se desvanecem não apenas na obscuridade, mas também na
brancura. Nas paisagens do Extremo Oriente, com mais brilhantismo na 'tinta salpicada' ou
técnica do haboku do pintor japonês Sesshu, vemos as montanhas emergirem de uma base
oculta na neblina. Seria absolutamente errôneo dizer que em tais exemplos a 'imaginação
completa' o que o pintor omitiu. Ao contrário, o significado da representação depende
exatamente do espetáculo dos objetos que emergem do nada, para desenvolver cada vez mais
a forma articulada, à medida que se elevam em direção ao pico.” (p. 316); “Os impressionistas
desprezaram a diferença entre luz e sombra e borraram os contornos dos objetos. […] Isto
cada vez mais exclui inteiramente o conceito de uma fonte luminosa externa dominante. Ao
invés, cada ponto é uma fonte luminosa em si. O quadro é semelhante a um painel de
lâmpadas radiantes, cada uma igualmente forte e independente das outras.
De uma maneira muito diferente, pintores como George Braque foram além da iluminação,
não por criar um universo de luz, mas por transformar novamente a obscuridade das sombras
em uma propriedade do objeto.” (p. 316, 317); “Luz e sombra não mais são aplicadas aos
objetos, mas deles fazem parte. No decalque extraído do Pintor e Modelo de Braque (Figura
233b), o eu escuro da mulher é delgado, limitado por muitas concavidades, apresentando
vigorosamente o perfil do rosto e estendendo o braço. A parte clara da mulher é maior,
rodeada de concavidades, assentada numa posição frontal mais estática e ocultando o braço.
No homem domina o eu escuro; o claro nada mais é que uma ampliação do contorno posterior
subordinado. Ambas as figuras estão em si tensas, bem como em sua relação mútua, com o
antagonismo das forças contrastantes, que refletem uma interpretação moderna da
comunidade humana e da mente humana.” (p. 318).

Paloma da Silva Santos – Acadêmica do curso de graduação em Artes Visuais – Licenciatura.

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