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Desfile conceitual de moda e recepção: análise de

conteúdo de no ambiente virtual


BECCHI, Isabela Mariana.
Universidade Positivo

O intuito desta pesquisa é refletir sobre quais os principais temas apontados pelos
internautas a partir de um vídeo de desfile conceitual no Youtube, neste caso a respeito do
desfile de primavera/verão 2014 do estilista Rick Owens. Com base na investigação
exploratória bibliográfica sobre definição e função de desfiles conceituais de moda, na
aplicação do método da análise de conteúdo temática e nos comentários disponibilizados
na plataforma do Youtube, foi possível identificar que os internautas observam diferentes
aspectos ao assistir o vídeo do desfile e assim expressam em seus comentários.

Palavras-chave: Análise de conteúdo, desfile conceitual de moda, Rick Owens.

Introdução

Os desfiles de moda empregam ao corpo humano a função de propagador de mensagens e


atribuem possibilidades ao ato do vestir. Através deles, o estilista pode comunicar algo, seja
a respeito da coleção ou de qualquer outro tema. Um artifício usado para transmitir
mensagens é o desfile conceitual, o qual parte do mesmo princípio da arte conceitual, em
que o conceito é prioridade, e as roupas ficam em segundo plano.
Analisando o meio virtual, percebe-se que os internautas têm diferentes reações em relação
aos desfiles conceituais de moda, e muitas vezes estes manifestam suas opiniões na
internet. Este trabalho permite reconhecer, utilizando o método de análise de conteúdo,
quais são os assuntos recorrentes nos comentários do vídeo do desfile Vicious do estilista
Rick Owens, e assim contribui para a compreensão de como as mensagens estão sendo
entendidas pelo público. Dessa forma os designers e empresas poderão constatar se esse
sistema é adequado para os objetivos pretendidos, podendo a partir disso adaptar suas
apresentações ao público-alvo.

Desfile conceitual em contexto

O desfile de moda é um artifício utilizado para mostrar o trabalho e transmitir as ideias da


marca ou do próprio estilista, que favorece a visibilidade da grife e, como afirma Hansen et
al. (2012), está diretamente ligado a publicidade, uma vez que é colocado na mídia com a
pretensão de ser reconhecido pelo público e pela imprensa, a qual possui papel
fundamental na interlocução, e para isso não é necessário um grande número de
espectadores na plateia. É um meio de comunicação que oferece a visualização do
caimento e proporção das roupas no corpo humano em movimento, e, além disso, a
experiência através do show que emociona e seduz.

O desfile conceitual é um tipo de desfile proveniente da arte conceitual, movimento que


emergiu na Europa e nos Estados Unidos no final dos anos 60 e início dos anos 70, e de
acordo com Wood (2002, p. 28-29) prosperou num ambiente constituído pela vanguarda, e
partiu dele para compor uma crítica às conjecturas do modernismo artístico, sobretudo ao
estético e às reivindicações da autonomia da arte. Ela contrapõe-se aos dois elementos
comumente ligados à arte: “a produção de objetos para serem olhados e o próprio ato da
contemplação” (WOOD, 2002). O mais importante na arte conceitual é a ideia, assim a
execução fica sempre em segundo plano. Além disso, a arte conceitual explora o potencial
das percepções humanas, não se restringindo a pinturas, mas ampliando seus meios,
podendo estar presente em fotografias, performances, entre outros. Sobretudo, ela propõe
ao espectador a pensar.

Sendo assim, o desfile conceitual se resume em um artifício que considera o conceito como
item principal e tem como objetivo propagar uma mensagem definida pelo estilista, que é
comunicada não só pelas roupas, mas pelo espetáculo como um todo, isto é, iluminação,
trilha sonora, cabelo, maquiagem, performance dos modelos e etc.

O desfile Vicious de Rick Owens

O evento definido para a realização da análise possui uma quantidade significativa de


comentários no Youtube, que favorecem os procedimentos da pesquisa. O desfile de
Primavera/Verão 2014 do estilista americano Rick Owens, apresentado na Semana de
Moda de Paris em setembro de 2013 ocorreu em um galpão vasto e rígido, com piso de
concreto polido, e uma escada de aço por onde desceram as modelos, descreve Slee
(2013).

Definido por Pacce (2013) como “forte, ritmado, sonoro e enérgico”, o desfile da coleção
Vicious trouxe para a passarela, ao invés de um casting tradicional de modelos magras,
altas e brancas, um grupo de step dance, “tipo de dança percussiva, onde o próprio corpo é
instrumento e os passos e batidas produzem som” (PACCE, 2013), composto por quarenta
mulheres predominantemente negras e medidas plus size, e algumas delas com penteados
bagunçados e expressão facial agressiva. Segundo Burley (2013), editora-chefe da revista
Dazed, essas mulheres eram destemidas e pisavam no chão violentamente, chocando e
espantando a todos que estavam assistindo. “Foi muito além da moda, e claro, das roupas –
e isso era sobre desconstruir tudo” (BURLEY, 2013). Essa desconstrução característica de
Owens é trazida para a coleção através de “uma alfaiataria que explora a modelagem dos
quimonos, bem rígida, numa cartela de cor P&B quebrada apenas por um tom de terra e um
verde bem pálido” (PACCE, 2013). As roupas foram ajustadas de acordo com a
necessidade das dançarinas, permitindo maior mobilidade. Apesar de parecer que as
roupas traziam uma afirmação feminista, Owens quis apresentar um uniforme para todos os
corpos, afirma Slee (2013).

Conforme Blanks (2013), Rick Owens descreve a si mesmo como o clássico americano em
Paris, hipnotizado pela cultura que o rodeia. Ele queria devolver algo do seu mundo com
sua nova coleção, que foi então inspirada nos colégios afro-americanos de dança e traz os
americanismos através de códigos estéticos. Foi um ataque a ortodoxia da Moda, que
rejeita a beleza convencional e cria o seu próprio padrão.

Figura 1 – Desfile de Rick Owens Primavera/Verão 2014


(fonte: http://journal.antonioli.eu/2013/09/rick-owens-ss14/)

Método: Análise de conteúdo temática

Segundo Moraes (1999) a análise de conteúdo é um método de pesquisa utilizado para a


descrição e interpretação de conteúdo de qualquer tipo de documento e texto, que permite a
reinterpretação das mensagens, compreendendo de maneira mais aprofundada do que em
uma simples leitura. Pode ser analisado qualquer material proveniente da comunicação
verbal ou não verbal, porém as informações obtidas nas mais diversas fontes aparecem
num primeiro momento ao pesquisador em “estado bruto”, precisando ser filtrado para
facilitar o estudo.

Bardin (1977) organiza a análise em três “polos cronológicos: 1) A pré- análise; 2) a


exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação”
(BARDIN, 1977, p. 95). A primeira fase visa à organização dos dados para auxiliar a
condução do processo, e tem como objetivo “a escolha dos documentos a serem
submetidos à análise, a formulação de hipóteses e dos objetivos e a elaboração de
indicadores que fundamentam a interpretação final” (BARDIN, 1977, p. 95), não
necessariamente seguindo uma ordem cronológica, ainda que um dependa do outro. A
segunda fase consiste no gerenciamento sistemático da primeira fase, se finalizado. Na
terceira fase, todo resultado bruto é válido, e é compilado através de operações estatísticas
simples (porcentagem) ou complexas, sendo possível posteriormente a construção de
quadros de resultados, gráficos entre outras representações que expõem os resultados
obtidos.

Para Moraes (1999) caracteriza-se análise temática quando uma pesquisa faz uso da
análise de conteúdo para responder à questão “para dizer o quê?”, ou seja, a pesquisa é
direcionada às peculiaridade da mensagem em si e sua carga informacional. Bardin (1977)
define esse tipo de análise como “a contagem de um ou vários temas ou itens de
significação, numa unidade de codificação previamente determinada” (BARDIN, 1977, p. 77)
A categorização faz parte da análise de conteúdo, mas não é um procedimento obrigatório.
O intuito é classificar “elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e,
seguidamente, por reagrupamento segundo gênero (analogia), com os critérios previamente
definidos” (BARDIN, 1977, p. 117). Em outras palavras, Moraes (1999) define essa etapa
como um processo de agrupamento de dados levando em conta e semelhança entre eles,
portanto, é “uma operação de classificação dos elementos de uma mensagem seguindo
determinados critérios. Ela facilita a análise da informação, mas deve fundamentar-se numa
definição precisa do problema, dos objetivos e dos elementos utilizados na análise de
conteúdo.” (MORAES, 1999)

Aplicação do método nos comentários do Youtube

Para análise da recepção, foram selecionados dois vídeos no Youtube que correspondem
ao desfile Vicious, da coleção Primavera/Verão 2014 do estilista Rick Owens, os quais
possuem 418 e 18 comentários.

Encontram-se comentários nos idiomas espanhol, português do Brasil, português de


Portugal, francês, russo, japonês, inglês britânico e a grande maioria em inglês americano.
A partir disso, foi aplicada a tradução livre, que diferente da tradução juramentada, é
realizada para fins não oficiais. O método exige que o tradutor tenha vasto conhecimento,
não só quanto ao idioma, mas quanto ao tema em questão e também, neste caso, à
linguagem da internet.
Em seguida, os comentários foram classificados em: comentários sem justificativa (307)
comentários com justificativa (129), como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico 1 – Classificação
(fonte: A autora, 2017)

Dentro do grupo comentários sem justificativa estão os comentários de pessoas que


assumiram um posicionamento a favor ou contra, mas não argumentaram, e de outras que
não assumiram nenhuma posição à respeito ou não deixaram isso claro. Dos internautas
que deram suas opiniões, estão 131 comentários positivos (ex: “Gostei”, “Parabéns”...) e
19 comentários negativos (ex: “Não gostei”, “Horrível”...). Em 150 comentários os
espectadores do vídeo não opinaram a respeito (ex: “Não entendi”, “Qual é a música do
vídeo?”). Dentro desse grupo, quatro perfis criticaram a posição e o zoom da filmagem, mas
não manifestaram opiniões a respeito do conteúdo em si.

Os 129 comentários com justificativa expressam uma opinião e justificam-na. Por esta
razão, eles possuem mais argumentos para a realização da análise da recepção, uma vez
que através das suas justificativas é possível fazer interpretações lógicas. Em seguida
foram categorizados por temas recorrentes: modelos, performance, roupas e conceito.
Categorizando os comentários por assunto facilita na identificação de fatores que levam o
receptor a formar sua opinião.
Gráfico 2 – Categorização
(fonte: A autora, 2017)

Na categoria Modelos estão 83 comentários que dizem a respeito a escolha das modelos,
as quais são, diferentes das convencionais, dançarinas de step dance e a maioria negras e
tamanho plus size. 62 perfis fizeram comentários positivos a respeito do casting,
defendendo que Owens representou a diversidade e a inclusão no desfile, sendo inovador
para a semana de moda parisiense. Do outro lado estão 21 comentários negativos, alguns
se referindo às modelos de forma extremamente preconceituosa, tanto pela cor da pele
quanto pelo corpo. Há também pessoas afirmando que a apresentação é uma apropriação
cultural, e outros criticando o fato de haver apenas duas modelos brancas entre 38 negras,
o que supostamente estaria deixando de representar outras etnias.

Na categoria Performance estão 71 comentários que fazem menção às características da


apresentação das modelos, isto é, a dança e a expressão facial. 42 opiniões positivas
exaltaram a força e a energia que isso trouxe para o show, enquanto 29 criticam
principalmente o semblante das mulheres. Entre eles estão comentários que definem a
apresentação como agressiva e selvagem, e alguns dizem que Rick foi racista ao
representar o negro de uma forma tão estereotipada, questionando por quê as mulheres
negras não pode ser representadas com “feminilidade” e delicadeza. Há também usuários
lamentando que a música não pode ser ouvida devido aos passos de dança.

De 32 perfis que falaram sobre as roupas da coleção Vicious, 16 fizeram comentários


positivos, elogiando o fato de vestirem “corpos reais” e também por permitirem tanto
movimento durante a dança das mulheres. Já 16 pessoas criticaram a estética, a paleta de
cores, a modelagem e caimento, afirmando que jamais as usariam.
Entre todos os 129 comentários que justificam suas opiniões, apenas 15 fazem menção ao
conceito e ao propósito do estilista, nem todos de forma assertiva mas que se propuseram a
pensar sobre a mensagem pretendida, que é o principal objetivo em um desfile conceitual.

Considerações finais

Retomando o objetivo deste trabalho que consiste em identificar quais aspectos da


apresentação que mais chamaram a atenção desses espectadores, foi possível reconhecer,
numa ordem decrescente: as modelos, a performance, as roupas e por fim o conceito.
Também foi possível concluir que classificar os comentários das categorias temáticas em
positivo x negativo já não é suficiente, principalmente quando se trata de conceito. Destaca-
se o fato de que os internautas que fizeram menção ao aspecto conceitual do desfile não se
posicionam desta forma, ao invés disso eles demonstraram terem sidos provocados por ele,
o que vai além das suas opiniões próprias.
Uma possível justificativa para esse resultado pode se dar devido ao repertório do público
em geral com relação ao que é um desfile conceitual de moda. Levando em consideração
que para comentar no vídeo o desfile Vicious disponibilizado na plataforma do Youtube
basta ter um perfil no site e não necessariamente ter conhecimento sobre arte ou moda,
percebe-se que há uma tendência por parte dos internautas que comentaram em olhar para
o desfile conceitual de uma forma muito mais comercial e menos contemplativa de fato.
Então pode-se concluir, uma vez que esse não seja o objetivo da marca ou do estilista, que
o desfile conceitual é uma forma pouco eficaz para estas pessoas, e que assim como boa
parte das obras de arte, essa configuração exige uma sensibilidade maior por parte do olhar
do consumidor, e levando em consideração as estatísticas, poucos comentadores
realmente apresentam esta característica.

Referências

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1977.


BLANKS, Tim. Spring 2014 Ready-to-wear Rick Owens. Vogue. Disponível em:
http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2014-ready-to-wear/rick- owens Acesso em 19
Abr. 2017
BURLEY, Isabella. Is this the beginning of a revolution? Dazed Magazine. Disponível em:
http://www.dazeddigital.com/fashion/article/17373/1/is-this-the- beginning-of-a-revolution
Acesso em 19 Abr. 2017
HANSEN, Camila et al. Comunicação de moda: um breve olhar sobre o desfile como
ferramenta na contemporaneidade. Em pauta: Revista Vozes e Diálogo. Itajaí, v. 11, nº 2,
p. 83-94, jul. 2012. Disponível em:
http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/vd/article/view/4313/2522 Acesso em: 16 mai.
2017.
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p.
7-32, 1999. Disponível em:
http://cliente.argo.com.br/~mgos/analise_de_conteudo_moraes.html Acesso em 10 Jun.
2017
PACCE, Lilian. Rick Ownens Primavera/Verão 2014. Lilian Pacce. Disponível em:
http://www.lilianpacce.com.br/desfile/rick-owens-primavera-verao-2014/ Acesso em 19 abr.
2017.
SLEE, Natasha. Rick Owens SS14. Dazed Magazine. Disponível em:
http://www.dazeddigital.com/fashion/article/17369/1/rick-owens-ss14 Acesso em 19 Abr.
2017
WOOD, Paul. Trad. Betina Bischof. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

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