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FOLHA DE S.

PAULO – ILUSTRADA – 16/04/2016

CRÍTICA

Último livro de Umberto Eco é


relevante e surpreendente
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Definição da Arte", último livro de Umberto Eco (1932-2016), é


surpreendente.

A publicação poderia parecer uma boa oportunidade editorial, dado o


falecimento do autor. Na Itália, lançou-se "Pepe Satàn Aleppe" apenas
uma semana após seu óbito e as vendas foram espetaculares.

Ademais, o livro reúne ensaios escritos entre 1955 e 1963, constituindo


uma autêntica arqueologia do autor de best-sellers acadêmicos –"Obra
aberta" (1962); "Apocalípticos e Integrados" (1964)– e ficcionais –"O
Nome da Rosa" (1980); "O Pêndulo de Foucault" (1988).

Este livro seria destinado exclusivamente ao estudioso de Eco?

Eis a surpresa: "A Definição da Arte" proporciona uma reflexão relevante


para o cenário contemporâneo. Embora os artigos coligidos sejam de
recorte acadêmico, é possível consultá-los como se fossem peças de um
quebra-cabeça ficcional.

Os ensaios elegem um rival poderoso, abraçam um mestre e sua teoria e,


sobretudo, propõem uma experiência de pensamento que segue
plenamente atual.

.2009/AFP
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O adversário emoldura o volume, pois é nomeado no primeiro ensaio, "A


estética da formatividade e o conceito de interpretação" (1955), e
retomado no último artigo, "Um balanço metodológico" (1963).

A fundação de uma nova estética demandava o tradicional parricídio. Era


preciso superar o idealismo das concepções de Benedetto Croce.

No texto inicial se reconhece: "Um discurso sobre problemas estéticos não


pode deixar de tomar como ponto de partida aquela que foi a experiência
crociana". No escrito posterior, o tom se torna mais belicoso: "Formei-me
culturalmente no pós-guerra, num período, portanto, em que muitos
jovens intelectuais italianos estavam reagindo contra a 'ditadura' cultural
crociana".

Na "Nota introdutória", Eco atou as pontas de sua formação, encarecendo


o nome de seu professor: "Não por acaso que o volume começa com um
exame da estética de Luigi Pareyson: na realidade todos os estudos deste
volume recebem a influência do clima de pesquisa em que cresceram, na
Escola de Estética de Turim".
Pareyson foi professor tanto de Umberto Eco quanto de Gianni Vattimo, e
desenvolveu uma abordagem que estimulou a superação do idealismo
crociano: a estética da formatividade.

Eco começou sua jornada radicalizando os passos do mestre. A estética


desenvolvida por Pareyson afastou-se do privilégio concedido à obra de
arte, vista como uma forma "acabada".

Pelo contrário, ele se concentrou no exame do ato de formar, destacando a


centralidade da noção de "forma formante", isto é, da ação criadora que
ocorre tanto na produção como na recepção. Esse ponto foi decisivo, pois
Eco esticou a corda ao máximo, propondo um conceito chave para o
entendimento da arte contemporânea.

Recorde-se o ensaio "O problema da obra aberta" (1958), no qual se


definiu a ideia: "Obras que se apresentam ao fruidor não completamente
produzidas ou acabadas". Vale dizer, os papéis tradicionais de escritor e
de artista são substituídos pelas funções de coautor e de "fruidor"
participante.

Imagine-se um encontro-explosão: o teórico italiano, em diálogo com


Hélio Oiticica e Lygia Clark, dedicaria um estudo aos parangolés e aos
bichos!

Essa reunião fictícia esclarece a experiência de pensamento que segue


atual, mesmo urgente: uma abertura à arte do aqui e agora. Recusá-la
significa ignorar que "fatos tecnológicos novos modificam radicalmente a
imagem do homem".

Umberto Eco ensinou a manter os olhos livres e bem abertos para o


contemporâneo. Aceitemos o desafio.

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