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LORENA FARIA
UBERLÂNDIA
2018
LORENA FARIA
UBERLÂNDIA
2018
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 4
JUSTIFICATIVA ....................................................................................................................... 9
PROBLEMATIZAÇÃO ........................................................................................................... 10
OBJETIVOS ............................................................................................................................. 13
METODOLOGIA..................................................................................................................... 14
CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO ........................................................................................ 14
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 15
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INTRODUÇÃO
Exponho essas reflexões iniciais como uma tentativa de descrever o campo em que se
inserem tanto a produção ora escrita quanto a manifestação que pretendo analisar, o Batuque
de Umbigada paulista, enquanto pesquisadora do Curso de Doutorado em Estudos Literários da
Universidade Federal de Uberlândia e também batuqueira. Vejo-me numa zona de confronto –
mesmo na posição supostamente confortável a mim proporcionada pela Universidade – ao
escrever por e para aqueles que talvez não poderão ler-me, pelos mais variados motivos não
mencionados aqui, bem como ao tentar levar suas vozes a diferentes espaços, numa postura de
resistência.
Sobre tal aspecto, não posso deixar de discutir de forma breve sobre o já citado
movimento de interesses da indústria cultural – ou, mais especificamente, do mercado editorial
– na publicação de obras com temática e autoria negras. Numa posição inicialmente de
contracânone, tais obras, em algum momento da dinâmica de inclusão/exclusão, acabam vindo
a se tornar canônicas também. Quanto às universidades, é interessante perceber como as
discussões têm se dado no sentido de repensar e problematizar a formação canônica e mesmo
sua necessidade. Exemplo disso é a inserção de Quarto de despejo, livro de Carolina Maria de
Jesus, e do álbum Sobrevivendo no inferno, do grupo de rap Racionais MC’s, no vestibular da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – considerada atualmente a principal
universidade da América Latina – num movimento de alçada de poéticas costumeiramente
marginalizadas ao centro e na tentativa de evitar a reprodução passiva de um cânone elitista
entre os estudantes.
Tais reflexões me levam a pensar a questão da autoria e trazer para a discussão as ideias
de Michel Foucault, em O que é um autor?. Seguindo a linha do pensamento barthesiano,
Foucault exemplifica como a regra imanente e bastante conhecida de que a escrita relaciona-se
à morte ao apagar as características individuais do autor, sendo que “a marca do escritor não é
mais que a singularidade de sua ausência” (FOUCAULT, 1969, p. 36). No entanto, ao
problematizar as noções de obra e da própria escrita, o filósofo francês acredita haver um
bloqueio na verificação desse desaparecimento do autor, e nos convida a pensar as condições
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A expressão derivada do francês formes-prisons, que Silviano Santiago toma de empréstimo a Robert Desnos,
pode ser compreendida como um tipo de imposição da expressão, negando a concepção tradicional da invenção
artística e da liberdade do criador. O artista, sem liberdade para dizer de outra forma o que precisa ser dito, ‘aceita
a prisão como forma de comportamento, a transgressão como forma de expressão’ (SANTIAGO, 1978, p. 27). A
genialidade do artista latino-americano reside justamente no jogo visível de sua mensagem, porém no invisível
silenciado pelo texto, nesse caso, a presença do modelo europeu.
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de produção e recepção dos textos no espaço e no tempo. A partir disso, Foucault demonstra
como a designação da autoria apenas pela referência ao nome próprio do autor encerra questões
problemáticas, haja vista ser a autoria uma instância mais ampla no contexto daquelas condições
mencionadas anteriormente. Nesse sentido, afirma:
Dessa forma, Foucault nos leva à ideia de que o nome do autor não transita do interior
dos discursos para o indivíduo exterior que os produziu, como é possível fazer com o nome
próprio, mas exerce uma função que delimita, bordeja e caracteriza os textos. Assim, defende
que há discursos providos de uma “função-autor”, uma espécie de paratexto capaz de
caracterizar o modo de funcionamento, existência e circulação desses discursos, afirmando não
serem todos indistintamente dotados dessa função (que não se forma espontaneamente), mas
especialmente aqueles transformados em objeto de uma apropriação pautada em relações de
transgressão e propriedade, bem como aqueles que, historicamente, passaram a carecer de
algum tipo de atribuição de autoria. A função-autor também não se refere a uma individualidade
em si, mas, nos discursos em que está presente, pode caracterizar diferentes posições-sujeito
ocupadas pelo indivíduo. Nesse sentido, a noção de autoria não se restringe tão somente à figura
do autor ou autora personificados, mas amplia-se na direção de compreender quem enuncia do
ponto de vista de seu lugar social.
Nesse projeto de pesquisa, considero como ponto de partida meu locus no meio
acadêmico, entendendo-o como uma posição privilegiada socialmente, mas sem deixar de tentar
compreender a dimensão do Batuque de Umbigada como prática cultural de um grupo
específico que, mesmo trazendo em si diferentes discursos, não perde sua singularidade e está
demarcado subalternamente numa sociedade de classes. O Batuque surge, inicialmente, em
meio aos negros escravizados e reconfigura-se ao longo do tempo no bojo do mundo proletário
e das massas em geral. Tentar contar a memória coletiva, advinda dessa manifestação popular,
sem interferir naquilo que lhe é próprio, sem deixar de dar voz às formas próprias de
autoinscrição dos negros e negras ali envolvidos, a que Achille Mbembe (2001) chama de
práticas de self, é o desafio proposto quando tento inscrevê-los e inscrevê-las na academia.
JUSTIFICATIVA
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E assim apresento de forma mais pontual a justificativa desse projeto, em grande parte
já diluída ao longo dessa introdução. A pesquisa justifica-se na medida em que se propõe a
inserir na academia uma manifestação cultural extremamente rica poética e simbolicamente, o
Batuque de Umbigada, mas que devido ao advento da colonização e seus reflexos, não esteve
presente no espaço acadêmico como deveria. Mais que a promoção de uma reparação histórica,
trazendo a voz dos batuqueiros e batuqueiras para um lugar distinto daquele costumeiramente
onde ela se produz, esse trabalho busca produzir fontes para pesquisadores interessados no
tema, haja vista a ausência de pesquisa sobre o Batuque de Umbigada na área dos Estudos
Literários. Cumprir essa tarefa parece fácil se pensarmos a Universidade como legitimadora de
discursos, que detém “o poder de contar e interpretar os eventos que se passam no mundo
operário ou nos meios populares, em geral” (BOSI, 2003, p. 18). No entanto, se considerarmos
que os signos mobilizados por práticas como o Batuque de Umbigada são deslizantes e
promovem diferentes agenciamentos, veremos que uma manifestação tão vasta
simbolicamente, ao ser situada na academia, não pode deixar de ser analisada de maneira mais
ampla.
PROBLEMATIZAÇÃO
Mas, afinal, como podemos caracterizar, em linhas gerais, essa prática cultural? O
Batuque de Umbigada é uma manifestação cultural de tradição bantu, trazida ao Brasil por
populações negras escravizadas vindas sobretudo de Angola, sul da África. No interior paulista,
esteve presente em diversas cidades, sendo que ainda resiste em cerca de seis municípios:
Capivari, Piracicaba, Tietê, Rio Claro, Barueri e São Paulo (BUENO; TRONCARELLI; DIAS,
2015). Mesmo sendo uma manifestação afro pouco valorizada e por vezes silenciada ao longo
do tempo, as vozes dos batuqueiros ainda ecoam e as apresentações do Batuque de Umbigada
são momentos de enunciação em que os discursos produzidos reconstroem continuamente
nuances históricas, artísticas e simbólicas, em que interagem elementos como letras, música e
dança.
Apesar de configurar-se aparentemente como uma dança, o Batuque de Umbigada traz
em si outros elementos que merecem ser destacados: a elaboração das canções, ou mais
propriamente “modas”, a técnica de afinação dos instrumentos tradicionais e o próprio
significado da umbigada entre os corpos dançantes são matizes culturais simbólicas que
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remontam à ancestralidade, à identidade africana, ao culto às tradições e ainda à luta contra o
preconceito racial. Nessa esteira, o pesquisador Adelino Oliveira assim descreve a manifestação
cultural em tela:
Diante isso, a opção por abordar tais elementos sob a perspectiva dos Estudos Interartes
se justifica, sendo essa a linha teórica principal de análise dessa vivência cultural – me parece
inadequado chamar o Batuque de Umbigada de objeto. Sem nos atermos a uma conceituação
exaustiva, é importante destacar que nesses estudos são matérias de interesse os tipos de textos
envolvidos, suas formas de relacionamento, possibilidades de comunicação e representação de
diferentes sistemas sígnicos, bem como os códigos e convenções a eles associados (CLÜVER,
2006). Contrários à ideia de hierarquização entre as artes, por compreender que cada uma possui
características específicas a serem consideradas para análise, os Estudos Interartes envolvem
também a questão da produção e da recepção textual, além dos contextos culturais em que essas
são praticadas: o leitor é tido como realizador do texto, num deslocamento, mesmo que parcial,
deste para a consciência do receptor, em perspectiva intersemiótica. Entende-se o termo “texto”,
aqui, como uma estrutura sígnica normalmente complexa, passível de ser “lida”: para os
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semioticistas, essa percepção vale para qualquer obra de arte – seja um filme, um soneto, uma
pintura ou um balé, por exemplo. Dessa forma:
O leque dos Estudos Interartes parte dos estudos de fontes, passa por questões
de periodicidade, problemas de gênero e transformações temáticas, até
alcançar todas as formas possíveis de imitação que ocorrem através das
fronteiras entre mídias (em formas e técnicas estruturais, tendências
estilísticas, e outras mais). Os Estudos Interartes abrangem, além disso,
aspectos transmidiáticos como possibilidades e modalidades de representação,
expressividade, narratividade, questões de tempo e espaço em representação
e recepção, bem como o papel da performance e da recitação. Incluem também
conceitos cunhados pela Teoria da Literatura, como os de autor e leitor
implícitos, cuja existência também se pode comprovar, por exemplo, na
Música. Um fenômeno como o do talento múltiplo pertence aos objetos de
pesquisa específicos dos Estudos Interartes. Por outro lado, estes partilham
com outras atividades transdisciplinares o interesse, hoje em dia tão intenso,
por toda a sorte de contextos, práticas e instituições em que se deparam
diversas artes e mídias (CLÜVER, 2006, p. 16-17).
A definição do professor Claus Clüver sobre a abrangência dos Estudos Interartes nos
faz entender que o Batuque de Umbigada pode ser analisado sob o enfoque desses estudos, por
trazer em seu bojo o diálogo entre diferentes códigos numa perspectiva intersemiótica ou
intermídia, ao recorrer a “dois ou mais sistemas de signos e/ou mídias de uma forma tal que os
aspectos visuais e/ou musicais, verbais, cinéticos e performativos dos seus signos se tornam
inseparáveis e indissociáveis” (CLÜVER, 2006, p. 20). Isso porque a riqueza simbólica e a
compreensão holística dos elementos mistos que compõem o Batuque só é possível se estes
forem tomados em conjunto: por mais que possamos ouvir um CD com as modas do Batuque
ou analisar suas letras, por exemplo, qualquer tentativa de descrição desse objeto ou de sua
representação não substitui a vivência de sua recepção. O Batuque de Umbigada é um tipo de
texto com caráter performativo extremamente marcado, cujos elementos auditivos, gestuais,
verbais, visuais e cinéticos são contrários a uma percepção estática de interpretação.
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os elementos simbólicos presentes no Batuque? Como as modas entoadas na performance se
configuram literariamente? Como se dá a expressão da palavra cantada na performance?
Essas perguntas, entre outras que certamente surgirão ao longo do processo de escrita,
poderão ser respondidas a partir de uma bibliografia fundamental ao trabalho, a incluir teóricos
como Claus Clüver, para abordar os estudos interartes; Paul Zumthor, para tratar da vocalidade
e da performance; José Ramos Tinhorão e autores pós-coloniais, como Homi Bhabha e Achille
Mbembe, a fim de traçar uma linha histórica do Batuque de Umbigada e sua relação com a
questão do colonialismo e a reinvenção da tradição; Ivan Bonifácio e Paulo Dias, pesquisadores
e batuqueiros que desenvolveram obras sobre a temática do batuque e são importantes
referências de estudo para compreender essa manifestação. Diversos outros autores e autoras
serão consultados nos próximos dois anos.
OBJETIVOS
- GERAIS:
- Inserir o Batuque de Umbigada no espaço acadêmico, veiculando sua filiação aos Estudos
Literários e Interartes;
- ESPECÍFICOS:
A delimitação dos capítulos ainda não foi definida integralmente e pode sofrer
alterações. No entanto, até o presente momento, creio que a tese constará de um primeiro
capítulo com as histórias em torno do Batuque de Umbigada, em que pretendo delinear o
contexto social dos batuqueiros e batuqueiras e a linha histórica pela qual a tradição vem se
perpetuando, apesar de sua reinvenção no tempo – As histórias; um capítulo tratando dos
símbolos que compõem o ritual performático da manifestação cultural em tela, os corpos e a
espacialidade sagrada do terreiro – Os símbolos; um terceiro abordando especificamente a
questão da palavra cantada pela voz feminina do Batuque – As vozes; e um quarto capítulo a
tratar das modas e de sua significação, produzindo uma espécie de cancioneiro do Batuque de
Umbigada – As letras.
CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO
PERÍODO 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º
semestre semestre semestre semestre semestre semestre semestre semestre
TAREFAS 2017 2017 2018 2018 2019 2019 2020 2020
Disciplinas x x x x
teóricas
Levantamento x x x x
bibliográfico
Revisão da x x x x x x x
literatura
Montagem do x x
projeto
Exame de x
qualificação
Pesquisa x x x x
de campo
Levantamento x x x
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de dados
Tabulação dos x x
dados
Análise x x x
dos dados
Organização x x
dos resultados
Redação do x x x
trabalho
Redação final x x x
e depósito
Defesa x
REFERÊNCIAS
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003.
BUENO, A. P.; TRONCARELLI, M. C.; DIAS, P [orgs]. O Batuque de Umbigada: Tietê,
Piracicaba e Capivari, SP. São Paulo, Associação Cultural Cachuera!, 2015. 296 p.
CLÜVER, Claus. Estudos interartes: conceitos, termos, objetivos. In: Literatura e sociedade.
São Paulo: FFLCH/USP, n. 2, p. 37-55, 1997. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/ls/article/view/13267/15085 CLUVER 1997. Acesso em; 16 jul
2017.
GINZBURG, Jaime. Cânone e valor estético em uma teoria autoritária da literatura. In: Revista
de Letras, São Paulo, vol. 44, no. 1, 2004. pp. 97-111. Disponível em:
<https://periodicos.fclar.unesp.br/letras/article/viewFile/243/242>. Acesso em: 26 jun 2018.
MBEMBE, Achille. As formas africanas de auto-inscrição. In: Estudos Afro-Asiáticos, Rio de
Janeiro, vol. 23, no. 1, 2001. pp. 171-209. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/eaa/v23n1/a07v23n1.pdf>. Acesso em: 07 abr 2018.
OLIVEIRA, Adelino Francisco. Batuque de Umbigada: tradição e identidade. Produções do
grupo de extensão Batuque de Umbigada – IFSP Campus Capivari. Capivari, 2015. Disponível
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mai 2016.
PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. In: Estudos
avançados, São Paulo, vol. 18, no. 50, jan/abr 2004. pp. 161-193. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n50/a17v1850.pdf>. Acesso em: 25 jun 2018.
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RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São
Paulo: Perspectiva, 1978.
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