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14/10/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
NEGLIGÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
Data do Acordão: 18-09-2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO
DA INSTÂNCIA / DESERÇÃO DA INSTÂNCIA E DOS RECURSOS.
Doutrina:
- João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Volume I, 7.ª Edição, Coimbra,
Almedina, 1991, p. 559, 565 e 566;
- José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, Coimbra, p.
669.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC):- ARTIGOS 281.º, N.º 1 E N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05-07-2017, IN WWW.DGSI.PT.

-*-

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 02-02-2015, PROCESSO N.º 4178/12.2TBGDM.P1, IN WWW.DGSI.PT.


Sumário :
I - A deserção da instância depende da verificação dos pressupostos
previstos no art. 281.º, n.º 1, do CPC: (i) o decurso de um período de
tempo superior a 6 meses em que o processo, sem andamento, esteja a
aguardar o impulso processual das partes; e (ii) a negligência das partes
(na promoção dos seus termos).
II - Tendo, em 20-06-2016, sido proferido despacho, que foi notificado
à recorrente, a declarar a instância suspensa (em virtude do óbito de
uma das partes), “sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do
CPC” e tendo o processo estado parado até 23-01-2017, mostram-se
preenchidos os pressupostos enunciados em I, dado que, sabendo a
recorrente que a sua inércia conduziria à deserção da instância, a
paragem do processo por período superior a seis meses decorreu de
negligência sua.

III - Nessas circunstâncias, não cabia ao tribunal ordenar o


prosseguimento dos autos através de qualquer diligência, nem lhe era
exigível determinar a notificação da recorrente antes de proferir o
despacho a declarar extinta a instância.
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Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

l. Por apenso à execução que Banco AA, S.A.. instaurou contra BB -


Mobiliário Unipessoal, Lda (agora CC Mobiliário, Lda), ali melhor
identificadas, vieram DD, e cônjuge, EE, residentes na Rua …, …, …,
4585-907 Rebordosa, deduzir incidente de oposição por embargos de
terceiro contra a exequente (1ª embargada) e a executada (2ª
embargada), concluindo:
«Termos em que, devem os presentes embargos ser recebidos, julgados
procedentes e, em consequência:
a) Declarar-se nulo o contrato de compra e venda celebrado entre os
embargantes e a primeira embargada, com todas as legais
consequências;
b) Declarar-se extinta a presente execução.
Requer-se que, autuados por apenso os presentes embargos, se
notifique as embargadas para contestar, querendo, no prazo legal,
seguindo-se os demais termos até final.»

2. Dos embargados, contestou o AA, por excepção e por impugnação,


defendendo a procedência daquelas excepções (falta de personalidade
judiciária, de legitimidade ou de interesse em agir dos embargantes,
inadmissibilidade e intempestividade dos embargos) e, na negativa, a
improcedência do pedido, por falta de prova, com absolvição do
embargado do pedido, reconhecendo-se-lhe o direito de propriedade
sobre determinado imóvel.
3. Em 22.6.2011, foi proferido despacho saneador que concluiu pela
falta de legitimidade dos embargantes, julgando procedente a respectiva
excepção, com a sua absolvição da instância.
Esta decisão foi revogada na Relação e, interposta revista, o Supremo
Tribunal de Justiça confirmou o acórdão revogatório.

4. Determinou-se o prosseguimento dos embargos.


Proferiu-se novo despacho saneador a 12.7.2013 que julgou
improcedentes as excepções da caducidade do mandato conferido pelos
embargantes e da inadmissibilidade legal dos embargos. Seguiram-se

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os factos assentes e a base instrutória, de que reclamou o AA, sem


sucesso.
Após algumas vicissitudes, teve início a audiência final no dia
19.1.2016, com junção de documentos pelo AA que os embargantes
impugnaram.
No dia 11.4.2016, teve lugar a 2ª sessão de audiência, com admissão de
um novo meio de prova e adiamento (para o dia 20 de junho seguinte) a
pedido das partes que admitiram a possibilidade de colocarem termo ao
litígio por transacção.
Por requerimento de 16 de junho de 2016, a embargante EE informou
os autos de que o embargante seu cônjuge, DD, falecera no dia 12 de
abril, pediu que fosse dada sem efeito a referida data designada para a
continuação da audiência, juntou certidão do respectivo assento de
óbito e indicou que iria ser “apresentado o competente incidente de
habilitação”.
Nessa sequência, o Ex. mo Juiz, no dia 20 de junho de 2016, proferiu o
seguinte despacho, ipsis verbis:
«Face à junção do assento de óbito do embargante DD, ao abrigo
do disposto nos arts. 269º, n.º 1, al. a) e 270º do CPC, declaro
suspensa a instância, sem prejuízo do disposto no art. 281º, n.º 5, do
CPC.
Fica sem efeito a audiência de julgamento para hoje designada.
Notifique.»

5. A 23 de janeiro de 2017, o AA expôs e requereu o seguinte:


«- Nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 5 do CPC, “no processo
de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de
qualquer decisão judicial quando, por negligência das partes, o
processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis
meses.”
- Em 20/06/2016 foi proferido despacho nos seguintes termos: “face à
junção do assento de óbito do embargante DD, ao abrigo do disposto
nos arts. 269º, n.º 1, al. a) e 270º do CPC, declaro suspensa a instância,
sem prejuízo do disposto no art. 281º, n.º 5, do CPC. Fica sem efeito a
audiência de julgamento para hoje designada.”
- Desde essa data que os referidos autos não têm qualquer impulso
processual por parte dos Embargantes.
- Pelo que, face ao exposto, requer a V.ª Ex.ª se digne declarar a
deserção da presente instância.».

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6. No dia 25 de janeiro seguinte, a embargante requereu a


habilitação dos herdeiros do falecido contra o AA, a BB Unipessoal,
Lda. e FF, alegando, além do mais, que “a Requerente o 3.º Requerido
são os únicos sucessores legitimários do falecido DD, devendo ser
julgados habilitados como herdeiros daquele, nos termos dos artigos da
alínea a) do n.º 1 do artigo 2133.º do Código Civil e 351.º e ss do
Código Processo Civil”.
Termina assim: «Nestes termos e nos melhores de direito deve a
Requerente e o 3.º Requerido ser habilitados como herdeiros do
Embargante DD, requerendo-se a V. Ex.ª se digne a ordenar a citação
de todos os Requeridos para, querendo, contestarem o presente
incidente de habilitação, no prazo legal, seguindo-se os demais termos
até final.» (sic)
Juntou certidão do assento de óbito e escritura de habilitação de
herdeiros.

7. A mesma embargante, também no dia 25 de janeiro de 2017,


respondeu ao requerimento do AA de 23 de janeiro de 2017
(relativo ao pedido de declaração de deserção da instância) defendendo
a sua improcedência. Para tanto, alegou:
Tratando-se de embargos de executado não vigora, o regime da
deserção relativo à execução.
A deserção da instância não se verifica automaticamente, decorrido que
seja o aludido prazo de 6 meses. É necessário que a falta de impulso
processual se deva à negligência das partes, o que, no caso, não se
verifica.
O óbito do embargante foi causa de profundo desequilíbrio físico e
emocional da embargante EE que a impediu de tratar de qualquer
assunto relacionado com os presentes autos.
Depois tentou solucionar o litígio mediante um acordo com a parte
contrária e tentou ainda obter um financiamento bancário que
permitisse satisfazer “os números adiantados pelo embargado”,
erradicando o risco da presente demanda, tendo outorgado a escritura
de habilitação no dia em que apresentou este requerimento.
O decretamento da deserção da instância após o decurso do prazo de
seis meses sempre seria excessivo, desproporcionado e susceptível de
causar elevado prejuízo à embargante.

8. O AA pronunciou-se mais uma vez no âmbito deste incidente, por


requerimento de 7.2.2017, onde manteve a sua pretensão.

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9. Foi então proferida a decisão recorrida, em 14.2.2017, do seguinte


teor:
«Face à junção do assento de óbito do embargante DD, ao abrigo do
disposto nos arts. 269º, n.º 1, al. a) e 270º do CPC, por despacho datado
de 20 de Junho de 2016, declarada suspensa a instância, tendo sido
mencionado que sem prejuízo do disposto no artº. 281º, n.º 5, do CPC.
O referido despacho foi notificado às partes na mesma data.
Decorrido o prazo de seis meses nada foi impulsionado nos autos.
Apreciando.
Nos termos do art.º 281.º n.º 1 do CPC a instância considera-se deserta
quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar
impulso processual.
Tendo sido as partes advertidas de tal ocorrência com a menção “sem
prejuízo do disposto no artº 281.º n.º 1 do CPC”.
Assim, por nenhum impulso processual ter ocorrido durante seis meses,
a presente instância será declarada deserta.
Decisão:
Nestes termos, declaro extinta a instância por deserção da instância».

10. Interposto recurso desta decisão pela Embargante EE, veio a ser
proferido pelo Tribunal da Relação … o Acórdão de 21 de Fevereiro
de 2018, a fls. e seguintes, que decidiu «em julgar a apelação
improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão
recorrida».

11. Inconformada, a Embargante EE recorreu para o Supremo


Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes
conclusões:
I. Por douto acórdão, decidiu o Tribunal Judicial da Relação …
confirmar decisão que havia declarada deserta instância, sumariando:
"1. Pelo menos nas situações em que os autos não evidenciem a
verificação de algum dos dois requisitos da deserção da instância -
paragem do processo por mais de 6 meses e sua imputação a alguma
das partes, a título de negligência (art. 281, n.º 1 do Código de
Processo Civil) - o juiz não deve proferir decisão de deserção da
instância sem conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem
sobre essa questão, ao abrigo do art. 3º, nº 3, do citado código.
2. Não é decisão-surpresa aquela que declarou a deserção da instância
depois desta ter sido suspensa por despacho que advertiu para aquele
efeito com referência à norma processual que o prevê e também depois
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desse mesmo efeito ter sido requerido por uma das partes e da outra
parte ter tido conhecimento deste requerimento e de o ter contraditado
em requerimento próprio.
3. No exercício do contraditório, cabe à parte sobre a qual recai o
efeito negativo da deserção da instância, alegar e provar os factos que
alegou justificativos da sua inércia na promoção do processo, devendo
indicar os meios de prova no próprio requerimento da alegação"
II. Convirá esclarecer o iten que desembocou na decisão de deserção
da instância
III. Em 20.06.16, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: "Face à
junção do assento de óbito do embargante DD, ao abrigo do disposto
nos artigos 269º n.º 1, al. a) e 270º do CPC, declaro suspensa a
instância, sem prejuízo do artigo 281º, n.º 5, do CPC. Fica sem efeito a
audiência de julgamento para hoje designada.";
IV- Em 23 de Janeiro de 2017, o embargado, alegando que desde
aquela data os autos não haviam tido qualquer tipo de impulso
processual por parte dos embargantes, requereu que fosse declarada a
deserção da instância;
V. Em 25 de Janeiro de 2017, a aqui recorrente veio, na sequência do
referenciado falecimento, apresentar incidente de habilitação
processual
VI. No mesmo dia, a aqui recorrente, contrariando o requerido pelo
embargado, apresentou competente requerimento cujos termos foram
os seguintes:
"1 - O embargado, no seu requerimento, para sustentar o que afinal
peticiona, faz referência ao regime que sobre a matéria em apreço (a
deserção da instância) vigora no processo de execução;
2 - Procurando, com a referida referência, que se apliquem aos
presentes autos o respectivo regime;
3 - Ora, resulta evidente, que não sendo os presentes autos uma
execução, mas antes uns embargos de executado, não estão os mesmos
sujeitos à referida disciplina;
4 - Donde decorre não poder proceder, sem mais, o peticionado pelo
embargado;
5 - Na verdade, in casu, a deserção da instância não se verifica
automaticamente, decorrido que seja o aludido prazo de 6 meses;
6 - Com efeito, para que, decorrido o aludido prazo, decorra a
deserção da instância é necessário que a falta de impulso processual se
deva à negligência das partes;
7 - Circunstância que, no caso trágico dos autos, nunca chegou a
verificar-se;
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8 - Com efeito, o inesperado falecimento do embargante DD -


nomeadamente, na véspera da sessão de julgamento agendada nos
presentes autos e com a convicção (compreensível) da viúva, aqui
embargante, de que a angústia provocada pelo grave problema
atinente aos mesmos, em muito contribuiu para o dito desfecho -, foi
causa de profundo desequilíbrio físico e emocional da embargante EE,
que tem, aliás, imposto acompanhamento psicológico especializado;
9 - Situação essa que impediu que durante vários meses não fosse
possível tratar com a mesma - cabeça de casal do falecido - de
qualquer assunto relacionado com os presentes autos;
10 - Posteriormente, quando a situação da embargante já se
apresentava menos grave, considerou-se que, em primeira linha, devia
sondar-se o embargado (através do seu mandatário) no sentido de se
encontrarem as condições que pudessem viabilizar a realização dum
acordo;
11 - E uma vez que os números adiantados pelo embargado para o dito
efeito, ultrapassavam a disponibilidade da embargante, tem a mesma,
entretanto, diligenciado no sentido de poder obter financiamento
bancário que lhe permita colmatar a referida insuficiência;
12 - Sempre com o objectivo de, no limite do possível, erradicar o risco
da presente demanda, atenta a circunstância de que o imóvel objecto
dos presentes autos é absolutamente essencial à sua vida e à da sua
família (repare-se que é no dito imóvel que está instalada a unidade
fabril de que depende o sustento de todos e, ao mesmo tempo, é no
mesmo imóvel que a embargante tem a sua residência);
13 - Nessa medida, na sequência dos diversos procedimentos descritos,
a embargante outorgou hoje, na qualidade de cabeça de casal,
competente escritura de habilitação de herdeiros, que instruirá o
necessário incidente de habilitação;
14 - Ademais, face à diminuição drástica do prazo legal de que, nos
termos do Novo Código de Processo Civil, depende a deserção da
instância (de dois anos para seis meses), o decretamento da mesma nos
termos peticionados pelo embargado, atentos os condicionalismos
específicos do presente caso, sempre seria excessivo, desproporcionado
e susceptível de causar elevado prejuízo à embargante;
15 - É sintomática, a esse propósito, a nossa melhor jurisprudência;
16 - Veja-se, a título de exemplo, o consignado nos seguintes acórdãos:
- Acórdão da Relação do Porto, de 02 de Fevereiro de 2015 (proc.
4178/12.2TBGDM.P1.dgsi.Net): "...Por assim, ser na actual lei
adjectiva a deserção da instância não é automática pelo simples
decurso do prazo, como acontecia na Lei anterior, pois que, para além
da falta de impulso processual há mais de seis meses é também
necessário que essa falta se fique a dever a negligência das partes em
promover o seu andamento (artigo 281.º, n.º 1 do CPC) e, não sendo

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automática a referida deserção o Tribunal, antes de proferir o


despacho a que se refere o n.º 4, do artigo 281º C. P. Civil, deve ouvir
as partes por forma a melhor avaliar se a falta do impulso processual
é, efectivamente, imputável a comportamento negligente das partes...
Durante o primeiro ano de vigência do novo CP. Civil o legislador
previu no art. 3.º da Lei nº 41/2003, face à natureza profunda das
alterações que se verificaram na Lei Processual, a intervenção oficiosa
do Juiz com uma função correctiva quer quanto à aplicação das
normas transitórias quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo
do regime processual aplicável que resultassem evidentes de leitura
dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais, daí que,
numa situação de suspensão da instância por falecimento de uma das
partes se deve fazer uma interpretação extensiva por argumento de
identidade de razão daquela norma e concatenando-a com o princípio
da cooperação (art. 7.º do C.P.C) se aplique igualmente a estes casos,
tendo aqui o Juiz não uma função correctiva mas de cooperação com
as partes, alertando-as da instituição de um regime mais severo para a
deserção da instância antes de proferir um despacho a julgá-la extinta
por terem decorrido mais de seis meses sobre a suspensão da instância
sem impulso dos autos imputável às partes." (sublinhado nosso).
- Acórdão da Relação de …, de 26 de Fevereiro de 2015 (proc.
2254/10.5TBABF.L1-2.dgsi.Net): "...No despacho que julga deserta a
instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual
se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de
efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a
concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo
resulta, efectivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo
prudêncial deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a
falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente
de alguma delas ou de ambas, bem como, por força do princípio da
cooperação, reforçado NCPC, alertar as partes para as consequências
gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo
decorrido que seja o prazo fixado na Lei, agora substancialmente mais
curto (sublinhado nosso)...".
17 - Resultando pois evidente não estarem reunidas as condições de
que depende a procedência do peticionado no requerimento a que se
responde.
Termos em que, atendendo ao supra aduzido e ao incidente de
habilitação interposto nesta data, deve improceder integralmente o
peticionado pelo embargado."
VIII. Sucede que o Tribunal veio a declarar deserta a instância, como
segue:
"Nos termos do artigo 281.º, n.º 1 do CPC a instância considera-se
deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a
aguardar impulso processual.

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Tendo sido as partes advertidas de tal ocorrência com a menção "sem


prejuízo do disposto no artº 281.º, n.º 1 do CPC".
Assim, por nenhum impulso processual ter ocorrido durante seis meses,
a presente instância será declarada deserta.";
IX. Tal decisão, em termos práticos, veio a ser confirmada pelo douto
acórdão recorrido, mas com fundamentação substancialmente diferente
– o que implica a recorribilidade do mesmo, haja em vista o disposto
no artº. 671º, nº. 3 do CPC, a contrario sensu
X. O douto despacho do tribunal da primeira instância funda o
decidido no artigo 281º, nº1 do CPC -tão-só e apenas pela inexistência
de impulso processual durante seis meses
XI. Diversamente, o douto acórdão recorrido funda o decidido no
artigo 281º, nº 1 do CPC - mas, aprecia a existência de negligência da
recorrente, para além de constatar a ultrapassagem do prazo de seis
meses
XII. O douto acórdão recorrido dá razão à recorrente, pois aí se refere
que "o juiz não pode deixar de apreciar e valorar o comportamento
omissivo dos sujeitos processuais. Sendo requisitos da deserção o
decurso de mais de 6 meses aguardando o processo o impulso
processual das partes [....] não é possível atribuir-lhe a
responsabilidade da paragem do processo sem um justificado juízo de
inadimplência e de censura a ela dirigido".
XIII. Mais acrescenta o douto acórdão, que " a apreciação das razões
da paralisação tem que ser feita quando se profere o despacho de
deserção (nº1 do artº281º) ou quando, como é o caso do nº 5 do mesmo
artigo, se é chamado a dizer/declarar a instância do processo
executivo como estando já deserta".
XIV. As razões da discordância prendem-se com o que a seguir ali se
plasmou: se pode o douto acórdão colmatar a total falta de
fundamentação de facto da primeira instância, quanto à putativa
negligência da recorrente; se é indiferente que no douto despacho
notificado a cominação seja feita ao abrigo do disposto no artigo 281º,
n.º 1 ou n.º 5 do CPC; se é conforme a regras da vida e da experiência
que cinco meses sejam suficientes para recuperar da perda do
companheiro duma vida, ao ponto de se conseguir fazer, em tal espaço
de tempo, tudo aquilo que se lhe exige, dado que, para além da dor,
desconforto e perturbação física e emocional, há a considerar um
considerável crescimento de "tarefas" a serem desempenhadas.
XV. Em primeiro departimento, dir-se-á que, o douto despacho de
primeira instância primou de total ausência de fundamentação, no que
toca à negligência da recorrente, limitando-se a concluir pela
ultrapassagem do prazo de seis meses, para aí, e só aí, fundar a
deserção da instância,

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XVII. Sendo líquido, do que extrai do douto acórdão recorrido, que tal
apreciação seria necessária.
XVIII. Dispõe o artigo 154.º nº1 do CPC que "as decisões proferidas
sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada
no processo são sempre fundamentadas",
XIX. Resultando do nº 2 que "justificação não pode consistir na
simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na
oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a
contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de
manifesta simplicidade."
XX. Tendo em conta que - no dizer do douto acórdão - terá sido
adequadamente o contraditório, o menos que se exigia era que a douta
decisão em primeira instância desse os factos invocados pela
recorrente como provados ou não provados.
XXI. O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui uma
manifestação do direito a um processo equitativo (cfr. art 6.º da
CEDH; art.20º, nº 4 da CRP), tendo expresso assento constitucional
(Cfr artigo 205º, nº1 da CRP)
XXII. Ora, do que resulta do douto despacho da primeira instância é a
nulidade do mesmo, por absoluta falta de fundamentação, nos termos
do artigo 615º, nº1 b) do CPC, ex vi do artigo 613.º, n.º 3 do CPC
XXIII. Como refere FREITAS; José Lebre de " Código de Processo
Civil Anotado", vol II, Almedina, Coimbra, a pág. 669, "...há nulidade
quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da
decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão"
XXIV. O que, in casu, se verifica, pois do douto despacho nada se
retira quanto a factos donde se conclua a existência de negligência - o
mesmo é absolutamente omisso,
XXV. E, quanto a isso, mal andou o douto acórdão recorrido, quando
decidiu pronunciar-se sobre a existência, ou não, de negligência por
parte da recorrente -já que, para isso, teve que "criar" uma
fundamentação de facto que faltava à decisão em primeira instância.
XXVI. "Un quart d'heure avant sa mort, il était encore en vie",
escreveu Bernard de La Monnoye
XXVII. E, falando-se doutro truísmo, só se pode modificar algo que
exista
XXVIII. A modificabilidade da decisão em matéria de facto,
reconhecida em termos apertados e excepcionais no artigo 662º do
CPC pressupõe que haja alguma decisão, em matéria de facto - o que,
aliás, foi suscitado, enquanto nulidade da primitiva decisão, em sede
de recurso, não tendo o douto acórdão recorrido declarada nula a
primitiva decisão, pelo que incorreu, também, em omissão de
pronúncia.
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XXIX. Factos são ocorrências corretas da vida real, o estado e


situação real das pessoas, acontecimentos na vida das pessoas, até
ocorrências hipotéticas
XXX. Não se pode, sequer, falar em falta parcial de fundamentação -
porque da douta decisão apenas se retira, quanto a factos, que o
processo esteve parado durante seis meses,
XXXI. Nada se retirando, do ali plasmado, que o processo tenha
estado parado por "aderência de vontade" da ora recorrente.
XXXII. Porque são coisas diferentes - que o processo esteja parado
por seis meses; que esteja parado por culpa da recorrente.
XXXIII. E seria necessário algo mais como provado -e mencionado na
decisão - para que se pudesse concluir pela culpa
XXXIV. Tal culpa exige algum nexo entre tal imobilização; e a
vontade da ora recorrente -exige "um juízo de reprovabilidade pessoal
da conduta do agente; o lesante, em face das circunstâncias específicas
do caso, devia e podia ter agido de outro modo" (c/r Varela, João de
Matos Antunes," Das obrigações em geral", Vol. I, 7ª edição, Coimbra,
Almedina, 1991, pág. 559
XXXV. Por sua vez, a negligência, enquanto modalidade de culpa,
reconduz-se a situações de incúria, leviandade, precipitação ou
desleixo, que levam a crer na não verificação do evento, ou em que as
mesmas razões não levam sequer a prefigurar tal possibilidade (Cfr
VARELA; João de Matos Antunes, op. Cit., pág. 565-566)
XXXVI. Em qualquer caso, a culpa será sempre apreciada segundo a
"diligência de um bom pai de família" (cfr art .487º, nº 2 do CC), em
face das circunstâncias de cada caso
XXXVII. O que é o mesmo que dizer que o padrão de diligência (isto
é, a forma exigível de organizar as coisas por forma a responder às
obrigações que sobre alguém impendem) tem de ter em atenção a
contextura em que se verifica o evento
XXXVIII. Porque, obviamente, não será a mesma coisa o processo
estar imobilizado por culpa da recorrente; e estar imobilizado, porque
(por exemplo) o país entrou em guerra civil -E sobre isso, nada diz o
douto despacho, em primeira instância, limitando-se a constatar que o
processo esteve parado durante seis meses
XXXIX. Assim, ao decidir como decidiu, substituindo-se à primeira
instância, abstendo-se de verificar a inexistência de fundamentação de
facto no douto despacho de primeira instância, produzindo "ex novo "
uma fundamentação de facto, o douto acórdão recorrido violou a
artigo 154º, nº1, 615º, nº1 b) do CPC, o artigo 613º, nº 3 do CPC, bem
como o artigo 662$ do CPC, cfr. art 6.º da CEDH; art.20º, nº 4 da
CRP), tendo expresso assento constitucional (Cfr. artigo 205º, nº. 1 da
CRP)
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XL. Para o douto acórdão recorrido, é indiferente que a notificação


efectuada tenha referido o nº 5 ou o nº 1 do artigo 281º do CPC,
aduzindo em favor de tal conclusão o facto de ambas conterem o germe
da deserção, e para o facto da recorrente estar representada por
advogado - O QUE NÃO SE ACEITA A notificação é uma acto
significante, visando transmitir algo ao destinatário. Como refere o
artigo 219º nº 2 do CPC "A notificação serve para, em quaisquer
outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
" Decorrendo no nº 3 do mesmo artigo que " A citação e as
notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de
cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à
plena compreensão do seu objeto."
XLIII. Daí que, por exemplo, seja inviável uma notificação onde se
leia "fica V. Exa. notificado para os termos e efeitos do disposto no
artigo 1º e seguinte do Código de Processo Civil"
XLIV. Não é, pois, indiferente que a notificação tenha sido feita,
referindo o disposto no artigo 281º, nº1 do CPC; ou o artigo 281º, nº 5
do CPC - porque a referência ao nº 5 do artigo 281 não tinha
aplicação aos autos (apenso de embargo) em questão
XLV. Daí não podendo a recorrente - representada ou não por
advogado – qualquer conclusão útil, não lhe sendo exigível que fosse
ler aquilo que não era suposto ler
XLVI. A fundamentação do douto acórdão encerra, aliás, uma certa
perversidade:
porque pretende anular, pelo padrão de exigência que considera
exigível à recorrente, a obnubilação do erro que a antecede.
XLVII. No fundo, o que o douto acórdão sustenta é que o douto
tribunal de primeira instância produziu um erro, do qual tira
consequências; e que a recorrente
deveria ter suprido tal "insuficiência", tentando adivinhar o que o
tribunal quis comunicar.
XLVIll. Tal não é équo, nem encontra acolhimento legal-viola o
disposto no art 157º, N.º 6 do CPC, que por maioria de razão, vale
também para o despacho e notificação em causa
XLIX. Pelo que, ao decidir como decidiu, o douto acórdão violou o
disposto nos artigos 219º nºs 2 e 3 do CPC e 157º, nº 6 do CPC
L. O douto acórdão recorrido faz, na sua parte final, uma aferição do
alegado, em contraditório, pela recorrente, e que sintetiza no
desequilíbrio físico e emocional da recorrente, que a impediu de tratar
de assuntos relacionados com os autos; na tentativa de realização de
acordo com a parte contrária; e na tentativa de obtenção de
empréstimo bancário, para pagamento

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LI. O juízo ali produzido é de improcedência - porque cinco meses


"são normalmente suficientes à ultrapassagem de alguma desordem
emocional causada pela morte do cônjuge"
LII. E porque competia a indicação de meios de prova, nos termos do
artigo 292 e
293º, n.º1 do CPC
LIII. Data vénia, discorda-se de tal entendimento
LIV. Que foi o cônjuge quem morreu, e quando morreu, não se crê que
fosse necessário fazer prova, já que resultava do acquis processual
LV. Já que cinco meses sejam suficientes para "ultrapassar a
desordem emocional causada pela morte do cônjuge" - é altamente
dubitativo que assim seja, e crê-se prova contrária se retira de
presunções naturais
LVI. A morte de um cônjuge, para além da dor e sofrimento que
provocam e perturbam o normal desempenho físico, psicológico e até
social, é também fonte de "afazeres" suplementares, que implicam -
bem entendido – as exéquias fúnebres, a sua preparação, e actos
evocativos e de norma social (como sejam as "missas de dia" ou "por
alma", mas um sem número de tarefas burocráticas e de
relacionamento com uma nova realidade (mormente, com os co-
herdeiros) que, para além de consumirem tempo e recursos, são
também, por sua vez, um factor acrescido de debilitação, ao ponto de
ser expectável um menor grau de diligência da recorrente
LVII. Assim, não é expectável ou exigível que, alguém na concreta
situação da recorrente (que perdeu o companheiro de uma vida, o qual
se ocupava frequentemente da vida corrente e dos "assuntos
mundanos"; que tem uma situação económica periclitante; que tem de
se haver com as naturais exigências burocráticas; que tem processos
judiciais em curso; que se viu repentinamente a braços com um sem-
número de tarefas -factos que ou são notórios, ou resultam do acquis
processual) consiga, em cinco meses, também "lembrar-se " de ir
proceder a um incidente de habilitação de herdeiros, num processo
judicial em curso, e tenha todos os recursos para isso (sendo facto
notório que haverá honorários para pagar, e taxa de justiça para
liquidar)
LVIII. Nada faz supor se o que resultava dos autos até o contraria -
que a recorrente vivesse numa situação desafogada e despreocupada
LIX. No quadro do comumente expectável, dado o que era o acquis
processual (ou não estivesse a mesma em litígio por via de um imóvel
executado por dívidas), o que resulta notório é que se verificou uma
sobrecarga de exigências, não só emocionais, mas também funcionais,
e inclusivamente de dispêndio acrescido, com a morte do cônjuge

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LX. É, pois, a apreciação do douto acórdão recorrido contrária às


regras da experiência comum e, nessa medida, contraria o estatuído no
artigo 607º, nº 5 e 662 do CPC
LXI. Ademais, é errónea a asserção da necessidade de indicação de
meios (complementares) de prova.
LXII. Representando o despacho a que alude o artigo 281º, nº 4 do
CPC, antes de mais, um poder-dever do julgador em ordem à boa
ordenação dos autos, não tendo a natureza de incidente -
independentemente de a actuação ter, ou não, sido suscitada pela
contraparte no processo
LXIII. Por sua vez, dispõe o artigo 411º do CPC que " incumbe ao juiz
realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências
necessárias ao apuramento da verdade e ajusta composição do litígio,
quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer."
LXIV. Assim, e tratando-se de decisão - para mais - de profunda
importância; respeitando ela não à resposta a uma pretensão
particular das partes, mas à resposta a um interesse alieno às partes
(celeridade processual), não podendo a mesma ser tomada sem se
apreciar, fundadamente, se a recorrente foi ou não negligente, sempre
teria de ser indagada a existência, ou não , de negligência - e, para
isso, competia ao julgador ( em primeira instância; em segundo grau
de jurisdição) promover as diligências probatórias necessárias à
respectiva aferição
LXV. Ao decidir como decidiu, violou o douto acórdão recorrido o
artigo 411º e 662º do CPC
Conclui pedindo que seja o acórdão recorrido revogado.

12. O recorrido Banco AA, S.A. ofereceu contra-alegações não tendo


formulado conclusões mas pedindo que o recurso seja
liminarmente indeferido ou se assim não se entender que ao mesmo
seja negado provimento devendo consequentemente ser mantido o
Acórdão recorrido.

13. O Tribunal da Relação …o admitiu o recurso.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

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A Factualidade que importa ponderar é a que consta do relatório


supra I.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal,


corridos os vistos, cumpre decidir.

A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do


Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.
Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas
pela Recorrente a questão concreta de que cumpre conhecer é
apenas a seguinte:

1ª- Ocorreu ou não a extinção da instância por deserção da


instância?

B) Vejamos
1 - Diz-nos o n.º 1 do artigo 281.º do CPC relativo à «Deserção da
instância» que «sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta
a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a
aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Ora, resulta da matéria de facto provada que, em 20 de Junho de 2016,
foi proferido despacho a declarar a instância suspensa «sem prejuízo do
disposto no artigo 281 n.º 5 do CPC».
Este despacho foi notificado à ora recorrente.
Em 23.01.2017 veio o AA requerer que fosse declarada a deserção da
instância, face à ausência de impulso processual por parte da
embargante (ora recorrente).
A embargante (ora recorrente) respondeu em 25.01.2017, defendendo o
indeferimento do pretendido pelo AA.
Surgiu, então, em 14.02.2017, a decisão recorrida que declarou extinta
a instância por deserção.
2 - A deserção da instância foi criada pelo Código de Processo Civil de
1939, passou pelo C.P.C. de 1961 e no actual direito processual civil,
está prevista no citado nº 1 do art.º 281º.

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Nos termos deste normativo é necessário que o juiz profira despacho a


declarar a deserção da instância, verificando os dois pressupostos ali
previstos:
- O decurso de um período de tempo superior a 6 meses em que o
processo, sem andamento, esteja a aguardar o impulso processual das
partes;
- A negligência das partes (na promoção dos seus termos).
O juiz tem de apreciar se ocorreu um comportamento omissivo dos
sujeitos processuais, verificado que esteja o decurso do prazo de 6
meses sem andamento do processo.
No caso em apreço, é manifesto e evidente que o processo esteve a
aguardar o impulso processual da embargante (ora recorrente) por um
período superior a 6 meses.
O processo esteve sem andamento, esteve parado, desde 20.06.2016
até 23.01.2017.
Por isso, bem andou o despacho de 14-02-2017 ao considerar que os
autos estiveram parados (por negligência da embargante, ora
recorrente) e, por isso, deferiu o pedido de deserção da instância.
Afirmamos que foi por negligência da embargante, ora recorrente, pois
esta sabia – após o despacho de 20.06.2016 – que a instância estava
suspensa, sem prejuízo da sua deserção e que lhe cabia o ónus de vir ao
processo despoletar o impulso processual (como aliás veio em
25.01.2017).
É inquestionável, face ao despacho de 20.06.2016, que a embargante
sabia que o seu silêncio, a sua inércia processual por mais de 6 meses
conduziria à deserção da instância.
A embargante sabia, pois para isso foi devidamente alertada, que se
nada requeresse no prazo de 6 meses a consequência seria a deserção
da instância.
Nem se invoque que o juiz poderia, face ao dever de gestão processual
que sempre lhe incumbe, ter ordenado o prosseguimento dos autos
através de uma qualquer diligência.
Na verdade, o impulso processual tinha sido atribuído por despacho à
embargante. Esta tinha o ónus de dar andamento ao processo, de lhe dar
o devido impulso processual.
Refira-se ainda que tendo a embargante sido notificada, alertando-a,
para as consequências da omissão do impulso processual pelo prazo de
6 meses, nenhuma outra diligência era exigível ao Tribunal
(nomeadamente notificação) antes de proferir o despacho a declara a
extinção da instância por deserção da mesma.

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Não duvidamos que a deserção da instância, no actual CPC, deixou de


ser automática e carece de ser julgada, declarada, por despacho do Juiz
e, que neste despacho, deverá ser apreciada se a falta de impulso se
ficou a dever à negligência da parte.
No caso presente e concreto a embargante foi alertada para as
consequências da falta de impulso processual e só por negligência sua o
processo esteve parado.
Perante a situação fáctica em apreço, dúvidas não podem subsistir em
como se impunha que fosse declarada a extinção da instância por
deserção.
Neste mesmo sentido, ao qual aderimos ser reservas, podemos ver o
recente Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 05.07.2017,
in www.dgsi.pt, (desta mesma secção) podendo ler-se no seu sumário:
«I - Tendo-se indicado, no despacho determinativo da suspensão da
instância, o prazo pelo qual aquela perduraria e, bem assim, que, findo
o mesmo, os autos aguardariam o impulso processual do autor nos
termos do art. 281.º do CPC, é de concluir que este ficou ciente de que
impendia sobre si o cumprimento do ónus de impulso processual (não
cabendo, pois, ao juiz o dever de ordenar o prosseguimento dos termos
da causa) e das consequências que adviriam do seu inadimplemento.
II - O dever de gestão processual (art. 6.º do CPC) tem como
pressuposto o cumprimento do ónus de impulso processual, ainda que
este seja imposto por determinação judicial, tanto mais que a mesma
encontra respaldo na lei.
III - A aferição da negligência da parte, enquanto pressupostos da
deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que
constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva
decisão ser precedida de audiência prévia das partes».
É inequívoco que não assiste razão à recorrente.
Em suma, entendemos que se impõe a improcedência das alegações
da Recorrente, pelo que se nega a revista pedida.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar revista e, em consequência, confirma-


se o Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2018

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José Sousa Lameira (Relator)


Hélder Almeida

Oliveira Abreu

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