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GOIÂNIA
2018
RENATA FIORESE FERNANDES
GOIÂNIA
2018
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Resumo
Este artigo busca discutir a patologia da normalidade como implicação do paradigma
cartesiano/separatista, na medida em que se constitui como hábitos e crenças
engendrados por um sistema preocupado em explorar e produzir, distanciando
assim o homem da natureza, pessoal e externa, sendo que, o possível resgate
dessa relação perpassa pela crítica consciente do que se entende por normalidade
na contemporaneidade, dando margem à uma possível nova produção de sentidos.
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Psicóloga graduada pela UFG-Regional Catalão
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A NORMOSE DA SEPARAÇÃO
A compreensão da conectividade de toda a natureza já é discutida, em alguns
lugares do mundo, à milhares de anos. E, para nossos antepassados, era uma
realidade. Vivia-se em harmonia com a natureza, na medida em que se consumia o
que era extritamente necessário, já que ainda não havia a ideia de posse nem de
capital.
Este é um conceito bastante presente na cultura oriental, existente em
filosofias como o hinduísmo e o budismo, incorporado no cotidiano e nos hábitos
orientais. Para os ocidentais a realidade é o outro extremo, por isso para nós torna-
se tão difícil viver na prática essa compreensão. O adoecimento ocorre pelo
distanciamento desta verdade.
Neste sentido, torna-se impossível cuidar de si sem cuidar das relações com
outrem, assim como é impossível cuidar de si, sem que esse cuidado se expanda
para o cuidado da natureza. Isto porque não existe separação. A separatividade não
passa de uma fantasia.
“..., ao estudarmos a gênese da destruição da vida no planeta, descobrimos
que sua raiz está em considerarmos a ilusão como normal. É um conceito
provido de concenso social que pode levar ao suicídio da humanidade. A
isso se acrescentou, então, a noção de concenso: uma crença partilhada
pela maioria.” (WEIL, 2003, p. 20)
MUDANÇA DE PARADIGMA
Nos primórdios da existência humana, o sagrado era vivido como parte da
realidade cotidiana dos homens, isto porque, sem o desenvolvimento da razão,
todos os processos naturais, que permitiam a sobrevivência do homem, como as
chuvas, o nascimento e o pôr do sol para a chegada da noite e da bela lua, eram
sentidos como procedência divina, como manifestação direta da existência dos
Deuses, já que apenas devido à tais processos, se viabilizava a vida.
Nesta época, a normalidade era a integração. A compreensão das estações
do ano adquirida pela observação do movimento da natureza, permitia o cultivo
otimizado dos alimentos através do manejo das culturas de cada época e da
chegada das chuvas, realidade que ainda hoje é vivida por algumas culturas
indígenas e africanas que mantiveram esse contato com a terra, e também de
práticas permaculturais, como a agroecologia, que estão sendo resgatadas,
estruturadas e somadas à conhecimentos cientificos, apresentando uma solução
viável para um manejo sustentável de produção de alimentos.
Com as grandes navegações e colonizações, iniciadas por países europeus,
a ideia de progresso, levada por esse povos, residia na saída do campo para a vida
na cidade, na civilização, onde milhares de indígenas e africanos foram
escravizados para trabalhar em casas e em terras de grandes, ricos, senhores
feudais.
O Cristianismo, como ordem religiosa dominante, pregava a compreensão de
um Deus inacessível, bem distante dos homens, no reino dos céus, que apenas
aceitaria almas servientes aos grandes Reis que se denominavam porta-vozes de
Deus na Terra e que, por isso, mereciam obediência obstinada.
Mais algum tempo depois, com a chegada do racionalismo e do Discurso do
Método de Descartes, símbolo da ciência cartesiana, consolida-se ainda mais, a
separatividade do homem com o princípio divino, ascendido pelo contato genuíno
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A NORMOSE DO SER
O homem é o único animal na natureza que não nasce pronto, os outros
filhotes no reino animal, em sua maioria, nascem como pequenas réplicas dos
adultos, sendo necessário apenas que cresçam em tamanho e agucem os sentidos
e instintos. Nas palavras de Campbell (apud Crema, 2003) :“Nós não nascemos
humanos, nos tornamos humanos.”
Para o homem, como ser social, é necessário que sua inserção na dinâmica
da sociedade seja intermediada por outros agentes humanos, papéis geralmente
desempenhados pelos pais. Só assim, em relação com outros homens, é que a
criança se desenvolve, sendo inserida na cultura, apresentada à sua língua natal e
aprendendo os hábitos e comportamentos típicos do homem.
Cabe apenas a esse homem, quando nasce, a introjeção de uma série de
valores e comportamentos já dados e há muito perpetuados, sem que, de
preferência, ocorra qualquer espécie de questionamento sobre tais. A este conjunto
de hábitos concebemos como normalidade, pelo concenso social existente. Segundo
Jean-Yves Leloup (2003) “...a normose é um sofrimento como a neurose e a
psicose. É ela que nos impede de sermos realmente nós mesmos. O concenso e a
conformidade impedem o encaminhamento do desejo no nosso interior.”
O medo do desconhecido e a já aprendida aversão à diferença, impede a
maioria dos normóticos de se questionar sobre a normalidade, mesmo que, no fundo
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de sua alma eles sintam a sensação da falta de algo que dê sentido à vida. Essa
resistência, em casos mais acentuados, pode levar o indivíduo à somatização e
será, através da dor ou/e do incômodo, forçado à um questionamento mais
aprofundado e a tomada de consciência sobre si.
“Tornar-se uma pessoa é um caminho. Por intermédio de cada um, o desejo
continua sua rota, Trata-se de ir ao encontro da identidade transpessoal.
Não basta ser apenas eu, um ego. No interior de cada um de nós, podemos
sentir o chamado do Self. Através da experiência do numinoso,
descobrimos que há algo maior do que nós. Algo mais inteligente e mais
amoroso do que nós. Mas temos medo de enlouquecer, de perder o ego, de
perder o que foi construído no ambiente das relações parentais familiares e
sociais.” (LELOUP, 2003, p. 31)
REFERÊNCIAS
BILIBIO, M. A. De Frente para o Espelho: Ecopsicologia e Sustentabilidade. Tese de
Doutorado, Centro de Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília, DF,
2013. 165 p.
CAPRA, F. A Teia da Vida: Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos.
1. ed. 10. reimpr. São Paulo: Cultrix, 2006. (Originalmente publicado em 1997).