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CACHOEIRA-BA
2014
MARCUS BERNARDES DE OLIVEIRA SILVEIRA
CACHOEIRA-BA
2014
MARCUS BERNARDES DE OLIVEIRA SILVEIRA
Aprovado em __/__/__
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
_________________________________________
Maria Salete de Souza Nery
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
________________________________________________
Katharina Döring
Mestre em Etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia
Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Siegen
Universidade do Estado da Bahia
Para minha mãe:
Pelo amor que está para além do seu conceito e das amarras sociais
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos irmãos e irmãs que estão no plano espiritual me amparando em todo momento e,
que ficam mais próximos nos desafios mais difíceis. Sinto comigo sempre uma multidão de
obreiros do bem, sinto também a alegria e a responsabilidade que o simples ato de viver implica.
Agradeço aos grupos Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba; esse trabalho foi uma construção
conjunta. Muito obrigado aos Mestres Aloísio, Cristovão e Liodoro pelos momentos de muita
música e alegria. Muito obrigado a Zeni, sempre muito atenciosa. À Tonho do Samba e sua
esposa, muito obrigado por dividir os seus anseios, as suas vidas. Muito obrigado a Marcos
Brother e todos os familiares e amigos de Domingos de Saul.
Agradeço aos meus pais. Ao meu pai por todo o apoio e suporte, pela preocupação constante com
o meu futuro. À minha mãe pelo amor incondicional, pela minha introdução tanto na música
quanto na ciência, pela inquietude diante das arbitrariedades do mundo social. Agradeço aos
meus irmãos. À minha irmã, por cada vibração positiva e ligação quando eu tinha um trabalho
aprovado em algum congresso. Ao meu irmão, pelo incentivo constante aos estudos, por me
mostrar a seriedade que uma vida acadêmica exige. Ao meu cunhado pela atenção e primeira
leitura dinâmica pública deste trabalho. À pequena Maria, pelas alegrias que eu nem imaginava
que poderia emanar de um ser humano, por me lembrar de manter sempre ativa a curiosidade
infante. À Cíntia, minha companheira, por todos os momentos de carinho.
Agradeço aos irmãos que reencontrei em Cachoeira. Luis e Eduardo, constantes nesses anos
todos. Acredito que a nossa convivência em república, em irmandade, possibilitou o
conhecimento de nós mesmos. Sinto-me uma pessoa melhor após conhecê-los. À Guigas,
obrigado pelos momentos de risadas, pelas instruções fotográficas. À Daniels, irmão de ciência,
agradeço pelas conversas filosóficas até de madrugada, pelas viagens. Agradeço aos amigos que
acreditam junto comigo que as Ciências Sociais estão para além dos muros da sala de aula: June,
Cesinha, Daniel, Valdir, Paulo, Cacau, Matheus, Camillo e Zeca. À Ian, obrigado pelo constante
aprendizado musical que é dividir os palcos contigo. Obrigado a Adriano e Gugu, amigos de
infância, muitas vezes longe, mas sempre presentes. Muito obrigado ao amigo Dias, pelas viagens
e conversas sobre o recôncavo.
Agradeço ao meu orientador Wilson, por acreditar desde o início na proposta deste trabalho, pela
dedicação e leituras sempre atentas. Aos professores Luis Flávio e Diogo Valença por me
fazerem perceber a importância da vida acadêmica. Agradeço às professoras Ana Paula e Jurema
Machado pelas leituras quando a pesquisa era apenas um projeto, especialmente a Ana pelo
incentivo ao mestrado. À professora Salete, pelas orientações e exemplo de docência. À
professora Katharina Döring, pela simplicidade e atenção. Aos professores Osmundo e Juvenal
pela orientação de um dos capítulos deste trabalho.
RESUMO
Mapa 1 ....................................................................................................................................... 49
Mapa 2 ....................................................................................................................................... 54
Mapa 3 ....................................................................................................................................... 55
Mapa 4 ....................................................................................................................................... 56
Mapa 5 ....................................................................................................................................... 56
Foto: Casa do Samba em Berimbau ........................................................................................... 58
Foto: Domingos Júlio dos Santos .............................................................................................. 58
Foto: “Seu Domingos de Saul” e “Dona Glória” ....................................................................... 70
Foto: Grupo Coisas de Berimbau............................................................................................... 70
Foto: Grupo Raízes da Pindoba ................................................................................................. 71
Foto: Os pandeiros ..................................................................................................................... 71
Foto: Violão e Cavaquinho ........................................................................................................ 72
Foto: Castanhola ........................................................................................................................ 73
Foto: Prato-e-Faca...................................................................................................................... 74
Foto: Tabuinha ........................................................................................................................... 74
Foto: Chocalho ........................................................................................................................... 75
Foto: Timbau e Unitário ............................................................................................................ 75
Foto: Repique ............................................................................................................................. 76
Foto: Triângulo .......................................................................................................................... 76
Foto: Xequerê ............................................................................................................................ 76
Foto: Sambadeira ....................................................................................................................... 77
LISTAS DE TABELA
Tabela 1...................................................................................................................................... 51
Tabela 2...................................................................................................................................... 51
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 – CULTURAS POPULARES: NOTAS HISTÓRICAS E
EPISTEMOLÓGICAS .......................................................................................................................... 20
Folclore e Cultura Popular ......................................................................................................... 22
Mário de Andrade e o Ensaio Sobre a Música Brasileira .......................................................... 26
Tradições, Mundialização e Culturas Populares ........................................................................ 28
CAPÍTULO 2 – COSMOVISÃO E IDENTIDADE: OS BANTO E O SAMBA DE RODA 32
Música e História ....................................................................................................................... 32
Elaboração de um Modelo Abstrato .......................................................................................... 36
Identidade e Mudança Cultural .................................................................................................. 39
CAPÍTULO 3 – ETNOGRAFIA DA MEMÓRIA MUSICAL .................................................... 43
Memória Musical: Construção de um Conceito ........................................................................ 44
De feira à cidade: Berimbau (Conceição do Jacuípe) ................................................................ 49
Casa do Samba Mestre Domingos Saul ..................................................................................... 56
“O Reis” ..................................................................................................................................... 59
Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba .................................................................................. 63
CAPÍTULO 4 – A TRADIÇÃO EM DOIS ESCOPOS ................................................................. 78
“O Parecer” ................................................................................................................................ 81
Revalidação do Título de Patrimônio Cultural Brasileiro ......................................................... 84
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 88
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 90
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INTRODUÇÃO
E como o Samba de Roda apareceu como a musicalidade a ser discutida? Passei parte da
minha infância e adolescência na cidade de Conceição do Jacuípe. Até então não sabia que a
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cidade fazia parte do recôncavo1, tampouco que existiam grupos de samba de roda. Só quando fui
morar em Cachoeira, em 2010, que comecei a ouvir falar do samba, dos ensaios às quartas-feiras
na Casa do Samba de Dona Dalva. No mesmo ano comecei a esboçar uma ideia de pesquisa
sobre a música em situação de diáspora nas Américas. Minhas principais influências musicais são
de referenciais afro-americanos: o blues, o jazz, o baião, o chorinho. Comecei a perceber a
importância histórica que o samba de roda teve para a construção das musicalidades que se
desenvolviam no Rio de Janeiro no início do século XX, e posteriormente tornaram-se símbolos
da brasilidade. Enxergava também em paralelo o blues norte americano como esta célula central
para uma multiplicidade de ritmos rurais e urbanos que se desenvolvia nos Estados Unidos,
ganhando proporções mundiais. Pareciam-me demasiado interessantes estas relações entre o
Mississipi e o Paraguaçu, entre o Blues e o Samba de Roda, entre o Jazz e o Choro. Entretanto tal
amplitude temática e a inexperiência do pesquisador mostraram-se inviáveis para tal empreitada.
Aos poucos fui percebendo que o Samba de Roda era um complexo cultural que demandaria
várias pesquisas, bem como um ponto de partida importante para se pensar questões mais amplas.
Repensei a questão, voltando-me especificamente para o Samba de Roda, no intuito de entender
como a música é socialmente construída. A partir de leituras sobre História Oral e minicursos,
mais tarde aprofundando o tema usando referenciais das ciências sociais, a memória coletiva se
tornou uma ferramenta analítica interessante para pensar a construção desta musicalidade; já que
a entendia como um processo histórico de influências múltiplas, mas também como uma
referência presente fundamental para as pessoas inseridas no contexto. Em 2012 fui bolsista de
iniciação científica no projeto Um estudo sócio-antropológico do samba-de-roda, suas
especificidades, e sua implicação como patrimônio cultural, na região recôncava da Bahia –
(Cachoeira, São Félix e Conceição do Jacuípe), com o plano de trabalho A Dinâmica da
Memória Musical: As Tradições do Samba de Roda em Cachoeira, São Felix e Conceição do
Jacuípe, sob a orientação do professor Wilson Penteado com quem já estabelecera relações de
orientação desde 2011. Apesar da pesquisa abarcar grupos das três cidades, ela foi mais
desenvolvida em São Felix e Conceição do Jacuípe; na primeira cidade por uma outra bolsista, e
1
A região do recôncavo da Bahia, geografica e conceitualmente, delimita os municípios que estão no entorno da
Baía de Todos os Santos. Porém existem critérios políticos, econômicos e culturais que são também levados em
consideração. Assim o entendimento de um “recôncavo cultural” acaba por abarcar mais municípios. Esse debate
será melhor problematizado no Capítulo 3.
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na segunda por mim. Neste mesmo ano, integrei um grupo de estagiários que realizou o
Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) no Recôncavo da Bahia, abarcando os
municípios: Maragogipe, Salinas da Margarida, Saubara, Itaparica, São Felix, Cachoeira e Santo
Amaro. Este INRC foi exigido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) ao Estaleiro Enseada do Paraguaçu por construir em uma área histórica e de dimensões
culturais reconhecidas por órgãos públicos específicos. Este trabalho me permitiu conhecer
outros grupos de Samba de Roda. Percebi então a pluralidade de tradições que os grupos de
samba possuíam no Recôncavo. Paulatinamente comecei a redirecionar o meu universo empírico.
Conheci o samba a partir de Cachoeira, entretanto, após ouvir aquelas músicas, reconheci os sons
que ouvira na minha adolescência em Conceição do Jacuípe. Muitos grupos de cidades como
Cachoeira, São Felix, Santo Amaro, São Francisco do Conde foram estudados por pesquisadores
hoje renomados. Alguns destes grupos manifestam a ideia de que não necessitam mais de
pesquisas sobre si mesmos, porque aqueles pesquisadores teriam finalizado o trabalho. É uma
atitude compreensível, já que os mesmos escutavam muitas vezes perguntas parecidas com
aquelas já respondidas. Outra questão fundamental é uma relação de privilégios que existe na
Rede do Samba2, que marginaliza grupos e também cidades. Esta é uma relação complexa entre
governos municipais, população, Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia
(ASSEBA), articuladores e grupos que será problematizada. A cidade de Conceição do Jacuípe e
seus grupos ocupam um espaço marginalizado diante de grupos e cidades que são entendidas
como “mais tradicionais”, mas que na verdade possuem uma melhor articulação política neste
processo de patrimonialização do Samba de Roda. A escolha da cidade de Conceição do Jacuípe
como universo de pesquisa, advém destas questões e da constatação de ambientes socioculturais
distintos para uma mesma musicalidade. A relevância para pesquisa encontra-se no fato de buscar
similitudes (bem como analisar divergências) da pluralidade de tradições de Sambas de Roda no
recôncavo. Em 2013, como continuidade do projeto de pesquisa de iniciação científica ainda em
curso, reestruturei o meu plano de trabalho para Os Discursos de Tradição no Samba de Roda em
Conceição do Jacuípe. Na primeira pesquisa trabalhei mais especificamente com a temática da
memória, neste segundo plano de trabalho o enfoque foi nos discursos de tradição, das
2
Articulação política das Casas de Sambas distribuídas em 15 municípios do Recôncavo da Bahia: Santo Amaro,
Feira de Santana, Maragojipe, Antônio Cardoso, Saubara, São Francisco do Conde, São Felix, São Sebastião do
Passé, Teodoro Sampaio, Conceição do Jacuípe, Cachoeira, Terra Nova, Irará, Salvador e Simões Filho.
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características do samba na cidade, na história dos grupos. Acabo por fazer aqui também o relato
da minha memória musical. Nada mais justo, já que a pesquisa tratará da memória de vários
músicos, considerei pertinente apresentar minhas recordações reconstruídas como explicação de
um tema de pesquisa.
3
Os atuais grupos da cidade são Raízes da Pindoba e Coisas de Berimbau, ambos registrados na ASSEBA. A
pesquisa focará então na análise empírica destes dois grupos. Entretanto no trabalho de campo descobriu-se a
existência de outro grupo, Filhos das Lages, que se encontra desativado.
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abordado em dois escopos: enquanto discurso e prática produzidos pelos próprios sujeitos e como
uma noção imposta pelo Estado.
O Samba de Roda é objeto de estudo das ciências humanas muito antes do mesmo se
tornar Patrimônio Imaterial Brasileiro (IPHAN/2004) e Patrimônio Oral da Humanidade pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO/2005). Desde
os anos 70/80 do século passado, com os estudos do etnomusicólogo Ralph Waddey (tendo
publicado dois artigos, em 1980 e 1981), talvez até antes, o Samba de Roda enquanto
manifestação musical, coreográfica, estético-poética é abordado em estudos folcloristas,
etnomusicológicos, históricos, antropológicos. Entretanto a questão da criação da Associação de
Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA) e, consequentemente, da difusão de
Casas de Samba pela região do recôncavo baiano constitui um fenômeno recente. A
patrimonialização de um bem cultural traz consigo toda uma gama de questões que precisam de
um estudo mais aprofundado. Com a realização da presente pesquisa, ao se propor investigar os
discursos de tradição (que englobam as falas dos próprios agentes e a gerência do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), contribui-se para a compreensão da rede complexa
que se estabelece entre o Estado brasileiro (burocrático, normativo, desenvolvimentista) e a
cultura popular (dinâmica e tradicional).
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Os conceitos de harmonia, melodia e ritmo são aqui entendidos em suas formas mais elementares. Melodia é uma
sucessão de sons musicais combinados; ritmo a duração e acentuação dos sons e pausas e harmonia a combinação
dos sons simultâneos (CHEDIAK; 1986).
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(2009) entre outros, fazem uma importante abordagem sobre esta musicalidade. Tais pesquisas
trazem contribuições significativas de levantamento histórico e diferentes práticas etnográficas,
ora versando sobre a viola machete, ora explicitando sobre a importância da captação de áudio na
pesquisa. O Dossiê Samba de Roda do Recôncavo Baiano, também organizado por um
etnomusicólogo, Carlos Sandroni (2007), faz uma grande verificação das áreas do recôncavo
onde existem grupos de samba de roda, apresentando aspectos bem gerais do samba. Estudos
mais recentes como os de Michael Iyanaga (2011) e Nina Graeff (2013), ainda sob a perspectiva
etnomusicológica, versam sobre o samba de caruru e as performances no samba de roda.
Existem dois modelos básicos de influência estética e simbólica para a música afro-
brasileira. As tradições religiosas ioruba, que se mantiveram mais coesas e fechadas
ideologicamente, enquanto expressão musical extremamente ligada à sua liturgia, e as tradições
religiosas banto mais abertas a influências diversas. Musicalmente (pensando em estruturas
rítmicas), os banto teriam seguido dois caminhos: um ritual, ortodoxo, representado nas músicas
de culto de umbanda, e outro enquanto gênero secular tradicional, o Samba de Roda. Esta
classificação de gênero secular tradicional é trazida por José Jorge de Carvalho (2000).
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As cifras são nomenclaturas musicais mais simples (em termo de informação sobre a música: harmonia, melodia,
ritmo, intensidade, andamento, compassos) do que as partituras. A cifra acompanhada das letras só indica a harmonia
utilizada dissociada do ritmo e da melodia. É necessário um conhecimento prévio da música melodicamente, para
reproduzir a música harmonicamente através de um cordofone qualquer.
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CAPÍTULO 1
nova língua culta alemã, nas figuras do clérigo e do professor. Nesse sentido, na Alemanha, dois
conceitos vão se desenvolvendo assimilando características distintas, enquanto “Kultur” remete a
“profundeza”, “honestidade”, “autenticidade”; “Zivilization” se caracteriza pela
“superficialidade”, “falsidade”, “na ordem da aparência”. Elias (2011) identifica o processo no
qual esta antítese social torna-se paulatinamente nacional. Na França, a burguesia não se
diferenciava tanto da aristocracia, setores importantes da burguesia foram absorvidos pela
aristocracia de corte no século XVIII. Depois da Revolução Francesa os valores aristocráticos
(absorvidos pela classe média) tornam-se valores nacionais. Já na Alemanha, onde ocorreu um
processo de diferenciação entre burguesia e aristocracia, com a ascensão da classe média alemã,
suas características sociais específicas vão se transformando em características nacionais.
Destarte, é nesse processo de construção de uma identidade nacional que se vincula o interesse
dos intelectuais pelos costumes do povo. Segundo Burke (2010) este interesse possuía razões
estéticas e políticas. Estéticas por sua revolta contra a “arte” vigente; o romantismo no campo
artístico buscava uma maior autonomia de criação individual. Políticas porque a própria ideia de
nação foi construída a partir de referenciais do que estes intelectuais (românticos, folcloristas)
acreditavam ser efetivamente do povo. Os românticos são então responsáveis pela criação da
ideia de uma cultura popular anônima, autêntica, que refletiria a alma nacional; enquanto os
folcloristas foram os continuadores desse processo. Nos séculos XVII e XVIII, não existia uma
separação nítida entre, uma cultura erudita e outra popular, ambas se entrelaçavam se caso fosse
possível falar em duas realidades em termos antagônicos. Entretanto, o processo de interação
entre elite e povo não era simétrico, “a gente culta não associava baladas, livros populares e
festas à gente comum, precisamente porque também participava, ela mesma, dessas formas de
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cultura” (BURKE; 2010; 55), mas o “povo”6 não compartilhava do universo das elites. Só então
no século XIX, que as tradições populares são “descobertas” pelos intelectuais. A busca de
tradições populares no caso alemão, relaciona-se a extinguir a dominação estrangeira (no caso a
dominação francesa), resolvendo as contradições internas entre elite e povo e construindo uma
identidade nacional para se contrapor a outros países. Herder, filósofo alemão, faz a crítica à ideia
de progresso e as concepções evolucionistas, propondo um relativismo histórico. Para o autor as
bases da sociedade alemã estão na cultura popular; esta apresentaria três características
fundamentais: primitiva, comunitária e pura. Uma primeira separação entre uma cultura erudita e
uma cultura popular é pensada então sob os termos da autenticidade, do anonimato, do intuitivo,
de uma sabedoria popular que não se adquire com o conhecimento formal. Nesse sentido não é a
cultura estritamente das classes populares, subalternas que é enfatizada, mas a idealização de uma
cultura através da noção de povo. O entendimento desta cultura popular só é compreensível a
partir de uma “substância de cultura” (tradicional) pertencente ao passado. Contudo a transmissão
de uma tradição (referendado então no passado) não inibe o desenvolvimento de estilos
individuais. Talvez o termo “cultura popular”, enquanto um conceito residual, só tenha sentido
em sociedades de classes. Em sociedades em que exista pouca diferenciação social; no qual o
pescador, cantor e curandeiro constituem a mesma pessoa, pode-se perceber uma cultura
partilhada por todos os membros.
1984). Contudo os debates que envolvem a palavra “folclore” tomaram grandes proporções desde
a criação do termo por William Thoms em 1846. O termo nasce no século XIX sob a influência
do positivismo e do evolucionismo. Cabia ao Folclore enquanto categoria do conhecimento, o
estudo das sobrevivências, no sentido de que o progresso não abarcaria todos os setores da vida e
classes sociais, tendo o “povo” um conhecimento peculiar. Em oposição ao sentido de “cultura”
na França, “folclore” seria o termo referente à cultura das camadas baixas e subalternas com
transmissões orais, ditas tradicionais. Todo este empreendimento de constituição de uma Ciência
do Saber Popular era burguês, impregnado das concepções de progresso. O povo seria portador
de um saber oral, mecânico em oposição à burguesia culta, das artes. A criação da ideia de
folclore é desenvolvida concomitantemente e influenciada pelo pensamento das Ciências Sociais
no século XIX.
Neste ínterim, a questão do folclore ao longo do século XX suscitou debates que podem
ser resumidos em três grandes perspectivas, como aponta Florestan Fernandes (1989):
1. O folclore como expressão estética da mentalidade popular;
2. O folclore como disciplina autônoma científica;
3. O folclore como uma realidade objetiva e dentro da esfera da cultura.
O folclore está no âmbito de uma ordem maior de fenômenos que é a cultura e, portanto no
campo de análise das ciências sociais. Entretanto vários autores apresentaram posições diferentes.
Renato Ortiz destaca um primeiro obstáculo à constituição do Folclore enquanto uma nova
disciplina já que seu nome “designa simultaneamente o objeto a ser estudado e a própria ciência”
(ORTIZ; 1992; 53). Outra questão refere-se à sustentação nas pesquisas dos folcloristas da ideia
de anonimato, herança do movimento romântico; bem como do esforço colecionador, do cultivo
das tradições, numa perspectiva salvacionista e de preservação. A posição de Florestan (1989) é a
de que o folclore é um objeto de investigação científica, uma realidade objetiva. Segundo o
pensador marxista para Herskovits o folclore está presente nos mitos, contos, músicas, danças.
Boas define o folclore como um aspecto da Etnologia que estuda a literatura tradicional dos
povos de qualquer cultura. Redfield amplia o conceito para pensar as técnicas, crenças,
comportamentos e tradições. Em 1951, acontece no Brasil o I Congresso Brasileiro de Folclore,
no qual se define que o Folclore é integrante das ciências antropológicas e culturais (BRANDÃO,
1984; FERNANDES, 1989). Contudo, para se existir uma ciência é necessário que ela detenha
um objeto próprio de estudo. Em fins do século XIX, Durkheim definiu os fatos sociais como
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O folclore, neste ínterim, remete a uma coletivização da criação popular que é altamente
dinâmica. Está intimamente ligado a um modo de vida de classe, politicamente ativo, socialmente
coletivizado, em constante movimento. Neste aspecto a questão da tradição aparece como
fundamental nas relações de transmissão. A organização não formal dos processos de
aprendizagem parece ser o elemento distintivo entre o que é próprio da cultura popular e o que é
erudito. Tais distinções também remetem as ideologias do mundo burguês, em que nas
sociedades industriais capitalistas o trabalho manual e o trabalho intelectual passam a ser
vivenciados como realidades profundamente divergentes. Esta dissociação entre o “fazer” (ligado
ao popular) e o “saber” (erudito) é básico para compreender as relações de conflitos do capital, a
exploração do homem pelo homem. A noção de cultura popular, portanto, insere-se no debate
25
sobre hierarquias sociais (CUCHE; 1999). Em uma perspectiva minimalista, a cultura popular
seria uma derivação da cultura dominante, uma cultura marginal e alienada. Na perspectiva
maximalista, a cultura popular possuiria a criatividade popular, portanto mais autêntico e superior
à cultura das elites. No entanto, tais radicalismos não servem nem para fins analíticos, podem-se
entender as culturas populares por definição enquanto ligadas a grupos subalternos, mas não
enquanto “tipos ideais” com características universais e bem delineadas.
A problemática de se entender folclore como sinônimo de cultura popular remete a
aspectos conceituais e dos significados históricos (ou construídos historicamente) das palavras.
Etimologicamente “folclore” significa saber popular; a cultura entendida como um saber
acumulado geracional implicaria em perceber suas relações sinonímias. Entretanto o que
historicamente ficou compreendido por folclore é uma parcela circunscrita de uma cultura de um
povo (um povo fora dos processos de industrialização) com características impostas pelo
folclorista como sempre anônimas, tradicionais, autêntica, enfim, uma visão romântica. A cultura
popular, ou pensando antropologicamente, o estudo das culturas locais, deve ser compreendida
localmente (GEERTZ;1997).
A construção da ideia de cultura popular acaba por apresentar características bem distintas
a depender das relações estabelecidas entre intelectuais e Estado Nacional. Na Inglaterra e
França, nota-se uma preocupação “científica” com as questões ligadas aos costumes dos povos.
No Sul e Leste Europeus, há um entrelaçamento entre cultura popular e elemento nacional. No
Brasil, assim como na Itália e Alemanha, a cultura popular passa a ser pensada pelos intelectuais
dos respectivos países como parte da construção do Estado-Nação. A questão inicial dos
folcloristas, no sentido de registro das manifestações da cultura popular, está ligada ao projeto
moderno dos governos democrático-liberais de manter as concepções de povo e nacionalidade
dentro do capitalismo. No caso brasileiro, Mario de Andrade é o intelectual representante de um
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pensamento que valorizava o erudito e o popular e seus estudos iniciam um novo campo de
investigação: a pesquisa do folclore musical.
Para Florestan Fernandes (1989) o conjunto da obra de Mário de Andrade deve ser
compreendido a partir da análise dos seus estudos do folclore musical brasileiro. Atualmente as
pesquisas relativas às musicalidades tradicionais, ou características da cultura popular, estão
sendo desenvolvidas por pesquisadores de diferentes áreas: História Social, Sociologia,
Antropologia, Museologia, Musicologia e a Etnomusicologia. Os estudos referentes ao Samba de
Roda, por exemplo, desde a década de 70 estão no âmbito principalmente da Etnomusicologia.
Por ser uma disciplina híbrida que abarca tanto conhecimentos musicológicos e etnológicos,
permite uma análise profunda das relações entre texto e contexto musical. Entretanto os primeiros
estudos de pesquisa musical no Brasil foram feitos por folcloristas como Silvio Romero, Oneyda
Alvarenga e o próprio Mário de Andrade.
Mário de Andrade concebia a arte erudita e a arte popular em um plano de equilíbrio.
Interessante pensar que o termo arte, um elemento de distinção de classe na Europa, é utilizado
pelo autor tanto para as manifestações culturais da elite quanto do povo. Para ele estas não podem
ser vistas como antagônicas e independentes. É necessária a fusão de ambas para o nascimento de
uma terceira arte, verdadeiramente revolucionária e universal. Nota-se um movimento do plano
folclórico para o plano da arte erudita. A música popular, acrescida de uma transposição erudita,
transformar-se-ia em uma música artística, imediatamente desinteressada.
No seu Ensaio sobre a Música Brasileira, Mário de Andrade (1962) vai buscar
caracterizar esta música brasileira, suas influências, suas complexidades. Uma questão central é a
análise do ritmo. O autor percebe as diferenças rítmicas entre a música inscrita nas pautas e a
obra executada, ressaltando que muitas vezes ambas diferem totalmente. Sua explicação é a de
que existe uma síntese que os compositores populares apresentam aos pesquisadores que se
propõem escrever as pautas, porém a música popular tem a marca da improvisação, das
composições instantâneas, que ao mesmo tempo a torna complexa e fugidia para um
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conhecimento cientifico que não se propõe pensar a mudança. Neste sentido, talvez o registro
sonoro seja mais importante para a análise do que a partitura.
Para além das influências diretas na música brasileira (indígena, africana e portuguesa),
Mário de Andrade destaca a espanhola e hispano-americana, como a habanera e o tango; o jazz
americano e outras referências europeias como a valsa, polca, mazurca, shottsh. Em relação à
melodia da música popular, Mário de Andrade a adjetiva como dinamogênica, ou seja, é voltada
às necessidades humanas inconscientes (para o autor a arte nacional está ligada aos processos
inconscientes do povo, no sentido que não existe um empreendimento claro, um objetivo
especifico, neste sentido seria uma arte eminentemente desinteressada), se dissocia
paulatinamente de perspectivas individualistas para incorporar valores gerais, tornando-se
pública. Entretanto, a música artística (aquela da síntese do popular com o erudito) não pode se
restringir aos processos harmônicos da música popular, porque neste aspecto esta é desprovida de
informações polifônicas complexas. Apesar do desenvolvimento harmônico ter se iniciado na
Europa, foi fruto de processos e empreendimentos meramente individuais que foram
incorporados por outras culturas e assim perderam o caráter nacional. Ou seja, não existe um
padrão de harmonia alemão, italiano ou francês. Neste ínterim, as referências harmônicas na
música brasileira não seriam portuguesas, mas europeias.
Mário de Andrade ao passo que valoriza o elemento popular não deixa de perscrutar um
aprimoramento da música popular através da música erudita. Assim compositores como Villa-
Lobos e Ernesto Nazareth representam esse processo de refinamento, quando a música popular é
submetida à manipulação erudita de um corpo de profissionais (BOURDIEU; 2009). O autor de
Macunaíma parece defender a apropriação erudita dos temas populares para a criação de uma arte
original.
A pesquisa sobre uma determinada música popular é sempre um desafio e requer
atualizações constantes. Por ser extremamente dinâmica, a tentativa de colocar em pautas seus
sons musicais, traz uma série de dificuldades. São necessários novos desdobramentos
epistemológicos para perceber este processo recorrente de significações. Pensar a partir de uma
memória coletiva é utilizar uma ferramenta de análise que ao mesmo tempo configura uma
historicidade e por outro lado levam em consideração as mudanças. A música popular, apesar da
complexa rede de ressignificações, mantem características tradicionais (no sentido mutável,
trazendo uma ideia de representatividade) que atribui uma identidade social de pertencimento a
28
um determinado grupo, ao mesmo tempo, que estabelece uma ponte simbólica entre o passado e o
presente que constantemente se reconfigura. A tradição e seus discursos são fundamentais para
compreender este quadro.
Chamo técnica um ato tradicional eficaz (e vejam que nisso não difere do ato mágico,
religioso, simbólico). Ele precisa ser tradicional e eficaz. Não há técnica e não há
transmissão se não houver tradição. Eis em quê o homem se distingue antes de tudo dos
animais: pela transmissão de suas técnicas e muito provavelmente por sua transmissão
oral. (MAUSS; 2003; 407)
conhecimento, no caso dos instrumentos de cordas, das cifras. Estas são nomenclaturas musicais
mais simples (em termo de informação sobre a música: harmonia, melodia, ritmo, intensidade,
andamento, compassos) do que as partituras. A cifra acompanhada das letras só indica a
harmonia utilizada dissociada do ritmo e da melodia. É necessário um conhecimento prévio da
música melodicamente, para reproduzir a música harmonicamente através de um cordofone
qualquer. A memória musical está conectada a uma rede complexa de relações em que uma
musicalidade se mostra tradicional dentro de estruturas racionalizadas e profana, dentro de
estruturas de pensamentos religiosos (Irmandades, Igrejas, Terreiros).
Destarte, o desafio atual das Ciências Sociais consiste em pensar sociologicamente o
global. Os paradigmas de análise remetem às relações indivíduo/sociedade em nível nacional.
Uma análise em nível de integração global constitui um desafio epistemológico. Ortiz (2006)
relaciona a ideia de mundialização aos fenômenos culturais. Para que o processo de
mundialização exista, ele deve se conectar as práticas cotidianas, está presente nas relações
sociais. Pensando no Samba de Roda, podemos evidenciar estes aspectos no uso de instrumentos
elétricos, na própria substituição da viola machete pela viola industrial. Muitos instrumentos de
percussão utilizados também são de caráter industrial, com peles sintéticas. Os próprios agentes
justificam seu uso em função de facilidades como afinação mais precisa e melhor manutenção.
Notam-se referências culturais mundializadas para uma musicalidade do recôncavo da Bahia. Na
América Latina as culturas populares, as tradições existem em nível local articulados com o
Estado-nação e a indústria cultural. O apelo à tradição e as culturas populares foi historicamente
uma exigência social; “a recuperação da cultura popular foi a maneira encontrada para se
exprimir os ideais vanguardistas e o projeto de construção nacional” (ORTIZ; 2006; 188). A
mundialização da cultura redefine as concepções de tradição, no qual uma “moderna tradição”
remeteria a processos globais de consumo, transformando o popular em internacional-popular.
Contudo outro ponto de partida para compreender tais noções de “tradição”, “popular”,
“autenticidade”, seria perceber as mudanças, engendradas pelo desenvolvimento do capitalismo,
na cultura dos trabalhadores. A associação equívoca com a concepção de “tradição” no sentido
conservador pode estar ligada a ideia de luta e resistência no quadro mais amplo de apropriação
de expropriação do trabalho. Ou seja, em uma dialética de contenção e resistência, a cultura
dominante desorganiza e reorganiza constantemente a cultura popular (isto não quer dizer que os
grupos não possuam agência sobre suas produções culturais, o que se está evidenciando são as
30
lutas de classes). Tal cultura dominante não é somente a figura mítica do burguês que
desconfigura (no processo de alienação) culturalmente o trabalhador, mas também se manifesta
em várias instâncias do governo e na própria academia. Os processos de patrimonialização, por
exemplo, é um aspecto claro desta problemática, no qual intelectuais e burocratas possuem o
poder discursivo e prático de (des)(re)organizar as culturas populares. Tendo em vista estes
movimentos dialéticos e a própria heterogeneidade do conceito, as culturas populares podem ser
entendidas como:
as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes
específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares [...] numa
tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante
[...]. Seu principal foco de atenção é a relação entre a cultura e as questões de
hegemonia. (HALL; 2003; 241)
governamental nenhuma dirimir se houve uma perda de tradicionalidade, porque esse mesmo
samba registrado é diferente do samba do século XX, por exemplo. Estas mudanças na música
não determinam a tradicionalidade da mesma. Uma música pode ser entendida como tradicional
pela relação dos agentes com o lugar social, suas conexões com a cosmovisão que rege o grupo;
bem como em suas relações de transmissão de conhecimento, principalmente ligadas à memória
coletiva.
Vansina (2010) analisa a tradição enquanto funcional e sustentadora de instituições. A sua
transmissão é feita através da superfície social. O poder de síntese, de aprendizagem, de uma
acumulação de conhecimento ao longo de gerações constitui o saber tradicional e, mais que isso,
é responsável pela manutenção das próprias sociedades, como afirma Mauss (2003). A estrutura
mental da tradição – e, portanto sua memória – está na base das representações coletivas
inconscientes de uma sociedade que constituem a cosmovisão do grupo (VANSINA; 2010). A
memória coletiva, assim depende da instituição a qual a tradição está ligada. A memória musical
está atrelada ao grupo de músicos, cantores, sambadores e sambadeiras e também às instituições
religiosas (Irmandades Católicas/Candomblé). No caso da música afro-brasileira, a situação de
diáspora é fundamental para compreender as dinâmicas da memória coletiva.
CAPÍTULO 2
Música e História
A fala possui uma função fundamental nas sociedades africanas em geral. A oralidade
nesse sentido é encarada com respeito e sua transmissão de saberes é uma preservação da
sabedoria dos ancestrais. As palavras devem ser ditas em um ritmo específico, a música possui
um papel fundamental na ordem social e mítica dessas sociedades. O Samba de Roda, neste
sentido, é possuidor dessa herança africana. Em se tratando de influências estéticas e simbólicas
da música afro-brasileira, destacam-se dois modelos: as tradições banto e ioruba. No que
concerne ao Samba de Roda, a base estruturante é basicamente provenientes dos bantos como
comprovado em estudos etnomusicológicos de Kazadi wa Mukuna (2006), Gerard Béhague
(1976) , José Jorge de Carvalho (2000) e outros.
Este capítulo procura demonstrar como os fatores culturais que moldam as visões de
mundo dos indivíduos, em uma situação de diáspora, engendrou uma identidade africana no
Brasil que por sua vez teve reflexos imperativos na música. A transmissão destes saberes
(musicais), sobretudo transmitidos pela fala, foi preservada na memória dos descendentes dos
africanos. Para povos que tiveram sua ancestralidade e cosmovisões em uma situação diaspórica,
a busca e valorização do passado é uma constante necessidade. A música afro-brasileira,
sobretudo a influenciada pelos bantos como é o caso do Samba de Roda, é a efetivação das
relações estabelecidas entre cosmovisão e identidades sociais. A tradicionalidade do samba está
ligada às relações entre os seus agentes, o universo simbólico no qual eles estão inseridos e as
ambiências sociais em que estes atos se desenvolvem.
Entender as construções musicais dos povos implica em perceber além dos aspectos
estruturantes da Música (ritmo, harmonia, melodia), a conjuntura histórica do processo, as
dinâmicas culturais e, principalmente as manifestações simbólicas “universais” da sociedade. A
33
música podendo ser caracterizada como a exteriorização de uma unidade (bem como de uma
diversidade coletivamente aceita) simbólica de determinado grupo através de sons, é percebida
como um produto das relações sociais em um dinâmico permanente de ressignificações. Segundo
Carvalho (1994), o processo de criação musical envolve dois níveis, numa tensão permanente e
universal. O primeiro nível se refere aos “processos semióticos de produção musical em si”. Tais
elementos semióticos estão no domínio do universo simbólico dos agentes sociais; a religião vista
como parte integrante da visão de mundo dos indivíduos é uma peça fundamental para entender
este nível de construção. No segundo nível estão os idiomas da música, seriam os discursos sobre
a música que se resumem em: o discurso dos “nativos” e os analíticos (etnomusicológicos). A
produção musical envolve processos complexos entre cantores e instrumentistas, contexto e o
próprio “texto” musical e musicalidades e visões de mundo (PINTO; 2001). É substancialmente
sobre o último processo que este capítulo versa.
7
Adotando o conceito de cultura como simbólico (GEERTZ; 2008), as atividades antrópicas transmitem
significados. A música como uma manifestação coletiva, como um “documento de atuação”, é pública na medida em
que seu significado o é. Neste sentido, segundo Carvalho (1994; 06) “cada peça musical mobiliza um horizonte
simbólico e formal próprio e singular, em que contextos culturais vários se entrecruzam”.
8
Em relação à música afro-brasileira podem-se destacar dois modelos básicos de influência estética e simbólica. As
tradições religiosas iorubas: a evocação de orixás nas letras das músicas; padrão de compasso aditivo em 12 – seja 7
+ 5, ou 5+7; estilo antifonal de canto; polirritmia. E as tradições bantos: raízes estéticas angolanas; variações de
samba, ritmos binários (CARVALHO; 2000).
34
Em seus estudos sobre os Deuses Orixás na África e Novo Mundo, Verger (1997)
descreve várias cerimônias onde a função musical é sine qua non para os processos religiosos. No
que tange ao Novo Mundo, os atabaques são responsáveis tanto em chamar os orixás quanto em
transmitir suas mensagens. No início das cerimônias de Candomblé os atabaques são tocados sem
o acompanhamento da dança ou do fator melódico. A pureza do ritmo associa-se a cada orixá. O
elemento melódico destaca-se em cerimônias particulares (sacrifícios, oferendas, louvores). São
cânticos (em linguagem ioruba), executados sem os tambores, marcados por singelas palmas.
Esses aspectos são importantes para perceber a linguagem musical atrelada aos fenômenos
religiosos.
José Ramos Tinhorão, em Os Sons dos Negros no Brasil, traz conceituações interessantes
sobre os termos empregados na época colonial que se referia à musicalidade dos africanos e
descendentes. Batuque seria um termo genérico português para os sons dos africanos
considerados ruidosos, segundo as concepções musicais europeias vigentes na época. No entanto,
por trás deste termo, se esconde uma diversidade de práticas religiosas, danças rituais e formas de
lazer. O Calundu seria uma dança religiosa de escravos, também utilizada como sinônimo de
Lundu, embora este designasse uma dança de roda profana à base de umbigas, marcada por
palmas e entoada por violas. O termo samba parece substituir o termo genérico batuque quando a
35
umbigada passa a prevalecer enquanto coreografia. Tinhorão, neste sentido, estabelece relações
entre o Lundu e o Samba de Roda:
O pormenor de bailarem os pares “quase sem moverem as pernas, com toda a ondulação
licenciosa dos corpos” é uma clara referência ao miudinho que passaria mais tarde aos
sambas de roda, onde os dançarinos (homens e mulheres) aproximavam-se de frente uma
para o outro, tremelicando o corpo apenas da cintura para baixo, para culminar no tal
contato “imodesto”, ante os aplausos e gritos de estímulo dos presentes. (TINHORÃO;
2008; 66-67).
Outro elemento fundamental deste contexto são os cantos de trabalho. A visão dos
cronistas da época colonial, segundo Tinhorão (2008), é que os cantos de trabalho eram
importantes para o escravo naquela situação imposta e forçada, gerando através da música laços
de solidariedade e força para continuar na labuta diária. Entretanto, é possível que tenham
utilizado versos de seus cantos para conversarem enquanto trabalhavam, descobrindo formas de
comunicação que o senhor não percebia, através de figuras de linguagem que mascaravam o real
sentido das mensagens. A palavra cantada envolve relações entre a mensagem que a música pode
passar e as interações entre poetas e músicos.
9
É fundamental perceber que no Recôncavo Baiano, a festa de Nossa Senhora da Boa Morte (segundo Verger, a
Irmandade da Boa Morte foi fundada por mulheres do grupo étnico Nagô, cuja maioria pertencia à nação Kêto), é um
exemplo notável de elementos católicos e dos divertimentos profanos no espaço público, no qual os batuques
contavam como parte integrante no programa do evento católico (VERGER, 1997; SANSONE; SANTOS, 1997). A
ideia de Nação segundo Vivaldo da Costa Lima refere-se a um “padrão ideológico e ritual dos terreiros de
candomblé da Bahia fundados por africanos angolas, congos, gêges, nagôs” (LIMA; 1974; 77). A nação Kêto, desde
os mais antigos terreiros da Bahia (Engenho Velho e Terreiro de Alaketu), passou a ser associado a um ideal de
pureza nagô; ocorrendo no Recôncavo Baiano um processo valorativo da cultura ioruba. Estas Irmandades Negras
expressavam o pacto colonial entre negros e brancos, preservando as tradições africanas, com uma estética própria e
padrões de danças referentes à sua musicalidade. Para Carvalho (2000), a maioria dos gêneros musicais afro-
brasileiros está ligada a essas irmandades. A Irmandade da Boa Morte em Cachoeira é um exemplo da ligação entre
religiosidade e gêneros seculares tradicionais (samba de roda).
37
em um universo comum, subjugados a uma cultura dominante europeia. Esta questão no plano
empírico torna-se impossível de ser analisada observando o todo. É necessária inicialmente a
segmentação destas influências para uma melhor compreensão do processo. Outro aspecto
importante, é que entendo as manifestações musicais no século XIX na Bahia (sambas e
batuques) como uma manifestação de classe social, não relacionado apenas a um grupo étnico
específico. Embora a base (material e imaterial) destes sambas esteja ligada a referenciais
africanos, ocorreu em seu desenvolvimento uma apropriação desta música pelas camadas pobres
e marginalizadas da sociedade baiana (sujeitos sociais múltiplos: escravos, crioulos, alforriados,
brancos pobres, mestiços, prostitutas etc.). Assim os batuques do século XIX representavam uma
afronta moral e também musical aos padrões estéticos das elites baianas, fato que se comprova
nas proibições oficiais desta manifestação artística já muito popular (SANSONE; SANTOS,
1997).
10
Ver Capítulo 3 e Capítulo 4.
38
Em função desta busca por perceber ligações entre fatores subjetivos de um grupo social e
os reflexos imperativos na musicalidade do mesmo, tenho a hipótese de que se existe uma
cosmovisão genérica (designado por Mukuna como denominadores culturais comuns) comum
aos povos congo-angolanos que no tráfico transatlântico estabeleceram-se na Bahia; talvez tais
características tenham influenciado determinadas formas musicais (a importante função da roda
no samba, ideias de circularidade, sentidos religiosos na música, determinadas performances) do
Samba de Roda em sua construção social. Esta cosmovisão é vista em sua forma unitária coerente
como um modelo explicativo. Robert Slenes (1992) aponta três autores (Craemer, Vansina e Fox)
que apresentam aspectos comuns da religiosidade da África Central. O núcleo seria a percepção
do “complexo cultural ventura-desventura”, no qual se busca a harmonia, a saúde, o equilíbrio,
sendo os seus opostos frutos da interferência de espíritos e pessoas através da feitiçaria. Assim a
manutenção destes valores remete a estados de pureza ritual.
Embora a maioria dos antropólogos tenha insistido, durante o século XIX e boa parte do
atual, que a unidade da África Central e Austral era apenas linguística, há razões para
pensar que representantes desses povos, quando misturados e transportados ao Brasil,
não demoraram muito em perceber a existência entre si de elos culturais mais profundos.
(SLENES; 1992; 49)
Tais razões apontadas por Slenes, que extrapolam as similitudes linguísticas, seriam a
base para compreender a construção de identidades. Para o autor este é um processo complexo
ligado a acontecimentos que precedem a viagem atlântica. A identidade banta só foi possível em
função de visões de mundo compartilhadas, em certo sentido, numa busca de semelhanças
culturais.
de semelhanças como forma simbólica de resistência. A terminologia banto foi uma referência
linguística cunhada na Europa no século XIX (SILVA, 2006), no entanto ulteriormente passou a
ser designada pelos próprios africanos e descendentes como afirmação de uma identidade
africana na Bahia. Assim, Slenes afirma:
O estudo da problemática banto e de aspectos cosmológicos comuns aos povos da região Congo-
Angola foi elaborado a partir da constatação de influências decisivas, tanto em aspectos
estruturais da música quanto em significação simbólica11, na musicalidade no Recôncavo baiano.
Em diversas letras12 dos gêneros tradicionais afro-brasileiros são notáveis as evocações
estritamente referentes à África Central (Angola, Congo). Este desejo de retorno à África
(Central), mais do que uma referência histórica, ou uma fantasia para fugir do sofrimento imposto
pela escravidão, Angola e Congo podem ser pensados também como uma região mental
(CARVALHO; 2000). Para Sodré (1998), a organização formal do samba ou batuque africano foi
trazida para o Brasil por escravos originários de Angola e do Congo, principalmente. Os mais
importantes grupos populacionais desta região, segundo Figueiredo (2010), são: Kongo (ou
bakongo, falantes de kikongo) localizado na margem sul do baixo curso do Rio Congo; Mbundu
(Ambundo ou Bundu) estabelecidos ao redor da Bacia do Rio Kwanza; e Umbundu (ou
11
“Através dela [sincopa], o escravo – não podendo manter integralmente a música africana – infiltrou a sua
concepção temporal-cósmico-rítmica nas formas musicais brancas. Era uma tática de falsa submissão: o negro
acatava o sistema tonal europeu, mas ao mesmo tempo o desestabilizava, ritmicamente, através da sincopa – uma
solução de compromisso” (SODRÉ; 1998; 25). Embora Sodré não enfatize, é necessário perceber o processo de
socialização aos quais os escravos e seus descendentes estavam inseridos. Um exemplo, no que tange às práticas do
Candomblé, os negros eram socializados em um respeito mútuo ao Catolicismo e às suas religiões autóctones. A
respeito da estrutura musical, Lima (1996) destaca a influência banto de forma geral na música popular brasileira,
citando o exemplo da célula rítmica de dezesseis pulsações:
Ovimbundu) no planalto Angolano. Estes dados geográficos são relativos à região do Congo-
Angola pré-colonial. Ainda segundo o mesmo autor, nos três primeiros séculos de tráfico de
escravos para o Brasil, os principais grupos eram da referida região. VERGER (1997) afirma que
até aproximadamente o final do século XVII, em relação à Bahia, esses contatos foram
particularmente intensos com Angola e o Congo. A respeito da importância desses povos para a
construção musical no Recôncavo, no seu artigo Divertimentos Estrondosos: Batuques e Sambas
no Século XIX, Jocélio dos Santos numa relação comparativa entre África Central e Bahia afirma
“o batuque, que aparecia no Congo e em Angola sob a mesma denominação, era tido como uma
dança de pretos provenientes das nações conguesa e bunda” (SANTOS; 1997; 18).
A visão da construção de identidades africanas no Novo Mundo só possui sentido, tendo em vista
os processos de ressignificação das práticas culturais. A criação de comunidades, desta noção de
grupo social, a partir da junção de diversos grupos étnicos (mesmo com algum grau de
reconhecimento) em um mesmo local e situação (diaspórica e escravista), só foi possível em
função de processos de mudança cultural.
CAPÍTULO 3
construção musical, desde a ligação com um passado que é valorizado (sempre ocorrendo uma
adaptação ao presente, ou seja, estabilidade e mudança promovendo uma tensão) até às próprias
noções cosmo-rítmico-musicais atrelando tempo social e tempo musical.
instrumentos de percussão é mais fácil constatar essa apreensão pelo olhar e depois a tentativa de
reproduzir aqueles toques observados. Os agentes inseridos no contexto do samba observam os
instrumentistas mais experientes tocando e se identificam com algum instrumento. As
justificativas são variadas. Uns gostam do som que o instrumento produz; outros porque o pai ou
algum amigo também tocava. Nesse sentido, a observação, o olhar o outro tocando é a principal
forma de aprendizagem. A transmissão se dá através, tanto de ensinamentos (orais) práticos dos
músicos mais experientes, quanto da observação dos aprendizes.
O historiador Peter Burke (2006) ao descrever os processos de transmissão da memória
social (que influenciado por Halbwachs também destaca a influência da organização social na
memória) identifica cinco meios desta transmissão: tradições orais; as memórias e “relatos”
escritos; imagens (pictóricas ou fotográficas); representações coletivas e o espaço. Três destes
meios são fundamentalmente importantes para a análise da memória musical. As representações
coletivas (e por que não dizer representações coletivas de uma sociedade de músicos?), termo de
Durkheim, exerce uma influência muito grande nos quadros sociais da memória (e por que não
dizer em quadros sociais da memória dos músicos?) de Halbwachs. Em síntese, as representações
coletivas são os quadros sociais da memória na medida em que: são exteriores às consciências
individuais (memórias individuais), não derivando destas tomadas isoladamente, mas sendo
produto da interação das mesmas. O espaço é outro termo importante. Como exemplo os terreiros
de candomblé envolvem uma reconstrução do espaço africano. Neste ínterim, o uso da memória
está atrelado a uma questão sine qua non: porque algumas culturas parecem lembrar-se do seu
passado mais do que outras? No caso do Samba de Roda existem diversas perspectivas
envolvidas. Um fato fundamental é por ser considerado Patrimônio Oral da Humanidade; a
consequência disso é uma constante busca (em nível prático e discursivo) de uma tradição que é
cada vez mais dinâmica e mutável, mas impostamente tentada por órgãos públicos a cristalizar-
se. Porém paralelo a isso, ser um sambador é um bem de família. É ser herdeiro de algo, por sua
história, que deve ser mantido e passado para as novas gerações. “O samba tá na veia e na
alma”13, este excerto sintetiza a ideia de uma tradição que é internalizada pelos agentes através de
seus antepassados, legitimando a inevitabilidade de se fazer samba. Outro aspecto é a consciência
que cada membro do grupo tem do seu papel em preservar essa musicalidade com traços dos seus
ancestrais. Neste sentido a memória musical envolve a história dos grupos de Samba de Roda e a
13
Tonho do Samba em entrevista concedida em 06 de dezembro 2013
46
própria história do samba. Todo momento de execução do samba é um momento de não esquecer
toda uma história colonial de escravidão e diáspora do povo africano.
Em seu livro A Memória Coletiva, Halbwachs atrela o ato de recordar à noção de grupo.
A memória se conserva no grupo e é tratada como um conjunto de acontecimentos
compartilhados pelos membros do mesmo. Ela possui uma característica de exterioridade
(operacionalização) em um processo de interiorização (socialização), justamente por ser algo
compartilhado. Lembranças assim, reconhecidas e reconstruídas. Halbwachs faz uma distinção
entre pensamentos e lembranças. Estas envolveriam noções de depoimentos e racionalização;
enquanto que os pensamentos seriam impressões pessoais influenciadas por correntes do
pensamento social.
Para o sociólogo francês a memória social está intimamente ligada à ideia de tradição. A
História para o autor começa quando acaba a tradição, ou seja, quando a memória social deixa de
ser operacionalizada. Para a memória coletiva o passado não se opõe ao presente, ambos não
constituem realidades contrárias, são períodos históricos vizinhos. Neste sentido, sua concepção
de tradição é altamente dinâmica.
Outra questão interessante são as relações da memória coletiva com o tempo e o espaço.
Halbwachs entende as divisões do tempo resultantes de convenções e costumes, portanto o tempo
tem uma dimensão social. Para um exame crítico do tempo é necessário estabelecer relações entre
um alto nível de síntese e poder de coerção. Nessa perspectiva, Elias relaciona tempo e memória:
A própria ideia de síntese em Elias está ligada a uma noção de memória social. O
desenvolvimento das sociedades está atrelado à acumulação de conhecimento (sínteses) passada
de forma geracional. Enquanto a esfera social é altamente dinâmica e mutável, a esfera biológica
passa por transformações extremamente lentas. Assim pode-se afirmar que a capacidade
cognitiva da memória ente homens atuais e primevos é semelhante. O tempo, enquanto quadro de
referência estabelecida pelos grupos para propor limites reconhecíveis é uma aproximação teórica
entre Elias e Halbwachs. O tempo é fixado e referenciado pelo grupo, segundo Halbwachs. Sua
noção de grupo social é construída essencialmente pelo interesse, uma ordem de ideias e
47
Tabela 1
Tabela 2
52
A feira acontece até hoje todas as terças e sábados. Substancialmente o caráter da feira é
voltado para os produtos da agricultura familiar, permanecendo a venda da farinha de mandioca e
produtos derivados como o beiju14. As Casas de Farinha são muito comuns na cidade. Contudo as
musicalidades que originaram o nome da feira não acontecem ritualmente ao final da labuta,
porém a feira historicamente foi canalizadora de várias tradições populares que se desmembraram
nas manifestações da cultura popular da cidade com o desenvolvimento da tradição do Samba de
Roda, na construção artesanal de instrumentos, nas Cantorias de Reis, na Lapinha, no artesanato,
na culinária.
Em 1953 pela Lei nº 628, o Povoado do Berimbau, oficialmente torna-se Vila de
Conceição do Jacuípe, pertencente à Santo Amaro. O novo nome, dado impostamente pelas
autoridades políticas, é uma referência à Padroeira da cidade Nossa Senhora da Conceição em
conjunto com o nome do rio Jacuípe. Em 1961, com o sancionamento da Lei nº 1.531 pelo então
Governador da Bahia Juracy Montenegro Magalhães, a vila se emancipa enquanto cidade,
permanecendo o nome de Conceição do Jacuípe15. A mudança do nome da cidade evidencia o
caráter autoritário das figuras políticas imersas em uma ideologia racista discriminatória da
época. Uma cidade deveria então fazer referência em seu nome a uma entidade católica, branca,
do colonizador e não, a um aspecto cultural da população majoritariamente negra da cidade.
Contudo Berimbau (enquanto cidade) possui uma característica de insurgência. Mesmo com a
mudança do nome, os habitantes reconhecem a existência de dois nomes: um oficial e o outro que
eles se identificam historicamente. Tanto que a população atual comumente denomina a cidade
como Berimbau nas conversações cotidianas. A festa de São João da cidade, nos moldes do
entretenimento de massa tal como na maior parte dos municípios baianos, com artistas da música
veiculada às grande mídias, é exportado pela prefeitura da cidade como o “São João de
Berimbau”. O nome Berimbau, mesmo com as tentativas de deslegitimação, continuou conectado
a identidade local. O exemplo pode ser evidenciado em outras esferas, como o nome das ruas.
Mesmo com a adoção de nomes oficiais, de cidadãos tidos como importantes para a cidade, os
primeiros nomes que possuem uma historicidade com o desenvolvimento do local se sobrepõe à
oficialidade. A atual rua Juvêncio Dias é referendada como a “Rua do Garrancho”, porque
14
“Bolo de massa de mandioca ou de tapioca, do tupi mbeiú, o enroscado, o enrolado, alimento característico
indígena e amplamente descrito pelos cronistas coloniais no séc. XVI” (CASCUDO; 1998; 153)
15
Segundo o IBGE referente a dados históricos do município.
53
antigamente a rua era cheia de árvores secas com pequenos caminhos, onde as pessoas passavam
e se arranhavam nos galhos secos. Então quando alguém chegava ao seu destino, através dessa
rua, outra pessoa já sabia em função dos arranhões que ela tinha passado pela “Rua do
Garrancho”. É um traço cultural interessante em que as pessoas reconhecem a existência dos dois
nomes, contudo ao conhecer a historicidade do primeiro nome não oficial, as pessoas o
empregam cotidianamente. O nome já está inserido na lógica cultural que referenda e identifica
os espaços da cidade.
Por ter pertencido e estar vinculado historicamente a Santo Amaro, Berimbau
culturalmente sofreu influências desta região. Segundo Mestre Aloísio16, o Samba de Roda
executado pelo seu grupo Coisas de Berimbau (o nome do grupo faz alusão justamente as
tradições populares perpetradas na história da cidade) é o “Santo amarense”, “Samba de Beira-
Mar”, “Samba Chula” ou “Samba da Boca do Recôncavo”. A Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) enquadra Conceição do Jacuípe como pertencente ao
território do Portal do Sertão (conforme mapa 3). Geograficamente a região do Recôncavo da
Bahia abarcaria os municípios que estão no entorno da Baía de Todos os Santos (conforme mapa
4). Contudo estas determinações constituem uma finalidade política e econômica em fragmentar
o estado em espaços com fronteiras bem delineadas e classificar os mesmos tentando perceber
similitudes (climáticas, geográficas, econômicas) para a construção de políticas territoriais de
desenvolvimento. A dimensão cultural é sobredeterminada em função de outros interesses. Neste
sentido, em termos culturais e pensando a partir do desenvolvimento de distintas tradições do
samba de roda, Conceição do Jacuípe, assim como Amélia Rodrigues e Terra Nova são
identificados como pertencentes à região do recôncavo da Bahia. A partir de Coração de Maria,
que faz fronteira com Conceição do Jacuípe pelo Rio Pojuca, abarcando cidades como Irará e
Riachão do Jacuípe, a tradição do Samba de Roda é caracterizada como “sertaneja”, proveniente
do “Sertão” e, portanto, diferente da tradição de Samba de Roda desenvolvida em Berimbau.
16
Entrevista concedida em quatro de janeiro de 2014.
54
Fonte: SEPLAN-SEI
55
Fonte: SEPLAN-SEI
56
A reza era aqui nessa rua (rua sete de abril). Quando cheguei o samba já tinha começado.
Mas eu nunca tinha vindo nessa rua, ninguém... não me conhecia, não sabia d’aonde eu
era, não sabia d’onde eu vim, nada. Era um volume sem guia. Eu cheguei na janela, me
debrucei. E é vai o samba. O dono da casa quando sambava, ele não largava o
cavaquinho lá na mesa, ele saía com o cavaquinho na mão. Depois ele encarou assim e
disse: “ô garoto”, veja que eu tava pequeno ainda, “ô garoto, você há muito tempo que tô
lhe vendo encostado aí na janela, você gosta do muquém17?” Eu disse, eu bato um
pandierinho18. Ele disse: “entre pra cá”. Aí eu arrudiei, entrei. Aí comecei. É vai eu
devagarzinho. Quando foi mais tarde o dono da casa disse: “Mas rapaz, você viu o que
acontece? O que a gente tava perdendo? O menino é entendido”. É esse Domingos de
Saul que eu tô contando a história. (MESTRE ALOÍSIO; 14 de dezembro de 2013).
17
Apelido para se referir ao samba.
18
Diminutivo para se referir ao instrumento pandeiro.
58
Segundo depoimento de Zilda19 filha de Domingos de Saul, seu pai nasceu em Bela
Vista20 em princípios do século XX, uma roça identificada como pertencente à Berimbau, já que
está localizada antes do rio Pojuca que faz divisa com Coração de Maria. Assim como o pai,
Domingos de Saul era marceneiro e carpinteiro. Ele trabalhava no Engenho do Cipó21, com a
desativação desse engenho e com o dinheiro da indenização, comprou algumas terras. Sua casa
foi construída na rua Sete de Abril, mesma rua onde está localizada a Casa do Samba da cidade.
Além das atividades mencionadas, Domingos de Saul cultivava produtos agrícolas nas suas terras
(banana, mandioca) e vendia na feira do Berimbau. O transporte utilizado era de tração animal.
Também era capoeirista, instrumentista (seu instrumento principal era o cavaquinho) e construía
instrumentos de percussão e cordas artesanalmente. Ele era responsável pelas sambas que
aconteciam após as feiras; sua esposa Dona Glória era doceira e pandeirista. Domingos de Saul
tem uma influência fundamental e familiar nos dois grupos de Samba de Roda existentes em
Berimbau (Raízes da Pindoba e Coisas de Berimbau). E se normalmente os estudos relacionam o
Samba de Roda aos Carurus de São Cosme e Damião (IPHAN; 2007), em Berimbau as tradições
do samba estão vinculados também a outra festividade do catolicismo popular: a Cantoria de
Reis.
“O Reis”
19
Entrevista concedida em 14 de dezembro 2013
20
Foi também referendado durante a pesquisa que Domingos de Saul nasceu na Fazenda Lagoa dos Porcos. Hoje
estas terras foram divididas em várias fazendas menores que se localizam na zona rural de Conceição do Jacuípe.
Contudo, na época do nascimento de Domingos estas terras pertenciam ao Doutor Gastão Pedreira.
21
O Engenho do Cipó pertencia a Aurélio Pinto.
60
variações regionais quanto ao período, os tipos de músicas, os rituais. Apesar das variações, a
“Folia de Reis” pode ser entendida como uma manifestação tradicional do catolicismo popular.
Ikeda (1994) estudou o Ciclo de Reis em Goiânia, tentando entender o “viver rural” em
uma “moderna” cidade brasileira. O autor determina três tipos de folias: o sistema mineiro, o
sistema baiano e o sistema misto. A folia acontece no período de 24 de dezembro a 06 de janeiro.
Os grupos de foliões visitam as casas, portando bandeiras de identificação e angariando
“esmolas” para a Festa de Reis (no dia 06 de janeiro). Os donos das casas são comunicados das
visitas e as “peregrinações” ocorrem entre os bairros. Foi constato musicalidades diferentes para
cada sistema, e no sistema baiano os grupos tocavam sambas de roda.
O ritual do “Reis” que acontece em Berimbau parece diferir em muitos aspectos. “O Reis”
acontece até os dias de hoje na cidade, porém a manifestação expressa aqui foi relatada pelos
agentes rememorando as antigas Cantorias de Reis na cidade e região. A folia estudada por Ikeda,
além de evidenciar as relações existentes entre Samba de Roda e Folia de Reis que foram levados
por baianos para Goiânia, permitirá mostrar as peculiaridades do “Reis” em Berimbau, por
comparação.
“O Reis” começava em Berimbau no dia 06 de janeiro e muitas vezes terminava nas
vésperas da Semana Santa em abril. As visitações nas casa poderiam ser avisadas (Reis Avisado)
ou não (Reis de Surpresa ou Reis Roubado). Cada forma de visitação exigia uma organização
diferente. Sendo avisado, isto implicava que o dono da casa deveria arcar com as despesas da
festa. Se “o Reis” não era avisado com antecedência para o dono da casa, cabia às pessoas que
estavam levando “o Reis” organizar a festa. Cada pessoa ajudava no que podia para arrumar
comida e bebida para todos. Além do dono da casa, até os donos de venda 22 eram acordados para
comprar café e biscoito para alimentar as pessoas. Outras comidas e bebidas típicas da festa era a
galinha cozida e a cachaça feita em alambique. “O Reis” percorria longas distâncias, abarcando
regiões que hoje são municípios distintos. O grupo de até cinquenta pessoas fazia estes trajetos a
pé ou, quando conseguiam, com um caminhão “pau de arará”. Com o “balaio” de comidas e
bebidas pronto, restava seguir em silêncio até a casa em que seria levado “o Reis”, que apesar da
surpresa de não esperar aquela festa naquele dia, era uma pessoa da comunidade que partilhava e
entendia o ritual. Para Tonho do Samba (Raízes da Pindoba) “o samba é o Reis em segredo”. Os
22
Termo que se refere aos pequenos mercados típicos de cidades do interior da Bahia que vendem desde produtos de
higiene à alimentação.
61
Ô de casa, Ô de fora
Maria vai ver quem é
É um cantador de Reis
Mandado por São José
Cantar Reis não é pecado
Porque São José também cantou
São José também chorou
Vendo o seu filho morto
Pregado numa cruz, pro santo amor23
O dono da casa então abrindo as portas para aqueles que estavam levando “o Reis” para
sua casa, iniciava a festa que duraria até o outro dia de manhã. Domingos de Saul em conjunto
com sua família foram apontados como as principais figuras da tradição de “Reis” na cidade. A
festa começava então por volta das 22h. O horário da meia noite, durante “o Reis”, apresenta dois
significados aparentemente antagônicos, mas por certo complementares. Toda vez que Domingos
de Saul estava tocando em um “Reis”, quando chegava o horário de meia noite, ele parava de
tocar, abraçava seu cavaquinho e fica quieto por um tempo. As pessoas ao redor pensavam que
estava dormindo ou descansando. Porém, conta os sambadores que o conheciam, que ele estava
rezando, já que acreditava que se deveria agradecer e pedir bênçãos no início do dia. Uma atitude
diferente é de outra figura desse mesmo tempo. Segundo Mestre Liodoro24 (Coisas de Berimbau),
o seu tio (Chico Miúdo que tocava violão) nesse mesmo horário, mudava o jeito de tocar e
brincava dizendo que estava tocando o “sambinha do Cão”.
O final da festa, já de manhã, era terminado muitas vezes com o “Coco”. Este consiste de
versos entoados apenas ao som da viola (ou cavaquinho) e o som dos pés batendo no chão.
23
Esta versão foi construída como uma síntese das versões apresentadas durante as entrevistas.
24
Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2013.
62
Ô rala o coco
Sacode a colhé (colher)
Primeiro os homi (homem)
Depois as mulhé (mulher)26
25
Versos transmitidos por Liodoro em entrevista no dia 14 de dezembro de 2013
26
Versos transmitidos por Tonho do Samba em entrevista no dia 06 de dezembro de 2013
63
27
Entrevista concedida em quatro de janeiro de 2014.
28
Este tambor, também chamado tamborinho, era construído artesanalmente feito com oco de madeira e couro de
alguma animal (raposa, bode, jiboia) esticado batido com brochas. Os pandeiros também tinha esse mesmo processo
artesanal, sendo necessário o fogo para afinar o instrumento.
29
A viola machete é um cordofone de dez cordas entendido como característico do Samba de Roda no Recôncavo da
Bahia. Uma das diretrizes do plano de Salvaguarda do IPHAN é justamente no processo de revitalização do
instrumento. Ver Nobre (2008); IPHAN (2007).
30
Um dos alunos desta oficina é residente em Berimbau e responsável atualmente pela construção das violas
machetes da ASSEBA. O seu nome é Marcos Luis dos Santos (conhecido como Marcos Brother) e ele é neto de
Domingo de Saul.
31
Foi mencionado por apenas uma pessoa, Mestre Liodoro, a existência de uma viola “regra inteira” de 24 cordas,
tocado pelo falecido irmão da sua sogra. Também foi relatado a existência do banjo, do bandolim e da sanfona de
oito baixos chamada de “pé de bode”.
65
Conceição do Jacuípe. Porém o nome do grupo, segundo Tonho do Samba32, remete à árvore
chamada pindoba que tem relações interessantes com a região. A árvore é matéria-prima para
construção de vassouras que são utilizadas nas Casas de Farinha da cidade, para varrer a farinha
do forno, quando esta termina de secar. Da sua árvore também consome-se o fruto, chamado
“nicuri”33. Com o tempo, Tonho do Samba assumiu a liderança do grupo e com ajuda da sua
esposa registrou o grupo na ASSEBA. Ao contrário do Coisas de Berimbau (que apesar das
variações das pessoas nas apresentações, possui um número relativamente fixo), os componentes
do grupo Raízes da Pindoba não são fixos. A maioria dos músicos tocam por “cachê” 34 e o grupo
não possui sambadeiras. O único componente fixo do grupo nesse sentido é o próprio Tonho do
Samba. Além de organizar as apresentações, é o vocalista e compositor do grupo e também
possui os instrumentos musicais.
Tonho do Samba (José Antônio dos Santos Conceição) nasceu em 1971 na zona rural do
município de Coração de Maria. Passou a infância em Santo Amaro e na adolescência foi morar
em Berimbau. Suas primeiras lembranças do samba remontam ao período que morava na roça e
ele ia com seus pais para as rezas animadas com Samba de Roda. Seu pai tocava repique e sua
mãe, assim como Dona Glória e a mãe de Mestre Aloísio, tocava pandeiro. Outra característica
interessante do samba em Berimbau é em relação às mulheres. Em outras cidades como
Cachoeira em São Felix por exemplo, as mulheres quando tocam algum instrumento são as
tabuinhas35 ou o prato-e-faca. Em Berimbau nota-se a presença de mulheres tocando outros
instrumentos como o pandeiro e o triângulo36.
Um momento de socialização no samba, em relação a processos de aprendizagem que foi
identificado, eram os intervalos no samba. Nesse momento as crianças tinham a oportunidade de
se aproximar dos instrumentos e “brincar”, tentando reproduzir aqueles sons que estavam
ouvindo. Mas isto não quer dizer que era uma atividade respaldada pelos mais velhos,
32
Entrevista concedida em fevereiro de 2012.
33
O “nicuri” serve de alimento para a população da região com o chamado “fufu de nicuri”. “Pegava o nicuri,
quebrava ele, botava no pilão com um pouco de farinha e açúcar e pau! Tome-le bater no pilão! Aí pegava aquilo ali
pra tomar café” (Tonho do Samba; 06 de dezembro de 2013).
34
O “cachê” se refere normalmente a uma quantia em dinheiro que cada músico recebe por apresentação.
35
Dois pedaços de madeiras que são batidos um no outro, compondo a linha rítmica do samba.
36
“Há indícios de que seja originário do Norte da África (Marrocos)” (REPPOLHO; 2012; 96).
66
normalmente os pais não ensinavam diretamente aos filhos. Mestre Aloísio afirma que não teve
nenhum professor e nem seu pai teve. Os adultos não ensinavam às crianças, elas aprendiam
observando, “pela cabeça”. “Eu fui sempre vendo e aprendi. É o dom. Me mande fazer outra
coisa além do samba que eu não sei não. Eu só escuto o samba, só toco o samba”37. Contudo a
lógica atual de transmissão para as novas gerações apresenta modificações estruturais. Se no
passado, a criança ou o jovem, entravam em contato com o samba e experimentavam a música
em seu próprio contexto ritual; hoje, com os planos de salvaguarda e as possibilidades de
extinção desta musicalidade (mesmo que a preocupação pareça remeter mais aos discursos de
autenticidade da cultura popular, do seu caráter de excepcionalidade), a transmissão ocorre via
projeto de oficinas mirins. Na Casa do Samba Mestre Domingos Saul são organizadas aulas de
instrumentos para jovens interessados em conhecer o Samba de Roda. As aulas são ministradas
pelos componentes do grupo Coisas de Berimbau.
No decorrer da pesquisa, analisando diferentes momentos de performances dos grupos e
as oficinas ministradas na Casa do Samba, os instrumentos identificados foram: pandeiro, timbau,
triângulo, xequerê, repique, unitário, violão, cavaquinho, castanhola, tabuinha, prato-e-faca e
caixa de fósforo.
O grupo Coisas de Berimbau é formado por sambadores e sambadeiras em sua maior
parte já idosos, com faixa etária em média de 60 a 85 anos. O tipo de samba do grupo é o “Samba
Beira-Mar”, também chamado de “Santo Amarense” ou “Samba Chula”. O “Beira-Mar” se
caracteriza pelo canto e resposta; enquanto um sambador “grita” o samba (ou seja, o “puxador”,
aquela que conduz o repertório e decide quais músicas cantar), o outro sambador (e as
sambadeiras também) “rela”, responde o que o outro disse, é o chamado relativo que caracteriza
as chulas. O grupo utiliza fardas, camisas com o nome do grupo, inclusive as sambadeiras. Os
homens trajam estas camisas com a nomenclatura do grupo (de cores verde ou azul) e calças; os
mestres (Aloísio, Cristovão e Liodoro) usam chapéus. As mulheres além das camisas
mencionadas, usam saias rodadas coloridas.
O grupo Coisas de Berimbau se apresenta normalmente com cinco pandeiros, tocados
pelos cinco mestres. O pandeiro foi instituído no Brasil via Portugal, era um instrumento popular
em toda a Europa no período colonial (REPPOLHO; 2012). Assim como a viola e outros
37
Tonho do Samba, entrevista concedida em 06 de dezembro de 2013.
67
instrumentos de cordas (NOBRE; 2008), é possível que o pandeiro tenha sido trazido pelos
jesuítas e apresentados aos escravos em práticas de catequese. No samba, os pandeiros são
tocados “numa pancada só”, ou seja, no mesmo ritmo e da mesma forma. A posição do
instrumento é bem peculiar, sendo tocado na vertical, ao contrário de outros gêneros com o
Choro, que o pandeiro é tocado na horizontal. Os improvisos característicos do instrumento
acontecem em momentos precisos da apresentação, em que o pandeirista se sobressai em relação
aos outros ao “repicar” o instrumento. Esse “repicar” consiste na repetição acelerada de toques no
centro do pandeiro com os dedos indicador, médio e anelar. Outros instrumentos que compõem a
linha rítmica do grupo são o timbau, o triângulo, o chocalho e as tabuinhas. Estes dois últimos
são executados pelas sambadeiras; em algumas apresentações também foi visto mulheres tocando
triângulo. Outros instrumentos mencionados são improvisados de utensílios doméstico; sendo
tocados por homens e mulheres. Além do prato-e-faca38, da caixa de fósforo39, existe a
castanhola. A castanhola (que nos remete a pensar nos acompanhamentos rítmicos da música
flamenca espanhola) é improvisada com duas colheres; seguradas em uma mão pelo polegar e
indicador e a outra pelo anelar. Elas são postas viradas uma para cima e a outra pra baixo e, são
tocadas com a outra mão e a coxa em movimento constante, marcando o ritmo.
Os instrumentos de cordas “puxam” o samba, para depois entrar o acompanhamento
rítmico. Existem dois momentos fundamentais durante o samba que se alternam por toda a
apresentação. Quando começa, o samba tem uma característica instrumental. Os músicos se
posicionam em um semicírculo que é completado pelas sambadeiras. Quando o “puxador” inicia
as chulas, o centro do círculo permanece intocado. Enquanto a letra está sendo cantada, as
sambadeiras continuam completando o círculo e cantando. Quando a letra é finalizada, o samba
volta a ser instrumental. Nesse momento as sambadeiras vão dançar dentro do círculo, primeiro
saudando cada músico, com os passos característicos do chamado “miudinho”, onde os pés quase
não saem do chão e os seus corpos mais se parecem pêndulos em movimentos suaves. Neste
contexto abre-se espaço para o improviso. Além do já citado “repicar” do pandeiro; o cavaquinho
e o violão alternam-se em improvisações. Na maior parte da apresentação, o violão exerce a
38
A faca ao riscar o prato em movimento constante, acompanha ritmicamente o samba.
39
A caixa de fósforo é também muito utilizada nas rodas de samba no Rio de Janeiro. Consiste em utilizar a caixa
vazia com apenas um palito inserido até a metade da caixa. O ritmo é dado pelo som do palito batendo na caixa
vazia.
68
É melão, é melancia
O Samba de Roda chegou na Bahia
É melão, é melancia
Raízes da Pindoba que contagia
Essa mistura tropical
O samba é cultura nacional43
A letra é composição de Tonho do Samba. Nela pode-se identificar a tradição em dois escopos.
Os versos não deixam de identificar a realidade rural em que o samba se construiu na cidade de
40
“Instrumento feito de cabaça, uma variante do tradicional de ‘Aguê’ nigeriano. (...) No Brasil é usado nos terreiros
de Candomblé e Umbanda, nos maracatus de Nação em Pernambuco com o nome de ‘Agbe’, que em Iorubá significa
‘Cabaça’, em blocos afros denominados de Afoxés, tendo como maior referência o Bloco Afro Ijexá Filhos de
Gandhy, da Bahia, e em diversos estilos musicais”. (REPPOLHO; 2012; 101).
41
Um tipo de tambor afro-uruguaio, tocado com as duas mãos, uma com baqueta e a outra com a mão (REPPOLHO;
2012).
42
É um tipo de tambor pequeno, tocado com duas baquetas.
43
Versos transmitidos por Tonho do Samba em entrevista no dia 06 de dezembro de 2013
69
Conceição do Jacuípe e, nem da suas próprias vivências. Tonho do Samba, quando jovem,
trabalhava com o pai na lida do campo, para ajudar a família e alimentar os irmãos. Entretanto,
uma outra concepção é exposta que está ligada ao processo de patrimonialização. “O samba é
cultura nacional” sintetiza a assimilação da ideia de que o samba é um patrimônio de dimensões
nacionais. O samba de roda, entendido agora como patrimônio, passa a engendrar novos
discursos e novas performances.
70
Violão e Cavaquinho
Prato-e-Faca
Tabuinha
Chocalho
Timbau e Unitário
Repique
Triângulo
Sambadeira
CAPÍTULO 4
44
Dentro do território baiano deve-se destacar a presença do samba de roda na Chapada Diamantina e na cidade de
Riachão do Jacuípe. A cidade de Riachão do Jacuípe já conta a 12ª Edição do Festival Regional de Samba de Roda
de Riachão do Jacuípe. Nesse festival participam grupos das cidades de Irará, Conceição do Coité, Ipirá, Itaberaba,
São Domingos e Riachão do Jacuípe. Com exceção de Irará, nenhum desses grupos estão registrados na ASSEBA.
Mesmo em caráter migratório existe a presença do Samba de Roda no Ciclo de Reis em Goiânia (IKEDA; 1994) e
Curitiba.
80
“O Parecer”
Embora todos esses traços contribuam para distinguir o samba de roda das manifestações
contemporâneas mais conhecidas do samba, há um traço enfatizado no texto da instrução
que, a meu ver, constitui um dos valores mais significativos dessa forma de expressão da
cultura nacional, e que é característico do pagode (em sua versão mais tradicional) e de
outras versões do samba brasileiro: a “espontaneidade” de sua ocorrência, construindo-se
como uma forma de expressão profundamente internalizada nos indivíduos e grupos que
o têm como parte de seu repertório cultural. A própria expressão “o samba acontece” é
45
Maria Cecília Londres Fonseca, conforme “Anexo 2 Parecer do Relator” (IPHAN; 2007; 191-198)
82
Como já foi demostrado pela pesquisa46, se não existiam grupos formais de samba e sim
pessoas que estando inseridos em um mesmo contexto cultural, se reuniam em festividades
diversas com a presença constante desta musicalidade; isso não equivale dizer que os sambas são
ou eram “espontâneos”. A Cantoria de Reis descrita nos informa o caráter de organização que as
festas populares possuem, com papéis e funções determinadas e discutidas. As cantigas entoadas
na festa possuem uma ordem; as próprias performances expostas (Coisas de Berimbau) implicam
em um ritual que deve ser respeitado, cada instante da “roda” pressupõe condutas bem
delineadas.
É evidente que nas pesquisas relacionadas ao processo de candidatura do Samba de Roda
à Patrimônio Cultural Brasileiro, buscou-se aspectos gerais desta manifestação para a criação de
uma ideia em que o Samba de Roda fosse constante no território do recôncavo. Ao Registro cabe
a inscrição de um bem cultural, então é compreensível o escopo voltado para as semelhanças, ao
invés das diferenças. Porém na sombra dos modelos universais ficam escondidas as
peculiaridades de cada região e, uma realidade empírica que atesta a construção de diferentes
tradições de Samba de Roda.
Eu tive num samba em Acupe, naquela época. Por sinal quando cheguei lá, eu me
atrapalhei todo. Porque a gente aqui samba é tipo Beira-Mar e lá é Beira-Mar, mas lá
samba é Barravento. Barravento é aquele samba que diz o samba, mas não diz a
resposta. E a gente aqui diz o samba e resposta, né? E eles lá, eles diz o samba, mas não
tem resposta. É mesmo que foguete ruim. Sobe, mas não estoura! (MESTRE ALOÍSIO,
4 de janeiro 2014)
46
Ver Capítulo 3
83
do catolicismo popular, relações de parentesco) entre Conceição do Jacuípe, Terra Nova, Coração
de Maria e Santo Amaro. Nestas regiões se identificam o Samba “Beira-Mar”, ou seja, uma certa
conformidade entre as manifestações culturais. Neste sentido, em regiões fora desta
circunscrição, o diálogo entre tradições diferentes de Samba de Roda tornava-se mais difícil.
O “Parecer” também destaca o “caráter de espetáculo” que o “samba brasileiro” vivencia
através dos desfiles de Carnaval e, que, o Samba de Roda, por seu caráter “espontâneo”, estaria
inserido em outra lógica. Em decorrência do próprio processo de patrimonialização, o samba de
roda passou a ocupar novos espaços de apresentação. Se ele já não tinha esse caráter
“espontâneo” pelos motivos referendados acima, a sua própria estrutura de organização se
fragiliza em função das demandas atuais.
O samba de roda é o seguinte: hoje tem moço botando em cima do palco e tudo, mas o
pessoal não gosta. O pessoal quando a gente faz o samba de roda no chão, aí junta todo
mundo. Todo mundo quer brincar. Todo mundo tá gostando, todo mundo quer sambar. E
lá em cima não. (MESTRE LIODORO, 14 de dezembro de 2013).
coordenadores da ASSEBA era de que suas ações eram pautadas pelo Dossiê e pelas demandas
dos sambadores. Nessas discussões dos grupos de trabalho foram ouvidos então os articuladores,
lideranças de grupo, mestres, sambadores e sambadeiras.
No terceiro momento da reunião, retornou-se para a sala principal para que os
coordenadores dos respectivos grupos de trabalho expusessem as demandas propostas. O
primeiro grupo de trabalho, segundo sua coordenadora, destacou mais pontos positivos do que
negativos. Outro ponto que deveria ser evidenciado era uma projeção para os próximos 10 anos,
caso o título de patrimônio ainda vigore. Nesse sentido três questões foram postas como
fundamentais: a saúde dos sambadores, o registro da memória dos mestres e a sustentabilidade
dos sambadores. Uma projeção interessante é a necessidade de inserir o samba de roda na mídia
(rádio e televisão). Existe a crítica dos sambadores de que alguns grupos são privilegiados no
sentido de terem mais espaços para se apresentarem. Alguns grupos já fizeram viagens para o
exterior, enquanto outros não saem da sua região. Este dado novo incute, mesmo sem a intenção,
uma lógica de competitividade. Uma musicalidade que tinha como base a integração, o
fortalecimentos dos laços sociais; agora se insere um uma espaço de disputa midiática para
ocupar lugares de prestigio em que os próprios discursos de tradição são acionados para legitimar
determinados grupos em função de outros.
No segundo grupo de trabalho, os sambadores apontaram a necessidade de conhecer mais
as diretrizes do plano de salvaguarda. Segundo o coordenador deste grupo, os sambadores
desejam continuar nesse processo de “resgate”. Estas demandas foram expostas publicamente
pelos seus respectivos coordenadores, apresentando em comum os avanços que o processo de
patrimonialização e a ASSEBA trouxeram para o samba de roda. Entretanto, no terceiro grupo de
trabalho, no qual estavam presentes Tonho do Samba (Raízes da Pindoba), Mestre Liodoro
(Coisas de Berimbau) e a articuladora da Casa do Samba Domingos Saul, foram destacados as
falhas desse processo. No grupo de trabalho, Tonho do Samba expôs a dificuldade de manter um
grupo mirim de samba de roda em função da distância entre a casa das crianças (que fica na zona
rural) e a Casa do Samba Domingos Saul no centro da cidade. Outro apontamento foi a
dificuldade do grupo em gravar o seu CD, previsto no Dossiê do IPHAN, já que era o único
grupo da cidade de Conceição do Jacuípe que não conseguiu a gravação. Outro apontamento foi a
necessidade de um maior apoio à Casa do Samba Domingo Saul, já que Mestre Aloísio (Coisas
de Berimbau) que paga o aluguel do espaço, bem como a demanda e manutenção de
86
instrumentos. Críticas foram feitas à burocratização da ASSEBA que promove várias reuniões,
mas com poucos resultados. Alguns articuladores e lideranças de grupo expuseram as
dificuldades de manter o samba em suas respectivas comunidades, destacando municípios como
Santo Amaro, Cachoeira, São Francisco do Conde e Feira de Santana como espaços
privilegiados. Outra questão é a falta de apoio no desenvolvimento de articuladores locais que
representariam as Casas do Samba dos diversos municípios que compõem a Rede do Samba. De
fato, nas cidades e grupos que não possuem um articulador ativo, participante das reuniões e
conhecedor das demandas das suas comunidades, nota-se uma maior precarização nos grupos. Os
espaços vistos pelos sambadores (de lugares tidos como marginais) como privilegiados revelam
uma intensa atividade política dos grupos e dos articuladores. A figura do articulador é
fundamental nesse processo, já que muitos grupos são formados por pessoas muito idosas ou de
classe menos abastadas que muitas vezes só possuem o nível básico de educação. A
burocratização exigida pela ASSEBA acaba por dificultar a integração entre estas Casas do
Samba com a sede em Santo Amaro. A elaboração dos projetos (da ASSEBA e dirigidos ao
IPHAN) mostram-se de difícil compreensão para os sambadores e sambadeiras. O articulador e
as lideranças de grupos então são figuras centrais nessa ponte entre os grupos e a ASSEBA, logo
entre os grupos e as políticas culturais do IPHAN.
Depois das demandas expostas pelos coordenadores, abriu-se espaço para
complementações. É fundamental perceber a pluralidade de opiniões, convergindo em alguns
pontos, porém em outros assumindo posições antagônicas. Enquanto alguns apontam para a
necessidade de ocupar novos espaços (a mídia, por exemplo), outros se preocupam em não
esquecer os antigos espaços ocupados (o samba de caruru). Este samba de caruru já apresenta
tensões em sua própria constituição atualmente. O fato de um grupo ser convidado para ir tocar
em um caruru, algo comum, gera uma tensão em função da indumentária utilizada pelo grupo: a
farda. Muitos grupos que fazem parte da ASSEBA, adotaram a prática de confecção de uma
camisa com o nome do grupo, uma necessidade de organização resultante desse processo de
patrimonialização. O que é exposto na reunião é a intimidação que isto gera nos sambas de
caruru, no qual outro sambador fica com receio de pegar um padeiro e tocar.
A tradição em dois escopos é assim identificada nesse jogo de tensões em que o samba de
roda é posto. A partir do momento que se organiza formalmente (ASSEBA) e uma nova questão
é introduzida: as políticas culturais. A tensão é justamente veiculada ao samba de roda ser
87
patrimonializado por determinadas características tradicionais, que também são vistas na ordem
do excepcional; entretanto a dimensão política e burocrática exigida acaba por criar novas
performances, novos discursos.
A questão política é então uma realidade atual para os grupos de Samba de Roda. É certo que o
processo de patrimonialização traria consequências desse nível e a própria organização em uma
associação já demanda espaços de reuniões, discussões e metas. A ASSEBA proporcionou uma
maior interação entre grupos de distintas cidades e, o conhecimento de outras tradições do Samba
de Roda é exemplificado como um dado positivo. Cabe à ASSEBA e aos grupos antigos e os que
estão para se formar, “administrar” esta tensão promovida pela tradição em dois escopos,
ampliando a ideia local de comunidade agora expressa em nível de associação.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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