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Capitulo 1
~::J:",!!:u·· CJ' (::) :~::J:.~L o ANTROpDLOGO E OS POBRES: lNT'ODUçlO MEIODOlüGICt E AFETIVA

AL OQ J Q L(P!Q ~

Imaginf-se estacionando seu carro pôrticulcr na rua


I

de um bairro de ~obres cujo nome permanecia nas manchetes dos


I

jornais como um dos focos da viol~ncia urbana, um an~ro de mar

ginais e de bandidos. Voc~ 'nio conhece ningu~m que lne possa

indicar os caminhos e prestar-lhe as informações de que nece~

sita para mover-se sem riscos desnecessarios. Você nem sabe

muito bem onde procurar o que t~m em mente. Connece a~enas um

j o vem que' 1 h e f o i a p r e s e n t a do p o rum am i 9o co m um o q u a 1 1he


recomendou cautela. E nada mais.

I:~! Era por esse jovem que, em janeiro de 1980Jprocur~

I
va de porta em porta para iniciar meu aprendizado sobre o mo-

do d e v i d a das c 1 a s s e s p opu 1 a r e s u r b a nas n o c o n j u n t o h a b.it a _

cional chamado Cidade de Deus. As primeiras informações nao

foram nada animadoras. Ningu~m parecia conhecê-lo muito bem.


___ -l_

Comecei a invejar intensamente Mal inowski que aportou a uma


o ANTROPÔLOGO E OS POBRES: INTRODUÇÃO METODOLÔGICA E AFETIVA praia lingíqua nos mares da Oceania para estudar um povo tri-

bal sem saber-lhe a língua, mas com a convicção de que iria se

Alba Zaluar deparar com uma cultura diferente e autônoma, hGrmoniosamen~e

coerente e aceita por todos. Ali estava eu bem no meio do d is


GT Cultura popular e Ideologia política senso e dos conflitos que, segundo os jornais, rasgaYa~ a vi-

da pacifica do povo carioca e.manchavam de sangue a vida bra-


si 1 e ira.

A sensação mais forte que tive naquele momento foi

a de medo. Nio o medo ~ue ·qual~uer ser hu~ano sente diante do


~. 3
~esconheCldo, ~a5 um mrdo construido pefz leiturd diiria dos ruas esburacadas. cheias de lar.a e de dejetos fétidos dos ~s-

j.or ne i s que apresentavam os habitantes daquele local como é€!- gotos jã arrebenlados encaminham os passos Qe quem ~Jr tIas
~
f i n ittiv a m !: n t e p e r d i dos p a r a o c o n v í v i o s o C 1 e l , c o /TIo p e r 1 9 o S O ~ anda, especialmente nas ruas mais interiores, menos freq~2~t!

i: m i ro s os,
c r"-: as s a s s i nos ~ m p o ~ e n c i a l , t r a f i c a n t e s de tóxicos das. No início fui poupaéa pela sorte de presenciar algu~ dos

etc. Apesar de saber que essa campanha nio era senio a conli- tiroteios que agitam este quadro tão freqUentemente. Mas ouvi
I .
nuidade de um processo de longa data de estigmatizaçio dos p~ regu1~rmente od comentãrios a seu respeito. Sendo estranha,
I
bres, eu tinha medo. Um medo realista de me enredar em malhas mulher e de classe superior, era natural que despertasse cu-
maos riosidade neste cenãrio. E, sendo novata, ainda não havia a-
cujo controle me escapassem ou de enfrentar a morte nas

de um bandido raivoso. Duvidei que pudesse permanecer por 1ã prendido que e s t a r- ali dentro, e não nas ruas ou n05 ônibus da

e m e re I a c i o n a r c o mas p e s s o as. '·1 a s i s s o pau c o t i n h a a ver Zona Sul do Rio, era at~ certo ponto uma garantia de minha in

tegridade física. Pois se eu estava ali era 'porque conhecia


com a possibilidade real de me deparar com um assaltante, po~

sibilidade esta cada vez mais comum a qualquer habitante do gente do local. Tinha i mun i d e e s sociais
õ e morais.

Rio de Janeiro, mesmo sem sair de casa. t;ão, não era êpenas Olhando para trãs, percebo que junto com o medo :x-

o medo de morrer com um tiro na barriga ou algo ainda mais pr~ plicãvel, havia certa ambig~idêde na minha postura cujas r~í-

zes não consegui deslindar na época. O que me atraía e re;e -


~ico.
o cenãrio com o qual me deparei nao era totalmente lia ao mesmo tempo era a possibilidade de romper uma barreira,

desprovido de tranq~ilidade. De certos ãngulos, parecia mesmo cuja visibilidade não é posta ao alcance do olho nu, ma~ c~ja

um calmo bairro de subúrbio, de intensa vida social entre vi- força se faz sempre presente nos menores gestos, nos olh~res,

zinhos. Meninos correndo ou soltando pipa no telhado. donas nos rituais da dominação, nos hãbitos diãrios de COGer, falar,

de. cada conversando no portão, homens jogando carteado na· bi- andar e vestir, a barreira que separa a classe trabalhadora ~

trabalhadores passando a caminho do trabalho e brincan bre das outras classes sociais que gozam de inúmeros privilé-
rosca,
gios. entre eles o de receber "educação". Chegar perto, tã o
do com os conhecidos, os grupinhos na esquina. e tudo mais que
perto a ponto d~ me confundir com eles em sua C25a, em seu
jã foi eternizado para nos nos sambas compostos pelos artis -

tas popul ares .. Mas ,a tensão era visível. Nos bêbados apedrej~ ba'irro, deles'que'a nossa sociedade construiu inumeros r.:odos

dos, na mulher louca andando pela rua em meio ã indiferença g~ de manter distantes atrav~s de diferentes gostos, ~alad~~!s,

ral e, nas esquinas estratégicas. nos olhares atentos e ava - c h e i r o s e h ã b i tos, a t r a v é s ·da p e rm a n e n te c a r ê n c i a, r.e p ii r ~ ci a

liadore~ dos adolescentes que se encaminham par~ a vida que oe impossível. No entanto, não era um tabu com proibiçces es;ec~
ora 1 ficadas nem a p o l uição decorrente do contacto com o impurc que
nominamos criminosa. Esses sinais de miseria social e
dificultavam esse contacto.' Nada ordena claramente, na {'ssa
eram sub'linhados pela propria composição r:;aterial do conjunto: (
"':t'nll)"UJlIUU",UUl uumur luul#~/ t. i : 1 ~\\\H"J')lfJlII

4 5
sociedade. o c o n t e c t o entre os pobres e os ricos. Ao contr~' dia dos pobres. As favelas' o pelos morrOS em ruelas tor

rio. somos stados a conViver alegremente nos estidios de fu tU~SàS incomodavam nossas Vi e atrapalhavam os neoo c
" - vo s

t e b o I, nos d í: S f i I e s d e e s c o I a d e s a m b a e n a nos S a c o z i n h a. :~e 5 d a c o n s t r u ç ã o c i v i I. Ij e m m f r polícia, dizia-se, conseguia

vivemos em nundos separaoOs. cada ve~ mais longes um do outro. chegar por lã, Removeram-na ~ bem lonoe da nossa delicada

Comecei a ",e d.a r conta, por esta forma'violenta .. da invisível v í são, r~e s m o as'; que' f i c a r a m s perto, cO'O Ci dade de De u s ,

e poderosa hierarquia da nossa socieCãde. Que não s or-os iguais qu~ so~os-obrigados a cruzn éõminho d~airros ricos da zo

nem perante a lei. nem perante a riqueza produzida jã sabe~os na de Jacarepaguã, são apena :ravessados por uma estrada

hã muito tempo. O que eu não sabia era Que havia tantos obsta principal. O se~ interior na alcançado pelos nossos olhos

culos microsc5picos a entravar o contacto social mais íntimo sensíveis. Desconhecemos o G a se passa, embora 'nossa fer-

entre n5s. Eu os visitava no seu domínio, por assim dize~ Lo~ til imaginação o faça, desde :0, um antro de banditismo, vio

o e da minha cozinha e dos seus lugares de trabalho subalterno. lência, sujeira, imoralidade -~miscuidade etc, Dupl amente

re g r a s de convivência mudariam e o Que haveria de confluo excluídos por serem "outros" :or serem "incultos· e "perig~

~la e de permanência7
o I no s alheios.
- $05·. os pobres urbanos vive "este olhar etnocêntrico e ho-

Da viagem não sal a mesma, nem aos mogeneizador, o avesso da C1 zaçao.

nem aos meus. Aprendi, a duras penas, a cultivar o envoJvir.,e~ Nas minhas idas e :as, percebi que passei a e xe r

to compreensivo, isto ~, a participação afetuosa e emocionada cer um novo papel - o de mec Jr intelectual entre os pobres

nos seus dramas diários, sem me deixar levar pela piedade o ue temidos e,meus temerosos igL Nas conversas com este5 em

desemboca no paternalismo e na recusa ã dignidade deles, Para que essas impressões do a f am conjunto habitacional ficavam

amigos e colegas sem a prática de contacto político com esta patentes, eu esclarecia os c Jnstantes sobre o que se pass~

população, cdquiri o carisma de quem realizou um "feito". Se va nas suas ruas interiores OS tranqQilizava com o fute-

para outros polui-me, não sei. Nosso espírito cristão tende a bol na praça, a pipa no ceu, o r i ncadei ras na rua, as con--

cercar estas i n c u r s e s junto


ó ã população pobre de una certa ver s as na' p o r t a de ca5a e n( . e Qui m . E f a I a v a ta m bem de sua s

aura divina ou santificada, mesmo que 05 esqueçamos a maior preocupações morais e do seu ·sejo de Gemocracia, sobre a im

parte do tempo. portincia qu~ para eles tem • ce r na mo r a I u- e • t r o c a r i-

Não era necessãrio fazer uma opção racionaJ pele e· deias". Ate .h o j e exerço esse : e I,

litismo, nem defender idéias que pregam a conveniente separa- Ultrapassada a baf· '-2 inicial vi-õ€ diante de ou

ção social entre pobres e ricos. Quer Queiramos, quer não, tros rit u a t s vqu e reconduziam ·C afastamento social, ã domina-

esta separação jã estã embutida nos r~tuais de dominação de -çãõ de c l a s s e , ã hierarquia. -so me foi gradativcr.lente reve-

classe que incluem um rigoroso afastamento do local de mora- lado no desenrolar ce p e s qv í s o r e l a p r p r i a relação
ó que ia s e n
" I' ljí u t r>:

.------- ~•. _~-~-_.- ...•. ,

7'
~olvid0 por mim ao longo de 1980, ~981 e, esporadicamente, e m •.~\
~ 6
do c o n s t ruí d a e n t r e mim e os m o r a dor e s .d o 1 (j=c~a
1 :-~ --::.:- ...:-" -.;. - ..- 1982. .- , "

, Quando lá cheguei. no inicio do ano de 1930. as no- Na primeira fase, nos tres primeires meses de 1980,

tícias nos jornais diários eram des~bonadoras da vida no con- o intuito principal da pesquisa ,era recolher as represenLa-

junto. limitadas que estavam ã guerra de quadr,ilhas que havia :_ç~es dos moradores acerca da pobreza vinculada~ ~o consumo

_=se iniciado no ano anter(or e que já deixara v à r.io s mortos. nas-unrôaoes domesticas. Nesta fase, nãó t i ve contacto contí-

Era o auge do que alguns de seus líderes comunitárlos consid! nuo com as pessoas entrevistadas; com exceção de tres rapazes

ravam como uma campanha negativa que visava desalojá-Ias do Q~e :-~e~;-~--;;::;mi ;forma ~te ~ -P-riv i 1 eg i a dos ;~a b riam os ca

local" O noticiãrio policial já não comportava todas as noti-, m"inhos~-e- garantiam que nãô seria molestada neste • conturbado

eias sobre a crescente criminalidade na cidade do R~o de Ja- ambi~nte. Eram eles que po~sibilitavam a minha passagem de
--- - --- _._--- - -" -' - _.'- ----- -' -"

n e i r o. e s e e s p a l h a v s, p o r ou t r a s r o l h as. a n u n c i a n do - s e as ve - uma área .par e out r a controlada-


c por diferentes quadrilhas, bem

em manchetes de primeira pãgina. O teor o e s se s notícias como a aceitação daquela presença estranha por parte dos 0-
zes
e r e claramente sensacionalista: a criminà'lidade :incontida. a lheiros'e- sentinelas das quadrilhas. Foi apenas neste p e r Io do .~
""

violência cada vez maior cometida durante os a s se l t o s , o cli- que s e n t i--n e c e s s i da de de s e r 9 u i a da. l ci 9 o ,ã d qui r i con fi en a ç

.q de 9 u e r r a em que e s t a v a m e n vo 1 tos o s b a i r r os: p o b r e s onde para andar sozinha, tomando o cuidado de me concentrar em ap!

.~avam quadrilhas de traficantes de t5xicos. Cidade de Deus nas uma das ãreasemqueo conjunto estava dividido .

era apontada como um dos principais focos do tráfico de macO- .Estivesse o~ não acompanhida, f~i ora rece&ida •.•... ~ com

nha e, portanto,·do clima de guerra e violência que tomava co!:. desconfian,a, camo jornalista interessada em difamar o local,

ta da cidade~ Havia realmente uma guerr~ entre as três princi ora com esperança, como ~ma envi.da do ·governo Que antecede.-
re -, ria os sacos de feijio e arr~z que o gove~no iria mandar para
pais quadrilhas de Cidade de Deus: Mas issa guerra tinha

gras que tornavam a sua violência ate certo ponto compreendi- as famllias mais pobres. A desconfiança se explicava pelo fa-
/'

da pelos
J
moradores locais. A guerra era assunto dos "bandi- tode 'que õ'-conjuritç sofria um processo -de ~stigma~i~açio
. ~"~t.;':.' . ..
pe-

dos' apenas. O rest~ da populaçio vivia o seu cotidiano de 1ft imprensa. Eles· temiam que eu tamb~m estivesse i c~ta de e!
::-

t r a b a l b o e de luta para manter um pa d r o de


â vida digno. Os jo.!: tõri as se_n..s~·_cionalistas_liafo:.:.contar ,e_me _p:,rgunta_vam,·· cheios

nais. confundiam o que para. e l es dever5a estar'claramente sep~ de dignidade e indignaçio, se eu tambim ia explorar ~ miseria

rado, alêm de difam~-lospor nio mostrar o lado "bom", posit! do povo. Essa impressio se-tiiluia ~ medida,·em que falava da'

vo, do conjunto. Isso s~ ~crescentava dific41dades ao seu vi- pesq~isa, is vezes ~pinas para dar lugar, junto a algumas fa-
e os "revoltava". Nesse mTlias m~ito pobres, a um outro papel que estes-me imputavam:
ver-;--jã ta o prejudicado pela pobreza,
')' ~; ,

contexto ouvi pela primeira vez falar em revolta e percebi que a de funcioniria d090v~rno federal. Enquanto que vi a m as'S'\~', I'

\
repercussoes teria na~ d~as fases do trabalho de campo desen- t:
I
I
fã-;;'" --- --.~'
~--. .- \'
8:~ nosso ·objeto". 9'
'algumas mulheres tendiam a pintar em cores fortes sues difi -
Nos que ac~itaram a entrevis~a. a.expectativa pate!
cul d a dês , a' e nuna r a r uma enorme lista dos pro·dutos.que neces-
na1ista tinha outros desdobramentos. Eu poderia funcionar co-
sitavam para que possivelmente eu as incluisse em algu~a 1is-
mo urna agincia ambulante de empregos, ji que nada mais pare -
ta ou fizesse uma ficha que as tornasse candidatas a receber
cia fazer ali a1;m de perguntas. Foram muitos o~ pedidos, par
a, a j u d a p a t e r n a iJ f s t a d o E s ta do nos mo 1 de S que a .I g r e j a local
tidos quase na sua totalidade de_mulheres que procuravam enc!
!lltes oferece.
minhar seus jovens filhos ao mercado de trabalho. Vivi momen-
Se, pn, um lado, isso era uma indicação segura da - ------
I
tos -di-f~ceis tentandO"lhes explicar que não tinha capacidade
,_~')magem pa te r-na l s t a forte
í do Estado que ainda impera entre os
para tanto. Alguma~ dessas ~ulheres nio me esconderam que eu
IllUitO pobres, ;por outro 'lado, a bem da pe s q u i s a , .era uma i m-
me apequenara aos seus olhos. Outras, a maioria, continuarem
ssão que deveria ser superada. E essa impressão eu só con-
generosamente a .manter interesse nas minhas interminiveis pe!
de s ma n t e e r quando
â os desenganava nesta expectativa: eu
f; guntas e na Qinha curiosa pessoa.
r
L:'rião
t:"~- r- 1hes t r a r i e nenhuma comida, nem o Governo iria en v i é - 1a - - -
(;
'r';' ••
Muito ~e ajudaram nisso os amigos do local por quem
< t e r i o r-me n t e . Com isso apareceu novo tom nas entrevistas que
me fazia acompanh~r, que me apresentavam ãs pessoas conheci -
se 1imitavan mais ã monotonia das queixas e q~e começaram
das e que permaneciam durante as entrevistas. Em virtude de
~ falar da valor1zação positiva de seu modo de vida. pqucas V!
~ .~ ,,' L
sua presença, a polarização entre a minha imagem de ~embro da
zes, no entanto, fui dispensada por candidatos a entrevista
classe privilegiada e o pobre entrevistado se di1uia e mais
que se negaram c dar informações. Para qualquer p e s qu j s a do r
facilmente aparecia a identidade coletiva de morador do con -
esta i uma .experiincia desagradável, às vezes desanimadora pois
junto e de trabalhador pobre, categoria sempre presente para
que nos leva a r-ef l e t i r sobre os efeitos da pesquisa sobre .a
definir a comida que comiam: Tanto foi ~ssim que, nas poucas
população. Mas n~o apenas nô's pesquisadores pensamos sobre i~
entrevistas isoladas que fiz, surgju a atitudé. entre os que
so. Comentários esparsos dos que colaboraram com a pesquisa, "

tinham pretensão ã ascensio social, de procurar elevar sua P~


a recusa de um homem em prestar informações com o argumento ---- - -
sição social junto a mim falando de uma comida variada e ela-
de que isso não lhe serviria para nada e de um~ mu1h~r que me
borada que não.·faz ~arte da' dieta alimentar usual entre os P~
"
pe-rguntou de s p a ch a d a qu a n t o s s e c o s de feijão·ganharia
v por is-
b res.
so, revel aram que t arnbem os pesquisados se perguntam. sobre o
\\ Na segunda fase, i~iciei o contacto com as associa-
sentido desta troca que é a pe s q u i s a . Se nada
v nos garante o
ções de moradores e as organizações voltadas para o 1azer. ~-
direito de perturbar-lhes a vida no espaço que eles concebem
pôs ficar algum tempo junto a duas das associações de morado-
como o de sua 1ioerdade (a casa, o bairro), so nos resta con-
I,
res existentes no conjunto, conversando, participando de ·rEU-
c1uir que conta~os iambém com a paciincia e a generosidade do
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':S1~ ....••
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11
\
~ ni5es e entrevistando alguns membros da diretoria sobre a vi- tenha conseguido me livrar dela. Enquanto li estive, era pro-
~ -
.da e· a política local, resolvi dedicar-me às. agremiaç.ões c a r+ curada para opinar sobre inümeras coisas ~ m~itas vezes es~~_

n a v a 1e soca 5 e a o s ti me S de f u te b o 1. l s t o p o r d u a 5 r a z õ e ~ p a r t 2- solicitação vinha acompanhada de' algo mais do que respeito --

cipais. Primeiro porque os membros da principal associaçio n! era def e r e n c i a diante da minha "cultura", t na l c e nç â ve l para!

garam-se a me abrir dados sobre a hist6ria da a~sociaçio que les-~_tio pouco valorizada pelos seus lideres c omun j t âr i o s .

eu considerava indispensãveis, recusa que se e xp l i c a v a pelos Assim, vi-me diante de amostras de pano t~ndo que dizer qual
.~;..:...
;'::;-"':7
~ontactos anteriores com jornalist~s e fot5grafos nos quais deI as fi cari a me1 hor=p a r a=que fa n t a s i as ,- dia n t e : de - ve r s o s+p a-
I
- - - \

==~se ~i?ntiram usados e t r a i d o s . Essa desconfiança com relação. ra emitir julgamentos sobre sua b e lez a estetiZa e correção gr~.

·a O ~ P r o f i s s io n a i s d a im p r e n s a s õ e r a e qui p a r a d a· .p e 1 a de s c o n - matical, diante de c a s o s para dec'idir quem tinha mais razão.

a n a devotada aos intelectuais de um modo gera1. Queriam ser Essa foi a única instãncia em que vi desenhar-se com clareza
ç
-- -
.J s_ fJ r 6 p r io s i n t e 1 e c tua i s e n i o p r e c i s a v a m de n e n h uma t e s e de o que pude diagnosticar c~mo deferência pelo superior. Eles

-~- ..dou t o r-'"1-


a d o a seu r e s p e i to. Se Q.. u n d o p o rque p u de p~~rc e b e r que es sentem um e~or~~ respeito pelos que estudaram e conhece~ as ••....
:~~~.-;.:.:::: <,
sa associaçio abrigava o pessoal de nivel educacional mais a1 livros. No~entanto, não eram cegos inteiramente para: os limi-

·to e que não tinha muita pene[raç~o nos meios mais pObres do ·tes do meu conhecimento. Com alegria, percebi que tendências

conjuntb. Resolvi então procurar as organizações que .at~avam opostas·Os faziam duvidar, criticar,zombar dos meus ensaios

a ·ni v e 1 das q u a d r as, das p r~.ç as, d ~ s r u a s d o c o n j u n to e q lJ e contrafeitos de exercer esse poder que me colocavam nas mãos·.
/
~==~~--_.
se espalhavam por todo ele. Descobri·mesmo, mais tarde, pelas suas afirmações mais inti -

Quando cheguei ao pedaço mais interior, e um dos mas ,que me consultavam porque ·achavam que eu poderia ajudã-
I

mais visados .pela difamação pois abrigava uma das mais impor- 105 a descobrir o que o juri do desfilegpstava.

tantes quadrilhas de traficantes de t6xicos, deparei-me com Na verdade, por inclinação pessoal e por opçao meto

um bloco emeformação que saira pela. primeira vez em 1980, em dolõg:ic·a; fui -pouc·o-a-pouco-abdrêando -desse poder nas suas r.a

resposta ã visão negativa que se fazia deles e na tentativa de nifestaçõesmais-cl-àras. Recusei-me-sempre a impor ou a difun

~legrar o ambiente da quadra. t a hist6ria desse bloco e dos dir meus . padrões morais e estéticos,
.
não aceitei o papel de
')

esf~rços da diretoria de implantar umaorganizaçio reconheci- 'juiz.e,desviei"me c ons c i e n t e rne n t e de qu·alquer identificação

da no local e campo de atividade politica que conto no, qua - minha com esses pe~so~õgens d~ seu mundo, em especial com cs

tro últimos capitulas desta tese. que "julgam" a produção cultural deles nos desfiles e meios

Ali, o meu saber foi logo objeto de especial admira de comunicação de massa, mesmo ~abendo que a relação com es-

çao, assim que declinei a minha condição de professora univE~ tes ~ apenas instrumental: trita-se de ganhar o concurso. t.s

sitãria, e não creio que,· apesar dos esforços de mitigã-l~ .• r e a ç õ_~s~ _ e~ s a m i n h a p os t t1 r a f o r a m d i ver 9 e n t e s. Te ve \0 s q L; E ,

-- --- - --- --- -- ---


::.-:-.':::' ...;:-.-:.....:-- __ ,~."o .• _,_ ••

lU Illf'is t n de p.e n de n t e s , mal disfarçavam uma ponta .9,edesprezo na de vde le s se "v i r a r-em" que deixava meus tímidos esforços ;:are-13
~ p e r ce p çác sobre os 1 imites do meu saber. Se eu não enten- ce-relll-c-isa de c ri a nç a • Achei melhor es s i m,
di, de samba, do que entendia que valesse a pena realmente? Fui ta~bem ,m~itas_ vezes p r e s s i o ne ds a fazer o papel
~~~ outros que, decepcionados com a minha recusa, r.eclamaram de rico generoso pelas mulheres das f am i l j as mais p'o b re s E p~.

de1im por não estar cumprindo com o que considerãvam como mj 10 presidente do bloco, bem como por sua s~cretãria. Como, na
n h~ o b r i g a çã o. O r a, o que v in h a e ufa z e r a 1 i s e não que r ia ,a- percepçio deles, eu tinha dinheiro, nada mais natural qUE e-
:'~·nBlS) a> oanhar
~
o desfile de carnaval, a r r uaa r empregosI e, xe r ce s s.e a generosidade e'sperada' dos- r i c o s"," nesta concepção
~~ ~ent~. g15ria das g15rias, conseguir noticia sobre eles pauperista de redistribuição de riqueza. Pedidos velados de
no ~G'rilal? ~!as o que predominou foi a ati tude generosa de me dinheiro emprestado para a passagem, de roupas velhas, de pr~
a'tut',ircomo um personagem sem grande util i d ade mas com quem sentes para as crianças da parte das mulheres, e mais claros,
'vam de conversar. E conversamos bastante. Gos~avam tam- quase imperativos, de ajudar o bloco nas suas obri~aç6es ri-
ideia de que iria escrever um l j vr o a respeito deles, tuais e exibições de prestigio--junto a ou t ro s blocos. Entre
h i s t Sr
- sentirem-se
PLr
.
personagens da í a do B re s il , conforme eu estas mulheres mui'to pobres, as representaç6es do pauperismo
ltes dissera. que ligam a assistincia social a agentes privados era ainda
Mas as armadilhas clientelisticas continuaram a ser f O r te. Mas h a v ia a 1 g o ~m o u t r o s p.e~ i d:os " .Y in dos d a d ire to r i à
,2 'midas para mim, embora
.'
encontre algum dificuldades de dife- .do b lo c o , que ~ã-=,-consegui classificar. Nestes não esperavam
rencii-las das que são armadas no meu pr5prio meio socia~~ As por nenhum movimento gracioso de minha parte, e n c o s t e v a n-ce na
.v ese s vinham' tão disfarçadas que s5 me dava conta 'depois do .pa r e de simplesmente. Corno negar um pedido que vinha acompanha
-" ._.---4- .-

a csnt e c i do. O a n t ro p 51 o g o ta m bem tem seu d i a d e o t ã r io, c o n - do da certeza na sua -justeza? Assim, fui eu quem financiou a
,:ii:). Não me lembro 'de ter conseguido arrumar emprego para ni.!! bebida q ua ndo o b loc o apadrinhou uma e r emt eç o amiga. E qua.!! ç â

gU~G e cedo aprendi a importãncia de nada prometer a essa po- , - =' - //_,
do chegava perto o-carnaval, a p re s s a o exercida pelo preside.!!
pulaçio jã cansada de promessas não cumpridas. Mas tentei va- te do bloco de carnaval era tanta que meu diãrio de campo de~
c
r.fs vezes, contando sempre os resultados negativos dos me~s creve p o r pãginas e páginas a afl ição que senti a por achar que
esforços. Afinal, não tinha o m~nor interesse ·em que me ,consi
- --- ~-
não podia nem de v.ia financiar o carnaval de le s . Ajudei 0')10-
deras sem uma p~ssoa importante e me mantivessem nesse papel co junto com os seus diretores, a pagar sua 'dívida d~ reçis-
óe oediadora entre eles e o resto da sociedade, E eu tinha dei t~o na Federação dos Blocos, ~as md recusei ,a pagar o conser-
xado claro que não vinha em busca de votos, que não era candi to das peças da bateria. E, dep~is de um per~odo de c~rto des
data a nada, o que me ajudou bastante a conquistar sua simpa- conforto e decepção da parte do. presi dente, acho que e n t e n de >

tia, Tambem jã tinha tido in~rneras demonstraç6es da capacida~, ram que eu não era a5~im tão rica afinal, a ~onto fe ~e lor-
--
lu""
·-'l~7.;...::'---...ut:: .••• 0-;·_._
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- ---'-' -'- -
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~:-: .. '~

4t nar seu p~trono. E' contlnuaram a me rece b er com to d"a Slmpatla. nos .aproximãvamos das e le i ç ô e s de 19827 Os políticos "
Vlnr.am 15

Esse diálogo registrado pelo meu gravador o r amat i z a . busçar,seus votos, eles queriam receber'a ajuda material dos
bem a situaçio que tive de enfrentar, independentemente do mi políticps ~ na barganha pelos cu~to do vote eu entrava como
nha vontade e inclin!ç~es, durante reuni5es da diretoria do demonstração do prest~gio e da importincia deles nO,.local. Dei
s: bloco: xei-me, sem opor nenhuma resist~ncia. usar
dessE.modo. Nio me
, . ..
\~..

l~cia: "Alba, no dia da, festa das crianças tu vai custava nada, a nio ser a obrigação de comparecer a todas as
colaborar com ddces, não vai?
festas a ,que eu era convidada e com~~interminiveis pratos de
Alba~ Minha Nossa Senhora!
angu a baiana. E_nas fes!as eu podia observar de cadeira, li-
LGcia: Se voci não quiser colaborar ~om a gente teral e metaforicamente, os' contactos entre os políticos e a
financeiramente, você pode fazer o seu p~
pelo Ir numa casa de doce e comprar umas p.o pu l a ç â o local-o Eu tambêm os estava usando para avançar a mi
50 caixas de cocadas (risos). nha pesquisa. Era uma troca em que eu oferecia alguma vanta -
gem p a 1 p ã ve 1: _aj u d ã - 1 os a e 1 e va r' o va 1 o r de sua 5 a p o s tas no
L~cia: Sabe o que e, Alba? J s so eu nao f a 1 e i C o ir.
o J a i ro n ao . Isso e uma idéia minha que jogo polrtico que travam para conseguir melhoraras condiç5es
tã saindo agora. Fale i 50 c a íx e s de coca- de v i da n 0-1-0-C a 1 •
da, isso.é uma suposição. Porq ue a, nossa
No todo, estava numa posiçio privilegiada para dis-
f i n a I i d a'd e e dar dois mil sacos 'de doce.
cutir, a partir da própria relação que mantinham comigo. sua
Alba: Para as crianças? , \

posição diante do. poder que eu, representava. Afi nal, eu . era
Lucia: Prâs crianças. A gente vai fazer d i s tr i -
buição na quadra. Ai quem é da diretoria,' uma intelectual que tinha o privilégio de dedicar horas de tra
por exemplo, se você' vier com 50 caixas de"'. balho à atividade de pensar sem que nada"fosse PfeitoU no fi-
\
cocadas ... ' essa aqui é a ajuda da direto- nal dessas horas. Oeparei-m~ c~m uma atitude ambigua da parte
ria. Esse aqui é ofundamen~o que a gente
vai fazer pra Cosme e üe m ào , isso vai ser í
deles. Embora demonstrando respeito e ate deferência pelo sa~
da diretoria mesmo, com g~aranã, ,
vela, fi- '
ber que não possuia~, de escrever livros, inumér-as vezes me r!
ta. Seu Geraldo, eu não estou falando os velaram sua desconfiança quanto à-importincia ou:utilidade eis
troços direito? Se você quiser dar; dão
Se não' q u ts e r', voe ê vai s e e s t re p a r ~" (r 2. so. Qye espêcie de .t r e ba lbo era esse? Para que 'serv'e a p e s quj
sos) , sa? Quando ficamos
. .
mais intimos, começaram a me pressipnar pa-
Virei tambêm parte 'de 'um espetãculo montado para as ra "fazer alguma coisa", prestando pequenos s~rviços na ativ!
visitas importantes ao local. Eu era bem vestida, bem falante dade incessante ,de preparar o carnaval do pr5ximo ano. Desa -
e amiga deles. Como iriam deixar de' me exibir is Hautorida- jeitada com ai ffiãos, especialmerite diante das eficientes que
de s " que a p a re ce ram em n u'me ro e ad a vez m a io r à p ro D o rç ao que possuiam~ limitei-me a lhes dar carona de quando em, quando e
~'.~.e<c="-:;::~~
__ "''':~,
":=-?'?~~'f.;;;,~7f·-==I~- ~~~~~~1it~~~~~'r.;I"O. '"~~~""'-"", ...•...
-=
--t6 ~-
tre d'es;gu~is. Não eram apenas me d i ce s de poder, nem tentati-"'1
a fotografias deles. Nas proximidades do carnaval, no v~s de extrair o mãximo do parceiro. A generosidade e a confi
,e,n t G i, L Q , ã\iju,GI,e ÍI a de s e n h a r a b a n d e i r a e re c o r t e i m u i,t o a 1 e g o - an~a fizeram sua entrada defini~iva e n5s passamos a trocar 1
ria emp~ip(ed11'amiinado_ Se percebiam o poder que meustatus so dê í a s , objetos, pequenas delicadezas-sem p r e o cvp a ç ó es t me d i e -
Ciial me .. co nífe ri a , p r o cu r s v am valer-se dele colocando-me, no lu ':: tas com o retorno, como convém a re la ç ô e s de 10,nga duração.
!b"r" do"inteJect~al tradicional: mediador com o mu n do , ou me-
,
Comi muita, comida gostosa-na casa dos amigos que ficavam con-
ltt'o r • um dos' m u i tos me d i a d o r e s c o m o m u n do de que s e va 1 i a m . tentes de me mostrar a sua_-'~fart,ura· de domingos, paguei mui-
r= - I
!>\tis tarde,
Ii porem outra re p r e s e n t e ç â , passou a prevalecer. Co ta cerveja nas refeíçóes assim melhoradas. As reuniões da di-
m~ ~~ra mim a atividade de pesquisa não era mer~ tecnica de retoria do bloco. na epoca em que dele fiz parte, foram rega-
obtenção de dados, vivemos 'uma relação social em que ambas as das a cerveja e continuaram muito animadas. Gravei as entre -
Piftes aprenderam c se conhecer. vistas que me concediam como um gesto gracioso, mas deixei-os
Foi a própria atividade de pesquisa que me livrou de gravar seus sambas e suas cançoes com meu gravador e minhas
~ro o~jeto decorativo, porim in~til, na paisagem movime! fitas, algumas das quais ficaram por lã mesmo.
c
tada dos seus ghetos, ou um "comissirio" (broker) junto i so- Sobretudo tirei muita f o t c r af i e
ç v r i e s das
â qu s is
:ciedade nacional, E foi sã passada a fas~ inicial das aborda- dei para eles. Aprendi muita coisa a seu respeito fotografan-
ç ns experimentais e dos jogos de conhecimento m~tud, que pu~ do-os nas ~uas casas, nas suas famT1ias, na praça, na rua, a!
c ifruir do doce e livre convivi o que só existe entre pes- rumados, fantasiados, de s p r e ve n i do s • :;avTa finalmente de sco ">

~oas amigas. Em parte porque não era "orgulhosa" ou "meti~a" berto alguma coisa que consideravam produtiva ~ara fazer. Ap~
e .nã o o sol h a,v a c o m s u p e r io r i d a de, em p a rte porq ~ e consegui
, .
sar disso, jamais consegJi entrar na categoria dos trabalhado
,
convenci-los da seriedade dos meus ,propósitos, em parte parte ~.' Mas ap r-e nd i s o b r e o ç o st o imenso que têm .de aparecer nas
porquê também me divertia com eles, virei "uma pessoa muito fotos - '~nicas representações iconogrãficas de suas pessoas,
bacana". No dizer deles, e são palavras textuais, eu ~era fo! suas imagens nas casas sem espelho-em que moyam - e, portanto,
ça para o bloco desde o intcio" e não era "interesseira" como o desejo de aparecerem sempre arrumados e limpos. Não gostam j

o~ politicos que os procuravam. Confesso que issb me gratifi- de 'ser f1'agrados. ,-Preocupam-=sl! em, não pa'recerem r i d I c u lo s ou
cou enormemente. Como outros antropólogos (1), ·eu preferia ser de alguma maneira que '0$ faça sentirem-se envergonha~os. E a-
amada a ser respeitada e havia atingido o meu intento. Com is prendi a jamais ferir a etiq.ueta da.s suas r,e1ações. Uraa das 11
so, nossas trocas perderam o cariter que rege as prestações e! ções mais marcantes durante a p e s q ui s a foi c ue não se pode f~

tografar juntos uma mulher com"o ~rido de outra, mesmo que


(1) EDUARDO V!'V[!ROS DE CASTRO (1977).
seja no meio da rua . .'/·:as'
deixã'-se fotografar a l e qr e me n t e .
~;...õ#-_ - __ :>._ ••••

-r---:-

18'Uma das. impressões mais. v [ v iõ a s dõ minha mEmõria é a corrida


mos, - seu espe 1ho pes s e a 1, fotog ra fi a pa r a os outros, sua i r.a -19
descar~da dls crianças e j pressa mais disfarçada dos adultos
gem ou mãscara social, fotog~afia 'que os ide~tifica como vi-
em se postarem sob o ângulo das ~inhas lentes. Acabei deixan-
giados, documento nas malr.as muito pouco jurídicas do aparato
do-os posar como queriam e p uc e cb s e r v a.r, nos seus arranjos
...
policial repressivo do Br e si l de hoje.
fb:togrãficos. quem fazia questão de r e l e rnb r e r a hiE:rarquia en
Muitas vezes ~e trataram tomo aluna,, o que me deli-
-.
, t,1'e eles e em que situações a estrutura predominava sobre a
dava. Aceitava o papel cem prazer. Go.sto de fazer perguntas.
Ili . ~,l~gre mistura de todos sem distinções de status
-
e prestígio.
I
aliãs estava ali para issG~-e quando se dispunham a ser meus
II ""'lto às ins1gnias do bloco, o presidente e a diretoria sem - meu
instrutores podia exercer....sem· empecilhos o~a~ilações o
~veriaffi ocupar'o lugar central; no meio da praça ou no
oficio deantropõlogo. Eles m~ explicavam· a sua "língua" com
do bloco relaxavam a vigilân~ia ~obre a formalidade.
uma enOfme paciência. Como não tinham um sistema de parentes-
Suas representações sobre a condição de pobre - 'õ
co complicado e desconhecido, não pude satisfazer minha curio
menino. sai daí que você tã todo sujo. vão pensar que . pobre
sidade com as pergu~ta3 ír.t e rn t n v e t s sobre
â parentes e mitos
nio toma banho" - e seus preconceitos raciais "preto queima
que deixam os indígenas enfastiados c.om meus .colegas e t nô l c
eiP.
a fotografia" - eram estimuladas pelas fotos. E n~ epoca
'gos. C o n t e n t a va - m e c o m s e u 1 i n g u a j a r r i c o, d i ver t i d o e d if e
que tornou-se sinistramente famoso o "Mão Branca", outro nome
rente, rio mais observando-os em açio. Perceberam logo que eu
do esquadrão da morte então ~~ fra~ atividade no Estado do "0
gostava disso e ouvi inumeras vezes dos mais generosos
Rio de Janeiro. tomei conhecimen~o de uma forma dramãtica~ da
E fo i
rapaz, ensina pra moça. Ela ê madame. não sabe giria".
O:ra função lmportante da fotografia no seu meio: o de forne -~ -
assim que fui. aprendendo s ob re as suas representações acerca
c as autoridades do país a sua identificação. "n moça, nao
da violincia. do banditisffio, do poder, da\policia, da políti-
e pra dar pro mão branca, é?", ouvi de um jovem que parou um
ca e dos políticos.
j
important~ jogo de futebol num domingo quando p~rcebeu que eu
Chegou rã~ido o dia em que também fui inquirida por
o fotografara. E continuou esbravejando ameaçadoramente con -
eles. Nas minhas p r i rne i r a s.visitas fui submetlda ã extensos in
tra mim enquant~ eu me afastava para praças onde era me I ho r
t e r r o g a t õ r i os sob r e a m fnF.2 ~~ e s s o a. m inhas a t i v i da de s , meus
~onhécida. Que~ ~ tom fosse ~e brincade~r~ que fosse sério,
obj'e·tivos pelos. ·líderes do local - diretores das associações
isso não aconteceu uma ou duas vezes~ mas sempre que eu me a- acabei
de moradores e o presidentE do bloco de carnaval que
venturava por ãreas do conjunto onde não era bem conheciGc.
estudando mais minuciosamente. Seus maiores temores com rela-
Em relação ã fotografia, a ~esma multiplicidade de concepções, comigo
ção ã minha identidade deviam-se ao fato de carregar
a mesma polissemia que encontrei em todos os campos de sua vl
os ~esmos objetos que identificavam um jornalista: a camera e
da. social. Fotografia par~ mostrar quem eles sio para eles~es 'conjunto
o g·ravador. E eu l-avia chegado_num momento em que o
~~~.,I".~+',.~~~~;::;a".w-_~r;. .._~===+_.~:--- - :::;::§t:;:::;;::.-.. ~. '~~-=S~

10 estava em evidencia na impr.ensa produzindo dele.uma imagem ne Le c t ue l , .p o i s esperava.m que eu desfizesse uma injustiça sobre li
gativa perante o seu publico leitor. Ac ab av aa de ser, traídos, a fa~~ do rapaz e ajudasse a melhorar ~ imagem do l~cal. Eu.
---'--, --,.,
segundo me contaram, por uma jornalista de importante diãrio o s re ;tre s'6- , t a r i a p a r a o r e 5 t o das o c i e·d a de. Com pena, desffiôr.-

carioca~ a qual havia se aproximado deles com promessas de a- chei ~ais essa impressão e expliquei como pude o qUE era uma

judi-l~s a desmanchar ~ssa mi impressio e que acabara de pu - tese sobre "a vida do povo".

'licar mais uma reportagem sensacionalista so~re a violincia Passado o per'fodo inicial de duvida, quando lh~s' mos·

em Cidà-de de Deus, falando apenas 'da guerra. Como --re,sultado trei ~ carteirinha da universidad~_em que_trabalho e lhes fa-

.d i s s o , sofri momentos iniciais de severas du,;idas.a meu res - lei do meu projeto de escrever uma tese a seu r~speito, meu

:0 p~r parte do~ dfretore~ do Conselho de Moradores. Seu gravador, de objetD de temor e desconfiança passou a objeto

'0 mais velho, que possuia importante arquivo sobre a his querido e procurado. Eu, minha mãquina fotográfica e meu gra-
-- .
d .õria do conjunto, acabou negando-me o que não havia negado ã vador rodávamos por suas casas, sedes de associações e praças,

jornalista: o acesso ê essa fonte documental. tssas dificuld~ ~assados os primeiros momentos de .indecisão sobre nossos obj!
\=
des pessoais faziam parte da sua histõria de contactos com es tivos, com grande desenvoltura. Se respeitaram sempre a· mãqui

·_~~C e eu tive 'que engulir a frustraçio co~ o'entendi~ento na fotográfica como objeto de meu exclusivo manuseio, ate po~

Gue nao podia apagar as marcas desses contactos anteriores. que i s 5 o e r a n e c e s s ã r io p a r a que p u d e s s em sa i r sem p re nas. fo -

~cabei por conseguir impor a imagem de escritora a professo- tos, familiarizaram-se com meu grava~or a tal ponto que eles

ra universitiria, isso depois de exibir a tor:o e a direito mesmos 1 i ga v ar.i e- des 1 iga v arn o apa r e 1 ho durante as r e uni õ,es e

a minha carteira profissio.nal e o meu unico livro então publi. duranté-as gravações--musicais. E sempre queriam ouvir o que
i

. a do. havia sido gravado,


--
ate m~smo algumas
,
de suas entrevistas, o

Depois que aceitaram a idéia de que eu ia escrever que me obrigou a emprestar-lhes o gravador e a~abar por abrir

um livro a respeito deles, começar~m as especulaç~es entre o ~ão de alguma das Sitas_Numa des~as vezes, gravaram para mim

pessoal do bloco. Uma dia descobri que corria o seguinte boa- o discurso de pollti~os numa festa ã qual não compareci e en-

tO a meu respeito: eu nio era nem da polic~anem do jornal, trevistaram vãria's 'pessoas a respeito do evento. Nessas entr~ "

mas .queria escrever'um livro sobre o Mané Galinha, o b~ndido- 'vi st a s f i tas-:-~or
é e-res p o d ev se pe r c e b e r que fui sempre mui to

herói da área que mais pesquisei, morto no ano a nt e r i o r em cir mais inquisitiv2, insistente e curiosa do que el~sti~ham von

cunstãncias nunca e s c l a r e c i o a s . Era por isso que eu c ue r i e c o tade de ser uns com os outros. Perdeu a ciencia, ganhou a s i "I

nhecer toda a vida dele e do lugar ~ara poder contar no livro. patia.
Na verdade, jã estaria trabalhando num filme c;ue se faria so- Nesse percurso da familiaridade com meu gravador,

bre a vida dele. Essa er~ u~a represen{~ç~o posi~iva do inte- pe r c e b i que durante as reuniões da diretoria do bloco c cme ç a
.-- ,~ ~F~
• ram a usi-lo como
-~

ve~culo.dos recad6s
.•...

enviados uns aos outros


.,;. ....•... ;

23
E escolhi o que mai!.empolgou a bateria, os passistas e o pu-
nas suas disputas pelo poder. A secretãria do bloco, mulher.
blico assistente. Fui depois parabenizada.
muito ativa e esperta, via em mi~ e no meu gravador aliados

patenciais contra o mandonismo do presidente e de outros dire No auge d~ .minha fama, pude escrever flQ meu diirio
de camp.o:
tores. 05 de~ais diretores justificavam suas P?siç5es de ~an-

~ E suas prerrogativas masculinas. Eu ~ meu gravador ouvfa- "Sou cumprimentada pelas r~as em ·qlie passo.
Sensaçio de que ji pertenço ao lug~r: que estou
.~~~, Da minha memória eles não tinham nenhuma certeza, ~as a
I liga_da .a eles e daqut~PQ-r_cjja.Dte~arcad~ por is-
~0 meu gravador era infallvel. E eles apert~vam o botão de re so. Espanto de saber que posso me, identificar com
Corno e~ caso de ~~vida para ouvir o q~e cada um,havia dito! pessoas tão diferentes de mim socialmente. ~eu
i carro para, todos vão abrindo c a rn i n h o , sorrindo.
I '~m de fruir do prazer de ouvir sua prõp~ia voz, comentando-a
Os rapazes começam a querer ~iber das fotos, as
.'
identemente. A certa altura, percebi que eu e meu grava - crianças me tocam; me pedem, sentam no carro e
I ,ar trntamos nos tornado o centro das reuni5es ~~ando o con eu vou para dentro da sede do bloco. Lucia e 50-
~

r
;
nia costuravam. Jairo~num c a n t o"," olhando pele
flito entre eles estava mais aceso. Quase todas as interven ~'-
'-
janela dizia que não estava bem ... "Hoje nãc e~
ções eram dirigidas a mim e as frases vinham estr-ecortadas de tou eu." Fui para perto das mulheres. l.u c i e foi
Alba, mas ~ como estou lhe explicand?" ou "Alba, não e na- logo dizendo que Jairo pensou em "me dar uma i-
de.i a" (e s t r a n h o , não e m p r e g a m a p a l a v r a. f a vor)
d~ diss~ que ela disse" ou "Alba, voc~ não acha que .•. u
Eu· ti . . . -----
de ir a Pilares (~!) buscar não sei o quê do bl~
nha me tornado numa juiza sem ter nem a vocação nem o . poder co , qULeR teria r e c l amadoque~u não ponho o
para ç e r e r um a sentença.
v Talvez quisessem apenas um mediador carro ã disposição do bloco. Ossos do ofí~io.
·PQr mais que ~u diga que preciso trabalhar ~ pe!
re seus conflitos, mas nem isso ousei fazer. Escolhi o si -
quisa, eles acham que a minha presença ali deve
. ,
.encio e eles voltaram seus discursos para seus mais i~porta~ ser justif;cada pelo que posso fazer de concreto.
·tes interlocutores: seus parceiros, seus aliados, seus inimi- As expectativas de solidariedad~ por .parte de
quem tem mais do qui ~les e muito grande. Solic1·
gos no bloco. E eu ali fiquei, atenta, registrando o que po -
tações constantes de um lado, não tem nenhum pe-
dia com a minha nem sempre confiãvel memória e a infalível do jo e m- p e d i r , isto ·é, "em dar uma id~iau. Se co-
')
··meu gravador. ··~iem 's e mp r-e, porem, o p t ei pela n.e u t r a l t õ e de . Qliõ!2. --lar, c c l o u ,... Sou firme quanto a Pilares: não
-----"Tr·ei-.-i~asr.ão consfgo esEãp81- óã
c
Taquara onde Ja.i
do fui convidada para participar na ~omissio julga~o!a junto
ro quer que eu leva Jorge para apanhar um surdo.
- - . f .
com outros visitantes ilustres e dois compositores locais, r! E nao ha como reclamar do preço da gaso11na, is-
cusei-me a aceitar a inge~incia do d~retor de carnaval qu~ ncs so seria imoerd~ivel
. mesouinharia.
.,
Hi eue
'--
ser oe
neroso. Pobre, para eles, _não é miserãvel, em n!
aconselhava a aceitar um dos sambas concorrentes. Esperei pa-
nhum dos dois sentidos. Dinheiro no seu bolso r,ão
ra ver como o p~blico local reagia di~nte dos ~irios s~mDas .. para, nem nas trocas de c~rveja nas roG?das do
bar das quais as vezes participo, muito ~ais co-
.:...
4 -
- o d i,a tranqUl '1 o. sem d ramas, . 25
mo convidada pelos homens gentis do que como pa- o acontec,mento era nessa soc,e-,

troci nadora." da de - c h e i a d e c o n f1 i t o s , L o n 9 e e s t a va de p o d e r "i de n t if i c a r, co


Ouvi, então. muitas conv'ersas das qÍJai'~ n., o p a r t i c i mo Victor Turner, um d~'i~ unico revelador:
pava como interlocutora - no meio dê rua, na praça, na sede ov "T.7e s o c t a t d r a ma is a-limitêd e re a of
bloco, nas biroscas • e que pude registrar porque tornei-me UI!
t r a ns p a r-en cy ro n the o t h e r w'i s e opaque s ur f a c e of
regular, - unventful social l i f e . Lh r o uçh it we
z e r s o n a qe m local familiar. Ficaram a c o s t una do s com a minha PI"!
are enabled to observe the 'cruc,ial p r i nc i p l e s of
sença, tal como, me ensinavam os guias· priticos de pesquisa na the social structure-in 'their oper~tion, and
[!~
r e
di s c i p i n a de m i n h a p.re f e r n c ía , No u t r a s c o n ver s~ s , e u ~ r a a -thei-r-re-ra-t-;-v-e-dominance et dif f e r-ên t po i n t s of
'-----tlme"-(1~r57: 93).
inc i pal ou uma das i nterl ocutoras. Entendi todas el as, tan-
o revelador era a presença continuada dos conflitos entre as
as entrevistas formais e as conversas diri~id2s a mim qua~
'pessoas, da coexistincia de idéias 'contradit5rias e de dife -
to as outras apenas entreouvidas por mim,como situações so-
ren~es tendincias apresentadas na arena das suas disputas, as
ciais. ~as as falas dirigidas aos outros atores dos mesmos
·vezes pela mesma pessoa. A "estrutura" era a falta de modelos
,s s o ci a i s e r a m o i f e r e n t e s das d i r i g i das a rai m e s p e c if i C! 4
\'j
claros e a tensão entre os vãrios oferecidos pelas prãticas
t: ~specialmente 'durante as entrevistas em que havia cer-
institucionalizadas vitoriosas e as que permaneCiam como al -
ta distância com relação ao palco da ação. Ainda no calor da
~ernativas nos bastidores dos canais de comunitação da fofo~a
nora, mas permitindo o comentãrio mais descomprometido, refle
e nas d'is c u s s õ e s a c 1110r a das, d i r e tas e p lib 1 i c as, _qu'e r d u r a n-
tido. --
te as reuniões fechadas da diretoria; quer no meio da praça,
Não p~de escolher um drama como fio condutor da tr!
da birosca ou da rua. 0$ conceitos mais adequados para estu-
suas alianças e conflitos como me ensinara a a n t r o p o l o-
dar esses processos eram: portanto, os de c~mpo e are na, con-
sia política inglesa (GLUCK11AN, 1965; TURNER, 1957; VAN VELSEN, \.
dizentes com a flexibilidad~ da entrada de atores na' intera -
.., 1969.; FRANKENBERGER, 1966), e que dariam a chave para compre-
I ç ã o e afl u i d e z dos recursos_ e_ s5-gni fi cados dos membros par-
ender a dinâmica da política local. A razâo é simples.Os dra-
ticipantes (SWARTZ, '1968)-. b e m cc crao a t n t a r c s mb i a Li d a d e entre
mas de aproximação-afastamento das ·pessoas. com relação i orga
palco e plet ê í a. (
- _ ni z e ç.ào loca.l s u c e d i a rn+s e com r.apidez, os_çQnflitos o e n t r o da ,
C-A-o 1 i da r:-coríf"()'Va-st-o material que acumulei ao longo
.;'~e t o r i a e e n t r e a. di r e t o r i a e o r e s to da p opu 1 ação 10 c a 1
da pesquisa, percebi qve estava, senão diante de dados de ti-
Jm diirios, as rnort~s provoca~as pela guerra entre bandidcis
po diferente, pelo menos
-
diante
. de arranj6s diversos da ten-
e entre estes e a policia, que formav~ o pano-dE-fundo da vi-
são sempre existente, em qualquer classe social, entre o indi
da social local, iam tornando-se cada vez mais freqüentes. ,i;a
vidual e o coletivo, entre o privado e o ~ublico, entre o pri
verdade, era CO~IO se o oposto valesse para- o caso em q ue s t o :
â

ximo'e o distante, entre o intimo e o formal. De um lado ~sta


r VIa'm os registros da sua ta·l a durante-'-c'a'a'ção e que d","v'er1<:iIJ
ser
; ...•.
,

inf~rmadas por uma teoria do ator num:campo. de disp~tas. De p e 1 a c o mp ar a ç ã o c o m ou t r as fo rma s , que r nas o d!
1ização do jovem.=O""'costume;';-'~conseq(lentemf;..r..~e.--,;-~
z:
outro, estavam as entrevistas formais realizadas ao final do
torna-se um objetode- conte'mpraç~o, bem 'c.om6~1!Uia-
primeiro ano em que li estive, q"ando ji era bem conhecid~ das fonte dela, e em;JrEstafoios ume expressão conlfe~,
pessoas entrevistadas.' A atmosfera das entrevi~tas, que vers! c i o n a l que mal ·parec-e r a z o àve l a uma r az o á Cl!llr.-
~incional que pErmanece não expressa, A lõgica
vam sob~e a politica local e o band{tismo, a~abou r~velando-
af à ; ma mi s t i f ü:~
s. mais ~ntima, mais pessoal. Se~ a presença de mais nin9u~m
c u:ltu r a 1 r e a p a r e c e ~e ~
da: - como i deo l o q i a . Não
tã ~ sob
mais
um
c o mo z um p rt nc j pio
~ nio ser eu e meu interlocutor, as entrevistas começav!- qU! de' classificação, mas como satisfação de uma dle-
I ma lnda p o r jus t i f ic a t i v a ," _
Se sempre pelo registro de dados pessoas e sinopses de SJas i'l'

r c 1 a r o que a qui. S a h 1 i n s t e n t a p r o v a r m a i s uma 'te z


ist ê r i e s de vida. Essa pessoalização parece que ma r c a vae res
que a razão instrume~tal ou a "prãtica utilitãria" que cri~i-
.:e, quando eu procurava extrair deles suas reflexões sobre
ca em virios autores são na verdade õ razão cultural (i n c O'IillS -

os temas momentosos de sua vida social. Como resultado, re c c-


ciente) dás. sociedades c a p t t e l i-st a s d t s t a r e d e em
ç racionaliid2.
lhi um material muito mais rico e mais diferenciado do ~ue o
de ec.onÔmica e racionalização do gõnho individual. o que eu
meu treinamento em farejar padrões, regularidades e estrutu -
quero sublinhar ~ a diferença entre c l~ngua e os costume ou
ras mi deixava suspeitar. Isso não se devia a um~ supos~a op~
a cultura que me leva, ao cqntririo',do prõprio Sahlins, a cri
,
1.-., sição entre o indiv~duo manipulador e defensor de seus inte -
l: ticar a fdéia de código ou estrutura inconsciente quando ap1i
I
I
t--
resses e a cultura coerciti~~, 'como no esquema mallnow~kiano
cada às práticas sociais. Os pobres urbanos, descobri, como
r
(/'1 ALI NO\,lSKI" 1960; SAHLIN'S, 1979: 97-99). r~uito mais adequada
quaisquer seres humanos, pensam a respeito de suas condições
pera explicar esse fato e a teoria 'de Boas sobre a natureza
I de' vida e dos in&meros valores, normas, .regras, significados
r : de; fenômenos culturais, comentada por Sahlins (E2~: 85);
" com que costumam ser "educados" ou ·for~ados" pela in~meras !
"Boas argumentou mais tarde - em uma observa-
~incias estatais e religiosas, bem como pelos m~ios de com~ni
ção hoje clãssica - que, embora a linguagem e o~
tros costumes sejam organizados por uma lõgic~ cação de massa.
não-refletida, hã uma diferença entre eies.no f! Nem essas ag~ncias de' socializaçio eram homogE~ei2!
·~o de'que as tlassificaç~es da primeira normal - - - ...•. - -

do °ras, j ã que. 9 u a r d am c o n t r a G ! ç ~ e s e n t r.e s i sem que n-en h uma .de


mente não atingem a consciência, ao passo cue as
categorias da cultura õ' atingem, estanó6 tipica- las adquira clara he e mo n t a .so o r e as
ç demais, nem o proce.sso
mente sujeitas'a uma reinterpretaçãc secunG~ria. de socializaçio era totalmen~e fecha~o e 'eficaz a pohto de e-
A diferença desponta essencialmente no modo de
liminar a reproduçãQinç!ependente de sua cultura de c l e s s e ou
reprodução. Encaixadas em regras inconscientes,
as categorias da 1 inguõgern são automatic2~~~te ~ o s~u bo=-s~~so, ou a sua capacidade critica diante das estra
produzidas na fala. Mas a continuidade do c0Stu- t ê g i as ,à' e que e r a mal -v o o 1st o n'i o q U é r.-diz é r g v e seu p e ns a r
me i sempre vulnerãvel ã ruptura, quer SJ~~nte
possa ser reduzido ao cõdigo de sua tradição c u l t u r a l autcr.!'o-·
I"'····
HII'IIIIIUJJJ

29
'28 teme c; to" m o, O (!' De "'a i s "'a i s , to dos oS 5 i n a i s deu me crise social
,I a . se e eue [lOG" ôr num ~i • IJ [J

s e rnb a r e ç o c o ro ou (J 1,- (j n, dif f: r e nt e s r e 1 i 9 i (l s « e moral profunda estevâm presentes. A descrença nos políticos,

sem o menor eU1" i; o r t o do x i e tão nuri ~ tas. a desconfiança do governo, a falta de controle sobre o5 ~ 0-

ja do eanéomblé " ce t oli ci s mo., a f,- mo o r e m sua v ven S r e v o 1 ta d o s , e or o f unda ins a tis fa ç â o· c o ma, pe r dG S sal a

lr comparad~ com
,, e 'dade com qUI: riais sofridas nos ~ltimos quinze anos não revelavam um segui
s~o de mundo 50 ~0

lançavam mio das l' -r a s instâncias de t: e c ao entre eles e mento automãticó is regras da tradição. As coisas há muito

o resto da sociedd na defesa da sua ca~ac , de de sobre vi deixaram de caminhar por si e seria certamente um contra-sen

ver, Dificil, p ort " reduzir este pensa' um sistema prê so, afirmar que a ordem social confunde-se com a ordem natural
I

estabelecido e fix conteúdos c ult u ra is licado em últi- das coisas, como acontece nas sociedades estáveis ou em que

ma instância pela oo s í ç ê o subalterna u +i n a o a no prc, tradições aceiteS conduzem ã hegemonia de um grupo ou de uma

cesso de produçio orno prisioneiros ce prãtica v is ta classe social. A violÊncia cotidiana que toma formas novas e

na t redi sr e s t ru;
ç 'lsta como m=rc EÃ~CUÇ de urr, cõdigc extre~adas sob seus olhos, a quebra dos ~adrões s exuz is , as

·'Jbjacente. Fosse. 1ue tivessem um modelG consciente, f os novas feições da política na ultima decada, as oerdas reõ is

e porque apenas c s~ondessem a uma wétr geradora de p re de poder aquisitivo colocam in~agações sobre o seu sen:ido

t i c a s .mas que p e rn a criação nO'I05 are os (cf. BOURDI E L, que ~les sentem necessidade de responder., Portanto, nao e PO!

1972) , sua prãtic "o dispensava a r e f le x e O que p resen 51vel entender sua ideologia como sendo exclusivamente ou ?r~

ciei nâo pode ser .ndido sem o auxíli o on c e i t o de exoe ponderadamente reguladas por rituais e prãtiças que se i~põem

'ência, tal como do por GRAMSCI (197q , ,10 ;·iP50 N (1 96 8 ) , silenciosamente (cf. ALTHUSSER, 1971). O conceito ~e cpacioa-

ou de produção de i a s (DURHAM, 1977, 192' ":ILLIAI~S, 1977: de da estrutura, subtendido nesta visão, nos levaria a defor-

13 - 43), embora n ec eliminasse tot a l me n t e matrizes e [l~ mar a realidade por eles vivida e se tornaria ela mes~a iceo-

d rõ es (2).
lõgica. Nem o seu simbolismo estava completamente encõpsulado

em objetos concretos e ações mudas. Muito era verbal izado, ex

(2) Refiro-me, e c: -o , às concepções qu:!:; sci desenvolveu plicitado.


sobre o n ii c l e o :: bom-senso que f a r i e r ":e da visão de
mundo ou s e n s o c c mum v das classes s vb e l t e r r e s . Este n ii c l e o ,
(2) ma problemitica surge na discussão do conceito de consci-
de um lado, e s : ria fundado s o o r e Ur-ê ('~':a dose d~ ~~-
~ncia coletiva de )urkheim. Segundo alguns iutores.
riencia e o b s e r õção d i r e t a da r e s l t c e c- ,deoutro, 'r,as
Durkheim confundiu a menie humana como um sistema de pr
concepções rel1 ~05as, na ideologia 00;:- .-r,te e nas t r a dj
cessos cognitivos com um conjunto de representações, to -
ções reinterpre:adas'(GRAI~SCI, 1974; PIC--E, 1970). r is-
mando as categorias de pensamento como sendo de origem s~
so que permite ~ outros autores falar dE consciencia pri-
cio-instituc-ional, sem dar -c o n t a do' processo 'de SUe c c n s -
tioa equacionada ã ati,vidade e não i pes<ividade da repr~
ti t, u i ç ã o (I; EE D H A M, 1 963; H A L L P I K E, 1 979 ) _
d u ç â,o c u 1 t u r a 1 " tom ã t i c a. N a te o r i a a n t: c ;J o 1 õ g i c a, a me S
30 . , 31
Do mesmo rio d o , a ideia de que os suj e ito s da pe s o u i pejo~, momentos oe nudez que ficaram registrados,nas mlnnes

S3. o ov m e l h o r suas no r ma s e concepções de Stn5.0-C r urn , cons t i fitas e no meu caderno de---campo. :sla possibilidade de que
,. os
t li t1li', 0:1> s t ãcu1os eo 1 s U: i" o 1 Õ 'J 1 C os a ser C rn s u ;J E: r i:. OO S ~tv(c qu prõprios sujeitos da ;Jesqulsa to~~ssem distãncia de suas pr~-

s ~(r' r,e I'a t i v i l a da. /l.inhcs e n t r e v i s t e s' e a l urra s C0r.·..e r s e ç ;Jar- t i c e s me revelara~ tê~b~rr a falsa antinomia entre o m~lodo o~

t i c u Ie r e s revelara t:,-se c o rno um momento de r e f l e r o para


à eles, jetivista da ci~~(ia e a ceguEl ra engolfada na prãtica coti

em que a estrutura de dominação a que estão submetidos torna- diana. Não precisava. portanto. fazer de sU,a} ações e pensa -

va-se transparente, E claro que o mesmo se passava ~as conver mentos um texto fixo diante do qual eu tomaria distincia para

S3S entre eles. algumas. das quais tive oportunidade dE p re se n superar esta a n t i n o o i a . O processo vivo de su~s_ hes i t a ç ó es ,

d~','~d~~. conflitos, idas e vindas às tradições o p u la re s , e-


ciar, Mas ~ como se 2S entrevistas., por Ltre:; sido real iza~as p

quando jã havia sido cor.struida uma relação de f e m i l iaridade vanços e recuOS diante da dominação não pode ser captado numa

e confiança mGtua, pudes.sem ser esse momento de 1 iberação de! estrutura objetiva da qual fossem .inteirêr:1ente inconscientes.

supoe a capacidade de distanciamento, embora 1 i rni ta da,


se pensamento critico reorimido que me chegavam como (Onrlo~n E1e
c i as. E claro, também qve, como todos os etnógreTos, tncon- dos próprios agentes. Ilem as variações que encontrei a respe2.

t r e i i n f o r:;-,
à n t e s s ~ b 'i os, to 1 os', c f t i c os, i fi 9 e n u os, c i n i cos , to de suas concepções sobre o trabalho, c pobreza, ô poiítica

pouco ou muito experientes e mais ou menos influentes, ~ se etc. podiam ser isoladas e dissecadas fora desse extenso dii-
b ir o s c-e s ,
sso se me afigura como um reforço para a perspectiva qUE to- logo que travam entre si nas ruas, nas praças, nas

nas casas e que gosta~ de chamar animada~ente de "troca de i-


~ a mente como um sistema de processos c o q n i t i v o s e não como

sistema de conteGdos previamente fixados e t r a n s rri t id os deias', E em grande medida nessa t r o c e dE-id~ias não in s t t-t u-
da
por mecanismos passivos de aprendizagem (cf. NEEDH!H;, 1963: cionalizada, fora do controle dos aparelhos ideológicos

x xv -x x i x ; HALLPIKE, i979: 45-51), o seu cer â t er individual dominação ou da disciplina, que idéias t0rnar.1-Se eficazes. a-

~ao pode negar os processos sociais que observei de constitui çoes incorporadas, reputações legitimadas e politicas aceitas.

ção de formas coletivas de pensamento e açao. Ou, a 1 t e r na t i v ã!TI e n te. n e g a das. E s te 'co n ti nu o c o me n t ã r i o sob r e

"r tudo ilusio· foi uma frase que ouvi algumas vezes o que se passava no local, na cidade. no governo e na campa -

durante minhas entrevistas e podia referir-se tanto ao carna- nha eleitoral foi que me permitiu per.sar num processo de cons

val e is pro~e~sas dos politicos, quanto aos serviços 0fe~eci tJtuiçio de uma cultura de classe aut5G0~a ~t~ terto ?onto, e

do~ pelas religiões popu;a,e>, Essa capacidôde de d i s t a n- una, homogênea e completõc,ente s:ste;;-,õtizadõ.
nunca
"Hqje ningu~m respe{ta nada, nem o pã~a·; ":'cabou O
ciar-se de suas pr~prias pritica's me deixou surpresa mu i t e s v e

zes, como me surpreendeu a consciencia dolorosa que ti n h z rr de respeito" fora(l1 frases ainda mais comuns, Neste mundo que pe!

sua condição de e xp l o r e do-s , oprimidos e esquecidos. Forem 10m de seu encanto a passos largos, na descr~~ça bast~nte genera-
"

I '
3Z·

l i z a de de seus ç o ve r r e n t e s , os ;'o:'res de Ci::ace di? Jeus lã f1

caram a lutar por ~anLer a es~erança. Con;inu~m 2 frequentar

hoso it a i s , escolas, igrejas, t e r r e i r o s , o u e d as de samba, c arn

p o s de f u tebo 1 e o a ue õ:, a is h o u ver, b :: r. eu no c O r, t inua m ê C rj -

ticar OS serviços oferecidos "essas organizaçoes. Mcs e s ta

sua fala ininterrupta que meus ou~idos e mE~ gr~vador reçis -

trêram continuam ainda em grande medida si;enciaoo5 par~ o

resto do pais. Tclvez por isso alguns me di~s!ram virias ve-

zes que os pobres sã podem falar E protEstar quando votac. r


" ,

por isso, a esperança ~e mudcr ainda continUf em grande G~Gi-

da, ê ser depositada no voto, e s p e c i a i ne n t e no eleição (O o o-

der executivo.

QUe n t o a m ir.,, a qui .e 5 ~ o U C i ê fi t e a a S D r o; 1 E r.; ê sé;. i

~s e politicos de um "esquiSêdcr. hpôs pessar tanto :'éiJJO

.•n t o ·a e 1 e s , bis b i 1 h o '"c fi dos u c s v id e s , a r r c fi C J.í- o G ç C es


i n f o r-;;

s o b re seus conchavas, barganhas, conf it o s , l u t a s e r e vo l t a s ,

deixei-os ainda ffiais livre para dediccr ~eu :~rr-po a reflexão.

Tomo suas entrevistas como um texto que me facil ita o dis'"an-

ciamento. Debruço-me sobre a "troca de idéias' fixada no meu

diãrio de campo para arrancar seus sentidos, sua p o l j f o n ia ,

que, por algum no t i vo , temo re c z i r ou e mp c o r e c e r . ?enso s o-

bre eles em seu lugar. 'm p r i v i l q i o , semê dúvida, que faz ;Ja~

te desse produto. A prerrogativa de estar afestada da oC LI -.

ç a o material de bens, que eles executa, por mi rt, e af· el o

que me possibilita a conquista de t ít u l o s e honrarias. :,:Jerc

que, ao menos, esta tese infl~a nas poJiticas a eles :e5!;~~-

dC!s.

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