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Organizadores
NILS BROCK
JOÃO PAULO MALERBA
Comunitárias
em Tempos
Digitais!
Reflexões sobre as transformações,
inovações e desafios da mídia participativa
Edição
Coletivo editorial: Denise Viola, Dilliany Justino, João Paulo Malerba, Luciana Zanotto,
Luiza Cilente, Natalia Azevedo, Nils Brock, Paulo José O. M. Lara.
Tradução para o Português: Denise Viola, Nils Brock, João Paulo Malerba.
Revisão: João Paulo Malerba
Design e diagramação: Rotulistas
Esta publicação pode ser reproduzida total ou parcialmente para fins não comerciais desde que citada a fonte.
Creative Commons - Atribución-NoComercial-CompartirIgual 4.0 Internacional
Mais informações:
AMARC Brasil
www.amarcbrasil.org
www.facebook.com/amarcbrasil
coordenacaoamarcbrasil@gmail.com
secretariaamarcbrasil@gmail.com
ISBN 978-85-69099-07-9
Agradecimentos
A publicação deste livro não teria sido possível sem uma ampla rede de apoio. Primeiramente,
agradecemos a Fundação Ford por acreditar no projeto. Agradecemos também às organizações
e iniciativas que nos abriram as portas e contribuíram para a realização de três seminários
temáticos, correspondentes a três capítulos deste livro - a toda a equipe da Comradio do Brasil,
em Teresina, ao Memorial Zumbi dos Palmares e à Universidade Federal de Piauí; à Casa de
Cultura Tainã, ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LabJor), ao Plenário José
Matosinho, à Rádio Oxigênio, à Rádio Muda, à Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Em Olinda (PE), destacamos o Sindicato dos Servidores Públicos de Pernambuco (SINDSEP),
Associação de Rádios Populares de Pernambuco (ARPPE) e o Centro Cultural Coco de Umbigada.
Nossa gratidão também a Achyles de Oliveira, Cantídio Souza Filho, Célia Rodrigues, Cleyton
Torres e Costa Junior, Denise Xavier, Jessé Barbosa, Marta Mourão Kanashiro, Mãe Beth de
Oxum, Milena Andrade da Rocha, Paulo José O. M. Lara, Rosmari de Castilhos e Simone Pallone
por ajudarem a ampliar a missão da AMARC Brasil.
Lembramos ainda das pessoas dos coletivos e organizações que entraram na troca de
experiências, ideias e propostas durante esses encontros, seja nas mesas de debate, seja
nas oficinas: às associadas da AMARC Brasil e à Rede de Mulheres da AMARC Brasil, AMARC
Internacional, AMARC ALC e AMARC Chile, ABRAÇO - São Paulo, Aparecidos Políticos, Artigo19,
Associação Brasileira de Rádio Digital (ABRADIG), Centro de Cultura Luiz Freire, Ciranda
Internacional da Informação Independente, Coletivo Nordeste Livre, Comunidade Jongo Dito
Ribeiro da Casa de Cultura Fazenda Roseira, Decentro.org, Empresa Brasil de Comunicação –
EBC, Fórum Pernambucano de Comunicação (FOPECOM), Rádio Amnésia, Rádio Xibé, RadioTube,
Rede Mocambos, Ilê Mulher, Instituto Bem Estar, Coletivo Intervozes, Laboratório Telemídia
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), MediaLab da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Observatório de Mídia, Pororoca.red, Projeto Fonias Juruá,
Pulsar Brasil, Repórteres Sem Fronteiras e Rhizomatica. À Adriana Veloso, Adriano Belisário,
Alessandra Ribeiro, Ana Veloso, Bia Barbosa, Camila Marques, Claudia Nuñez Arango, Claudio
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Del Bianco, Denise Viola, Diego Vincentin, Dilliany Justino, Emmanuel Colombié, Francesco
Diasio, Francisco Caminati, Guilherme Gitahy de Figueiredo, Ian Carvalho, Ismar Vale, Ivan
Moraes Filho, Jaqueline Deister, Jerry de Oliveira, Jhacunam (Jonas Duarte Cruz), João Paulo
Malerba, Karina Quintanilha, Lígia Kloster Apel, Mãe Beth de Oxum, Marcelo Saldanha, Marcos
Martins, María Pía Matta, Nils Brock, Pedro Martins, Peter Bloom, Piter Junior, Rafael Diniz,
Rafael Evangelista, Ricardo Franco Llanos, Ricardo Ruiz, Stella Pacheco, Tais Ladeira, TC Silva e
Tchimaucu (Sílvio Almeida Bastos), agradecemos pela contribuição.
Obrigado a quem participou do esforço que deu luz aos seminários e à edição das seguintes
páginas nas etapas iniciais - Andreas Behn, Vanessa Cruz, Daniel Fonseca, Luciene Medina,
Claudia Nuñez Arango - e a quem está à frente da Coordenação Executiva e da Secretaria
Financeira no momento da publicação – Denise Viola e Daniel Sousa.
AMARC Brasil
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índice Apresentação
Prefácio - Entradas e saídas para as rádios comunitárias e livres em tempos digitais
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ENTRADA 1: CONvERgêNCIA 20
Convergência midiática - a história de uma apropriação popular. 22
Nils Brock
Convergência midiática: uma realidade de todas e todos? 26
Dilliany Justino
Resignificando a tecnologia. 30
Loreto Bravo
Cartografia mental - Mídia comunitária e livre. 34
Camilia Novaes
Rádios comunitárias e Software Livre. 36
Clara Robayo
Percepções do desenvolvimento de práticas sociais e políticas no entorno da 42
radiodifusão comunitária e livre na América Latina.
Claudia Nuñez Arango
Trajetórias, palavras e silêncios indígenas na "key note" da AMARC. 51
Guilherme Gitahy de Figueiredo
Mesa de debate I - Seminário Convergência midiática e as rádios comunitárias 59
Anexos 209
Dados sobre a face tecnológica de uma hipotética crise nas rádios comunitárias. 210
João Paulo Malerba
Carta aberta sobre o futuro das rádios comunitárias em tempos digitais AMARC 222
Brasil
Outros Colaboradores 225
00
Apresentação
E ste livro atravessou muitos corações,
mentes e mãos desde a sua primeira ideia até
merxs usuárixs e/ou consumidorxs de
produtos midiáticos, não mais que isso. O
a publicação. Os pensamentos e práticas aqui grande risco para a sociedade é a perda total
reunidos vão além dxs autorxs que assinam os do controle da infraestrutura comunicacional,
artigos, mas incluem também coletivos de mídia já marcada pela privatização e pela vigilância,
comunitária e livre, pesquisadorxs, jornalistaxs que tem ampliado a desigualdade de poder
e militantes de diversas causas como: a luta e a injustiça na sociedade. Pois é a favor do
pela terra, antivigilância, feminismo, identidade aprofundamento da autonomia, da democracia
cultural, desenvolvimento de tecnologias e das igualdades (racial, sexual, étnica etc.) que
participativas, políticas rurais, direito à cidade, somamos nossos esforços e compartilhamos
sustentabilidade, dentre outras. o forte desejo de fazer mídia de uma forma
libertadora, comprometida e lúdica. Queremos
E o que aglutina esta ampla gama de lutas falar e anunciar fechamento de presídios, e
e agendas? Procurando um denominador não o fechamento de rádios comunitárias!
comum, poderíamos dizer: nossa condição
de comunicadorxs e nossa capacidade de A morte do rádio, historicamente, tem sido
comunicar. Enfrentamos os monopólios anunciada a cada ascensão de uma nova
comerciais de mídia, onde se reproduz tecnologia. Mas nunca aconteceu. Muito menos
um jornalismo cada vez mais excludente, acontecerá nesses tempos digitais. Porém, o
conservador e voltado para os interesses da rádio sempre passou por transformações. É
minoria da população. Vivenciamos também a reinventado e ajustado às demandas e sonhos
ascensão das redes sociais, espaços que vêm dia a dia, desde a Amazônia até Timbuktu. A
possibilitando que as pessoas se manifestem pergunta, então, é: como reforçar o diálogo
e que podem se configurar como um canal com a Internet, a telefonia e redes digitais?
para todas as vozes. Mas, até o momento, Não precisamos especular sobre o “pós-
em se tratando de comunicação em rede, a rádio”. Precisamos organizar uma troca: por
grande maioria das pessoas está se tornando um lado, levar suas potências como o acesso
10
universal, a sua mobilidade e o baixo custo até
outras mídias. Por outro, fazer da radiodifusão
um meio mais dialógico, com novos conteúdos
e formas de se expressar.
Coletivo editorial
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Prefácio
Entradas e saídas para as
rádios comunitárias e livres
em tempos digitais
A s rádios comunitárias e livres surgiram
na América Latina, em meados do século XX,
educação, moradia, terra etc.). Porém, como
justiça social não se faz sem disputa política,
para dar conta de desafios sociais e políticos, um segundo momento das rádios comunitárias
não de desafios tecnológicos. Promover e livres latino-americanas – sem abandonar
alfabetização à distância, lutar por condições suas pautas iniciais – foi abarcar causas mais
dignas de vida, restabelecer a democracia em diretamente ligadas à reconfiguração do poder
contextos ditatoriais: as motivações das rádios em suas comunidades e/ou na vida nacional:
consideradas pioneiras estavam mais ligadas à ativar a consciência crítica da realidade, educar
garantia de direitos sociais básicos (liberdade, a partir de uma pedagogia libertadora, auxiliar
12
na organização de movimentos sociais de base: dois motivos: um de natureza político-social,
gradativamente, elas foram se conformando o outro, econômica. Aquilo que é a verdadeira
em atores políticos mais ou menos autônomos, razão de ser das mídias comunitárias – a
ligados ou não a macroprojetos de sociedade. disputa de ideias – é mais e mais protagonizada
Frente à perseguição do Estado e dos poderes nas redes sociais, listas de emails, através
locais, a tecnologia era mais possibilidade que de celulares, de aplicativos de mensagens
desafio: fechava-se uma rádio aqui, abriam-se instantâneas: as vozes e visões de mundo das
outras duas ou três acolá, incansavelmente: o rádios comunitárias e livres têm que passar
baixo custo, a universalidade e a simplicidade da (também) por aí se quiserem continuar vivas
tecnologia rádio eram (e ainda são) os trunfos nesse novo tecido político-social ou, ao menos,
das rádios comunitárias e livres para garantir dialogar com estes espaços. Acontece que
sua apropriação, penetração e multiplicação não somente os acordos sociais e políticos
popular no campo e nas cidades. É claro passam pela estrutura da rede: ela é hoje a
que a própria (re)existência dessas rádios própria infraestrutura de produção de valor
já anunciava uma reivindicação permanente e riqueza na sociedade. É quando chegamos
(o direito à comunicação) e denunciava uma à natureza econômica da diferença entre as
ausência estrutural (falta de diversidade e rádios comunitárias e livres dos séculos XX e
pluralidade midiática) diretamente ligadas à XXI quanto à questão da disputa tecnológica:
uma questão tecnopolítica (acesso ao espectro o controle da infraestrutura da rede passa a
eletromagnético). Mas seus oponentes eram estar no centro de uma disputa de dimensões
definidos e delimitados mesmo pela disputa gigantescas. Àqueles tradicionais inimigos
política e social: o Estado nacional, que as nacionais, somam-se agora às corporações
fechavam e lhes negava direitos; as oligarquias transnacionais de telecomunicações e blocos/
locais e regionais, que as deslegitimava acordos econômicos que buscam privatizar
socialmente; as empresas nacionais de até a última faixa de frequência do espectro
radiodifusão, em sua ânsia capitalista pelo eletromagnético. Daí que, para as rádios
monopólio e lucro. comunitárias e livres, não basta apenas se
adaptar ou mesmo migrar para a infraestrutura
Em se tratando das rádios comunitárias e da rede: definitivamente, o novo desafio no
livres do século XXI, não seria errado repetir horizonte está em ocupá-la e apropriar-se dos
o que foi dito início do parágrafo anterior: seus códigos e ferramentas, a fim de reverter
a diferença é que, hoje, mais que nunca, os seu rápido processo de privatização.
desafios sociais e políticos não podem mais ser
separados e estão atravessados por disputas Sem dúvida, já sabemos que, historicamente,
tecnológicas. E isso se deve a, pelo menos, as rádios comunitárias e livres (e o próprio
13
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
1
Principalmente em DELEUZE, veículo rádio) atravessaram firmes e, elas e nelas interagir com o sempre mesmo
G.; GUATTARI, F.. Mil Platôs:
capitalismo e esquizofrenia. Rio inclusive, se fortaleceram nas turbulências objetivo último de fazer valer o direito pleno
de Janeiro, Ed. 34, 1995 (v. 1 a 5). tecnológicas: com a chegada do FM, se à comunicação e defender direitos. Nesse
libertaram das escolas radiofônicas católicas sentido, a presente coletânea deve ser
AM em favor da autonomia; com a chegada entendida menos como um mapa do que um
da TV, reafirmaram seu caráter instantâneo conjunto de cartografias das transformações,
e local, tornando-se insubstituíveis nas inovações e desafios das rádios comunitárias
comunidades; com o barateamento dos e livres em tempos digitais. A partir do que
equipamentos, multiplicaram-se de forma foi proposto por Deleuze e Guattari1, se o
exponencial e horizontal, até tornarem-se a mapa busca representar um território, a
forma mais popular e democrática de mídia cartografia quer inventá-lo no momento
comunitária na América Latina. Mas, se em que o esboça. Aliás, esboçar é verbo
sabemos de tudo isso, estamos ainda apenas pertinente por ressaltar o caráter de abertura
tateando os impactos que a comunicação e inacabamento da cartografia, que pode ser
em rede tem para as rádios comunitárias e modificada constantemente, comporta muitas
livres, quais são as respostas que elas já têm entradas e está afeita a múltiplas conexões. A
dado e onde elas têm sido ausentes frente aparência caótica da cartografia vem de sua
às transformações tecnológicas (e políticas) urgência em analisar e acompanhar processos
em curso. A constatação dessa perspectiva em seus efeitos, enquanto saídas possíveis
ativa, dinâmica e também crítica importa na são precariamente esquadrinhadas: uma
medida em que nos impede do equívoco de paisagem que muda no momento em que é
vir a, meramente, enumerar e julgar de forma desenhada, a partir de ângulos distintos. Por
binária (como correta ou errada, fatal ou isso, mesclamos artigos, quadrinhos, análises,
passageira, adequada ou insuficiente etc.) cada gráficos, fotos, entrevistas, seminários
uma daquelas respostas e ausências. Por se transcritos, comentários e relatos de pessoas
tratarem de atores políticos ativos na História, que falam de muitos lugares do mundo, usam
suas respostas são sempre provisórias e diferentes estilos e trazem concordâncias
suas ausências nunca são apocalípticas: elas e controvérsias: em comum, todas vivem
interferem na realidade que as transforma e e sonham diferentes aspectos da luta pela
vice-versa. democracia no ar.
O mesmo deve ser dito sobre as análises Organizado como cartografia, esse
que se seguem: nada imparciais ou livro contém três entradas, consideradas
desinteressadas, elas não se prestam a importantes eixos temáticos para pensarmos
somente catalogar mudanças, mas com os principais desafios e possibilidades
14
apresentados às rádios comunitárias e livres Bravo (Resignificando a tecnologia) demonstra
no contexto das mais recentes mutações que a primeira desmistificação é a de gênero
tecnológicas: Convergências; Redes e espectro; (“Você sabe como consertar um transmissor de
Rádio digital. Elas coincidem com os temas das rádio?!”) e a segunda é convencer que qualquer
três mesas de debate realizadas pelo Programa tecnologia pode ser apre(e)ndida por quem
de Legislação e Direito à Comunicação da quer que seja (como ela, uma antropóloga de
AMARC Brasil, em 2015 e 2016, intituladas formação). Da apropriação do hardware para
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais: a do software, a equatoriana Clara Robayo
suas falas – de especialistas e radialistas (Rádios comunitárias e Software Livre) discute
comunitários, técnicos e ativistas, convidados a urgência do uso de códigos abertos pelos/as
e público – finalizam cada uma das entradas comunicadores/as populares. Ela inicia falando
sem, contudo, fechá-las: sua leitura revela da similaridade de princípios (autonomia,
portas, janelas e túneis subterrâneos entre os horizontalidade, colaboração) entre os dois
três temas. movimentos e de como a intensificação do
diálogo é imprescindível para a promoção de
Logo no primeiro texto da entrada uma comunicação verdadeiramente livre: isso
Convergências, Nils Brock (Convergência significa quebrar as caixas pretas impostas
midiática: a história de uma apropriação popular) pelas corporações de tecnologia, inclusive por
põe em xeque os ufanismos em torno de um razões de segurança e privacidade para atores
processo que tem sido capitaneado pelas sociais sensíveis como as rádios comunitárias
empresas de mídia e de telecomunicações: se, e livres, em frequente embate com os poderes
por enquanto, a maioria tem experimentado estabelecidos. Já a colombiana Cláudia Arango
a convergência midiática como fetiche (Percepções do desenvolvimento de práticas
tecnológico e mais opções de consumo, o sociais e políticas no entorno da radiodifusão
pesquisador alemão conclama que as rádios comunitária e livre na América Latina) parte de um
comunitárias façam uso do seu potencial panorama legal regional para tratar das lutas e
organizativo para que as comunidades conquistas recentes do movimento pelo direito
ocupem todas as demais tecnologias de à comunicação, com foco nos casos brasileiro
comunicação, criando TVs, provedores de e colombiano. Sob uma (até hoje vigente) lei de
Internet e telefonia celular comunitárias. radiodifusão de 1962, as nascentes rádios livres
Porém, a total apropriação das possibilidades e comunitárias brasileiras amargaram anos
da convergência só é possível com uma na “alegalidade” até que uma lei específica
necessária desmistificação e apropriação da surgisse em 1998: suas duras restrições
técnica: a partir de sua experiência com oficinas terminam por desconfigurar a radiodifusão
de manutenção de rádios, a chilena Loreto comunitária no país. Já na Colômbia, apesar
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
de ter a lei mais antiga da região e contar Camila Novaes. A desenhista reagrupa, em duas
com políticas públicas para o setor, as rádios páginas, diferentes meios de comunicação,
comunitárias sobrevivem com dificuldades atividades e formatos, desde a rua até o estúdio
financeiras e num contexto de guerra interna, de transmissão, para demonstrar a riqueza de
no qual, inclusive, podem desempenhar um intersecções e convergências comunicacionais
papel central na (re)construção da paz. O texto possíveis.
do professor Guilherme Figueiredo (Trajetórias,
palavras e silêncios indígenas na “key note” da A segunda, Redes e espectro, é a mais
AMARC) antecede as falas da mesa de debate extensa dentre as três entradas, talvez por
sobre Convergências duplamente, já que tratar da própria infraestrutura (rede) e da
comenta a participação de dois indígenas no base tecnológica (espectro) através das quais
seminário promovido pela AMARC: o texto são realizadas a convergência e a digitalização.
é uma oportunidade para conhecermos a Uma das intenções foi reunir apropriações
experiência da livre Rádio Xibé, da qual eles três criativas das redes e visões inovadoras sobre
participam. Trata-se de uma rádio itinerante o espectro. E, de cara, para quem acha o tema
no coração da Amazônia, que vive a circular por difícil, Luciana Zanotto bolou um infográfico
aldeias, escolas e comunidades das cercanias autoexplicativo para ajudar na leitura dos
da cidade de Tefé, já considerada um polo de debates sobre o espectro. Em seu texto, Bruna
comunicação livre na região: é quando nos Zanolli (Espectros feministas no panorama de
deparamos com outros significados para rádios comunitárias e livres) disseca o espectro
convergência: de culturas, saberes, etnias. a partir de perspectivas feministas que
Nos debates entre os sete convidados da buscam ampliá-lo através dos feminismos:
referida mesa de debate (mais as intervenções uma lógica circular para quebrar uma outra:
e perguntas do público) realizada em Teresina a participação de mulheres nos meios de
são apresentados outros muitos significados comunicação e tecnológicos com a mediação
possíveis e, principalmente, os limites e a referência de homens. O artigo de Thiago
da convergência midiática. Na entrevista Novaes (A Gestão Dinâmica da Esfera Pública e
concedida à jornalista Dilliany Justino o Espectro Livre) trata de uma nova concepção
(Convergência midiática: uma realidade de todas de gestão do espectro: refutando o usual
e todos?), a afro-empreendedora Negra Linda argumento da escassez e da interferência,
fala de lugares onde o rádio analógico é ainda o pesquisador discute a novíssima situação
a principal tecnologia para as convergências. de tecnologias (como rádio cognitivo e
Por fim, uma conclusão pouco comum dessa rádio definido por software) que partem do
primeira entrada é representada no mapa princípio de compartilhamento do espectro
(cartografia?) mental artístico elaborado por eletromagnético para proporcionar sua
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abundância. Tal ocupação eficaz constituiria as apropriação/ desmistificação da tecnologia
bases para um novo paradigma de construção seja condição necessária, não é a única:
da esfera pública, mediada por equipamentos vem antes e é imprescindível o componente
eletrônicos, além de reabrir a discussão sobre organização/ mobilização da comunidade ou
a função do Estado na gestão do espectro. coletivos. Ora, não é outro o chão comum de
Aí, como alternativas, tem-se ouvido falar de todas as mídias comunitárias: a tecnologia que
duas: Espectro Aberto e Espectro Livre, e quem a encarna é somente questão do momento, da
discorre sobre elas é Adriano Belisário (Espectro necessidade e do desejo dos próprios sujeitos
e Vigilância). Ainda que ambas contestem o coletivos envolvidos. É bem isso o que pensa
modelo monopolístico estatal tendo como base o argentino Gui Iribarren (Redes comunitárias,
as novas técnicas de uso do espectro, elas rádios comunitárias) ao afirmar que “rádios e as
partem de lugares políticos distintos: enquanto redes comunitárias, o software livre, a música
o Espectro Aberto tem tido mais amparo dos livre e até os bancos de troca de sementes são
arautos do livre mercado (como modelo de todas expressões diversas da mesma lógica”:
negócio desregulado) e de pesquisas militares ele remonta suas próprias experiências em
(pró-vigilância), a abordagem latino-americana toda a América Latina para demonstrar as
do Espectro Livre tem como foco a autonomia, muitas simbioses possíveis. Uma delas é
a descolonização tecnocultural e o direito à a iniciativa (já considerada emblemática)
comunicação e expressão, normalmente em que viabilizou telefonia celular comunitária
contextos comunitários. Ao final, Belisário para 16 comunidades ao redor do estado de
elenca exemplos de sucesso do Espectro Livre Oaxaca, no México: seu idealizador, Peter
no continente americano e a nossa coletânea Bloom, na entrevista que concedeu à jornalista
mergulha em dois deles, a partir de relatos em Jaqueline Deister (Telefonia comunitária: uma
primeira pessoa: Ana Martina ((Re)Construindo nova possibilidade no setor da comunicação),
redes comunitárias em Motor City, Detroit) declara que sua “maior inspiração partiu da
descreve sua experiência no Detroit Community organização das pessoas para montar suas
Technology Project, com comunidades pobres rádios comunitárias”. E para aquelas que
da cidade estadunidense de mesmo nome, ficaram interessadas em levar a convergência
enquanto Bruno Vianna (mutirão para redes_a midiática ao limite da infraestrutura de
experiência de Fumaça) detalhadamente comunicação, Nils Brock e Marcelo Saldanha
documenta o processo de implantação de (Rádios Comunitárias – potenciais provedores
redes comunitárias (Internet e celular) na de Internet não comerciais) oferecem um
vila de Fumaça, no interior do estado do politicamente contextualizado manual prático
Rio de Janeiro. Das experiências, ela e ele de como se tornar provedores locais de Internet:
chegam a conclusões similares: ainda que a desde informações sobre a infraestrutura
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
troncal de fibra ótica até a previsão do custo O texto da espanhola Miriam Meda Gonzalez
para o usuário final, passando por requisitos (Breves notas sobre a radiodifusão comunitária
legais, equipamentos necessários, modelos e as tecnologias do rádio digital) complementa
de gestão etc. E, finalmente, o último texto o anterior a partir do panorama europeu:
dessa entrada demonstra que a força de no Velho Mundo, a maioria dos países que
um tema está mesmo em sua capacidade de digitalizaram seu rádio escolheu um padrão
gerar dissensos: pesquisadoras/es e ativistas (DAB) que está fora da disputa brasileira, mas
convidadas/os da mesa de debate realizada seus resultados (positivos e negativos) podem
em Campinas convergem e divergem, entre si trazer elementos para nossa escolha. Mais
e com o público, sobre os posicionamentos e insumos traz a jornalista Dilliany Justino (Rádio
(des)caminhos que as mudanças tecnológicas digital e a importância de tecnologias abertas)
impõem às rádios comunitárias e livres do ao entrevistar Fabs Balvedi, professora e
século XXI. pesquisadora em mídias livres, que coloca
como condição a escolha de um padrão aberto e
Enquanto essa coletânea era finalizada, livre para a digitalização do rádio democratizar
recebíamos a notícia sobre o primeiro país em vez de aprofundar a desigualdade de
a desligar o FM analógico2. Mas, enquanto acesso midiático no país. Por fim, vale a pena
a Noruega abraça de vez o digital, por aqui a conferir como todos os detalhes desse tema
decisão sobre o padrão a ser adotado para a interagem na fala dos participantes da última
digitalização do rádio se arrasta há mais de dez mesa de debate, realizada em Olinda. Daquele
anos. O tema da nossa última entrada, Rádio encontro também nasceu a Carta Aberta sobre
digital, levanta tanto possibilidades quanto o Futuro das Rádios Comunitárias em Tempos
dúvidas para as rádios livres e comunitárias. Digitais, em que a AMARC Brasil declara a sua
Rafael Diniz (O Rádio Digital no Brasil) consegue posição frente à digitalização da radiodifusão
dar conta, num texto conciso e claro, dos partindo dos seus princípios institucionais, por
principais pontos a serem considerados na acreditar que essa é a melhor forma de garantir
adoção entre as tecnologias em disputa no e aprofundar a diversidade e a pluralidade na
país, HDRadio ou DRM: a sua escolha por comunicação.
um padrão aberto é embasada por fortes
argumentos políticos e estratégicos (já outra No anexo, João Paulo Malerba (Dados sobre
estratégia política, que tem como base a a face tecnológica de uma hipotética crise nas
defesa ampla de princípios e não de um ou rádios comunitárias) disponibiliza parte dos
outro padrão, pode ser conferida na fala de resultados de sua pesquisa de doutorado
Francesco Diasio, da AMARC Internacional, “Rádios comunitárias no limite: crise na política
mais acima, na mesa sobre Redes e espectro). e disputa pelo comum na era da convergência
18
midiática”, recentemente defendida e em Disponível em http://
2
www1.folha.uol.com.br/
fase de publicação. A partir de dados de uma mercado/2017/01/1849179-
pesquisa quantitativa e outra qualitativa com noruega-e-1-pais-do-mundo-
a-parar-com-transmissoes-de-
cem comunitárias e livres de diversos tipos e radio-em-fm.shtml. Acesso em
de todas as regiões do Brasil, temos acesso a 27 de janeiro de 2017.
19
Entrada 1
Convergência
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Convergência midiática
- a história de uma
apropriação popular
P or que falar de convergência das mídias
no ano de 2017? Não foi esse o conceito que
curtem e compartilham ideias, fotos, matérias
e produtos sem se dar conta de que eles
alimentou as ingênuas utopias tecnológicas há também viraram produtos. Foi também antes
uns dez anos, quando a Internet se apresentou do Wikileaks e de Edward Snowden revelarem
como uma promessa de comunicação para um público mundial o nível de vigilância
democrática “imaculada”, a “rede das redes”, online em curso, para espiar Dilma Rousseff,
onde convergiriam todas as mídias? Certo, isso Petrobras e cada um de nós, em potencial.
foi bem antes de o Facebook e companhia terem
convertido todo mundo em consumidores que Curiosamente, num dos documentos
22
Convergência
secretos publicados por Snowden, aparece se durante muito tempo de dialogar com as 1
Mídia Ninja define-se
como “Uma rede [sic] de
também a ideia da convergência, só que, esta iniciativas sociais que começaram a explorar o comunicadores que produzem
vez, etiquetada como “social”. Ele refere-se potencial de novos meios de comunicação. Em e distribuem informação
em movimento, agindo e
ao preocupante interesse da Agência Nacional consequência, perderam o protagonismo. comunicando.” https://ninja.
de Segurança (NSA), dos Estados Unidos, em oximity.com/partner/ninja/
Os protestos da “Primavera Brasileira”, no about A iniciativa chama atenção
analisar o upload de fotos com um sofisticado pública durante os protestos
processo no qual convergem dezenas de ano de 2013, aconteceram primeiro na rua, sociais do ano 2013. Desde
seguiram pelas transmissões via twitcam da então não deixam de polarizar:
informações sociais sobre um usuário. Ou seja, enquanto alguns elogiam a Mídia
a convergência perdeu toda a sua inocência – Mídia Ninja1 e, somente depois, ganharam Ninja como o novo caminho
espaço nos programas de debate dos canais do jornalismo participativo,
em todos os sentidos. outros acham pretensiosa a
comunitários. Não foi diferente na Espanha, sua ambição de ser o ponto
Porém, é difícil alegar que não haja uma onde num primeiro momento o movimento nefrálgico da mídia livre.
convergência, mesmo que os aplausos tenham dos indignados (15-M) se articulou contra a
sido silenciados. Convergem, por exemplo, política de austeridade do governo, sobretudo
diferentes plataformas midiáticas pertencentes nas redes sociais. Aparentemente era mais
à Rede Globo, para que ninguém escape da um caso para demonstrar aonde terminará
última temporada do BBB (Big Brother Brasil), toda a convergência: em plataformas digitais
um evento que não somente ocorre na TV, comerciais que, por um lado, oferecem
mas também em programas radiofônicos, no participação e uma convergência midiática,
impresso, em portais online, hotsites, tweets, mas, pelo outro, controlam os meios de
postagens ou mensagens tipo push. Esse produção, como proprietários ou mediante
“grande irmão” onipresente, filho da Globo, normas e regras impostas unilateralmente. Um
talvez cause ainda mais medo que a NSA, exemplo disso são as fotos “bloqueadas” pelo
porque demonstra o grau de uma propriedade Facebook. Por que uma mulher amamentando
cruzada, insana, algo que o pesquisador dos o seu filho é considerado “inapropriado”?
impérios de comunicação, Tim Wu, chama de
“super monopólios”, que penetram e dominam A distopia parece ser perfeita. Mas
diferentes mercados com o potencial de ficar igualmente existe uma convergência na
nesta cômoda posição por décadas. “contramão” e não somente em nichos de
aficionados por tecnologia. Na Espanha, o
Sabemos que a comunicação não é um produto candidato à presidência do partido da esquerda
de varejo. E deixar a convergência tecnológica Podemos, Pablo Iglesias, ganhou força através
e cultural nas mãos da mídia comercial, da sua participação histórica no programa
empresas de telecomunicação e serviços diário La Tuerka (a porca), emitido desde 2010
secretos será um grande erro. As rádios e por duas emissoras de TVs independentes
TVs comunitárias, por exemplo, esqueceram- e difundidas depois, com muito sucesso, na
23
Convergência
Internet. Podemos, formado apenas no ano de Afinal, com a sua infraestrutura (estúdios, Para mais informações: http://
amarcbrasil.org/amarc-brasil-
2014, hoje é a terceira força parlamentar do antenas, computadores), as rádios serão realiza-seminario-sobre-
país. um ponto de partida muito interessante, não convergencias-midiaticas-no-
piaui/
somente para a digitalização da radiodifusão, Uma versão abreviada foi
Também no Brasil, a mídia independente atua mas também para a exploração de mais meios publicada no Jornal Brasil de
num papel importante para dar novos impulsos de comunicação que possam ser organizados Fato no dia 14 de março de 2016:
https://www.brasildefato.com.
ao debate político. Milhares de rádios livres e pelas comunidades, iniciando uma verdadeira br/node/34427/
comunitárias ampliaram o seu alcance com democratização da comunicação: TV
páginas na web e transmissões ao vivo online. comunitária, Internet comunitária, Telefonia
São práticas emergentes ainda em busca de celular comunitária. Tudo isto já existe e é hora
ampliar a audiência, mas são fundamentais de se apropriar destas possibilidades.
para estimular uma convergência midiática
participativa, baseadas em necessidades e
ideias de comunidades específicas e não em
análises de mercado.
25
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
26
Convergência
Negra Linda: Eu conheci o rádio através de quilombola, as pessoas têm o seu rádio e elas
um projeto chamado “Fala Juventude” nas acabam sabendo o que acontece através do
escolas, em 2002. O objetivo era despertar o rádio. Você chega na comunidade ribeirinha,
uso da comunicação, o uso do rádio na escola, que aqui tem comunidade quilombola e
e eu fui selecionada a participar do projeto e foi ribeirinha, tem rádio na casa das pessoas
quando eu conheci o rádio e me apaixonei. É da comunidade, quem faz a farinha, quem é
meio difícil sair do rádio depois que tu é picado pescador, quem é desse mundo usa o rádio. De
pelo bichinho do rádio. Eu vim pra uma outra repente, não sei se no Sul, no Sudeste o rádio
vertente, por ser mãe, por ser mulher, por ser tem essa mesma necessidade, essa mesma
ativista, mas o rádio é uma ferramenta que presença, mas aqui no estado do Amapá, no
ajuda a fazer divulgação dos trabalhos que a interior, nas comunidades, as pessoas que
gente tem, das lutas que a gente abraça no dia moram afastadas têm uma comunicação muito
a dia, das experiências, na verdade. grande, uma ligação muito grande com o rádio.
O rádio acaba sendo amigo das pessoas. E, às
Pulsar: Para você, qual a importância da vezes, a gente chega numa comunidade e a
comunicação, do rádio, para o fortalecimento pessoa sabe exatamente tudo que aconteceu
da identidade cultural de um povo? no programa de rádio, sabe o dia da vacina,
sabe o dia da consulta, sabe o dia que vai ter
Negra Linda: O rádio é instantâneo, o rádio
uma chamada escolar, sabe tudo. Então o rádio
entra em lugares onde a internet não entra,
aqui, onde eu moro, pra fortalecer a identidade,
onde não tem Wi-Fi, onde não tem WhatsApp.
pra contribuir no dia a dia, pra entreter, ele é
Às vezes, você vai na casa de farinha dentro de
uma figura presente e importante. Eu acredito
uma comunidade e o rádio está lá, acompanha
que por mais que a internet vá se modernizar
tudo que acontece na cidade, no mundo.
cada vez mais, que o acesso seja cada vez
Apesar de o mundo estar muito moderno,
mais forte na vida aqui, na capital, o rádio na
pra gente que vive aqui na Amazônia o rádio
Amazônia, aqui no Norte, ele tem uma raiz,
é primordial pra essa comunicação, pra essa
uma ligação muito forte com as pessoas.
troca de conhecimento e esse fortalecimento
da identidade. Às vezes, quem está no meio do Pulsar: Então, mesmo nos dias hoje, o rádio
mato não tem noção do que está acontecendo continua sendo muito mais importante que a
aqui na cidade, das questões políticas, das internet na Amazônia?
questões econômicas, mas o rádio consegue
levar pra essas pessoas informações super Negra Linda: Com certeza. Aqui, por
importantes, por exemplo, de saúde, educação, exemplo, pra chegar nas comunidades, ou você
de comunicação, de troca, de encontro. Aqui, vai de canoa, ou de barquinho, ou pela estrada
onde eu vivo, o rádio chega na comunidade de chão. Aí você chega numa comunidade
27
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
quilombola, todo mundo tem seu radinho, prol desse fortalecimento da nossa identidade,
eles sabem quem são os apresentadores, eles e desse cuidado com a ancestralidade através
sabem quem são as pessoas que atendem disso. No momento que as pessoas falam,
o telefone, eles sabem os assuntos que são no momento que as pessoas comunicam, no
tratados, eles perguntam: mas aquela situação momento que as pessoas divulgam, a gente
que a gente escutou no rádio é verdade mesmo? está trabalhando especificamente pra nós, a
Então, o rádio é muito presente na nossa população negra, mas está trabalhando com
realidade por conta de como nós convivemos as pessoas que não têm conhecimento, na
aqui, como nós nos comunicamos, como nós verdade, do que é essa ancestralidade. Além
chegamos às áreas mais distantes. Isso não de ser essa energia maravilhosa, além de
é uma realidade só aqui do Amapá, é uma ser fruto de lutas e lutas, nós sabemos que
realidade da Amazônia como um todo. O nosso vamos morrer, outras pessoas vão vir e ela
sistema aqui de convivência, de comunicação, vai estar presente, algumas pessoas não têm
ele é feito muito, muito mesmo por rádio. noção disso. Nem todo mundo conhece a nossa
história, nem todo mundo conhece a nossa
Pulsar: Você acredita que os meios de luta. Então o rádio, por ser de fácil acesso, por
comunicação são importantes para fortalecer ser instantâneo, por mexer com a imaginação,
a questão da ancestralidade nas comunidades ele tem um papel que a gente diz aqui que, com
quilombolas? certeza, é fundamental pro cuidado específico
da nossa ancestralidade e, automaticamente,
Negra Linda: Pelo menos aqui no Amapá, nós
da nossa identidade, da nossa luta, da nossa
tínhamos um programa chamado “Tambores
resistência, da nossa sabedoria, o nosso saber,
do Meio do Mundo”, ele era um programa
o nosso fazer, o nosso ser população negra em
específico pra essa população. As pessoas
pleno século XXI, enfrentando cada vez mais a
conseguem compreender hoje a realidade
questão do racismo, a questão do preconceito,
da população quilombola, da população de
a questão da exclusão. Sem a ancestralidade
terreiro, das mulheres negras. Existem dados
nós não conseguiríamos ter essa organização,
que mostram que a nossa população negra
essa estrutura, essa postura política que a
tem, sim, dificuldade de acesso e esse acesso,
gente tem no dia de hoje.
essa luta toda por acesso, ela é ancestral,
ela não começou hoje, ninguém acordou hoje Pulsar: Com a falta de representatividade de
de manhã e disse “vamos lutar”, essa luta boa parte da nossa população na grande mídia,
vem acontecendo há muito tempo. Então, o você acredita que as rádios comunitárias são
nosso povo consegue se fortalecer através do importantes no sentido de preservar essa
rádio? Consegue sim. As pessoas acabam se identidade?
comunicando e sabendo do que acontece em
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Convergência
Negra Linda: Verdade, não tem mesmo. É não é vista no eixo Sul, Sudeste, aqui, na região
muito bom pautar esse assunto porque a gente Norte, o rádio acaba sendo parceiro.
está acostumado com Sul e Sudeste, e o povo
esquece Norte e Nordeste, principalmente Pulsar: E qual é a relação dessas comunidades
a Amazônia. A mídia livre, a comunicação com os outros meios de comunicação?
comunitária, ela é feita através da população, da Negra Linda: Aqui a gente tem o acesso à
própria comunidade, ela tem uma importância internet, WhatsApp, Facebook, às redes sociais
porque não deixa morrer isso tudo. A grande como um todo, e Wi-Fi na capital e alguns
mídia pode vir e abafar, encher a cabeça municípios. Aqui, no Amapá, por exemplo,
da gente com as coisas que eles querem, nós temos 124 comunidades quilombolas,
que o mercado pede, que é o que vende, é o nem todas as comunidades têm a questão
que eles precisam, que o capitalismo, na da telefonia, nem todas as comunidades têm
verdade, impõe, mas a comunicação popular acesso à internet, então as pessoas têm que
e comunitária ela tem um papel muito bacana vir pra capital pra ter acesso. É por isso que
porque ela sai desse eixo e ela vai pro dia a dia quando eu digo que o rádio aqui é importante,
das pessoas, ela consegue mostrar a realidade, é que o rádio, além de ser um parceiro antigo, é
coisas que a gente não vê na televisão e escuta de fácil acesso pra gente aqui, as comunidades
nas rádios comunitárias, músicas que a gente conseguem utilizar o rádio muito mais do que
não vê na grande mídia e a gente escuta na a internet. A gente está numa capital, mas ao
rádio comunitária, assuntos que a gente redor dessa capital tem um povo que só tem
não vê na grande mídia, a gente vê na rádio acesso à internet quando vai pra cidade. Em
comunitária. E essa liberdade que a gente tem
relação às outras tecnologias, o rádio aqui
na comunicação popular e comunitária, de falar ainda é vencedor.
de assuntos que são nossos e do nosso jeito é
muito importante. A gente tem um universo
que é muito nosso e que a grande mídia não vai
conseguir mostrar, mas com o rádio a gente
consegue isso, e nem precisa mostrar com
imagens, é mostrar de uma forma que entre
na cabeça das pessoas, vai pro coração, vai Dilliany Justino
é jornalista formada pela
pra alma e as pessoas conseguem entender e Universidade Federal
respeitar. E acaba ajudando na transformação. Fluminense. Ela vai da fotografia
Comunicação é uma palavra muito pertinho de ao rádio, sempre com foco nos
direitos humanos. Atualmente,
transformação. Então o rádio pra gente que faz parte da equipe da Agência
tem o dia a dia, que tem uma realidade que Informativa Pulsar Brasil.
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Resignificando a
tecnologia
"V ocê sabe como consertar um
transmissor de rádio?” Essa é a pergunta
ver se é verdade”. O que me incomoda na
pergunta é que, logo depois, eu tenho que
típica que me fazem, em tom de surpresa e provar que sou capaz.
descrença, quando eu chego em uma rádio
comunitária para consertar o equipamento. Claro que é fácil para mim. Basta começar
Mas não é a pergunta que me incomoda, e sim a fazer algumas perguntas sobre as
o tom, e, principalmente, a expressão em seus possíveis causas da quebra do transmissor e,
rostos. imediatamente, a situação se reverte.
Geralmente, as mulheres expressam alegria Os homens percebem que eles não sabem
e curiosidade quando me veem chegando com responder e as mulheres começam a relatar
as minhas ferramentas e minha segurança, acontecimentos isolados, que parecem não
enquanto os homens fazem cara de dúvida, ter importância, mas acabam sendo mais
sobretudo com uma atitude desafiante “para precisas: “Naquele dia, choveu durante a
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Convergência
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Convergência
de 8 Watts que cobriam cidades inteiras, com projetar como mulher capaz de viver do que Trata-se da Oaxaca Women
1
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Ilustração: Camila Novaes
Texto: Nils Brock
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Rádios comunitárias
e Software Livre
Nós quisemos propor espaços pra escutar e conversar; e isso
nos permitiu a rádio1.
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Convergência
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
não incorporaram as pessoas como parte da a comunicação seja um direito que possa ser
construção das notícias, vendo-as como um exercido sem ter que pedir licença.
mero número no seu ranking de audiência.
No Software Livre se fala de comunidade.
Fala-se que a Internet permite que mais “Não nos liberamos sozinhos, o fazemos com
pessoas participem e alguns portais pedem ao a comunidade” afirmou Juan Pablo Gayá, da
usuário que compartilhe suas opiniões pelas Radio Cuyum, da Argentina; já Xavier Macas,
redes sociais, que mande suas fotos ou que produtor da Flacso Radio, falou de se sentir
baixe seus conteúdos. Que diferença tem isto como numa família.
com a possibilidade de telefonar para algum
meio de comunicação tradicional, enviar–lhe O Software Livre forma uma grande família,
cartas ou mensagens? Onde está a verdadeira composta por muitas redes de trabalho
participação da audiência? coletivo: uns criam os programas e outras
pessoas os usam, outros fazem tutoriais e,
A fortaleza do Software Livre é a claro, os comunicadores e jornalistas são os
que os difundem.
comunidade
A sociedade não está composta de fontes
Na internet as pessoas são chamadas
e, sim, de pessoas criativas que podem
de usuários, quer dizer, alguém que usa
contribuir. A comunidade de radialistas do
informação. Outros autores já falam do termo
Software Livre não é quem usa um ou outro
prosumidores, que consomem-produzem
programa, não são técnicos. São os que lutam
o conteúdo. Porém, ainda que o meio de
por democratizar o discurso.
comunicação tenha uma página web ou redes
sociais, isso não democratiza a participação. Santiago Garcia, coordenador de Radios
Isso acontece quando se permite que mais Libres – um projeto de Radialistas Apasionadas
vozes participem na construção do conteúdo. y Apasionados, um espaço de formação e
Os meios comunitários fazem isso, como os de debate em torno das tecnologias e da
que existem em muitos cantos da América cultura livre – explicou que a democratização
Latina, e um exemplo disso é a Wambra Radio. da comunicação começa pela prática da
É uma rádio comunitária feita por jovens em comunicação livre. Começa pela defesa dos
Quito, Equador, que, como diz Jorge Cano, bens comuns digitais: o espectro radioelétrico,
estão pesquisando como implementar o que está privatizado ao longo de toda a América
pensamento livre no seu ambiente. Falam Latina.
em estabelecer pontes entre as diferentes
atuações das organizações sociais do país. Um exemplo claro disso é El Salvador.
Por sua vez, estão na luta constante para que No ano de 2016, reformou-se a Lei de
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Convergência
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Convergência
Seu correio eletrônico também pode cifra- tradicional, pensam a comunicação desde 2
http://rafael.bonifaz.ec/
blog/2013/10/encriptar-correos-
lo com um sistema de senhas. Rafael Bonifaz, a sociedade. Envolvem a audiência/ouvintes con-pgp/
ativista do Software Livre, explica o processo em todos os seus processos de produção
passo a passo de como aproveitar o sistema de conteúdo, desde levantar dados sobre os
GPG, para cifrar a comunicação:2 problemas com as pessoas de seu bairro.
Percebem a Internet como uma ferramenta,
O mais importante é gerar senhas seguras. não como a única fonte de conteúdo. Protegem
Uma boa senha é longa, tem número, suas comunicações com ferramentas livres de
caracteres especiais, maiúscula. O melhor é segurança digital.
criar senhas que não tenham nada a ver com
você. Nunca escrever a data de seu aniversário As rádios comunitárias são os meios
ou o seu nome, por exemplo. de comunicação que mais lutaram pela
democratização da terra, do ar, da água, dos
Para o radialista comunitário, existe uma bens comuns; é hora de que, no terreno digital,
alternativa perfeita: EterTics/GNU. Esta os meios comunitários, as organizações e a
distribuição pode ser baixada da internet e vem sociedade em geral exijam a democratização
com todas as ferramentas para fazer rádio da tecnologia para, assim, promover o fluxo
de um jeito seguro, além de contar com uma constante do conhecimento.
comunidade grande muito ativa que resolverá
qualquer problema que você tenha. No seu
portal, liberaturadio.org, você encontrará
uma lista de tutoriais sobre:
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
por Claudia
Nuñez Arango
Percepções do desenvolvimento
de práticas sociais e políticas
no entorno da radiodifusão
comunitária e livre na América Latina
N ós, que estamos na mobilização social
pelo Direito à comunicação e a Liberdade de
A consciência social impulsionada pela
força arbitrária dos monopólios econômicos
Expressão, reconhecemos que é a própria e políticos empurra os pequenos grupos
força das pessoas que potencia e motiva os sociais à mobilização pela reivindicação
diversos desenvolvimentos comunicativos. de seus direitos. A concepção das políticas
As comunidades e os grupos organizados são locais e a articulação de uma continental têm
produtores de práticas que nascem do desejo uma interessante interferência na forma de
por alcançar algum ideal social que lhes inclua construir coletivamente uma nova visão de
ou lhes permita construir outros mundos comunicação, inclusive, e isso está se refletindo
possíveis. no movimento pelas rádios comunitárias e
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Convergência
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Convergência
da mídia é o marco para um novo modelo vigor até hoje enquanto foram feitas mudanças 4
Um dos pontos mais
destacados está o combate
constitucional no qual a sociedade civil seria significativas. Essa lei basicamente restringe e ao monopólio através de
chamada para fazer parte. O objetivo é a controla o uso do espectro, onde viaja qualquer uma proposta na Argentina
(sendo esta uma das mais
ativação de práticas autônomas, a promoção da tipo de sinal codificado de mensagens escritas, destacadas) que dispõe que
liberdade de expressão, o direito à comunicação imagens, sons ou outras informações, e nenhum operador poderá
prestar serviços a mais de
e à informação usando a linguagem adequada favorece aos meios privados donos de grandes 35% da população, tampouco
para motivar as comunidades ou grupos para orçamentos para transmitir informações gerar concessões por mais de
dez anos e, além do mais, deve
se organizar politicamente. dentro do território nacional. ser reservado 33% dos sinais
radioelétricos, em todas as
Considerando todo o impulso criativo O efeito de todo este impedimento é faixas de radiodifusão, para as
organizações sem fins de lucro
dentro das produções radiofonias, tanto as simplesmente a desobediência. No caso das e onde os povos originários
rádios comunitárias indígenas, dos bairros, rádios, no início dos anos 80, foram capazes possuem do direito a uma
faixa do AM, FM e de televisão
de estudantes, experimentais, entre outros, de organizar-se clandestinamente, graças a aberta, bem como universidades
criaram outras formas de fazer rádio, mas facilidade para obter e construir equipamentos públicas.
também levaram o modelo de negócio às econômicos e, além disso, graças a
comunidades e isso será um desafio para articulações que ocorreram entre a sociedade,
a construção de outras rádios em outros bem como com a universidade, o que gerou
mundos possíveis, como vamos entender mais um grande movimento de radialistas livres,
para frente. que nasceu com força. Depois de um tempo a
opinião pública os colocou como criminosos e
Atualmente, temos uma riqueza de começaram a ser perseguidos pelo governo.
experiências de democratização dos meios Nós as conhecemos hoje como rádios livres.
de comunicação e, ao mesmo tempo,
as consequências do modelo imposto à No Brasil, isto deu origem à lei 9612, no
comunicação em geral. Os efeitos em médio ano 1998, para a radiodifusão comunitária na
prazo têm sido muito importantes e nos deixam banda FM como uma forma de inclusão, mas
um legado de boas e más práticas dentro das também de controle e punição. Na prática,
organizações e grupos de rádio. esta lei colocou as rádios comunitárias dentro
do espaço dos meios de comunicação, mas não
Experiências como a da Colômbia ou do lhes deu força para garantir a conformidade
Brasil, duas histórias bem diferentes quanto com as necessidades das comunidades e
à aplicação das suas leis para a comunicação, organizações. A lei botou todos os jogadores do
levam-nos à mesma pergunta: o que é ou o que espectro dentro de um local de desigualdade
queremos fazer para manter vivo o rádio? e em uma relação assimétrica que obrigou
No Brasil à legislação criada para as os mais “fracos” em termos econômicos a
telecomunicações em 1962 ainda está em procurar diferentes maneiras para manter uma
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Convergência
concessão – isso sem contar que a lei também foi possível reduzir o número de requisitos
regula o uso de equipamentos e da potência para obter uma concessão, isto é, menos
de transmissão, custos elevados para muitas burocracia. As práticas radialistas não
comunidades nas quais existem necessidades esperam, elas continuam a trabalhar apesar
fundamentais que, como a água ou a saúde, da criminalização das emissoras e do confisco
são quase impossíveis de sustentar. de aparelhos de transmissão. Os grupos são
organizados para manter as informações
A consequência deste tipo de regulação é ativas e a rede é grande. O próprio FNDC
desconfigurar a expressividade e o caráter (Frente Parlamentar pela Liberdade de
genuíno da rádio comunitária, pois muitas são Expressão e o Direito à Comunicação com
forçadas a desistir de suas concessões frente Participação Popular), organizações como
a ordens religiosas e políticas que pagam a AMARC-Brasil e outros grupos ativistas
para pautá-las. Isso descarateriza o sentido estão constantemente organizando a rede e
comunitário, cultural e educacional da rádio debatendo uma representação democrática da
tornando-as semelhantes às comercias. sociedade brasileira dentro das áreas políticas.
Outra questão que dificulta o exercício, Por outro lado, a Colômbia, com a sua lei
mas que também propicia a ilegalidade na 1447, nascida em 1995, foi pioneira na América
radiodifusão é o atraso na burocracia para Latina ao propor reconhecer e conceder
aceder uma outorga e em outros sentidos. licenças a estações de rádio, até aqueles dias,
A possibilidade de usar apenas 25 watts de consideradas “piratas” ou “ilegais”, apesar
potência para funcionar basicamente num raio de estarem desenvolvendo um trabalho de
de 1 km em territórios extensos e acidentados comunicação nas comunidades. O plano técnico
geograficamente é limitante. nacional de radiodifusão, que regula o espectro
A forma de exercer controle sobre de radiofrequências e faz classificação do
as “pequenas” radiodifusoras, que são uso do mesmo, no âmbito das disposições do
estigmatizadas como criminosas, denota uma Ministério da Tecnologia da Informação e das
carga violenta nesta disputa pelo espectro. Comunicações da Colômbia, que, por sua vez,
Os movimentos sociais e vários grupos se regula o sistema de meios de comunicação
organizaram para que uma revisão desta públicos, tem um capítulo especial que se
legislação por parte do governo brasileiro dedica a regulação do espectro radioelétrico
seja feita. Tem sido uma tarefa complexa para rádios comunitárias em todo o território
e que tem tido pouca resposta. O processo nacional.
avança a passos lentos, no entanto, foram A lei prevê a utilização do espectro, a banda,
ganhas pequenas batalhas. Por exemplo, as normas técnicas para o equipamento
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Convergência
countries/americas/colombia/
que surgem após da assinatura do acordo final, peças educativas para comunicar o conteúdo report-colombia/
como o acesso aos meios de comunicação e do acordo final durante seis meses através da 7
http://static.iris.net.co/semana/
upload/documents/acuerdo-
prontamente a criação de novos espaços para mídia institucional (rádio e televisão) e um ano final-con-las-farc.pdf
dar acesso na mídia aos partidos e movimentos extra para a divulgação e a pedagogia do início 8
2.3.8 Criação de um novo
sociais8. da implementação do acordo final. A Comissão espaço para dar acesso midiático
a partidos e movimentos
de Acompanhamento, Verificação e Resolução político como complemento
Uma estratégia de comunicação será lançada de Diferencias -CSVR- coordenará de maneira ao acordado no marco dos
para promover os acordos de substituição e expedita a ativação de 31 estações de FM
pontos 2.2 e 2.3 sobre acesso
a meios para organizações
motivar as comunidades a construir confiança para que operem no interesse público para e movimentos sociais e para
para participar nos processos de construção apoiar o ensino dos acordos. Uma vez que seja
partidos e movimentos políticos,
respectivamente, o Governo
conjunta aos planos integrais municipais e finalizado o processo de abandono de armas e se compromete a habilitar um
comunitários de substituição, que devem entre em operação ECOMÚN, as 31 estações
canal institucional de televisão
fechada orientado aos partidos
contribuir para melhorar as condições de vida serão geridas por esta cooperativa10. e movimentos personalidade
e do bem viver e uma solução definitiva para jurídica, para a divulgação de
suas plataformas políticas,
o problema de cultivos ilícitos; bem como A base deste ponto sobre a participação no marco do respeito pelas
para destacar o compromisso do Governo democrática, incluindo os meios de ideias e diferenças. Esse
canal também servirá para
e as FARC-EP a contribuir e apoiar esta comunicação, especialmente os comunitários, a divulgação do trabalho das
finalidade. A propagação do PNIS (Programa é a garantia de compreensão deste acordo organizações e movimentos
sociais, para a promoção de
Nacional Integral de Substituição de Cultivos que, por sua vez, permite tanto que a uma cultura democrática de
Ilícitos) e dos mecanismos de participação sociedade civil como o governo garanta a paz e reconciliação e de valores
não sexistas e de respeito ao
comunitárias nas diferentes fases será feita aplicabilidade dos pontos dentro do que foi direito das mulheres a uma
diretamente através de reuniões comunitárias chamado de pós-conflito. Muitos coletivos vida livre de violências, assim
como a divulgação dos avanços
e, indiretamente, através dos meios de de meios de comunicação comunitários, na implementação dos planos e
comunicação, especialmente a mídia local e os jornalistas, mídia em geral foram convocados programas acordados no marco
deste Acordo.
comunitários9. pelo governo para ser parte do processo e 9
http://static.iris.net.co/semana/
garantir a sustentabilidade em longo prazo, upload/documents/acuerdo-
Como ferramentas de divulgação e mas é certamente um convite a repensar as final-con-las-farc.pdf. (p. 102).
comunicação, o rádio desempenha um políticas públicas de comunicação dentro do 10
http://static.iris.net.co/
papel fundamental no que diz respeito “cartel de desinformação” que tem colocado
semana/upload/documents/
acuerdo-final-con-las-farc.pdf
a gerar confiança e credibilidade frente a opinião pública contra este processo, com (p. 191).
ao Acordo Final. O Governo Nacional e informações diferentes ao acordado entre os
as FARC-EP concordaram quanto ao dois atores do conflito dentro do processo de
estabelecimento de um sistema Conjunto de diálogo. A inclusão de meios de comunicação
Comunicações e Pedagogia do Acordo Final alternativos é uma garantia necessária para
49
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
lidar com o desaparecimento dos jornalistas e chegando com tecnologias que não têm rádio
estigmatização do trabalho comunicativo. em sua forma convencional, mas eles podem
oferecer aplicativos que nos permitem colocar
Cada uma dessas legislações confirma as pautas comunitárias em rede.
a dificuldade das comunidades para a
comunicação a partir da perspectiva dos Finalmente, é considerável que a integração
direitos humanos como política de meios de entre as nações para trabalhar como uma rede
comunicação. Expressar os seus desejos, de apoio envolve um desafio ao pensamento e
interesses, informar sobre questões locais, a ação para promover o seu trabalho. Os novos
exteriorizar a sua língua e saberes é a luz que dá espaços de radiodifusão estão lá, nascem de
vida ao processo e aos meios de comunicação todas estas pistas e nos ajudam a fortalecer
como um espaço para a realização, a criação e o movimento entre as rádios comunitárias
difusão de todos os valores locais. e livres no cenário complexo de violação de
direitos. O dever de todos os que compõem
A organização política move todas essas essa rede de desejos, necessidades e sonhos
histórias de vida que conduzem a luta pela é produzir um novo panorama para os dias que
comunicação, mas, paralelamente, deve fluir chegam.
a produção e a criação de outras formas de
fazer e ouvir rádio. Outras aptidões e outras
artes devem ser integradas no processo da
radiodifusão, encontrando a estética própria
para ser colocada dentro desse processo
político.
A convergência dos meios de comunicação
na era da Internet é uma discussão que
deve estar dentro desse movimento. Não
se pode fechar a possibilidade de colocar o Claudia Nuñez Arango
é Colombiana, mestre em
rádio em plataformas em rede, comercias Educação, Comunicação e
ou não comercias, principalmente porque o Cultura pela Universidade
que faz forte um movimento de rádios são, do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e pesquisadora sobre
precisamente, a interação e a convergência rádios comunitárias e livres na
midiática para compartilhar informações América Latina. Atualmente,
com o resto do mundo. As pessoas devem está desenvolvendo pesquisas
e trabalhos práticos em
compartilhar ao máximo as informações e arte sonora para Escola
se fortalecer, os telefones inteligentes estão de Artes Visuais no Rio de
Janeiro e na Rádio Mutirão.
50
Convergência
por guilherme
gitahy de Figueiredo
(Rádio Xibé)
Trajetórias, palavras
e silêncios indígenas na
"key note" da AMARC
“Nossas festas são o movimento da agulha que serve para
ligar as partes do telhado de palha, para que haja um único teto,
uma única palavra”
Nova-Caledônia – Melanésia (MAUSS, 2003)
51
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
falho”, pois nela os indígenas não estariam lado de assembleias e viagens de barco em
na nota chave, e sim antes dela e realizariam que as lideranças visitavam as aldeias ao
um ritual. Felizmente, a falha foi corrigida a longo de extensas áreas) para a ampliação
tempo e tanto as falas quanto o ritual indígena do espaço de articulação do movimento. Ele
foram anunciados como parte da key note. contribuiu para a afirmação de uma nova
As diferenças culturais não entraram no camada de lideranças indígenas “geralmente
evento como enfeite exótico, e sim pautando mais jovem, que dominava mais a língua
a sua comunicação. Os indígenas e mãe Beth portuguesa e claro que estava próxima da
afinaram o Seminário com palavras, ritual cidade de Tefé, da coordenação do Movimento
miranha, canto ticuna e batucada de coco Indígena e da própria Pastoral Indigenista”
de umbigada: mídias e linguagens de um (MACIEL, 2009, p. 122-3). Com o tempo, essas
Brasil nem sempre lembrado convergiram lideranças passaram a dominar as técnicas
no palco da AMARC2. Este texto é uma breve de programação da rádio e assumiram o
apresentação da metade amazonense desta programa.
nova afinação: os indígenas da rádio Xibé, rádio
livre criada em 2006 na cidade de Tefé (AM), Sílvio chegou a Tefé em 2002, vindo da
localizada no curso médio do rio Solimões. aldeia ticuna Porto Cordeirinho do município
de Benjamin Constant, no Alto Solimões. Em
O movimento indígena do Médio Solimões 2004, num contexto de refluxo do movimento da
tem uma longa experiência com o rádio. No década anterior, fundou a Associação Cultural
começo dos anos 1980, a Pastoral Indigenista do Médio Solimões e Afluentes (ACPIMSA),
de Tefé criou o programa “A Voz do Parente” que passou a atuar sobretudo nas quatro
na rádio Educação Rural de Tefé, emissora AM aldeias da Terra Indígena Barreira da Missão.
fundada em 1963 pela Prelazia de Tefé para Em entrevista concedida em 18/11/2007 ao
promover a evangelização e o Movimento de Centro de Mídia Independente de Tefé, Sílvio
Educação de Base que, nessa região, durou afirmou que a Associação buscava fortalecer
cerca de 40 anos. O programa indigenista ia ao as lideranças locais que não se sentiam
ar uma vez por semana e, durante 30 minutos, representadas pelas lideranças regionais:
apresentava músicas, notícias da mídia
relacionadas com a questão indígena, histórias Sua visão, hoje, é de caminhar a comunidade
e mitos, entrevistas e pronunciamentos com suas próprias pernas, com seus próprios
das lideranças indígenas, dramatizações pés. Porque havia pessoas, às vezes, que
e avisos para as aldeias. Segundo Maciel queriam dizer que a comunidade não tinha
(2009), na década de 1990 o programa foi representatividade. Porque, às vezes, eles
uma das ferramentas mais importantes (ao querem representar: uma pessoa dizia “deixa que
eu represento sua comunidade”. Hoje, não. Hoje,
52
Convergência
têm lideranças próprias e vão buscar sua própria show, a rádio pra estar divulgando diretamente. É 2
A notícia dessa abertura
está disponível em: http://
autonomia. Às vezes, já têm liberdade para ir uma coisa muito importante pra nós” (Entrevista xibe.radiolivre.org/content/
falar com uma autoridade, políticos, vereadores do CMI-Tefé com Sílvio Almeida Bastos, ind%C3%ADgenas-da-
xib%C3%A9-abrem-
ou outras autoridades eclesiásticas da cidade. 18/11/2007). Nos últimos nove anos, Sílvio tem semin%C3%A1rio-da-amarc-
Então, isso é uma coisa muito importante para participado das reuniões do coletivo da Xibé e em-teresina. Consultado em:
09/10/2016.
nós, da Associação, que estamos trabalhando ajudou a instalar a rádio livre na universidade. 3
Entrevista publicada em: http://
para que tenham mais o seu valor, resgatar Sua participação mais intensa tem sido voltada prod.midiaindependente.org/
todos seus valores. Porque muita gente diz que à articulação para levar as oficinas de rádio pt/blue/2007/11/403905.shtml.
Acesso em: 15/08/2016.
nós, indígenas, não temos nossos valores. Mas, livre para inúmeras aldeias, assembleias e 4
O projeto A Nave Vai foi uma
entre nós, se não dermos valor a nós mesmos, festas indígenas. Ajudou a aproximar a Xibé expedição composta por 12
vai ser difícil termos valor. Então, em termos da AMARC quando participou do projeto A comunicadores, quase todos
indígenas, de três países, que
disso aí que eu entrei com as lideranças, para Nave Vai4 em 2015 e, em 2016, se uniu à rádio saiu de Quito, em abril de 2015,
eles enxergarem que eles também têm valor, Gralha5 na realização de oficinas de rádio livre no Equador, e atravessou o Peru
e o Brasil até chegar a Tefé,
eles têm seu direito de adquirir tudo aquilo que entre povos indígenas do Paraná. em maio. Nocaminho, o grupo
as comunidades precisam (Entrevista do CMI- foi apresentando e conhecendo
Tefé com Sílvio Almeida Bastos, 18/11/2007)3. A família de Jonas é originária da aldeia as comunidades, regiões,
projetos de mídia e problemas
Benezer, município de Maraã. Bem mais socioambientais enfrentados
Através da ACPIMSA e de outras associações jovem que Sílvio, Jonas começou a participar pelos participantes da viagem,
já que foi possível passar pelas
formadas depois, Sílvio contribuiu, sobretudo, do movimento de rádios livres de Tefé em localidades de quase todos
para o desenvolvimento de projetos e lutas 2014, quando o mesmo estava promovendo eles. O projeto foi facilitado
por AMARC-Brasil, Instituto de
ligadas ao fortalecimento da cultura e da o programa “Juventude em Ação” na Defensa Legal, do Peru, e a ONG
identidade indígena. Promoveu a língua, as rádio Educação Rural de Tefé. Em 2010, a Radialistas Apasionadas, do
Equador. Leia aqui uma notícia
danças, a educação escolar indígena, o cultivo repressão da ANATEL (Agência Nacional de sobre o final da expedição:
de plantas usadas no artesanato tradicional e Telecomunicações) levou à saída da rádio Xibé http://xibe.radiolivre.org/
content/nave-vai. Consultado em
foi também a primeira liderança que levou as da universidade e à expulsão da recém-criada 9/10/2016.
oficinas de rádio livre da Xibé para as aldeias, rádio livre Voz da Ilha da Escola Estadual 5
A rádio Gralha é uma rádio
livre de Curitiba que surgiu em
assembleias e festas do movimento a partir Getúlio Vargas. Logo em seguida, a rádio da 2012, conseguiu seu primeiro
de 2007. Enquanto o programa “A Voz do Prelazia, em solidariedade e buscando renovar transmissor em 2013, desde
2014 vem realizando oficinas em
Parente” era transmitido de Tefé e alcançava a sua programação, passou a oferecer espaço ocupações urbanas e, em 2015,
todos os municípios da região, a rádio Xibé era para esses coletivos de rádio livre que estavam passou a facilitar a criação de
rádios em terras indígenas do
itinerante e podia ser instalada diretamente organizados em torno do Centro de Mídia Paraná. Conheça esta e outras
nas aldeias e assembleias, tornando possível Independente de Tefé. Foi assim que começou, rádios livres em: http://www.
radiolivre.org. Consultado em
a expressão direta das comunidades e de em 2011, o Programa “Xibé” na Rádio Rural, 9/10/2016.
seus representantes locais: “nunca em nosso experiência que teve continuidade em 2014 com
trabalho, desde que eu comecei a lutar, entrei na o Programa “Juventude em Ação”. Na rádio
luta dos povos indígenas, nós tivemos um data AM os coletivos livres improvisaram um estilo
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
próprio de programação, que buscou reduzir ao Jonas: Lá a gente compara o homem branco
máximo a fronteira entre locutores e ouvintes. com o homem selvagem, que não tem capacidade
Indo ao ar ao vivo durante uma hora ao final de entender o que é isso e aquilo. Eu já estudei,
das tardes de sábado, quase todo o programa já terminei o meu estudo, e tenho a capacidade
era feito de relatos, debates e, principalmente, de ver que o homem branco é... não vou criticar
entrevistas. Eram lançados no ar convites vocês...[participantes do programa, mas...]
para os ouvintes irem até a rádio, mas o porque vários homens brancos são um pouco
que funcionava mesmo era o “boca a boca”. estúpidos, com preconceito contra todo tipo de
Praticamente qualquer pessoa que aparecesse raça: índio, negro (Programa “Juventude em
se tornava entrevistado do programa, sem que Ação”, 12/04/14).
houvesse uma preocupação muito grande em
Desde então, Jonas não deixou mais de
selecionar pessoas “importantes” ou com
participar do movimento de rádios livres.
algo “especial” a dizer. O mais importante era
Continuou no “Juventude em Ação”, levando
fomentar a liberdade de expressão. Depois
rituais indígenas, declarações de amor e até
da entrevista, o participante era convidado a
entrevistando um visitante norte-americano
se tornar “membro” do programa e, logo em
sobre suas percepções a respeito dos
seguida, já era incentivado a passar ao papel de
indígenas. Depois que o programa acabou,
entrevistador. Foi assim que Jonas apareceu e
continuou participando no coletivo da rádio
se integrou ao programa, apropriando-se dele
Xibé. Atualmente, é um dos seus mais
para combater o racismo e afirmar sua cultura
ativos oficineiros, já tendo levado a rádio
e a identidade miranha. Sua estreia foi em abril
para aldeias e comunidades dos rios Tefé,
de 2014:
Japurá e Solimões, além de ter contribuído
Jonas: (...) Eu tenho orgulho de ser índio numa com as oficinas da rádio Gralha, no Paraná.
aldeia. Acho que esse é que é o problema deles. Tem participado de cursos de rádio livre e
Eles não aceitam isso. Cabe a mim ficar quieto comunitária, demonstrando um interesse
pra não ter que brigar, discutir com eles. especial nos conhecimentos técnicos para a
construção de minitransmissores, estruturas
Felipe Catão: Em geral, as pessoas têm para captação de energia solar para rádios,
medo do que é diferente. Quando elas vêm algo etc. Em 2015 também ajudou a aproximar a
diferente delas, elas têm um certo receio de rádio Xibé da AMARC ao participar do projeto
entrar em contato, de procurar conhecer, o que A Nave Vai.
poderia ajudar a evitar esse tipo de racismo,
esse tipo de preconceito. Como é que lá dentro Jonas e Sílvio ajudaram a dar o tom em
da aldeia vocês vêm as pessoas da cidade, (como Teresina, mas uma ausência pode ser
vocês chamam) o homem branco? ainda mais eloquente. Faltou Darlene dos
54
Convergência
55
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
equipamentos para a nossa rádio lá do Marajaí”. o meu projeto, não. E, agora, em janeiro, a minha
Eu sei que foram surgindo várias ideias dos caminhada foi retornar de novo para o Marajaí e
professores mesmo: “nossa, a gente vai se reunir, surgiu uma proposta. Não sei se você sabe dessa
vai comprar um equipamento, vai construir uma proposta do Jonas, que é de a gente fazer uma
casa pra ficar a rádio nossa, aqui, na frente da oca lá no Marajaí... (entrevista com Darlene dos
casa de festa”. Então, eu sei que foi interessante. Santos Cavalcante, 13/03/2016).
Agora, eles estão vendo se constrói a casa, para
colocar ela no lugar dela, assim, para qualquer Quando um consumidor conectado com
um chegar lá e dar o seu aviso... Através da as “tendências de mercado” ouve falar em
rádio Xibé teve muito assim... muitas pessoas “convergência midiática”, automaticamente
que gostaram muito. Outro relato também que o imagina aparelhos cada vez mais versáteis
meu tio disse pra mim é que ele estava doente vindos diretamente do futuro para a vitrine
naquele dia, não pôde ir lá ver, né? Ele ouviu pelo do shopping mais próximo. A expressão
rádio o pessoal falando lá na escola o que estava e o silêncio dos indígenas da rádio Xibé,
acontecendo, assim, “deu pra mim ouvir tudo”, partilhados com a batida forte de Beth de
ele disse, “que bom seria se [a rádio] ficasse aqui Oxum, trouxeram ao Seminário uma outra
para continuar aqui, né? Não é como a nossa [rádio convergência possível: aquela feita de homens
poste] que nós temos aí”. E disse “é, bora ver, e mulheres que se apropriam de tecnologias
daqui a uns tempos a gente consegue”. Achei bem ancestrais e novas para tecer o verdadeiro
interessante o sete de setembro, assim. Nossa, encontro humano, que se faz das vozes que
eu me surpreendi mesmo. Eu fui tão elogiada! Eu saem do coração como nascentes, que correm
nunca tinha sido elogiada! As pessoas começaram o mundo iguais a rios e que se encontram com
a me olhar assim, de outro olhar. Porque sempre todas as outras águas nos oceanos.
eu vou pra lá e eu não ando na comunidade toda.
Só fico, assim, na casa dos meus tios... pessoas Referências:
assim... Eu recebi depois um convite do secretário CMI-Tefé. Entrevista com Tchimaucu da
de educação de Alvarães, que queria conversar ACPIMSA para o CMI-Brasil (18/11/2007),
comigo, como é que estavam os meus projetos... publicada em 28/11/2007. Disponível em:
Só que, infelizmente, não deu para mim sentar
com ele e conversar, porque a gente vive numa FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio
correria! Depois de sete de setembro foram de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
muitas pessoas, assim, que me procuraram para
sentar, que eu me surpreendi, que não olhavam MACIEL, Benedito Pena. Da proa da canoa:
pra mim assim, né? Eu me surpreendi, mas eu por uma etnografia do movimento indígena
nunca sentei para conversar com eles, falar sobre de Tefé. Revista Somanlu, ano 9, n. 2, jul/dez
2009. Disponível em: <http://www.periodicos.
56
Convergência
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
ufam.edu.br/index.php/somanlu/ar ticle/
view/281>. Acesso em 12/10/2016.
guilherme gitahy
de Figueiredo
é voluntário da rádio Xibé, do
Rizoma de Rádios Livres, do
Centro de Mídia Independente
e associado da AMARC. É
doutor em Antropologia
Social pelo Museu Nacional
e professor do curso de
Pedagogia e do Programa de
Pós-Graduação Interdisciplinar
em Ciências Humanas no
Centro de Estudos Superiores
de Tefé da Universidade do
Estado do Amazonas.
58
Convergência
Seminário Convergência
midiática e as rádios
comunitárias
N ossa primeira mesa de debate, realizada
no dia 4 de dezembro de 2015, na Universidade
apropriação da convergência ou, melhor dizendo
(já que apropriação remete à propriedade) uma
Federal de Piauí (UFPI), em Teresina, pretendia “ocupação” emancipadora.
(nada menos que) revisar conjuntamente o
Participaram Jessé Barbosa, da Escola Técnica
amplo conceito de convergência midiática. É
Profissionalizante em Comunicação do Estado
um termo que divide opiniões: para uns, é uma
do Piauí (ComRadio); Rafael Diniz, da Telemídia
noção desgastada, já que, por muito tempo,
PUC-Rio; Marcos Martins, do Aparecidos
ignorou a mídia livre e comunitária, além de ser
Políticos; Sílvio Almeida Bastos, da Rádio Xibé;
marcada por uma afinidade a um pensamento
Jonas Duarte Cruz, também da Rádio Xibé; Ian
evolucionista com relação à Internet; para
Carvalho, do CRIAR Brasil; Ricardo Ruiz, do
outros, a revisão crítica permitiria uma
59
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Coletivo Nordeste Livre, e; Mãe Beth de Oxum, da sinalizar algumas imagens pra você abrir. O
Rádio Amnésia. rádio digital vem chegando, o rádio é o único
meio de comunicação que não foi digitalizado.
A mesa foi mediada por Jaqueline Deister da
Vocês devem estar acompanhando a TV
Agência Pulsar Brasil e Nils Brock, cooperante
digital. Agora está começando o desligamento
internacional da AMARC Brasil. Foram feitas
das transmissões analógicas, vão ficar só as
intervenções por: Irailton Conceição, Associação
digitais. Com o rádio vai acontecer a mesma
de Rádios Livres de Salvador, Bahia; Rose
coisa, o rádio vai ser digitalizado. “O que
Castilhos, Ilê Mulher; Guilherme Gitahy de
muda?” O paradigma não muda nada, o rádio
Figueiredo, Rádio Xibé; Ligia Apel, Rede de
digital é igual ao rádio analógico: você instala
Mulheres da AMARC Brasil; Tony Marques, Célia
tua antena, teu transmissor, faz teu programa.
Rodrigues e Pedro Martins, da AMARC Brasil;
A diferença é que, em vez de transmitir
entre outrxs.
somente voz, você pode transmitir imagens,
Como primeira (e óbvia) pergunta, texto, aplicações interativas. Meu trabalho
questionamos: o que se entende por é com relação a isso, você enviar aplicações
“convergência” no mundo do rádio? pelo teu sinal de rádio. Então, você tem o
transmissor e lá você pode configurá-lo para
Rafael Diniz (PUC-Rio): É quando o rádio se enviar uma aplicação. O que pode ser essa
vale de outras redes de comunicação para aplicação? Qualquer coisa. Qualquer conjunto
complementar a informação que você quer de elementos multimídia que você vai enviar
passar pela sua emissora. Um exemplo de naquele fluxo do rádio. Pode ser imagem,
convergência é o site da Internet da emissora. texto, jogo educativo, uma informação de onde
Isso é a convergência mais pobre que existe, a polícia está numa manifestação, e toda essa
você não tem nenhum tipo de sincronia, de informação multimídia é passada pelo sinal
associação do programa que está sendo de rádio digital. Isso não é Internet, isso é
feito na rádio com aquele sistema hipermídia rádio. Acho que a digitalização do rádio é, de
que é o site. Há outros tipos de convergência longe, a coisa mais importante que a gente
mais poderosos, como por exemplo, você tem tem para ser discutida no que tange à área
um programa na rádio e junto com aquele técnica. O rádio digital permite mais do que
programa você olha na tela do celular e você só transmitir o áudio, assim como permite
tem informações complementando aquele multiprogramação. Você com um transmissor
programa: você pode ler mais informações de rádio pode transmitir 4 rádios comunitárias
sobre aquilo que está sendo falado, pode ver ao mesmo tempo, na mesma frequência. Há
imagens que ilustram o que está sendo falado. inúmeras vantagens.
Isso já é possível no rádio FM, tem como
60
Convergência
Nils Brock: Vamos perguntar ao Jessé: vocês conforma nessa retransmissão, ele tem que
têm um trabalho com vários projetos, com participar. Por acaso lá tem um ponto de cultura
vários aplicativos aqui na ComRadio. Como que tem Internet e toda a produção é feita pelo
você está vendo essa convergência acontecer? WhatsApp: manda o áudio, volta e, se precisar,
entra ao vivo. O Nilson já fez entrevista com
Jessé Barbosa (ComRadio): O Instituto gente que estava na Groenlândia, utilizando a
ComRadio trabalha com vários projetos, desde Internet. Há a visão de convergência a partir
formação de cegos para rádio, que é uma de dois focos: uma é a questão tecnológica
convergência interessante, que vai além dos e como isso tem contribuído com o rádio. O
conceitos normais, porque o rádio também é WhatsApp, hoje, é uma ferramenta essencial
cego e a gente vai juntando. E quanto a essa na produção radiofônica, os softwares e
convergência a gente extrapola um pouco, aplicativos de transmissão e recepção. E uma
tira de dentro dessa caixa o conceito de outra coisa: nós construímos um aplicativo
convergência apenas como a junção de mídias, chamado o “Observatório do Semiárido”, que
mas também como o rádio pode contribuir é um aplicativo do celular em que, naqueles
com o avanço de debates e políticas públicas, lugares que tem Internet, as pessoas podem
como ele pode contribuir com a solução de documentar, fazer monitoramento das
problemas. No caso dos cegos, isso é bem políticas públicas: acesso à água, educação
evidente. Nós temos que extrapolar um pouco contextualizada, a questão da mulher, muito
esse conceito para a convergência no sentido grave no semiárido, a juventude... Esses temas
de que alguns temas ganham força quando podem ser apanhados. Os temas com mais
chegam ao rádio, é uma convergência meio apoio, eles viram matéria na rede ComRadio.
diferente. Mas concordando com Rafael, E aquele tema que durante seis meses foi
hoje o Instituto ComRadio tem uma rede de mais debatido, que virou matéria, vira um
rádios. A gente tentou muito fazer essa rede seminário pra ser discutido com a comunidade
via Internet. No Piauí, aqui em Teresina, a e encontrar solução. Então extrapolando um
gente tem Internet razoável. Quando sai de pouco esse conceito de convergência que vai
Teresina e desce pro sul do Estado, a Internet além da convergência dos equipamentos, mas
é péssima. Se for mais um pouquinho, você a gente procura extrapolar na convergência
pode dizer “tenho Internet”, mas não tem. dos temas, e esses temas passam pelo rádio,
Demora pra baixar um áudio, o Radiotube lá eles ganham força, e eles convergem de novo
não teria sucesso nenhum. A gente resolveu no rádio.
fazer via satélite. Aqui mesmo tem o Nilson,
que é de uma rádio que fica a 500 km daqui. Jaqueline Deister: Acho que, puxando esse
Ele retransmite a rede, mas a gente não se gancho do Jessé, a convergência não diz
61
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
respeito só aos aparelhos. Queria falar com de política pública, das leis, para, além disso, a
o Marquinho, porque eles têm um trabalho gente tem que construir mais, provocar mais e
muito interessante lá, em Fortaleza, com o que mais rádios livres aconteçam. Talvez esse
Coletivo deles que é o Aparecidos Políticos, processo da democratização da comunicação
justamente por resgatar a memória e mostrar demore, existe uma resistência muito grande.
o que a ditadura militar trouxe aqui pro país. A gente já sabe o porquê, a gente já tem inimigo
E é através de intervenções artísticas, então, declarado, então acho que enquanto a gente
utilizam o rádio, o grafite e o “escracho”, debate, vamos transmitindo.
que é muito popular entre os movimentos
sociais. Então, eu queria, Marquinho, que você Nils Brock: Você falou da expressividade... A
colocasse como vê a convergência dentro do ancestralidade, acho que ela é uma parte da
seu coletivo, como utilizam essa convergência. convergência também. Existe não somente
Vocês tem essa visão mais diversa além da uma tecnologia radiofônica senão também
parte técnica? um formato em nossas cabeças muito
influenciado pelo rádio comercial. Acho que
Marcos Martins (Aparecidos Políticos): A a rádio comunitária e rádio livre também
convergência, pra gente, também é nessa são uma desconstrução e uma apropriação
perspectiva de além da técnica: a gente dessas linguagens. Sílvio, o que vocês
converge em linguagens. O teatro – que já transmitem, quais conteúdos vocês levam
esteve no rádio com as radionovelas e que já nesses programas, como construíram esses
não existe mais, a não ser nas comunitárias ou transmissores?
livres – a gente voltou a fazer na Zoada Rádio
Livre, que é a rádio dos Aparecidos Políticos; Sílvio Almeida Bastos (Rádio Xibé): Na
as intervenções urbanas, porque a gente tem verdade, a rádio Xibé faz várias oficinas em
encarado a Zoada Rádio Livre pra além de ser diversas comunidades periféricas da cidade
um ponto de transmissão, mas ser um ponto de de Tefé, transmitindo os conhecimentos,
interferência, porque, antes, era nos moldes levando todos aqueles movimentos, juntando
da Xibé. A gente vai sair e fazer uma oficina de jovens. Faz eventos também e participa de
rádio livre, fazer uma provocação e, na medida eventos de algumas organizações de jovens
em que a gente vai fazendo, vai transmitindo e que se encontram. No momento do movimento
corrigindo tudo. Trazendo todas essas pautas deles, nós divulgamos o que eles gostam de
importantes, a gente também traz a fala dos fazer e, mesmo assim, nas comunidades
povos de terreiro, indígenas, da galera que indígenas, quando fazemos uma assembleia
está na periferia. A ideia é que a rádio livre é para que os amigos possam ouvir, através
cumpra esse papel. A gente tem falado muito do rádio e da Internet. Nós já transmitimos
pelo México diretamente a nossa assembleia.
62
Convergência
Demonstrando tudo aquilo que a gente faz na através de pessoas, mostrando que a rádio
comunidade, discutindo a nossa força, a nossa não é só minha, a rádio é de todos e qualquer
realidade, a nossa língua, nossa tradição, pessoa pode falar na rádio.
fortalecendo outras comunidades vizinhas que
fazem parte das comunidades. Isso pra nós é Jaqueline Deister: Qual o papel do Radiotube
importante. Então, a realidade da rádio Xibé, nessa convergência midiática, sendo um
que ela não tem lugar fixo pra ficar, de vez em espaço comunitário, democrático? Porque aqui
quando, nós carregamos a antena em canoa, a gente vê diversas iniciativas e o Radiotube
remando o barco pela própria comunidade. E é o local onde todas essas iniciativas podem
lá já transmitimos pro município e o município se encontrar, se conhecer e compartilhar
joga pro site que temos. Hoje, estamos conteúdos e informações.
discutindo convergência midiática que é a Ian Carvalho (Radiotube): O Radiotube é
maior vantagem pra nós se pudéssemos fazer um ponto de convergência bem na cara. Lá
mais rádio diretamente com a comunidade. encontra sempre material de rádio, vídeo,
Jonas Duarte Cruz (Rádio Xibé): Tem o texto, a transmídia mostra todo tipo de
preconceito não só indígena, negro, mas comunicação. E é uma das coisas mais bonitas.
também com as mulheres. A gente quer mais Vou falar um pouco da convergência: a gente
mulheres pra divulgar o que elas sofrem, viu o pessoal do Sul do país trocando ideia,
o que elas pensam. A rádio livre não é só falando que está passando um programa que
radiodifusão, a gente grava áudio, a gente foi feito no Nordeste ou no Norte. O pessoal
filma vídeo, tira foto e coloca no email pra ver a trocando esse conteúdo diferente é uma
realidade da mulher do interior do Amazonas, forma de fazer comunicação como faz lá em
por exemplo. Tem essa crise, mulher não é cima, como se faz mais pra baixo do Brasil, o
pra estar só na cozinha, pois elas podem fazer pessoal fala de temas diferentes. O Radiotube
qualquer coisa. É isso o que a gente tenta fazer ajuda a transferir a comunicação do Norte pro
com rádio livre: mostrar que não é uma rádio Sul do país e isso é muito bonito de ser ver.
fixa, é uma rádio sem fronteira, a gente pode As pessoas se conhecendo, fazendo o projeto
ir em qualquer canto, basta que nos convidem. Radiotube, unindo rádios diferentes que não se
Falar qual o objetivo que a rádio traz, coisas conheciam e passam a se conhecer lá dentro,
da comunidade, da cidade, a rádio traz coisas começam a contribuir, formam parcerias.
que a gente quer buscar, falar sobre racismo, Acho um ponto de convergência bem legal e
sobre preconceito contra mulheres. Sobre a acho que pode crescer muito mais.
cidade, como ela está sentindo, o que a cidade Nils Brock: A gente ouviu falar que tem
precisa melhorar. A gente divulga nossa rádio rádio e a gente conhece a tecnologia do rádio,
63
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
mas depois a gente fala da Internet como se meu inimigo que eu conheço visivelmente, que
fosse uma coisa só, quando eu acho que tem é o Eduardo Cunha. Agora você conhecer seu
diferentes dinâmicas e também diferentes inimigo te dá possibilidade de traçar quais
tecnologias: o WhatsApp, por exemplo. Eu são os planos que você quer percorrer nessa
queria entrar nessa questão de convergência aliança democrática possível. Aí acho que
dentro do conceito rádio livre e comunitária e a resposta é essa: a trilha dos vários meios
num caminho falando do software. que você vai usar, os formatos das linguagens
que vai usar, necessariamente tem a ver com
Ricardo Ruiz (Coletivo Nordeste Livre): Três “onde você quer chegar com aquilo?” Nosso
questões misturadas: a primeira tem a ver amigo tem um inimigo claro e tem um objetivo
com o que o Rafael Diniz falou de o rádio claro pra trazer pra essa democracia. Então,
ser o físico. Acho que a gente, o ser humano, pra traçar esse caminho de convergências pro
tem algum tipo de vício quiral, o magnetismo seu meio, depende saber de quem você quer
que faz a experiência com a radiodifusão ser se defender.
muito plena quando você tem uma pepita de
urânio perto de você. Tem a frase clássica Jaqueline Deister: A relação da
“toda poesia vive no rádio na pepita de ancestralidade com a convergência de mídias
urânio”. Você saber ouvir o que você está e de linguagens que existem dentro do povo
trabalhando fisicamente ajuda você a refletir negro... Porque o atabaque, me contaram, ele
nele. Continuando a questão da mesa, acho é um instrumento que já era uma tecnologia,
que tem um caminho único, eu não quero na sua época, utilizada pelos povos na
falar de convergência frente ao uso pouco comunicação. Eles têm uma tecnologia que
democrático oferecido pela legislação etc., a precede um pouco o que eram os tambores
convergência midiática da comunicação vai ser para o povo negro.
uma ferramenta pra enfrentar essa questão.
Mas aí vem nosso amigo de Fortaleza “qual o Mãe Beth de Oxum (Rádio Amnésia):
uso pouco democrático da legislação?” “Essa O tambor, a gente sabe que pros povos
convergência midiática tem a possibilidade africanos, é tecnologia. Queria fazer uma
de alterar fluxos de uma democracia mal pergunta em relação a essa convergência
apresentada?” “Quais são esses fluxos midiática. Quem conhece Exu? A gente tem
democráticos que não funcionam bem antes um observatório chamado Observatório de
de você pensar quais são as convergências Mídia e Religiosidade, o Ojuran [https://ojuran.
que você quer alterar nesse caminho, que você wordpress.com/], a gente faz um estudo nesse
vai fazer sua rádio?” Então você conhece seu observatório sobre as mídias e a religiosidade
inimigo. Eu fiquei até curioso porque eu tenho de rádio e TV. Hoje, a gente tem uma rádio e
uma TV que promovem o ódio. Há três dias foi
64
Convergência
queimada uma casa lá, em Brasília, a Casa vezes, as pessoas chegam lá no terreiro, “mas
de Mãe Baiana. Quando vocês chegarem lá, vocês estão desenvolvendo game?!” Parece
sua casa vai estar queimada pelo simples fato até que tecnologia é de fato propriedade de
de você ser um cidadão de matriz africana classe. Conhecimento não é propriedade
e que cultua a religião africana, mas é um de classe nenhuma. E o tambor sempre foi
direito seu! E a rádio e a TV nesse país estão e sempre será a nossa grande tecnologia
estimulando pessoas a queimar suas casas. porque ele alimenta nossa alma. Porque se
É muito grave. Acho que nossa convergência a gente não tem a alma alimentada, a gente
tem a perspectiva de trazer Exu, Ogum, Odé. não fica em pé na terra. Então, tecnologia,
A gente tá desenvolvendo o software, não pra gente, é convergência de mídia, é trazer
é só o rádio. É uma narrativa com matriz o tambor secular. Trazer esses elementos,
africana com games. A gente tem um projeto trazer o prazer e entretenimento sem
de 150 jovens negros da periferia estudando violência. Com a narrativa de game a gente
na escola pública. Passamos a desenvolver está resignificando isso. E protagonizar, dar
o software livre. Mas a gente ganhou tablets visibilidade, dar voz àquele ou àquela que, no
num projeto eleitoreiro e não sabíamos usar, caso, estão escondidos nos nossos povos. Pra
porque não rodava nem o Facebook, dada a sua visibilizar o nosso povo preto e a nossa matriz
configuração. Então, trocamos por software africana em convívio contra a intolerância.
livre e pretendemos desenvolver tecnologia. Essa é a perspectiva da convergência de nossa
Entramos com curso de programação e mídia. A Rádio Amnésia, ela existe também
desenvolvemos games. E, ao invés de trazer pra trazer protagonismo aos povos indígenas,
um boneco americano, matando todo mundo, porque a gente tem ação no terreiro. A gente
a gente trouxe Exu, a gente trouxe Ogum, foi convidada pra desenvolver lá no Alto Xingu,
Odé, Oxóssi. Convergência da mídia, pra com as mulheres, inclusive, e trazer todo
gente dizer que o papel da mídia não é matar esse universo da matriz africana que está
ou criminalizar, como acontece com mais de escondida. Então vem pra tirar essa cortina de
40 mil jovens negros e a mídia não coloca fumaça que existe aqui no nosso país.
seu papel de denunciar por que esses jovens
estão morrendo. Porque tem cor, é preto, tem Nils Brock: Existe a ideia de que mais
endereço, é pobre, mora nas periferias. E tecnologia significa mais liberdade. De que
quem mata? Quem mata é o Estado brasileiro forma essa apropriação de novas tecnologias
e a mídia não faz nada. Convergir mídia, pra e essa convergência de mídia fala do potencial
tratar de fato a realidade que está acontecendo para liberar o nosso status?
no país. Na nossa convergência é dizer que
Ricardo Ruiz (Coletivo Nordeste Livre): No
o tambor, que é Ogum, que é tecnologia. Às
princípio foi o verbo: a gente se libertou na
65
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
linguagem. Mas eu fico até com medo porque essas novas tecnologias, elas estão vindo com
talvez não: talvez a gente tenha se escravizado o acesso à informação. E a gente vê o menino
na linguagem. É uma questão do ser humano lá no meio do nada sem acesso e a pergunta
que não dá pra resolver. Em 1800 e final, perto é: “o que fazer?” Talvez cada um de nós seja
da suposta abolição, surgiu uma empresa a peça mais importante nesse quebra-cabeça.
chamada IBM. Desde 1885 que a gente come Não há mais necessidade de conteúdo, de
o mesmo futuro pra poder ficar comprando passar conteúdo. A gente está dentro de uma
quinquilharia. Então, a gente ainda acredita, Universidade em que, provavelmente, esse
depois de cem anos, que a gente vai ter uma debate também venha andar por aqui. Acho
inteligência artificial em nossa casa que vai que a principal necessidade hoje é de saber o
cuidar de nossa vida, isso a gente acredita que fazer com esse conteúdo e também como
só faz 120 anos. A gente acredita que vai ter ter acesso a isso. O que fazer com o conteúdo?
energia de graça, seja nuclear ou solar, ou o A gente tem por aqui, mas e lá no interior, lá
que for, porque precisa sustentar os fogões na roça? A gente ainda precisa chegar nesse
lá em casa. E a gente acredita nisso só há primeiro estágio que é o acesso ao conteúdo.
120 anos. E a gente acredita que a gente vai
morar no espaço, porque o espaço é um Rafael Diniz (PUC-Rio): Acho que a
lugar tão legal e tal, porque precisa vender tecnologia, por si só, ela não é nem libertadora
quinquilharia. Ou seja, precisa comprar o nem aprisionadora, a gente que vai dizer o que
outro. Olha o computador de Rafael Diniz, ô ela vai ser. Acho que a coisa mais importante
que nojo, entendeu? Essa é a questão. O que em nossa interação com a tecnologia é olhar
você pode fazer é o que já tem disponível. pra aquela tecnologia não como uma caixa
Criam uma ilusão de futuro, quem é que cria? preta. Acho que uma coisa é que todas essas
A academia norte-americana, administração tecnologias que a gente usa hoje foram feitas
norte-americana, que precisa de engenharia por empresas com a ajuda de governos. A
e tantos funcionários e uma empresa que Internet foi feita pelos militares, pra controlar,
vende tecnologia pra esse casal. E há 120 anos não pra libertar. Talvez a gente consiga
ensinando você, que vai acreditar nisso pra transformar isso. Se a gente não tomar as
você continuar comprando. Peraí, né? rédeas da tecnologia pensando que estamos
na Universidade Federal do Piauí, a gente
Jessé Barbosa (ComRadio): Tem um debate criar nossas tecnologias, desenvolver o que
que a gente faz normalmente nas atividades é bom pra gente. Por exemplo, se eu ligar
do ComRadio, no interior do Piauí, que é pra um celular, por que o meu celular não
até anterior a tudo isso que a gente está fala direto com o da Thaís? Meu celular vai
discutindo. Que é o próprio acesso. Certo que falar com a torre de celular mais próximo, vai
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Convergência
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Sílvio Almeida Basto (Rádio Xibé): Para Jonas, de Tefé, pela preocupação da questão
a nossa etnia, povos, essa tecnologia é da participação das mulheres, de trazer as
importante. É pra quebrar barreiras de mulheres para a comunicação. E quando se
todos os povos que vivem ali, no Médio fala de convergência midiática, quando se
Solimões. Porque é uma ferramenta nova e, fala em rádio digital, de novas tecnologias
na verdade, atualiza esses tempos em nossas nos deparamos com uma realidade que é a
comunidades. Porque nós não sabemos antes, realidade em qualquer espaço de poder, que é
10, 20, 30 anos atrás, a comunidade não sabia a falta de mulheres. É a falta de oportunidades
se realmente existia rádio. É por isso que eu para as mulheres. Muitas vezes falam “mas
falo que é uma tecnologia nova e estamos vocês que não querem!”. As mulheres querem
abraçando para fortalecer a nossa realidade. sim, querem aprender, querem ser formadas
E que os jovens possam criar sua própria nisso. A gente percebe, mesmo na Rede de
fala, sua mídia, sua programação e por isso é Mulheres da AMARC, como a gente está
importante pra nós. Que eles mesmos possam distante do aprendizado das tecnologias.
falar a língua que possam usar: na língua Quanto, pra nós, é um processo ainda muito
Tikuna, Piranha, Cocama, Kambebas e depois lento e é muito lento. Estamos preparando
possam transmitir em Língua Portuguesa. uma atividade no Projeto Emergências no Rio,
E isso é uma diferença muito grande para a nenhum dos homens para os quais eu mandei
nossa sociedade. a solicitação de informação do que a gente
precisava, ninguém respondeu. Eu tive que ir
Jaqueline Deister: A gente abre pra vocês à cata, descobrir isso. E isso é uma realidade.
colocarem perguntas. Porque não nos passam a informação. Acho
que está na hora das rádios, das pessoas, dos
Irailton Conceição: Sou de Salvador,
homens que estão na rádio tomar consciência
represento a associação de rádios livres
de que as mulheres precisam estar também
daquela capital, 178 rádios. A gente volta e
por dentro desses espaços, como disse a
pergunta: dentro da tecnologia a radiodifusão
mãe Beth, e evitar a questão da violência e a
de que forma ajuda ou atrapalha? A informação
questão dos abusos.
não pertence a ninguém?
Silvan: Sou da Bahia, da cidade de
Guilherme Gitahy de Figueiredo: Sou da
Nordestina e estava olhando essa discussão
rádio Xibé e eu queria saber mais sobre a
que vocês estão fazendo e quando o colega
experiência do Rizoma de rádios livres.
da comunidade indígena falou daquilo tudo.
Rose Castilhos: Sou de Porto Alegre e, como Eu olhei vocês falando sobre a diversidade,
mulher e feminista, quero comentar a fala do e a rádio é isso. Eu acho que a rádio tem que
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Convergência
ter espaço pra o candomblé, ter espaço pro autopromover com essa mina que descobriram
evangélico, tem que ter espaço pra Igreja ou há uns tempos. Não está preocupado com as
Católico, tem que ter espaço pro índio. E a necessidades que o município precisa.
gente enfrenta isso. A gente tem um grupo
de rádios na região do Sisal onde a gente fez Sandra: Sou atriz e diretora de teatro. Estudo
uma grade de programação e cabem todos comunicação com rádio, mas é um universo
os espaços. Não vamos dizer que cabe todo que não conheço muito. Fico pensando que
mundo, mas que tem horário diversificado. cada um de vocês tem uma missão dentro
Para o candomblé, para o indígena. E a gente do trabalho que realizam. Me chama muita
estava trabalhando isso daí que vocês falaram. atenção ouvir um homem falar de mulheres.
O presidente da associação de rádio onde eu E queria saber se lá na Xibé as mulheres
trabalho é evangélico, mas ele não tem poder participam do conteúdo e na programação da
nenhum de dizer que candomblé não pode rádio? De que forma se dá a participação delas?
entrar, o índio não pode entrar, o negro não Queria saber a vivência que cada um de vocês
pode entrar no espaço da rádio. Acho que a tem com rádio, qual a maior transformação
gente tem que ter isso e se apoderar. Se existe que vocês já viram na vida dessas pessoas
uma diretoria, ela tem que ter poderes e, às através dos conteúdos e trabalhos que vocês
vezes, talvez o fracasso maior das rádios, fazem?
comunitárias ou educativas, ou seja, qual Jonas Duarte Cruz (Rádio Xibé): As mulheres
for, é uma determinada entidade se apoderar não tem um plano de falar. Mas podem fazer
dela e tomar todo o poder que ela tem. De tal seu próprio plano para falar e divulgar. A gente
maneira que vocês falam sobre a preocupação grava isso e ajuda a divulgar nos áudios e
e divulgação da mídia. Nordestina, hoje, acho vídeos. Estávamos na FLONA, de Tefé, fazendo
que vocês já ouviram falar dessa cidade e uma reunião e mais de sessenta mulheres
por que ela está sendo conhecida? Não foi a apareceram do nada, do interior, perguntando
mídia que botou ela lá em cima. É porque “o que é a rádio, o que é essa tecnologia?” Hoje
descobriram a maior mina de diamante da em dia, nem todos, mais a maioria dos homens
América Latina. Mas as pessoas que estão não deixa elas escutarem rádio, porque rádio
interessadas nisso não estão pensando nas é só ouvida por homens, e não por mulheres.
dificuldades que a cidade tem, eles fizeram Esse é o maior preconceito que tem. Eu defendo
pouca questão de divulgar o que a cidade todas as culturas, inclusive as mulheres, pois
tem, não se precisa. Acho que a gente precisa a minha mãe é mulher. Por que não deixaria a
divulgar o que precisa, não ficar vendo por aí. minha mãe ouvir rádio e criar a própria ideia
O prefeito é um dos maiores perseguidores da dela? A Xibé, ela não é fixa, tem em qualquer
rádio e está divulgando o quê? Querendo se canto do Amazonas. Eu já subi em ladeiras
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
de lama, fomos sob chuva. Não importa década de 90, que tampouco atende ao mínimo
a distância, importa é que as mulheres, o que a gente precisa para fazer a nossa
os ribeirinhos sejam felizes em todos os rádio. Fazendo esse gancho, o Guilherme fez
momentos. As mulheres que valorizam a si a pergunta do Rizoma das rádios livres. As
mesma com cultura e com palavras. A gente rádios livres no Brasil existem desde a década
quer quebrar o preconceito com todas as de 80 e nossa rádio foi criada nesse contexto.
mulheres, sobretudo as indígenas. Eu estou No começo da década de 2000, que é da nossa
ensinando através do rádio, mas também geração de rádio, as rádios livres estavam
através da dança, mostrando que a dança é meio esparsas. Em 2002, a gente criou nosso
uma arte. Na dança tem mais de 170 mulheres, rizoma de rádios livres e decidiu também
mas só 35 homens. Eu acho maravilhoso que sobre o portal das rádios livres. O radiolivre.
elas queiram avançar não só na dança, mas org, nesse ano, por exemplo, só para dar um
também na sociedade. exemplo mais recente, a gente colaborou com
uma oficina de transmissores em Campinas.
Ricardo Ruiz (Coletivo Nordeste Livre): Faz Foram feitos mais de 10 transmissores de 100
um tempo que eu participei de várias oficinas watts. Então, a gente tenta sempre difundir
e, normalmente, a oficina começa na hora que essa cultura do “faça você mesmo”, de a gente
você liga o botão E você deixa claro que está fazer um transmissor e colocar a rádio no ar
cometendo um crime federal e acho que essa e incentivar a horizontalidade das emissoras
é a maior transformação: trazer à pessoa a e sempre tentar levar a nossa ideia de rádio
consciência de que agora ela é uma criminosa, livre. A gente não quer ser o intermediário da
por estar lutando pelos seus direitos. É uma população para a gente falar o que as pessoas
transformação sem igual. querem, mas, sim, a gente tem uma rádio em
que as pessoas possam ir lá e se apropriar da
Rafael Diniz (PUC Rio): A gente nem conversou
rádio e falar o que quiser e transmitir. A gente
muito hoje sobre isso... É importante, como o
no Rizoma tenta articular encontros de rádio,
Ricardo falou, que várias pessoas que estão
fazer transmissões, principalmente falar
fazendo rádio sem outorga saibam que a lei
de como resistir à Polícia Federal. A gente
que rege a radiodifusão e de telecomunicações
sempre tenta trabalhar com transmissor
no Brasil é uma lei extremamente punitiva,
reserva, então, se a polícia vai, a gente tenta
baseada numa lei da década de 60, da ditadura,
botar no ar no dia seguinte. É difícil, mas a
do Código Brasileiro de Telecomunicações.
gente tem certeza que essa lei vai mudar.
A gente de rádio livre não concorda com a
lei e nem se dá o trabalho de pedir outorga. Mãe Beth de Oxum (Rádio Amnésia): Na
A gente não se enquadra nem na legislação questão da comunicação é que é o gargalo.
da rádio comunitária, que foi feita no final da
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Convergência
A lei do jeito que está, está posta com inventa e reinventa a cada dia, resignificando
distância. Nosso tambor atende muito mais essa perspectiva da cultura da infância, que
do que o piloto permitido para se ter essa de fato está tão perdida. Mais do que nunca,
legalização. E as mulheres ainda não estão acho que essa cultura perdeu completamente
ocupando, basta ver aqui, na faculdade, as referências, porque as mulheres brancas
e observar os diretores e professores do da classe média alta não tem identidade
departamento. Você chega nas grandes nenhuma com a gente, eu não me reconheço
mídias e a mulher ainda é um objeto para ser nesse programa, nem mesmo meus filhos.
emancipado, para ocupar esses lugares e nas Acho que está na hora do “pau comer”, da
rádios não é diferente disso. Eu queria entrar gente virar o jogo e hackear essa mídia e fazer
na questão da programação infanto-juvenil, rádio. Acho importantíssimo essa proposta
que é um caos. Num país em que a Xuxa e de a gente desenvolver oficinas de confecção
Angélica são a referência do programa infantil, de transmissores, pois não podemos ficar
a gente vê como a gente está, tanto na questão reféns de um transmissor só, que vai comprar
de gênero como na questão da criança. A gente lá em Campinas, então, precisa desenvolver.
tem um programa chamado “brincar para E essa oficina tem que sair da caixa, criando
o sonho alimentar”, lá eu faço o programa um perspectiva e inclusive esse encontro de
para trazer à criançada uma perspectiva de fazer essas oficinas aí, pelo Brasil, para que a
brincar. A gente faz uma pesquisa com os gente possa transmitir um programação que
maracatus mirins, a congada mirim, vários dê lugar a essa diversidade, mas também à
grupos tradicionais que têm essa preocupação questão da mulher e da criança nesse país.
com o infanto-juvenil. Temos oficinas para
resgatar a referência de brincar. Isso é muito Ricardo Ruiz (Coletivo Nordeste Livre): A
importante para alimentar o sonho da criança questão do acesso. Quando você tem um
que ela perdeu, pois ligando a TV é só boneco problema de acesso, tem um problema ao
dando porrada. Um absurdo o que acontece quadrado, porque incluir pessoa... Lembra
com a cultura da infância do ponto de vista aquela historinha que a gente veio conversando
das mídias brasileiras. É uma agressão e esses tempos, no Recife: um tempo atrás,
uma violência. Cadê as referências de mídia, quando você era um escravo numa fazenda
de comunicação de rádio com as crianças? e você fugia, iam mandar te buscar para te
Lá a gente está fazendo assim, no programa incluir de novo, entendeu? Então, essa inclusão
“brincar para o sonho alimentar”, reunindo para quem que é? Esse acesso é pra quê?
os meus filhos e outros da comunidade: “Precisa dar acesso pra galera”. O Facebook
quando a gente brinca de roda, tem aquela fez um internet.org, está dando acesso à
coisa da velha brincadeira de roda e a gente galera. Você entra ali, a Índia toda tem acesso
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
ao Face e ao Twitter. Quênia, Nigéria. Internet nos foi tirado, a essa essência de um povo que
no Quênia é Facebook e Twitter a 56kps, eles cultua a natureza.
estão incluídos, conseguiram acesso. “Vamos
ocupar a onda do rádio”. Aqui é um país Sílvio Almeida Bastos (Rádio Xibé): Com a
ocupado. Há 500 anos está ocupado, a gente rádio Xibé é a mesma coisa. Não tem qualidade
precisa desocupar esse país. Como diz o outro para dizer está na igreja x e está na igreja, não.
“lá em casa já não é qualquer um que entra”. Então, toda classe de pessoas que querem
Só para comentar do problema do acesso, que chegar lá e dizer “quero fazer a programação”:
o problema é pior. as comunidades, povo, festa... seja festa
evangélica ou não. E assim é um grupo que
Mãe Beth de Oxum (Rádio Amnésia): Para leva esses conhecimentos para produzir
a gente não parecer essa coisa assim: de conhecimentos. Leva a mais participação
ocupar rádios e mídias, aí tem evangélico, tanto com crianças, jovens, mulheres,
candomblecista, ciganos, índios... A gente lideranças, nas comunidades, para divulgar o
precisa entender também a questão dos povos que as pessoas possam ver, é treinar a própria
tradicionais. A cantiga que eu cantei mais cedo, língua Portuguesa, indígena e outras. Isso é o
por exemplo, que quer dizer? É com a força conhecimento nosso. E que seja transmitido
espiritual que foi perdida, que não está posta. na rádio.
É com seus axés, com a força espiritual que ela
dá jinjé, que é o alimento, mas não só pro corpo, Ricardo Ruiz (Coletivo Nordeste Livre):
cabeça e alma. Ela dá a riqueza, mas não esse Continua ali a história sua. Ó que vergonha,
dinheiro maldito, não esse dinheiro capitalista, cara, e vem um cara que vive aqui há uns 10
essa riqueza financeira que conduz o país e mil anos e fala a língua nativa que a gente
diz como tem que ser. Mas é a água, a terra, que mora no mesmo país que ele, não sabe.
a comunicação, outros valores: é a riqueza da Agora, se tivesse um programa na Record que
natureza, porque povo tradicional que não tem fosse para ensinar língua, olha que bacana,
água, que não tem terra nem comunicação, entendeu? Falou duas línguas que a gente não
não se estabelece. Ela quer resignificar uma sabe falar. Mãe Beth, ainda falou uma terceira,
outra sociedade. Ela traz jinjé, ela traz o ouro, africana, mas que veio pra cá, que a gente não
vento, fogo, terra, cada vez mais é extirpada sabe falar, porque vendem pra gente uma
desses povos tradicionais. Ela traz a água que língua carioca ou paulista.
agora virou um gargalo. O que a gente quer Jaqueline: Vamos abrir para as provocações
é espaço na comunicação que resignifique a da plateia
sociedade. Não é só botar a cara preta e dizer
ali é Jesus, ali é oxalá, não é isso: é tirar o que Ligia Apel: Então, apesar da representação
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Convergência
da Mãe Beth, eu, como conselheira da tendo bons frutos que são os Planos Nacionais
AMARC, faço aqui a mea culpa, a gente de Outorga para rádios comunitárias. Um
não ter contemplado o equilíbrio de gênero tratamento diferenciado para comunidades
nessa mesa. A gente há 2 anos fez um tradicionais, com tratamento diferenciado na
seminário em Belém com a presença do MST, hora de distribuir as concessões, na hora de
das comunidades ribeirinhas, indígenas e aceitar essa papelada. Vocês sabem que a
quilombolas, porque uma das preocupações papelada para obter a rádio comunitária caiu de
da AMARC é com os povos tradicionais. O dono 33 para 7 documentos? Mesmo assim, mesmo
dessa terra, dessa natureza, rio, de todas com 7 documentos ainda é muito difícil esse
essas coisas, a etnia ticuna é a maior etnia acesso. E a gente vai fazer um trabalho para
do Brasil. São mais de 70 mil. Ali no Médio aquela comunidade que quis ter a concessão
e no Alto Solimões. Lá em Tabatinga, por de rádio comunitária, para que ela tenha
exemplo, não é só na Record, não. As rádios esse processo facilitado. Queria deixar esse
públicas brasileiras, quais são os programas informe, porque nós, da AMARC, percebemos
indígenas que as rádios públicas brasileiras que nos meios urbanos está “tudo lindo, muito
têm na sua grade de programação? Por que bem, obrigado”. Todos sabem a regra do jogo:
a Rádio Nacional da Amazônia não tem um vai fazer rádio, vai ser preso, vai ser julgado, e
programa falado na língua indígena? Por que a a gente está batalhando para mudar essa lei,
Rádio do Alto Solimões não tem um programa mas o problema é aquele quilombo que esta
falado na língua indígena? Essa é uma batalha, lá em Freixal, na Baixada Maranhense, que
porque a gente faz rápido a forma como nos não consegue ter a concessão. Então, a gente
ensinaram. E a gente precisa romper com conhece esse pessoal, aquele que quer ter,
essas métricas, com essa forma de fazer as precisa ser ajudado a tempo. Quem não quer
cosas. Primeiro jornalismo, como disse o Ruiz, continuar sendo uma rádio livre com o apoio
agora é hora de música, agora é hora de rezar, da AMARC? Estamos de braços abertos, como
como se a gente fosse compartimentalizando, disse o Rafael, estamos brindando a esse
como disse Mãe Beth: você vai num hospital, reencontro e que bom que aconteceu, e que
cardiologista, oftalmologista e você vira um bom que é agora.
ser todo despedaçado, quando ninguém sabe
que nós somos muito mais integrados do que Sarah: Eu vivo da poesia, que é um programa
isso. Então, uma saudação a todas as línguas coletivo político-poético, que a gente tenta
indígenas que ainda resistem e persistem. falar de revoluções da forma mais poética
E, por conta disso, a AMARC fez um trabalho possível. A questão da igualdade de gênero é
junto ao Ministério das Comunicações para uma coisa que a gente tem que se ligar muito
que a gente continue esse trabalho, estamos no nosso cotidiano, pois, por exemplo, até a
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
parte técnica, muitas vezes, quem detém são privados que se apropriavam das concessões
os homens, no Vira Poesia a gente já passou públicas e aí passaram a usar. O MST fez em
por muitas dificuldades, porque os homens relação à terra, conseguiram fazer com que
tinham as técnicas e diziam que sabiam, mas fosse distribuída muita terra e o Estado viesse
não queriam repassar as técnicas para as depois com os benefícios: área de plantio
mulheres que estavam entrando. Acho que a individual, coletivo, com as casas com a água,
gente tem que avançar muito nesse sentido. com a energia e por aí vai. Essa analogia é um
Outra coisa que me chamou muita atenção, pouco parecida com a rádio comunitária. O
a regionalização. Isso faz parte da minha espaço continua sendo concentrado e a gente,
pesquisa e, aqui, olhando o resto da mesa, quando consegue botar uma rádio, ela é muito
mesmo faltando mulheres, você vê o quão burocrática, os documentos são difíceis para a
é diverso, o quanto o Brasil é diverso. Cada gente viabilizar. E tem o quadro cultural: o fato
um tem uma perspectiva regional não só no de se passar muito tempo com os meios de
sotaque, mas pela experiência que traz. Então comunicação concentrados, colocou no nosso
quando a gente vê isso, uma reivindicação imaginário que o fazer radiofônico não pode
histórica dos movimentos sociais: mais ser feito numa perspectiva mais original, dos
participação das regiões. Aqui no Piauí, por povos que deram origem ao Brasil. A gente
exemplo, tem várias TVs regionais e até esquece isso e termina reproduzindo o rádio,
independentes, mas a gente não vê mais quando a gente faz rádio comunitária, muito
democratização. Desde a década de 90, vários numa perspectiva cultural de quem sempre
investimentos nessa comunicação regional, trabalhou rádio duma forma concentrada
onde a gente não vê o quilombola, não vê o e duma forma não inclusiva. Então, fica o
indígena, não vê as mulheres da periferia, que a desafio da gente usar um pouco o que se fala
gente não vê os povos de terreiro... Então acho em relação a tecnologia, a gente poder usar
que é uma reivindicação também, que a gente a tecnologia e ela poder ser libertadora, mas
deveria retomar. A gente quer participação no ela pode ser também manipuladora. Ela pode
orçamento também, se a gente for ver quantos reproduzir aquilo que grande parte da mídia
milhões que vão para a Globo, quanto vai para já faz em relação à cultura brasileira, cultura
a EBC, ou para a TV Brasil... popular e de raiz no Brasil. Então, a gente
precisa ficar como vigilante, porque o rádio
[Homem não identificado]: Nos anos 80, a empodera e, ao mesmo tempo, principalmente,
gente tinha como principal lema das rádios nas comunidades, nossa experiência fala que
comunitárias e das rádios livres a questão da os locutores, às vezes, querem ser estrela
Reforma Agrária do Ar. A gente via que o espaço do mesmo jeito dos assalariados da grande
era todo ocupado pelas empresas de grupos mídia. Rádio não funciona sem dinheiro e o
74
Convergência
Estado tem dinheiro. Não é só vendedor de As entidades, tudo bem, tem as entidades, tem
galeto lá da comunidade que pode dar dinheiro Igreja Católica, Sindicato, evangélicos que, vez
para alimentar uma programação radiofônica, e outra, tem uma mulher que participa. Dessa
a prefeitura tem dinheiro e o Estado também, forma, está incluído, mas os colaboradores
o governo Federal também. Então, essa da emissora, aqueles que vão lá para fazer
legalização, além dela ser dificultada para o programa, a gente tenta as mulheres, mas
as rádios comunitárias, depois a luta vai ser como é que poderíamos fazer para atrair
também para a gente participar das verbas essas mulheres? Porque acho que a mulher
publicitárias. E se você não participa, deixa tem que ter um espaço dela no rádio também.
só para os grandes meios disputarem, nós
vamos continuar como aquele agricultor que Tony Marques: O problema não é só um
conseguiu um pedaço da terra, o governo deu... sentimento político feminino, é de todos os
deu não, é fruto de conquista, aquele pedaço segmentos políticos. Os outros movimentos
da terra, mas aí não se usufrui da terra de jeito políticos de esquerda em nosso país são
nenhum, porque não tem a tecnologia, a grana muito complicados. Para quem está na
para movimentar, não tem a participação nem Amazônia, talvez no Nordeste seja diferente,
movimento da comunidade para participar. mas a nossa região é muito mais complicada.
E aí o que eu falo com o pessoal de Tefé. Eu Eu sou jornalista condenado e meus meios
quero insistir nessa pergunta: as mulheres foram disponibilizados para poder pagar
produzem programas? Quais das rádios que as multas que foram geradas durante o
tem aqui que as mulheres são produtoras de processo. Então é o seguinte, precisamos de
programas? uma estratégia urgente. Se não estivermos
sensibilizados em comunicação e na melhor
Wado Teixeira: Sou de Itapipoca, no Ceará. maneira de fazer política libertária nesse
Nós somos uma rádio comunitária legalizada, país, não vamos andar. Enquanto alguém vai
homologada pela Anatel, pelo Ministério das para a universidade fazer, o homem vai entrar
Comunicações, temos cerca de 15 locutores. Aí lá para fazer jornalismo e substituir o William
se você me perguntar quantos são mulheres Bonner, a mulher precisa substituir a Fátima
– nenhuma. Cada realidade, cada local tem Bernardes, então, não vamos avançar em
uma realidade. Elas dizem que não querem. comunicação. As experiências que eu tive, as
A gente tenta de todas as maneiras. Pra mim, mulheres ainda têm muito medo de assumir
eu como comunicador que sou, com 16 nos de uma responsabilidade. O problema do rádio é
rádio, tem que ver a questão de que a gente a mitificação que a direita faz. A direita faz um
percebe que as mulheres tem muita iniciativa estúdio, tranca, pega a chave e ninguém entra.
, mas eu não sei o que acontece em Itapipoca? Vamos fazer as nossas rádios e vamos fazer ela
75
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
na rua, pois é uma coisa que todo mundo sabe envolvidíssimas nesse seminário. Interessante
como funciona. Agora a gente está querendo que o seminário não trata apenas religião. Eu
ver se põe em prática que á trabalhar com a acho que é uma questão da pessoa humana,
criança, o adolescente, a gente quer ver se da cultura, do estado laico, do descaso e
consegue plantar essa semente neles, para desconhecimento do poder público ocidental.
que a gente comece certo. Essa questão
da rádio comunitária, pra mim, ela forma [Mulher não identificada]: Sou de Queimados,
locutores: vamos fazer esse comunicador? interior da Bahia. Com relação às represálias
que as rádios comunitárias sofrem, eu
Célia Rodrigues: Um toque para falo porque estou há quase 10 anos nessa
você companheiro: muda o conceito de experiência de rádio comunitária, não sou
programação da sua rádio. Eu acho que as formada em Comunicação ainda. A gente
rádios, não as rádios comunitárias, porque percebe de perto essa realidade que é a lei que
não tenho conhecimento de todas, ainda dá uma outorga para elas funcionarem, mas
mantém um ranço muito machista. Como se que não atingem o limite que gostariam de
faz comunicação de gênero? Cumprimentando atingir, que é chegar mais longe. As represálias
o público feminino, quando você fala bom de tratar o comunicador-radialista como um
dia, “queridos ouvintes da rádio tal”, só que criminoso, a gente viu comunicadores saírem
quem está ouvindo rádio naquele momento das rádios algemados. Outra questão, a
são as mulheres donas de casa. Absurdo pressão popular: eu já presenciei, na hora de
uma rádio só ter homens. Convida a Rede de uma rádio ser fechada pela Anatel e pela PF,
Mulheres da AMARC Brasil, que a gente ajuda. “a rádio é nossa, nós queremos a rádio aqui” e
Eu queria compartilhar um acontecimento, essa pressão precisa continuar. Outra questão
eu gostei tanto da fala da Mãe Beth que é a da programação: eu vindo ontem, da Bahia,
reclama da invisibilidade e desvalorização do interior pra capital para pegar o avião vi um
das religiões afro. Está acontecendo, a frente outdoor enorme na cidade de Feira de Santana
de mulheres do Movimento dos Cariri, de com aquela cantora que foi pro The Voice Brasil,
onde eu venho, está realizando nesse final de Paula Sanffer, fiquei olhando aquele outdoor e
semana o primeiro seminário de diversidade imaginando: caramba, nós, comunicadores e
religiosa, são mulheres feministas. Algumas comunicadoras, nós fazemos rádio no interior
delas estudiosas das religiões, o legal é que e a rádio comunitária deixa de divulgar a
as mulheres de terreiro, as comunidades e música regional e só começamos a divulgar
todos os demais conceitos religiosos da nossa depois que aparece na grande mídia: aí todo
região, que é muito carregada pela religião mundo aparece querendo ser padrinho, então
Católica por causa do padre Cícero, estão temos que avaliar o contexto de musicalidade.
76
Convergência
O que estamos fazendo com esse papel de convergência do que divergência. É a disputa
rádio comunitária? pelo bem público, que é da humanidade, não
tem dono. Por exemplo, ganharam uma liminar
Pedro Martins: Primeiro, o conceito de de nos proibir de ter publicidade estatal, tinha
comunitário, quando a gente fala em rádio sido aprovada uma Portaria do Ministério
comunitária, ainda é um conceito em disputa. das Comunicações. Fizeram o lobby para
Nós, da AMARC, não defendemos o conceito de continuar a criminalização da rádio abaixo
comunidade da lei 9.612, a gente defende que de 100 watts e a gente tinha ganhado, mas
cada comunidade possa se autodeterminar eles fizeram lobby e ganharam no Congresso
enquanto comunidade; que não é só um espaço e, segundo a votação, agora a gente tem um
territorial que aquela rádio vai ocupar, pra inimigo que tem um poder transnacional que
quem ela vai transmitir. Aí tem a comunidade são as operadas de telecomunicação: elas
de mulheres LGBT, índios, quilombolas, que vão disputar espectro conosco, a gente deve
se apresentam de diversas formas. Então ter em mente que não se resume mais aquele
a gente acha que, nesse sentido, a gente vai velho discurso das seis famílias proprietárias
caminhar para esse debate sobre o conceito dos maiores veículos de rádio e TV, no Brasil.
de comunidade, quando a gente fala da Agora, a gente tem que inibir também a
participação das mulheres, eu acho que mais Oi, Vivo, Tim, Claro... Estão aí disputando
do que as mulheres apresentarem programas espaço para vender banda larga e serviços de
nas rádios, elas também precisam fazer parte Internet, por isso a gente acredita também que
da gestão das rádios. As mulheres definirem as rádios comunitárias possam ser centros
os rumos que as rádios vão tomar e fazer de referência de Internet. É uma discussão
parte de toda a discussão, porque quando a que eu acho importante, é uma disputa que a
gente fala em rádio comunitária, não é porque gente está cada vez mais focando, construindo
ela se comunica para uma comunidade, mas coletivamente e nos movimentos sociais que
porque ela tem uma gestão comunitária reivindicam a comunicação.
também. E isso é importante a gente frisar que
as mulheres façam parte e que elas definam
as suas formas de participação: se vão ter
espaços separados para as discussões, isso
é importante, a autodeterminação desse
coletivo e, por fim, eu acho que a grande
disputa política com relação ao conceito de
rádio comunitária, espectro, que envolve
também as lutas das rádios livres, tem mais
77
Entrada 2
Redes e
Espectro
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
A Gestão Dinâmica da
Esfera Pública e
o Espectro Livre “O Espectro é do Povo! Como o céu é do Condor!”1.
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Redes e Espectro
81
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Redes e Espectro
ccivil_03/_ato2007-2010/2008/
livro pelo prof. José Marques de Melo: a aumento das vozes na esfera pública, o intuito lei/l11652.htm Acesso em 20
digitalização dos conteúdos, dos meios de é chamar a atenção para a possibilidade Jul. 2016.
6
Para saber mais sobre a
transmissão, e a emergente possibilidade de técnica de ampliação do debate público, história das Rádios Livres,
comunicação de todos com todos estão entre fomentando o interesse público e tomando sobretudo as europeias, ver
a tradução do livro As Rádios
as características técnicas que ampliaram como base a liberdade de expressão individual Livres, escrito pelo Coletivo
e modificaram as condições de produção do das pessoas, não das empresas. Ao se Rádios Livres Populares, em
1978: http://www.radiolivre.org/
debate público na medida em que passaram referirem ao Art. 223 da Constituição Federal sites/radiolivre/files/radios_
a incorporar diretamente vozes diversas, de 1988, os defensores da EBC destacaram livres_traduzido.pdf. Acesso em
20 Jul. 2016.
geralmente à margem do debate público. Ou na emissora sua curadoria eleita pela
seja, multiplicando a circulação das vozes que sociedade civil, sua preocupação com uma
antes eram majoritariamente controladas por programação educativa, e sua capacidade
meios de comunicação social proprietários, de canalizar uma produção independente
e reverberavam os interesses das famílias que só faz crescer. Defendiam, por fim, seu
proprietárias dos meios, acrescentamos papel contra-hegemônico, capaz de disputar
a hipótese de um novo regime digital de com os meios privados as narrativas sociais
formação da esfera pública de comunicação que tradicionalmente refletem a opinião de
onde a diversidade, e não apenas a pluralidade, uma minoria mais rica, em detrimento das
participariam na recomposição do sentido de necessidades de uma maioria mais pobre.
representação nos meios, associada à ideia Porém, para efeito deste texto, se assumimos
de limitação do espectro. Hoje, dispomos que a EBC não é estatal, que ela é pública, que
de tecnologias como rádio cognitivo e rádio outras formas de comunicação pública podem
definido por software, que proporcionam a ser fomentadas em uma abordagem sobre
gestão dinâmica do espectro, partindo-se do o espectro onde sejam possíveis emissões
princípio do compartilhamento do espectro, de comunitárias, livres, nem comerciais nem
sua abundância, não da escassez que autoriza estatais?
a poucos emissores ocuparem, muitas vezes
sem nem mesmo utilizar efetivamente, Historicamente, o outro grande ator a
grandes porções de espectro, em um momento ocupar o lugar do “público” sob o princípio
de demanda crescente de mais espaço para jurídico da complementaridade no provimento
novos serviços de comunicação. dos serviços de comunicação são as Rádios
Comunitárias e Rádios Livres6, com distintas
Ao comparar a noção de público empregada abordagens sobre a necessidade ou não de
na defesa da Empresa Brasil de Comunicação, prévia autorização para se comunicarem.
que reivindica sua autonomia e quer se Enquanto as Rádios Comunitárias são
83
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
previstas na lei 9.612, de 1998, e definidas pelo enganosa, sugerindo um risco para a aviação
Estado como emissoras que devem ocupar sem qualquer fundamento técnico, como o
uma única frequência no dial analógico, as demonstrou no Senado brasileiro o pesquisador
Rádios Livres partem do pressuposto de que Marcus Manhães (2006)7. Mais profundamente,
o Espectro é um Bem Comum (res communis o mito da interferência (WEINBERGER, 2003)
omnium), e que o Art. 5o da Constituição justifica historicamente uma apropriação do
Federal e o Art. XIX da Declaração Universal Estado sobre a gestão do espectro, “para que
dos Direitos Humanos, de 1948, asseguram as emissoras não se interfiram mutuamente”,
que se ocupem as frequências livres, sem e a Agência Nacional de Telecomunicações tem
prévia autorização ou licença, pois entendem a incumbência de fiscalizar se os equipamentos
que a sociedade não só não condena sua ação utilizados são adequados, devidamente
como também se beneficia dela. calibrados e se transmitem dentro de suas
margens de alcance previstas em lei (no caso
O maior obstáculo para a ocupação plena das Rádios Comunitárias, o raio previsto é de
do espectro é atribuído à interferência. 1 km, como se uma comunidade pudesse ser
Sabemos que ela tem sido utilizada de maneira definida com esse tipo de delimitação).
84
Redes e Espectro
Interferências de radiodifusão
técnica em curso impõe não apenas um Publicidade FM em Comunicações
desmonte crítico dos regulamentos em vigor, Aeronáuticas”. Disponível em
http://muda.radiolivre.org/sites/
mas que busquemos amparos constitucionais Desde a metade do século XIX, quando muda/files/Interferencia%20
em outros capítulos além do dedicado à os primeiros jornais ingleses publicavam radio%20FM.pdf. Ver também
a apresentação: http://www.
comunicação social, incluindo o direito à em suas edições diárias opiniões políticas senado.gov.br/comissoes/
cultura e à educação, e dedicando especial voltadas para assuntos de interesse geral, os cct/ap/AP20080709_Radios_
Clandestinas_pesquisador.pdf.
atenção à possibilidade de incrementar a conhecidos editoriais de hoje, vem ganhando Jul 2016.
prática de transparência pública por meios espaço o fenômeno nomeado por Habermas
digitais de transmissão de dados, também (1978) como a subversão do princípio de
prevista em lei. Todas essas possibilidades publicidade promovida por meios privados.
concernem ao atual contexto de digitalização Essa subversão consiste basicamente na
dos meios de comunicação. Com a tecnologia modelação do trabalho publicitário sob a
de Rádio Cognitivo, no entanto, o paradigma forma de representação, fazendo com que
muda: ao tornar a gestão dinâmica muito esta se autonomize em relação à vida interna
mais eficiente que a provida na atribuição de da organização, notadamente empresarial,
janelas exclusivas pelo Estado, uma vez que retirando do funcionamento mesmo da
o próprio equipamento é capaz de encontrar publicidade o debate público (HABERMAS,
uma frequência disponível para transmitir, 1978, p. 209). Assim, a concentração da
a possibilidade é de aumento vertiginoso da propriedade das empresas detentoras
distribuição da infraestrutura necessária para de direitos de exploração do serviço de
se comunicar, experiência social que uma comunicação social, organizada em cartéis
recente relação humano-máquina de consumo e monopólios no Brasil (BELISÁRIO, 2015),
de tecnologias estabelece primordialmente facilita o controle das máquinas de circulação
sob os parâmetros de oferecimento de dos comunicados de interesse público,
serviços comerciais. Porém, além das resultando em um único objetivo, confundido
conhecidas tecnologias de rádio e televisão, com o processo eleitoral: realizar a campanha
são os convergentes e portáteis aparelhos de publicitária (HABERMAS, 1978, p. 219).
comunicação que deram o maior impulso para
a emergência da gestão dinâmica da esfera No Brasil, o surgimento do rádio esteve
pública. associado à ideia de promover a educação à
distância em um país continental, mas essa
missão permanece ainda atribuída a poucos
radiodifusores, sobretudo com interesse
comercial (REBOUÇAS E DIAS, 2016, p.
85
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
43). Uma das maneiras de tentar evitar a Art. 223, o respeito aos direitos culturais e,
concentração dos meios que canalizam o sobretudo, a garantia à liberdade de expressão
debate público é realizada, em vários países, nem de longe refletem as mudanças trazidas
interditando-se a propriedade cruzada sobre com as novas práticas envolvendo o digital.
as empresas que veiculam as opiniões e Como define Peter Pál Pelbart:
conteúdos de interesse público. Argumenta-
se que “quando a mídia não reflete a O lugar de formação da esfera pública se
diversidade e o pluralismo das informações transferiu da dimensão do confronto entre
e opiniões, isso constitui uma ameaça à opiniões ideologicamente fundadas para o
democracia e à sociedade” (op. cit., p. 49). magma do oceano neurotelemático, no qual
as coisas se determinam fragmentariamente,
Ora, se uma tal preocupação com a imprevisivelmente, por efeito de tempestades
propriedade cruzada sobre os meios possui psicomagnéticas e cada vez menos referidas a
uma clara justificativa face ao controle que esquemas políticos definidos.
poucas empresas possuem na veiculação
massiva dos conteúdos fomentadores do E complementa:
debate e do interesse público, parece-nos,
Assim, essa mutação não pode ser apreendida
por outro lado, que o objetivo de garantir a
com as categorias da democracia moderna
diversidade deveria avançar no sentido de
ou representativa, com o reino da opinião, das
promover a complementaridade entre tipos
regras. Diante da decomposição da mente
de emissoras, públicas, comunitárias ou
moderna, resultante dessa mutação do ambiente
privadas. A investida sobre a propriedade
em que se forma essa mente, do adensamento da
cruzada tem se mostrado inócua frente às
crosta infoesférica, da expansão do ciberespaço,
manobras exercidas pelos donos, e seus
não cabem mais as modalidades lógico-críticas.
parentes, além dos sócios que se configuram
Assistimos à integração da mente no processo
cotistas de emissoras privadas, contornando
de produção capitalista, à incorporação da
leis imprecisas, mantendo-se na direção das
inteligência na lógica do capital. Não há mais
políticas editorais e veiculação de conteúdos
sentido em falar da restauração das condições
com interesse maior de produção de lucro
democráticas da política, pois a formação livre de
para as empresas. Contudo, para além da
opinião, condição necessária para o exercício do
disputa de conteúdo entre tipos de emissoras,
que nos acostumamos a chamar de democracia,
quais são os parâmetros para assegurar que
tende a diluir-se8 .
de fato o debate público reflita o pluralismo
e a diversidade de uma sociedade? Tal como Partimos do pressuposto de que a implosão
formulados até o momento, a atenção ao das categorias implica em uma revisão sobre
86
Redes e Espectro
o que entendemos por espectro, este lugar comunicação e para a esfera pública, a disputa Ver http://www.revistacinetica.
8
com.br/cep/peter_pal.htm
invisível, onde convergem as novas mídias, sobre o espectro implica também uma luta Acesso 20 Jul. 2016.
implicando na reformulação da esfera pública contra a abordagem do Estado, que deveria ser
de opinião que operava com as noções de o agente que garantiria o direito das pessoas,
representação e escassez. Nesta passagem, à cultura, à educação, à livre expressão, mas
velhas empresas atuam como grande se apropria do espectro de modo a receber
latifundiários donos do espaço agora ocupado grandes montantes de dinheiro em troca
com novos dispositivos de comunicação e do direito de uso e exploração comercial
novas relações humano-máquina, que se de serviços. Eis o real motivo que explica a
realizam em uma nova forma neurotelemática. dificuldade das emissoras sem fins lucrativos
Se as categorias mudaram, mas persistem os em se utilizarem mesmo da menor fatia
mesmos problemas, como, afinal, realizar a disponível de espectro.
reforma agrária do ar no século do digital?
Considerando o Art. 225 (“Todos têm direito
Do ponto de vista jurídico, o espectro ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
constitui um bem público. O inciso XXI do bem de uso comum do povo e essencial à
artigo 4o da Resolução n.o 259/2001/Anatel sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
define o espectro de radiofrequências como Público e à coletividade o dever de defendê-
“bem público, de fruição limitada, cujo uso é lo e preservá-lo para as presentes e futuras
administrado pela Agência, que corresponde a gerações”), poderíamos ainda especular
uma parte do espectro eletromagnético abaixo sobre a necessidade de uma avaliação mais
de 3.000 GHz, que se propaga no espaço sem cuidadosa sobre o uso potencialmente
guia artificial e que é, do ponto de vista do danoso do espectro à saúde humana, que
conhecimento tecnológico atual, passível de deveria considerar limites e parâmetros
uso por sistemas de radiocomunicação”. técnicos claros de propagação de ondas para
recebimento em televisões, rádios e celulares,
Os bens públicos podem ser divididos em res geralmente acessados bem perto do cérebro.
publicae ou em res comunis omnium. Como res A alternativa jurídica para uma gestão
publicae, o espectro seria um bem público de ecologicamente adequada do espectro aponta
propriedade do Estado e por ele disciplinado e para sua municipalização, combina o direito
regulado. No sentido romano de res communis de antena à gestão de bens ambientais, como
omnium, ao contrário, o espectro seria um o ar e a água, e assume como premissa de
bem pertencente a todos, a toda a coletividade gestão a apresentação de um relatório técnico
(KISS, 1985: 423-441 apud PINHEIRO, 2013, p. de impacto ambiental onde se queira instalar
190). Ou seja, além da dificuldade de darmos a emissora de comunicação (FIORILLO, 2000).
materialidade a esse lugar tão crucial para a
87
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
88
Redes e Espectro
89
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
9
Ver http://openspectrum.info/ Se o princípio de complementaridade países em desenvolvimento”9. Se a defesa
Acesso 20 Jul. 2016.
10
Ver o vídeo: http://
presente no Art. 223 parece ser atendido com a da livre expressão já prescindia de qualquer
www.ibe.tv/es/canal/ reserva de espaços para emissões comunitárias permissão do Estado para transmitir pelo
laaventuradeaprender/849/
Nuvem-Esta%C3%A7%C3%A3o-
e livres, inspirando-nos em leis promulgadas espectro, com as novas tecnologias de rádio,
Rural-de-Arte-e-Tecnologia.htm por nossos vizinhos da América Latina, resta a gestão deste bem público passa a ser muito
Acesso 20 Jul. 2016.
argumentar em defesa da pluralidade e da mais eficiente de forma dinâmica, amparada
diversidade, agora no contexto digital, tema por tecnologias que localizam as frequências
que resumo de um artigo já publicado (NOVAES, livres, tornando o Estado obsoleto na alocação
2013): se de um lado a pluralidade é um de faixas exclusivas, que nem sempre estão
conceito importante para buscar o equilíbrio sendo utilizadas (basta considerar o apelo
na cobertura de notícias, tentando abordar econômico necessário para atrair a instalação
as diferentes versões de um acontecimento, de infraestrutura de comunicação nos
sobretudo de caráter jornalístico, a diversidade interiores do Brasil)10. Porém, na esteira dos
é um valor ligado às culturas presentes em um movimentos que se organizam para defender
país, que levaram a Bolívia a reservar parte do a ampliação do acesso ao espectro, a opção
espectro para a expressão dessas minorias. Em pelo Livre se impõe sobre o Aberto, separando
nosso entendimento, a diversidade somente claramente o direito à livre expressão da
é contemplada se as pessoas têm acesso possibilidade técnica de desenvolvimento
direto ao meio, sem intermediários, o que econômico utilizando faixas não licenciadas,
se tornou possível com as novas tecnologias como traz o modelo liberal. Surgido em terras
digitais, reconfigurando a maneira pela qual se brasileiras, o conceito de espectro livre tem um
estruturava a esfera pública, conforme vimos alcance global, irrompendo sobre fronteiras,
tratando. fomentando a autonomia tecnológica de
comunicação no contexto digital, em defesa da
Ao propormos a noção de espectro livre, diversidade, da experimentação, da liberdade.
uma primeira inspiração certamente advém Basta de escravidão midiática, o espectro quer
da proposta de open spectrum (HORVITZ, ser Livre.
2005), que propõe: “um ideal de liberdade
no uso de radiofrequências; uma crítica à Bibliografia
gestão tradicional do espectro; uma proposta
decorrente de tendências em design de BELISÁRIO, Adriano [2015]. “Espectro Livre
rádio;”. Em suma: “Queremos eliminar o como alternativa tecnopolítica à vigilância”.
atual papel do governo em conceder licenças Rev. Politics, n. 22. Disponível em: https://
a indivíduos e organizações para o uso politics.org.br/edicoes/espectro-livre-como-
inofensivo do rádio, particularmente em alternativa-tecnopol%C3%ADtica-%C3%A0-
vigil%C3%A2ncia Acesso em 10 de jul. 2016.
90
Redes e Espectro
91
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
(Re)Construindo
redes comunitárias em
Motor City, Detroit
D ez anos atrás, eu realizei oficinas de
produção radiofônica com jovens de Atlapulco,
trovoadas. Eu me lembro que, para mandar um
email, demorava uma hora, às vezes mais, no
uma pequena cidade a duas horas da Cidade caso de a gente ficar impaciente e clicar, sem
do México, como parte de um projeto para a querer, um botão que direcionava para outra
criação de uma rádio comunitária. Naquela página. Era tão frustrante que eu acabava
época, a conexão à internet da cidade era decidindo dar conta das minhas comunicações
literalmente dolorosa, já que a gente tinha via internet na cidade grande mais próxima, a
que trabalhar com uma conexão discada que uma hora dali. Simplesmente não valia a pena
caía toda vez que a cidade era acometida por perder meu tempo olhando para uma tela que
92
Redes e Espectro
demorava minutos sem fim para carregar a conheço alguns daquele pessoal por colaborar
página. e participar na Allied Media Conference. Todo
ano eles lançam uma faixa de mídia que foca na
Uma década depois daquela experiência, eu desmistificação da tecnologia através do fazer/
tenho a sorte de estar próxima e participar ensinar. Este ano eu entrevistei Diana Nucera,
de projetos que envolvem a criação de redes que atualmente trabalha no Detroit Community
comunitárias de diferentes capacidades, Technology Project, em colaboração com Allied
algumas das quais abarcam rádios Media Projects, Grace in Action Collectives,
comunitárias, outras buscam criar conexão via Rádio Comunitária WNUC e o Programa
Intranet e redes de celular usando tecnologia Boulevard Harambe, da Igreja do Messias. O
GSM combinada com wifi e VoPI. Eu tenho programa foi lançado em julho de 2016 e vai
tentado entender tanto a tecnologia que estou até 2018. É uma iniciativa que busca levar
aprendendo quanto as melhores formas de tecnologias digitais para o desenvolvimento
fazer a comunidade se engajar na criação e na econômico e social em comunidades de baixa
manutenção de redes. Em outras palavras: a renda em Detroit, uma cidade em que 40% da
acreditar na importância de redes autônomas e população não está online e 30% vive abaixo
autogeridas. Eu verdadeiramente acredito que da linha estadunidense de pobreza. Eles usam
a tecnologia tem uma pequena porcentagem o software Commotion Wireless para fazer
nessa equação, quando comparada ao funcionar suas redes.
componente organização da comunidade. Ao
longo desses muitos anos envolvida nesses Há dois programas: um é o grupo de pessoas
projetos, tenho visto muitos transmissores que constrói as redes sem fio compartilhando
de rádio pegando poeira, pessoas exaustas a conexão Gigabit para cinquenta domicílios,
tentando arrastar jovens para seus estúdios e há um segundo grupo trabalhando nos
a fim de produzir um programa de rádio, isso aplicativos para aquelas redes sem fio, já que
sem falar daquele técnico experiente que, dentro delas é possível acessar a Intranet.
sozinho, vive etiquetando equipamento na A própria ideia de levar redes Gigabit para
tentativa de evitar que a comunidade bagunce cidades onde nem todos têm acesso a Internet
sua configuração, por estar cansado de ser é uma ideia, em si, doida. Isso me impressionou
chamado para resolver problemas na sala dos muito, como disse Diana:
equipamentos.
Com Gigabit é um novo mundo, você pode fazer
Nos últimos cinco anos, eu tenho coisas como chats de vídeo, editar vídeos ao vivo
acompanhado o trabalho do Detroit Community se as pessoas quiserem coproduzir um vídeo
Technology Project, que tem construído/ ou música via rede. Então, a ideia é permitir as
ensinado tecnologias de rede mesh. Eu muitas colaborações potenciais que as pessoas
93
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
1
Entrevista com Diana Nucera, podem ter com essa Internet de alta velocidade. sobre quão longe essas tecnologias evoluem
diretora do Detroit Community
Technology Project.
Com Gigabit você pode fazer seu próprio serviço para se manterem de ponta? Ou, antes,
de email. O que diabos as pessoas vão fazer com devemos nos focar em aprender quais são os
isso? Eu não sei. A gente achou que precisava modos mais efetivos para reivindicar essas
mesmo implementar isso, porque o país está tecnologias em colaboração mútua com as
adotando Gigabit. Penso que em alguns lugares pessoas que dela necessitam? Em outras
está causando um tipo de classicismo. Acho que palavras: devemos realmente parar e tomar
a primeira rede de fibra ótica do Google foi em o tempo necessário para sermos efetivos e
Charlotte, onde havia literalmente uma divisão construirmos essas tecnologias juntos, desde
racial entre os que usavam e os que não o usavam. a base, de mãos dadas com os usuários? O
Eu tenho me atentado a isso e pensado que, se que quer dizer que, realmente, precisamos
esse é o futuro da Internet, isso vai gerar ainda ter tempo de desenvolver mecanismos
mais problemas como: a gente se preocupava de compartilhamento de habilidades
em que as pessoas estivessem online, a gente suficientemente significativas para as
precisa se preocupar com a velocidade também. pessoas, porque elas próprias participam
Porque uma vez estando online você pode fazer do processo de moldá-las e adotá-las. Por
tanto, sua velocidade depende do que você exemplo, como podemos assegurar que essas
realmente pode fazer. É só um modo de tratar tecnologias serão sustentáveis no futuro, no
disso, em se tratando de acesso e alfabetismo que se refere à manutenção e transmissão de
digital. Ter moradores de bairro é o que cria o experiência para os demais com um modelo
futuro de Detroit, mais do que esses bilionários de educar educadores?
que vêm para a cidade e constroem um monte de
coisas. Velocidade é a nova fronteira da igualdade O Detroit Community Technology Project tem
digital, você já não consegue fazer mais nada pensado nisso, atualmente seu programa
com 10 megabytes.1 consiste em um treinamento de 20 semanas,
4 delas com foco em tecnologia, o restante
O modo pelo qual a tecnologia se move focando em habilidades de organização
mais rápido que nós, definitivamente, é comunitária. Ensinam o pessoal a fazer
um desafio para todos que trabalham pelo pesquisas sobre como as pessoas usam a
fim da divisão digital. Como podemos nos Internet e para quê, ver quais problemas
apropriar dessas tecnologias e transformá- há na vizinhança, habilidades para facilitar
las em ferramentas sociais para as pessoas, processos etc. Garantindo que a sala esteja
para que ajudem a desenvolver economias, cheia de pessoas motivadas pela tecnologia e
sociedades e comunicações radicais sem que por sua construção e se organizam por terem
se tornem obsoletas no momento em que as se dado conta de que é preciso um grupo para
implementamos? Devemos nos preocupar
94
Redes e Espectro
realizar isso: assim como é preciso todo um mesmo usar somente uma parte que faça
povoado para criar uma criança, o mesmo se sentido para eles. Você pode conferir online
dá aqui. Eles pensam que a fórmula certa para em communitytechnology.github.io.
redes sustentáveis são líderes comunitários,
uma pessoa tecnológica e uma galera que se Desse modo, trabalhar com lideranças
sinta confortável no telhado, para fazer direito. comunitárias, promover alfabetização
Trabalhar com pessoas que são líderes na digital, trabalhar com líderes locais para
vizinhança, em outras palavras, o domínio leva construir, planejar, organizar e manter as
a sustentabilidade. redes. Em cada localidade há grupos que
ajudam a promover capacidade digital em
Eles também sabem que demorar muito cada vizinhança. Sem aceitar que a tecnologia
para organizar esse processo coletivo de nos seja dada. Entender como a tecnologia
aprendizado/construção, às vezes, pode funciona, desmistificá-la. Atualmente, eles
levar as pessoas a desistirem, então eles têm três projetos de treinamento em Detroit,
têm tentado desenvolver diferentes modelos. algumas redes em Red Hook, Nova Iorque e 11
Estão documentando a experiência para redes-semente internacionais em 10 países.
aqueles que queiram adotá-la, replicá-la ou A Red Hook Initiative, em Nova Iorque, por
95
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
2
http://techpresident.com/ exemplo, surgiu um ano antes de o furacão experiência, precisam ser compartilhadas e
news/23127/red-hook-mesh-
network-connects-sandy- Sandy atingir Nova Iorque. Quando todas as construídas com a comunidade.
survivors-still-without-power infraestruturas de comunicação colapsaram,
3
Entrevista com Diana Nucera,
a rede veio como uma ferramenta bem útil a As soluções mais holísticas frequentemente
diretora do Detroit Community
Technology Project. ser usada em caso de emergência. vêm dos lugares que estão na intersecção entre
a marginalização e a opressão, aqueles que
Os nós cobriram a quadra circundante com estão lidando com a opressão frequentemente
Wi-Fi conectado à Internet global através de têm as soluções mais inovadoras para prevenir
uma conexão Verizon FiOS. Quando as pessoas que ela ocorra no futuro. Este é o motivo pelo
vieram ao RHI para se aquecer, eles também qual estamos começando em localidades que
carregaram seus celulares, ligaram para atualmente não têm acesso a Internet em
parentes preocupados com eles e checaram Detroit.3
seus email.2
96
Redes e Espectro
por Jaqueline
Deister, jornalista da
Pulsar Brasil
Telefonia comunitária:
uma nova possibilidade no
setor da comunicação
U ma experiência no estado de Oaxaca, no
México, tem permitido que comunidades rurais
operar os sinais na rede de telefonia móvel.
97
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
1
A rede Mesh é composta eletromagnético para povos ou grupos sociais. Peter: Sim. Somos um grupo com sede
de vários nós/roteadores,
que passam a se comportar em Oaxaca, no México, mas, na realidade,
como uma única e grande O pedido das comunidades foi encaminhado trabalhamos de diferentes partes do mundo,
rede, possibilitando que às autoridades e concedido em caráter
o cliente se conecte em somos uma equipe pequena, quatro pessoas,
qualquer um destes nós. experimental por quinze anos. O caso foi e nos dedicamos a questões ligadas ao acesso
pioneiro no México e traz uma nova perspectiva à informação e telecomunicações. O projeto
sobre o uso das tecnologias do setor de começa com um trabalho pessoal que eu
telecomunicação. estava realizando na Nigéria nos anos de 2009
e 2010. Logo, me mudei para o México e o
Peter Bloom é o coordenador geral do
projeto se instalou e seguiu somando ativistas.
coletivo Rhizomática. O ativista e idealizador
da iniciativa esteve em Campinas, São Pulsar: Peter, na Nigéria você chegou a
Paulo, durante o Seminário Internacional iniciar algum sistema de telefonia comunitária
sobre Espectro e Redes Digitais, realizado como em Oaxaca?
em 2016, pela Associação Mundial de Rádios
Comunitárias (AMARC Brasil). Bloom concedeu Peter: Não. Na Nigéria, foi mais no sentido de
uma entrevista à Agência Informativa Pulsar trabalhar com certos ativistas em uma cidade
Brasil e explicou mais detalhes a respeito do que se chama Port Harcourt. Nesse momento,
projeto de redes comunitárias no México. usávamos outra tecnologia, que era buscar
criar uma rede mesh1 entre telefones móveis
Pulsar: Peter, o coletivo Rhizomática sem passar por nenhuma infraestrutura. Mas,
mostrou que a telefonia comunitária é um nessa época, a tecnologia estava em fase
caminho possível. Como começou o trabalho experimental e o resultado não foi tão bom,
com as redes de telefonia móvel? mas foi uma grande experiência para aprender
Peter: Na verdade, o trabalho começou como repensar a estrutura de comunicação a
na Nigéria com um projeto que eu estava partir do ponto de vista comunitário.
fazendo sobre como pensar a infraestrutura Pulsar: E como começou o trabalho no
de telecomunicação de outra maneira. E, México? E quantas comunidades utilizam o
desde então, precisamente 2010, eu venho com serviço de telefonia?
outras pessoas pensando, dentro do contexto
latino-americano, o assunto sobre a telefonia Peter: O trabalho no México faz parte de
comunitária que vem da inspiração das rádios experiências que eu estava tendo com rádios
comunitárias. comunitárias em Oaxaca. Lá eu conheci as
rádios comunitárias, pessoas e apoiei certas
Pulsar: E a partir desta experiência surge o questões técnicas com uma organização que
coletivo Rhizomática no México?
98
Redes e Espectro
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
se chama Palavra Rádio e daí foi surgindo trabalhar em cinco estados do México e temos
a ideia de como usar a telefonia para fins o direito de operar ou apoiar a operação de
comunitários. A nossa maior inspiração redes comunitárias sem fins lucrativos. Essa
partiu da organização das pessoas para é basicamente a limitação. Temos um acordo
montar suas rádios comunitárias. Hoje, nós com o governo para implementar a rede
temos uma associação civil que se chama comunitária somente em lugares que não
Telecomunicação Indígena e Comunitária e tenham cobertura telefônica. Não buscamos
trabalhamos com 16 comunidades ao redor do competir ou instalar redes onde já há um
estado de Oaxaca. sistema de telefonia operando.
100
Redes e Espectro
a gestão da rede. Todos os softwares são comunicarem e gastarem menos dinheiro Rádio definido por Software:
2
101
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Espectro e
Vigilância 1
104
Redes e Espectro
1
Este texto trata-se de uma
fantasma da vigilância, urge fortalecermos as o precursor da telefonia celular, e o teletiton, versão do artigo originalmente
iniciativas construção de infraestruturas de pai da telegrafia sem fio. Dizia ele: “Dai-me publicado na Revista Liinc, em
2016.
comunicação mais autônomas e democráticas. um movimento vibratório tão extenso quanto 2
Sobre o assunto, recomendo a
à distância que nos separa desses outros leitura de carta que subscrevi,
O espectro eletromagnético constitui- mundos que rolam sobre nossa cabeça, ou junto a outros pesquisadores
se como um recurso central para as sob nossos pés, e eu farei chegar minha
da rede LAVITS. Cf.: http://
outraspalavras.net/brasil/
telecomunicações no século XXI. Em termos voz até lá” (apud ALENCAR et al., 2012). À intimidade-devassada/>.
econômicos, seria razoável sugerir que o época, esta “catequização interplanetária” e
3
Se considerarmos o espectro
de forma mais ampla, incluindo
espectro esteja para as telecomunicações, outras de suas ideias foram completamente também as ondas sonoras,
no século XXI, como as ferrovias estiveram rechaçadas por seus colegas paroquianos. devemos mencionar também a
noção - recorrente nas culturas
para as indústrias, no século XIX. No entanto, Landell foi considerado feiticeiro, louco e tradicionais - de que tambor é a
as analogias param por aí. Ao contrário das teve os equipamentos de seu laboratório “primeira Internet” (BELISÁRIO,
2016). De fato, o tambor é
ferrovias, o espectro eletromagnético, em destruídos, sendo transferido para outra notoriamente um dos primeiros
si, não foi construído por humanos. De fato, paróquia, no interior. Felizmente, não foi sistemas humanos de circulação
de informação a longas
certas faixas do espectro são fundamentais o suficiente. Já no ano seguinte, o padre distâncias, sendo largamente
para a nossa espécie e nos garantem, por reconstruiu suas máquinas e fez a primeira utilizado na África, muito antes
da Europa desenvolver qualquer
exemplo, a visão (frequências entre 400 ou 750 demonstração pública de uma transmissão tecnologia do gênero (cf.
terahertz) e a audição (entre 20 hertz e 20 mil por ondas eletromagnéticas do alto da Avenida GLEICK, 2013, p. 24-32).
hertz). Além disto, o espectro eletromagnético Paulista para outro ponto a 8 km de distância.
para telecomunicações só ganha concretude
a partir de objetos técnicos construídos Infelizmente, por outro lado, as tentativas
por humanos, que extraem dele suas de destruição de laboratórios de rádio
potencialidades. Mesmo assim, o espectro seguem atuais. Funcionando em Campinas,
eletromagnético é antes uma característica desde meados dos anos 1980, a Rádio Muda
do universo que, historicamente, demoramos é vítima de sistemáticas investidas de órgãos
a compreender e tirar pleno proveito de seus governamentais e estatais, via denúncias de
potenciais para a telecomunicação. Apenas meios comerciais, de repressão à mídia livre
no final do século XIX e início do século XX, e independente na cidade. Além disto, há
surgem as primeiras tecnologias humanas de ainda a tentativa de criminalização através de
transmissão pelo espectro eletromagnético processos judiciais de seus colaboradores,
utilizando ondas de rádio3. pesquisadores notórios com trabalhos
reconhecidos internacionalmente. Para além
Padre Landell de Moura avançava em seus da mera coincidência, importa aqui identificar
experimentos pioneiros com transmissões a persistência dos mecanismos de repressão
por rádio, quando se mudou para Campinas, que, por ignorância ou conservadorismo,
em 1893. Landell é o criador do anematófono,
105
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
106
Redes e Espectro
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Redes e Espectro
4
Disponível em: http://www.disa.
faixas para cada tipo de uso [...] e depois em Protocol (hoje chamado IPv4 ou IPv6) surgiu, mil/Mission-Support/Spectrum/
faixas ainda mais estreitas, uma para cada nós não sabíamos qual tecnologia seria Emerging-Technologies.
empresa de transporte. Uma vez que se melhor construir para as redes. Hoje, nós
aceita este modelo para o espectro, pode-se estamos usando tecnologias que nunca foram
argumentar sobre como distribuir as faixas, imaginadas no final dos anos 1970, e mesmo
seja pela economia, política, sorte, prioridade, assim aquele protocolo continua a ser o
diversidade, etc. Mas é importante não tomar núcleo da Internet. […] Nós precisamos de um
este modelo como dado e se focar apenas em regime que permita redes de radiofrequência
otimizá-lo. Para ficar com o exemplo, por que interoperarem e cooperarem no uso do
não se misturam tráfico de vários usuários? E espectro de forma aberta e experimental, tal
se a estrada começa a se encher, cobrar um como a Internet fez” (REED, 2001).
pedágio para cada usuário? E tornar esta taxa
dependente do congestionamento, de modo Assim como a Internet, as tecnologias
que seja maior na hora do rush do que à meia- de compartilhamento não exclusivo do
noite?”. espectro também encontraram um berço
nas pesquisas militares. Nos últimos anos,
Outro crítico a esta abordagem tradicional o exército norte-americano desponta em
de loteamento exclusivo do espectro, David pesquisas e desenvolvimentos nesta área,
Reed, apresenta indícios de que a capacidade não só em projetos sigilosos, mas também
do espectro pode aumentar de acordo com a em iniciativas de código-aberto. Na agência
quantidade de usuários, caso se adote modelos militar responsável pelo provimento de
de redes cooperativas (REED, 2001). Ou seja, soluções em tecnologia de informação para
a capacidade de transmissão de informação o exército e alto escalão do governo (DISA -
aumenta - e não diminui - de acordo com os Defense Information Systems Agency), há um
utilizadores de determinadas frequências. “centro de excelência” para gerenciamento de
George Gilder afirma que estas possibilidades espectro, conhecido como Defense Spectrum
de transmissão via rádio já estavam previstas Organization (DSO), responsável - entre outras
na teoria da informação de Claude Shannon, coisas - por identificar, monitorar e avaliar
elaborada na década de 1940 e afirma: “Não “tecnologias espectrais emergentes que se
sabemos qual será a ‘melhor’ arquitetura coloquem como um benefício ou uma ameaça
cooperativa. [...] Então, qualquer novo regime aos acessos do Departamento de Defesa ao
deve encorajar também inovação em novas espectro eletromagnético”4. Como parte de
arquiteturas [...] Creio que hoje é hora de olhar um acordo com a Organização do Tratado do
para trás, para os primeiros dias da Internet, Atlântico Norte (OTAN), este órgão criou o
em busca de inspiração. Quando o Internet Standard Spectrum Resource Format (SSRF),
109
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
110
Redes e Espectro
5
Conforme: http://www.
vezes, o open spectrum remete ao que Barbrook pelas operadoras? Neste sentido, há uma intgovforum.org/cms/policy-
e Cameron (1995) chamam de ideologia disputa entre protocolos de comunicação options-for-connection-the-
next-billion.
californiana: uma fusão da contracultura descentralizada, como o Wi-FI, e novas 6
LTE-U é uma tecnologia de
norte-americana dos anos 1960 com uma tecnologias de banda larga móvel, como o transmissão de dados via 4G
tecnoutopia liberal, conciliada com os ideais LTE-U6. Assim, como os white spaces, temos desenvolvida pela empresa
Qualcomm, que faz uso de
de um comunismo cibernético. Para eles, aqui outra controvérsia e uma disputa de bandas do espectro não
tal ideologia concilia aspectos usualmente interesses milionários, onde a participação - e licenciadas.
111
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
7
SWARTZ, Aaaron. Open
Spectrum: A Global Pervasive cooperativa em rádio (cooperative radio justamente uma “baixa tecnologia” - não por
Network. Disponível em: \\ Internet, em inglês). Assim como o Protocolo da ser menor, mas por ser minoritária, desviante
logicerror.com/openSpectru.
Internet (IP) agregou várias redes na Internet, ou resistente aos modelos hegemônicos,
O Rizoma de Rádios Livres
8
é uma rede que atua desde nós precisamos das mesmas ferramentas que voltados para o lucro.
2003, formada inicialmente por irão agregar as várias bandas do espectro em
colaboradores do Centro de Aqui, não se trata exatamente de uma ideia
Mídia Independente (Indymedia), uma Internet em rádio”7.
que reúne dezenas de rádios nova. Nos primórdios da rede Metareciclagem9,
livres em todas as regiões do em julho de 2002, Daniel Pádua fez uma
Brasil. http://radiolivre.org/. Espectro Livre
9
https://metareciclagem.github.
provocação seminal, para a criação de uma
io. No contexto latino-americano, as questões rede local sem fio, independente da internet,
10
fonias.submidia.org. sobre vigilância e espectro eletromagnético, “usando placas Wi-Fi de segunda mão, antenas
11
http://www.altermundi.net/. evidentemente, devem ser colocadas em novas repetidoras feitas com latas de batatas Pringles”
12
http://www.rnma.org.ar/. e computadores reciclados rodando softwares
perspectivas, devido às particularidades
13
http://wiki.rhizomatica.org.
sociais, econômicas e tecnológicas, bastante livres para servirem de pontos de acesso em
14
http://nuvem.tk/.
distintas da realidade norte-americana escolas públicas e associações comunitárias:
ou europeia. Neste sentido, é importante “criando um ‘backbone de lixo’ usando Wi-fi
destacar algumas experiências e iniciativas dá pra pelo menos conectar você com aqueles
recentes neste âmbito que fortalecem seus amigos lá do outro lado da cidade. Porque
práticas autônomas e de descolonização o lance nem é a Internet, mas a criação de
tecnocultural. Introduzimos assim o “espectro uma rede local” (apud FONSECA, 2009, p. 31).
livre”, que emerge como uma rede e um De lá para cá, diversas iniciativas sugiram na
conceito, a partir do acúmulo de debates do América Latina, a fim de prover infraestruturas
Rizoma de Rádios Livres8 e do seminário de comunicação autônoma sem fio.
ESC - Espectro, Sociedade e Comunicação.
Além da trajetória da rede Espectro Livre e
Apesar de compartilhar das críticas ao
do Rizoma de Rádios Livres, já mencionados,
atual modelo privatista e oligopolista que
no contexto brasileiro, cabe destacar
rege a regulamentação do uso do espectro
outras referências importantes. Não nos
eletromagnético, feitas pelo movimento
propomos aqui um mapeamento exaustivo
de “open spectrum”, por exemplo, a noção
das iniciativas, mas apenas uma pequena
de “espectro livre” diferencia-se desta por
amostra da vitalidade e do potencial deste
enfatizar menos o aspecto mercadológico
campo hoje: o Rizoma de Redes Livres agrega
do que o direito à comunicação e expressão.
discussões e iniciativas voltadas para Internet
Neste contexto latino-americano não
comunitária e redes mesh; o projeto pioneiro
encontramos o tema cercado por uma retórica
Fonias Juruá10, que instalou transceptores
high-tech: ao contrário, parece estar em jogo
em Marechal Taumaturgo (Acre) capazes
112
Redes e Espectro
113
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
114
Redes e Espectro
15
A escolha do padrão norte-
fio. [S.l: s.n.], 2012. Disponível em: http://www. the case for an entirely new regime of wireless americano de rádio digital (HD
memoriallandelldemoura.com.br/imagen/ communications policy. 2001. Disponível Radio) foi prometida pelo ex
Ministro das Comunicações
documentos/fantastico_landell.pdf. Acesso em: http://www.reed.com/dpr/locus/ Hélio Costa como um “prêmio
em: 17 jun. 2016. OpenSpectrum/OpenSpec.html. de consoloção”, uma vez que
o país optou por um modelo
nipo-brasileiro para a TV Digital
BARBROOK, Richard; CAMERON, Andy. __________. How wireless networks scale: (Cf.: http://apublica.org/2011/06/
THE CALIFORNIAN IDEOLOGY . [S.l: s.n.]. the illusion of spectrum scarcity. Boulder, CO, wikileaks-helio-costa-garantiu-
adocao-de-padrao-dos-eua-
Disponível em: http://www.hrc.wmin.ac.uk/ 2002. Trabalho apresentado no International de-radio-digital-como-%E2%80
hrc/theory/californianideo/main/t.4.2.html. Symposium on Advanced Radio Technology. %9Cconsolacao%E2%80%9C/).
Além de ser uma tecnologia
1995 Disponível em: http://www.reed.com/dpr/ fechada, propriedade privada de
locus/OpenSpectrum/ree_slides.pdf. uma única empresa, o HD Radio
BELISÁRIO, Adriano. Tecnomagia e não funciona em Ondas Curtas.
Apesar de o DRM levar vantagem
tecnoxamanismo: genealogias possíveis. RHATTO, Silvio. 2013. GT Regulação, neste e em outros quesitos
Dissertação de Mestrado em Comunicação Compartilhamento e Uso do Espectro - ESC técnicos, sendo o único que
atende plenamente à portaria
e Cultura. Programa de Pós-Gradução 2. Disponível em: https://archive.org/details/ que institui o Sistema Brasileiro
em Comunicação e Cultura, da Escola adrianobf_gmail_Esc2. Acesso em: 21 nov de Rádio Digital, a adoção do
padrão brasileiro de rádio digital
deComunicação, da Universidade Federal do 2016. até hoje não foi definida.
Rio de Janeiro, 2016. 16
Cf.:http://www.apublica.org/
SWARTZ, Aaaron. Open Spectrum: A Global tvsdaamazonia
FONSECA, Felipe. Os primórdios da Pervasive Network. Disponível em: logicerror.
metareciclagem. 2012. Disponível em: https:// com/openSpectrum.
mu tgamb.gi thub. io /met al i v r o / his tor ia /
primordios.html. Acesso em: 21 nov 2016. VINCENTIN, Diego. A reticulação da banda
larga móvel: definindo padrões, informando
GLEICK, James. A informação. São Paulo: a rede. Tese de doutorado em Sociologia.
Companhia das Letras, 2013. . Instituto e de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade da Universidade de Campinas,
LESSIG, Lawrence. The Future Of Ideas – 2016.
The Fate Of Commons In A Connected World.
2001. WEINBERGER, David. Why Open Spectrum
Matters - The End of the Broadcast Nation.
NOAM, Eli M. Taking The Next Step Beyond 2003. Disponível em: http://apps.fcc.gov/
Spectrum Auctions: Open Spectrum Access. e c f s /d o c u m e n t / v i e w ; E C F S S E S S I O N = W
1995. Disponível em: www.columbia.edu/dlc/ 0 s F WJ V W D 7 7r h 5 H X d g Ly L J n B G 6 k V V 1Z
wp/citi/citinoam21.html. x 2r P Pk1nR 2pmshd v Wnbnd!310 9 216 3 5!-
543955373?id=6513404739.
REED, David. Why spectrum is not property:
115
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Adriano Belisário
desenvolve pesquisas e ações
com tecnologias livres e
comunicação há mais de 10
anos. Jornalista com mestrado
pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, foi organizador
da publicação Tecnomagia e
do Copyfight, ciclo de eventos
e livro sobre cultura livre.
116
Redes e Espectro
do estado do Rio de Janeiro, em 2015. Essa Em 2012 e 2013, através de um patrocínio que por sua vez pode estar ligado
a outro ponto hierarquicamente
documentação vai refletir meu ponto de vista da empresa de telecomunicações Vivo, a superior. Já nas redes mesh,
e experiência pessoal como organizador do Nuvem recebeu os laboratórios colaborativos cada ponto tem a mesma
importância e está conectado a
evento. Interactivos3, com foco no desenvolvimento outros pontos. Se um ponto deixa
de tecnologias para a autonomia no campo. de funcionar, a informação pode
encontrar outro caminho para
Antecedentes da Nuvem Um dos projetos selecionados em 2013 foi chegar a sua destinação. Pela
proposto por um representante do coletivo característica de horizontalidade
e pelo fato de todos os pontos
A Nuvem - Estação Rural de Arte e Tecnologia - Guifi.net, da Espanha. O Guifi.net é uma rede serem iguais, a rede em malha é
é a entidade responsável pelo projeto Nascentes de telecomunicações autônoma, instalada e fácil de expandir.
de Dados de Fumaça. Atuando desde 2011, na gerida por seus próprios usuários, e que já
região da Serra da Mantiqueira fluminense, conta com dezenas de milhares de pontos
a Nuvem mistura um espaço de residências de acesso por toda a Espanha. O projeto
artísticas com ações de hacklab2 rural, consistia em estudar maneiras de iniciar um Rede mesh Rede
hirárquica
117
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
118
Redes e Espectro
depende, em primeiro lugar, da participação vez, o de construção de uma rede de acesso Os hacklabs são espaços
2
abertos de trabalho
da comunidade: não somente como executora, à internet e telefonia celular gerida pelos colaborativos, dedicados à
mas também como protagonista e proprietária. moradores. ciência e tecnologia feita por
cidadãos. Em geral utilizam
Voltaremos a essa questão central, do software e hardware livres,
protagonismo e apropriação dos projetos Desde o começo, ficou claro que o abertos. São também espaços de
equipamento havia sido obtido como doação ensino e troca de informação.
comunitários nas conclusões; por ora, frisamos 3
Os laboratórios colaborativos
que a localização do sítio Nebulosa, em Fumaça, e que não haveria custos para os moradores. Interactivos seguem uma
onde são realizadas diversas atividades da Os custos em que poderiam incorrer seriam metodologia criada pelo Media
Lab Prado, espaço de ciência
Nuvem, nos torna parte integrante e ativa da da manutenção posterior, de substituição cidadã localizado em Madri,
comunidade. de equipamentos danificados ou da conexão Espanha. Essa metodologia
consiste em selecionar um
da vila com a internet, caso se optasse por número de projetos ao redor
Desde 2014, o governo do Estado do Rio de não usar o Wi-Fi público. Naturalmente, isso de um tema e, em seguida,
convocar colaboradores para,
Janeiro, através da EMATER - órgão estadual de tornou o projeto muito mais atraente, mas não em um período de 10 a 15 dias,
apoio à agricultura - vinha fazendo reuniões com estimulou a sua autossuficiência. desenvolver esses projetos de
forma colaborativa.
a comunidade local para realizar um projeto de
proteção de nascentes. Nessas reuniões foram Outra questão interessante que o 4
Um firmware é o sistema
que controla um determinado
feitas dinâmicas de identificação de problemas financiamento trouxe foi a concorrência – equipamento - como um sistema
na comunidade. O principal problema detectado de certa forma, desleal – com um provedor operativo em computadores.
Nesse caso, os equipamentos
foi a infraestrutura de telecomunicações: não incipiente local, Ramon, que começava a são os roteadores de rede,
há telefones fixos (além de alguns telefones oferecer seus serviços. A oferta de acesso dispositivos que distribuem o
sinal para usuários finais e se
público com funcionamento irregular) e não grátis à internet poderia soar como uma conectam a outros pontos de
há cobertura de celular, mesmo após vários ameaça para um pequeno empreendedor, mas, redes. O Openwrt é um exemplo
de firmware de código aberto,
abaixo-assinados feitos pelos moradores desde o começo, o projeto se posicionou como enquanto o AirOS e o DD-WRT
junto às operadoras de telecomunicações. uma colaboração e não como uma competição, são firmwares proprietários.
119
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Uma semana antes do encontro, no dia 18 A chamada foi divulgada pela lista de mailing
de julho, sábado, foi feito um dia de reuniões e da Nuvem, nossa página de Facebook e listas de
oficinas na vila, com o objetivo de familiarizar trocas de emails afins (como Metareciclagem,
os moradores com a tecnologia de redes. MidiaTatica, etc.). Houve um total de 19
participantes: programadores, trabalhadores
Convocatória sociais, pesquisadores acadêmicos, ativistas
das comunicações. Também tivemos dois
O chamado para colaboradores seguiu integrantes da Cooperativa Maria Luisa, de
quase à risca o padrão das convocatórias da Mulukuku, na Guatemala, convidados pela
Nuvem. Convidamos voluntários para ajudar, Commotion para participar do processo de
aprender, ensinar e vivenciar uma experiência aprendizagem e colaboração.
de produção colaborativa. Ao mesmo tempo
em que realizam as tarefas necessárias para
o projeto, os participantes garantem a sua
120
Redes e Espectro
121
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
122
Redes e Espectro
entre a rede mesh e a internet falha muitas avançando. É um projeto em eterna evolução,
vezes, já que depende do ponto de Wi-Fi grátis sem data para terminar e que esperamos ver
da prefeitura, que é mantido por uma empresa. replicado e melhorado em outros lugares.
Quando essa conexão falha, alguns moradores
ainda tentam contato comigo - o que vejo de http://nuvem.tk /wiki/index.php/Fumaça_
maneira bastante positiva - enquanto outros Data_Springs
simplesmente esperam que o problema se
resolva. Uma das possibilidades levantadas
durante a instalação era que os moradores se
cotizassem, por exemplo, para contratar outra
empresa, como a do Ramon, para prestar esse
serviço. Mas isso não voltou a ser cogitado por
nenhum deles.
123
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
por brunz
(Bruna Zanolli)
Espectros feministas
no panorama de rádios
comunitárias e livres 1
124
Redes e Espectro
equidade de gênero (entre tantas outras) no contadas como histórias das tecnologias. 1
Agradeço a Debo pela revisão
inicial e incentivo.
acesso à comunicação e à tecnologia. Essas tecnologias são modos de vida, ordens 2
Ao longo do texto, escolhemos
sociais, práticas de visualização. Tecnologias utilizar o feminino genérico
E a gente muitas vezes se cala, entendendo são práticas habilidosas: Como ver? De onde como uma alusão ao substantivo
pessoa(s). Pensamos que são
que a necessidade de comunicação popular, ver? Quais os limites da visão? Ver para quê? necessários esforços para fazer
comunitária e livre é maior. Mas o que Ver com quem? Quem deve ter mais de um um uso não sexista da língua.
E, ainda que tais esforços não
queremos combater com a comunicação ponto de vista? Nos olhos de quem se joga se esgotem com a estratégia
popular? Acho que a maioria diria, logo de areia? Qual outro poder sensorial desejamos aqui adotada, consideramos
que a incluem e, portanto, a
início – direta ou indiretamente – que lutamos cultivar, além da visão?” (1988, p.28). Essa assumirmos também como uma
contra os abusos do capitalismo e aí recordo fala ilustra as Teorias das Perspectivas, postura política no processo de
escritura de textos, sejam eles
uma fala da cantora franco-chilena, Ana Tijoux, desenvolvidas por feministas a partir da de índole acadêmica ou não
num show no Rio de Janeiro, em dezembro de afirmação de que o lugar de onde se vê (e se (Definição de Araújo Mendes,
Rizzatti, Zanolli, artigo no prelo).
2015: “Não há nada mais capitalista que o fala) – a perspectiva – determina nossa visão 3
Somos conscientes da
machismo!”. (e nossa fala) do mundo.5 E o que acontece se pluralidade tanto do movimento
como da teoria feminista e da
trocamos a palavra “perspectiva” pela palavra impossibilidade de abarcá-
Pra começar: “espectro”? “o espectro de onde se vê (e com las aqui, assim como da
impossibilidade de alinhar-nos
o qual cada pessoa se baseia para falar) –
“Eu vejo o feminismo como uma ferramenta a tão somente uma corrente
determina nossa visão (e fala) do mundo”, feminista, pois nos nutrimos
analítica que é cedida para discussão.” de tal pluralidade (Definição de
também é verdadeiro? Araújo Mendes, Rizzatti, Zanolli,
JIZZ LEE, pornstar genderqueer artigo no prelo).
A palavra espectro tem um significado 4
Nas palavras de Donna
Utilizaremos uma visão de feminismo para que podemos aproximar ao de perspectiva Haraway, em Saberes
Localizados: a questão da ciência
delinear questões tecnopolíticas das práticas e, inclusive, faz alusão a campos ora físicos, para o feminismo e o privilégio
tecnológicas, considerando pontos de vista ora semânticos. A perspectiva, para a óptica, da perspectiva parcial (1988): “A
corporificação feminista, assim,
não hegemônicos. Falamos de vidas que abarca métodos de representação dos objetos não se trata de uma posição fixa
ficam às margens do status quo da criação, em seus diferentes tamanhos e posições, se corpo reificado, fêmeo ou outro,
mas sim de nódulos em campos,
fabricação e distribuição das tecnologias no utilizando de projeções e ilusões para tanto, inflexões em orientações e
mundo atual (logo, não somente o recorte de considerando sempre algum ponto de vista. Já responsabilidade pela diferença
nos campos de significado
gênero está presente, mas outras alteridades, o espectro, como um termo científico, abarca material semiótico” (p.29).
tais quais racial, social, de orientação sexual, diversos tipos de intervalos, considerando 5
Tal como foi colocada a
de identidade de gênero...).4 amplitudes ou intensidades, podendo estar explicação das Teorias das
Perspectivas acima, trata-se
associado a frequências de acontecimentos de uma nota de rodapé do texto
Invocamos a visão mais ampliada de ou sequência de eventos. Aproveitamos para Saberes Localizados, de Sandra
Azeredo (p.14). Disponível em
tecnologia de Donna Haraway, onde: “As lembrar que, especificamente, espectro junho de 2016 em: http://www.
histórias das ciências podem ser eficazmente eletromagnético é o intervalo completo de clam.org.br/bibliotecadigital/
uploads/publicacoes/1065_926_
hARAWAY.pdf.
125
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
126
Redes e Espectro
Enzensberger já ressaltava, nos anos 70, como espectral dentro da já tão escassa faixa de
a mídia é inerente à manipulação, não em um frequência das mídias comunitárias e livres;
sentido pejorativo, mas no sentido de que se e nos questionarmos quais são as vozes e
trata de ações manuais, que serão manipuladas influências que seguem com pouco, quiçá
por alguém, indicando a impossibilidade de até nenhum, acesso aos meios comunitários.
dissociação entre as mãos de quem faz e o Em outras palavras, a mesma lógica de
produto final8. Afinal, por trás de cada câmera, escassez e finitude do espectro é vista quando
software de edição de áudio, imagem ou se trata não somente do acesso ao espectro
vídeo, operador de conteúdo, tem mãos – e eletromagnético por meios de comunicação
perspectivas- atuando. E se a falta de equidade populares e sem fins lucrativos, mas do
social entre homens e mulheres (dentre tantas espectro de acesso de outras perspectivas
outras) nunca passou pelas mãos/perspectivas aos meios de comunicação comunitária e às
de quem decide, escreve e publica as matérias, suas tecnologias. E esta medida se dá por
estas, consequentemente, irão ignorar mecanismos de exclusão mais complexos
aqueles questionamentos tão essenciais. que outorgas de faixas de frequência. Afinal,
Em outras palavras, o espectro de acesso quantas mulheres vemos ocupando posições
das mulheres aos meios de comunicação, de decisão políticas e técnicas nas rádios
às tecnologias de se fazer comunicação, aos comunitárias e livres?
espaços de decisões e horários expressivos
nas programações sempre foi mais restrito e, É urgente que tenhamos mais acesso ao
consequentemente, se tem um silenciamento espectro eletromagnético, eu também almejo
das nossas perspectivas. Mas, então, quais são e luto por isso. Acreditamos na necessidade
as possíveis relações que podemos e devemos de uma política que nos assegure acesso
fazer entre acesso ao espectro e espectro de desburocratizado ao espectro, proposta
acesso? encabeçada pelo espectro livre, que entende
o ar como um bem comum e que deve ser
É muito sabido e difundido entre partilhado por todas. Mas, para além dessas
comunicadoras populares que o espectro questões elementares que vêm sendo
eletromagnético brasileiro é um oligopólio nas pautadas, é também de suma importância
mãos de poucas famílias – e, vendo de mais que se ampliem as perspectivas de visões
perto, essas são mãos de homens, brancos, na do comum! Existe a necessidade de que
sua maioria, herdeiros e heterossexuais. Mas outras perspectivas se sintam também
é possível – e muito necessário – ampliarmos livres o suficiente para ocuparem o nosso
ainda mais esta visão a fim de enxergarmos espectro, de que criemos as condições para
também a reprodução da disparidade que se sintam motivadas e empoderadas para
127
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
9
No youtube procure por Mãe Beth utilizá-lo, de que não existam barreiras de do poder midiático no Brasil ao trazer as
de Oxum, Rádio Amnésia e Coco
de Umbigada, e acesse: https:// subentendimentos ou restrições de acessos. questões de “a quem interessa as pautas dos
sambadadecoco.wordpress.com/ É preciso estar sempre atenta e buscar a telejornais?” e de como esse cenário tende
mae-beth-de-oxum/.
10
A citação e os posicionamentos
democratização dos meios de comunicação, a se perpetuar e, inclusive, até a piorar com
da deputada foram retiradas do também dentro do espectro dos meios a digitalização dos meios de comunicação.
programa espaço público na TV Entusiasta do software livre, traz ainda em sua
BRASIL | 18/08/2015. Disponível
comunitários e livres. É urgente que estes
em: https://www.youtube.com/ sejam ambientes seguros e convidativos para fala a urgência destas novas perspectivas e da
watch?v=OykwLqGgZLs. libertação dos meios tecnológicos de velhos
todas e que não haja ainda mais barreiras no
acesso à comunicação comunitária. paradigmas: “é preciso que os jovens deem o
pulo do gato nessa história de tecnologia, não
Perspectivas feministas sobre o fiquem na mesmice... que entenda a dimensão
espectro: mermo, e a dimensão é você hackear mermo, é
você fazer o software, é você entender que esta
Mãe Beth de Oxum é um exemplo linguagem pode estar a nosso favor! ”.
extraordinário de novas perspectivas atuando
no espectro... Numa de suas muitas falas A comunicadora traz nas suas palavras que
disponíveis na internet9, traça um paralelo temas tecnopolíticos são assunto para todas
explicando que “o átomo da comunicação é e também serve de referência viva de suas
Exu, o orixá do pantheon africano que abre falas, sendo uma das primeiras mulheres a
os caminhos, que traz a comunicação, é o tocar maracatu, a participar das direções dos
espectro, o ar... (...) é o elemento que faz com primeiros afoxés em Pernambuco e a ocupar o
que a nossa voz seja ouvida, nossa cultura espaço de percussão, rompendo a intolerância
conhecida e é o que nos falta!”. Ao pensar à participação de mulheres... lembrando
a comunicação “para trazer pertencimento, que estes processos, muitas vezes, não são
identidade e alegria”, a comunicadora da harmônicos e que existe a necessidade de se
Rádio Livre Amnésia, em Olinda - PE (“a lutar para conquistar espaços.
rádio que esqueceu do seu dinheiro”) traz a Outra inspiração é a deputada federal
perspectiva de que práticas culturais podem Luiza Erundina (PSOL-SP), uma das poucas
ser responsáveis por mudar a autoestima de figuras políticas que têm coragem de peitar
uma comunidade, aproximando o universo do o monopólio da mídia em rede nacional.
cuidado emocional, tido como feminino, dos Erundina enxerga a mídia como um partido
meios de comunicação e das tecnologias. Ao político, que propicia a submissão do poder
mesmo tempo em que coloca estes processos político ao poder econômico, e é firme em
de empoderamento de nível mais local, pensa suas posturas em relação à urgência da
também na emergência da descentralização revisão nas defasadas leis e concessões das
128
Redes e Espectro
129
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
brunz
é artista visual, ativista e
educadora envolvida com
comunicações autônomas
por ideal, tecnologias livres
por curiosidade e feminismos
por necessidade. Atualmente,
pesquisa a reprodução
de hierarquias através de
tecnologias em um mestrado na
linha de pesquisa Tecnologias
da Comunicação e Estética,
da Escola de Comunicação
da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
130
Redes e Espectro
Rádios Comunitárias -
potenciais provedores de
"O
Internet não comerciais
rádio é o meio de comunicação mais ao rádio. Argumentos, por favor! Aqui estão as
autoritário de todos.” O quê? “Blasfêmia!” vão duas razões principais usadas pela OSF:
gritar muit@s d@s radialistas comunitári@s,
no Brasil inteiro. Infelizmente, não é tão fácil • Fazer rádio é excludente porque, para
refutar a citação como mais uma infâmia da transmitir sem viver sob o medo de visitas
grande mídia - porque vem de outra alçada. das agências reguladoras, você precisa de
uma licença ou outorga. E, obter uma dessas,
Conhecem Robert Horvitz? Não? É o fundador não é coisa fácil…
da Open Spectrum Foundation (OSF), uma
organização dedicada há anos a liberar o uso das • O rádio não conta com um canal de retorno.
ondas eletromagnéticas para qualquer cidadão É um típico meio massivo: uma pessoa fala,
e cidadã. Surpreende, então, a severa crítica milhares estão na escuta.
131
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
132
Redes e Espectro
1
Ver: State of the internet/
Artigo 19-Brasil 2, um “Manual de como criar telefonia fixa também ficaram encarregadas do Akamai 2016 https://www.
um provedor comunitário”.3 A publicação desenvolvimento da rede de fibra ótica, ou seja, akamai.com/es/es/multimedia/
da infraestrutura troncal para levar a Internet documents/state-of-the-
resume todas as questões chaves. Porém, nas internet/akamai-state-of-the-
próximas linhas, vamos mais a fundo da criação de alta velocidade a todas as regiões do Brasil. internet-report-q1-2016.pdf
de um provedor de Internet, especificamente Mas isso nunca aconteceu porque não é tão 2
Ver: http://artigo19.org/
do ponto de vista d@s radialistas livres e lucrativo colocar centenas de quilômetros de 3
Ver: http://www.redeslivres.
org.br/legal/
comunitárias. Vamos lá, então. fios no sertão ou na Amazônia quanto o é numa 4
“Last mile (tradução literal
região metropolitana, densamente povoada e para “última milha” ou, também,
A volta da Telebras e o problema da com uma renda relativamente alta. O Estado, “último quilômetro”) acontece na
rede, quando, por exemplo, uma
“última milha”4 então, decidiu retomar o controle. operadora de telecomunicações
é contratada, mas não possui
Com a introdução da Lei Geral de No ano 2010, o Governo Brasileiro decidiu rede para entregar o serviço,
Telecomunicações (Lei N° 9.472), no ano utilizar as redes de fibra ótica estatais e então ela contrata a última milha
de uma empresa que possua o
1997, o Estado Brasileiro abre as portas lançou o Plano Nacional de Banda Larga meio físico ou faça isso através
para a privatização da infraestrutura que (PNBL). A meta do projeto, nas mãos da “Nova de conexões wireless” (Em:
wikipedia, https://pt.wikipedia.
ele havia organizado até aquele momento. Telebras”, consistia em ampliar rapidamente org/wiki/Last_mile).
Na época, a doutrina neoliberal governou no o acesso à Internet em regiões rurais e em 5
Veja neste link o projeto
mundo com pouca resistência. No caso das todas as instituições estatais, como escolas, completo, ainda em execução,
da Telebras. http://docplayer.
telecomunicações, o precursor na América bibliotecas e postos de saúde. Porém, a com.br/docs-images/20/947376/
Latina foi o Chile, onde a privatização dos fios da Telebras não presta um serviço que chegue images/8-0.png
133
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
6
Ainda que os autores achem
viável se basear nessa
resolução, Laura Tresca, da ONG
Artigo19, é cética: “A ARTIGO
19 considera que, mesmo
atendendo as especificações
todas previstas na atual
Resolução 506, esse caminho
cobra para distribuir a conectividade na já Ou seja, a esta altura nossa proposta é óbvia:
é inseguro juridicamente. É mencionada “última milha”. tornar as rádios comunitárias provedores
inseguro, porque a ANATEL
entende que provimento de Fica óbvio, então, que o engajamento estatal de acesso à Internet na rede de “última
acesso à internet é um serviço
passa por um gargalo: como o governo milha”, fazendo o link entre a rede de fibra
de telecomunicações e serviços
de telecomunicações precisam não conseguiu alcançar o seu ambicioso ótica da Telebrás (ou outras operadoras)
de outorgas para serem
plano inicial de levar a Internet de forma em certa comunidade e os seus lares, lojas
realizados. Nossa experiência
de trabalho com rádios acessível para todo mundo, hoje, cada lar e organizações. É uma proposta discutível:
comunitárias e movimentos
paga individualmente a uma empresa tipo dessa forma os provedores comunitários
sociais nos leva a crer que toda
e qualquer possibilidade de NET, que não faz mais do que comercializar não assumiriam tarefas que deveriam ser
criminalização vai ser usada
a conexão na última milha. Ou seja, a missão resolvidas pelo Estado? Sem dúvida, há que se
contra eles e, por isso, não
recomendamos operar com de universalizar e democratizar o acesso à cobrar do governo facilitar a democratização
base na resolução 506. A SLP é Internet não foi concluída no marco de uma das telecomunicações, porém, é justamente
uma outorga acessível do ponto
de vista financeiro e burocrático. política pública. Mas quem diz que a gente não a experiência das rádios livres e comunitárias
Não se justifica correr o risco de pode ajudar um pouco para chegar lá? que demonstra uma grande vantagem em
um eventual processo criminal e
ter equipamentos apreendidos,
organizar os meios de comunicação de
se existe uma opção viável que As comunidades como protagonistas forma coletiva e independente. A autogestão
traz mais segurança jurídica” permite articular e defender os interesses
(posicionamento via e-mail, da sua conectividade
17.11.2016). da comunidade de forma bem mais eficiente,
134
Redes e Espectro
também em situações em que o Estado não se Outra possibilidade seria legalizar o serviço 7
O Wi-Fi é um padrão com o
qual certificam-se dispositivos
mostra como o grande irmão bonzinho e capaz através do processo associativista informal, para redes locais sem fio
de atender às demandas sociais do direito via contrato particular entre os usuários, (WLAN). Wi-Fi é uma marca
registrada da WiFi Alliance, uma
à comunicação. Expressar-se livremente conforme também consta no manual. organização sem fins lucrativos
sempre atinge também as infraestruturas (ver: http://www.wi-fi.org/). O
Logo, existem, grosso modo, duas formas de patrão WLAN, que abrange mais
comunicacionais. dispositivos e bandas, é mantido
proceder: pelo Institute of Electrical and
No caso de uma rádio livre ou comunitária, Electronics Engineers (IEEE) e
para pretender virar uma protagonista na busca definido pela norma IEEE 802.11
• Compartilhar o sinal (ver abaixo “Requisitos (ver: https://pt.wikipedia.org/
por conectividade, o primeiro passo é verificar tecnológicos”) sem licença prévia, baseando- wiki/IEEE_802.11).
se o seu município já está sendo atendido pelo se na prerrogativa da Resolução 506/2008.6 8
Para saber mais como pedir a
licença SLP, acesse os seguintes
Plano Nacional de Banda Larga ou se tem links Dessa forma, a prestação do serviço se links: como usar o Sistema
com acesso viável técnica e economicamente. realiza dentro da norma de redes Wi- MOSAICO https://www.youtube.
com/watch?v=8bXJxme6dwQ
Fi, via processo associativista formal ou ou https://www.youtube.com/
A Telebras oferece dois mapas em que se informal, conforme descrito acima. Vale a watch?v=2dlvJ4Jw9zI; Manual da
pode conferir: Anatel sobre o SLP http://www.
pena sublinhar que estas bandas sempre anatel.gov.br/setorregulado/
• Municípios atendidos: http://www.mc.gov. foram abertas e as regras estão embasadas servico-limitado-privado.
135
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Quando for solicitar uma licença, o que, no mensal de 80% da banda contratada. Porém,
caso das rádios comunitárias, corresponde a em lugares com maior competitividade, os
uma outorga, a experiência comum é de esperar custos podem ser bem menores. Por exemplo:
meses, senão anos, para obtê-la. Porém, no um link de 60 megabytes de velocidade em
caso das licenças SLP, a promessa da ANATEL Campos custava R$ 151,00,em Janeiro de 2017,
é de liberá-las em cinco dias, embora, na e a velocidade média era satisfatória. Porém,
prática, demore em torno de 30 a 45 dias. com um upload reduzido a 10% da banda
contratada, a velocidade era de somente 6
O custo de uma licença SLP é de R$ 400,00. megabytes por segundo!
Existe também uma taxa para cobrança
de licenciamento de estações, que é paga Os custos dos equipamentos de enlace
anualmente. No site http://www.solucom. também variam, desde um roteador (dispositivo
com.br você pode se informar sobre os valores para aceder a uma rede sem fio) pequeno até
de licenciamento. sistemas de antenas direcionais, permitindo
uma comunicação ponto a ponto. Esse
Requisitos (quais) e custos tecnológicos último tipo de equipamento é usado quando
não existe um provedor de Internet ou uma
Para ter acesso à rede de fibra ótica da
oferta economicamente acessível dentro da
Telebras, é necessário virar um cliente e
comunidade. Ou seja, ao invés de aproveitar
registrar-se online10. Ser cliente normalmente
um serviço local, você acede à internet através
tem um custo. Também nesse caso, o valor
desse equipamento de longa distância. Hoje,
varia dependendo tanto da região quanto da
o mais comum para trabalhar na banda de
distância entre a rádio e o ponto de acesso
Wi-Fi de 5.8 Ghz e distâncias de até 50 km são
(POP) da Telebras. No município de Campos
rádios com antenas direcionais de 30 dBi11.
dos Goytacazes (RJ), o preço para uma
O valor médio desses equipamentos é de R$
conexão acima de 10 mbps e num raio de 50
3.000,00, incluindo um par de antena e rádios.12
km do POP da Telebras tem um custo mensal
No entanto, para distâncias menores de enlace
de R$ 900,00, ou seja, R$ 90,00 por mega
de rádio entre os pontos, existem equipamentos
contratado. Porém, este é um link dedicado,
mais baratos, em torno de R$ 1.500,00 (o par de
ou seja, com taxas de upload e download iguais
antenas com rádio) para distâncias de até 20 km.
e com garantia de qualidade de 99%. Já em um
link comprado de uma operadora comercial de Numa zona com um perfil geográfico
última milha, ou seja, no varejo, a velocidade do relativamente plano, instalando um
upload geralmente é de 10% da velocidade de equipamento ponto a ponto de enlace com
download e o contrato permite que a empresa uma antena de 20 metros de altura, garante-
só entregue o mínimo de 40% e uma média se uma cobertura de 80% do território, num
136
Redes e Espectro
raio para distribuição do sinal aos usuários salário da categoria está entre R$ 1200 a R$ 10
Ver: http://www.telebras.com.
br/clientes.php
finais em até 3 km. Caso sejam terrenos 1800 por mês (2016). Outro contexto é fazer um 11
A unidade dBi refere-se ao
com montanhas, prédios altos e obstáculos contrato de meio salário mínimo por mês para ganho da antena em relação
manter somente a torre funcionando, através a uma antena isotrópica. Para
naturais será necessário pensar em criar mais se fazer um enlace de rádio é
enlaces de rádio para transpor os obstáculos de um MEI (Micro Empresário Individual), preciso ter um par de antenas
e agregar valor na sua renda através dos com rádios, sendo uma apontada
ou simplesmente agregar redes mesh (em para a outra e com visada sem
malha).13 Pensar numa rede em malha tem chamados técnicos individuais para instalação obstáculos entre elas.
várias vantagens porque cria uma participação e manutenção do micro e da internet na casa 12
O preço calculado refere-se
ao seguinte equipamento: Rádio
ativa da comunidade e baixa os custos. do usuário, bem como permitir que estes Rocket M5 5.8 Ghz Ubiquiti
Porque, no caso ideal, os pontos de fixação forneçam os equipamentos para os usuários, Antena Rocket Dish 5.8 Ghz de
30 dbi Ubiquiti.
para espalhamento distribuição do sinal criando um ambiente de fidelização entre 13
“Uma rede mesh é composta
são instalados nos tetos dos próprios lares, eles. Em muitas rádios já existem pessoas de vários nós/roteadores, que
reduzindo a necessidade de construção de encarregadas da manutenção técnica que passam a se comportar como
uma única e grande rede,
torres altas. Logo, o valor de cada equipamento poderiam ser capacitadas para tomar conta possibilitando que o cliente
numa rede em malha 14 é de aproximadamente desta infraestrutura e logo compartilhar os se conecte em qualquer um
destes nós. Os nós têm a função
de R$ 280,00. Como uma rede em malha seus conhecimentos. de repetidores e cada nó está
consiste em muitos nós interligados, ela é mais conectado a um ou mais dos
resiliente que outras redes, ou seja, é mais Além disso, pode ser interessante organizar outros nós. Desta maneira é
possível transmitir mensagens
tolerante em relação a falhas. No entanto, a um site na Internet que sirva tanto como um de um nó a outro por diferentes
qualidade das transmissões pode diminuir portal de acesso para os usuários quanto como caminhos” (wikipedia: https://
pt.wikipedia.org/wiki/Redes_
caso haja muitos saltos entre um ponto e um site informativo. Muitas rádios já contam Mesh).
outro. Em comparação com os equipamentos com um site próprio que poderia ser convertido 14
Um dispositivo muito
em tal portal. O custo da reestruturação ou comumente usado é, por
ponto a ponto, a sua distância para repetir o exemplo, tp-link. No caso do
sinal é menor, podendo se limitar a 300 metros criação do site depende das capacidades uso de equipamentos de enlace
da rádio (algumas rádios conseguem fazer ponto a ponto (até 20 km), os
dependendo da potência de cada dispositivo. custos podem chegar até ao
Já nos equipamentos de enlace direcional, a isso sozinhas). A hospedagem do site (num preço de R$ 1.500,00 (o par das
servidor) é outro valor anual a considerar. Se antenas com rádio).
qualidade é maior e, com o custo mencionado,
pode ser repetido o sinal por até 20 km ou mais. houver tais habilidades, é interessante pensar
em instalar um servidor local ou compartilhar
Tornar-se um provedor de internet um com outras rádios comunitárias.
comunitária exige também pensar na
manutenção do equipamento. Teoricamente, Organização e sustentabilidade
para uma torre de distribuição de sinal de As regras de operação devem ser definidas
Internet necessita-se, no mínimo, de um democraticamente pelos usuários – afinal,
técnico em Telecom e Informática. O valor do é uma associação. Um bom começo para
137
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
15
É a ocorrência que gera a criar um provedor comunitário é organizar detalhes, pensando em 180 usuários, a taxa
obrigação de se tributar. Ou
seja, em resumo, se é um um debate inicial entre os membros da rádio única para cada um será de R$ 353,99 e o custo
serviço prestado em vias e da comunidade buscando, inicialmente, os mensal R$ 35,00 com um fundo comunitário.
comerciais, este deve ser
tributado e logo quem presta protagonistas sociais na localidade para ajudar
o serviço deve pagá-lo. Por na mobilização geral. Vale a pena estabelecer É evidente que um provedor comunitário
isso, é importante que, ao se pode agregar serviços. Se poderia pensar
criar a figura associativista uma agenda e pautar ponto a ponto todas as
sem fins lucrativos, se coloque ideias, questões e dúvidas. É importante falar em diferentes perfis de usuários, ou seja,
claramente nos objetivos que as e os associad@s contribuirão com preços
tais serviços fazem parte das das responsabilidades, dos custos e definir um
obrigações daquela associação código básico de conduta, inclusive em respeito diferenciados dependendo dos benefícios que
(formal ou não). querem. Por exemplo, usuários que queiram
às leis vigentes (por exemplo, não usar a rede
para crimes definidos em lei, etc.). transmitir áudio/vídeo por streaming, organizar
servidores de arquivos, telefonia VOIP ou
Enfim, um provedor comunitário, outros serviços podem contribuir com taxa
necessariamente, é uma associação de mensal maior.
usuários que também devem buscar a
manutenção sustentável da rede. Isso se faz, Mais algumas dicas: Um provedor
normalmente, através da cobrança de uma taxa comunitário, por não ter fins lucrativos, tem
que, por sua vez, nada tem a ver com o Código facilidade para fechar convênios junto às
do Consumidor e não se confunde com o fato universidades e órgãos de fomento à pesquisa
gerador15, ou seja, não é tributável. Entidades e extensão para alocação de estagiários e
sem fins lucrativos não pagam impostos sobre bolsistas. Em parceria com universidades e
prestação de serviços que se encontrem em outras entidades parceiras, consegue-se o
seus objetivos estatutários (associação formal) apoio para a realização e o acompanhamento
ou definidos em contrato particular entre os do projeto técnico e outras formas de parceria.
mesmos para fins de uso comum (associação
informal), pois são caracterizados como Liberando o ar
benefícios aos associados, como num clube de Sem dúvida, as condições para desenvolver
lazer, por exemplo. provedores comunitários não são ideais. O
Quanto aos custos mensais para cada usuário, Estado, até agora, não criou incentivos para
isso depende de vários fatores: o número de facilitar a sua emergência e sustentação. Ao
usuários, a tecnologia utilizada, o plano da mesmo tempo, as condições para organizar
manutenção e manejo, etc. Para dar uma ideia a última milha de conectividade de forma
básica criamos uma tabela (ver abaixo) com sem fins de lucro não são ruins. Em termos
uma taxa única de criação do provedor e as organizativos, as rádios livres e comunitárias
despesas e receitas mensais. Sem entrar em já contam com eficientes modelos de gestão
138
Redes e Espectro
139
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
140
Redes e Espectro
Redes comunitárias,
rádios comunitárias
E mbora não possa dizer que faço parte do
movimento de rádios comunitárias, me senti
No meu caso, essa perspectiva foi se
gestando organicamente desde meus
sempre muito próximo: considero que as primeiros passos no mundo do Software
rádios e as redes comunitárias1, o software Livre, quando, em 2002, estava procurando
livre, a música livre e até os bancos de troca um LUG (Grupo de Usuárias de Linux) em
de sementes são todas expressões diversas Buenos Aires, e acabei chegando numa
da mesma lógica (vamos dizer “Cultura reunião da Buenos Aires Libre2: promotoras da 1
“Redes comunitárias”, nesse
Livre”). Nem todo mundo, ainda, tem essa ideia de formar uma rede wireless comunitária texto, referem-se a redes
visão abrangente, mas eu acredito que é na cidade, várias integrantes eram também informáticas de tráfego de
dados, geridas coletivamente
muito importante visibilizar as similitudes e usuárias de Linux, e falavam cotidianamente Elaboramos uma definição
consonâncias, a fim de fortalecer os grupos não só de antenas e software, mas também em http://blog.altermundi.
net/article/argentina-digital-
sociais e facilitar articulações que aprofundem das licenças Creative Commons, das diversas fomento-a-las-redes-
a colaboração. expressões de arte livre e outras lógicas comunitarias.
2
http://buenosaireslibre.net/
141
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
3
http://www.vialibre.org.ar/ colaborativas. A síntese conceitual, porém, • “Biotecnologia: Impactos sociais
http://www.vialibre.org.
4
ar/proyectos/monopolios-
me chegou em 2007 das mãos de Lila Pagola, e econômicos das técnicas de uso e
artificiales-sobre-bienes- da Fundación Via Libre3, em formato de um manipulação de organismos vivos”
intangibles/
livro em copyleft: Monopolios Artificiales sobre
5
http://fmlatribu.com/
Bienes Intangibles4. Repassando a história • “Oficina de Arduino: introdução ao
6
http://fmlatribu.com/tag/
toda do copyright e do sistema de patentes, hardware livre para desenvolver objetos
fabrica-de-fallas/
7
http://www.vialibre.org. para entender o “status quo” do software, interativos autônomos”
ar/2010/09/10/argentina-
copyleft-la-crisis-del-modelo-
música e livros, mas também com um capítulo • “SuperCollider: Síntese de áudio e
de-derechos-de-autor-y-las- dedicado à “Privatização da Vida” (referente composição algorítmica em tempo real, para
practicas-para-democratizar-la
cultura/
a plantas) e outro intitulado “Convergência artistas, músicos, cientistas e amantes do
8
http://derechoaleer.org/ de Movimentos”, me senti muito identificado som”
blog/2010/11/noviembre-arde- com a visão almejada e naturalmente fui me
otra-vez.html/
aprofundando cada vez mais nesse mundo. • “Amor Livre, formas de se amar e suas
9
https://es.wikipedia.org/
wiki/Ley_de_Servicios_de_ consequências”
Comunicación_Audiovisual O contexto me ajudava muito: lembro que já
10
http://lavecindaria.org.ar/ no ano de 2006 frequentava a rádio FM La Tribu5, • “O glifosato mata. Consequências
11
http://rnma.org.ar/ onde aconteciam as reuniões do mencionado ambientais e sociais dos agroquímicos.”
12
https://altermundi.net/ projeto de rede Buenos Aires Libre. A rádio era
13
https://pueblo.libre.org.ar/ um espaço aonde confluíam diversas pessoas • “Meu corpo sou eu: espaço com o
sempre relacionadas, de um jeito ou de outro, coletivo de Lésbicas e Feministas pela
com a Cultura Livre. Ali se celebravam os descriminalização do aborto”
festivais de Fábrica de Fallas6, materializando
Desse universo, porém, sempre percebi
essa convergência de movimentos. No
uma proximidade especial entre rádios e
livro Argentina Copyleft7, Sebastián Vazquez
redes comunitárias. Por aquela mesma época
menciona um “momento luminoso” do
estava se debatendo na Argentina a “Ley de
primeiro Festival: a conversa paradigmática
Servicios de Comunicacion Audiovisual”9. Com
entre um matemático desenvolvedor de
envolvimento da AMARC Argentina, o texto
software e um líder campesino a respeito da
da lei definiu as emissoras comunitárias pela
apropriação de bens tangíveis e intangíveis.
“característica fundamental de participação
Já na terceira edição, em 20108, o mosaico da
da comunidade tanto na propriedade do meio,
programação incluía:
quanto na programação, administração,
• “Experiências de Autonomismo ao redor operação, financiamento e avaliação”. Salvo
do mundo. Palestina, Chiapas, País Vasco, alguma diferença semântica, essa exata
Território Mapuche” frase poderia ser usada para descrever
as redes comunitárias. Além da definição,
142
Redes e Espectro
acho que essa semelhança natural pode ainda sair pela Internet para o mundo todo. Por
ser aproveitada como porta de entrada para outro lado, a rádio acolheu a rede no seu espaço
entender comparações mais sutis (embora físico e virtual, disponibilizando o jardim para
igualmente importantes) com outros coletivos, oficinas e reuniões organizacionais da rede e
como, por exemplo, o movimento agrícola. anunciando as chamadas no ar, assim como
Para facilitar essa percepção, não só para entrevistas e qualquer tipo de divulgação
ativistas das rádios e das redes, mas também necessária.
para a população em geral, nada melhor que o
convívio de ambas as iniciativas, numa sinergia Esses tipos de iniciativas, combinadas
que tentarei exemplificar. e articuladas, geram um impacto notável
especialmente em vilas pequenas, evidente
Em 2012, construímos uma rede quando chega o momento de colaborar em
comunitária em José de la Quintana, novas frentes. Um exemplo simples em José
Córdoba, impulsionada pelo mesmo pessoal de la Quintana é a participação de alguns
que dava vida à rádio comunitária local, La integrantes da rede numa Cooperativa de
Vecindaria10. Cada rádio tem sua história, e Consumo de produtos orgânicos. Sim, a
aquela tinha a particularidade de funcionar conectividade à Internet é um fator quase
com um transmissor feito colaborativamente indispensável na organização das compras.
(junto com outras 50 rádios) numa oficina Mas, além disso, a confiança construída em
dinamizada pelo pessoal da RNMA11. A rede cada encontro na rádio como espaço social
de Internet, logicamente, foi desenhada num durante as emissões, em cada visita ao lar
hackaton colaborativo, convocada por Nico mútuo para resolver problemas da rede ou
Echániz reunindo antigos membros da Buenos instalar software livre em um laptop, sem
Aires Libre num ambiente rural e foi montada dúvida, é um fator determinante na hora de
com a ajuda da vizinhança do vilarejo, ao longo destinar tempo e dinheiro para uma compra
do mês de janeiro. Aquele acabaria sendo o coletiva e desafiar a cultura do supermercado.
pontapé inicial da linha de trabalho de redes
comunitárias sob o nome de AlterMundi12. Muito recentemente, a vila inteira (que se
destaca na região pelo fato de carecer de governo
A nova infraestrutura da rede QuintanaLibre local e de os serviços de água e eletricidade
possibilitou que a rádio pudesse transmitir serem fornecidos por uma cooperativa local)
não só pela banda de FM, mas também fazer teve que se organizar para resistir à instalação
um streaming através da rede local, chegando de um empreendimento mineiro13. Se bem que
a cantos afastados da vila onde a antena FM o conflito está ainda em andamento, fica claro
não tinha alcance (mas onde a rede mesh, que o atual processo de organização coletiva
descentralizada, conseguia se estender) e (que já aglutina uma admirável quantidade e
143
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
14
https://pueblo.libre.org.ar/ diversidade de habitantes da região) é nutrido montassem a rede com as suas próprias mãos,
soundtrack/audiencia-publica-
sintesis-y-convocatoria/ e fortalecido por todas essas construções comigo só acompanhando o processo como
15
https://www.youtube.com/ sociais prévias. Naturalmente, é na radio observador ou facilitador de uma dinâmica
watch?v=T9QqE-h3HpQ
La Vecindaria onde produzem e transmitem de aprender-fazendo. Após minha curta
16
http://blog.altermundi.
net/article/una-semana-en- sínteses das audiências públicas14 e, graças passagem, continuaram montando pontos da
mulukukulibre/ a rede QuintanaLibre, conseguem visibilizar rede e enfrentando problemas técnicos inéditos
17
http://www.manfut.org/RAAN/ a campanha na web, coordenar esforços e com a mesma força com a qual sustentam a
mulukuku.html
http://www.elnuevodiario.
18
ampliar o impacto. rádio há 10 anos.
com.ni/nacionales/273761-
organizadas-violencia-machista/ No começo do ano 2016, fui convidado por Um último exemplo aconteceu em julho de
19
http://communitytechnology. Grethel Siqueira, da Cooperativa Maria Luisa 2015, na vila da Fumaça, Rio de Janeiro, durante
github.io/files/downloads/
ReBuildingTech-Zine2.pdf Ortiz15, para capacitar um pessoal a fim de o encontro Nascentes de Dados20, organizado
20
http://nuvem.tk/wiki/index. ampliar uma rede comunitária em Mulukuku16, por Bruno Vianna, da Nuvem21, espaço rural
php/Convocatória_-_Fumaça_ Nicarágua. A Cooperativa foi fundada no catalisador de nexos interdisciplinares.
Data_Springs
21
http://nuvem.tk/
ano 198917 por um grupo de mulheres que Juba, Novaes e Belisário, do movimento de
22
http://www.radiolivre.org/ produziam tijolos de adobe para reconstruir a Rádios Livres22, trouxeram uma emissora
23
https://libremesh.org/ vila, que tinha sido devastada por um furacão. temporária pela qual anunciaram ao povo
24
https://rhizomatica.org/ Desde então, foram somando atividades de as oficinas de construção dos pontos da rede
25
https://codigosur.org/ carpintaria, uma clínica médica, assessoria e nos surpreenderam com a simplicidade
legal para vítimas de violência machista18 e, da montagem técnica da FM. Em troca,
finalmente, uma rádio comunitária em 200419. observaram de perto a potencialidade de
Foi uma experiência belíssima, especialmente uma rede mesh baseada em LibreMesh23,
pelo fato de ver as mesmas pessoas que dão tecnologia que conheciam, mas nunca tinham
apoio para mulheres oprimidas, disponibilizam visto cobrindo uma vila inteira. Desde então,
medicamentos essenciais ao povo e operam a multiplicaram-se projetos combinando não
rádio, de repente, tomando conta da montagem só essas pessoas e essas duas ideias, mas
da rede informática, levando Internet até as também somando redes GSM comunitárias
próprias casas, sem ter experiência prévia (componente pioneira no Nascentes de Dados),
no tema. Entendi que tinham uma sólida aproveitando o modelo desenvolvido pela
confiança em si mesmas, ganhada através da Rhizomatica24.
longa trajetória de iniciarem os projetos mais
diversos sempre com a lógica cooperativista. Esses três relatos pretendem dar só um
Essa seguridade sem dúvidas foi a chave ponto de partida: animar cada ativista de
para que acreditassem na sua capacidade rádio a entrar em contato com uma rede e a
quando (logo no primeiro dia) propus que elas cada ativista das redes a se articular com uma
rádio; fazer sua própria experiência, que, com
144
Redes e Espectro
145
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Seminário Espectro
e Redes Livres
R ealizado na Universidade de Campinas
(UNICAMP), durante os dias 31 de março e 1°
gente o caso da rádio em que atua e que sofre
com a perseguição do Estado, violando o direito à
de abril, nosso segundo seminário foi guiado liberdade de expressão no ar. Francisco Caminati,
pela pergunta “como defendemos e definimos professor de Antropologia da Universidade
o uso de espectro eletromagnético em tempos Estadual Paulista (UNESP), de Presidente
digitais?” Prudente, nos leva pela Amazônia, falando de
reapropriações das tecnologias radiofônicas
A mediação ficou por conta de Karina e software livre no contexto de comunidades
Quintanilha, uma advogada comprometida com a indígenas. Diego Vicentin, doutorando e mestre
mídia comunitária e movimentos sociais. Foram em Sociologia pela Universidade Estadual de
convidadxs pesquisadorxs e ativistas envolvidxs Campinas (Unicamp), nos mostrará de perto
em projetos e políticas de comunicação em um agudo conflito tecnopolítico acontecendo
diferentes cantos do Brasil. Píter Júnior, da entre diferentes padrões tecnológicos que
Rádio Coité FM da Bahia, compartilha com a fazem uso de ondas eletromagnéticas. Em
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Redes e Espectro
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
de uma jaula, que a gente escolheu entrar, ambiental que não excluem a presença de
ninguém obrigou, porque ninguém é obrigado uma comunidade tradicional que habita
a entrar no Facebook, ninguém coloca uma esse lugar, pois a presença dessa população
arma na sua cabeça e fala “entra aí”. não atrapalha, pelo contrário, promove a
conservação ambiental.
Em relação ao espectro, esse é um tipo de
debate que sempre ficou em segundo plano Uma das grandes questões do problema
dentro dos encontros de rádios comunitárias, ou limites do ambientalismo é justamente
porque parece que é uma discussão que quando querem construir reservas ambientais
deveria ficar restrita aos técnicos, mas os e expulsar as populações responsáveis pela
movimentos da democratização preferiram existência e manutenção desses territórios.
fazer a disputa dos conteúdos e das narrativas. Isso é muito comum, aqui no litoral de São Paulo
Isso acabou implicando numa adesão total às tem o caso da Jureia, que tem a população
redes proprietárias, aos meios concentrados de caiçaras que sempre moraram ali, estão
e controlados. E há o abandono da tentativa de há várias gerações e, de repente, surge uma
construir alternativas, por isso é um avanço proposta de criar uma reserva ambiental,
estarmos discutindo isso, agora. A maneira com as melhores das intenções. Só que para
como o espectro eletromagnético, no Brasil, criação dessa reserva você precisa expulsar
está regulamentado e dividido em serviços os moradores tradicionais, e não é que, por
remonta a um momento tecnológico anterior um acaso, estavam lá e não destruíram?! O
ao que a gente vive. A gente já devia ter modo de vida deles favorece a manutenção e a
feito essa discussão anteriormente, porque própria construção da biodiversidade no lugar.
estamos na véspera das decisões de como o
espectro vai ser reorganizado. Entre 2009 e 2010, esse plano de
desenvolvimento sustentável foi elaborado.
Além disso, eu queria compartilhar uma A população da reserva colocou como uma
experiência prática de um projeto que de suas demandas para o desenvolvimento
eu participei recentemente, que está em dessa população a necessidade de uma rede
andamento. É um projeto realizado no Acre, de comunicação. Essa rede foi pensada para
na reserva extrativista do Alto do Juruá, que atender essa demanda, mas a gente queria
fica no município de Marechal Taumaturgo, na fazer algo que fosse próximo das experiências
fronteira do Acre com o Peru. O conceito de que eles já tinham, nos anos 90, com
reserva extrativista remete aos anos 80, à luta radiofonia, que são rádios que transmitem
do Chico Mendes e de outros seringueiros, Ondas Curtas. É diferente do que a gente
e é uma espécie de Reforma Agrária sem os conhece como rádio FM e comunitária. Seria
lotes individuais. São áreas de conservação como rádio amador, rádio que aperta, fala,
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Redes e Espectro
transceptor, você recebe e fala pelo mesmo E a gente está usando uma comunicação
aparelho de rádio, então a gente propôs uma que é antiga, analógica, a gente fez uma rede
rede com estações de radiofonia. Decidimos e um teste de transmissão de dados digitais
por instalar essas estações nas comunidades nessa rede analógica, que vai ser objeto da
mais distantes, nas cabeceiras dos rios, onde a oficina. Esse projeto tinha duas opções. A
comunicação é mais custosa, pois o único meio gente podia tentar conseguir uma licença de
de comunicação é o rio, e os deslocamentos serviço privado para criar uma rede e ter um
demoram muito tempo. Então, a gente falou: canal, uma frequência que seria destinada
“vamos começar a instalar pelas cabeceiras, a essa rede de comunicação. Só que se a
pelos locais mais distantes”. gente quisesse fazer o certo, que seria isso,
provavelmente o projeto teria dado errado.
Instalamos cinco estações dentro da Ficaríamos restritos a uma frequência que
reserva, em diferentes rios, e uma estação seria designada pela Anatel e pelo Ministério
na cidade, que acaba atuando como o ponto das Comunicações, e a gente não tinha como
de convergência. Tivemos uma resposta saber se outras pessoas já estavam utilizando
muito positiva, pois no momento em que a essa frequência, porque no momento em que
gente instalava o segundo rádio já servia você liga um rádio na Amazônia, você vê a
para conectar os parentes de quem estava na importância desse meio ali. Como tem dezenas
reserva ou na cidade. A gente instalou uma de pessoas utilizando terras indígenas, a gente
estação no posto de saúde, na fronteira com o podia ser contemplado com uma frequência
Peru, num lugar em que de um lado do rio é o que ou já teria alguém utilizando, ou não seria a
Brasil, do outro o Peru, e esse posto de saúde, melhor frequência para o nosso equipamento.
que é o mais distante da cidade, tem o médico Então, a gente optou por fazer como sempre
sem CRM [registro no Conselho Regional de fizemos, simplesmente ocupando o espaço.
Medicina]. Os enfermeiros acabaram ocupando Pode chamar isso de desobediência civil, mas
o lugar dos médicos, porque lá não tem médico, partimos do pressuposto que se tratava de
inclusive o único que tinha era um cubano, do um território de 500 mil hectares rodeados
Programa Mais Médicos, e é esse o doutor sem por terras indígenas com uma internet talvez
CRM. O enfermeiro já tinha uma habilidade pior que a de Tefé [Amazonas], porque ela
de usar o rádio e, no momento em que a simplesmente não funciona. Por exemplo,
gente instalou essa estação, ele já contatou o tem um monte de antenas da Oi espalhadas e
médico da cidade para fazer consultas sobre nenhuma funciona. E a gente, simplesmente,
como encaminhar determinados casos, quais foi pra campo, mapeou quais eram as
remédios receitar... Ficou evidente o potencial melhores frequências para o equipamento,
desse tipo de comunicação. viu as que não estavam sendo utilizadas e
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Redes e Espectro
que esses dois blocos, eles não são estanques, o quê seria o espectro não licenciado? Vou
eles são fluidos, as coisas passam de um lado fazer uma pequena digressão dentro da minha
para o outro. Do lado de cá, você tem o IE 802, fala e vou fechar, de novo, com o conflito
que é o grupo que define os padrões do Wi- para tomada, para ocupação do espectro
Fi. Do outro lado, você tem o 3GPP, que define não licenciado. O espectro não licenciado é
os padrões da tecnologia ou o que a gente um modo relativamente informal, mas ele
chama de família GSM, que vem desde lá da foi instituído por uma canetada da FCC –
segunda geração até agora, à quarta geração que é a Anatel dos EUA, a Agência que toma
de telefonia celular, que é o LTE. Esse conflito conta do mercado de telecomunicações e,
é um conflito que eu chamo de tecnopolítico. especificamente, do espectro nos EUA – e
São corpos internacionais de padronização, essa canetada foi em 1985, autorizando o uso
eles não são exatamente ligados a nenhum de uma técnica chamada de espalhamentos
governo, quer dizer, são associações. No espectrais nas bandas, que, até então, eram
caso, aqui, do IEEE, Instituto de Engenheiros conhecidas como ISM, quer dizer que eram
Eletrônicos e Eletricistas. E, do outro lado, o destinadas para uso médico, científico e
3GPP, que é uma associação formada a partir industrial. Então, eram bandas que não tinham
da segunda geração de telefonia celular, muito valor econômico porque a capacidade de
quando a Europa tentou unificar os padrões, alcance delas é relativamente baixa, porque
porque existiam, até então, diferentes redes elas são de alta frequência.
de telefonia celular, então tinha uma no bloco
lá da Escandinávia, no bloco nórdico; tinha O espalhamento espectral foi inventado
outro, na França; outro, na Alemanha. E aí eles durante o esforço de guerra nos anos 40 como
precisaram juntar para fazer um mercado uma espécie de criptografia na transmissão
único, isso dentro do movimento de unificação dos dados. Então, você está transmitindo
da União Europeia. E montaram esse bloco numa frequência x, depois pula para y, volta
para definir qual seria o nosso padrão da para z e assim vai, de modo que se alguém está
segunda geração, terceira geração e, agora, tentando interceptar sua comunicação, essa
da quarta. interceptação fica mais difícil. Essa técnica
foi inventada nos anos 40 e só foi se tornar
Então, são dois blocos que representam pública, nos anos 80. Até então era monopólio
interesses econômicos distintos, mas do exército dos EUA e, na medida em que isso
correlacionados e que estão definindo é aberto para funcionar nessas bandas de
esses dois padrões que vão disputar espaço frequência conhecidas como ISM, começa a
pra ocupar, para colonizar o espectro não ter um monte de inovação técnica, entre elas
licenciado. Vocês devem estar se perguntando: o Wi-Fi. Mas não é só o Wi-Fi que funciona aí:
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
vai desde o aparelho auditivo até o forno de colocando a lógica da escassez, que funciona no
micro-ondas. Quer dizer, tem várias coisas espectro fechado, licenciado, para o espectro
que funcionam nessas bandas, mas, uma vez aberto. Esse processo de convergência está
que o Wi-Fi começou a funcionar e começou a ligado com a intenção das operadoras de
se espalhar, ele ganhou essas bandas, tendo telefonia móvel [que estão] desenhando uma
uma importância econômica e política. E aí solução para essa convergência entre wireless
saio da minha digressão sobre espectro não e mobile, que vai submeter o espectro aberto
licenciado para voltar para o conflito, porque ao espectro fechado. Mas, como isso? Vou
nesse meio tempo se tornou uma coisa muito dar um exemplo. Como é que a Vivo vai fazer
importante para as redes comunitárias. para usar o espectro aberto conectado com
o espectro fechado dela? Em áreas densas,
Elas começaram a distribuir a internet sobretudo, onde tem muito usuário, ela vai
porque o espectro não licenciado não requer instalar a LTEU, ou seja, uma nova tecnologia
licença. Então, quando a FCC deu aquela que ainda não existe que é o LTE unlicensed,
canetada em 85, ela autorizou o uso de justamente, o LTE funcionando no espectro
qualquer um que quisesse emitir ou receber não licenciado. Ela vai colocar o LTEU para
sinal dentro dessas faixas de frequência, não funcionar do seguinte modo: eu tenho o
precisava pedir nenhuma autorização para espectro fechado, eu, a Vivo, e aí, se o meu
a FCC. Até então, os aparelhos auditivos, usuário está, por exemplo, querendo assistir
essas coisas que disse antes, precisavam a um vídeo por streaming, eu vou alocar uma
de autorizações específicas. Entravam com parte no espectro aberto, porque eu vou ter
um processo, ganhava-se a autorização, também a Vivo, vou ter também implementado
começava a funcionar. Depois da canetada, ali um hotspot de LTEU, a partir do espectro
esse processo da autorização específica não fechado, então vou fazer uma leitura do
precisa mais, então você vai direto e começa a espectro aberto, ver se tem banda disponível
funcionar dentro dessas faixas de frequência, e vou alocar.
desde que o aparelho tenha sido aprovado
pela FCC, e isso, claro, se replicou na Europa, Bom, mas isso estabelece uma relação de
no Brasil, sendo que aqui o aparelho precisa desigualdade entre o modo como a turma do
ser autorizado pela Anatel. lado de cá e a turma do lado de lá acessam
o espectro. Porque o Wi-Fi acessa o espectro
Eu comecei a fala discorrendo sobre a a partir do que eles chamam de mecanismo
convergência entre wireless e mobile, entre LBT, que é listen before talk, ou seja, “escute
redes móveis e redes sem fios. Na medida em antes de falar”. Então Wi-Fi vai lá, escuta,
que essa convergência está acontecendo, as vê se o espectro está ocupado ou não, se
redes móveis estão imprimindo ou obrigando,
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Redes e Espectro
estiver ocupado ele espera um tempo que que é preciso olhar para ele.
é randômico, ou seja, definido de maneira
aleatória, e tenta de novo. Está ocupado?, Peter Bloom (Rizomática): Temos escutado
vai de novo esperar um tempo e tentar de o suficiente sobre espectro, democracia e
novo. Ou seja, se esse espectro estiver sendo desigualdade. Creio que é importante, ao
utilizado pela tecnologia LTEU, o Wi-Fi não pensar sobre o espectro, assumirmos que ele
consegue acessar. E, como a tecnologia é algo socialmente construído. Toda técnica,
LTEU vai definir o mecanismo de acesso ao toda a burocracia são detalhes. E são detalhes
espectro a partir do espectro fechado, ou seja, no sentido de que se não entendemos do que
a partir de um canal de controle que é definido estamos falando, quando falamos espectro,
centralmente pela operadora, ele pode ficar perdemos um pouco a pista, a possibilidade de
usando continuamente ali e deixar o Wi-Fi sem montar argumentos, de montar resistência de
acessar o espectro. lutar pela comunicação.
Então, para fechar com um exemplo bastante Quando digo que o espectro é construído
pragmático que tem a ver com os problemas socialmente, refiro-me a algo que não podemos
que essa mesa tenta enfrentar, se tiver uma tocar, que é imaterial. Então, estamos falando
rede da Vivo, de LTEU, no mesmo lugar em de um conceito, de uma gama de frequências
que tem uma rede aberta da rede Mocambos, que são úteis para nos comunicarmos. Muito se
ali, na casa Tainã, muito provavelmente a rede perde em discussões técnicas, mas, afinal de
Mocambos não vai funcionar bem, porque contas, estamos falando de comunicação, de
esse espectro está sendo usado de modo nossa possibilidade de comunicar em certas
controlado pela rede da Vivo. frequências. E, em seguida, esse espectro se
torna um bem econômico, porque tem algum
A FCC, lá nos Estados Unidos, a Anatel, aqui valor, e o valor que tem é a potencialidade
no Brasil, e a EIT, na Europa, disseram “bom, de comunicação de todos os usuários deste
beleza, usa aí, está aberto”. Só que o fato de espectro.
estar aberto agora começa a criar conflitos
para ver quem é que tem precedência na Logo começamos a ter as disputas sobre
utilização desse espectro. A má notícia é que regulação, quem vai ter acesso, quem não
isso pode influenciar negativamente a galera vai, e, por haver transformado o espectro em
do lado de cá, o Wi-Fi, que vai tentar fazer bem econômico, se perde muito, se pensa
alguns dos gostos das grandes operadoras em agir por uma lógica que vai cada vez mais
para que elas também tenham controle sobre longe do que deve ser. Que é como o espectro
o modo como o Wi-Fi acessa o espectro. Esse vai facilitar a comunicação de todos e todas.
é um conflito que está aberto e que eu acho Basicamente, não é assim só no Brasil, não só
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
no México, mas também nos EUA e na Europa. construir nossos territórios, nossa cultura e
a sociedade em geral. Então, quando vemos
Estamos falando, por exemplo, do espectro partes do espectro com ou sem licença, é
não necessitar de licença. No México, por importante não esquecer que temos o direito
exemplo, isso representa 2% do espectro útil a todo o espectro, não a algumas partes dele.
para telecomunicação e radiodifusão. 98% do
espectro útil para nossa comunicação requer O movimento de rádios comunitárias, em
uma licença quase impossível de obter. Então, vários países da América Latina, obteve um
nos deixam com 2%. Agora, no México, no acesso ao dial. Em muitos casos, temos as
Brasil, na América Latina estamos obviamente faixas harmonizadas GSM 1900 MHz, 2.4MHz,
muito acostumados a viver num mundo cada 5.8 MHz e, logo, fomos pegando 33% do dial
vez mais privatizado, onde o acesso aos FM, que é um pedacinho pequeno do que é o
recursos naturais e comuns são cada vez mais espectro em sua totalidade. Cada vez mais vai
difíceis. Mas eu creio que se privatizassem avançando a tecnologia, cada vez mais se vai
98% de nossa água, estaríamos todos nas vencendo as patentes de diferentes tecnologias
ruas e seria quase uma revolução. e, portanto, vai abrindo a possibilidade de, nós,
sendo ativistas, acadêmicos ou povos, termos
É importante compreender como os Estados a possibilidade de usar diferentes partes do
assentam jurisdição sobre o espectro. Essa espectro para nossa comunicação.
é outra parte: como é que chegamos nessa
situação? A situação no México, por exemplo, No México, estou desenvolvendo uma
a legislação mexicana diz que o espectro experiência, onde conseguimos obter
faz parte do espaço aéreo sobre o território acessibilidade ao espectro GSM, que é o padrão
nacional. Isso, do ponto de vista dos fatos e mais importante para a Telecomunicação
do ponto de vista científico, é uma mentira. Móvel, telefonia celular. Mais de 80% dos
O espectro eletromagnético e o espectro telefones celulares no mundo usam esse
radioelétrico não fazem parte do espaço aéreo. padrão. Obtido o acesso a este espectro, é
importante compreender que vem de uma
O controle do espectro por parte do Estado longa luta, que provém, principalmente, de
é algo falso. Através desses processos de povos indígenas e das rádios comunitárias e,
privatização transferem esse espectro à muitas vezes, são a mesma luta no México.
companhias privadas que são responsáveis O projeto foi iniciado e está operando num
por nossa comunicação. Então, às vezes, Estado chamado Oaxaca, ao Sudeste do país.
temos que questionar, a fundo, tudo o que tem
a ver com espectro e de onde tudo isso vem. Lá temos mais de cem rádios comunitárias.
A comunicação é vital, é o que nos permite Uma população de três milhões de pessoas, as
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Redes e Espectro
quais quatro pediram permissão e obtiveram Se uma comunidade decide lançar um satélite, 1
Meses depois da fala de
Bloom, em julho de 2016,
uma licença. Então, as outras noventa e seis tem o direito de fazê-lo. Se uma comunidade Rizomática viria a conseguir
têm zero permissões. Oaxaca é um Estado quer operar o serviço de telecomunicações, a concessão. Disponível em
https://www.theguardian.
com mais população indígena, possui seis que pode ser GSM, LTE, que pode ser o que for, com/world/2016/aug/15/
etnias diferentes. Então, as pessoas viram tem direito. Existe a concessão social, então, a mexico-mobile-phone-network-
indigenous-community (em
em que momento entregamos o nosso direito luta que tivemos aí foi como criar as diretrizes. Inglês). Acesso em 17 de janeiro
ao espectro para o Estado, quando isso Aqui está a lei, mas como se aplica? Como as de 2017.
aconteceu? Em nenhum momento. O governo pessoas de baixa renda vão poder realmente
vai argumentar que, por razões territoriais, fazer uso dessas concessões sociais? É tão
tem domínio sobre o espectro, mas nós difícil obter a licença, requer tantos recursos
também temos o direito legítimo de uso do que ninguém faz.
espectro e de utilizar o espaço aéreo, porque
está em cima do nosso território e está ligado A organização com a qual eu trabalho já emitiu
à reprodução de nossa vida cotidiana, nossa nossos papéis para sermos concessionários
cultura e nossa língua. com permissão de uso do espectro GSM, que
vai durar anos. Este pedaço de espectro nós já
Dois anos atrás, o governo do México começou estamos ocupando não é de hoje, e nos deram,
a passar por muitos processos de reformas nesse momento, uma licença experimental,
estruturais. Privatizaram o petróleo, o que me porque quando os povos indígenas foram ao
parece também estar passando aqui, e fizeram governo dizer: “precisamos nos comunicar”, o
um montão de outras reformas estruturais governo disse: “não existe um mecanismo para
que, basicamente, são privatizações de todas que façam uso desse espectro”. Infelizmente,
as diferentes esferas da vida. Porém, uma das não se encaixa na lógica do Estado que um
reformas estruturais que fazem no campo das serviço como GSM, como a central de celular,
telecomunicações abre, pela primeira vez, o pode ser algo que uma comunidade, ou
precedente para a concessão social. Então, a melhor, algo que quem vai fazer uso não seja
lei atual de telecomunicações do México, que uma empresa privada.
já tem dois anos em vigor, reconhece o direito e
cria diretrizes para que uma organização social Mas agora isso já mudou: já está quase 99%
ou comunidade, em qualidade de comunitária, certo que vão nos dar essa permissão por
não tenha que se constituir como Organização anos1, então qualquer comunidade que não
da Sociedade Civil, mas como Comunidade, tem nenhum serviço celular terá o direito,
tendo o direito de ser concessionária de agora, de ser concessionário social e fazer
qualquer serviço de telecomunicação ou uso do espectro para oferecer este serviço.
radiodifusão. Sinto que este exemplo é algo que temos que
compartilhar no Brasil.
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
TC Silva (Casa de Cultura Tainã): Falando comunicação está aí, mas e os valores? O que
de espectro eletromagnético, espectro aéreo, importa para a nossa evolução humana?
eu quero falar de outros espectros, que é o
social, que é o espectro humano, que nem A Rede Mocambos existe há mais de 10 anos e
sempre a gente se remete a eles. Claro que a gente está há uns cinco anos, desenvolvendo
a gente está num mundo que é controlado por um sistema de poder falar de tudo isso, que
essas tecnologias. Mas até que ponto a gente é o baobáxia, um sistema que é uma rede
também recorre a outras tecnologias, como de servidores, que chamamos de mucuas,
por exemplo, à tecnologia do tambor que trago o fruto do baobá. A gente planta baobáxia,
aqui? Pensando na lógica dos irmãos lá do que é uma árvore africana conhecida como
México, da Rhizomatica, a rota do escambo, árvore da sabedoria, onde se compartilha
que nós chamamos, pode fazer o mundo todo conhecimento, se celebra a vida, se troca
mais do nosso jeito, desde que a gente se experiências com os velhos e as crianças. Isso
dedique para isso. Então, às vezes, a gente se tudo foi começado, na Tainã, que é um nome
prende dentro de grandes pautas e acabamos indígena e significa caminho das estrelas, e
sendo levados por elas. Estou chamando a gente acha bom esse nome porque ele nos
essa atenção, por isso trouxe o tambor aqui. remete a pensar no impossível.
É para a gente também se reconectar com A gente pensa na questão do off-
nós mesmos, nos prendermos mais à nossa line. O tambor, aqui, ele pode funcionar
própria humanidade, ao sentido da nossa perfeitamente off-line, ele não precisa de Wi-
existência: “Qual o significado de estarmos Fi, então ele carrega valores, e isso pode ser
aqui?” compartilhado com todos, imediatamente,
A violência vem de formas muito sutis. Por pois onde o tambor toca, todo mundo sente.
exemplo, hoje, aqui, tudo é industrializado. Notem, sempre ao pegar algum instrumento
Você bota o filho numa escola que você não africano, observem bem, não tem marca, não
sabe qual que é. Imagina a vida de uma criança tem uma forma padrão como tem esse copo. É
negra dentro de uma escola, qual educação para todos. Você conhece o código, o mestre,
tem para ela ali? Como ela se reconhece ele te compartilha, ele te ensina como fazer o
como sujeito? Como ela potencializa a sua teu tambor, então, isso são valores que a gente
identidade? De repente, vem essa grande mídia acha que é de um mundo mais do nosso jeito.
e nos influencia, e todo mundo votou “Eu sou Conectem o baobaxia.mocambos.net, então
Charlie”. E a polícia vai lá, no Rio de Janeiro, vocês vão conseguir conhecer, ter contato
e fuzila cinco moleques negros e não falamos com muita gente que produz seus conteúdos
nada, mas “Eu sou Charlie”, entendem? A localmente, e armazenem e compartilhem
aquilo que acham que é de compartilhar.
156
Redes e Espectro
Então, a gente também pensa nessa questão satelital em toda a região mediterrânea,
do espectro social e o espectro humano como sobretudo apoiando rádios que começavam a
uma alternativa que devemos potencializar se organizar depois da Cúpula Mundial sobre
nas nossas discussões. a Sociedade de Informação que aconteceu
em Tunis, três anos antes. A saída de sinal
Francesco Diasio (AMARC Internacional): por satélite era uma ajuda para elas, porque
Gostaria de falar de outro aspecto do espectro: permite circular informações locais mesmo se
a passagem do analógico para rádio digital você não tem uma emissora FM.
terrestre que estamos vivendo atualmente.
Eu não me refiro ao rádio via internet ou via A Internet era uma tecnologia que se podia
satélite, que já existem há anos. Estou falando cortar facilmente, mas um sinal por satélite,
de uma mudança radical da tecnologia que não. É quase impossível porque quando você
vai mudar por completo nossa visão do rádio, corta um canal vai afetar todo um conjunto
seja na tradicional banda FM ou em outras de sinais. Então, foi uma experiência muito
frequências. Este é um debate muito atual, interessante, já que a plataforma satelital,
sobretudo na Europa, onde tem muitas rádios naquele momento, se usava principalmente
comunitárias que deixaram de transmitir na para a televisão. E para receber nosso
banda FM e se mudaram a outras frequências sinal de rádio a gente já contou com os
digitais terrestres. receptores, porque nos países onde existe
censura, sobretudo no Mediterrâneo, os
Vejo o espectro como um bem comum e lares têm antenas parabólicas para ouvir
não apenas como um bem público. Por isso canais estrangeiros. Então, nosso sistema,
é importante que a gente o articule como um na verdade, já estava nas casas, somente
direito fundamental. O espectro é o Direito à precisava uma mudança cultural para ouvir
Comunicação. O uso digital do espectro não é rádio através do sistema televisivo.
algo completamente novo na Europa nem nas
rádios comunitárias. Eu sou italiano, comecei Voltando ao debate sobre a transição do
a trabalhar numa emissora em Roma que rádio digital. Acho muito interessante tudo o
se chamava Cittá Futura. Era parte de uma que já foi dito sobre a colonização do espectro,
grande rede nacional que tinha uma estação- mas acho que é hora de introduzir um novo
mãe, a Radio Popolare de Milão. Era uma rádio conceito. Fala-se muito do land grabbing
popular , desde os anos 1990, usava satélites [privatização da terra] ou da privatização da
para distribuir as suas notícias e boletins em água. Acho que devemos falar do frequency
nível nacional entre as rádios associadas. Com grabbing também porque é algo que está
a nossa pequena agência radial, no ano 2007 começando em nível mundial. Num monte de
entramos também numa outra experiência países, os serviços públicos de radiodifusão
157
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
europeia, como a Rádio França Internacional organizações que apoiam um dos dois padrões.
[RFI], a BBC, a Deutsche Welle [DW], têm os Nós, como AMARC Brasil, que como muitas
seus canais e frequências locais. Se você for iniciativas públicas, como o Parlamento
pela selva do Congo, provavelmente, você não Europeu, fazemos uma reflexão de base bem
vai ouvir nenhuma rádio local comunitária, já simples: a tecnologia muda. A tecnologia de
que o acesso ao espectro é muito limitado, mas hoje pode-se chamar DAB+, DRM+, mas, em
você pode ouvir a RFI. Isso é um absurdo. Então, anos, provavelmente, vai mudar. Então, para
acho importante sempre levar em conta os nós, não é importante dizer que estamos
três elementos básicos do rádio FM tradicional apoiando um padrão ou outro. Para nós, o
quando falamos da passagem ao digital: que mais importante é garantir uma utilização
o FM garante uma rádio gratuita, anônima e racional do bem público às vezes com uma, às
móvel. A Internet, que oferece, sem dúvida, um vezes com outra tecnologia DAB+ , que é uma
monte de oportunidade para fazer rádio, não é tecnologia que permite transmitir de forma
gratuita porque temos que pagar pelo acesso multiplex, ou seja, até canais com uma só
antes de ouvir rádio lá. Também não é anônima antena. O DRM+ permite menos canais, mas
porque nosso IP permite uma identificação pode ser eficiente da mesma forma. Então, uma
importante para a publicidade e a venda de tecnologia pode ser mais apropriada onde tem
serviços adicionais. E a Internet é móvel mais produção e mais ouvintes que justificam
somente graças a nossos telefones celulares. o uso de uma antena com canais – coisa que
Não surpreende então que são as companhias num ambiente rural, onde provavelmente
de telecomunicação que têm um fome feroz não tem tantos produtores, seria absurdo.
para acumular frequências. Existe um estudo Ao mesmo tempo, usar DRM+ , nas grandes
feito pelos radiodifusores públicos europeus cidades, não faz sentido porque não permite
que deixa claro que em dez anos, desde 2006 uma utilização racional do espectro. Então,
até agora, as frequências em uso para o nossa posição é muito política e não técnica
rádio e a televisão diminuíram em relação às porque a tecnologia muda. Mas a política é o
companhias privadas de telecomunicação, que acesso, sobretudo às bandas de frequência no
ficaram com os outros 50% das frequências. marco de uma aquisição racional.
Agora, falando do rádio digital, na Europa Existem alguns países, como, por exemplo,
existem dois grandes padrões técnicos, o a África do Sul que introduziu dois padrões
DAB+ e DRM+. São dois consórcios, dois de maneira paralela. É possível, já que usam
consórcios comerciais, claramente2. Cada bandas diferentes. Na França, nesse momento,
um tenta tomar uma posição dominante no tem mais de trinta rádios comunitárias que
mercado e a isso correspondem diferentes já estão transmitindo por DAB+. Por quê?
158
Redes e Espectro
Porque na França foram emitidos 150 novas 50 dólares enquanto um rádio transmissor 2
Ambos os consórcios
são reconhecidos como
licenças de transmissão digital terrestre e tradicional para ouvir FM custa 5. Então, organizações sem fins
o Sindicato Nacional de Rádios Livres [uma a batalha acontece nesse contexto, muitos lucrativos. Para mais
informações e outros pontos de
das duas grandes organizações de rádios países estão mudando ao digital, outros se vista sobre o tema ver Breves
associativas da França, muito parecidas à opondo a este. A Noruega, por exemplo, notas sobre a radiodifusão
comunitária e as tecnologias
formula comunitária] garantiu uma parte cancelou por completo a transmissão em do rádio digital, por Miriam
delas para as rádios comunitárias. DAB+ dizendo que economicamente não era Meda Gonzalez; O Rádio Digital
no Brasil, por Rafael Diniz;
viável3. O problema sempre está do lado dos Rádio digital e a importância de
Acho que mais importante que a tecnologia receptores. Na Europa estamos fazendo uma tecnologias abertas, entrevista
é a questão da infraestrutura: sempre evitar de Dilliany Justino, e; o texto
campanha, não somente a AMARC, mas juntos do seminário Futuro das rádios
que se transforme em privada, em algum com uma organização dos serviços públicos comunitárias em tempos
momento, pois uma companhia privada digitais, todos desta coletânea.
que se chama EBU [European Broadcasting 3
Na verdade, em janeiro de
simplesmente vai dizer “tchauzinho” se você Union]. 2017, a Noruega viria a iniciar
não tem o dinheiro para pagar o acesso. Isso o desligamento do rádio FM
analógico. Disponível em http://
se reflete também nas diferentes políticas Estamos a favor de receptores com um www.drm-brasil.org/content/
públicas dos Estados nacionais. Às vezes, multichip, que permite ouvir FM tradicional, noruega-inicia-desligamento-
do-rádio-analógico-fm-última-
até tem duas políticas no interior do mesmo DAB+ e DRM+ e, por que não, rádio por etapa-da-migração-para-o-
Estado. Na Bélgica, por exemplo, na parte Internet? Afinal, ouvinte mediano não é rádio-digi. Acesso em 18 de
janeiro de 2017.
francófona, a passagem digital será garantida interessado em ouvir DAB+ ou DRM+, ele
pelo serviço público, na parte flamenca tudo gosta de ouvir rádio de qualidade e de maneira
ficou completamente nas mãos dos privados. gratuita. Esta é a batalha que estamos
É por isso que é importante estabelecer levantando como AMARC. Acho também
regras claras para aceder transmissões, fantástica a experiência [da Rizomática] no
mais que para transmitir. E é essa a batalha México. É única, sobretudo porque coloca em
que estamos fazendo na Europa. A questão contato a radiofonia tradicional com o mundo
é muito escolástica se a gente não leva em da telefonia. Vamos trabalhar nesse sentido
conta a audiência. Porque acesso somente também, com a AMARC, e escrever uma carta
vai ter através de um receptor para ouvir política aos reguladores exatamente sobre
DAB+ ou DRM+ etc. Então, isso, de novo, esse tema de como regular corretamente no
vira uma questão de mercado, e o mercado ambiente rural entre telefonia móvel e rádio
neste momento não está convencido dessa O fato é que é muito difícil obter este tipo de
tecnologia. Os preços ficam muito altos, por frequências, um fato mundial.
isso também na Europa quase ninguém tem
um receptor digital. Mesmo se tiver uma Na Itália, as rádios comunitárias, ou melhor
queda de preços, sempre ficaria em 30, até dizendo, as rádios livres nasceram nos anos
1970-1975. Naquele momento quase não tinha
159
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
regulamentação. Hoje tem, mas quase não público e estamos prontos para fazer o que for
temos acesso às licenças. Quando uma rádio necessário ser feito.
fecha não se devolve a frequência que usava
ao Estado, ela a vende diretinho, tal como se Comentários do público
vende um carro ou um apartamento. E uma
frequência hoje custa entre um e dois milhões Rafael Diniz: Gostaria de fazer dois
de dólares. Recentemente, teve um caso com comentários. Um sobre rádio digital. Aqui, no
uma rádio histórica de Roma que começou Brasil, a gente defende o DRM. Primeiro que
nos anos 1970, sob o nome Rádio Proletária. o DAB não dá para ser implantado no Brasil,
Depois de 30 anos de transmissão, foi forçada porque a banda A3 é usado para televisão.
a fechar e vender a sua frequência a uma rádio Inclusive TV digital. E isso é uma discussão
comercial. Quer dizer que não vai ter uma nova longa, a gente vai conversar mais sobre isso,
rádio comunitária em Roma. Este espaço se enfim, aqui a gente defende o Digital Radio
perdeu porque ninguém tem dois milhões de Mondiale, e, com relação à TV digital, que foi
dólares para comprá-lo. Isto é a grande perda uma grande luta da década de 2000, ontem
que se vive por falta de regulamentações e talvez tenha ocorrido a maior perda da TV
legislações. digital de todos os tempos. Não sei quantos aqui
estão acompanhando as reuniões do Gired, que
Então, para mim, a passagem em direção é o grupo que discute a implementação da TV
ao digital é simplesmente a redefinição digital no Brasil. A toque de caixa foi decidido
do perímetro da liberdade de expressão. que os receptores para os beneficiários do
Se garantimos uma passagem à liberdade cadastro único em Brasília vão receber um
de expressão poderá ser expandida; se conversor, sem interatividade, sem o Ginga,
não trabalhamos bem, pode causar mais então isso talvez seja uma das maiores perdas
concentração e mais restrições. Porém, de todo mundo que trabalhou com TV digital
para a AMARC, a vocação não é ocupar no Brasil. Talvez isso se expanda para as
frequências. Mas já vi em Tunis, depois outras cidades, a gente sabe que em Brasília o
da revolução, nasceram rádio livres e foi apagão vai ser em outubro. Então, isso é bem
porque primeiro ocuparam frequências. Nós urgente. A gente está pensando em chegar
apoiamos, de manhã estivemos com gravata, na Casa Civil, falar com o Berzoini, Jacques
falando com as autoridades, e de noite no Wagner, porque isso, de fato, talvez, a única
porto para transmitir de forma ilegal. Mas coisa brasileira da TV digital, esse Ministério
funcionou, nesse momento, em Tunis, tem das Comunicações ridículo conseguiu tirar.
rádios comunitárias licenciadas. Então, nossa
vocação não é piratear o ar. Porém, é um bem Ikebantos: Participo de um coletivo,
Quilombagem, um colaborador lá na rede
160
Redes e Espectro
161
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
parece que vai vir atrás, no sentido de atrasado concessão experimental. Em junho de 2012,
mesmo, das implementações. Tanto que as reuniram-se 35 autoridades de 35 comunidades
implementações nos Estados Unidos já iam e escrevemos uma carta ao Governo Federal,
começar no começo do ano passado e foram ao Ministério das Comunicações, dizendo que,
brecadas por um movimento da FCC de dizer, pela exclusão sistemática à comunicação, de
“olha, tudo bem, vocês podem usar o espectro celular, em particular, nós iríamos tomar posse
não licenciado, vocês estão dentro da regra. do espectro. “Vocês, governo, não fizeram nada
Mas não se esqueçam de que quem carimba para assegurar as comunicações nas nossas
o aparelho em si, quem faz a autorização do comunidades”. Anexamos também cartas de
aparelho para ser lançado no mercado, somos negação por parte das empresas privadas
nós. E se chegar aqui e a gente achar que vai e, em seguida, as comunidades diziam que,
ter um tipo de coexistência que não é justa nós dentro do nosso direito, dentro da Constituição,
vamos negar essa autorização”. Então a FCC a partir da lei de telecomunicações anterior,
fez essa pressão e a indústria deu um passo nós teríamos o direito de tomar posse, porque
atrás e falou, “bom, então vamos negociar não havia outra opção. Então, este processo
e tudo mais”. Então, para responder a sua foi muito curto, eles disseram “vamos dar
pergunta, eu não sei como a Anatel, como uma concessão experimental, vamos dar para
é que em termos regulatórios o Brasil vai 5 estados para não fragmentar o espectro,
reagir a isso, mas eu imagino que a regulação ok?” Mas isso significa que agora que está
no Brasil está esperando esse conflito ser se tornando uma conversão social, que é um
resolvido lá para depois pensar o que nós pouco mais padronizado, nós, como projeto,
vamos fazer aqui, mas é só uma suposição. teremos direitos inalienáveis sobre estas
frequências, o que significa que ninguém mais
Camila Marques: Primeiro, você disse que pode usar, a menos que estejamos dispostos
existe a possibilidade de ter uma concessão compartilhar. Na concessão social atual
experimental, temporária, mas eu queria que estamos pedindo o governo tem seis
saber: demora muito esse processo da meses para responder. E se você tem alguma
concessão social, existem restrições, por dúvida, esses 180 são interrompidos até que
exemplo, se já tem uma concessão social em respondam, e então segue. A nossa concessão
determinado local pode haver outra? Gostaria experimental inicial de dois anos, nos deram
que você falasse um pouco sobre esse cenário em maio de 2014, o que significa que expira
de uso de processos judiciais para restringir a em maio de 2016. E é provável que ainda não
voz das rádios comunitárias? tenhamos em mãos o papel, mas segundo
nos indicam, pelo tamanho do projeto, é muito
Peter Bloom: Quando começamos, por
difícil que cheguem a dizer que “enquanto
falta de outro mecanismo, nos deram uma
162
Redes e Espectro
vocês não tiverem sua licença, tem que parar Mas, pela forma como o projeto está planejado,
de fornecer o serviço” – o que não vamos fazer, o mesmo governo nos disse: “olha, nós não
ainda que nos digam que temos que fazer. vamos causar problemas a vocês. O problema
é do nosso governo que não sabe o que fazer”.
Quanto à criminalização das rádios, 96% E, no final de contas, esse processo passou por
das rádios em Oaxaca não têm licença para uma questão de que o governo mexicano, por
funcionar. Há um certo nível de criminalização conta de suas políticas de cobertura social, de
e, ocasionalmente, o governo fecha uma acesso à Internet e à informação, não sabe o
rádio, mas apenas onde podem. Eu acho que que fazer. Eles jogam dinheiro pela janela, uma
daí vem uma parte importante: quando uma montanha de diferentes projetos que nunca dão
rádio está bem fundamentada na comunidade, resultado. Colocam um satélite aqui, outro lá,
quando está legitimada, é muito difícil que e nunca envolvem as pessoas. No caso, para
o governo se meta a fechar, pois cria-se um eles era como, “ah, as mesmas pessoas vão
conflito social que pode se transformar num resolver esse problema para nós”. Por isso,
conflito armado. Então, o que normalmente desde o início, nunca houve um conflito com o
acontece em Oaxaca e no México, em geral, governo, apesar de ter ou não ter uma licença,
é o uso da violência extrajudicial, matam os apesar de experimental ou não experimental.
companheiros e companheiras das rádios ao E eles podem se desligar de alguma maneira
“estilo mexicano”. da sua responsabilidade, o que é favorável
para eles. E para nós, como nós sabemos que
Rosane Steinbrenner: Você diz que foi
eles não vão fazer por eles, sabemos que eles
concedido como um projeto experimental o
não vão fazer bem, então é melhor partirmos
uso desse espectro, que já vinha sendo usado
da nossa autonomia e fazermos nós mesmos,
há três anos. Então, eu queria entender de
da maneira que queremos, certo?
que maneira ele era usado e a partir de agora,
com a licença, outras formas, outros modos
de utilização, o quê, de que forma? Essa
experiência da concessão social, ela se deu e
está acontecendo no México. Eu acho que é uma
experiência impressionante para todos nós.
163
Entrada 3
Rádio Digital
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
O Rádio Digital
no Brasil
R adiodifusão Digital é o sistema de
comunicação que utiliza as ondas de rádio,
• Menor consumo de energia - entre 20% a
30% do consumo da transmissão analógica;
assim como o rádio analógico AM ou FM, para
transmissão de sons e também de dados, • Permite a utilização do mesmo sistema
de forma digital. Todos os outros meios de irradiante já utilizado no analógico (OM, OT,
comunicação eletrônicos (TV, telefone, redes OC ou FM) e, dependendo do modelo do
de computador) já são digitais, sendo o rádio transmissor, o mesmo também pode ser
o último meio eletrônico de massa ainda utilizado no digital, necessitando apenas
operando em modo analógico. trocar o excitador;
166
Rádio Digital
167
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
168
Rádio Digital
defendem a adoção do DRM com evoluções faixa de OM permite também que as emissoras
brasileiras para o Sistema Brasileiro de Rádio explorem a recepção de longa distância à noite,
Digital. Em parceria com o Ministério da graças à propagação por ondas celestes, assim
Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações como nas faixas de OT e OC.
(novo Ministério das Comunicações do governo
de Michel Temer) e EBC, novos testes com o Para o caso do FM, a questão é mais
DRM em Ondas Curtas estão sendo realizados complexa, pois em muitas capitais do país
este ano, do mesmo local de transmissão da não existe espaço na faixa tradicional do FM
Rádio Nacional da Amazônia OC, com o objetivo para se colocar o sinal digital em um canal
de demonstrar que o rádio digital em Ondas adjacente ao canal analógico. Na verdade, em
Curtas é um excelente meio de comunicação muitas capitais não existe espaço nem mesmo
para transmitir áudio de boa qualidade e para a migração das emissoras AM para o FM,
informação digital para enormes e distantes o que levou a criação da faixa estendida do FM,
áreas do território nacional. que compreende os canais 5 e 6 de TV (76MHz
– 88MHz). No entanto, nenhuma emissora de
Desafios rádio está operando nesta faixa e pouquíssimos
receptores podem sintonizá-la, já que a banda
Alguns temas relevantes para pensar de FM atualmente vai de 87,4 até 108 MHz.
a digitalização do rádio são o modelo da
digitalização e como será a etapa de transição Uma das grandes possibilidades para a
da transmissão analógica para a digital. digitalização do FM é exatamente a utilização
Partindo do princípio que o padrão adotado da faixa dos canais 5 e 6 de TV para as
seja o DRM com modificações na camada de transmissões digitais, em canais de 100kHz de
serviço nacionais, será necessário um período largura, de forma semelhante à digitalização
de transição em que os sinais analógicos e da TV, em que o canal digital da emissora é
digitais estarão no ar, assim como acontece alocado em outra banda. Portanto, é necessária
com os canais de TV digital e analógica. uma modificação urgente, por parte do
governo, na alocação desta faixa de frequência
Pelo fato de muitas emissoras que operam para o rádio digital, ao custo da criação de uma
na faixa de OM estarem migrando para a faixa nova faixa analógica para a radiodifusão em
de FM, a mesma ficará muito mais desocupada, 2016 (possivelmente natimorta) e de dificultar
permitindo um rearranjo da banda, de forma que a digitalização do rádio no país.
será possível que o sinal digital fique adjacente
ao sinal analógico ou, ainda, em outra parte Para além das questões técnicas, o rádio
da faixa, a gosto da emissora OM que optar digital é uma necessidade da sociedade
por não migrar para o FM. A desocupação da brasileira, que carece de meios de comunicação
169
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
170
Rádio Digital
por Miriam
Meda Gonzalez
171
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Rádio Digital
Temos que esclarecer, no caso de qualquer pessoas vão para os seus empregos. Seria
leitor ou leitora ainda ter dúvidas, que o rádio necessário adaptar cada um desses veículos
digital não é o mesmo que rádio por Internet. e os que chegam ao mercado quando chegar
Enquanto o segundo usa uma transmissão de o momento.
dados que podem ser recebidos através de
uma ligação à Internet via um computador ou A mudança tecnológica do analógico para
um receptor de rádio especial (como rádios o digital pode beneficiar, em grande parte, a
com conexão a wlan), rádio digital não precisa remoção do álibi que, desde o nascimento de
dessa conexão. É uma conexão chamada rádio, tem sido utilizado pelos países para
terrestre, como o FM, para o qual estamos outorgar licenças a meios de comunicação: o
acostumados. Para acedê-la precisamos de espectro radioelétrico é escasso. Esta mantra
um desses receptores de rádio digital que, fez que, num início, se desse uma prioridade
uma vez adquirido, não gera uma despesa quase absoluta aos meios de comunicação
além da eletricidade ou baterias para a sua públicos, até a desregulamentação dos anos
operação (ou seja, não há necessidade de 80 em toda a Europa, quando começaram a
pagar mensalmente a uma operadora, como ganhar peso as iniciativas privadas. E, agora,
no caso da Internet). com a digitalização, o que podemos dizer é
que o espectro radioelétrico é limitado, mas
Por parte do ouvinte, este deve estar munido não escasso (cada vez menos) e, portanto,
de uma “máquina que serve para comunicar” o que é essencial é uma gestão correta e
(FLICHy, 1982), se quiser continuar a ouvir seus transparente por parte dos Estados que
programas favoritos depois de um hipotético beneficie igualmente as iniciativas públicas,
switch off das transmissões analógicas. E privadas e sem fins lucrativos (como a mídia
nós temos que estar conscientes do que isso comunitária).
significa: não só, por exemplo, a compra de
um novo receptor por cada residência. O que Entendendo as tecnologias do rádio
aconteceria com a indústria automóvel na digital
Europa? Enquanto nos EUA, onde se usa o
sistema digital HD Radio e a empresa que Quando falamos de rádio digital, falamos
distribui esta tecnologia tem cooperado sobre diferentes possibilidades e padrões,
bastante com a indústria automobilística enquanto ao falarmos de FM somente existiu e
para popularizar este sistema no carro, na existe um padrão. Nosso fiel receptor de rádio
Europa ainda não existe um roteiro para tal, portátil, mesmo do tamanho de um cartão
ainda que o rádio seja um companheiro fiel de visita, funciona tanto na Espanha como na
nos engarrafamentos de manhã, quando as Bélgica e no Brasil. E é aí onde reside parte
do problema: ter várias opções para distribuir
173
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
o sinal também significa que existem vários disso, os países que estão testando o serviço
grupos de pressão que podem estar mais ou já tem alguma regulamentação sobre ele
interessados em que a balança se incline encontram-se principalmente na Europa
para um lado específico. Especialmente e Ásia, incluindo a Áustria, China, Turquia,
se falamos de fabricantes de aparelhos. Israel e Hungria; mas também na África, como
Não é apenas a tecnologia que é finalmente Tunísia e África do Sul (entre outros).
escolhida, mas há que se levar em conta
diferentes investimentos prévios, diferentes Mas nem todos os autores concordam com
especializações programáticas e, inclusive, esta “autopublicidade” da organização e
diferentes modelos de negócio mesmo. acreditam que ela “esteja difundindo alguns
Falando no âmbito do mundo globalizado, se fatos enganosos através dos seus membros”
eu quero que o meu receptor, como agora, (HEDERSTRÖM, 2014, p. 10). De acordo com
funcione em todos os lugares, o padrão deve Hederström, as manifestações de World Dab
ser o mesmo em todas as partes. são exageradas já que, além de quatro países
(Reino Unido, Dinamarca, Noruega e Austrália),
De todas as tecnologias digitais que estão a audiência semanal de DAB não excede uma
sendo contempladas em diferentes países percentagem muito pequena da população.
há uma que está ganhando muito peso
pela pressão (ou lobby) da sua organização Então, por que falar somente do DAB quando
mais importante: a World Dab (http://www. existem outros padrões? Qual seria o padrão
worlddab.org). Estamos falamos do Digital mais beneficente (em termos de qualidade
Audio Broadcasting (DAB). Referir-se ao rádio e preço) para as rádios comunitárias?
digital na Europa, atualmente, é falar do DAB Devemos primeiro fazer uma pequena lista de
como sinônimo. Esse padrão nasceu sob os possibilidades:
auspícios da União Europeia, em 1986, com • Família de padrões de DAB ( DAB, DAB+,
o desenvolvimento de dois grupos principais DMB -Digital Multimedia Broadcasting-,
de pesquisa: o Institut für Rundfunktechnik DAB-IP, DxB, DRB, eDAB, T-DMB, S-DMB,
(IRT, Alemanha) e do Centre Commun d’Études DMB-T);
(CCETT, França). Segundo dados oficiais da
World Dab, os países com serviços regulares de • DRM (Digital Radio Mondiale, também
DAB são Austrália, Bélgica, República Checa, DRM+);
Dinamarca, França, Alemanha, Gibraltar,
Hong Kong, Indonésia, Irlanda, Itália, Malta, • O padrão japonês, o ISDB-T (Integrated
Holanda, Noruega, Polônia , Coreia do Sul, Services Digital Broadcasting – Terrestrial);
Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido. Além
• O sistema IBOC (In-Band-On-Channel) que
174
Rádio Digital
é um rádio híbrido analógico e digital que se em conta estes dois últimos fatores, um DIGI.TV. (2011). Guidelines for
2
175
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
176
Rádio Digital
(Zurique). Os custos são minimizados porque a cortar a ajuda de 1,4 bilhões de dólares
a infraestrutura é muito simplificada, usando australianos (cerca de um milhão de Euros)
um único lugar de transmissão com todos os por ano e muitas rádios admitiram que, sem
processos de codificação, multiplexagem e o financiamento público, seria praticamente
modulação acontecendo em um computador impossível transmitir.6
e usando os fluxos de som (streaming) que
produzem essas rádio na Internet como fonte Além disso, já há antecedentes nos quais,
de áudio. Além disso, no caso de software é para implementar um sistema DAB, foi
usado um de código-fonte aberto (open source) necessário recorrer à ajuda do Estado, mesmo
disponível no site www.opendigitalradio.org. no caso do setor comercial então, nem se
fale do setor comunitário), como no caso da
É possível fazer rádio comunitária em Espanha, onde, em 2005, foi subsidiado um
DAB sem investimentos públicos? plano no valor de 260 milhões de Euros para
trazer a televisão digital terrestre para as
Essa é uma das grandes questões regiões mais periféricas (2,5% da população)
cuja resposta depende do progresso e e para operar e manter a infraestrutura da
da transição das rádios comunitárias TDT. No entanto, devido à circunstância de
analógicas para o ambiente digital. Como este auxílio ter se destinado exclusivamente a
vimos na seção anterior, certas organizações operadores terrestres, a Comissão Europeia
internacionais e especialistas defendem concluiu, em 2013, que esta prática era
uma multitecnologia que permita tanto incompatível com as normas da União Europeia
emitir como receber em DAB+ (para o qual, sobre ajudas estatais ao favorecer a tecnologia
aparentemente, se aposta atualmente) e digital terrestre em detrimento de outras.
DRM+ (muito menos desenvolvido, mas muito Finalmente, a Comissão Europeia forçou os
melhor economicamente para rádios sem operadores a devolver o dinheiro recebido.7
fins lucrativos), além de continuar com a
manutenção do FM. A Austrália pode ser um Além das organizações internacionais já
exemplo que ilustra essa preocupação. Nesse mencionadas, AMARC e CMFE, associações
país, o DAB foi combinado com o FM a partir de nacionais, como a Confédération National des
2009 e o governo estabeleceu uma ajuda para Radios Associatives (CNRA, França) afirmam,
as rádios comunitárias para facilitar essa no momento, acharem muito mais complicado
transição nas grandes cidades, como Sydney, emitir no digital sem contar com um apoio
Melbourne, Brisbane, Perth e Adelaide. No explícito do sistema público.8
entanto, pouco depois, essa transição foi posta As perguntas, portanto, são numerosas e
em risco quando, em 2012, o governo começou das suas respostas depende a sobrevivência
177
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
et des Industries Culturelles vez, exercer algum controle? Bruselas: Comisión Europea. Disponível em
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multicanal. En Gallego Pérez, J. y García
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Leiva, T. (coord.), Sintonizando el futuro: radio y
Acesso em 11 de julho de 2016.
producción sonora en el siglo XXI (pp. 167-188).
178
Rádio Digital
179
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
180
Rádio Digital
Para entender melhor esse panorama Pulsar: O que a transição do analógico para 1
O formato atual do DRM
também implica Royalties,
brasileiro e as vantagens do rádio digital, a o digital muda na prática do rádio? porém, diferente do HR Radio,
Pulsar Brasil conversou com Fabs Balvedi, ele permite modificações em
Fabs: Da questão técnica eu não posso falar direção a um padrão totalmente
professora do curso de Design da PUC/PR aberto.
(Pontifícia Universidade Católica do Paraná) muito, mas, sim, da parte mais empírica, da
e pesquisadora em mídias livres. Fabs é uma questão do acesso. A mudança do analógico
grande defensora das tecnologias abertas e pro digital pode permitir que o rádio chegue
livres e realizou o filme “Olhar Contestado” com mais facilidade em locais remotos, pode,
somente com este tipo de ferramenta. principalmente, e eu acho que aí é o grande
ganho do digital, transmitir dados. O rádio
Pulsar: Como está o rádio digital nesse no digital passa a permitir que você consiga
momento no Brasil? transmitir não somente o áudio, mas dados
e, a partir daí, ele passa a ser um meio de
Fabs: Ele está sofrendo muito lobby, muita transmissão de muito mais informações. Então,
pressão para que um modelo proprietário se pensarmos em um lugar que só acessava as
seja adotado, o HD norte-americano. A ondas analógicas, com o digital você consegue
situação atual parece que está meio que em transmitir pacote de dados, mandar arquivos.
stand by, parece que as pessoas não estão O que você consegue transmitir via internet
falando muito sobre isso, as grandes mídias você consegue transmitir via rádio também, só
e veículos de comunicação não falam sobre que é outro tipo de arquitetura. O rádio não é
o assunto e não esclarecem a população em igual a internet e o diferencial está justamente
geral sobre essas novas tecnologias e sobre na arquitetura da informação diferente, de
todas as possibilidades que elas têm. O rádio você conseguir transmitir através das ondas
digital poderia alavancar muita coisa no do digital coisas que você não conseguiria
Brasil, chegar até lugares muito distantes, na transmitir via internet para locais mais
Amazônia, por exemplo. Os nossos terrenos ermos. Suponha que tenha algum problema
são mais indicados para o padrão DRM, eu de catástrofe natural, que algumas linhas
prefiro usar a sigla RDM, porque é Rádio sejam cortadas. O rádio consegue transmitir
Digital Mundial. O DRM é uma sigla que pode muito melhor em situações de catástrofe, por
remeter a Digital Rights Management, que é exemplo. O rádio tem mais poder de suportar
uma coisa que a gente combate, porque é adversidades.
aquela restrição colocada na tecnologia pra
você não conseguir copiar, é um impeditivo Pulsar: Se pensarmos em lugares afastados
pro acesso comunicativo. Ainda não saiu essa e nos povos tradicionais o rádio digital traria
decisão, então é uma batalha que está se muitas vantagens então?
arrastando por causa dessas questões.
181
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
Fabs: Com certeza. O rádio digital traria poder da comunicação. Mas eu não vejo isso
muitas oportunidades e muito poder de como negativo, seria negativo pra eles, mas eu
difusão. Só que aí a gente entra numa seara acho que para o país como um todo isso seria
que tem que ser mais discutida também, extremamente positivo.
que é a questão da liberdade das rádios,
da famosa reforma agrária no ar que é Pulsar: Pensando em democratização da
pregada pelas rádios livres. A rádio, ela comunicação, o futuro é o rádio digital?
tem que ser um meio também de difusão, Fabs: Eu acredito que passa necessariamente
não só de recebimento. O grande potencial pela escolha do rádio digital, com um padrão
da rádio claro que está nesse recebimento, aberto e também pela democratização do uso
mas também na possibilidade de que cada das bandas, que isso seja feito de uma maneira
comunidade possa fazer a sua radiodifusão. muito mais democrática do que é feito hoje
Isso tem que ser mais democratizado, porque em dia, e também por essa distribuição mais
se não houver essa democratização vai ficar equilibrada do poder que está embutido nesse
novamente aquela coisa de o cidadão passivo tipo de mídia. E, principalmente, pela escolha
somente como receptor da informação. Então do padrão correto, mais democrático, mais
os meios têm que ser democratizados para ético, que seria um padrão aberto. Isso daria
que as pessoas nesses povos, nesses lugares, um poder muito grande de democratização da
também consigam ter poder de transmitir a mídia. Se você não escolhe um padrão aberto
sua informação e não serem meros receptores fica muito refém de um padrão proprietário,
de informação. você não tem nem poder de melhorar a
Pulsar: Existe algum ponto negativo no rádio tecnologia, nem de se apropriar, nem do país
digital? produzir mais tecnologia e implementar. Você
fica com aquela caixa preta, refém de uma caixa
Fabs: Eu não consigo ver um ponto negativo. preta, que você não pode olhar o que tem dentro,
Limitar a banda como eles tão querendo fazer não pode melhorar, não pode estudar. Como
isso seria bem ruim, colocar uma potência um país pode se emancipar tecnologicamente
muito baixa faria com que o alcance não se fica importando tecnologia de fora e, ainda
atingisse a região necessária pra ter algum por cima, uma tecnologia fechada? Ser de fora
efeito, efetivamente uma distribuição de não é o problema, o RDM é uma tecnologia que
comunicação. Talvez um ponto negativo seria veio de fora, mas ela é aberta, então ela pode
pra quem detém atualmente o poder da mídia, ser apropriada pelo país.
poderia ser negativo pra esses conglomerados
que dominam atualmente a mídia, eles Pulsar: Então existe um potencial muito
passariam a não ser mais os detentores do grande para democratizar a mídia, mas de
182
Rádio Digital
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
acordo com as escolhas tudo pode continuar com tecnologias abertas. O Edward Snowden
como é hoje? fala que isso necessariamente passa pelas
tecnologias abertas, pelas mídias livres,
Fabs: Exatamente. Dependendo da escolha pelo software livre. Porque se você tem uma
que se faz, a gente vai continuar refém tecnologia fechada é muito fácil colocar um
de tecnologias proprietárias, sem poder backdoor, alguma coisa que filtra isso daí e que
se emancipar tecnologicamente. Essa passe dados, que transmita dados para coisas
arquitetura de informação é essencial para que você não quer. Eu acho que as pessoas têm
a construção democrática do conhecimento. o direito de saber por onde que os dados delas
Particularmente eu não consigo ver a estão passando, é um direito fundamental
democratização da mídia acontecer de do ser humano saber por onde que os dados
forma sustentável, a médio e longo prazo, se que a pessoa fornece em determinado meio,
utilizando apenas de tecnologias proprietárias. a pessoa tem o direito de saber pra onde que
A democratização necessariamente precisa esses dados estão indo e pra onde que esses
passar por um modelo aberto justamente para dados tão sendo fornecidos, isso tem sido
que a regulação da mídia seja feita de forma bastante questionado hoje em dia.
democrática e não vigilantista. A tecnologia
proprietária corre o risco de vigilantista e de Pulsar: E existe alguma maneira de termos
censurar a informação de várias maneiras, controle sobre isso?
tanto pelo poder capital, quanto pelo poder
tecnológico. É a máquina servindo ao homem, Fabs: A única maneira de você conseguir
a tecnologia servindo ao homem e não o ter esse controle social sobre como os dados
homem servindo à tecnologia. do cidadão são tratados é você ter isso com
uma tecnologia aberta. Quando você passa
Pulsar: Existem outros aspectos importantes a trabalhar com esse universo do software
em relação ao rádio digital? livre, você passa a dividir essas tarefas de
regulação social. Por exemplo, eu não sou
Fabs: Eu acho que é importante também em programadora, mas eu confio em pessoas que
relação a serviços públicos que podem ser são programadoras na minha comunidade,
feitos através do rádio digital e dos dados que elas vão olhar aquele código e vão me dizer
são passados através do rádio digital. Hoje, se ali tem alguma coisa maliciosa ou não, se
a gente fala em big data, análise de big data, aquele código está mandando alguma coisa
privacidade, a única maneira que a gente tem pra um lugar que não deve. Então, é uma
de preservar um mínimo a nossa privacidade, questão ética. Pra mim, o que permeia tudo
de, no mínimo, saber o que estão fazendo isso e é ponto focal em relação às tecnologias
com os nossos dados, é ter isso também livres é a questão ética, é você conseguir ter
184
Rádio Digital
Dilliany Justino
é jornalista formada pela
Universidade Federal
Fluminense. Ela vai da fotografia
ao rádio, sempre com foco nos
direitos humanos. Atualmente,
faz parte da equipe da Agência
Informativa Pulsar Brasil.
185
Rádio Digital
186 187
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais! Rádio Digital
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais! Rádio Digital
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais! Rádio Digital
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Rádio Digital
digitais nas Ondas Curtas; Adriana Veloso, Essa faixa está com utilização quase zero O engenheiro se refere
1
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
196
Rádio Digital
sistema brasileiro. As opções em curso são o porque você pode gerar modelos de negócio, Na verdade, o surgimento
2
197
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
um canal, era concessão da banda. E o que é eles fizeram. Então, a TV digital no Brasil, hoje,
que isso queria dizer naquela época e que serve me perdoem os entusiastas, é um fracasso
até hoje? Se você precisava de uma faixa de 6 retumbante, porque o máximo que a gente pode
MHz para transmitir televisão analógica, na TV ter, hoje, de digital na televisão é a alta resolução.
digital, já naquele tempo, há 10 anos, você podia A galera continua tratando o negócio como se
transmitir até 4 canais, o que, hoje, na mesma fosse dele mesmo, hipercomercializado, com
banda, você pode transmitir talvez até 8 ou muito pouca gente sendo dona, pouquíssima
mais, mas já há 10 anos, numa faixa de 6 MHz, democratização. Eu vou aproveitar minha
você podia transmitir até 4 canais4. E eu me passagem pela mesa para fazer perguntas. Até
lembro muito disso, porque quando o governo que ponto esse sistema pode, de fato, ser um
diz que a concessão não é do canal, mas sim sistema que será implementado? Como é que,
da banda, então ele deu para as emissoras de então, aqueles caras que sempre decidem, no
televisão a prerrogativa de usar a banda toda final das contas, eles concordam com a gente?
ou de usar um pedaço de fazer programação. E Eles precisam ser pressionados, mas como a
é o que a gente dizia naquela época: antes de gente pode fazer isso? No processo golpista, é
a gente decidir qual o sistema, a gente precisa estratégico ter discussão sobre rádio digital?
decidir o que a gente quer fazer com ele, porque Até que ponto a gente tem condição de levar essa
a gente acreditava que a digitalização da TV disputa adiante e vencer sem levar uma nova
não era apenas você melhorar a qualidade cacetada que faça com que os canais, em vez de
técnica, era uma possibilidade de se rever aumentar, diminuam? Me parece que essa é a
a própria maneira de se ver televisão. E, aí, prerrogativa do HD Radio, é você precisar utilizar
empurraram essa conversa de que o sistema mais banda, em vez de menos banda, é você ter
era bom. Primeiro, prometeram a tal da fábrica menos rádios, em vez de mais rádios. A partir
de microprocessadores... Mas alguém viu essa de 1º de janeiro, na Câmara dos Vereadores,
fábrica chegar do Japão? E outra coisa era o a gente vai participar da discussão militante,
canal de retorno, que até hoje ninguém sabe inclusive pautando aqueles parlamentares que
o que significa – era a possibilidade de você são do nosso partido, que é o PSOL. Queremos
interagir com a televisão através de um canal de discutir comunicação não como mercadoria,
retorno que você poderia, inclusive, participar de mas como um Direito Humano que precisa ser
votações, de audiências à distância, enfim, dar garantido para todo mundo.
o seu parecer sobre leis. Para os comerciantes
era um canal bom, pois você poderia comprar Ana Veloso (Universidade Federal de
roupa na novela. Quando você tiver vendo a Pernambuco e Observatório de Mídia): Nessa
artista com vestido você vai apertar um “pitoco” mesa eu tenho uma missão, que é exatamente
e comprar um vestido da artista, mas nem isso fazer algumas perguntas e trazer algumas
198
Rádio Digital
reflexões. Vou começar fazendo uma pergunta, se comunicar através do rádio, não sendo Esse cálculo é uma estimativa
4
fundamental para a gente compreender qual essa contribuição e vem Raymond Williams,
a dimensão que a gente quer dar quando a importante pesquisador dos estudos da cultura
gente discute rádio, televisão e digitalização. E, marxista, e ele diz que importa saber qual o uso
para mim, é uma pergunta que tem a ver com social que se faz da tecnologia. Tanto Brecht
a nossa militância e com o debate acadêmico, quanto Williams, eles dialogam com relação a
nesse momento, que precisa ser fomentado essa discussão da tecnologia, pois ela não pode
sobre essa discussão da digitalização. Precisa simplesmente ser adotada como a solução
também de um olhar da academia, mas precisa para todos os problemas. Seria como dizer “a
também de um olhar da sociedade e, aí, eu partir de agora, a gente vai ter banda larga, por
vou com a pergunta de Wolton: “como salvar a exemplo, todo mundo vai ter um computador
dimensão humanista da comunicação, quando e a gente resolveu todos os problemas da
triunfa a sua dimensão instrumental?”. A t é sociedade através da tecnologia”. Williams dizia,
hoje, infelizmente, a gente tem percebido que e ele chamava atenção no livro “Television”, que
essa dimensão instrumental ou de ferramenta, é dos anos 70, e eu estava relendo esse livro
ela ainda tem triunfado no tocante à discussão recentemente e pensando sobre a digitalização.
da comunicação no mundo. Mas é preciso que a Ele diz o seguinte, que é importante discutir
gente volte um pouco ao passado, um passado como se fará o uso social da televisão.
que se faz muito presente, porque tocou no
Direito Humano à Comunicação: e eu vou voltar A tecnologia, ela não é boa nem ruim: é o uso
para a Teoria do Rádio de Brecht, que é um dos que se faz dela. E temos uma potencialidade
pesquisadores e pensadores múltiplos, mas, incrível no Brasil, uma explosão de movimentos
na Teoria do Rádio, ele nos convoca a pensá-lo sociais, de rádios comunitárias, de movimentos
como um meio de comunicação, não como um que se articulam em rede, que já existem
meio de reprodução. há muito tempo, movimentos disruptivos,
movimentos de mulheres, de vários tipos
Brecht, nos anos 30, na Teoria do Rádio, de organização, de auto-organização, de
dizia que ele deveria ser aquele meio onde as forma horizontal, que podem aprender e
pessoas pudessem interagir ao se comunicar, ensinar a forma como a gente vai fazer essa
não apenas ficar recebendo, mas emitindo. Com comunicação; uma comunicação que deve ser
isso, hoje, pela manhã, eu vi a experiência de democrática, mas, para ser democrática, ela
lá, da Amazônia, e conheci outras experiências não pode somente se fundar na tecnologia.
também, anteriores, em que as pessoas podiam
A tecnologia é fundamental, mas é importante
199
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
esse uso social que se faz dela. Porque para sejam democráticos e que a tecnologia tenha
uma determinada tecnologia ser implementada seu uso social como previa o Brecht, como previa
ela precisa ter base social, pois se não tiver uma o Williams, se homossexuais não tem acesso à
base social e um debate, ela não vai trazer os produção de conteúdo como sujeito político,
benefícios para a sociedade, porque em seu uso como sujeito coletivo que se auto-organiza?
também se discute muito a parte técnica, mas é Como pensar o acesso à tecnologia para as
o uso político também dessa tecnologia que deve pessoas com deficiência, quando a gente tem
ser discutido. Todos aqui falavam sobre isso, uma série de experiências de acessibilidade
como, por exemplo, o Ivan – a implementação para o rádio, para a televisão, mas que isso não
do modelo digital de televisão, que, infelizmente, se transforma numa política pública no Brasil?
não vingou como a gente gostaria, mas foi uma
decisão política apressada, que atendeu a um Precisamos lutar por isso, porque na discussão
determinado lobby, embora até hoje estejamos do Direito Humano à Comunicação as pessoas
esperando o benefício social dessa tecnologia. com deficiência, elas estão alijadas até da
Dessa forma, eu vou novamente para mais discussão do processo de Direito da Informação,
uma contribuição, que é do pesquisador porque não há acessibilidade na televisão e
[Hans Magnus] Enzensberger, ele fala que é no rádio, estou falando no âmbito comercial.
preciso que a gente discuta a tecnologia, mas Como esses sujeitos coletivos, também pessoas
pensando em meios que podem ser usados para idosas, terão acesso a essas tecnologias? Como
emancipação. E é nesse ponto que eu vou trazer a sociedade vai se apropriar desse modelo? E
um debate que me foi pedido também como precisamos fazer essa discussão, devemos
fundamental: “como nós conseguiríamos fazer compreender que os meios de comunicação são
esses meios serem utilizados para emancipação dispositivos de poder e dominação, mas também
se a gente tem uma brecha digital, se a gente tem são dispositivos de resistência. São dispositivos
um fosso, se mulheres, por exemplo, não têm de produção de outras linguagens, de outros
acesso à produção da tecnologia e não podem imaginários, dispositivos que podem, inclusive,
atuar como sujeito político nessa construção?” interconectar redes, pessoas de diferentes
orientações sexuais, homens, mulheres e
Se existem barreiras que não são barreiras indígenas.
tecnológicas, mas de preconceito e de
discriminação, da misoginia, do sexismo, que Não podemos esquecer as pessoas que
impedem essas mulheres de chegar a ser sujeito trabalham nas áreas do Brasil profundo e que
político nesse campo, não só da tecnologia, mas precisam se comunicar e se interconectar.
no campo do direito à comunicação, como é que É preciso que essa tecnologia seja acessível
a gente vai conseguir fazer com que os meios para todas essas pessoas, porque, senão, a
gente não vai discutir modelos de democracia
200
Rádio Digital
na comunicação, vamos continuar fazendo O Ginga é um middleware de interatividade O FUST (Lei 9998/2000)
5
é o Fundo para a
modelos excludentes e voltados pra o mercado. na TV digital, é um sistema com o qual você Universalização dos Serviços
Então, eu quero dizer que o Observatório de inscreve um programa e transmite pela de Telecomunicações, pensado
para financiar os serviços de
Mídia da Universidade Federal de Pernambuco televisão. Quem é rico tem TV a cabo, então telecomunicação de caráter
está a disposição de todos e todas, porque a TV digital vai chegar em quem interessa, público.
essa discussão do rádio digital, técnica, não mas, a partir de agora, desse ano, vão ser
pode ficar somente nas mãos dos técnicos, distribuídos conversores de TV digital para 1/4
dos engenheiros, das pessoas que entendem da população brasileira. Eu vejo muitos falarem
da tecnologia: essa discussão precisa ser que foi um fracasso. Mas, o padrão brasileiro
capilarizada, socializada para que boa parte da de TV digital é o melhor do mundo, claro que
população possa se envolver e definir isso. poderia ser muito melhor. Tudo que foi feito
pelas Universidades, entre 2003 e 2005, com
Comentários do público gastos de milhões de reais com o FUST5 não
teve aproveitamento de muita coisa, a não ser o
Rafael Diniz: Eu acompanhei a TV digital e Ginga e as ideias de atualizar o encoder.
trabalhei para o CPqD, em 2004. Acompanhei
a TV digital, desde o começo, e, até hoje, estou Eu tive muita honra de trabalhar com o
envolvido até a cabeça. Agora fui chamado pelo professor Luiz Fernando [Gomes Soares], um
governo para dar o curso de Ginga no Peru nos dos maiores cientistas brasileiros da virada
acordos internacionais que foram fechados lá do século XX, falecido ano passado. Foi ele o
na época do Lula. E eu acho que a ideia de que a criador do Ginga, o criador da única tecnologia
TV digital foi um fracasso está errada, pois ela do Hemisfério Sul que virou lobby internacional
está começando esse ano, em minha opinião. da MPU [Media Processing Unit]. A gente, às
Aliás, porque esse ano o primeiro Canal da vezes, tem aquela mania de brasileiro de achar
Cidadania que o Lula criou lá, no decreto de que não somos importantes, que somos muito
2003, entrou no ar, em Salvador. pequenos, mas fizemos algo importantíssimo
na TV digital. Por isso, acho que a TV digital
O Canal da Cidadania, para quem não sabe, é começou esse ano.
um canal que permite usar multiprogramação,
quatro ou cinco canais, dá para colocar até oito A gente tem que falar em programação não
canais, e começou agora. Porque a TV digital, linear, Ginga, porque muita gente que pesquisa
até hoje, estava na mão dos mesmos atores, comunicação fala de Enzensberger, Brecht,
Globo, SBT, Record... Entretanto, a TV Brasil, como a professora Ana citou, mas... e falar
eu acho que é uma emissora que tem o melhor do Ginga, da programação não linear de TV?
trabalho, tem uma equipe que desenvolve Cadê a nova teoria? Aquilo é muito importante
aplicação interativa Ginga. para a gente pensar o paradigma, mas está no
201
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
passado. A gente tem que pensar daqui para Eu acho que a gente tem que lutar para
frente, o que a gente vai fazer. Então eu acho traduzir, para fazer um debate e penso que
que essa é minha provocação de volta para na conjuntura em que a gente vive, tanto
a mesa. Acho que a gente tem que aprender no Brasil quanto no nível internacional, é
com a TV para não repetir no rádio e no rádio necessário trazer um debate de grandes ideias
tudo isso que tem na TV também é possível. mobilizadoras. As ocupações de escolas, por
Mas é possível de forma, talvez, simplificada, exemplo, estão mobilizando o Brasil inteiro.
porque o rádio pega mais longe, dá para fazer Os movimentos que, em minha opinião, nas
rádio digital em Ondas Curtas, que é o que eu, últimas décadas, mais mobilizaram foram
Ismar e Cláudio estamos fazendo. Então, poxa, os que debateram realmente a função social
isso está na mão de especialista? Discordo. daquilo que eles estavam disputando.
A gente está, desde 2010, fazendo evento lá Temos que fazer um debate e aprofundar
no Rio de Janeiro, fizemos a série de seminários sobre a propriedade do espectro. Esse debate
Espectro, Sociedade e Comunicação (ESC). deve ser feito de forma séria, a gente tem que
Chamamos gente de esquerda, gente que colocar isso como um princípio nosso. Eu acho
trabalha com comunicação e que se ausentou que isso significa pensar o direito à propriedade
da discussão durante uma década sobre o rádio como um bem social e, também, devemos
digital. Eu acho que a gente tem que trabalhar lembrar que para a propriedade ser um direito,
juntos daqui para frente para, de fato, fazer o ela tem que ser um direito universal. Então
rádio digital melhor do que a TV digital foi. todo mundo tem que ter acesso à propriedade
do espectro.
Pedro Martins: Queria colocar algumas
questões que foram discutidas na mesa. Estou levantando uma ideia quase ideal, mas
Pegando um pouco a linha do Ivan e da Ana, eu acho que é a partir desses princípios que
a minha preocupação realmente é com a devemos nos pautar. Levantar questões como
conjuntura. Como a gente enfrenta esse debate por qual motivo a gente defende esse preceito
na conjuntura que a gente está? A gente faz um de padrão para o rádio digital, por que a gente
discurso que não mobiliza. Então, como é que o quer garantir que todos tenham a propriedade
nosso discurso pode mobilizar para que se veja do espectro... Precisa passar necessariamente
a importância? Porque não basta a gente ficar por favorecimento das propriedades coletivas
reclamando. Em nosso discurso, muitas vezes, de banda de espectro, de cadastro de ocupação
a gente fala de Direito Humano à Comunicação do espectro eletromagnético, em entes
e eu fico pensando: para quem não é dessa coletivos, que é a única forma desse direito
área, o que deve ser isso? ser universalizado. Então eu acho que a gente
tem que resgatar um pouco essa ideia social
202
Rádio Digital
do direito coletivo da propriedade do espectro. o assunto é: o que nós temos a ver com isso?
Qual o impacto sobre as nossas vidas? Seja na
Denise Viola: Quando ouvi a fala do Rafael e escolha do padrão, seja na questão do preço, na
depois do Pedro, eu me perguntava onde é que compreensão de quais são as potencialidades
a gente estava ao longo desses anos que não desse rádio digital. No que isso vai me
debateu em profundidade a questão do rádio beneficiar? Aí, eu estou falando para mim, para
digital? A gente perdeu o bonde da história, a o segurança que está sentado ali na cadeira, eu
possibilidade de debater junto com a questão estou falando para o motorista do ônibus, que
da digitalização da TV. Acredito também que nos trouxe e, inclusive, falando da minha mãe,
a gente perdeu muitas outras oportunidades. que, ao poder receber visita no CTI, a primeira
A possibilidade do diálogo, da sedução para a coisa que ela disse foi: “minha filha, traz o meu
mobilização. Isso tem me preocupado muito. Eu radinho”.
ouvi a fala do Ismar, do Cláudio, ficava pensando
quem hoje está participando desse debate? Minha mãe não vive sem rádio, mas ela não
Porque dez anos atrás eu sabia responder, mas, é capaz de entender sobre o rádio digital,
hoje, eu não sei quem acompanha esse debate. não é capaz de entender o tipo de benefício
Para quem estamos falando hoje? Ainda que a ou impacto que isso pode trazer para a vida
questão do rádio digital esteja sendo retomada, dela. Então as minhas perguntas são: Quem
mas como ficou a questão da distribuição dos participa da discussão hoje? Como ficou a
conversores para o rádio? questão dos conversores do rádio digital,
porque o Rafael falou da TV, mas como ficou
Eu me lembro que, lá atrás, isso era um nó, essa questão com o rádio digital? Eu lanço o
quando a gente debatia isso com pessoas do desafio para todo mundo. O que a gente vai
movimento social, e elas diziam: “sim, mas não fazer para mobilizar o debate para participação
vai poder distribuir para todo mundo, nem todo e para procriação dessa discussão?
aparelho vai suportar colocar um conversor”.
Essa conversão vai ser possível, mas em outros Comentários da mesa
não será, então isso tem um preço. Debatia-
se o preço do conversor para TV, mas tem TV Ana Veloso: A gente precisa aprender muito
que nem adianta... Aonde a gente estava é uma ainda. Inclusive aprender a fazer políticas
pergunta que eu trago para a mesa. Quem está de aliança. E estabelecer essa política é ver
participando dessa discussão hoje? Com quem até onde podemos ir, nas nossas aspirações,
isso está sendo debatido? E, lá atrás, também propostas e necessidades. Esse é um desafio
muito se falava da necessidade de traduzir. e temos potencial para isso. Eu penso que nos
E esse não é um debate técnico nem sobre movimentos sociais realmente houve essa
tecnologia: precisa ser um debate traduzido e ausência sobre a discussão do rádio, e isso
203
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
é muito presente inclusive quando a gente Isso, por mais que esteja agora começando,
participava do conselho curador da EBC. Então, precisava começar de uma forma mais
na minha concepção, eu acho que a gente forte. Não sei se as prefeituras podem pedir
precisa aprender que é um debate técnico, a concessão, mas é prerrogativa de outros
mas é político. A gente precisa entender e sujeitos pedir, caso as prefeituras não peçam.
compreender, discutir novas teorias que É um caso para pesquisar, para ver como se
possam ser mais adequadas nesse momento implementa e como se fazem esses processos.
que a gente está vivendo sem jogar o que foi
produzido anteriormente fora. A gente precisa Um negócio desse, na minha caneta, eu
se comprometer em atuar mais nesse processo peço fácil. Se for fácil assim, já está atendido.
de mobilização de outras pessoas que não estão Tem que ver como faz o “ziriguidum” da coisa,
aqui, que estão nas próprias comunidades, junto tem que ocupar, tem que ver como faz. Tem
às rádios e TVs comunitárias. E a gente sempre que ver o lance dos conversores, como serão
questionava o uso instrumental da comunicação distribuídos, de que forma serão organizados.
pelos movimentos sociais. A gente queria Como o governo vai se comportar com esse novo
discutir esse conceito em construção, que é o quadro? Será que vai dar tempo? Porque eu vejo
Direito Humano à Comunicação, mas agora a a tecnologia avançando tanto... As pesquisas
gente vive num momento extremamente difícil, brasileiras de mídia ainda apontam televisão e
e a comunicação está no centro do debate. rádio na frente da Internet, ainda, mas não sei
por quanto tempo a hegemonia da radiodifusão
É preciso que esses movimentos sociais vai continuar. Provavelmente nem tanto tempo
definitivamente incorporem essa discussão, assim. Até que ponto esse investimento, agora,
porque colocar somente no plano de dez anos depois, na TV digital, não será engolido
trabalho sem levar adiante não vai fazer pelo tempo? Porque se não passar – quer dizer,
com que a sociedade civil organizada passou de 50% de acesso à banda larga – em
possa também participar desse discussão. quanto tempo a gente chega a 80% ou 90%? Até
Estratégias, obviamente, vão ser construídas que ponto a banda larga universalizada, que a
coletivamente com quem entende, com quem gente deseja que aconteça nos próximos dez
está por dentro da tecnologia e com quem ou vinte anos, vai interferir na eficácia ou não
pode nos ajudar a fazer essa discussão e nos da TV digital? São questões que eu tenho. Está
fortalecer. Mas acho que a sociedade precisa avançando, mas vai dar tempo?
ser acordada para esse debate.
Adriana Veloso: Queria fazer algumas
Ivan Moraes: Eu concordo com tudo que pontuações. O Rafael tinha destacado a
tu disseste, mas, agora, se o negócio está questão de a TV digital estar começando
começando só depois de dez anos, como fica? agora. Acho importante pontuar que a TV
204
Rádio Digital
Minas, lá em BH, também está fazendo testes você não consegue ter um debate mais amplo
muito relevantes. Mas, de forma semelhante, sobre qual comunicação que a gente quer.
ao que aconteceu com a EBC – vocês têm Qual o uso que a gente quer ter para essa
até mais conhecimento que eu – também comunicação? Na minha primeira experiência
aconteceu um desmonte com a TV Minas, e de ativismo na vida, que foi o CMI, a gente
esses testes foram interrompidos. O que me trabalhava com Internet, com vídeo, com
leva ao segundo ponto que é a questão do rádio, com texto, era tudo ao mesmo tempo.
Canal da Cidadania. Agora, o contexto que a gente está vendo do
futuro das rádios comunitárias em tempos
Eu acho que a inovação que vai vir do Ginga, digitais, o tempo digital é a convergência: não
que vai vir desses sistemas digitais não vai ser é uma mídia independente da outra, não é
a anulação da mídia comercial e, dificilmente, uma mídia melhor que a outra. São as mídias,
vai ser a inovação de uma empresa pública de convergindo e se unindo para aumentar ainda
comunicação devido ao contexto atual. Acho mais essa interatividade.
que a inovação poderia vir das TVs públicas
brasileiras, mas na situação do desmonte, isso Claudio Del Bianco: Quem é que tem Internet
fica mais difícil. De forma que eu acho que o grátis? Todo mundo paga para ter acesso à
Canal da Cidadania é uma forma de testar, de Internet. Então, não me venha com história de
experimentar, de fazer errado e depois acertar. que Internet é um meio democrático. Outra
coisa, alguém sabe quanto da população
Eu acho que esses canais são muito mundial não tem acesso à Internet? 50%
relevantes e o canal da cidadania é muito da população mundial não tem acesso à
semelhante a uma rádio comunitária, tanto Internet. Então, de novo, não me venha falar
pelo seu ideal de funcionamento, dentre outras que Internet é democrática. E não me venha
coisas. O que me leva a fazer mais uma crítica. falar de rádio via Internet, tá? Para mim, rádio
Acho que os movimentos de democratização é uma coisa, Internet é outra. Existem pontos
de comunicação dos últimos anos se voltaram de convergência, mas nunca a Internet vai
muito para Internet e esqueceram as outras substituir o rádio. São dois focos, são duas
mídias. E aí é o que me leva à segunda discussões. Primeira discussão: digitalização
crítica, pois eu acho que o movimento de é uma coisa, mas saber qual a tecnologia deve
democratização da comunicação não tem que ser utilizada pela digitalização é outra! Nós
focar na Internet, no rádio ou na TV. O foco no estamos discutindo a digitalização do rádio. A
meio leva a isso: leva a essa perda de foco. tecnologia, nós não temos como escapar do
DRM, e eu vou explicar o por quê.
Então, enquanto alguns estão focados na
TV digital, outros no rádio, outros na Internet, Existem três tecnologias de digitalização
205
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Rádio Digital
padrão que gera, então por isso que nós, do esposa do cacique, quando fui pegar a dela, Para o aprofundamento do
6
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
mulheres radialistas? Isso é um caminho para tem essa experiência de violência, quanto às
lidar com esses problemas que é invisibilizado, produtoras, quanto à apresentadora. Nem no
porque a gente nem imagina, nem imaginava, transporte iam deixar as mulheres entrar. Até
depois que eu vi o relato dessas reuniões, esse pico que foi forte, a gente teve na Zona da
que as mulheres entraram nesse espaço com Mata, um lugar extremamente machista. Mas,
tanta dificuldade. É mesmo estarrecedor, em 2003, uma pesquisa foi encomendada. Foi
ouvir um pouco desses depoimentos. por uma empresa de mercado que a gente
conseguiu recurso, fizemos uma pesquisa
Ana Veloso: Uma experiência em rádio me qualitativa e quantitativa. Na primeira, a gente
inspira. Eu trabalhei numa ONG chamada descobriu por uma pergunta simples “o que
Centro das Mulheres do Cabo. Ajudei no você faz quando você escuta?”, me disseram
conselho diretor, trabalhando lá por 14 anos. que 67% das pessoas que responderam
Minha militância foi em Movimento Estudantil, são homens e mulheres, disseram que as
Secundarista, Universitário etc., e fui para a informações estavam fazendo mudança na vida
militância do Movimento Feminista. A gente deles. Então a gente conseguiu o impossível,
fez no centro das Mulheres do Cabo ter, até uma região extremamente machista e
hoje, a Rádio Mulher, que foi um programa patriarcal. Uma tecnologia do rádio e em AM
que a gente implementou institucionalmente e FM. Então, eu considero que para mim essa
com parceiros e parceiras, mulheres da experiência na minha vida profissional ela é
Zona da Mata, no sul de Pernambuco. A tão marcante que eu disse para mim mesma,
gente conseguiu algo que era impossível. depois do rádio, “mulher, a gente consegue
A gente botou um programa em 1997 e, em fazer qualquer coisa, nós mulheres!!!” E a
2003, esse programa tinha duzentas mil gente conseguiu se apropriar da tecnologia
pessoas, por exibição, todos os dias, entre para gravar, para produzir. Então, eu acho
11 e meio dia. Era o da Zona da Mata Sul e a que a gente tem força para fazer, construindo
gente conseguiu com mulheres organizadas, força com os movimentos, com o pessoal que
com participação, com mulheres que nunca está a frente e defendendo esse movimento
tinham entrado numa rádio e elas entravam, de rádio com todas as emissoras, de Ondas
falavam, com parteiras, quilombolas, negras, Curtas, Tropicais, enfim, acho que temos que
mulheres rurais. A gente construiu não só construir essa política de alianças.
com as mulheres, porque a gente chamou
os homens também para discussão, quando
eles entraram. Mas, primeiro, as mulheres
foram muito violentadas. Essas mulheres
que estavam se apropriando do rádio, a gente
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Rádio Digital
Anexos
00
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
por João
Paulo Malerba
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Anexos
age politicamente (deslocando poder) através Acontece que as rádios comunitárias de hoje Defendida em agosto de 2016,
1
211
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
212
Anexos
que 10 MB) só está acessível a 5% das rádios online (webrádio) e disponibilizar áudio para
consultadas. A abrangência territorial da consumo posterior (podcast). Acontece que,
pesquisa qualitativa nos permitiu pisar a depois da pesquisa qualitativa, verificamos
realidade das grandes diferenças de acesso à que as rádios têm cada vez mais deixado
internet no Brasil: a apropriação tecnológica de lado seus sites (ainda que quase 82%
da rádio e da comunidade em localidades possuam página própria na internet), quase
como o assentamento dos sem terra “Brigada sempre desatualizados e pesados: sua
25 de Maio” (a 25 km da urbe mais próxima), atenção e energia, como veremos, têm sido
Tefé , no coração da Amazônia (em que a direcionadas mais e mais às redes sociais.
internet só chega via satélite) e Queimada Nelas, hoje é possível disponibilizar tanto um
Nova, no sertão piauiense (aonde nem ônibus player da programação hertziana da rádio
chegam), estão influenciadas por condições quanto podcasts utilizando um repositório
estruturais de conexão. terceiro, sem necessidade de um site próprio.
Sem dúvida, o website continua sendo um
2 - As rádios comunitárias têm site importante organizador das informações
próprio na internet? e vitrine das ferramentas de comunicação
disponíveis e da própria rádio. Mas a agilidade
Quando elaboramos o questionário, nos e facilidade de manuseio das redes sociais, a
parecia que ter um site próprio era condição falta de tempo dos comunicadores sociais e a
para avaliar uma série de outras apropriações falta de recursos humanos e financeiros para a
das possibilidades da internet, como transmitir construção e atualização de páginas da internet
parecem levar a um declínio progressivo de
sua importância no cotidiano virtual das rádios
comunitárias. Analisando os sites das rádios
visitadas, notamos que somente três delas
contam com atualizações recentes (menos de
3 meses). A regra são atualizações esparsas,
havendo casos em que as últimas atualizações
aconteceram há mais de 2 anos ou estão
majoritariamente em construção, somente
disponibilizando informações básicas (contato,
programação etc.).
213
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
3
Uma pesquisa realizada falta de recursos, quando questionada pelos download do aplicativo da rádio para o celular.
em 2012 pela ABERT revelou
que 84% das emissoras acessos diários, metade (49%) afirma não ter Nas entrevistas, a transmissão online aparece
comerciais brasileiras já qualquer estimativa. Do restante, boa parte como uma das prioridades: na Rádio Muda,
transmitiam sua programação
pela internet e quase 25% já (40% das que estimaram ou 20% do total) tem por exemplo, ela acontece desde 2003 e “é
obtinham receita pela web. menos de 50 acessos por dia. imprescindível para quem não está aqui”, já que
Ainda que uma diferença de
três anos separe as duas “há sempre gente em todo o mundo escutando
pesquisas, a comparação com 3 - As rádios comunitárias transmitem a Muda”, como afirma um de seus participantes.
os resultados demonstra que,
se as comunitárias não ficam online (webrádio)? Aos que responderam afirmativamente
muito atrás na transmissão à pergunta anterior, indagamos quanto à
online (76%), a brecha é maior
no aproveitamento da web estimativa de ouvintes diários da webrádio:
para receita (somente 14% das boa parte (43%) não tem estimativa e um
respondentes). Disponível em
http://www.telesintese.com.br/ respondente asseverou que “não tem estimativa
sem-padrao-digital-definido- e não nos importamos com isso”.
radios-usam-internet-para-
sobreviver/). Acesso em 16 de
abril de 2016. 4 - As rádios comunitárias obtêm
Estrangeirismo decorrente do
receita com seus sites?
4
214
Anexos
sites, já que a legislação nada fala sobre a de participação online para além do site,
presença desses atores no mundo virtual. reforçando o que já foi dito sobre seu foco atual
De acordo com os resultados da nossa no mundo virtual: as redes sociais. Destacam-
pesquisa, essa não tem sido uma estratégia de se o Facebook (16 ou 20% das rádios com site)
sustentabilidade adotada pelas comunitárias, e WhatsApp (7 ou 8%).
já que 86% das respondentes afirma não obter
qualquer recurso com anúncios no site3. 6 – Qual o uso que as rádios
comunitárias fazem do podcast?
5 – Quais são as ferramentas online
nos sites das rádios comunitárias?
Se superestimamos a importância dos sites,
acabamos sendo conservadores nas suas
possibilidades de ferramentas de participação
online. Sendo possível apontar mais que uma
ferramenta, a distribuição das menções foi:
email (52%), chat (22%), enquetes (22%) e
15% afirmam não ter qualquer possibilidade
215
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
216
Anexos
princípio da horizontalidade: “vai ser uma somente 2 emissoras afirmam fazer uso das
ferramenta que vai ficar monopolizada na mão redes sociais para o debate político. Quanto
de quantas pessoas?”. aos outros usos, na pesquisa qualitativa,
soubemos que o Facebook é utilizado pela
Já para a grande maioria que, anteriormente, AlmA para agilizar decisões da coordenação,
afirmou estar nas redes sociais, perguntamos e; pela Independência, para veicular áudios
os principais usos. Após a categorização de vídeos compartilhados e fazer ligações.
das respostas abertas, verifica-se que, Uma atividade nova e potencial para o veículo
principalmente, a utilizam para divulgação rádio notamos em duas rádios, “designer
de programas, eventos e atividades da rádio de webrádio”, que produz banners para a
(47%). Na observação das rádios visitadas, divulgação da rádio nas redes sociais.
a divulgação foi uso recorrente, mas uma
nuance verificada em várias chamou à 8 – Como se dá a utilização de software
atenção: três entrevistados mencionaram que
livre nas rádios comunitárias?
eles e diversos comunicadores usam suas
páginas pessoais para divulgar informação A questão da utilização de softwares livres
da rádio pelo Facebook, ainda que tais está no centro do debate sobre a apropriação
emissoras contem com fanpage própria: é comum e democrática das novas ferramentas
mais um domínio em que a militância/trabalho
se confunde com a vida pessoal. O segundo
motivo mais mencionado é a interação com
os ouvintes e a terceira maior ocorrência
(16%) se refere à publicação de notícias,
principalmente locais (não necessariamente
próprias, a partir do que notamos nas visitas
e nos resultados obtidos do questionário).
É interessante destacar que os 3 principais
usos mencionados se referem a utilizações
das redes sociais de forma ativa. Somente
a 4ª maior ocorrência está relacionada à
utilização das redes sociais como fonte
de informação, ainda que isso tenha sido
verificado largamente na pesquisa qualitativa. de informação e comunicação. Para as
Uma quase ausência chama à atenção no caso rádios comunitárias significa tanto a garantia
de um ator político como a rádio comunitária: de privacidade/segurança em seus dados
217
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
218
Anexos
do padrão por parte do Estado brasileiro, a A última pergunta abordava um elemento Disponível em www.
6
radiodifusoresfm.com/2013/06/
sociedade civil – empresarial ou não – tem importante da convergência midiática, ainda radio-comunitaria-pode-se-
procurado manter a discussão ativa, cada qual que ela estivesse mais diretamente tratando tornar.html. Acesso em 12 de
abril de 2016.
atenta aos seus interesses em jogo. Como de uma iniciativa – não levada adiante – do
tratado em outros textos dessa coletânea, MiniCom. Em junho de 2013, o Ministério
para a radiodifusão comunitária, dependendo reuniu representantes de entidades ligadas às
do padrão tecnológico e do modelo regulatório, telecomunicações e à radiodifusão para propor
a digitalização do rádio tem implicações que que rádios comunitárias e públicas pudessem
podem ser radicais, capazes de redefinir todo o se tornar provedores de internet, sob a licença
campo. As rádios parecem estar atentas a isso, Serviço Limitado Privado. A justificativa seria
pois quase a totalidade (96%) das respondentes a simplicidade e rapidez no licenciamento
ao menos têm conhecimento sobre o tema,
ainda que 35% afirmam não acompanhá-lo.
Já 61% das respondentes estão atentas ao
desenrolar do processo de escolha do padrão
de rádio digital no Brasil.
219
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
220
Anexos
nos permitiu sentir as grandes diferenças a atualização de sua vocação original para a Disponível em www.
6
radiodifusoresfm.com/2013/06/
de acesso à internet no Brasil: com isso, a rede e a reinvenção de suas possibilidades para radio-comunitaria-pode-se-
apropriação tecnológica de uma rádio está fins políticos o que demonstra que as rádios tornar.html. Acesso em 12 de
abril de 2016.
influenciada por condições estruturais de comunitárias continuam ativas no tecido das
conexão. Também internamente se verificam comunidades, do mundo e da História, a revelia
grandes disparidades de saberes: em muitos de todas as forças privatistas e estatais que
casos, somente uns poucos comunicadores, insistem em reprimi-las.
normalmente jovens e do sexo masculino,
aproveitam plenamente as diversas novas
técnicas para ativar multiformas de alcançar seu
público e seus objetivos. A tecnologia continua
sendo encarada como desafio justamente
por suas possibilidades: em outro grupo de
perguntas da pesquisa, quando questionadas
sobre as maiores necessidades de capacitação,
foi a atualização tecnológica a mais recorrente
das respostas na pesquisa quantitativa.
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Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
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Anexos
direito humano, destacamos a aproximação com novos atores comunitários e populares na luta
o Movimento Nacional de Rádios Comunitárias pela democracia da comunicação brasileira.
(MNRC), Fórum Nacional de Democratização
da Comunicação (FNDC), Coletivo Intervozes, No contexto da digitalização do rádio no
Artigo 19, Repórteres Sem Fronteiras e Brasil, a Amarc Brasil propõe os seguintes
coletivos de rádios livres, pois têm, como nós, princípios para o padrão a ser adotado:
a perspectiva da defesa do rádio como meio Os Estados devem assegurar que a migração
estratégico para a consolidação da democracia para as novas tecnologias de transmissão
brasileira. seja uma oportunidade para o incremento da
Ao longo de cem anos, o rádio tem sido pluralidade e a diversidade e não para manter
ameaçado de extinção. Na década de 1950, ou fortalecer a concentração de serviços de
o advento da TV trouxe previsões alarmistas comunicação audiovisual. (Princípio 39 da
sobre a sua permanência como veículo de publicação da AMARC “Princípios para garantir
massa. Os anos 2000 trouxeram a internet e a a diversidade e a pluralidade na radiodifusão e
convergência tecnológica como elementos que nos serviços de comunicação audiovisual”).
poderiam “superar” a capacidade comunicativa No planejamento da transição da radiodifusão
do rádio, em termos de interatividade. analógica à digital deve ser considerado o
Entretanto, o rádio segue se reinventando. impacto no acesso aos meios de comunicação
Mantém a credibilidade do seu conteúdo e e nos diferentes tipos de meios. Os Estados
alcance inquestionável, está em mais de 80% devem adotar medidas para assegurar
dos lares brasileiros (IBGE, 2013), sendo tantas que o custo da transição digital não limite
vezes o único meio de comunicação nas regiões a capacidade de funcionamento dos meios
do chamado “Brasil profundo”. É, portanto, públicos e comunitários. Os meios não deverão
responsável por levar conteúdos diversos sofrer discriminações e serão respeitadas
aos grandes bolsões de desinformação, as previsões necessárias para garantir a
abandonados pela mídia comercial. continuidade das emissões realizadas sobre
Apesar da grande incidência social do suporte analógico simultaneamente até esgotar
rádio, as rádios comunitárias sofrem os os processos de transição em condições
mesmos desafios de construção de políticas razoáveis. (Princípio 40 da publicação da
públicas para o amplo acesso da sociedade às AMARC “Princípios para garantir a diversidade
concessões e modos de produção. Mas este e a pluralidade na radiodifusão e nos serviços
mesmo movimento guarda, em si, a capacidade de comunicação audiovisual”).
de ser protagonista na disputa pelo espectro - Que os desafios da convergência dos meios
livre, pelo direito à antena e pela inserção de
223
Rádios Comunitárias em Tempos Digitais!
224
Outrxs colaboradorxs
Denise Viola
é radialista e integrante da
Rede de Mulheres da AMARC
e da Rede de Mulheres em
Comunicação, desde a sua
criação. Atualmente, está na
Camila Novaes Coordenação Executiva da
é mãe, religiosa de matriz AMARC Brasil.
africana, gestora e produtora
cultural, designer gráfica e
ilustradora. Nascida em São
Paulo, em 20 de dezembro de
1987, foi criada em Americana- Paulo José O. M. Lara
SP onde frequentou a escola é Sociólogo, Cientista Político
municipal CIEP, projeto e mestre em Sociologia da
educacional de Darcy Ribeiro, Cultura (UNICAMP). Doutorando
tendo contato com cultura em Estudos Culturais pela
popular e diversas linguagens Goldsmiths (Universidade de
artísticas. Em 2013 integra a casa Londres), é membro da Rede
coletiva e Ponto de Cultura Nina Latino-americana de Estudos
com seu filho, Enzo. Entre suas sobre Vigilância, Tecnologia e
militâncias, executa projetos e Sociedade (LAVITS), do grupo
discute o Software Livre. de pesquisa Informação,
camila.novaes.design@gmail.com Comunicação, Tecnologia e
Sociedade (ICTS), do coletivo
Espectro Livre e da Associação
Brasileira de Rádio Digital
(ABRADIG).
Rotulistas
é um coletivo conformado pelos
comunicadores visuais Luciana
Zanotto e Diego Rivarola.
Dedicados à materialização de
ideias em soluções de beleza e
comunicação. Suas trajetórias
são no campo do design Luiza Cilente
social e a sustentabilidade, é jornalista e fotógrafa.
colaborando para projetos como Atualmente, trabalha na
aproveitamento integral de formação de uma rede
alimentos, agricultura urbana e alternativa de mídia junto a
mudança climática. povos tradicionais na Amazônia,
rotulistas.web@gmail.com um projeto da AMARC Brasil.
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