Você está na página 1de 118

revista

ESQUERDA O PT NA
PETISTA CRISE DOS 40

GOLPE CONTRA
DILMA, PRISÃO DE
LULA, ELEIÇÃO DE
BOLSONARO: FRENTE
A DERROTAS TÃO
PROFUNDAS, O QUE
DEVE MUDAR NO PT?

REVISTA ESQUERDA PETISTA A juventude e o Saúde, educação e Dossiê:


#10 2019 AGO-SET centenário de Córdoba questão agrária Marx 200 anos

ISSN 2358-2413 04 PÁGs. 30 a 32 PÁGs. 4 a 29


PÁGs. 89 a 98
QUEM É O PARTIDO?
Bertold Brecht
Mostre-nos o caminho que devemos seguir, e nós
Mas quem é o partido? O seguiremos como você, mas
Ele fica sentado em uma casa com telefones? Não siga sem nós o caminho correto
Seus pensamentos são secretos, Ele é sem nós
suas decisões desconhecidas? O mais errado.
Quem é ele? Não se afaste de nós!
Podemos errar, e você pode ter razão, portanto
Nós somos ele. Não se afaste de nós!
Você, eu, vocês – nós todos.
Ele veste sua roupa, camarada, e pensa com a sua cabeça Que caminho curto é melhor que o longo
Onde moro é a casa dele, e quando você é atacado ninguém nega
ele luta. Mas quando alguém conhece
E não é capaz de mostrá-lo a nós
de que nos serve sua sabedoria?
Seja sábio conosco!
Não se afaste de nós!
revista SUMÁRIO
ESQUERDA
ESQUERDA PETISTA #10 - 2019

SINDICAL
EDITORIAL EDUCAÇÃO
PETISTA Lutar sempre, não A educação em
Novo Sindicalismo,
40 anos depois
importa o tempo que tempos de Bolsonaro | Marcos Jakoby p. 54
EXPEDIENTE dure p. 2 | Izabel Costa p. 42
Cartografia das Centrais
ESQUERDA PETISTA é uma publicação da Desmontando
Editora Página 13, sob responsabilidade
Sindicais brasileiras |
INTERNACIONAL a formação dos
da direção nacional da Articulação de Leandro Eliel P. Moraes p. 57
Esquerda, tendência do Partido dos Faltou combinar com educadores brasileiros
Trabalhadores.
os russos | Pepe Escobar | Celi Taffarel p. 45
Direção Nacional da tendência petista p. 4
Articulação de Esquerda: CULTURA
SAÚDE
China: 70 anos de
Responsável: Múcio Magalhaēs (PE); Valter Sobre transe, vertigem
Pomar (SP); Damarci Olivi (MS); Daniela Ma- socialismo | Wladimir O SUS em tempos
e ilusões: o golpe no cinema
tos (DF); Natalia Sena (RN); Jandyra Uehara; Pomar p. 11 sombrios | Aparecida
Patrick (PE); Julio Quadros (RS). | Sônia Fardin p. 89
Linhares Pimenta p. 50
Coreia Popular:
Comissão de ética nacional:
Revolução e socialismo RESENHA
Titulares: Jonatas Moreth (DF); Sophia Mata
ESQUERDA
apoiados nas próprias
(RN) Suplentes: Rosana Ramos (SP); Pere Cartografia da De Costas para o Império,
Petit (PA). forças | José Reinaldo
esquerda no Brasil | de Daniel Araújo Valença |
Carvalho p. 17 Leandro Eliel P. Moraes Ilana Lemos Paiva p. 98
Conselho Editorial da Editora Página 13:
10 claves para p. 63
Elisa Guaraná, Francisco Xarão, Giovane
Zuanazzi, Jandyra Uehara, Luiz Momesso, entender el México de
Marcos Piccin, Pamela Kenne, Paulo Denis- López Obrador (TEXTO EM
ar, Pedro Pomar, Pere Petit, Rodrigo César, 7 o CONGRESSO
ESPANHOL) | Katu Arkonada
Rosana Ramos, Rosângela Alves de Oliveira,
Sonia Fardin, Suelen Aires Gonçalves p. 24 PT 40 anos: mudança ou crise | Valter Pomar p. 71

BRASIL “Nem Bolsonaro nem Mourão! Lula Livre! Diretas


Edição:
Já!” | Rui Falcão p. 75
Valter Pomar, Elisa Guaraná e Marcos Piccin Os intelectuais
na história: por Defender a democracia e construir um projeto de
Diagramação:
Cláudio Gonzalez (MTb 28961-SP) uma perspectiva esquerda | Paulo Pimenta p. 79
materialista da função Em tempos de guerra, a esperança é vermelha |
Secretaria Gráfica e Assinaturas:
Edma Walker (edmawalker@gmail.com) do conhecimento | Maria Tese da AE p. 84
Caramez Carlotto p. 30
Endereço para correspondência:
R. Silveira Martins, 147 conj. 11 Os limites da posição HOMENAGENS
Centro - São Paulo - SP - CEP 01019-000 parlamentar | Natalia
Francisco de Oliveira, um intelectual radical
Bonavides p. 33
(1933-2019) | Leonardo Mello e Silva p. 100

Morte matada! – Homenagem a PHA |


Jesuína Previdente p. 105

EDITORA
Walter Barelli, o economista dos
OLJ: fora, no limite trabalhadores | Paulo Fontes p. 107
ou dentro da lei? Lúcio Bellentani: a trajetória de um operário
| Natalia Sena p. 37
militante. Uma visão crítica | Sebastião Neto p. 109
EDITORIAL Resistência

Lutar sempre,
não importa o
tempo que dure
E
sta é a versão digital da revista Esquerda Petista. A ver- taduras militares. Que se desistíssemos da expropriação dos
são impressa sairá depois de 8 de setembro de 2019, capitalistas, estes aceitariam a distribuição de renda e poder.
incorporando uma análise política da eleição que o Que se deixássemos de lado o anti-imperialismo, os EUA e
Partido dos Trabalhadores realizará nesta data. seus amigos aceitariam a integração regional e respeitariam
Não faremos, neste editorial, um resumo dos artigos dis- nossa soberania. Que se a esquerda fosse a campeã do repu-
poníveis nesta edição. Apenas lembraremos que seu conteúdo blicanismo e do ‘estado de direito’, o outro lado abriria mão
é de total responsabilidade de seus autores. Mas o sentido ge- do ‘estado da direita’. (...) A cada derrota, a cada desmentido,
ral do publicado é contribuir para que a esquerda brasileira e os semeadores de ilusões buscam novas. Não conseguem per-
amigos em
seus amigos emtodo
todooomundo
mundoproduzam
produza uma
umaestratégia
estratégia capaz
capaz ceber que na luta de classes vale a máxima: se queres a paz,
de enfrentar a situação aberta pela crise internacional de 2008 prepara-te para a guerra. Lula pode ser libertado, Bolsonaro
e pelo tríplice golpe de 2016-2018. pode ser derrotado, nossos inimigos podem ser divididos, po-
Isso inclui, para começo de conversa, uma maior dispo- demos derrotar a direita nas eleições de 2020 e 2022, podemos
sição de estudar e compreender os fenômenos que estão em voltar a governar o país. Mas para isso, só há um caminho:
curso. Não nos move, é bom dizer, nenhum culto à novidade. lutar, lutar e lutar. E os que vivem no mundo das ilusões, não
Até porque, em vários casos, estamos diante de velhos mons- conseguem lutar adequadamente. E a luta será mais ou me-
tros e antigos problemas, devidamente customizados. nos longa, a depender do que ocorra no mundo, a depender
Incluir,
Inclui, em segundo lugar, estar disposto a enfrentar das divisões na coalizão golpista e, principalmente, a depen-
uma longa maratona com obstáculos, mas sempre alerta der de nossa capacidade de conscientizar, organizar e mobili-
para as “janelas” que a luta de classes abre. A realidade, zar a classe trabalhadora. O 7º Congresso do PT será palco de
ainda bem, é muito mais criativa do que nossas teorias. E, muitas batalhas: da democracia contra a fraude; do debate
mesmo quando tudo parece perdido, oferece oportunidades contra a mera votação; do partido de luta, contra a legenda
para dar a volta por cima, convertendo longas maratonas eleitoral; do partido antissistema, contra a politicagem tradi-
em corridas de cem metros. cional e fisiológica; da oposição radical, contra a frouxidão;
Mas para termos êxito, na maratona ou nas corridas de das reformas estruturais e do socialismo, contra a social-de-
cem metros, é preciso abandonar todas as ilusões. Como está mocracia e o social-liberalismo. Além disso, o congresso do PT
dito na tese Em tempos de guerra, a esperança é vermelha: será uma batalha entre quem cultiva ilusões e quem semeia
“Se quisermos vencer, devemos começar nos libertando de to- esperanças”.
das as ilusões que predominaram, nos últimos anos, no PT.
A ilusão dos que acreditavam que se a esquerda desistisse da Boa leitura. E Lula Livre!!!
revolução e do poder, a direita desistiria dos golpes e das di- Os editores

2 Agosto-Setembro
ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019 2019
HOMENAGEM

GUSTAVO
CODAS
Economista pela PUC-SP e mestre em Relações Internacionais
pela Unicamp, Codas estava cursando doutorado em Energia
pela Universidade Federal do ABC. Foi assessor de Relações
Internacionais da CUT, de onde saiu para assumir a direção
geral de Itaipu Binacional como representante do governo do
Paraguai, país onde nasceu. Na Fundação Perseu Abramo, era
coordenador do Grupo de Conjuntura.
Faleceu no último dia 12 de agosto, aos 60 anos.
Deixa três filhos (Iuri, Julia e Matias) com Nalu Faria,
liderança da Marcha Mundial das Mulheres,
com quem foi casado.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 3


INTERNACIONAL

Faltou combinar
com os russos
Pepe Escobar*

O campo de batalha geopolítico e geoeconômico do jovem


século 21 está sendo desenhado aqui e agora, em 2019,
opondo os EUA contra a parceria estratégica Rússia-China, ou RC.

2019 é, em muitos aspectos,


o Ano Em Que Vivemos
Em Perigo. O tabuleiro do jogo é totalmen-
O competidor à altura agora ple-
namente emerge: a parceria estratégica
Rússia-China, ou RC.
te e amplamente respeitado nos mais al-
tos níveis em Moscou e Pequim.
Após a reunião bilateral, Xi alertou
te monopolizado pelas ramificações do O aperto de mão fez parte da oitava que “atualmente, a situação internacional
embate entre os EUA e RC - com a revira- viagem de Xi à Rússia desde 2013 - quan- tem experienciado, ao longo dos séculos,
volta adicional da administração Trump do a Nova Rota da Seda, ou Iniciativa do mudanças profundas e sem precedentes.
flertar com uma estratégia “Nixon inver- Cinturão e Rota (BRI) - o conceito orga- Paz e desenvolvimento permanecem as
tida” para dividir a Rússia da China. nizacional das políticas externas da Chi- tendências deste tempo, mas também o
Para compreender como chegamos na para o século 21 - foi anunciada. protecionismo, unilateralismo, políticas
aqui, deixe-me te guiar por um breve pas- Putin e Xi firmaram um grande nú- de ampliação do poder e hegemonismo“.
seio, abrangendo Moscou, São Petersbur- mero de acordos. Mas um deles se des- Isto é uma enorme atenuação. Rús-
go, Bisqueque e Osaka. tacou: a corrida para desenvolver a tran- sia ainda está submetida a sérias sanções
Comecemos com o ocorrido em maio sação bilateral e os pagamentos trans- americanas. China enfrenta uma com-
no Kremlin, onde uma única imagem fronteiriços usando rublos e yuans, con- pleta guerra comercial com a administra-
epitomizou as apostas: um aperto de mão tornando o dólar americano. Putin des- ção Trump. RC é a bête noire da Estratégia
extremamente afetuoso entre Xi Jinping creveu diplomaticamente como “Rússia de Segurança Nacional dos EUA.
e Vladimir Putin. e China pretendem desenvolver a prática Todavia, geopoliticamente, RC está
A imagem cristalizou os pesadelos de acordos oficiais em moeda nacional”. em total sincronia. Na Síria, na necessi-
daqueles nos Estados Unidos que ainda A inevitável consequência é que a dade de prevenir a migração de “rebel-
seguiam os medos Eurásicos de Halford balança comercial dos acordos através do des jihadis moderados” para Xinjiang,
Mackinder - o pai da geopolítica - e seus Sul Global deve progressivamente abra- Ásia Central e Cáucaso. Na necessidade
discípulos, como o mais tardio Zbigniew çar o uso de outras moedas, não apenas de preservar o JCPOA ou o acordo nucle-
“O Grande Tabuleiro de Xadrez” Brze- o rublo e o yuan. É crucial lembrar que ar do Iran. Na necessidade de decifrar o
zinski, focando no imperativo de prevenir isto foi discutido profundamente no nível enigma da península coreana. Na neces-
a emergência de um competidor à altura, BRICS e especificamente pela RC - desde sidade de apoiar a Venezuela - com coo-
na Eurásia. 2000 e poucos, quando Lula era presiden- peração militar e ajuda humanitária.

4 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

Evgenia Novozhenina/Reuters
Crucialmente, RC está sincroniza-
do no total apoio de Putin ao BRI, assim
como na corrida para mesclar os projetos
do BRI e da União Econômica da Eurásia
(EAEU). É esta interconexão que poderá
solidificar o objetivo de Moscou em con-
figurar a Rússia como a chave da ponte
entre as regiões Eurásicas.
É apropriado que Putin e Xi, além
de fechar acordos, tenham tido tanto
tempo para discutir em Moscou. E tudo
isto aconteceu ainda antes de Putin e Xi
encontrarem os mais altos executivos de
mais de 50 companhias russas e 60 com-
panhias chinesas presentes ao segundo
Fórum Russo-Chinês de Energia, orga-
nizado por Rosneft e pela Corporação
Nacional de Petróleo da China. E antes
do muito aguardado discurso de Putin Putin recebeu em 9 de junho, no Palácio do Kremlin, o presidente da China, Xi Jinping
sobre o turbulento tabuleiro de xadrez
geopolítico atual, ao lado de Xi, na ses- Putin e Xi firmaram um grande número de
são plenária do Fórum Econômico In-
acordos. Mas um deles se destacou: a corrida
ternacional de São Petersburgo (SPIEF),
o fórum anual de negócios mais impor- para desenvolver a transação bilateral e os
tante da Rússia. pagamentos transfronteiriços usando rublos e
É absolutamente impossível com-
preender as porcas e os parafusos do yuans, contornando o dólar americano. Putin
complexo maquinário da progressiva in- descreveu diplomaticamente como “Rússia
tegração Eurásica, sem atender ou acom-
panhar os debates e discussões do SPIEF.
e China pretendem desenvolver a prática de
O encontro petersburguês deste ano acordos oficiais em moeda nacional”
encenou algumas das plenamente essen-
ciais discussões revolvendo em torno da Robert Dudley e o presidente de projetos • O amplo painel sobre negócios e in-
integração Eurásica. A maior parte desses globais da ExxonMobil, Neil Duffin; vestimentos ao longo da Eurásia, juntan-
problemas são simplesmente ignorados • A discussão na atual mudança pa- do o presidente do conselho de negócios
no Ocidente. Para benefício dos leitores radigmática na ordem econômica global, do EAEU, Viktor Khristenko, o presidente
brasileiros, estes são alguns exemplos com a presença do vice-ministro do De- do conselho de administração do Banco
que merecem ser examinados minucio- senvolvimento Econômico da Rússia, Ti- de Desenvolvimento Eurásico, Andrey
samente. mur Maksimov, do líder de Economia de Belyaninov, o Vice Primeiro-Ministro An-
•Um painel de energia reunindo o Mercado Emergente e Estratégias no Ban- ton Siluanov, e o chefe do conselho analí-
CEO da Rosneft, Igor Sechin, o Minis- co da América Merrill Lynch David Hauner tico do Sberbank Yaroslav Lissovolik;
tro de Finanças da Qatar, Ali Shareef al- e o extremamente articulado Paul Chan, • A evolução dos negócios ao redor da
-Emadi, o Chefe Executivo do grupo BP, Secretário de Finanças de Hong Kong; parceria estratégica entre Rússia e China,

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 5


INTERNACIONAL

envolvendo projetos de larga escala em Virtualmente desconhecido ao redor do Ocidente,


infraestrutura, energia e alta-tecnologia,
ao lado de CEOs e diretores das mais des- sem mencionar no Brasil, a OCX é de longe a maior
tacadas companhias Russas e Chinesas. aliança política, econômica e de segurança da
Todos na mesma mesa Eurasiana
Eurásia. Não é um equivalente da OTAN. Não está
planejando quaisquer aventuras imperialistas...
Com os cachorros da guerra plena-
mente soltos de suas coleiras pelo psi- Kremlin-Fotos Públicas

copatas da administração Trump, como


Mike Pompeo e John Bolton, nossa pró-
xima parada é o ocorrido na décima-no-
na cúpula da Organização de Cooperação
de Xangai (OCX) em Bisqueque, Quir-
guistão.
Virtualmente desconhecido ao redor
do Ocidente, sem mencionar no Brasil, a
OCX é de longe a maior aliança política,
econômica e de segurança da Eurásia.
Não é um equivalente da OTAN. Não está
planejando quaisquer aventuras imperia-
listas humanitárias. Uma única imagem
de Bisqueque resume tudo: a China de
Xi, a Rússia de Putin, a Índia de Modi e
o Paquistão de Imran Khan, alinhados
com os líderes de quatro “stans” da Ásia Reunião do Conselho de Chefes de Estado da OCX, junho 2018, Moscou
central.
Estes líderes representam os atuais palavras de Rouhani direcionadas a Pu- mico da ampla Eurásia. Nações européias
oito membros da OCX. Em seguida, há tin, Xi, Modi e Imran, na mesma mesa, que assinaram o tratado nuclear com Te-
quatro observadores de Estado - Afega- foram de enorme gravidade. Ele prague- erã - França, Inglaterra e Alemanha - não
nistão, Belarus, Mongólia e o crucial Irã jou falando dos EUA sob Trump como salvarão o Irã economicamente.
- mais seis parceiros de diálogo: Armênia, “um severo risco à estabilidade na região Todavia, Modi cancelou a bilateral
Azerbaijão, Camboja, Nepal, Sri Lanka e, e no mundo”. Depois, ele diplomatica- com Rouhani no último momento, com
principalmente, Turquia. mente ofereceu tratamento diferenciado a desculpa mísera de “conflitos de agen-
A OCX está comprometida em ex- para todas as companhias e empreende- da”. Não foi exatamente uma manobra
pandir significativamente até 2020, com dores das nações participantes da OCX diplomática sagaz. India era a segunda
a possibilidade de plena filiação turca e comprometidas a investir no mercado maior cliente em energia do Irã, antes da
iraniana. O que associará todos os gran- iraniano. administração Trump derrubar o tratado
des participantes da integração eurasia- Xi, desafiando Trump, foi brilhante; nuclear, ou JCPOA, há mais de ano. Modi
na. Considerando a atual incandescên- Pequim continuará a criar laços com Tee­ e Rouhani tem discutido a possibilidade
cia do xadrez político, dificilmente seria rã “haja ou não qualquer eventual mu- da Índia pagar o óleo iraniano em rúpias,
acidental o principal protagonista em dança no cenário”. Irã é o nó chave da assim contornando o dólar e as sanções
Bisqueque ser também o observador ira- Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cin- americanas.
niano. turão e Rota (BRI). É evidente que para a Contudo, diferente de Pequim e
O presidente iraniano Hassan Rou- liderança em Teerã, o caminho a frente é Moscou, Nova Delhi se recusa a ceder
hani jogou suas cartas com maestria. As a total integração ao vasto sistema econô- apoio incondicional a Teerã nesta dinâ-

6 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

mica de matar ou morrer contra a guerra em um mundo em “transição”; ele tem A interconexão pan-Eurásica gritou
econômica da administração Trump e sua expressado interesse entusiástico em ainda mais alto, imediatamente após
política de bloqueio. comprar Skhoi Su-35 e Mi-35M (helicóp- o ocorrido em Bisqueque; a cúpula da
Modi enfrenta uma rígida escolha teros de ataque). Conferência sobre Integração e Medidas
existencial. Ele está tentado a canalizar Irã é o coração do mapa de rota na de Fortalecimento da Confiança na Ásia
sua visceral posição anti-cinturão-e-ro- integração BRI-OCX-EAEU. Russia e Chi- (CICA), em Duchambé, Tajiquistão.
ta no grito de sereia “Indo-Pacífico” dos na não podem permitir que o Irã seja es- Bisqueque e Duchambé expandiram
EUA - na verdade um mecanismo de blo- trangulado. Irã se vangloria de fabulosas o que já havia sido extensamente discuti-
queio continental contra “China...Chi- reservas de energia, um enorme mercado do no fórum em São Petersburgo. O pró-
na...China...”, conforme a liderança do interno e é o estado na linha de frente prio Putin salientou que todos os vetores
Pentágono admite publicamente. contra complexas redes de ópio, arma- deveriam estar integrados: BRI, EAEU,
Ou então, ele pode cavar mais fundo mento e contrabando jihadiano - todas OCX, CICA e ASEAN.
até uma aliança OCX/RIC (Rússia-Índia- estas preocupações chave para os mem- Entre os vinte e um tratados assina-
-China), focada na integração e multipo- bros da OCX. dos, a OCX também estendeu o mapa da
laridade Eurasiática. Não há dúvida que Rússia e Irã tem rota para o vital Grupo de Contato OCX-
Ciente do alto risco, uma ofensiva interesses em conflito no sudoeste asiá- -Afeganistão, aprofundando o imperati-
sedutora dos principais BRICS e OCX tico, Contudo, o que mais importa para vo da parceria estratégica Rússia-China,
avançou com força. Putin convidou Modi Moscou é prevenir a migração de jihadis de que o drama afegão deveria ser defini-
ao papel de principal convidado do Fó- para o Cáucaso e Ásia Central, para cons- do pelos poderes da Eurásia.
rum Econômico Oriental em Vladivos- pirar ataques contra a Federação Russa; E o que Putin, Xi e Modi discutiram
tok, no princípio de setembro. Xi Jinping manter sua marinha e bases da força aé- minuciosamente, em privado, em Bis-
contou a Modi em um encontro bilateral rea na Síria; manter o óleo e gás em pleno queque era para ser desenvolvido pela
que ele está mirando uma “parceria mais fluxo comercial. Teerã, por sua vez, não sua reunião de mini-BRICS, pelo RIC e a
íntima”, de investimento e capacidade pode de maneira alguma apoiar o gênero vindoura reunião da cúpula do G20 em
industrial, para pegar velocidade no esta- de acordo informal que Moscou estabele- Osaka.
cionado corredor econômico Bangladesh- ceu com Telaviv na Síria - onde ativos de Todos nestas reuniões, não apenas
-China-Índia-Myanmar (BCIM), outro Hezbollah e IRGC são bombardeados por RIC, sabiam que no futuro previsível o
foco maior do BRI. Israel, mas nunca ativos russos. complexo industrial-militar-de-seguran-
Imran Khan, de sua parte, parece Ainda assim, há margem de mano- ça americano continuaria a ser obcecado
bem alerta sobre como o Paquistão pode bra para a diplomacia bilateral, mesmo com a Rússia como um revitalizado ator
lucrar em tornar-se o principal pivot da quando agora parece estreita. O líder maligno (para o Pentágono), acompa-
Eurásia - uma vez que Islamabad ofere- supremo Ayatollah Khamenei emitiu as nhado de uma ameaça pan-abrangente-
ce uma saída privilegiada para o Mar da novas regras iranianas do jogo; reduzir -chinesa.
Arábia, ao lado do observador iraniano do as importações ao mínimo; reduzir a de- A marinha americana é obcecada
OCX. O porto de Gwadar, no Mar da Ará- pendência nas exportações de óleo e gás; com a sabedoria assimétrica dos “nossos
bia, é o eixo chave do Corredor Econômi- aliviar a pressão política doméstica (após rivais russos, chineses e iranianos” nas
co China-Paquistão (CPEC), bem melhor todos acordarem sobre o dever iraniano “vias marítimas tão disputadas” do Mar
posicionado do que o porto de Chabahar de se unir para encarar uma ameaça mor- do Sul Chinês ao Golfo Pérsico.
no Irã, que está sendo desenvolvido como tal); e ater-se à noção que o Irã não esta- Com os conservadores americanos
o eixo chave da mini versão indiana da belece amigos para todos os climas, nem escalando à máxima pressão, tentando
Nova Rota da Seda para o Afeganistão e mesmo Rússia ou China. conspirar contra um elo frágil (Irã) na
Ásia Central. O Irã está submetido à um estado integração da Eurásia, já submetido a
No fronte russo, uma ofensiva so- de cerco. Arregimentação interna deve completa guerra econômica porque den-
bre o Paquistão está pagando dividen- ser prioridade. Porém, isso não impede o tre uma série de problemas, também está
dos, tendo Imran pleno conhecimento da abandono da corrida em direção à inte- contornando o dólar americano, ninguém
aproximação paquistanesa com a Rússia gração da Eurásia. nunca poderia prever como o xadrez esta-

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 7


INTERNACIONAL

ria colocado quando a OCX e os BRICS se de um longo processo encabeçado por Xi Como sabem muito bem os leitores
reunirem de novo na Rússia em 2020. e Putin para seduzir Modi a integrar-se brasileiros, além da bilateral com Trump,
Mas o que estava claro a todos é que a sério em um mapa triangular da rota Bolsonaro vendeu a riqueza mineral bra-
os encontros Putin-Xi, as discussões em Eurásica, consolidada durante a reunião sileira, alegando que o país agora pode-
São Petersburgo e a cúpula da OCX, em anterior em Bisqueque. ria exportar bugigangas de nióbio. O que
menos de dez dias, articularam cabal- Agora RIC está integralmente de vol- certamente foi menos controverso do que
mente o mapa da rota para a integração ta aos negócios: o próximo encontro está a escória do exército brasileiro detida na
da Eurásia. E, sobretudo, resta o desfecho armado para o Fórum Oriental Econômi- Espanha por carregar quantidades indus-
(econômico) paradigmático: múltiplas co em Vladivostok, em setembro de 2019. triais de cocaína (36 quilos) no avião pre-
nações aprontando-se para contornar o Em suas observações introdutórias, sidencial, definitivamente arruinando a
dólar como a moeda mundial reserva. Putin, Xi e Modi deixaram claro que o duração do happy hour em Osaka.
Todos sabiam que no G20 em Osaka as RIC é sobre configurar, nas palavras de Mais tarde, Trump inquietamente
coisas seriam no mínimo emocionantes, Putin, uma “arquitetura de segurança in- aplaudiu os “gigantescos recursos” brasi-
tendo em vista a sedução de tantos recur- destrutível” para a Eurásia. leiros, agora plenamente e selvagemente
sos extraordinários. Modi - muito numa via Macrônica privatizados para benefício de compa-
- salientou os esforços multilaterais para nhias americanas. O que também pode-
A sedução de tantos “recursos barrar as mudanças climáticas, e recla- ria ter sido aplicado facilmente a Rússia e
extraordinários” mou que a economia global está sendo China - se estas fossem saqueáveis.
governada por uma ordem unilateral, en- Xi, na reunião dos BRICS, denunciou
A última parada deste nosso passeio fatizando a necessidade de uma reforma o protecionismo e clamou novamente por
nos leva à mais importante trilateral no da Organização Mundial do Comércio. uma OMC mais forte. As nações BRICS,
G20 em Osaka, confinada a um ambien- Putin deu um passo à frente, insistin- como ele disse, deveriam “aumentar nos-
te falso, melindroso e indigno da estética do, “os nossos países estão à favor de pre- sa resiliência e capacidade de lidar com
minimalista japonesa. servar o sistema internacional de relações, os riscos externos”.
O Japão extrapola em perfeito pla- cujo núcleo é a carta das Nações Unidas Depois veio Putin. Que para além de
nejamento e execução. Portanto, é difícil e a ordem da lei. Nós defendemos estes denunciar as tendências protecionistas
tomar essa configuração como um “aci- importantes princípios de relações entre das transações globais, clamou mais uma
dente” infortuno. Ao menos, a não oficial estados, em respeito à soberania e a não- vez pelas trocas bilaterais em moeda na-
cúpula Rússia-Índia-China nas laterais -intervenção nos assuntos domésticos.” cional, para contornar o dólar americano
do G20 transcende o destino de um de- Putin evidentemente salientou a in- - espelhando o compromisso RC.
corador de interiores merecendo cometer terconexão geopolítica das Nações Uni- RC, via o ministro de finanças Anton
seppuku. das, dos BRICS, da OCX, do G20, mais o Siluanov, e a cabeça do Banco Popular da
Putin, Xi e Modi se encontraram em “fortalecimento da autoridade da OMC” China, Yi Gang, assinou um acordo de-
sigilo virtual. Os poucos representantes e o FMI, assim como “o modelo de um veras importante de troca bilateral em
da mídia presentes na sala fuleira rapida- mundo moderno e justamente multipo- rublos e yuans, a princípio pela energia
mente foram convidados a se retirar. As lar que nega sanções como ações legíti- e agricultura, mas visando aumentar os
equipes de Putin, Xi e Modi mal tinham mas”. acordos em moeda cruzada em 50% nos
lugar para sentar-se. Não houve vaza- O contraste entre RIC e a adminis- próximos anos.
mentos. Cínicos prefeririam zuar que a tração Trump não poderia ser mais rígido. Haverá um esforço orquestrado para
sala teria sido grampeada de todo modo. O BRICS parece permanecer enterra- progressivamente contornar o SWIFT,
Até porque Xi é livre para chamar Putin e do, ao menos por enquanto. Houve uma usando o Sistema Russo de Transferên-
Modi a Pequim sempre que for necessá- reunião “oficial” dos BRICS meramente cias Financeiras (SPFS) e o Sistema Chi-
rio discutir negócios sérios. pela formalidade, antes da reunião de nês de Pagamentos Interbancários Trans-
Nova Déli e Modi tomaram a inicia- RIC. Porém, não é segredo que Putin e fronteiriços (CIPS).
tiva para a reunião em Osaka? Não foi Xi encaram Bolsonaro apenas como um Cedo ou tarde, Rússia-China conse-
exatamente o caso. Osaka é a culminação mero recurso neocolonial de Trump. guirão seduzir a Índia a participar. Mos-

8 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

O BRICS parece permanecer enterrado, ao menos avança com toda força em direção às No-
vas Rotas da Seda/BRI.
por enquanto. Houve uma reunião “oficial” dos
Dizer que Trump é tido com descon-
BRICS meramente pela formalidade, antes da fiança pela Europa é eufemismo. Bru-
reunião de RIC. Porém, não é segredo que Putin xelas sabe que a UE é alvo de outra imi-
nente guerra comercial. Enquanto isso,
e Xi encaram Bolsonaro apenas como um mero com mais de 60 nações compromissadas
recurso neocolonial de Trump. com incontáveis projetos do BRI, e com
a União Econômica da Eurásia (EAEU)
também interligada com a BRI, Pequim
sabe que é apenas uma questão de tempo
antes que toda a UE embarque na rodovia
do BRI. A UE está finalmente começando
a aquecer-se para o mercado chinês e fi-
nalmente assinou um tipo de “Mandato
do Céu” comercial com Pequim.

Grande Eurásia encontra Made in


China 2025

Bons e velhos tempos quando Putin,


em 2010, em uma entrevista para a Der
Spiegel alemã, desenvolveu a ideia de um
“mercado continental unificado com a
capacidade de um trilhão de euros” alon-
gando-se de Lisboa a Vladivostok.
O que seguiu foi uma chamada para
despertar: o golpe na Ucrânia, esmiga-
lhando quaisquer ilusões russas sobre
uma gradual integração com a UE. A
nova realidade geopolítica e econômica
forçou Moscou a engajar-se em seu pró-
prio “pivot para Ásia” - e isto, após meio
milênio dos poderes marítimos ociden-
tais serem hegemônicos entre as ondas
cou tem excelentes relações bilaterais ás, a Índia pagará pelos S-400s em Euros. que circulam a Eurásia.
com Pequim e Nova Déli, e está decidi- Independente de quais táticas psi- O que seria a maior iniciativa euro-
damente fazendo o papel de mensageiro copatas são empregadas por Trump, RIC peia de Putin, por metástase via o pivô
privilegiado. está diretamente envolvida nas massivas russo para Ásia, terminou se configuran-
A mini-guerra comercial contra Nova ramificações de curto e longo prazo da do como o projeto Grande Eurásia, assim
Déli, lançada pela administração Trump - bilateral Trump-Xi em Osaka. O cenário como ficou conhecido em Moscou. E,
que inclui perder o status de ‘transações geral não irá mudar. A administração agora, sincronizado com a Nova Rota da
especiais da Índia’ e a punição pela com- Trump está apostando no reencaminha- Seda chinesa, que foi lançada um ano an-
pra dos sistemas de mísseis S-400 russos - mento das cadeias globais de suprimen- tes de Maidan (Praça da Independência)
está agilizando o passo dos processos. Ali- tos para fora da China, enquanto Pequim em Kiev.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 9


INTERNACIONAL

Adicione-se mais dois fatores essen- Rússia tornou-se o maior exporta- de mísseis de defesa russos S-400; na ver-
ciais. O poder das novas armas hipersôni- dor de petróleo para China, e será o mes- dade todo mundo quer os S-400.
cas russas deixou o complexo industrial mo para gás natural: o massivo Gasodu- A conclusão é inevitável: o todo-
militar americano absolutamente despe- to Oriental abrirá em dezembro, seguido -poderoso maquinário militar america-
daçado. E as sanções dos EUA e UE ulti- pelo Power of Siberia e mais dois enormes no não está mais assustando o mundo
mamente tem levado Putin a lançar pro- sítios de exportação gás natural líquido. como antes.
gramas de investimentos sociais e de in- O plano americano para demonizar e As capacidades industriais do impé-
fraestrutura massivos, que valem 390 bi- isolar a Rússia com sanções, também apli- rio podem estar num lamentável estado,
lhões de dólares e abrangendo 12 projetos cado pela UE, combinado com a redução mas Washington ainda permanece ex-
nacionais, comprometidos em melhorar a ou até talvez uma possível interrupção tremamente perigosa. E até francamente
vida de milhões de russos. das exportações de energia russa para a ensandecida.
Do lado chinês, inspiraram-se no pro- Europa, se tornaria completamente inó- O Pentágono continuará a desenvol-
grama alemão Indústria 4.0 para lançar cuo. Houve severas discussões de conjun- ver “planos de contingência nuclear” e
o Made in China 2025, há apenas quatro tura em Moscou sobre a possibilidade da não vacilará em “empregar armas nucle-
anos. MIC2025 foi cuidadosamente pla- Rússia reconduzir todas as exportações de ares” para “ameaçar e intimidar, respon-
nejado para quebrar o excesso de depen- energia para a Ásia e, neste caso, a UE es- der à crises, assessorar greves e retornar
dência da China à tecnologia estrangeira taria totalmente dependente do extrema- à estabilidade”. O que em pentagonês
e, conclusivamente, estreitar a lacuna com mente volátil Golfo Pérsico. significa que Washington pode soltar os
os poderes ocidentais sob alta tecnologia. E isso nos leva ao coração do proble- cachorros da guerra nuclear quando bem
A medida de sua ambição está em ma das atuais condições da viciosa guerra entender, até salientando que “talvez
aspirar a um Top 10 industrial, onde a econômica americana contra o Irã. exista um requerimento para atingir alvos
China supostamente vire a líder mundial: General Barry McCaffrey, ex-secre- adicionais para garantir a fim da guerra
tecnologia da informação, ferramenta de tário do presidente do conselho do Joint ou outros objetivos estratégicos”. Hiroshi-
controle numérico e robótico, tecnologia Chiefs of Staff (JCS) e Diretor de Planos ma e Nagasaki foram só o começo.
aeroespacial, engenharia de equipamento Estratégicos e Políticas também no JCS, Confrontada com tal ensandecimen-
oceânico, navios de alta tecnologia, equi- contou a uma de minhas fontes, durante to imperialista, o certo é que a Rússia - até
pamentos ferroviários, veículos econômi- um almoço no Harvard Club: “Os Estados mais que a China - não está impressiona-
cos e veículos com energias alternativas, Unidos não tem o poder militar para man- da. O fato é que a RC continuará arando
geradores de energia, novos materiais, ter o Estreito de Ormuz aberto e suas for- a terra geopolítica, ampliando o uso de
medicina e dispositivos medicinais e ma- ças-tarefa devem voar alto, se eles preten- rublos e yuans para trocas comerciais e
quinário agrícola. derem estar fora do alcance dos mísseis transações financeiras, contornando o
Sem dúvida, a ordem americana está russos e chineses alinhados na costa do dólar americano e encorajando o Sul Glo-
absolutamente aterrorizada. Irã, que são os mais avançados no globo”. bal para seguir o exemplo. Perguntem ao
O que já estamos testemunhando é a Então vamos revisar brevemente o presidente Lula; não há como imobilizar o
intensificação da simbiose Rússia-China, cenário de fundo. A administração Trump império sem esvaziar seu bolso de dinhei-
enquanto os EUA e a UE pressionam com ameaçou a Coreia do Norte com guerra ro fiduciário.
sanções. Nada mudou com a nomeação da e depois teve de voltar atrás. Ameaçou o
protégé de Merkel, Ursula Von der Leyen, Irã com guerra e teve de voltar atrás. A
*PEPE ESCOBAR é correspondente
como chefe da Comissão Européia (EC). triarquia Bush-Obama-Trump perdeu a
e editor itinerante do Asia Times (Hong
Washington - especialmente o Deep Sta- guerra no Afeganistão contra o Talibã. A
Kong) e colunista para o Consortium
te - continuará a forçar a UE a manter a casa de Saud, uma satrapia dos EUA, de-
News (Washington) e Strategic Culture
Rússia como um inimigo. Questões sérias sencadeou um desastre humanitário no
(Moscou). Sua mais nova publicação é o
estão sendo levantadas através da Europa Iêmen, mas não venceu guerra alguma.
livro “2030” (Nimble Books, EUA).
- ainda que não nos corredores de Bruxe- Rússia e Irã venceram a guerra por proxy
las - sobre se os EUA estão tentando des- americana lançada ao povo Sírio. Turquia, O original de Pepe Escobar foi traduzido do
truir a UE. membro da OTAN, adquiriu os sistemas inglês para o português por Amanda Pomar

10 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


7
INTERNACIONAL

CHINA: 70 anos
de socialismo
Wladimir Pomar* 1949-2019

E
m 1o de outubro de 1949, após as guerras de resistên- ciais e políticas voltadas para suplantar séculos de dominação e
cia contra a invasão japonesa e contra a ditadura de atraso feudal e imperialista e para elevar os padrões de vida de
Chiang Kaishek, a China proclamou sua república de- seus vários povos (vivem na China mais de 50 nacionalidades).
mocrática popular, de orientação socialista. Nos primeiros 29 anos, tendo como órgão supremo a As-
Entre 1937 e 1949, o Partido Comunista da China consegui- sembleia Popular, a República Popular da China enfrentou não
ra forjar duas grandes alianças sociais e políticas de âmbito na- só novas ameaças externas (a exemplo da Guerra da Coréia, nos
cional. Uma, contra o imperialismo japonês, incluindo as forças anos 1950) mas também experimentos econômicos, sociais e po-
que apoiavam Chiang. Outra, abrangendo os operários urbanos, líticos que lhe permitissem superar o atraso e a miséria seculares.
os camponeses, a pequena burguesia urbana e a burguesia na- A reforma agrária, que distribuiu as terras agrícolas entre
cional, em contraposição aos latifundiários feudais e à burguesia centenas de milhões de camponeses, assim como a cooperação
compradora, que dominavam o país desde o fim da monarquia e com a burguesia nacional nas cidades para desenvolver a indús-
da proclamação da república. tria, o comércio e os serviços, são exemplos desses experimentos.
A vitória dessa segunda aliança fez com que, a partir de en- No entanto, enquanto os camponeses, em grande medida au-
tão, a história chinesa passasse por experiências econômicas, so- xiliados pelas novas cooperativas agrícolas, se esforçaram para

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 11


INTERNACIONAL

Depois de 10 anos de imensas


mobilizações populares e
experimentos os mais variados,
incluindo lutas sociais e políticas
para intensificar a produção
industrial e agrícola e elevar o padrão
de vida dos chineses, a revolução
cultural findou por inanição

elevar a produção agrícola e suprir as Numa primeira fase, entre 1978 e Por outro lado, ao invés de privatizar
necessidades alimentares da população, 1984, as reformas concentraram-se na as empresas estatais, como era intensa-
a burguesia nacional agiu quase exclusi- agricultura, melhorando os preços dos mente divulgado na imprensa ocidental,
vamente no sentido de enriquecer como produtos agrícolas adquiridos pelo Esta- o Estado chinês introduziu a concor-
a antiga burguesia compradora. do, dando livre curso à ação do mercado rência entre elas. Ou seja, criou mais de
Foi essa tendência que, ainda nos nas zonas rurais, transformando as co- uma estatal em cada ramo industrial, de
anos 1950, levou à estatização de diversos operativas agrícolas em centros de difu- modo a intensificar a concorrência, não
setores industriais e comerciais e a vários são das tecnologias agronômicas entre os só entre elas, mas também entre elas e as
esforços frustrados para dar um salto na camponeses e intensificando a fabricação empresas privadas, com a dupla missão
produção industrial e na economia como industrial no próprio campo para suprir de evitar a burocratização e levá-las a in-
um todo. Mas, como o ritmo de desenvol- equipamentos utilizados na vida rural. tensificar o uso de novas tecnologias para
vimento continuou baixo, impedindo a Paralelamente, ainda em seu perí- aumentar a produtividade.
superação dos grandes bolsões de miséria odo inicial, as reformas realizaram, nas Ou seja, embora os anos 1980 te-
presentes, no final dos anos 1960 o Parti- zonas urbanas, o enxugamento da prá- nham se enchido de manchetes e notí-
do Comunista e o governo conclamaram tica de emprego de 3 trabalhadores para cias sobre as “privatizações” das empre-
o conjunto de sua população a uma radi- cada função industrial, que permitia um sas chinesas, isso não passou de fake news
cal revolução cultural. índice relativamente alto de empregos, difundidos pela imprensa ocidental. De
Depois de 10 anos de imensas mo- mas impunha uma baixa produtividade qualquer modo, foi nesse contexto que
bilizações populares e experimentos os à indústria e às obras públicas. Para evi- entrou em execução o programa de pro-
mais variados, incluindo lutas sociais tar o desemprego, esse enxugamento foi moção de investimentos estrangeiros. A
e políticas para intensificar a produção acompanhado da instalação de escritórios China abriu as portas para tais investi-
industrial e agrícola e elevar o padrão de projetos para financiar engenheiros, mentos, desde que em joint ventures com
de vida dos chineses, a revolução cultural técnicos e trabalhadores que quisessem empresas chinesas (estatais e/ou priva-
findou por inanição. Em seu lugar, após sair das empresas estatais para implantar das).
uma intensa avaliação crítica de âmbito novas indústrias, de caráter privado. Eles deveriam promover o desenvol-
nacional, entre 1976 e 1978, foi apresen- Dessa forma, quando as reformas vimento industrial, estar prioritariamente
tado um programa de reformas, numa industriais propriamente ditas tiveram voltados para o atendimento do mercado
perspectiva de 50 anos ou mais, visando início, em 1984, a agricultura apresenta- externo, e transferir novas e altas tecno-
elevar a produção agrícola e industrial, va sólidos indicadores de crescimento e logias para as empresas chinesas das joint
retirar da pobreza a maior parte da popu- de novas demandas para a indústria de ventures. Em articulação com essas direti-
lação, e modernizar a sociedade no espí- máquinas e outros insumos, e já havia in- vas, o governo chinês também intensifi-
rito das revoluções científicas e tecnológi- tensa diversificação produtiva com base cou investimentos em múltiplos centros
cas em curso no mundo. em novas indústrias privadas. de pesquisa e desenvolvimento, visando

12 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

disseminar as tecnologias incorporadas estatais concorrendo entre si para desen- Ou seja, sua prática e seus experi-
por aquelas joint ventures e, com base nelas, volver a produtividade. Portanto, diferen- mentos, assim como a prática dos demais
avançar em novas e altas tecnologias. temente dos Tigres, a espinha vertebral países socialistas, comprovavam que o
Em outras palavras, sem realizar da economia chinesa continuou sendo o Estado, para desenvolver as forças pro-
esse be-a-bá inicial, a China não estaria complexo de empresas estatais, evitando dutivas de uma nação que não conhece-
sendo a locomotiva do que alguns estu- tanto sua privatização quanto a ausência ra o pleno desenvolvimento histórico do
diosos chamam de “maior transforma- de concorrência, inclusive nos setores que mercado capitalista, teria que completar
ção econômica dos últimos 250 anos” da o Estado mantém sob seu poder. Essas tal desenvolvimento com a participação
história mundial. Entre 1984 e 2004 (30 estatais também concorrem ativamente de formas capitalistas, mas sob direção
anos) a China apresentou crescimentos com as empresas privadas existentes no socialista. Isto se tornou a condição para
anuais do produto interno bruto superio- mercado, obrigando-se a elevar a produ- realizar o sonho de desenvolver as forças
res a 10% ao ano, embora desde os anos tividade, baixar custos e preços e atender produtivas ao ponto de atender a todas as
1990 tenha realizado esforços frustrados de forma crescente não só ao mercado in- necessidades sociais e tornar desnecessá-
para reduzir tal crescimento ao patamar ternacional como ao mercado doméstico. ria a propriedade privada e a alienação do
de 6% a 7%, só alcançado com a crise eco- São essas características que levaram trabalho.
nômica mundial de 2007-2008. o Partido Comunista e o Estado chineses Foi na busca desse objetivo histórico
Apesar de tudo isso, alguns estudio- a denominar seu sistema econômico, so- que, apesar da crise mundial capitalista
sos consideram que a China apenas co- cial e político como socialismo de mercado. que assola o mundo desde 2007, a China
piou a estratégia industrializante do Ja- Isto é, um sistema que tem em conta que conseguiu reduzir o ritmo de crescimen-
pão e dos Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, o Estado sozinho seria incapaz de avan- to de seu Produto Interno Bruto de mais
Taiwan, Hong Kong e Singapura), de çar no desenvolvimento das forças pro- de 10% ao ano para cerca de 6% ao ano.
desenvolvimento baseado na exportação dutivas do país e realizar a transição de Crescimento que, em termos mundiais, é
de bens e serviços, acompanhado de uma um desenvolvimento incompleto do capi- somente inferior às taxas de crescimento
política externa que manteve como eixo talismo para uma formação histórica sem da Índia (7,5% a.a.), mas é quase três ve-
os pontos básicos de “coexistência pacífi- propriedade privada. zes superior ao dos Estados Unidos, duas
ca” da Conferência de Bandung, de 1956.
No entanto, assim como outros
analistas do período inicial das reformas
chinesas, eles desconsideram algumas
características importantes da estratégia
chinesa, que as diferenciam dos Tigres.
A multiplicação e reforçamento das em-
presas estatais, ao invés de sua privatiza-
ção, é provavelmente a mais importante.
Além disso, o Estado chinês manteve o
monopólio ou quase monopólio (embora
com a concorrência de diversas estatais,
para evitar a burocratização e promover o
desenvolvimento científico e tecnológico)
sobre alguns ramos econômicos, a exem-
plo do sistema financeiro, da exploração
petrolífera e da produção e distribuição
de energia. O Estado chinês manteve o monopólio ou quase
Ou seja, ao invés de apenas uma es- monopólio sobre alguns ramos econômicos, a
exemplo do sistema financeiro, da exploração
tatal monopolista em cada um desses ra-
petrolífera e da produção e distribuição de energia
mos, o Estado monopolista tem diversas

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 13


INTERNACIONAL

vezes o da Rússia e superior ao de todas


as nações industrializadas da Europa. Em
termos de paridade de poder de compra,
o PIB chinês apresenta crescimento cons-
tante, demonstrando o afluxo da popula-
ção chinesa aos bens e riquezas.
A China também já deixou de ser
unicamente uma receptora de investi-
mentos externos. Além de diversas em-
presas chinesas terem se tornado players
ativos no mercado mundial, a exemplo
da Baidu, que oferece segurança gratuita
a programas de computadores, a China
se tornou uma investidora internacio-
nal ativa. Desde 2015 investe no exterior
mais do que recebe em investimentos
Na efetivação do Projeto “Um Cinturão, Uma
externos, numa demonstração de vitali- Rota” a China já obteve a adesão de 126
dade econômica e grande acumulação de
reservas financeiras. países e 29 organizações internacionais.
Paralelamente, antes acusada de
depredar o meio ambiente com seu de-
Ela pretende construir uma infraestrutura
senvolvimento industrial, a China se tor- de alta qualidade, sustentável, resistente
nou paulatinamente um dos países mais
ativos na substituição dos combustíveis a riscos, que ajude os diversos países
fósseis por energias renováveis e no pro-
participantes a utilizarem plenamente a
cesso de reflorestamento, o que pode ser
comprovado tanto pelas cidades em que riqueza de seus recursos
as energias solar e eólica se tornaram as
principais fontes, quanto pelas cobertu- meio ambiente e na intenção de demons- Em termos objetivos, pode-se afir-
ras florestais que hoje margeiam inúme- trar que o crescimento econômico pode mar que a China está produzindo um im-
ras ferrovias de alta velocidade, como a ser realizado sem causar, necessariamen- pacto profundo no desenvolvimento eco-
que liga Beijing a Tianjin. te, degradação ambiental, isso a está caci- nômico global, seja através do Banco de
A suposição de que os grandes pro- fando a colocar em prática projetos inter- Investimento Asiático em Infraestrutura,
jetos chineses resultem na intensificação nacionais de grandes dimensões, com a do Fundo da Rota da Seda, do Banco de
da produção e, portanto, num crescente atração de investidores de todo o mundo. Desenvolvimento do BRICS, assim como
uso de energias fósseis, tem sido desmen- Assim, não por acaso ela também dos investimentos em projetos produ-
tida pela própria experiência da recupe- lidera o Banco Asiático de Investimentos tivos e de infraestrutura em 112 países.
ração ambiental chinesa. Mesmo assim, em Infraestrutura, que já conta com a Segundo o presidente Xi Jinping, a China
alguns comentaristas ainda afirmam que participação de 80 nações. Todas estão in- está apresentando para inúmeros países
a China mantém inalterado seu papel teressadas em alavancar suas economias um modelo socialista que se torna, cada
de grande destruidora ambiental, já que com o auxílio dos projetos chineses, tan- vez mais, “uma nova opção” para “países
seus projetos exigiriam grande extração to de infraestrutura que permite acesso e nações que queiram acelerar seu desen-
de recursos minerais e a intromissão no mais fácil e barato a mercados da Europa, volvimento enquanto preservam sua in-
meio ambiente. Oriente Médio e Ásia, incluindo o afluen- dependência”.
No entanto, como a China tem avan- te mercado doméstico chinês, quanto de Os dois principais projetos chineses
çado intensamente na recuperação do desenvolvimento científico e tecnológico. que sustentam essa “nova opção” são

14 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

“Um Cinturão, uma Rota” (One Belt, entre países das regiões atendidas. Por um salto na estrutura produtiva de sua
One Road), lançado em 2013, e o Plano exemplo, a Índia está preocupada com indústria, tendo por base as altas tecno-
“Made in China 2025”, lançado em 2015. a construção do corredor ferroviário que logias.
Para o desenvolvimento chinês, tais pro- atravessa a região de Caxemira, que dis- Com isso, os setores-chaves da eco-
jetos são estratégicos porque a China puta com o Paquistão. Setores comerciais nomia chinesa passarão a ser os equipa-
necessita manter altas taxas de inves- do Brasil se opõem à construção do cor- mentos eletrônicos, microchips, máqui-
timento, reciclar os dólares que obtém redor bi-oceânico, que visa interligar os nas agrícolas, novos materiais, energias
com seus saldos comerciais e, ao mesmo litorais do Oceano Atlântico e do Oceano renováveis, carros elétricos, ferramentas
tempo, elevar sua competitividade e seu Pacífico no Cone Sul da América do Sul. de controle numérico, robótica, tecnolo-
consumo interno. Portanto, precisa am- Já o plano “Made in China 2025”, gia de informação, tecnologia aeroespa-
pliar sua presença em todo o mundo, ga- lançado em 2015, faz parte do processo de cial, equipamentos ferroviários, equipa-
rantindo acesso aos recursos naturais e a desenvolvimento científico e tecnológico mentos de engenharia oceânica, navios
todos os mercados. chinês, que cada vez mais o torna capaz de de última geração, e dispositivos médicos
Na efetivação do Projeto “Um Cintu- orientar a 4ª Revolução Industrial em todo avançados.
rão, Uma Rota” a China já obteve a ade- o mundo. Ou seja, no curto espaço de 40 Em outras palavras, até 2025 a Chi-
são de 126 países e 29 organizações in- anos a China foi não só capaz de assimilar na pretende reduzir sua dependência de
ternacionais. Ela pretende construir uma as três revoluções industriais comandadas tecnologias estrangeiras e consolidar sua
infraestrutura de alta qualidade, susten- pelos países ocidentais desde o século 19, participação na produção científica e tec-
tável, resistente a riscos, que ajude os di- mas também de assumir a liderança mun- nológica mundial.
versos países participantes a utilizarem dial no processo de desenvolvimento da Nesse sentido, a reação dos Estados
plenamente a riqueza de seus recursos. nova revolução industrial em curso. Unidos ao avanço internacional da Huawei
Ou seja, como afirmou Xi Jinping, que o Além disso, estão certos os analistas não se relaciona somente à concorrência
projeto permita um crescimento de alta que supõem que a China não quer mais mundial de celulares e equipamentos de
qualidade para todos, ecologicamente ser conhecida por seus produtos simples telecomunicações. Tem como núcleo as
sustentável e compartilhado pelo mundo. e baratos e por sua produção em massa, disputas envolvendo a rede móvel 5G, a
É evidente que há restrições ao pro- com base em uma ampla oferta de mão Inteligência Artificial e várias outras tec-
jeto, não só dos Estados Unidos, mas de obra de baixo custo. Com seu plano nologias desenvolvidas pelos centros de
também relacionadas a contradições “Made in China 2025”, ela busca dar pesquisas e pelas empresas chinesas.

Canton Tower, em Guangzhou, moderna cidade chinesa

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 15


INTERNACIONAL

Em vista de tudo isso, alguns co-


mentaristas reconhecem que a hegemo-
nia ocidental, conquistada pelo capitalis-
mo promotor da revolução industrial do
século 19 em diante, está sendo substi-
tuída pela ascensão da China. Nesse pro-
cesso, Brasil, Rússia, Índia e África do
Sul que, com a China, formam o grupo
BRICS, poderiam auferir em melhores
condições a parceria da nova potência
econômica mundial. Isso lhes permitiria
não só um salto técnico na infraestrutu-
ra de transportes e de saneamento, mas
também na meta civilizacional de retirar
da miséria e da pobreza alguns milhões Singapura, Indonésia, Brunei, Vietnã, Com quase 1,4 bilhão
de habitantes, como fez a China ao elevar Mianmar, Laos, Camboja, Papua-Nova
para patamares acima da pobreza quase Guiné e Timor-Leste, a ASEAN e a OCS de habitantes, a China
um bilhão de habitantes, e avançar no estabeleceram uma cooperação para a
desenvolvimento educacional, científico paz, estabilidade, desenvolvimento e sus- é reconhecidamente
e tecnológico. tentabilidade asiática, incluindo os itens um dos países que
É lógico que Rússia, Cazaquistão, de segurança, economia, finanças, turis-
Quirguistão e Tajiquistão, que estão mais mo, cultura e proteção ambiental. mais retirou pessoas
próximos das fronteiras ocidentais da Em vista de tudo isso, não é total-
China e formam, com ela, a Organização mente estranho que os Estados Unidos
da linha de pobreza
de Cooperação de Shanghai (OCS), tendo de Donald Trump e de muitas corpora- nas últimas décadas
por objetivo assegurar segurança militar ções transnacionais não queiram admitir
mútua, talvez tenham melhores condi- que o milagre chinês tenha sido realizado
ções de aproveitar os avanços produtivos, sob a liderança de um Partido Comunis-
científicos, tecnológicos, de infraestrutu- ta, ainda por cima, num sistema econô-
ra e ambientais chineses. mico e social de socialismo de mercado, com
Não por acaso Irã, Afeganistão, Bielo uma democracia de caráter popular. E,
Rússia e Mongólia estão solicitando in- mais ainda, que apesar de todas as me-
gressar na OCS, especialmente tendo em didas protecionistas de Trump, o saldo
conta a efetivação do projeto “Um Cintu- comercial chinês nas relações com os Es-
rão, Uma Rota” e a ampliação dos objeti- tados Unidos tenha ultrapassado os US$
vos de cooperação da OCS, que passaram 400 bilhões em 2018. O importante é que,
a incluir educação, ciência, tecnologia, apesar disso, aprendam com a história e
saúde, proteção ambiental, turismo, mí- não apelem para a guerra nuclear como
dia, esportes, ajuda humanitária e cultura, advogam alguns tresloucados.
ao mesmo tempo em que estendem seus
princípios para incluir governança global e *WLADIMIR POMAR é escritor e
fomentar relações internacionais. filiado ao Partido dos Trabalhadores.
Por outro lado, a OCS se tornou um Autor de “O Enigma Chinês: capitalismo
dos principais parceiros da ASEAN, antes ou socialismo”, que em 1987 acertou
totalmente alinhada aos Estados Unidos. no diagnóstico sobre o que estava
Incluindo Tailândia, Filipinas, Malásia, ocorrendo na China.

16 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

Coreia Popular: Revolução


e socialismo apoiados nas
próprias forças
José Reinaldo de Carvalho*

Por óbvio, a RPDC tem noção do mundo em que está inserida,


da correlação de forças real, e não desconhece que é necessário
envidar todos os esforços pela solução pacífica dos conflitos
internacionais e por uma solução negociada ao problema nuclear

A convite da Associação
Coreana de Cientistas Sociais, uma de-
legação de ativistas pela paz e a solida-
riedade entre os povos e acadêmicos de
Relações Internacionais, agrupados pelo
Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidarie-
dade aos Povos e Lula pela Paz), visitou
de 3 a 17 de julho a República Popular
Democrática da Coreia. 
Éramos 11 brasileiros sequiosos de
conhecer a experiência de construção do
socialismo no enigmático país asiático
e os atuais desdobramentos do conflito
político e militar na Península Coreana,
onde é saliente a questão nuclear.   

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 17


INTERNACIONAL

ma missão de estudos e ami-


zade, em que mantivemos fru-
tíferas conversações com os
dirigentes da Associação, ouvi-
mos palestras, entrevistamos
cientistas sociais e percorremos instala-
ções econômicas, sociais e culturais.
 Nosso propósito foi o de conhecer
algo mais sobre um país bloqueado e que
não raras vezes é vítima da contra-infor-
mação e de campanhas caluniosas or-
questradas pelos meios de comunicação
sintonizados com os círculos imperialis-
tas mundiais. 
Conhecemos um povo altaneiro, di-
rigentes partidários, estatais e de organi-
zações sociais, firmes e convictos, gente
temperada na luta e disposta a novos
combates para construir o socialismo em
meio a incontáveis adversidades. 
 
Um povo culto, generoso,
hospitaleiro, gentil, amistoso, Selos e cartazes
disciplinado e belo  norte-coreanos
  mostram disposição
do país asiático de
Durante a viagem pelo interior do
resistir ao imperialismo
país, de geografia acidentada por mon- estadunidense (com
tanhas escarpadas, fomos deslumbrados o uso da força, se
por uma encantadora paisagem primave- for necessário) e, ao
ril, com verdes campos semeados de mi- mesmo, dialogar com
lho e arroz. o adversário em buca
de uma estabilidade
Duas semanas não são suficientes
pacífica para a região
para conhecer a fundo o “país das ma-
nhãs serenas” - é este o significado do seu
nome próprio derivado do idioma antigo.
depois de ter ficado em ruínas pelos Torre da Ideia Juche, o Arco da Reunifi-
Mas nos deram uma visão panorâmica
bombardeios da aviação norte-americana cação da Pátria, o Palácio Kumsunsan,
de uma nação e um povo empenhados na
durante a Guerra da Coreia. A reconstru- onde se encontram os mausoléus de Kim
defesa de sua soberania e na construção
ção da capital foi um capítulo à parte da Il Sung e Kim Jong Il, o Museu da Re-
de uma vida digna, baseada nos princí-
história do socialismo coreano.   volução, o Museu da Guerra Patriótica, o
pios do socialismo científico. 
Pyongyang é uma cidade moderna, Palácio Cultural e Artístico das Crianças,
Visitar e percorrer a capital Pyon-
com amplas e extensas avenidas, organi- o majestoso Estádio Primeiro de Maio, o
gyang provoca um impacto especial, a
zadas como salas de estar e alamedas de Palácio dos Estudos do Povo, monumen-
sensação de estar em contato com um
um palácio real, com prédios coloridos e tal biblioteca totalmente informatizada,
novo tipo de elevada civilização urba-
ruas alvas de tão limpas.  obras que expressam a peculiar cosmovi-
na.  A metrópole, hoje com cerca de três
Uma cidade embelezada com mag- são coreana - grandiosa, com perspectiva
milhões de habitantes, foi totalmente
níficas obras, como o Arco do Triunfo, o de futuro e desafiadora em face das pró-
reconstruída, com inaudito heroísmo,
monumento ao Partido do Trabalho, a prias dificuldades.  

18 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

Para além da questão nuclear, com as quais os


Estados Unidos ameaçam os povos em nome dos
seus interesses na região asiática, essa potência
imperialista, em parceria com a Coreia do Sul,
realiza sistematicamente exercícios de simulação
de guerra contra a RPDC
construção do socialismo e dos esforços próprio povo, construir a nova socieda-
pela paz, tais como Stálin, Mao Tsetung, de segundo as peculiaridades nacionais,
Fidel Castro, George Domitrov, Enver Ho- cultivando a independência e o impulso
xha, Josip Broz Tito, entre outros.  revolucionário das massas populares. 
 Fundada a república popular, a Co-  Agir ao estilo coreano, esta é também
reia lançou-se à construção do socialismo uma divisa do método de ação do Partido
nas condições especiais de um país asiá- do Trabalho, do governo, das organizações
tico atrasado e desde o início atropelado de massas e da intelectualidade da RPDC.  
pela divisão do país e a agressão estadu-  Nessas circunstâncias, o povo corea-
nidense.  no, sob a direção do Partido do Trabalho,
A grande divisa dos coreanos, a mar- conquistou grandes êxitos na construção
ca distintiva da República popular e so- de uma sociedade socialista. Organizou a
cialista coreana, é a independência das agricultura com base na propriedade co-
massas, a autonomia nacional e o apoio letiva – estatal e cooperativista, nacionali-
nas próprias forças.  zou e estatizou os principais meios de pro-
O líder histórico da RPDC, Kim Il dução, soergueu uma moderna e diversifi-
Sung, formou-se como dirigente comu- cada indústria pesada e ligeira, construiu
nista na escola do marxismo-leninismo um invejável sistema de defesa, incluindo
e desde o início da luta, nos anos 1920, o poderio nuclear, e foi capaz de assegurar
compreendeu a máxima de que a revolu- os direitos sociais fundamentais.  
ção e o socialismo não obedecem a dita- A construção do socialismo na RPDC
Uma República popular e socialista mes externos, mas são obra das massas enfrenta as vicissitudes próprias da época
  populares autócnes. Criou então um pen- atual. Um violento bloqueio econômico
A República Popular Democrática da samento próprio, a Ideia Juche, palavra- e financeiro, que sobreveio após a der-
Coreia (RPDC), fundada em 1945, é resul- -chave do modo de pensar, ser e agir dos rocada do socialismo na URSS e demais
tado de uma guerra de libertação nacional coreanos, que não significa outra coisa países do Leste Europeu, hoje agravado
e uma revolução nacional, democrática, senão independência e autossuficiência. por novas sanções unilaterais dos EUA
antifeudal e popular conduzidas pelos co- A RPDC percorreu um caminho de e do próprio Conselho de Segurança das
munistas sob a liderança de Kim Il Sung, construção do socialismo com as próprias Nações Unidas, criou dificuldades adicio-
que foi uma das figuras mais destacadas forças, nunca fez parte do Comecon, não nais ao desenvolvimento do país.  
do movimento comunista do século 20. O obedeceu a nenhum centro e, muito em- Os anos 1990 foram especialmente
líder coreano fez parte da plêiade de di- bora ajudada pela antiga União Soviética difíceis, um período caracterizado como
rigentes que marcaram a época das lutas e a China Popular, fincou pé na resolução “a marcha árdua”, de escassez inclusive
e triunfos das revoluções populares, da de apoiar-se nas energias criadoras do alimentar. 

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 19


INTERNACIONAL

 
O apelo da paz e a questão nuclear
 
A delegação do Cebrapaz visitou
a histórica localidade de Panmunjong, O soerguimento de
um arsenal nuclear e a
no Paralelo 38, onde foram assinados os
posse de um sistema
acordos de armistício que suspenderam a de mísseis balísticos é
Guerra da Coreia (1950-1953) e  cristali- considerada uma “medida
zaram a divisão do país entre a Coreia do autodefensiva orientada
Norte (República Popular Democrática da a defender a soberania do
Coreia,  RPDC) e a do Sul (República da país e o direito da nação a
sobreviver e proteger a paz
Coreia, ROK). 
da Península Coreana e a
Divisão, aliás, não desejada pelos segurança da região
norte-coreanos, cujo antigo líder Kim Il
Sung, falecido em 1994,   propôs em di-
ferenes ocasiões a reunificação da pátria, de passos concretos, que simbolicamente Os EUA não só não deram um passo
sendo esta ainda hoje uma bandeira de começavam pelo esporte, para a retoma- sequer no sentido de suspender as san-
luta estratégica do povo coreano.    da de um diálogo com a Coreia do Sul há ções e aliviar o bloqueio, como tampouco
Foi em Panmunong que no ano pas- tempos congelado.  atenderam outra  exigência norte-corea-
sado os líderes máximos dos dois países Da iniciativa resultaram as trocas de na:  a suspensão dos exercícios militares
que compartilham o território da Penín- visitas entre Kim Jong Un e Moon Jae In que habitualmente realizam na Penínsu-
sula Coreana - Kim Jong Un (RPDC) e e os três encontros entre o líder da RPDC la Coreana em conjunto com a ROK, que
Moon Jae In (ROK) - cruzaram a fron- e o presidente dos Estados Unidos, Do- a RPDC considera uma ameaça à sua in-
teira e abriram um novo capítulo nas nald Trump.   tegridade territorial e soberania nacional. 
relações intercoreanas, fazendo renascer Das reuniões de cúpula entre a Esta foi a razão pela qual fracassou
as esperanças de finalmente estabelecer RPDC e os EUA, a realizada em Singa- a segunda cúpula entre Kim Jong Un e
a paz na região, pondo fim à guerra ini- pura em 12 de junho de 2018 foi a mais Donald Trump, de fevereiro último em
ciada em 1950 pelo imperialismo estadu- produtiva e carregada de significados. Hanói. O presidente americano deixou
nidense.  Ali firmou-se uma Declaração conjunta claro que o alívio das sanções só viria de-
Foi também em Panmunjong que, que a RPDC reputa como um “documen- pois que a RPDC destruísse seu arsenal
três dias antes da nossa chegada, Donald to histórico” e em relação ao qual sua li- nuclear. Por seu turno, o líder da RPDC
Trump tornou-se o primeiro presidente derança faz reiterados apelos para que conhece o animus dos presidentes esta-
estadunidense a cruzar a fronteira norte- os EUA cumpram a parte que lhes cabe dunidenses para com o seu país. Trump
-coreana, onde foi gentilmente recebido dos compromissos assumidos.  é o 13° com os quais a RPDC tem lidado
pelo sempre sorridente e diplomático Kim A RPDC assumiu responsabilidades desde 1945. O povo coreano e sua lide-
Jong Un, o jovem líder do país socialista.  para solucionar a sempre tensa questão rança conhecem-nos bem. Em agosto de
Assim, quando chegamos a Pyon- nuclear. Não houve, contudo, a contra- 2017, o atual chefe da Casa Branca ame-
gyang as expectativas que pairavam na partida estadunidense quanto à suspen- açou tratá-los com “fogo e fúria”. George
Península Coreana eram de pavimentar o são das sanções com que o imperialismo W. Bush, senhor da guerra no início dos
longo, sinuoso e escarpado caminho para pretende estrangular a economia do país anos 2.000, catalogou a RPDC como inte-
a paz.  e criar um ambiente instável, propício grante do “eixo do mal” e décadas antes,
Contrariamente ao que se difunde a forçar uma mudança de regime. Es- no alvorecer da construção do socialismo,
no Ocidente, a  RPDC aposta no fim do tas sanções configuram um bloqueio de a RPDC passou a figurar oficialmente na
conflito e das tensões. Foi o que moveu grandes proporções, impedindo ao país lista dos possíveis alvos de um ataque nu-
Kim Jong Un a propor na mensagem por o acesso ao comércio internacional e a clear dos EUA. E nunca foi retirada desse
ocasião do Ano Novo em 2018 uma série meios financeiros.  índex.  

20 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

Este foi um dos temas que centrali- Os EUA ainda não deram plenas garantias
zaram os nossos debates com os cientistas
sociais, quadros partidários e de organiza- ao governo da RPDC de que renunciarão aos
ções sociais com os quais tivemos a opor-
tunidade de conversar durante os 15 dias
seus planos de bombardear o país
da nossa viagem pelo território da RPDC. 
Explicaram-nos com toda a clareza Os Estados Unidos ainda não deram anômala situação de guerra, desde a assi-
e sem rodeios que a Coreia Popular tem plenas garantias ao governo da RPDC de natura do armistício em 1953.  
razões defensivas e dissuasivas que justifi- que renunciarão aos seus planos de bom-  Há, assim, perguntas a fazer à diplo-
cam o seu programa nuclear: “Ante a ame- bardear o país com armas nucleares.   macia estadunidense, sul-coreana e das
aça nuclear estadunidense, nosso arsenal Os especialistas com os quais a nos- potências ocidentais, ou mesmo à ONU:
nuclear constitui um freio à intenção de sa delegação se avistou afirmaram que “é por que os Estados Unidos e a Coreia do
Washington de varrer a República Popular necessário estabelecer um acordo de paz Sul até agora não aceitaram firmar um
Democrática da Coreia”.  entre a República Popular Democrática da pacto de paz com a RPDC?! Até quando o
As agência noticiosas noticiosas oci- Coreia e os Estados Unidos”, acreditando cenário político e militar na Península Co-
dentais reagem com estardalhaço ante as que isto “resolverá o conflito da Penínsu- reana será percebido no mundo com um
provas nucleares e de mísseis balísticos da la Coreana”. Recordam que “a RPDC já olhar unilateral?  Por que não são levadas
RPDC, mas nada dizem da corrida arma- propôs a concertação desse acordo, a fim em consideração as razões de defesa na-
mentista tecnológica que os EUA preten- de promover a paz, a estabilidade, aliviar cional que a RPDC invoca? São temas ge-
dem impor ao mundo, um de cujos exem- tensões e eliminar preocupações sobre a opolíticos que requerem não apenas abor-
plares mais notórios é o artefato B61-12 segurança regional e mundial”. dagem acadêmica mas respostas práticas,
com o qual renova as bombas atômicas Por óbvio, o país não renunciará sem porquanto se referem também à paz mun-
instaladas na Europa e em bases militares garantias plenas à sua política de defesa dial e à segurança internacional. 
na Ásia.  nacional. O soerguimento de um arsenal Essas respostas tampouco podem
É necessário um estudo à parte para nuclear e a posse de um sistema de mís- ser unilaterais e se revestir da forma de
verificar a quantidade e capacidade dos seis balísticos é considerada uma “medi- sanções. A tentativa de estrangular uma
armamentos nucleares em território sul- da autodefensiva orientada a defender a economia nacional como via para reverter
-coreano, assunto sobre o qual há no Oci- soberania do país e o direito da nação a regimes políticos é também uma forma de
dente desinformação e tergiversação.   sobreviver e proteger a paz da Península agressão e apresenta ao agredido o desa-
Para além da questão nuclear com as Coreana e a segurança da região”. fio de se defender com os meios que julgar
quais os Estados Unidos ameaçam os po- Na mensagem por ocasião do Ano adequados.
vos em nome dos seus interesses na região Novo em 2016, Kim Jong Un pondera- Os Estados Unidos, que deram início
asiática, essa potência imperialista realiza va que os Estados Unidos deverão acos- à escalada militarista e lideram a aplica-
sistematicamente exercícios de simulação tumar-se à posição da RPDC como país ção de sanções, assumiram formalmente
de guerra contra a RPDC. Em parceria com possuidor de armas nucleares, dotado de em Singapura o compromisso de dar um
a Coreia do Sul, o exército e a marinha de plenas capacidades de represália a ataques passo atrás na execução dos seus planos
guerra dos EUA realizam as manobras mi- nucleares e a quaisquer outras ações que agressivos. Mas até agora, as promessas
litares denominadas Freedom Bolt, Team violem a integridade territorial e a sobera- de Trump ficaram no papel. 
Spirit, Key Resolve, Foal Eagle e Ulji Fre- nia nacional do país.   É interessante observar que a  De-
edom Guardian. Agregue-se a isso que os Ao longo destes três anos, a RPDC claração de Singapura de 12 de junho de
Estados Unidos mantêm um contingente tem reiterado a vigência das propostas 2018, um documento diplomático bilate-
de 20 mil homens na Coreia do Sul.  para a cessação das manobras militares ralmente bem urdido, é ainda hoje, mes-
Nesse quadro, a pergunta que não conjuntas EUA-Coreia do Sul, oferecendo mo depois do fracasso da cúpula seguinte,
quer calar é se os EUA irão suspender tais como contrapartida a suspensão dos tes- de fevereiro de 2019 em Hanói, considera-
ensaios guerreiros e desativar seu disposi- tes nucleares. Igualmente, a RPDC insiste do pela RPDC como um documento his-
tivo nuclear na Ásia.  em assinar um acordo de paz, pondo fim à tórico. No entanto, já não se veem men-

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 21


INTERNACIONAL

ções a ele nas posições do Departamento do povo, razão pela qual a RPDC neces- da segurança alimentar: “É necessário
de Estado nem nas considerações de es- sita mais do que nunca de uma situação resolver o mais rápido possível o proble-
pecialistas em geopolítica e relações inter- estável e de um ambiente pacífico”. ma dos alimentos e dos artigos de consu-
nacionais nas academias e nos meios de O documento representou uma mo, de grande importância para melho-
comunicação.   viagem política, um realinhamento da rar a vida da população”, diz Kim Jong
As razões invocadas pela República orientação norte-coreana: primazia ao Un. E detalha: “No setor da agricultura é
Popular Democrática da Coreia ligam- desenvolvimento econômico.    necessário prestar especial atenção ao as-
-se ao princípio da autodefesa, direito de Foi esse o debate central em que en- seguramento de sementes, água e terras
toda nação soberana, como pressuposto contramos o país imerso durante os 15 cultiváveis, introduzir métodos de cultivo
para construir um país forte, alcançar a dias da visita. Um debate de dimensões científicos, elevar o grau de mecanização
reunificação da pátria e soerguer uma or- estratégicas, de caráter político e ideo- do trabalho agrícola e atingir as metas es-
dem econômica e social consoante a von- lógico sobre a etapa atual da construção tabelecidas para a produção  de grãos”. 
tade de seu povo e suas peculiaridades socialista.   A RPDC deseja auferir os benefícios
nacionais.   A discussão tem por referência o da revolução tecnológica e científica em
Por óbvio, a RPDC tem noção do discurso pronunciado por Kim Jong Un curso no mundo. “Devemos modernizar
mundo em que está inserida, da correla- na primeira sessão da 14ª legislatura da a informatizar ativamente a economia
ção de forças real, e não desconhece que é Assembleia Popular Suprema, em 12 de nacional para convertê-la com seguran-
necessário envidar todos os esforços pela abril deste ano.  ça na economia do conhecimento”. “É
solução pacífica dos conflitos internacio- “A tarefa principal que se apresenta preciso elaborar estratégias e metas para
nais e por uma solução negociada ao pro- ante nossa República na etapa atual da o desenvolvimento das indústrias mais
blema nuclear na Península Coreana. construção da potência socialista é con- avançadas como a mecânica, a eletrôni-
  solidar o fundamento material do socia- ca, a informática, a de nanotecnologia e
 Tudo pelo desenvolvimento lismo, concentrando todas as forças do bioengenharia”. (...) Em todos os setores
econômico país na edificação econômica” - esta é a construir fábricas e modelos que inte-
  diretriz fundamental do governo.   grem as ciências, a técnica e a produção
Durante a visita, constatamos que, Sem abrir mão dos conceitos desen- e tenham um alto nível de automatiza-
sem abrir mão da defesa nacional, a Re- volvidos anteriormente sobre a defesa ção, inteligência e capacidade de produzir
pública Popular Democrática da Coreia nacional, a ênfase atual é a construção sem a intervenção humana, com a fina-
hoje concentra todas as suas energias na de uma “economia independente e pode- lidade de elevar o nível da economia em
construção de sua força econômica, cons- rosa”. A palavra de ordem é enfrentar e seu conjunto ao dos países avançados”. 
ciente de que a exacerbação de crises di- invalidar as sanções econômicas e finan- Para isso a estratégia da Coreia Po-
pomáticas, militares ou mesmo a nuclear ceiras.  pular é desenvolver a economia local e
na Península não é favorável a esse ob- Começa assim uma grande batalha  ativar as relações econômicas com o ex-
jetivo.  para adequar a construção da economia terior. 
A rigor, analisados friamente os fa- socialista às condições do país, moderni- Consciente de que “os talentos, as ci-
tos, a Coreia Popular não tem qualquer zá-la, informatizá-la e introduzir nela as ências e a tecnologia constituem a princi-
interesse de provocar quem quer que seja. últimas conquistas científicas da huma- pal força motriz para o desenvolvimento
Os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do nidade.  da economia independente”, o governo da
Sul, esses sim, deveriam desanuviar seu  Nesta etapa, torna-se imprescindí- RPDC lançou a palavra de ordem de “in-
comportamento, prisioneiro de uma psi- vel o abastecimento de energia, combus- telectualização de todo o povo”, o que im-
cose de guerra e de posições preconcebi- tíveis e matérias primas, e reativar a in- plica um conjunto de medidas para elevar
das sobre a RPDC.  dústria metalúrgica e química. o nível educacional. Hoje a Coreia Popular
Na mensagem de Ano Novo de 2016, No quadro do bloqueio e das tenati- assegura educação pública e gatuita a toda
Kim Jong Un explicitou que a tarefa prio- vas do imperialismo de estrangular a eco- a população em todos os graus. E tornou
ritária do país passava a ser “o desenvol- nomia do país e as condições de vida do obrigatório o ensino desde a escola primá-
vimento econômico e a melhoria da vida povo, entra na ordem do dia a prioridade ria até o pré-universitário. 

22 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

Consciente de que “os talentos, as ciências


e a tecnologia constituem a principal
força motriz para o desenvolvimento
da economia independente”, o governo
da RPDC lançou a palavra de ordem de
“intelectualização de todo o povo”, o que
implica um conjunto de medidas para
elevar o nível educacional
 Atualização da política externa em todo o mundo deveriam dedicar mais contribui com seu exemplo de firmeza
  atenção ao estudo da diplomacia norte- e altaneria, com os própros esforços das
Como já tinha feito nas mensagens -coreana, isentando-se de qualquer pre- nações que lutam para preservar sua in-
de ano novo de 2016 e 2018, também no conceito. dependência e defendem sinceramente a
pronunciamento perante a Assembleia  “A cúpula RPDC-EUA - diz Kim paz mundial. 
Popular Suprema, em 12 de abril último, Jong Un -, a primeira em toda a história Kim Jong Un sintetiza a política ex-
Kim Jong Un dedicou a máxima atenção realizada em Singapura em junho do ano terna do seu país: “O governo da RPDC
à política externa.  passado, atraindo a atenção do mundo, consolidará e desenvolverá os laços de
 Reafirmou a “luta histórica” da foi um evento transcendental que deu amizade e cooperação cmo todo sos paí-
RPDC pela reunificação do país, por ele a esperança de uma paz duradoura na ses do mundo que respeitam a soberania
considerada como “anseio supremo da Península Coreana. Por sua parte, a De- de nosso país e o tratam amistosamente e
nação”. E valorizou as demarches diplo- claração Conjunta RPDC-EUA de 12 de avançará passo a passo com todas as for-
máticas dos últimos anos: “As três cúpu- junho, que anunciou ante o mundo que ças amantes da paz no mundo para esta-
las históricas Norte-Sul do ano passado os dois inimigos de séculos escreveriam belecer um duradouro e sólido sistema de
e as declarações nelas aprovadas propi- uma história de novas relações, recebeu paz na Península Coreana”.  
ciaram mudanças transcendentais nas o total apoio e aprovação da comunidade                 *
relações intercoreanas”. (...) “Toda a internacional amante da paz”.  Como assinalamos, o centro da
nação deseja com veemência que se im-  A RPDC está imbuída do sentimen- orientação atual é o desenvolvimento
plementem cabalmente a Declaração de to de que deu os primeiros passos. Tomou econômico e o enfrentamento das difi-
Panmunjong e a Declaração Conjunta de importantes iniciativas no sentido da culdades impostas pelas sanções interna-
Pyongyang de setembro (2018), docu- distensão, como a interrupção dos testes cionais.  
mentos de relevância histórica, de modo nucleares e de lançamento de mísseis ba- A Coreia Popular não quer o isola-
que continue reinando a atmosfera de lísticos intercontinentais. São passos que mento, mas não abre mão de sua inde-
paz na Península Coreana e as relações levam à criação de um ambiente de con- pendência. Com ou sem sanções, dizem
Norte-Sul continuem melhorando”. fiança que pode pavimentar o caminho os norte-coreanos, valerá sempre a con-
O pronunciamento dedica amplo para a paz.  signa: apoiar-se nas próprias forças. 
espaço às relações com os Estados Uni- Mas é óbvio que a RPDC não pode
dos. São palavras que deveriam ser seria- - nem deve - renunciar aos seus propósi- *JOSÉ REINALDO DE CARVALHO
mente tomadas em consideração pelas tos de independência e segurança, nem é jornalista, editor da Página da
chancelarias mundiais, principamente se deixar chantagear pelo mecanismo das Resistência [www.resistencia.cc], diretor
das grandes potências e pelo Conselho de sanções, como parece ser o jogo político e do Cebrapaz e membro da direção
Segurança das Nações Unidas. Também diplomático de Trump. Para além de ser nacional do Partido Comunista do Brasil
as forças progressistas e amantes da paz um ato de soberania, é uma atitude que (PCdoB)

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 23


INTERNACIONAL

10 claves para entender el


MÉXICO de López Obrador
Katu Arkonada*
“Si hay que optar
A un año del triunfo del pueblo, de una entre la ley y la
insurrección popular con votos en las urnas justicia, no lo
como la que ocurrió el 1 de julio de 2018, y 7 piensen mucho,
meses de gobierno, quizás la frase que mejor decidan en favor

A
de la justicia”.
sintetiza el gobierno de Andrés Manuel
López Obrador (Amlo) es con la que Andrés Manuel López
inicia este análisis. Obrador, conferencia
mañanera del 17 de abril.

un año del triunfo del


pueblo, de una insurrección popular con
votos1 en las urnas como la que ocurrió el
1 de julio de 2018, y 7 meses de gobierno,
quizás la frase que mejor sintetiza el go-
bierno de Andrés Manuel López Obrador
(Amlo) es con la que inicia este análisis.
Un Presidente, movido por un profundo
anhelo de justicia social, que se encuentra
con que el desmontaje del modelo neolibe-
ral es mucho más que desterrar la corrup-
ción, estructural, en el gobierno federal, e
implica, para poder construir algo nuevo,
desmontar el viejo Estado neoliberal y co-
lonial, Estado que tiene unos cimientos
muy sólidos.
Pero si algo está haciendo López Obra-
dor es justo eso, reconstruir la nación. La
corrupción no es más que una metáfora
(significante vacío dirían algunos) para
nombrar el modelo neoliberal que sembró
México de pobreza, desigualdad, y violencia.

24 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

PODER EJECUTIVO
Estos 12 o 7 meses podemos sin- crecimiento negativo del -5%) pues-
tetizarlos en 10 claves, que permiten to como meta. El crecimiento basado
entender un México en proceso de en el aumento de la demanda interna Oficina de la Presidencia
de la República
transformación, aunque no sea tan en el corto plazo mientras se va (re)
Gobernación
profunda, ni tan rápida, como dese- industrializando el país en el medio-
aríamos. -largo plazo es una fórmula que ya ha Relaciones Exteiores
funcionado en otros procesos progre- Hacienda y
1.Es la economía sistas del continente, y aunque la de- Crédito Público

recha, económica, política, y mediáti- Defensa Nacional


Siempre es la economía. Garan- ca, se asuste, es Keynes, y no Marx, el Agricultura, Ganaderia,
Desarrollo Rural, Pesca y
tizar las condiciones de vida materia- modelo a seguir. Alimentación
les de la población debe ser el prin- Comunicaciones y
Transportes
cipal objetivo de cualquier proceso 2.Austeridad
de transformación. Subir el salario Economía

mínimo un 16’2% en su primer mes La apuesta económica viene Educacion Pública


de gobierno es sólo la forma. El fondo precedida de una decisión férrea de
es la redistribución, mismo que sea austeridad republicana. De dar ejem- Salud

parcial, de la riqueza, vía bonos uni- plo con tu propia praxis, aunque eso
Marina
versales. tenga como eje rector una decisión
Sobre la subida del salario mí- inamovible, y errónea, en opinión de Trabajo y Previdencia
Social
nimo2, es necesario subrayar que la muchos, de no endeudamiento públi- Desarrollo Agrario,
capacidad adquisitiva del pueblo me- co. Además, en la cuarta transforma- Terriotorial y Urbano

xicano ha ido descendiendo. Mien- ción no existe el refrán de más vale Medio Ambiente y
Recursos Naturales
tras que en diciembre de 2006 eran prevenir que curar. Primero se detec-
Procuradoria General
suficientes 134 horas de trabajo de ta la enfermedad/error, y después de de la República

salario mínimo para adquirir la ca- cura/corrige si es necesario. Energia


nasta básica (alrededor de 54 pesos
Desarrollo Social
por hora), en 2019 son necesarias 193 La austeridad de López Obra-
horas laborales a pesar del aumento dor no es la austeridad neoliberal Turismo
del salario mínimo de 88 a 102 pesos de recortes en salud o educación. Al
diarios. contrario, es una apuesta férrea por Función Pública

Si los programas sociales logran redistribución4 en la orientación del Tribunales Agrários


llegar de manera rápida a millones de gasto. No gastar más para hacer en-
Consejeria Jurídica del
personas, como se ha propuesto Amlo, gordar un Estado inflado por la cor- Ejecutivo Federal
junto con la reforma laboral progresi- rupción estructural, pero redistribuir Consejo Nacional de
Ciencia Y Tecnologia
va que incrementa los derechos de la el presupuesto existente. En el presu-
Comission Reguladora
clase trabajadora, México puede rein- puesto para 2019, el aumento a la Se- de Energia

corporarse a la senda del crecimiento y cretaría de Trabajo y Previsión Social Comission Nacional de
Hidrocarburros
terminar el sexenio con el 4% de incre- es de 972% y el aumento en el presu-
mento del PIB3 (el PIB de México es puesto de la Secretaría de Energía (la Entidades no
Sectorizadas
1’15 billones de dólares, siendo la 15ª otra gran apuesta de López Obrador,
Cultura
economía mundial y durante los últi- la industrialización del país a partir
mos años ha crecido a una media de de la recuperación de la petrolera es-
2% desde la crisis de 2009 que tuvo un tatal Pemex) es del 1002%.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 25


INTERNACIONAL

nistía para los campesinos cultivadores


y colocar sobre la mesa debates sobre la
legalización de la marihuana o incluso la
amapola (lo que implicaría la guerra con
las mafias farmacéuticas legales), son un
primer paso. En algún momento se tie-
ne que dar una negociación, implícita o
explícita, con los grupos a los que se les
entregó la soberanía territorial en una
buena parte del país.

5.Guardia Nacional

Y en la recuperación de la soberanía
Caso Ayotzinapa: protesta por la desaparición de 43 estudiantes normalistas territorial va a jugar un rol determinante
la Guardia Nacional. Ante una policías
3.Lucha contra la pobreza y violencia Que el primer decreto locales o estatales que en muchos casos
están coludidas con las mafias territoria-
A pesar de la tentación de dividirlo firmado por Amlo, el les, una nueva fuerza de seguridad que,
en dos, no podemos separar estos con- desde un enfoque de Derechos Humanos,
ceptos. El modelo neoliberal en México
3 de diciembre, fuese restablezca la soberanía y la seguridad en
sólo pudo ser implementado mediante la para crear la comisión amplías partes del territorio nacional, es
doctrina del shock, mediante la violencia fundamental. Probablemente en cómo se
más salvaje que ha dejado México sem- especial por el caso despliegue y actúe la Guardia Nacional se
brado de fosas comunes. Y los restos que Ayotzinapa5, van más van a jugar una parte del éxito, o no, del
hay en ellas son siempre de pobres de piel gobierno de López Obrador al finalizar el
morena. Los programas sociales no solo allá de lo simbólico sexenio. En cualquier caso, la Guardia
deben permitir respirar a las mayorías Nacional debe servir para hacer cumplir
sociales ahogadas por el neoliberalismo, 4.Economía criminal la ley y nunca para reprimir la protes-
sino deberían servir, en el medio-largo ta social o a las personas migrantes que
plazo, para reducir la implicación de las Pero, además, la doctrina del shock atraviesan México. Está demás subrayar
clases populares en esquemas de violen- es parte de un tablero de juego mucho que ningún ser humano es ilegal. Ilegales
cia promovidos por el narco y otros gru- más amplio, donde la economía crimi- son las mafias que transportan y ejercen
pos criminales. Algunas decisiones de nal, que es mucho más que el narco, ha trata de migrantes.
gobierno, como que el primer decreto fir- jugado un rol determinante. La frase de
mado por Amlo, el 3 de diciembre, fuese Carlos Fazio “No existe la guerra a las 6.Trump
para crear la comisión especial por el caso drogas sino la administración de los ne-
Ayotzinapa5, van más allá de lo simbóli- gocios de la economía criminal” sintetiza El debate sobre la Guardia Nacional
co. La designación de Omar Gómez Trejo6 muy bien un negocio que además de, o se ha intensificado a raíz de la decisión
como titular de la Unidad Especial de In- quizás deberíamos decir gracias a, dejar de enviarla a sentar presencia estatal, y
vestigación y Litigación para el caso Ayot- un saldo de 250.000 muertos y 40.000 por tanto soberanía, en la porosa frontera
zinapa, ratifican que el esclarecimiento personas desaparecidas, supone ya más sur, como parte de la negociación con el
de la desaparición de los 43 normalistas del 10% del PIB mexicano. Y aunque la caprichoso inquilino de la Casa Blanca.
de Ayotzinapa, hecho del que se cumplen economía criminal sea más que el narco, Negociación a la que se entró pudiendo
5 años este 26 de septiembre, es una po- el cómo se va a enfrentar el problema del perder poco, o perder mucho, y se consi-
lítica de Estado. narco es clave en esta ecuación. La am- guió ganar tiempo. Sabemos que, de aquí

26 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

en contra de cualquier injerencia en asun-


tos internos venezolanos y considerando
inapropiada cualquier vía que no dé prio-
ridad al diálogo.
Un mes después, el 6 de febrero, los
gobiernos de México y Uruguay presenta-
ban el Mecanismo de Montevideo9, sobre
la base de los principios de no intervenci-
ón, la igualdad jurídica de los Estados, la
solución pacífica de controversias, el res-
peto a los derechos humanos, y la autode-
terminación de los pueblos.
El encuentro Progresivamente10 cele-
brado en julio en México, y con el nuevo
Gobernador de Puebla (Miguel Barbosa,
La porosa frontera sur es parte de la negociación con el caprichoso inquilino de la Casa Blanca
candidato de Morena) como anfitrión,
donde participaron líderes progresistas
a noviembre 2020, fecha de la elección 7.Política Internacional como el candidato presidencial del Frente
presidencial en Estados Unidos, México Amplio Daniel Martínez, el chileno Mar-
va a ser sometido a los vaivenes, y proba- A pesar de haber repetido mil veces co Enríquez Ominami, o el ex candidato
blemente también chantajes político-e- que la mejor política exterior es una buena presidencial brasileño Fernando Haddad,
lectorales del vecino del norte. En algún política interior, el rol jugado por México indica que México, más allá incluso de las
momento (habrá que elegir bien ese mo- en la crisis de Venezuela, por acción (pre- políticas gubernamentales, va a ser una
mento) habrá que confrontar y no ceder. sentando el Mecanismo de Montevideo) u referencia en la nueva oleada de izquierda
Según el Canciller mexicano7, los omisión (deslegitimando con su ausencia y nacional-popular continental.
aranceles del 5% hubiesen supuesto la en el Grupo de Lima), hace que la política
pérdida de 1.2 millones de empleos y una internacional deba ser considerado entre 8.2021
caída del PIB de 1.12 puntos. las principales claves para analizar el go-
No se puede hacer nada en el ám- bierno de Amlo. Todo el accionar de la política mexi-
bito del nuevo TLCAN-TMEC, ni tampo- Es necesario recordar que a la prime- cana ya mira de reojo a 2021, cuando se
co se puede hacer mucho en la cuestión ra reunión del Grupo de Lima tras la toma celebran elecciones de medio término y se
migrante (la reciente tragedia de Óscar de posesión de López Obrador, celebrada renuevan por completo los 500 escaños de
y Valeria, migrantes salvadoreños aho- el 4 de enero de 2019, y en la que partici- la Cámara de Diputados. La decisión de
gados por su ansía de ingresar a EEUU, paba vía teleconferencia el ex Director de Amlo de ir a una revocatoria de mandato,
a pesar de estar esperando la petición de la CIA y actual Secretario de Estado Mike aun si no puede ser el mismo día de la elec-
asilo en territorio mexicano y con visa Pompeo, México envío al Subsecretario ción, servirá para politizar y convertir todo
humanitaria otorgada por el gobierno de para América Latina y el Caribe, Maximi- 2021 en un año electoral. Mientras que el
Amlo, es la más cruel constatación de lo liano Reyes, que se limitó a leer una carta8 PES, con quien conformó alianza electoral
difícil que es proponer alternativas via- donde el nuevo gobierno manifestaba su en 2018, ya está amortizado, Morena tie-
bles para encarar la cuestión migratoria compromiso para “continuar promovien- ne el reto de formar nuevos cuadros tanto
en territorio mexicano). Aunque si bien do la cooperación internacional, el respeto para la gestión pública como para un parti-
el tráfico de droga y personas van en di- a la autodeterminación de los pueblos, la do vaciado en el gobierno federal, y el otro
rección sur-norte, el tráfico de armas y el solución pacífica de controversias y el res- aliado, el Partido del Trabajo, tiene la tarea
lavado de dinero lo hacen en dirección peto, protección y promoción de los dere- de convertirse en la izquierda del centro-i-
contraria, y permite explorar posibilida- chos humanos, tanto en Venezuela como zquierda, renovando su imagen y discurso
des para presionar a EEUU. en el resto del mundo” manifestando estar para seducir a los nuevos electorados.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 27


INTERNACIONAL

9.Polarización se ha dado, piedra angular del proceso de Amlo, Chavez, Lula


transformación. No hay nada más polí-
La dicotomía chairo-fifí sirve para tico que la gente no conformándose con Estas 10 claves despliegan una car-
poner en el espejo los privilegios de los votar y dejar en manos de los políticos los tografía del mapa político y social de la
que han disfrutado hasta el momento las próximos 3 o 6 años. No hay nada más cuarta transformación. De toda su poten-
élites políticas, económicas y mediáticas bonito que la gente opinando sobre en cia, pero también de algunos flancos dé-
mexicanas, y una minoría privilegiada qué se gasta, o se debería gastar, el go- biles a los que es necesario poner atenci-
en un país del G20, pero lleno de pobre- bierno el presupuesto. No hay nada más ón, y quizás reforzar el debate y la comu-
za y, sobre todo, desigualdad. Polarizar es político que un Presidente respondiendo nicación en torno a ellos, para contrarres-
la forma de gobernar de Amlo, no cono- a los periodistas cada mañana sobre su tar la ofensiva de la lumpen-comentocra-
ce otra, y no hay otra más efectiva. Y le accionar gubernamental. cia. El relato de la cuarta transformación
funciona. Si no, no se explica por qué su está construyéndose en tiempo real, por
aprobación se sitúa alrededor del 70%, 10.Conflictos sociales y ambientales lo que es más fácil que se vean las cos-
muy por encima del 53% que le votó el 1 turas comunicativas del proyecto. Hay
de julio de 2018. Las consultas, a pesar de Para no pecar de autocomplacien- grandes avances de estos meses que no se
sus deficiencias, son otra forma de am- te, este análisis quiere cerrar con una de han comunicado bien, tanto en el ámbito
pliar y ensanchar la democracia, más allá las principales debilidades de la cuarta gubernamental, como legislativo, donde
de los márgenes de la democracia liberal. transformación, herencia de los gobier- la mayoría del cambio en San Lázaro y el
Y también funciona, por eso Texcoco es nos neoliberales: los numerosos conflic- Senado ha logrado convertir en delitos
un cadáver político, un monumento para tos sociales y ambientales que atraviesan graves la corrupción, el robo de combus-
recordarnos que a quienes ahora se opo- el territorio mexicano. Por ello es nece- tible, el fraude electoral, el feminicidio y
nen a Santa Lucía nunca les importa la sario que todo lo que tiene que ver con la desaparición forzada.
corrupción ni la destrucción ambiental los grandes megaproyectos estrella del Amlo no es Chávez, como la derecha
que iba ser la obra faraónica de las cons- gobierno Amlo, desde la refinería de Dos insistió durante años. Si acaso se parece
tructoras priistas. Más allá de lo obvio Bocas al Tren Maya, pasando, sobre todo, al primer Lula, que sin tocar en exceso los
anteriormente reseñado, si algo hay que por el corredor transísmico, se hagan res- intereses de las élites, transformó Brasil
destacar de estos 12 meses transcurridos petando las leyes y los convenios ambien- sacando de la pobreza a 40 millones de
desde la victoria del 1 de julio de 2018, tales, así como en consulta libre, previa e personas. Pero también ha prometido
y especialmente desde el 1 de diciembre, informada de los pueblos indígenas que que en la segunda mitad del sexenio se
es la politización del debate público que habitan esos territorios. harán las reformas constituciones es-
tructurales para ampliar derechos y ga-
rantizar la justicia social. ¿Es una utopía
pensar en una reforma fiscal progresiva
para que paguen más impuestos quienes
más ganan y de esa manera profundizar
la cuarta transformación, reduciendo la
pobreza y la desigualdad?

*KATU ARKONADA nasceu no


Pais Basco, porém de nacionalidade
boliviana. Trabalhou no governo Evo
Morales. Reside atualmente na Cidade
do México. Faz parte da secretaria
executiva da Rede de Intelectuais em
Defesa da Humanidade.
El 43.6% de la población de México vive en la pobreza

28 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


INTERNACIONAL

“Não mentir, não


roubar, não trair” é um
axioma inspirado nos
três princípios morais
tomados da cultura
aymara - “Ama Sua, Ama
Llulla, Ama Quella”, que
textualmente significam
“não sejas ladrão, não
sejas mentiroso, não
sejas preguiçoso”. Ao
acrescentar “não trair”,
Obrador se compromete
visceralmente com os
povos originários

NOTAS 4 https://politica.expansion.mx/mexico/2018/12/15/energia-
y-trabajo-las-grandes-ganadoras-en-el-presupuesto-2019
1 El 1 de julio de 2018 la candidatura de López Obrador
(apoyada por Morena, Partido del Trabajo y Partido Encuentro 5 El 26 de septiembre de 2014 en Ayotzinapa, Guerrero, 43
Social, tuvo 30 113 483 votos), frente a los 12 610 120 obteni- estudiantes normalistas fueron secuestrados, desaparecidos, y
dos por Ricardo Anaya (candidato del PAN, PRD y Movimiento
es posible que, quemados sus cadáveres, en un hecho donde
Ciudadano) y los 9 289 853 obtenidos por José Antonio Meade
(candidato del PRI, Partido Verde y Alianza Social). al parecer estuvieron involucradas policías locales, grupos
narco-paramilitares, y quizás el ejército. El sucedo todavía no
En términos históricos, los más de 30 millones de votos ha sido esclarecido. Se calcula que desde 2006 que comenzó
a Amlo son la mayor votación alcanzada nunca por un la “Guerra contra el narcotráfico” con el gobierno de Felipe
candidato a Presidente en la historia electoral de México. Calderón, son alrededor de 250.000 personas asesinadas y
En 1988 el candidato de la izquierda Cuauhtémoc Cárdenas 50.000 personas desaparecidas.
obtenía 5 929 585 votos, en 2006 López Obrador sacaba
14 756 350 votos (frente a los 15 000 284 que obtenía Felipe 6 Gómez Trejo ha colaborado en diversas funciones en
Calderón) y en 2012 Amlo obtuvo 15 848 827 votos. instancias como la Comisión Interamericana de Derechos
López Obrador ganó la elección de 2018 como candidato Humanos y en las oficinas de México, Honduras y
de la coalición Juntos Haremos Historia, conformada Guatemala del Alto Comisionado de las Naciones Unidas
por Morena (Movimiento de Regeneración Nacional, el para los Derechos Humanos https://www.jornada.com.mx/
partido-movimiento que impulsó tras su salida del PRD, ultimas/2019/06/27/omar-gomez-trejo-fiscal-especial-para-
y constituido legalmente en 2014), el Partido del Trabajo ayotzinapa-4330.html
(PT, partido de extracción maoísta y con una clara vocación
latinoamericanista) que ha acompañado a Amlo en todas sus 7 https://www.youtube.com/watch?v=ZBHf5xfZfCc
elecciones presidenciales en 2006, 2012 y 2018 (además de la
elección a Jefe de Gobierno en 2000), y el Partido Encuentro
Social (PES, de origen evangélico, y que ayudó a Amlo a 8 Discurso del subsecretario para América Latina y el Caribe,
centrar su imagen y discurso en campaña y fortalecer el voto Maximiliano Reyes, en la Reunión Ministerial del Grupo
en algunas zonas del norte del país donde Morena no tenía de Lima https://www.gob.mx/sre/prensa/discurso-del-
presencia sólida, pero que no tiene ninguna incidencia en subsecretario-para-america-latina-y-el-caribe-maximiliano-
el gabinete, ni en la política nacional actual, pues perdió el reyes-en-la-reunion-ministerial-del-grupo-de-lima
registro electoral al no alcanzar el 3% de los votos en todo
el país). 9 https://regeneracion.mx/para-venezuela-mecanismo-de-
montevideo/
2 Sobre la canasta básica en México http://elinpc.com.mx/
canasta-basica-mexicana/ 10 Inaugurará Barbosa “Progresivamente” foro internacional en
Puebla https://www.elsoldepuebla.com.mx/local/inaugurara-
3 https://www.inegi.org.mx/temas/pib/ barbosa-progresivamente-foro-internacional-en-puebla-marco-
enriquez-ominami-alberto-fernandez-3894237.html

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 29


BRASIL

OS INTELECTUAIS NA HISTÓRIA:
por uma perspectiva materialista
da função do conhecimento
Maria Caramez Carlotto*

“[...] eu nunca fui membro da comunidade acadêmica, não pertenço


a essa profissão. Eu sou apenas um escritor e um escritor não fica
publicando trabalhos acadêmicos em revistas científicas, ele publica
livros e artigos na imprensa em geral. Isso é assim com todos os
escritores do mundo. [...] É claro que depois da Segunda Guerra
Mundial, houve uma tendência geral da universidade usurpar e
açambarcar toda a atividade intelectual e isso é reconhecido como um
desastre. E esse fenômeno se aprofundou tanto, que uma professora

F
universitária não imagina que exista vida intelectual fora
do círculo profissional e burocrático dela. É algo de uma
ignorância extraordinária”.

oi com as palavras acima, em um constitui um profundo equívoco da aca- Indo um pouco além, meu ponto era
vídeo gravado para o YouTube desde os demia brasileira: apegar-se a uma defi- que o erro dos intelectuais acadêmicos
Estados Unidos, que Olavo de Carvalho nição excessivamente autocentrada de reside no fato de que eles naturalizam
se negou participar de um debate com a “intelectual”, que classifica tudo o que as condições histórico-sociais de organi-
professora Débora Diniz sobre a questão não corresponde à sua condição profis- zação da atividade intelectual sob o capi-
do aborto. Dias antes, Diniz havia publi- sional, à visão e aos seus critérios como talismo e o Estado modernos. Em certa
cado um texto1 desafiando o guru de Bol- “anti-intelectualismo”. Meu argumento medida, trata-se de uma visão ideológica
sonaro para um debate. Reivindicando-se central era que, para além do deboche e sobre a atividade intelectual: assumindo
uma “intelectual acadêmica”, a professo- do espanto, os intelectuais formados na uma perspectiva idealista, consideram-se
ra alegava pouco saber sobre Carvalho, academia deveriam perceber, nessas vo- como “um grupo autônomo e indepen-
já que não encontrara nada sobre ele no zes que rechaçam, perfis específicos de dente” por causa das características in-
Currículo Lattes, nem em plataformas de intelectuais, portadores da pretensão de trínsecas à condição intelectual, incluin-
artigos científicos. impor critérios novos de avaliação e orga- do, nelas, os valores e normas partilhados
Em um texto recente2 dediquei al- nização do processo de produção e difu- pela “comunidade acadêmica”. Ignoram,
guma atenção ao que, no meu entender, são de conhecimento. portanto, as condições histórico-mate-

30 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


BRASIL

É bastante claro que o conhecimento científico –


produzido sob controle em condições de relativa
autonomia – cumpriu um papel importante
na organização do capitalismo e do Estado
modernos e, portanto, foi sistematicamente
incentivado por estes
riais que possibilitaram a organização da no fundamento das diferentes formas o conhecimento científico desempenhou
atividade acadêmica sob as bases con- de organização da atividade intelectual. nas sociedades capitalistas: de um lado,
temporâneas, isto é, com relativa auto- Nesse sentido, os intelectuais acadêmicos numa chave marxista, sua aplicação sis-
nomia, bem como as lutas econômicas, contemporâneos orbitam em torno do temática à produção gerava eficiência
sociais e políticas que possibilitaram essa sistema de ensino e pesquisa que, cons- produtiva, aumentando a taxa de mais
organização. Ignoram, ainda, as funções truído no século XIX, passou a ser finan- valia relativa; de outro, numa interpre-
sociais que o conhecimento acadêmico ciado de modo sistemático por recursos tação foucaultiana, sua aplicação estru-
desempenha na organização da socie- do Estado e organizado através de polí- turada na racionalização do Estado e das
dade, da produção e do próprio Estado, ticas centrais de ciência e tecnologia so- políticas públicas tornavam mais eficaz o
cultuando a ilusão de que estão, de fato, bretudo após a Segunda Guerra Mundial. controle das populações.
acima e além da sociedade. Esse sistema – que pouco mudou nos Em outras palavras, é bastante claro
Por naturalizarem os fundamentos últimos sessenta anos, salvo pela sua ex- que o conhecimento científico – produzi-
histórico-materiais da sua atividade, é pansão, diversificação e, em alguns casos do sob controle em condições de relativa
compreensível que os intelectuais aca- pontuais, democratização – é um desdo- autonomia – cumpriu um papel impor-
dêmicos de hoje se considerem como bramento do sistema escolar profissio- tante na organização do capitalismo e do
expressão única da atividade intelectu- nalizado que Antonio Gramsci associa à Estado modernos e, portanto, foi sistema-
al, bem como a autonomia como essên- crescente complexificação e importância ticamente incentivado por estes, desde a
cia insuperável da atividade intelectual e da atividade intelectual na transição das criação das universidades modernas, e so-
não como construção histórica. Por isso, sociedades medievais para as sociedades bretudo a partir da consolidação da hege-
classificam automaticamente os que não capitalistas modernas. Assim, os intelec- monia norte-americana no pós-guerra. No
seguem seus critérios e ritos ou que não tuais acadêmicos de hoje podem ser vis- entanto, não existe nenhuma razão para
partilham seu lugar institucional à con- tos como expressão do que Gramsci cha- afirmar, sem dúvidas, que a função central
dição de não-intelectuais, no caso dos mava de “intelectuais tradicionais”, ou do conhecimento científico nas sociedades
submissos, ou de anti-intelectuais, no seja, profissionais da atividade intelectual modernas continuará sendo eternamente
caso dos insubordinados. O que não é que, por mediação das “superestruturas” a mesma. Ao contrário, atualmente acu-
compreensível é que essa visão parcial e de um Estado cada vez mais centralizado, mulam-se indícios de que a função social
ideológica seja partilhada, também pela puderam estabelecer uma relação media- do conhecimento científico está mudando
esquerda, incluindo parte da militância da com a esfera da produção, alcançando, profundamente, consequência da trans-
do PT. portanto, relativa autonomia. formação capitalismo e do Estado a partir
Isso porque, desde uma perspectiva Ainda de uma perspectiva mate- da radicalização do neoliberalismo e da
materialista, a questão do intelectual se rialista, é importante reconhecer que a financeirização. Nessa mudança, o Estado
coloca de maneira completamente distin- possibilidade dessa autonomia relativa demanda cada vez menos políticas públi-
ta. Em primeiro lugar, é importante reco- conferida aos intelectuais acadêmicos cas cientificamente embasadas e a compe-
nhecer as condições materiais que estão esteve associada à função específica que tição por inovações tecnológicas aplicadas

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 31


BRASIL

à produção escapa cada vez mais do regime Não restam dúvidas de que, hoje, é
público e a propriedade intelectual ganha
espaço. Nesse contexto, não teria porque a importante defender a autonomia
autonomia relativa das instituições e dos
intelectuais continuar sendo tolerada pela universitária e os intelectuais acadêmicos
classe dominante. das investidas da classe dominante
Mas não basta somente reconhecer o
caráter histórico da atividade dos intelec-
tuais acadêmicos e sua transformação. É Ao invés de serem menos livres, tal- quanto a função decisiva dos intelectuais
preciso lembrar, ainda, que apesar de re- vez esses intelectuais orgânicos tenham nas lutas sociais sob o capitalismo. Com
presentarem a forma mais tradicional de até mais liberdade e autonomia na medi- isso, assumiu que os intelectuais acadê-
organização da atividade intelectual sob da em que não assumem uma visão ilusó- micos representavam a única forma de
o capitalismo, os acadêmicos não foram ria, ideológica, parcial sobre o significado intelectualidade possível e delegou a eles,
os únicos intelectuais que subsistiram da sua atividade na atual formação social. em grande medida, a tarefa de disputar
nesse período. Gramsci mesmo nomeia A classe dominante, vale notar, não as visões de mundo da sociedade atual.
um outro tipo de intelectual, igualmen- tem pudor em prestigiar e valorizar seus Não restam dúvidas de que, hoje, é
te importante: o intelectual orgânico. Ao intelectuais orgânicos. Ao contrário, pelo importante defender a autonomia uni-
contrário dos intelectuais tradicionais, menos desde os anos 1950, quando o for- versitária e os intelectuais acadêmicos
segundo Gramsci, o intelectual orgânico talecimento da autonomia universitária – das investidas da classe dominante, que
estabelece, com as classes sociais funda- que hoje ela ataca frontalmente – reduziu quer destruir o sistema de ensino e pes-
mentais da sociedade capitalista uma re- o controle que ela tinha sobre essas insti- quisa centrado na ciência que ela mesma
lação sem mediação institucional, ou seja, tuições, a classe dominante passou a criar construiu para colocar, em seu lugar, um
direta, assumindo como função a tarefa suas próprias instituições: think tanks e sistema obscurantista. Mas isso não bas-
de conferir, a esta classe, “homogeneida- outros centros privados de pesquisa, con- ta, nem de longe, para a tarefa que temos
de e consciência da própria função”. sultorias e organismos internacionais de pela frente: construir uma alternativa real
Considerando que a luta de classes é produção de dados e orientação política, ao capitalismo, destruindo os entraves
constitutiva da sociedade capitalista, os faculdades privadas e corporativas. Hoje para a construção dessa sociedade mais
intelectuais orgânicos não só seguiram esse sistema paralelo cresceu a tal pon- democrática e justa. Precisamos, mais do
subsistindo independentemente da con- to que desafia a própria organização do que nunca, levar o impacto dos intelec-
solidação da figura dos intelectuais aca- sistema público, autônomo, para o qual tuais orgânicos a sério e construir nossa
dêmicos, como continuaram desempe- propõem, hoje, uma completa reorgani- própria estrutura de formação e produção
nhando um papel absolutamente essen- zação: futurem-se, eles dizem, sem qual- e difusão de visões de mundo.
cial na dinâmica política dessa sociedade. quer crise de consciência. Que Olavo de
Por isso, não há nenhuma razão, des- Carvalho leve isso a um extremo não *MARIA CARAMEZ CARLOTTO é
de uma perspectiva materialista, para não muda o fato essencial: ele é um intelec- professora do  Bacharelado de Relações
levar os intelectuais orgânicos a sério. Mui- tual orgânico de um setor importante da Internacionais da UFABC e presidenta
to menos para assumir a perspectiva dos classe dominante brasileira e, como tal, da ADUFABC
intelectuais acadêmicos que condenam os está cumprindo o seu papel: espalha pre-
NOTAS
que desempenham a sua atividade intelec- conceitos, inverdades e delírios que mo-
tual a partir de uma perspectiva histórica e bilizam. 1 DINIZ, Débora. “Venha debater comigo, Olavo de Carvalho”.
Revista Época, 17 de março de 2019. Disponível em: https://
política que reconhece tanto as condições Por outro lado, a esquerda, no Bra- epoca.globo.com/venha-debater-comigo-olavo-de-
carvalho-23525662
históricas de desenvolvimento da ativida- sil, mas não só, assumiu uma posição
de intelectual, como as funções políticas e bastante distinta: aderindo à visão idea- 2 Trata-se do ensaio “Guerra em campo aberto: as disputas
pela mudança estrutural do espaço intelectual brasileiro”,
sociais que essa atividade assume na luta lista dos intelectuais acadêmicos, subes- publicado na coletânea intitulada “Educação contra a
barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de
política fundamental dessa sociedade, to- timou tanto o papel das lutas sociais no ensinar”, organizada pelo professor Fernando Cássio e
mando posição clara em relação a elas. desenvolvimento da atividade intelectual lançada este ano de 2019 pela Boitempo.

32 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


BRASIL

Os limites da
posição parlamentar
Natalia Bonavides

A ocupação do parlamento deve contribuir para a construção da


consciência política geral, no sentido de que a luta social, a mobilização e
a organização em partidos, sindicatos e movimentos sociais, o trabalho de
base, devem caminhar sempre juntos da luta institucional

E
xiste um longo debate histórico
sobre qual o grau de centralida-
de que as diversas formas de luta
política têm e para quais delas a
esquerda deve dedicar mais ener-
gia. O principal é a mobilização
popular ou a luta institucional? Devemos fazer de-
bate de ideias ou mediar nas ideias para conseguir
ocupar governos e implementar políticas públicas
para melhorar a vida do povo? Eleições para o par-
lamento ou prioridade para o Partido, o sindicato,
os movimentos sociais?
Essas e outras polêmicas estão presentes em
nossos debates desde sempre. Muitos dirigentes
históricos da esquerda se debruçaram sobre essas
questões e são inúmeras as posições sobre os limi-
tes, a relevância, e até mesmo sobre se a esquerda
deve ou não disputar o parlamento burguês. Nos
dias de hoje, olhando para a nossa realidade, pode
parecer estranho, ultrapassado ou pouco relevante
fazer essa discussão. Mas não é. Precisamos inclusi-
ve conhecer mais sobre essas polêmicas e aprofun-
darmos a reflexão acerca dos limites da posição par-
lamentar e da disputa institucional de uma forma
geral.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 33


BRASIL

Analisando a situação política no social e conquistar corações e mentes Devemos ocupar o


Brasil e a trajetória da esquerda brasi- para as ideias que defendemos. Aliás, a
leira como um todo, especialmente nas nossa presença no parlamento tem um parlamento para ser
últimas três décadas, e considerando as caráter educador e de disputa de consci-
derrotas que sofremos nos três últimos ência muito importantes e que não de- uma voz em defesa
anos, com o golpe contra Dilma em 2016, vem ser menosprezados.
a prisão do ex-presidente Lula em 2018 Devemos, por outro lado, disputar
dos interesses da
e a fraude que culminou na eleição de eleições sem alimentar qualquer ilusão classe trabalhadora.
Bolsonaro em 2018, fica bem evidente de que é prioritariamente ou tão somen-
que se trata de uma questão muito atual, te através do parlamento que faremos as Só assim o
de um debate extremamente necessário transformações estruturais que almeja-
e que deve compor o balanço acerca da mos na sociedade, que implicam em um utilizaremos para
nossa experiência histórica recente, além mundo mais justo, menos desigual, onde incidir na luta de
de fazer parte da reflexão sobre qual será a soberania, a liberdade, a dignidade, se-
a estratégia a ser adotada pela esquerda jam elementos predominantes. Enfim, ideias e na disputa
no próximo período histórico, qual será um mundo livre da exploração entre os
o nosso grau de organização, a nossa ca- seres humanos e de toda e qualquer for- ideológica que é
pacidade de mobilizar e de conscientizar ma de opressão. Um mundo socialista.
uma maioria popular que viabilize um E se estes são os nossos objetivos es-
travada no seu seio.
novo momento político, em que a esquer- truturais, de longo prazo, devemos ocu- Mas sem ilusões
da esteja efetivamente na disputa pelo par o parlamento para ser uma voz em
poder e não apenas disputando governos. defesa dos interesses da classe trabalha- de que isso basta
No discurso, grande parte da esquer- dora. Só assim utilizaremos o parlamento
da defende que a luta social, a mobili- para incidir na luta de ideias e na disputa para fazermos as
zação popular e a organização da classe ideológica que é travada no seu seio. O mudanças estruturais
trabalhadora nos partidos, sindicatos, enfrentamento discursivo, no parlamen-
movimentos sociais, devem ser a priori- to, contra os defensores dos interesses da que almejamos
dade. É mais raro, embora exista, ouvir
alguém dizer abertamente que nossos es-
forços devem ser direcionados de forma
prioritária para a disputa eleitoral.
Porém, na prática, mesmo após as
derrotas que sofremos no último período,
o que ainda prevalece é que a luta insti-
tucional e a disputa de eleições para par-
lamentos e governos assume uma priori-
dade em detrimento da luta social e do
esforço de organização popular nos locais
de estudo, trabalho e moradia, com for-
mação política e mobilização social.
Não é possível deixar de reconhe-
cer que, no momento histórico atual, é
muito necessário que a esquerda dispu-
te o parlamento. Ocupar o parlamento
é uma das muitas tarefas que devemos
cumprir, no sentido de acumular força Deputados de oposição protestam contra aprovação da reforma trabalhista. Abril 2017

34 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


BRASIL

classe dominante faz parte das tarefas


que compõem a disputa geral de consci-
ência à qual deve servir a atuação parla-
mentar da esquerda.
Além de travar o debate de ideias, é
função dos parlamentares de esquerda
propor medidas que contribuam para en-
frentar, de forma imediata, a exploração
da classe trabalhadora, e lutar pela apro-
Não é correto tratar o tema da correlação de
vação dessas medidas, travando, assim, a forças como uma situa­ção que está dada, de
luta institucional propriamente dita. Isso
implica na proposição e aprovação de forma fatalista, e simplesmente recuar de
projetos de lei, requerimentos, audiências
públicas, no estabelecimento de diálogos posições importantes
e de ações que ajudem na conquista de
direitos e de avanços mais imediatos nas ao fazê-lo. É comum ouvirmos que muitas Ao não propor certas medidas (por
chamadas políticas públicas, e na atua- das reformas estruturais que o Partido dos exemplo, reformas estruturantes como
ção para dificultar e impedir o retrocesso Trabalhadores defendeu ao longo da nossa a agrária, a tributária, a do sistema fi-
nessas áreas. história e que compõem o nosso programa nanceiro), argumentando que não have-
Não alimentar ilusões sobre o real não foram feitas em razão da ausência de ria “correlação de forças”, abriu-se mão
caráter do parlamento burguês não sig- correlação de forças. justamente de incidir para criar a corre-
nifica que devamos aceitar a ideia de que Sobre isso, não é correto tratar o tema lação de forças necessária para vencer
a esquerda ocupa o parlamento somente da correlação de forças como uma situa­ disputas de projetos fundamentais e que
para demarcar posição e fazer disputa de ção que está dada, de forma fatalista, e são essenciais para alcançar os objetivos
ideias. É possível aproveitar as contradi- simplesmente recuar de posições impor- de longo prazo que defendemos.
ções e divergências existentes entre os tantes. Como se a correlação de forças fos- Nesse sentido está outra responsa-
representantes de interesses antagônicos se algo sobre o que não pudéssemos agir bilidade da posição parlamentar, uma
aos nossos para conseguir algumas vitó- com incidência para mudar; ou, até mes- vez que os mandatos de esquerda no
rias na trincheira parlamentar. Isso vai mo, propor um programa máximo para parlamento são vozes públicas atuando
sempre depender muito mais da correla- que assim se possa agir para que a situa- na arena institucional, diretamente no
ção de forças existente na sociedade, que ção mude. Não é correto e não nos ajuda a, processo de disputa de ideias acerca da
propiciará maior ou menor grau de ade- justamente, alcançar a situação necessária necessidade das transformações estru-
são popular ao que defendemos, do que para implementar as transformações que turantes em discussão e, consequente-
da capacidade de diálogo e de convenci- defendemos. Afinal de contas, não se tra- mente, podem contribuir na alteração
mento deste ou daquele indivíduo acerca ta de algo abstrato ou que esteja fora do da chamada correlação de forças.
dos temas em disputa. alcance da nossa ação política. Correlação Em resumo, o discurso e ação repre-
Também é tarefa nossa no parla- de forças é algo que se constrói, é algo con- sentativos dos interesses da classe traba-
mento propor medidas que incidam para creto e que muda a depender do aprofun- lhadora devem ser a tônica adotada por
transformar o Estado, de forma a que fi- damento da disputa política na sociedade. quem é de esquerda e ocupa a posição
que mais próximo de servir aos interesses Muitas vezes deixamos de fazer ou de pro- parlamentar, contribuindo para a cons-
da maioria da população, com políticas por algo em função de uma suposta im- trução das táticas de enfrentamento
públicas e, principalmente, com reformas possibilidade de conseguir apoio, quando contra aqueles que, do nosso ponto de
estruturantes. é justamente nossa ação de propor e a for- vista, não representam os interesses da
Aqui o debate sobre a “correlação de ma como iremos disputar que pode definir maioria do povo.
forças” também é muito presente, e é ne- o grau de apoio que temos e que somos Por outro lado, é preciso que te-
cessário que tenhamos bastante seriedade capazes de alcançar. nhamos bem explícito na nossa ação

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 35


BRASIL

Foto: Lula Marques

Vitórias legislativas pontuais


podem ser alcançadas e devem
ser perseguidas, mas devemos
principalmente trabalhar para
fazer as mudanças estruturais
na forma como se organiza
o Estado, a sociedade, como
se distribui a riqueza e quem
detém os meios de produção.
Natália Bonavides

quais são os limites da atuação no par- mentar é que é importante ocupar o


lamento. O parlamento é apenas uma parlamento, mas sem ilusões de que
das trincheiras dentro do campo insti- seja o espaço privilegiado para realizar
tucional. Na luta institucional, além do as transformações que defendemos. É
parlamento, existem os governos e as evidente que a consciência política na
demais instituições do aparato estatal nossa sociedade está, hoje, muito asso-
(Judiciário, polícias, forças armadas), e ciada às eleições e a representatividade
é preciso que não tenhamos ilusões acer- pelo voto. Não disputar o parlamento
ca do papel que as instituições, que não e não ter gente de esquerda ocupando
são neutras, cumprem, de forma geral, a posição parlamentar seria abrir mão
no processo de manutenção das coisas de atuar em um espaço de disputa de
como elas são. consciência do povo para as ideias que
Manutenção da desigualdade, da defendemos e de alcançar algum avan-
exploração, da opressão. Por exemplo, a ço em termos de políticas públicas.
aprovação da reforma trabalhista (propos- Ao mesmo tempo, a ocupação do
ta por Temer e aprovada pelo parlamen- parlamento deve ser feita com a diretriz
to), contribuiu para a ampliação da desi- de contribuir para a construção da cons-
gualdade e o aumento do desemprego no ciência política geral, no sentido de que
Brasil. Sabemos que não é de projetos de a luta social, a mobilização e a organiza-
lei que as mudanças pelas quais lutamos ção em partidos, sindicatos e movimen-
virão, mas sim da luta e da organização do tos sociais, o trabalho de base, devem
povo. Vitórias legislativas pontuais podem caminhar sempre juntos da luta institu-
ser alcançadas e devem ser perseguidas, cional e são os instrumentos principais
mas devemos principalmente trabalhar de que dispomos para ganhar a maioria
para fazer as mudanças estruturais na do povo para realizar as transformações
forma como se organiza o Estado, a socie- que defendemos.
dade, como se distribui a riqueza e quem
detém os meios de produção.
A conclusão a que chegamos após *NATALIA BONAVIDES é advogada e
analisar os limites da posição parla- deputada federal (PT-RN)

36 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


BRASIL

OLJ: fora, no limite


ou dentro da lei?
Natalia Sena*

E
É imprescindível ter a clareza de que existe uma decisão
de um setor majoritário no Poder Judiciário, que é de
ser instrumento ativo e potente na operação da classe
dominante de inviabilizar a esquerda no Brasil

m 2019 a Lava Jato


completou cinco anos de existência. Em
tese, a operação deveria investigar casos
de recebimento e pagamento de propina
em contratos de obras superfaturados,
firmados entre a Petrobras e diversas
empreiteiras brasileiras, o que envol-
veria partidos políticos, seus dirigentes
e representantes em cargos políticos.
As investigações que deram origem a
operação começaram em 2009, no Pa-
raná, envolvendo crimes de lavagem de
dinheiro, mas a primeira fase ostensi-
va aconteceu em 17 de março de 2014,
data a partir da qual se considera que a
operação está efetivamente em curso.
O nome Lava Jato faz referência a uma
rede de postos de gasolina localizada em
Brasília, que era utilizado por um dos in-
vestigados na primeira fase da operação. do para estes números, há quem diga que A operação foi deflagrada pela Polí-
Nesse período pouco maior que cin- se trata de algo positivo e de uma forma cia Federal, que teve protagonismo efu-
co anos, mais de 200 condenações foram eficaz de combate à corrupção, e que a sivo nas investigações. Tão efusivo que
proferidas, com mais de 100 pessoas con- prisão de “poderosos” revelaria o caráter culminou na realização de um filme que
denadas, centenas de pessoas foram pre- respeitável e sério da operação. Fazendo leva justamente o nome da instituição,
sas preventivamente e mais de 180 pes- uma análise um pouco mais detida, não é “Polícia Federal”, filme este que retrata
soas já fizeram delação premiada. Olhan- bem isso que se enxerga. de forma exageradamente tendenciosa e

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 37


BRASIL

Em março de 2016, foi realizado o


famoso espetáculo midiático que foi
a condução coercitiva de Lula para
depor em Curitiba. Sem que tivesse
sido intimado antes ou apresentado
qualquer resistência em colaborar com
a investigação, o ex-presidente foi
conduzido coercitivamente para um
depoimento corriqueiro, o que por si
só já seria suficiente para concluir que
se tratava de conduta abusiva

messiânica a atuação de agentes públi- ça tarefa no STJ, outra no TRF da 4ª Re- Justiça pelo presidente que só ganhou
cos no exercício de suas funções. gião, e ainda em alguns estados, como as eleições porque o seu principal con-
O fato é que em 2014, quando teve Rio de Janeiro e São Paulo. A coordena- corrente foi impedido de disputar. Não
início a operação, estávamos em pleno ção da operação segue até os dias atuais é preciso dizer mais para que se conclua
governo Dilma e a postura do Ministério na atribuição do procurador Dallagnol, pela existência de, no mínimo, uma sus-
da Justiça, órgão que tem como atribui- que costuma atuar com grande ênfase peição na conduta do ex-juiz.
ção chefiar os trabalhos da Polícia Fede- persecutória seletiva e com um alto nível O papel de Moro na operação é ex-
ral, sempre foi de dar total e absoluto res- de entusiasmo midiático, fato que ficou pressivo, mas é preciso colocar na conta
paldo para as investigações, avalizando mais explícito após recente vazamento que o êxito de um juiz de primeira ins-
os métodos utilizados por ela. Pela letra de conversas dele com o ex-juiz Sérgio tância que utiliza das engrenagens judi-
fria da Constituição Federal, isto poderia Moro e com os demais procuradores que ciais para cumprir a tarefa de perseguição
ser considerado o correto, o normal. No atuam no caso. política contra lideranças e organizações
entanto, o desenrolar dos fatos mostrou No âmbito do Poder Judiciário, a de caráter nacional não acontece a partir
que onde não havia nada de republicano atuação do juiz Sérgio Moro foi funda- de uma atuação isolada, não é uma ex-
ou neutro, não poderia ter prevalecido, mental na operação. Moro era até 2018 ceção, não é um acaso. O apoio do Poder
por parte de um governo de esquerda, a o juiz titular da 13ª Vara Federal de Curi- Judiciário aos métodos empregados pela
ilusão acerca da suposta isenção e im- tiba, responsável por julgar as denúncias operação Lava Jato é estrutural, e o êxito
parcialidade nas instituições do braço decorrentes da Lava Jato, e atualmente é jamais pode ser atribuído a este ou aquele
repressivo do aparato estatal. ministro da justiça do governo Bolsona- juiz ou desembargador, à composição da
Já em abril de 2014, dias após a ope- ro. Sobre ele, existe muita controvérsia, turma no TRF que foi ruim, ao sorteio na
ração ser deflagrada, foi formada uma mas um fato é fundamental: proferiu distribuição de determinado recurso para
“força tarefa” do Ministério Público sentença que condenou Lula, candida- este ou aquele ministro. Os tribunais su-
Federal para atuar no caso, coordenada to à presidente favorito nas eleições de periores referendaram todos os abusos
pelo procurador federal Deltan Dallag- 2018, sem provas; isto fundamentou a que foram cometidos até hoje e não há
nol. Este grupo é o núcleo duro que cum- inviabilização do registro da candidatura perspectiva de que isto mude na atual
pre efetivamente o papel acusatório na de Lula para presidente da república; em correlação de forças.
operação, e possui várias ramificações: seguida, após o resultado eleitoral, Moro Portanto, é imprescindível ter a cla-
um grupo de trabalho na PGR, uma for- foi presenteado com o Ministério da reza de que existe uma decisão de um

38 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


BRASIL

setor majoritário no Poder Judiciário, direcionados para desgastar a imagem seja, para garantir que a operação atin-
que é de ser instrumento ativo e poten- do investigado. Mas os abusos da opera- gisse suas finalidades, ficou legalizada
te na operação da classe dominante de ção Lava Jato não se limitam a este fato. a possibilidade de violação da Consti-
inviabilizar a esquerda no Brasil. É nes- O uso indiscriminado das delações pre- tuição e a possibilidade de atuação “no
te sentido que a retórica do combate à miadas como meio principal de prova, limite da lei”. Na prática, isto significou
corrupção, junto com outras, vem sendo bem como a decretação de prisões pre- sinal verde para Moro, que, no caso, se-
habilmente utilizada. A operação na ver- ventivas em excesso e a consolidação da quer argumentou que estaria atuando
dade tem um objetivo principal: conde- possibilidade de prisão sem condenação dentro da lei. Ele não teve pudor algum
nar, prender e inviabilizar politicamente definitiva, dentre outras práticas utiliza- em apenas se escusar e argumentar que
o ex-presidente Lula, o Partido dos Tra- das de forma sistemática, são elementos não teria sido a sua intenção “gerar fato
balhadores e a esquerda de uma forma que compõe o arcabouço autoritário que político-partidário”, uma vez que bus-
geral. Não existem elementos para afir- caracteriza a Lava Jato. cava apenas dar publicidade à condutas
mar sem sombra de dúvida que a opera- Sobre isto, ainda em 2016, Moro foi que sob o seu ponto de vista seriam jurí-
ção já começou com este objetivo bem representado perante a corregedoria da dica e criminalmente relevantes.
definido, mas é possível perceber logo na Justiça Federal do Paraná por ter levan- O desenrolar da história mostrou
sua fase inicial, entre 2015 e 2016, que tado sigilo da interceptação de conversas que, sob um ponto de vista legalista,
este era (e continua sendo) o principal telefônicas entre Lula e Dilma, e o resul- a atuação de Sérgio Moro na operação
objetivo. tado foi revelador da existência de uma Lava Jato não ocorreu nem dentro da
Em março de 2016, foi realizado o visão de exceção, que na prática preva- lei, nem “no limite” da lei, mas sempre
famoso espetáculo midiático que foi a leceu no Judiciário brasileiro acerca dos foi fora da lei. Em junho de 2019, ficou
condução coercitiva de Lula para depor métodos utilizados pela Operação Lava comprovada a politização e a parcialida-
em Curitiba. Sem que tivesse sido inti- Jato. O arquivamento da representação de que dominam esta operação, especial-
mado antes ou apresentado qualquer contra Moro foi fundamentado no fato mente após os vazamentos feitos pelo
resistência em colaborar com a inves- de supostamente a operação Lava Jato site The Intercept Brasil, de conversas
tigação, o ex-presidente foi conduzido ser algo “fora da normalidade”, e em se entre o procurador Deltan Dallagnol e o
coercitivamente para um depoimento tratando de uma situação excepcional, ex-juiz e atual ministro da justiça Sérgio
corriqueiro, o que por si só já seria su- não caberia incidência da regra constitu- Moro, à época titular na 13ª Vara Federal
ficiente para concluir que se tratava de cional que garante o sigilo das comuni- de Curitiba e responsável por julgar as
conduta abusiva e com explícitos fins cações telefônicas (art. 5º, XII, CF). Ou denúncias apresentadas.

O apoio do Poder
Judiciário aos métodos
empregados pela
operação Lava Jato é
estrutural (...) Os tribunais
superiores referendaram
todos os abusos que
foram cometidos até hoje
e não há perspectiva de
que isto mude na atual
correlação de forças

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 39


BRASIL

Os vazamentos mostram Moro e Diante de tudo isso, fica evidente


Dallagnol mantendo constantes diálo- que o balanço acerca da operação Lava
gos suspeitos, através dos quais combi- Jato não se trata de um tipo de algo sim-
navam o tempo em que deveriam ocor- ples, pois envolve debater questões sobre
rer as fases da operação, recursos pro- a real existência de um “Estado Demo-
cessuais, decisões judiciais. Moro atuava crático de Direito”, sobre os objetivos da
como o “chefe” da acusação, em uma lei e sobre a função que o aparato judici-
explícita violação de princípios básicos ário cumpre dentro do Estado burguês.
como o do juiz imparcial e desinteressa- É possível combater a corrupção es-
do no andamento da investigação, que trutural presente no sistema capitalista
profere decisões com base nas provas através de um aparato estatal que com-
constantes nos autos. Moro teve condu- põe as estruturas fundamentais desse
ta ativa, sendo consultado e opinando mesmo sistemacapitalista? Qual o papel
com bastante frequência sobre o que a do Poder Judiciário na nossa sociedade?
acusação deveria fazer ou deixar de fa- O juiz Sergio Moro O chamado “garantismo penal” é uma
zer. Para os que ainda acreditam, o caso atuava como o “chefe” ferramenta suficiente para o resguardo
é uma verdadeira aberração jurídica, que de direitos e liberdades democráticas?
vem sendo considerada normal em perí- da acusação, em A lei de uma forma geral serve a algum
odos de exceção como o atual. explícita violação de tipo de interesse de classe, político, eco-
Há, portanto, uma série de críticas nômico, ideológico?
sobre os objetivos, métodos, e sobre a
princípios básicos como Essas e outras perguntas devem
própria legalidade da operação Lava o do juiz imparcial. ser objeto de nossa reflexão e debate e
Jato. Estas críticas devem ser insisten- Ele teve conduta ativa, devemos ter a tranquilidade e a cora-
temente debatidas e aprofundadas, com gem de encontrar respostas desafiado-
bastante tranquilidade, pois o argumen- opinando com bastante ras, radicais e que não necessariamente
to do “combate à corrupção” não pode frequência sobre o que nos encaminhem para uma posição de
ser aceito como justificativa para a per- garantia da ordem institucional. Muito
seguição política, para o enfraquecimen- a acusação deveria pelo contrário. A afirmação de que o Po-
to das garantias democráticas e para a fazer ou deixar de fazer der Judiciário é parte do aparato estatal
destruição de empresas importantes, de burguês e que serve aos interesses da
empregos e da economia do país de uma do uma verdadeira cruzada moral contra classe dominante deve nos levar a elimi-
forma geral. É público e notório o efeito a corrupção, custe o que custar. nar qualquer ilusão acerca da neutrali-
nefasto que a operação vem causando na Ainda em 2018, o próprio candidato dade, da imparcialidade e da persecução
economia nacional, ao promover o des- do PT a presidência da república, Fernan- de objetivos de justiça e dignidade para
monte em setores estratégicos como o do Haddad, chegou a falar que o saldo da os explorados e oprimidos. O problema
petrolífero, a construção civil e a indús- operação era positivo e que Moro teria não está em um determinado juiz, em
tria de engenharia de uma forma geral. feito um bom trabalho. Seria interessante um determinado grupo de procuradores,
Existe em vários setores muita difi- saber o que Haddad pensa hoje, em ju- ou em uma turma TRF4 que tem este ou
culdade de se fazer a crítica à operação lho de 2019, acerca deste mesmo tema. aquele interesse ou objetivo específico.
Lava Jato. Na maioria das vezes, acaba O fato é que não devemos ter medo de Não se trata de um acaso, de um “azar”,
prevalecendo o receio de que criticar po- colocar as coisas no seu devido lugar. Ser ou de uma postura isolada deste ou da-
deria ser interpretado como uma espécie contra a corrupção e favorável à justa e quele setor antidemocrático e politizado
de postura conivente com a prática da rigorosa apuração de atos de corrupção do aparato judicial.
corrupção. E aí nos deparamos com se- não pode significar ser conivente com o E para termos ainda mais certeza
tores democráticos que acabam por en- arbítrio, a perseguição e o desmonte do disso, alguns exercícios básicos podem
dossar os elogios à operação, estimulan- país, dos direitos e da democracia. ajudar: analisemos inúmeros estudos

40 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


BRASIL

acerca da origem de classe dos que com-


põem estas instituições; ou façamos um
estudo simples sobre o mérito das deci-
sões, denúncias, representações, que co-
mumente são feitas pelo aparato judicial
brasileiro, em especial Poder Judiciário,
Ministério Público e polícias, em todas
as instâncias, em processos que envol-
vem movimentos sociais e demandas
identificadas com a esquerda. Exemplo
muito prático e que pode ser facilmente
verificado é o volume de decisões favorá-
veis às reintegrações de posse ingressa-
das contra o MST e que não cumprem os
requisitos legais para serem deferidas.
No entanto, em geral, o são, pois o que
importa neste caso não é atuar dentro da
lei, é atuar contra determinado sujeito e
a favor de outro.
Não devemos ter medo de colocar as coisas no seu
A operação Lava jato cumpre muito
bem este papel: às vezes dentro da lei, às devido lugar. Ser contra a corrupção e favorável
vezes fora da lei, às vezes “no limite” da à justa e rigorosa apuração de atos de corrupção
lei, isto acaba não importando tanto. O
que importa é contra quem, a favor de
não pode significar ser conivente com o arbítrio, a
quem, contra quais interesses, a favor de perseguição e o desmonte do país, dos direitos e
quais interesses. Portanto, um balanço da democracia
crítico desta operação precisa levar em
consideração a ilusão que é esperar que A teoria que define o lawfare afirma de combate à corrupção, ao menos do
o aparato judicial realmente existente que este conceito, muito utilizado na ponto de vista de interesses democráti-
viesse a ser um instrumento de qualquer luta contra as arbitrariedades da Lava cos e de esquerda. Aliás, a “Vaza Jato”
tipo de garantia de direitos, liberdade, Jato, seria uma espécie de uso indevido já mostrou a parcialidade e os interesses
dignidade, justiça. de recursos jurídicos para fins políticos, seletivos, de classe, os projetos políticos
Este balanço também deve nos im- especificamente de perseguição. Essa de- que esses ditos agentes neutros do apa-
por a fazer o debate acerca dos limites da finição acaba por partir do pressuposto rato de Estado representam. Precisamos
tese do lawfare. Afinal, até que ponto os de que o Direito teria finalidade distinta, orientar nossa formulação e nossa ação
métodos empregados na operação Lava ou seja, que seria neutro e que aplicaria política no sentido de soluções efetivas
Jato são parte de uma guerra de mano- a lei sem qualquer interesse político que e mais radicais, que necessariamente
bras ilegais? Será que estes métodos não lhe direcionasse. Acreditamos que esta devem passar por um forte processo de
servem justa e perfeitamente aos reais definição pode ser mais um produto da disputa de consciência na sociedade e
objetivos do tal “Estado Democrático de existência de uma ilusão acerca do papel por uma reforma profunda das institui-
Direito”? O Direito e as leis burguesas das leis e dos aparatos responsáveis pela ções de Estado, em direção a um novo
não seriam em essência ferramentas de sua produção e aplicação nos limites do modelo possível de organização social.
manutenção da ordem e, consequente- Estado burguês.
mente, instrumentos a serem utilizados Diante de tudo isso, é bastante
contra os interesses populares e de es- questionável que a operação Lava Jato *NATALIA SENA é advogada e
querda? seja considerada uma ferramenta eficaz integrante do Diretório Nacional do PT

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 41


EDUCAÇÃO

A educação em tempos
de Bolsonaro
Izabel Costa*

Uma educação crítica e politizada é um empecilho à implantação do


Gilead à brasileira de Bolsonaro. Nas batalhas da educação, cada

O
trincheira de resistência e cada posição arrancada
em vitória serão fundamentais para o avanço do
conjunto dos trabalhadores.
governo Bolsonaro carreira para o magistério com a criação
e os diversos con- do Piso Nacional (Lei 11.738/2008), que
gêneres conservadores eleitos em vários se tornou elemento chave nas lutas dos
estados brasileiros têm claro que o controle professores em escala nacional, e que
sobre a educação é uma política estratégica ainda hoje guia as principais pautas de
para que sua visão de mundo avance e esta- reivindicação.
beleça uma hegemonia sobre a sociedade. A ampliação do FUNDEB abrangeu
Os governos Lula-Dilma optaram por modalidades como a EJA e a educação
um modelo de coalizão partidária – que infantil, e a liberação de verbas federais
expressava a crença no pacto de classes para a criação de vagas em creches e pré-
como caminho estratégico para a mudan- -escolas turbinou a campanha de muitos
ça social – do qual não conseguiram se de- prefeitos golpistas.
senredar para dar um salto superior que No ensino médio e superior, a am-
propiciasse reformas estruturais no Brasil. pliação da rede federal com a construção
Entretanto, é notório que essa experiência de Institutos e Universidades, a consoli-
de 13 anos expandiu a educação pública e dação do sistema de cotas, o Ciências sem
incorporou importantes extratos das clas- Fronteiras e as políticas de permanência
ses populares ao ensino médio e superior modificaram a face elitizada de muitos
na esfera federal. cursos. No campo da gestão democrática
Os avanços não podem ser minimiza- houve uma clara política de valorização
dos, especialmente quando comparados ao dos conselhos e das eleições para reitores
desmonte em curso no governo Bolsonaro. nas instituições de ensino.
A década de governos petistas logrou Apesar dos governos petistas não te-
construir uma política de valorização e de rem, de fato, realizado uma ativa política

42 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


EDUCAÇÃO

de disputa social e cultural, os impactos


As batalhas da
das mudanças no campo educacional li-
beraram energias e fortaleceram segmen- educação também
tos sociais historicamente desvalorizados
estão em combate
em nossa sociedade como jovens negros,
mulheres e LGBTIs. no campo político-
Bolsonaro e bolsominions elegeram
cultural-ideológico,
a educação como principal alvo em vários
campos das batalhas de 2019. Sobre as pois o projeto
políticas de financiamento da educação
representado por
pública, as ações do governo reforçam
ainda mais a mercantilização do ensino, Bolsonaro visa
anunciando o corte de 30% do orçamento
controlar o processo
das instituições federais, e prometendo,
através do Programa Future-se do MEC, educativo, difundindo
a mudança na sua natureza jurídica, pos-
a sua visão de mundo
sibilitando inclusive cobranças de men-
salidades. Definitivamente uma ponte retrógrada e elitista.
para o passado.
Os cortes realizados logo no início
do seu governo desvelam o projeto de funcionários da educação. As mulheres ses governos representam uma ameaça
destruição do conjunto da educação pú- educadoras são um dos alvos da contrar- ao pensamento crítico e socialmente re-
blica brasileira: bloqueio de investimen- reforma da previdência, e serão atingidas ferenciado através da perseguição ideo-
tos em programas destinados à educação em cheio pelas suas principais medidas, lógica e da criminalização de professo-
infantil e técnica, para obras em unida- como aumento da idade e do tempo de res, estudantes e funcionários. As polí-
des do ensino básico, compra de mobi- contribuição, caso sejam aprovadas. Esta ticas denominadas “Escola sem Partido”
liário, capacitação de servidores e con- reforma completa o tripé das medidas atentam não somente contra a liberda-
tenção em programas importantes como aprovadas pelo governo Temer, a reforma de de cátedra, mas se opõem a todos
os de merenda e de transporte escolar. trabalhista e a autorização da terceiri- os avanços pedagógicos e educacionais,
Em diversos estados, a EC 95, que limita zação em atividades fim. A sua consoli- fruto de décadas de luta social por uma
por 20 anos os gastos públicos, ameaça dação significa uma ampliação da pre- educação pública, laica, gratuita e de
dramaticamente o direito à educação de carização e da desregulamentação das qualidade. Não é à toa que pretendem
crianças e jovens, como na rede estadual carreiras da educação. Na rede privada, desconstruir a figura de Paulo Freire,
do Rio que viveu uma drástica redução essa lógica expande-se através dos me- pois o seu legado simboliza exatamente
da sua rede de ensino com o fechamento canismos da pejotização e da uberização o oposto da lógica bolsonarista.
de escolas, turmas e turnos. de professores. No caso dos funcionários Outro viés do projeto reacionário é
As políticas de estado mínimo e de poderá significar a sua substituição defi- a narrativa nostálgica de valorização da
destruição dos direitos sociais, construí- nitiva por terceirizados. ordem e da disciplina militarizada como
dos e universalizados ao longo do século As batalhas da educação também solução para a crise educacional brasilei-
XX em nosso país, também atingem pro- estão em combate no campo político- ra. Além do governo federal, vários esta-
fundamente a educação. -cultural-ideológico, pois o projeto re- dos têm como meta a instalação de uni-
Grande parte do funcionalismo pú- presentado por Bolsonaro visa controlar dades educacionais militares, através de
blico, nas prefeituras e estados da fe- o processo educativo, difundindo a sua convênios com as polícias e bombeiros.
deração, é constituída por professores e visão de mundo retrógrada e elitista. Es- Esse projeto, em curso há alguns anos

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 43


EDUCAÇÃO

em estados como Goiás, necessita de estudantil às portas do Colégio Militar A juventude também
uma política clara dos movimentos so- do Rio, onde se encontrava Bolsonaro
ciais diante de um quadro grave de crise em solenidade, demonstrando o poten- protagonizou diversas
da segurança pública no país. cial da luta jovem na resistência ao re- ações de luta nos
Se no início da gestão o governo trocesso. Essas ações contribuíram para
desferiu uma ofensiva sobre a educação, a adesão das redes públicas e privada em dias 15 e 30 de maio,
Bolsonaro também se deparou com o pri- todos os níveis à greve geral do dia 14 de além do histórico
meiro grande polo de resistência às suas junho, demonstrando a necessidade de
políticas. Os trabalhadores da educação um enfrentamento unitário e do poten- questionamento
apresentam-se como um setor de ponta cial de reação dos trabalhadores da edu- estudantil às portas
na luta contra a reforma da previdên- cação.
cia, saindo na frente, novamente, com a Uma educação crítica e politizada é do Colégio Militar
marcação da greve geral da educação no um empecilho à implantação do Gilead à do Rio, onde se
dia 15 de maio pela CNTE. Antecedendo brasileira de Bolsonaro. Nas batalhas da
essa data, o anúncio do corte de verbas e educação, cada trincheira de resistência encontrava Bolsonaro
o desrespeito aos estudantes, professores e cada posição arrancada em vitória se- em solenidade,
e funcionários das universidades e ins- rão fundamentais para o avanço do con-
titutos federais, amplificaram a “balbúr- junto dos trabalhadores, reconstituindo demonstrando o
dia”, e, pela primeira vez, sensibilizaram nos espaços educativos a motivação para potencial da luta
segmentos mais amplos da sociedade a transformação e para a retomada do
brasileira quanto à necessidade de defe- projeto de uma sociedade justa e igua- jovem na resistência
sa da educação pública. litária e de uma educação libertadora. ao retrocesso
A juventude também protagonizou
diversas ações de luta nos dias 15 e 30 de *IZABEL COSTA é professora de
maio, além do histórico questionamento história e coordenadora geral do SEPE-RJ

44 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


EDUCAÇÃO

Desmontando
a formação dos
educadores
brasileiros

A
presentamos a se- mento adequado às necessidades; falta in-
Celi Taffarel* guir dados que po- fraestrutura escolar; falta de laboratórios;
dem ser constatados falta de informatização nas escolas.
em fontes seguras Os governos de Lula e Dilma reconhe-
e que nos permi- ceram a importância do financiamento,
O desmonte da tem afirmar que o estabelecendo relações entre investimen-
política de formação embate travado na tos e desempenho escolar. Ampliaram a
Educação, juntamente com a Saúde, é um Rede de Universidades Federais, criando
dos profissionais de dos mais violentos de todas as políticas 18 novas universidades e ampliaram os
educação do Brasil públicas em curso. O objetivo é desmontar Institutos Federais de Educação Técnica
o que estava sendo consolidado para de- e Tecnológica, de 160 para 644. Enfrenta-
está em curso e mocratizar, universalizar, elevar o padrão ram o problema da escassez de professores
cultural educacional da classe trabalhado- e relacionaram isto com a remuneração: os
deixará um lastro ra brasileira. Os ataques à Educação, Ciên- salários docentes não são atrativos e cada
de destruição sem cia, Tecnologia, Serviços Públicos, em es- vez menos jovens ingressavam na carreira.
pecial através de Portarias, Projetos de Lei, No início do governo de Luís Inácio
precedentes na Resoluções e Emendas constitucionais, Lula da Silva foi constatado que faltavam
história do Brasil. desmantelam os 28 programas de forma- 350 mil professores. A evasão nos cursos
ção de professores implantados durante os era alta. A Confederação Nacional dos
governos Lula e Dilma. Trabalhadores em Educação vinha denun-
Os governos de Luís Inácio Lula da ciando que o Brasil corria sérios riscos de
Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011- ficar sem professores de Ensino Médio
2016) enfrentaram problemas estruturais na rede pública, na próxima década. Os
graves na Educação Brasileira, como o professores têm baixos salários, excessiva
abandono e repetência escolar que resul- carga horária de trabalho, lidam com pés-
tam de um conjunto de fatores como: fal- simas condições de trabalho e 60% estão
ta acesso à escola; irregularidade e baixa próximos de se aposentar. Luís Inácio Lula
qualidade do transporte escolar; ausência da Silva assinou a Lei N. 11.738 em 16 de
de proposta pedagógica mais motivadora; julho de 2008 que instituiu o piso salarial
carência de professores mais bem pagos profissional para os profissionais do ma-
e melhor preparados; falta de financia- gistério público da Educação Básica.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 45


EDUCAÇÃO

Criado em 2006, o
Prodocência financia
projetos voltados
para a formação e o
exercício profissional
dos futuros docentes,
além de implementar
ações definidas nas
diretrizes curriculares
da formação de
professores para a
educação básica

A problemática da formação de pro- A problemática nuada em Tecnologia Educacional; 9) Pro-


fessores mereceu atenção especial nos jeto Gestor – Programa de Pós-Graduação
mandatos presidenciais dos governos de da formação de em Educação Tecnológica/Formação de
Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. professores mereceu Mestres para a Rede Federal de Educa-
Isto está evidente nos Relatórios produzi- ção Profissional Científica e Tecnológica;
dos por Comissões Especiais, nas propos- atenção especial 10) PPGEA – Programa de Pós-Gradua-
tas estruturais e emergenciais apresenta- nos governos de ção em Educação Agrícola; 11) PIQDTEC
das para a Educação e nos 28 programas – Programa Institucional de Qualificação
para formação de professores existentes a Lula e Dilma. Isto Docente para a Rede Federal de Educação
partir do governo federal, conforme des- está evidente nos Profissional, Científica e Tecnológica; 12)
critos abaixo e que agora com o governo Política de Formação em Educação de Jo-
de extrema direita estão sendo todos des- Relatórios produzidos vens e Adultos; 13) Programa Escola Ati-
mantelados: 1) PRODOCÊNCIA - Progra- por Comissões va – Educação no Campo; 14) Procampo
ma de Consolidação das Licenciaturas; 2) – Programa de Apoio à Formação Superior
PIBID - Programa Institucional de Bolsa
Especiais, nas em Licenciatura em Educação no Campo;
de Iniciação à Docência; 3) OBEDUC - propostas estruturais 15) PROLIND – Programa de Apoio à For-
Programa Observatório da Educação; 4) mação Superior e Licenciaturas Intercultu-
PARFOR - Programa de Formação Inicial
e emergenciais rais – Educação Indígena; 16) Rede UAB
e Continuada, Presencial e a Distância, apresentadas para de Educação para a Diversidade; 17) LIFE
de Professores para a Educação Básica; 5) – Programa de Apoio a Laboratórios Inter-
Programa Novos Talentos; 6) Universidade
a Educação e nos disciplinares de Formação de Educadores;
Aberta do Brasil (UAB); 7) Programa de 28 programas 18) PROESP – Programa de Apoio à Edu-
Formação Continuada de Professores na cação Especial; 19) PROFMAT – Programa
Educação Especial; 8) PROINFO Integrado
para formação de de Mestrado Profissional em Matemática
– Programa Nacional de Formação Conti- professores em Rede Nacional; 20) Pró-Letramento;

46 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


EDUCAÇÃO

21) Rede Nacional de Formação de Pro- dinadas ao regime jurídico de direito pú- ao novo regime de contratação; reestrutu-
fessores; 22) Pró-Licenciatura; 23) Pró- blico. Com isso, uma política de cobrança ração sem precedentes na administração
-Infantil; 24) Observatório da Educação de mensalidades por faixa de renda será das instituições, como a instalação de jun-
Escolar Indígena; 25) Programa de Licen- implantada, e as contratações passarão a tas de governança nomeadas pelo Planal-
ciaturas Internacionais; 26) Programa de ocorrer pelo regime celetista ou de con- to, com o fim de realizar uma transição
Aperfeiçoamento para Professores de Lín- trato temporário. Ocorrerá a instalação rumo a uma gestão de reitores-executivos,
gua Inglesa nos EUA; 27. Programa Ensi- de gestão por meio de OSs, em regime de inclusive não membros do corpo docente
no de Inglês como uma Língua Estrangei- Parceria Público Privada (PPP); estabele- das universidades e a extinção das instân-
ra; 28) Programa Aprofundando a Análise cimento de uma diferença salarial entre cias decisórias colegiadas atuais, em favor
da Docência e Liderando a Aprendizagem. os atuais professores concursados e os de comissões universitárias formadas por
Esta série de Programas, que abran- que seriam contratados em regime CLT, gestores nomeados pelas PPPs; congela-
gem tanto a formação inicial quanto a inclusive por meio do instituto do con- mento salarial dos corpos docente e técni-
formação continuada (ambas presenciais trato temporário; “oferta” de um plano co-administrativo, com introdução de um
e/ou a distância), foram medidas estrutu- de demissão dos concursados e de adesão PDV, associado a adoção da demissão por
rantes e emergenciais, propostas inclusive justa causa de trabalhadores concursados,
pela Comissão Especial que produziu o por critérios subjetivos, conforme projeto
relatório sobre escassez de professores do O embate de projetos de lei já em tramitação no Senado, com
Ensino Médio no Brasil. Todos estes pro- no campo educacional é parecer favorável da CCJ daquela Casa;
gramas sem exceção estão sendo atacadas. plano de fusões e venda de instituições
Este ataque inclui o sensacionalis- mais uma expressão da consideradas menos produtivas, além de
mo midiático; a velha política do “toma-
luta de classes, que se um plano de vendas do patrimônio físico
-lá-da-cá”; as ameaças aos professores das universidades (prédios, fazendas, ter-
se valendo do braço armado do Estado, trava entre os interesses renos etc.); fortalecimento das áreas de
como aconteceu com os reitores da UFSC, inovação tecnológica e empresarial e da
UFMG, UFRGS; as chantagens impostas
e necessidades das
produção direta para o mercado em detri-
a parlamentares dos estados brasileiros, amplas massas e, mento da pesquisa básica, orientada para
aos reitores, dirigentes institucionais e go- equacionar problemas sociais.
vernadores, como foi o caso em relação ao a irracionalidade São medidas que visam a encerrar a
desbloqueio de verbas públicas da educa- capitalista assegurada história secular das universidades públicas
ção em troca de votos a favor da Reforma no Brasil, ameaçando igualmente os IFs e
da Previdência (Projeto de Lei 06/2018). agora pelo comando CEFETs. Caso permaneça e se aprofunde
O embate de projetos no campo edu-
da extrema direita no este brutal ataque à educação, a proble-
cacional é mais uma expressão da luta de mática da formação inicial e continuada
classes, que se trava entre os interesses e governo do Brasil de professores será agravada, complexifi-
necessidades das amplas massas e, a irra- cada, principalmente frente ao seguinte:
cionalidade capitalista assegurada agora a) tendência de disputas territoriais (pro-
pelo comando da extrema direita no go- priedade da terra, solo, subsolo, ar e suas
verno do Brasil. riquezas – biodiversidade; minérios raros
A mais recente e violenta investida e abundantes, água, fontes energéticas,
contra as Universidades, os Institutos Fe- petrolíferas, entre outras); b) aumento de
derais e os CEFETs vem através das me- territórios em conflitos (luta de classes no
didas anunciadas dia 18 de julho de 2019 campo e na cidade); c) aumento da atua-
através do FUTURE-SE, que coloca a ven- ção de milícias, de grupos paramilitares;
da as universidades brasileiras. d) aplicação da política de ajuste fiscal
As universidades públicas deixarão (PEC 95/16); e) desmonte de programas,
de ser autarquias, não estarão mais subor- projetos e ações articuladas institucional-

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 47


EDUCAÇÃO

Urge enfrentar
as contradições e
apresentar propostas
superadoras que
coloquem a educação
em um patamar
qualitativo diferente do
que propõe o governo
de extrema direita
Comissão de Educação da Câmara discute alternativas de financiamento à educação

mente por políticas públicas educacionais; ção, intensificação e terceirização do tra- que se privatizem as universidades, até
f) revogação de todo um aparato legal balho dos profissionais de educação; r) a a perseguição política usando o aparato
construído nos últimos anos para firmar intervenção criminosa de conselhos, cuja jurídico (lawfare) para prender oposito-
avanços e conquistas; g) aprovação de função social é exercer controle ideológico res, como é o caso da prisão do ex-presi-
entulhos autoritários que representam re- e econômico dos profissionais da educa- dente Luís Inácio Lula da Silva.
trocessos enormes no campo da educação ção e, ainda, da ação criminosa de Organi- Segundo Benigno Nunes Novo,
como por exemplo a BNCC do Governo, zações Não Governamentais (ONGs), que “trata-se do uso da lei (law) como ins-
Lei 13.415/17, aprovada em 06 de abril de se dizem de caráter “ filantrópico”, que se trumento de guerra e destruição do ou-
2017, resultante de um processo aligeira- valem de mecanismos da parceria públi- tro (warfare), onde não se respeita os
do, antidemocrático, capitaneado por um co-privado, da desoneração fiscal, e visam procedimentos legais e os direitos do
grupo de empresários, conduzindo o siste- a transferência de verbas públicas para se- indivíduo que se pretende eliminar. Tal
ma de ensino para a precarização, privati- tor privado . prática é planejada de forma a ter toda
zação e mercadorização; h) a tendência à Urge enfrentar todas estas contradi- uma aparência de legalidade, com a aju-
privatização da Educação; i) o fechamen- ções e apresentar propostas superadoras da da mídia, além dos agentes perpetra-
to de escolas; j) o ensino à distância; k) a que coloquem a educação em um pata- dores”.
fragmentação da formação; l) o rebaixa- mar qualitativo diferente do que propõe O golpe de 2016 no Brasil contra a
mento teórico; m) a militarização das es- o governo de extrema direita do ex-capi- presidenta legitimamente eleita com 54
colas; n) o ensino domiciliar; o) a perda tão expulso do exército, Jair Bolsonaro, milhões de votos é uma demonstração
do caráter laico da educação; p) o contro- para a educação da classe trabalhadora disto. A cronologia do golpe, a partir da
le ideológico da direita e extrema-direita brasileira. descoberta do pre-sal, deixa evidente
conservadora e obscurantista, capitalista, Análises críticas sobre as lutas po- que a ambição desenfreada do imperia-
imperialista, interferindo na gestão das pulares na América Latina e os governos lismo e seus vassalos entreguistas, entre
escolas, nas relações com a comunidade, progressistas demonstram a interven- os quais contam-se setores militares,
no material didático, nas avaliações, nos ção de países imperialistas, em especial empresariais, do judiciário, do legisla-
processos de formação continuada de pro- os Estados Unidos, para infringir golpes, tivo e executivo brasileiro, somado a
fessores, desvalorizando o magistério, com em especial em governos e governan- grande mídia privada, é apoderar-se dos
o rebaixamento salarial, desestruturação tes que avançam nas frágeis conquistas bens públicos, das fontes energéticas e
das carreiras dos profissionais da educa- democráticas na América Latina. Estes da biodiversidade e transformar o que
ção e, destruição de seus organismos de ataques vão desde orientações do Banco deveria ser direito e serviços públicos em
luta social, como o sindicato; q) precariza- Mundial, com seus “Ajustes Justos” para mercadorias e setores privados.

48 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


As revelações sobre a operação Lava
Jato e a denúncia do The Intercep, bem
como, o Dossiê sobre Governo Bolsona-
ro (Margem Esquerda, N. 32, 2019) trazem
evidencias que a barbárie está em curso
acelerado no Brasil. Mas, a resistência ao
Golpe está sendo evidenciada nos atos
públicos, por exemplo, dos dias 15 de
13 de agosto: estudantes de
maio, 30 de maio e 15 de junho de 2019.
Brasília fazem performance em
A classe trabalhadora reage ao que lhes é defesa da educação
sensível de imediato, como os cortes na
educação, a aprovação de reformas como Não temos tempo a perder. É neces- riodização do desenvolvimento humano,
a trabalhista, já concretizada, e a perver- sária a resistência ativa imediata, para de- da infância a velhice, nos estudos sobre o
sa reforma da previdência que está em fender direitos e conquistas. Mais do que desenvolvimento da psique humana, não
curso e penaliza os mais pobres. A classe nunca temos que dar o combate, em cada deixam margem para dúvidas. É vital a
trabalhadora e suas organizações reagem escola, em cada instituição de ensino, em defesa da escola pública, da educação pú-
também ao que não é visível de imediato, cada sistema educacional, às políticas blica, a defesa da qualidade da formação
como o crescimento de formas escravo- curriculares nacionais desenvolvidas sob inicial e continuada dos profissionais da
cratas de relações de trabalho; a quebra a égide do pós-modernismo, multicultu- Educação. A valorização do magistério,
do sistema de proteção do trabalho e do ralismo e do relativismo cientifico. das condições de trabalho, dos salários,
trabalhador; o pacto dos donos do poder Temos que firmar posições, dizer carreira e formas de organização e gestão.
para perpetuar uma sociedade cruel forja- NÃO AO FUTURE-SE, e construir alter- Mas, a resistência dos que defendem a
da na escravidão; o crescimento do geno- nativas para a BNCC, para a Reforma do Educação Contra a Barbárie, apresentam
cídios dos negros e negras; o crescimento Ensino Médio, para a política nacional de o horizonte teleológico de superação do
do ódio como política; o crescimento do formação de professores, para garantir o capitalismo. E esta não é uma tarefa só
feminicidio; o Estado autoritário, e suas que conquistamos de mais avançado no dos profissionais da Educação.
formas de dominação no Brasil contem- Plano Nacional de Educação e que é de A classe trabalhadora deve chamar
porâneo; ao aprofundamento do Estado interesse da classe trabalhadora. Temos para si tais tarefas, em suas dimensões
de Exceção. que derrotar o setor privatista que assal- de tarefas imediata, mediata e histórica.
A caracterização da perversa bur- tou o governo, os Ministérios, o Conselho Isto implica na construção, reconstru-
guesia brasileira e o crescimento de ten- Nacional de Educação e o Fórum Nacio- ção, na defesa dos instrumentos de luta
dências fascistas, ou no mínimo o cres- nal de Educação. A defesa da Educação social, dentro do que consta a defesa do
cimento da Nova Direita, não nos deixa Pública, Laica, Democrática, Inclusiva, Partido Político, em especial, o Partido
margem de segurança e tranquilidade. A de qualidade socialmente referenciada, dos Trabalhadores, considerando o que
luta de resistência nunca foi, não está e é uma questão vital e necessária para a foi capaz de fazer pela educação, apesar
não será nada fácil. classe trabalhadora. É uma necessidade de todas as contradições, reconhecidas
A ditadura do grande capital está nos histórica. e dos erros cometidos, em 13 anos de
levando a Guerra Hibrida. O crescimento A função social da escola, de garantir mandato no governo federal e o que será
de um regime autoritário é evidente na o acesso ao patrimônio cultural da huma- capaz de fazer agora tirando as lições da
forma de governar por portarias, decre- nidade visando elevar a capacidade teóri- história.
tos, leis que inclusive são inconstitucio- ca da classe trabalhadora, está definitiva-
nais. As forças destrutivas ligadas aos se- mente ameaçada. A teoria Pedagogia His- *CELI TAFFAREL é professora doutora
tores rentistas e fundomonetarista, com tórico-Critica, que completa este ano 40 em Educação. Em 2018 foi candidata à
seus ajustes estruturais, estão destruindo anos de desenvolvimento no Brasil, ba- presidência do Andes-SN, encabeçando
as forças produtivas. seada na teoria histórico cultural, na pe- a chapa Renova Andes-SN

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 49


SAÚDE

O SUS em tempos sombrios

C
Aparecida Linhares Pimenta* om o Golpe que derru- Em 2018, durante a campanha elei-
bou a Presidenta Dilma toral Bolsonaro se manifestou várias ve-
em 2016, os cargos de zes de maneira agressiva em relação aos
O SUS vive uma das direção do Ministério médicos cubanos, questionando a digni-
da Saúde passaram a dade e profissionalismos dos mesmos, e
maiores crises de ser ocupados por indica- afirmou, com sua linguagem chula, que
sua história, e para ções partidárias de pessoas sem a mínima com “uma canetada devolveria os médi-
qualificação técnico-política para dirigir o cos para a ditadura cubana”. O governo
alguns especialistas, a Sistema Único de Saúde, e o Ministério cubano se antecipou e no final de 2018
própria sobrevivência perdeu capacidade de formular, induzir começou a retirar os médicos do Brasil,
e monitorar as políticas nacionais que vi- e o Governo Bolsonaro já eleito não fez
do Sistema estaria em nham sendo implementadas nos 30 anos nenhum esforço para manter os cubanos
jogo na conjuntura de história do SUS. nos municípios brasileiros.
Políticas nacionais como a Saúde Com isso terminou uma experiência
atual. Mental, com forte componente de reco- bem sucedida que mudou a realidade da
nhecimento dos direitos das pessoas com Atenção Básica em milhares de municí-
transtornos mentais a serem assistidas pios, e chegou a contar com mais de 11mil
numa rede de serviços comunitários, em médicos cubanos no Programa Mais Mé-
substituição aos manicômios, sofreu um dicos/PMM, criado pela Presidente Dilma
duro golpe no Governo Temer. A “nova” em 2013, através da Lei 12.871, que teve
Portaria da Saúde Mental aumenta recur- como objetivo reduzir desigualdades re-
sos para os manicômios, para as comuni- gionais no atendimento das necessidades
dades terapêuticas, para serviços ambu- de saúde da população, disponibilizando
latoriais, e congela recursos de custeio de médicos cubanos e brasileiros nas regiões
CAPS, e para Serviços Residenciais Tera- mais vulneráveis do país.
pêuticos/SRT para “moradores” de mani- Um dos fatos mais relevante na crise
cômios. E hoje existem centenas de CAPS atual é o agravamento do subfinancia-
e SRT funcionando há mais de um ano mento federal do SUS, com a aprovação
sem repasse federal. da Emenda Constitucional 95/2016, que
Outra política que foi destruída no congela os gastos com saúde e educação
final de 2018 foi o “Programa Mais Mé- por 20 anos, e que vem provocando di-
dicos” com interrupção do intercâmbio minuição real do gasto federal em saúde,
com Cuba, o retorno de milhares de mé- com a respectiva diminuição do percen-
dicos cubanos, o que provocou a desassis- tual de gasto em relação às Receitas Cor-
tência de milhões de brasileiros nos mu- rentes Líquidas da União.
nicípios mais vulneráveis, na periferia das A manutenção da EC 95 pode invia-
grandes cidades e regiões metropolitanas, bilizar o SUS e comprometer a garantia da
e nas populações indígenas. universalidade e integralidade do Sistema,

50 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


SAÚDE

Outra área importante


para a população brasileira
que vem sofrendo com o
desfinanciamento federal
é a Política Nacional de
Assistência Farmacêutica,
com falta de medicamentos
em áreas cruciais, como
medicamentos para
transplantados, para hepatite,
para diabetes, entre outros

considerando que os municípios já gastam conformidade com as normas do SUS, que Essa interrupção poderá causar desabas-
em torno de 25% do Orçamento próprio estabelecem a obrigatoriedade do cofinan- tecimento desses insumos para os usuá-
em saúde, o que representa quase o dobro ciamento federal para esses serviços, e os rios do SUS, e torna o Brasil ainda mais
do mínimo estabelecido por Lei, e não tem recursos não são repassados. exposto às variações e interesses do mer-
condições de aumentar esse gasto. Há ainda o aprofundamento da com- cado internacional na área da indústria
Como o aumento da expectativa de pra do voto dos deputados federais e sena- farmacêutica, uma das mais poderosas
vida e envelhecimento da população e dores, através de emendas parlamentares do mundo.
crescimento das doenças crônicas, um impositivas, com recursos orçamentários O ministério da saúde do Governo
sistema universal como o SUS exige atua­ do SUS, o que também diminui os repas- Bolsonaro não está abastecendo estados
lização permanente dos recursos orça- ses regulamentares do Ministério para es- e municípios com insumos fundamentais
mentários e financeiros da União, o que é tados e municípios. para a saúde da população brasileira; fal-
inviabilizado pelo congelamento de gastos Outra área importante para a popu- ta soro antirrábico, faltam vacinas; falta
federais com a saúde. lação brasileira que vem sofrendo com o inseticida para o combate ao aedes. E há
O atual Ministro da Saúde defende a desfinanciamento federal é a Política Na- desresponsabilização do Governo Federal
EC 95, e tem usado um expediente extre- cional de Assistência Farmacêutica, com para o enfrentamento das arboviroses,
mamente perverso de subfinanciamento, falta de medicamentos em áreas cruciais, tais como dengue, zika, febre amarela.
através da morosidade de credenciamen- como medicamentos para transplanta- Esse mês foi publicado na Revista
to de serviços e do repasse de recursos de dos, para hepatite, para diabetes, entre Lancet artigo sobre a saúde no Brasil de-
custeio para equipamentos de saúde já em outros. Em meados de julho de 2019 nos monstrando que nos 30 anos de história
funcionamento, implantados e custeados deparamos com a notícia de suspensão do SUS, houve redução na desigualdade
pelos municípios. São centenas de Equi- de 19 contratos de Parcerias para o De- do acesso aos serviços de saúde e melho-
pes de Unidades Básicas de Saúde, Cen- senvolvimento Produtivo/PDP, celebrados ria de indicadores de saúde importantes.
tros de Atenção Psicossocial/CAPS, Re- por laboratórios públicos brasileiros para O artigo coloca ainda que as políticas
sidências Terapêuticas, Centros Especia- incorporação tecnológica para produção fiscais adotadas a partir de 2016 e sub-
lizados de Reabilitação para deficientes, de medicamentos como insulina, medi- financiamento do Sistema colocam em
Serviços de oncologia, leitos hospitalares, camentos para tratamentos de câncer, risco os avanços do Sistema na conjun-
que foram criados pelos municípios, em vacinas e outros insumos estratégicos. tura atual.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 51


SAÚDE

O ministro da Saúde, Luiz Henrique


Mandetta, e sua equipe receberam
vaias da plenária da 16ª Conferência
Nacional de Saúde

Por outro lado, milhares de trabalha-


dores de saúde, centenas de gestores dos
estados e municípios cotidianamente fa-
Diferente da gestão Um dado a ser considerado é que o zem o SUS continuar resistindo e existin-
Ministro da Saúde do Governo Bolsonaro do em cada encontro de um trabalhador
Temer, que colocou e sua equipe tem um projeto para a saúde com um usuário. Cada consulta médica,
no Ministério pessoas no Brasil e está se organizando para colo- de enfermagem, de psicólogo, de den-
ca-lo em prática. Diferente da gestão Te- tista, de fisioterapeuta, de nutricionista,
sem condições de mer, que colocou no Ministério da Saúde em cada visita do agente comunitário,
comandar a pasta, pessoas sem condições de comandar uma em cada grupo que se reúne para discutir
pasta com a complexidade que é o MS, autocuidado e como lidar com o processo
a atual equipe tem a atual equipe tem projeto consistente saúde doença de do idoso, cada paciente
projeto consistente de desmonte do SUS, tem discurso, tem com câncer. Cada ato desses é o SUS exis-
articulação com o Congresso Nacional e tindo e resistindo. A força viva desse SUS
de desmonte do SUS, com a Medicina Suplementar, e defende real é o que nos faz ter esperança que,
tem discurso, tem os interesses corporativos das entidades mesmo com o Governo Bolsonaro, vamos
médicas. As forças contrárias ao SUS são ser capazes, coletivamente, de continuar
articulação política e hoje extremamente poderosas, e se mo- construindo essa política pública tão es-
sencial para a população brasileira.
defende os interesses vimentam para o desmonte do sistema.
Em agosto de 2019 ocorre a 16ª E no mundo da política as dispu-
corporativos das Conferencia Nacional de Saúde (CNS), tas, as lutas de resistência, são decisivas
para definir não só o resultado, mas todo
entidades médicas com cerca de 5000 participantes de todo
o país, com representação de usuários, processo de construção/desconstrução de
e os interesses do trabalhadores da saúde e gestores. A 16º uma política como é o SUS.
A luta continua!
setor privado de CNS foi precedida de milhares de confe-
rências municipais, regionais e estaduais,
saúde com debates acalorados e aprovação de *APARECIDA LINHARES PIMENTA
propostas para o fortalecimento do SUS. é médica sanitarista do SUS, doutora
E o Ministério da Saúde terá de lidar com em Saúde Coletiva pela Faculdade de
esse movimento nacional. Ciências Médicas da Unicamp

52 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


SAÚDE

Bolsonaro lança o Médicos pelo Brasil (MPB)


O Governo Bolsonaro foi obrigado a Bolsonaro foi
reconhecer o êxito do Programa Mais Mé- obrigado a
dicos (PMM) e formulou a Medida Provisó- reconhecer
ria n° 890/2019 criando um programa para o êxito do
substituir o anterior. Apesar de suas falas Programa Mais
chulas e desqualificadas sobre o Programa Médicos
anterior, a realidade se impôs e haverá sim
um Programa em que o Ministério da Saúde
irá contratar médicos bolsistas com recursos
federais para trabalhar nas Unidades Básicas
de Saúde dos municípios mais vulneráveis.
Esse reconhecimento é importante, in-
clusive considerando que o atual Ministro da
Saúde foi um dos principais opositores no
Congresso Nacional em 2013 contra o Pro-
grama. Junto com Ronaldo Caiado e outros
deputados e senadores, tomou várias inicia-
tivas focadas na inconstitucionalidade para
tentar inviabilizar a Lei do PMM. danças curriculares voltadas para formação ocorrer no final de 2021 e início de 2022, úl-
Apesar desse reconhecimento, as di- de médicos para o SUS e, ao mesmo tempo, timo ano do governo Bolsonaro. Toda propa-
ferenças em relação ao Programa anterior tornar obrigatório um ano de Residência de ganda feita com o lançamento do Programa
são muito maiores do que parece à primeira Saúde da Família e Comunidade nas unida- pelo Ministro Mandetta é que os médicos
vista. des do SUS, como pré-requisito para fazer serão contratados por CLT, com salários que
A primeira diferença é que o Programa Residência Médica nas Especialidades esco- poderão chegar em 30 mil reais.
atual é exclusivamente para médicos brasi- lhidas pelos médicos recém formados. Mas o mais grave na MP 890 é a criação
leiros, não abrindo qualquer possibilidade Esses dois Eixos essenciais do Progra- de uma Agência Nacional para o Desenvolvi-
para médicos estrangeiros. As consequên- ma anterior simplesmente desapareceram mento da Atenção Primária em Saúde, servi-
cias previsíveis dessa decisão: as vagas nos no Programa atual, ferindo de morte a possi- ço social autônomo, de direito privado, que
locais mais vulneráveis não serão ocupadas bilidade de ter uma política de longo prazo irá não só contratar os médicos, mas assu-
pelos médicos brasileiros que, via de re- de formação de médicos para o SUS. O Pro- mir atribuições que são de competência do
gra, não querem trabalhar em locais de alta grama anterior previa uma forte integração Ministério da Saúde, e que representa uma
vulnerabilidade das periferias das grandes interministerial –Saúde e Educação, para privatização radical das responsabilidades
cidades, em municípios distantes dos cen- enfrentar esse grave problema da falta de federais em relação a Atenção Primária.
tros urbanos e distritos indígenas. Ou seja médicos para Atenção Básica. Desde o golpe Com essa Agência o Governo Federal
há grande possibilidade de não ter médicos em 2016 essa política foi abandonada. Ago- repassa para a iniciativa privada atribui-
onde mais precisa! A grande “sacada” do ra a MP a enterra definitivamente, cedendo à ções essencialmente do Estado brasileiro.
programa anterior é que os médicos cuba- pressão das entidades médicas que sempre A Agência irá contratar médicos, oferecer
nos eram lotados nos locais que eram deter- se opuseram a essa necessidade do SUS. especialização, fazer incorporação tecno-
minados pelo Ministério, e com isso foi pos- O MPB prevê a contratação de bolsistas lógica, contratar pela iniciativa privada,
sível levar assistência médica para comuni- por dois anos, com especialização em Saú- com outros órgãos públicos como Estados e
dades que sempre ficaram desassistidas. de da Família, sendo os valores das Bolsas Municípios. Ou seja a Agência poderá fazer
A proposta do PMM era garantir o pro- muito semelhantes a bolsa atual, tudo exa- tudo que hoje o Ministério faz.
vimento emergencial com a Cooperação tamente nos moldes do programa anterior. Os deputados da Câmara Federal fize-
Cubana e ter médicos brasileiros recém Depois de dois anos os médicos poderão ser ram 366 emendas na Medida Provisória e o
formados, no médio prazo, em torno de 10 contratados por CLT, com salários melhores debate está em curso. É um disputa política
anos. Isto é, simultaneamente, formar mais do que as bolsas. Isso significa que se os ideológica que trata do caráter público do
médicos para o SUS, através de dois meca- primeiros médicos forem contratados por SUS. É necessário todo empenho e luta das
nismos: ampliar o número de médicos com dois anos como bolsistas no final de 2019 e forças de esquerda para impedir esse retro-
abertura de faculdades de medicina e mu- início de 2020 as contratações por CLT vao cesso. (ALP) .

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 53


SINDICAL

Novo Sindicalismo,
40 anos depois
Marcos Jakoby*
O movimento emergido

E
m 2018 completaram- em 1978 colocaria
-se quarenta anos do
que se convencionou
em cena uma nova
chamar, tanto no movi- classe trabalhadora,
mento sindical quanto
em meios acadêmicos, configurada no
de Novo Sindicalismo. contexto da ditadura
Ressurgia, em 1978, no cenário nacional,
um amplo movimento sindical que se ca- militar e ainda pouco
racterizaria como uma novidade no cam- experimentada na luta
po sindical e político, tanto em razão da
adoção de práticas distintas, quanto por política e na luta
marcar um novo ciclo na história da clas-
se trabalhadora e do país.
de massas
O movimento emergido em 1978 co-
locaria em cena uma nova classe traba- Para aqueles que se alinhavam à com- A caracterização do sindicalismo po-
lhadora, configurada no contexto da di- preensão de que surgia um novo sindicalis- pulista acentuava que a derrota da clas-
tadura militar e ainda pouca experimen- mo, estabeleceu-se o entendimento de que se trabalhadora e da esquerda diante do
tada na luta política e na luta de massas. se tratava de algo diferente em termos de golpe civil-militar de 1964 derivava do
Em 1979, Lula, a principal liderança sur- organização, luta e padrão de atuação do caráter passivo dos trabalhadores perante
gida do ciclo que se abria, fazia a seguinte movimento sindical. Dizia-se mais: trata- o patronato e do atrelamento de suas orga-
constatação: “o que está existindo lá no va-se uma ruptura com o velho sindicalismo, nizações ao Estado. Assim, salientava-se a
ABC, principalmente em São Bernardo, é muitas vezes denominado de populista. Era fragilidade do sindicalismo no pré-1964,
uma massa jovem de trabalhadores, pessoas um recorte, sobretudo, com o sindicalismo o qual estaria preso a uma espécie de
que não aceitam esse tipo de exploração, constituído no período entre 1945 e 1964. “camisa de força”. De um lado, a ação
que querem participar da vida política do Era, ademais, um modo de se contrapor dos trabalhadores estaria submetida a
país, que não viveram o populismo de Getúlio às correntes sindicais que tiveram grande uma estrutura sindical corporativista que
Vargas” (SILVA, 1981:179). O movimento influência sindical no pré-1964, especial- inviabilizava uma atuação autônoma; e,
operário e sindical, que ascende a partir mente às ligadas aos trabalhistas e comu- por outro lado, o populismo político que,
de 1978, é o principal fato político e social nistas, que ainda estavam presentes no utilizando da demagogia e da manipulação,
do final daquela década, contribuindo, de movimento sindical no final da década de teria orientado os trabalhadores e suas
forma determinante, para a derrota da di- 1970 disputando com o novo sindicalismo a organizações para uma política de colabo-
tadura militar. hegemonia no movimento sindical. ração de classes.

54 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


SINDICAL

salarial e trabalhista que aumentava o grau em 1978, que não ocorreu somente no ABC
de exploração sobre a classe trabalhadora assa- paulista, ou tampouco no eixo Rio-São Paulo,
lariada, estabelecia o fim da estabilidade mas em todo país, representava um enfren-
no emprego, permitindo assim aumentar tamento à ditadura e aos capitalistas; e, tal
a margem dos lucros por meio da incor- situação, revelou a existência de contra-
poração de novos trabalhadores com sa- dições, posturas e táticas diferentes fren-
lários menores. O fim da estabilidade no te à conjuntura no movimento sindical.
setor privado teve também o objetivo de É possível identificar, no movimento
minar a organização sindical, uma vez sindical do final da década de 1970, dois
que muitos de seus dirigentes e represen- grandes blocos, “de um lado, os chama-
tantes tinham na estabilidade uma pro- dos sindicalistas autênticos reunidos em
teção contra ameaças e demissões. Todas torno dos sindicalistas metalúrgicos do
essas condições favoreceram o cresci- ABC, agregando sindicalistas de diver-
mento econômico entre 1968 a 1974, que sas categorias e partes do País, os quais,
atingiu índices de crescimento entre 9% com os grupos integrantes das chamadas
a 10%. Oposições Sindicais compunham o autode-
É dentro deste contexto que se dese- nominado bloco combativo”, de outro lado
nhará uma nova configuração da classe tra- “a Unidade Sindical que agrupava lideran-
balhadora: “A intensificação da introdução ças tradicionais no interior do movimen-
de plantas industriais modernas e sua con- to sindical, muitos deles vinculados aos
centração geográfica (processo que se inicia setores denominados pelegos, e os mili-
em fins dos anos 1950) vão possibilitar o tantes de setores da esquerda, tais como
surgimento do que se convencionou cha- o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o
mar de “nova classe operária”. Ainda que Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o
não exclusivamente, serão estes os atores Movimento Revolucionário 8 de Outubro
que despontarão mais tarde, auxiliando na (MR8). Estes dois blocos seriam as bases
Essa caracterização, contudo, atu- crise final da ditadura militar.” (SANTANA, de sustentação dos organismos intersin-
almente é relativizada e contestada em 2014: 172). dicais de cúpula.” (SANTANA, 1998:21).
muitos aspectos pela historiografia. Ao Entre 1978 e 1979 a classe trabalha- O primeiro bloco, sintonizado com o
olharmos e analisarmos a experiência da dora voltaria, depois de muitos anos e que seria chamado de novo sindicalismo, o
classe trabalhadora daquele período, in- diante do arrocho salarial, a mobilizar-se qual desembocaria na formação da CUT
clusive em âmbito sindical, perceberemos de forma mais aberta e combativa, ini- e que se constituiu como importante ver-
que a caracterização acima se mostra pro- ciando um intenso processo de mobiliza- tente do Partido dos Trabalhadores (PT),
blemática e insuficiente. Ao mesmo tem- ção que contribuiu na luta pela transição defendia a mobilização, a organização autôno-
po, muitas lideranças e setores cutistas democrática. “O ponto inicial desse ciclo ma dos trabalhadores e o enfrentamento por
reconhecem hoje no “velho sindicalismo” de lutas é a greve na fábrica Saab Scania meio da greve, quando necessário. Já o segun-
uma herança importante de lutas e tra- do Brasil, deflagrada no dia 12 de maio do bloco “apesar de reconhecer a legiti-
jetórias, que não podem ser ignoradas, de 1978. É nesse contexto que o “novo midade das demandas dos trabalhadores,
identificando entre o velho e o novo sin- sindicalismo” emerge na cena política achavam que o momento político vivido
dicalismo rupturas, mas também conti- do país chamando a atenção de amplos pelo país era muito delicado e a prioridade
nuidades. setores da sociedade, por meio do Sindi- da agenda da nação era a garantia da aber-
No período subsequente, a partir do cato dos Metalúrgicos De São Bernardo tura democrática e, portanto, o momento não
golpe militar de 1964, desenvolveu-se, do Campo”.(MELLI, COSTA e VISCOVI- era de confronto, o que não significou, por
por meio do Estado, uma nova política NI, 2013: 07). A disseminação das greves sua vez, que não dessem apoio as lutas

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 55


SINDICAL

Foto: Vera Jursis

A CUT, fundada em
1983, na esteira no
do novo sindicalismo,
surgiu com o
compromisso de
lutar pela mudança
da estrutura sindical
visando conquistar a
liberdade e autonomia
sindicais
Congresso de fundação da CUT em São Bernardo do Campo. Agosto 1983

operárias” (MELLI, COSTA e VISCOVI- cil do que se previa - e, por outro lado, há BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
NI, 2013: 08). Hoje, ao fazermos um ba- lideranças e setores dentro e fora da CUT
FORTES, Alexandre [et al]. Na luta por direitos: leitu-
lanço das implicações destas diferentes que rebaixaram os objetivos e o perfil do ras recentes em história social do trabalho. Campi-
orientações, é razoável afirmarmos que a Novo Sindicalismo surgido no final da dé- nas, SP: Editora da Unicamp, 1999
postura de mobilização aberta e de con- cada de 1970. JAKOBY, Marcos André. A organização sindical dos
testação política, que preponderou, foi um Por fim, cabe ressaltar que hoje, trabalhadores metalúrgicos de Porto Alegre no perí-
ponto de apoio fundamental para a derrota o sindicalismo combativo e surgido do odo de 1960 a 1964. Dissertação de Mestrado, UFF.
da ditadura militar e a transição democráti- Novo Sindicalismo tem um desafio tão 2008.

ca. Acumulou forças para organização e grande quanto àquele do final da déca- MELLI, Ana Paula; COSTA, Hélio da; VISCONVINI, Le-
consciência da classe trabalhadora, bem da de 1970: ajudar derrotar o golpismo nir. O Novo Sindicalismo e a Fundação da CUT. Carti-
lha da CUT, São Paulo. 2013.
como para assegurar importantes direitos e toda a coalizão que levou o bolsona-
sociais e trabalhistas na Constituição Fe- rismo ao governo, cujas medidas se MUKANATA, k. O lugar do movimento operário. Anais
deral de 1988. caracterizam por uma sucessão de ata- do Encontro Regional da ANPUH/SP. Araraquara,
ANPUH/UNESP, 1980.
A CUT, fundada em 1983, na esteira ques aos direitos e conquistas da classe
no do novo sindicalismo, surgiu com o trabalhadora, inclusive a sua possibili- SADER, Eder. Quando novos personagens entram em
compromisso de lutar pela mudança da dade de se organizar e de lutar. Neste cena. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1980.

estrutura sindical visando conquistar a sentido, as lutas sindicais e operárias SANTANA, Marco Aurélio. O ‘Novo’ e o ‘Velho’ sindi-
liberdade e autonomia sindicais, de pau- daquele período nos legaram uma li- calismo: Análise de um debate. In: Revista de Socio-
tar um sindicalismo classista e comba- ção: será necessário muita organização, logia e Política, Curitiba, 1998.

tivo, que primasse pela organização nos mobilização de massas e uma orientação de SANTANA, Marcos Aurélio. Trabalhadores, sindica-
locais de trabalho, mantendo a autono- confronto político com as classes dominantes tos e regime militar no Brasil. In.: PINHEIRO, Milton
mia e a independência frente ao Estado e com vistas a criar as condições que tor- (org.) Ditadura: o que resta da transição. São Paulo:
Boitempo, 2014.
ao patronato. Hoje, passados mais de 40 ne possível às forças populares e demo-
SILVA, L. I. da. (1981). Lida: entrevistas e discursos.
anos da emergência do Novo Sindicalismo, cráticas saírem da defensiva e abrirem São Paulo, O Repórter / Núcleo Ampliado de Profes-
pode-se dizer que muitas conquistas fo- caminho para um ciclo de profundas sores PT/SP.
ram obtidas e que importantes avanços transformações em nosso país. WEFFORT, Francisco. Origens do sindicalismo popu-
na organização da classe foram constru- lista no Brasil. Estudos Cebrap, n. 4, 1973.
ídos. Contudo, a superação completa da *MARCOS JAKOBY é professor da
estrutura sindical corporativista ainda rede municipal de Sapucaia do Sul /RS
está por ser feita - e se mostra mais difí- e militante petista.

56 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


SINDICAL

Este texto é uma


atualização do
texto publicado por
Cartografia das
Esquerda Petista,
em agosto de 2014, CENTRAIS SINDICAIS
e apresenta de
maneira sintética
as principais
brasileiras
Centrais Sindicais Leandro Eliel P. Moraes*
existentes, hoje, no
Brasil. Esperamos Antecedentes do movimento operário brasileiro

C
que erros de om o fim do traba- Jornal foi fundado
informação e lho escravo, com a na cidade do Rio
de Janeiro, em
exploração da força
resumos polêmicos 1908, como parte
de trabalho assa- das atividades
sejam informados lariada, com a len- promovidas pela
Confederação
para correções ta industrialização
Operária Brasileira
brasileira no final do
e registros de
século XIX, a classe operária organiza-se. deputado Hermes da Fonseca. Os setores
divergências na Em 1858, com os gráficos no Rio de Ja- combativos do movimento operário, im-
próxima edição neiro, temos registro da primeira greve pedidos de tomar o congresso como pla-
no país. Com a vinda de imigrantes para nejado, reagiram e reorganizaram a COB,
desta revista. o Brasil, principalmente de trabalhado- em 1913. Até a década de 1920, os sin-
res italianos, as primeiras organizações dicalistas revolucionários foram a princi-
socialistas, anarquistas, sindicalistas re- pal organização dirigente do movimento
volucionárias serão impulsionadas. Em operário, conduzindo a Greve Geral de
1906, sob hegemonia dos sindicalistas 1917, a tentativa de insurreição de 1919
revolucionários (uma das tendências, a e a reorganização da COB, em 1920, além
dos anarquistas), a Confederação Operá- de inúmeras experiências, compartilha-
ria Brasileira (COB) é fundada. Além da das com outros setores, de imprensa ope-
brutal repressão exercida pelo Estado, na rária, de bibliotecas populares, de intensa
defesa dos interesses empresariais, hou- atividade cultural e educacional próprias.
ve uma tentativa de organização sindi- Com os impactos da Revolução
cal “oficial” ou, para usarmos um termo Russa pelo mundo afora, no Brasil in-
mais atual, “pelega”, “amarela”, com a clusive, parcela dos anarquistas e das
convocação do denominado Congres- primeiras organizações comunistas
so Amarelo, em 1912, que elegeu como fundam o Partido Comunista do Brasil
presidente da fundada Confederação (PCB), em 1922, e atuam na reorgani-
Brasileira dos Trabalhadores (CBT), o zação do movimento operário, fundan-

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 57


Foto: Ernesto Andrade

2019: No Vale do Anhangabaú em São Paulo (SP), pela primeira vez, todas as centrais sindicais realizaram um ato unificado do 1º e Maio

do, em 1929, a Confederação Geral dos experiências do Movimento Unificador mou corpo e foi convocada, em 1981, a
Trabalhadores do Brasil (CGTB). A Lei dos Trabalhadores (MUT), do Pacto de 1ª Conferência da Classe Trabalhadora
de Sindicalização de 1934 provoca uma Unidade e Intersindical (PUI), do Pacto (CONCLAT). As divergências políticas e
crise no movimento sindical combati- de Unidade e Ação (PUA) constituído a proposta de construção de uma Central
vo, pois atrelou a organização sindical na greve de 1953, a Confederação Geral Sindical unificada dividiram as organi-
brasileira ao Estado. Com exceção das dos Trabalhadores é fundada em 1962. zações sindicais em dois blocos: os seto-
organizações anarquistas, as demais Com o Golpe Militar, em 1964, o res combativos - o “novo sindicalismo”,
organizações aceitaram a disputa “por movimento operário foi reprimido de majoritariamente petistas, defendiam a
dentro”. Isso explica, em parte, o enfra- forma ainda mais intensa. Além disso, construção de uma Central Única dos
quecimento dos anarquistas e o início em função da crise que se abateu sobre Trabalhadores, eram críticos da estrutu-
da hegemonia comunista no movimen- os motivos daquela derrota, os comunis- ra sindical vigente e defendiam um pro-
to operário, que perdurou até o Golpe tas, que perderam hegemonia sobre o jeto socialista, enquanto que os setores
Militar de 1964. Não é intenção deste movimento sindical que se fragmentou, moderados, com presença dos pelegos
texto analisar esse período, ficando ape- foram substituídos por direções sindi- – o “velho sindicalismo”, do MR8, do
nas registrado que a nova dinâmica de cais pelegas e oficiais. PCB e do PCdoB, defendiam a estrutu-
industrialização e urbanização, a partir ra sindical oficial e uma postura política
da década de 1930, criou uma classe A reorganização do movimento de não enfrentamento (o pacto social)
trabalhadora assalariada mais numero- operário e a CONCLAT diante da redemocratização. Diante do
sa e que os comunistas, principalmente, impasse, em 1983, a CUT é fundada pe-
foram a vanguarda da classe operária, A partir das grandes manifestações los setores mais combativos e, em 1986,
atuando sob clandestinidade na quase operárias reiniciadas em 1977, o deba- a Confederação Geral dos Trabalhadores
totalidade desse período. A partir das te sobre a reorganização sindical to- é fundada pelos setores moderados.

58 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


SINDICAL

Central Única dos Trabalhadores – CUT www.cut.org.br


A CUT foi impulsionada pela luta desse Congresso representavam 17% do
política e econômica contra a ditadura total de delegados, número consideravel-
militar e pelo debate sobre a transição mente inferior aos cerca de 70% dos I e II
política, defendendo a greve geral como CONCUT’s.
processo de mobilização da classe traba- Esse processo de institucionalização
lhadora para enfrentar a crise econômica. e burocratização intensificou-se com as
Em relação a organização sindical, a CUT ações promovidas, principalmente, a par-
nasce defendendo a convenção 87 da OIT tir dos anos 90, por grandes sindicatos
(Organização Internacional do Trabalho) dirigidos pela ARTSIND (Metalúrgicos
- a liberdade e autonomia sindicais-, uma do ABC e Bancários de SP, por exemplo)
perspectiva classista de unidade entre a ao Congresso com o “funil” dos Congres- e pela CUT na organização das Câmaras
luta econômica e política, um sindicalis- sos Estaduais, diminuindo o número de Setoriais, no envolvimento com projetos
mo de base e democrático. Os principais delegados/as ao CONCUT. (MARQUES, de formação profissional e de cooperati-
setores que fundaram a CUT foram o 2005). Essas alterações provocaram um vismo/empreendedorismo com recursos
“novo sindicalismo” ou “sindicalistas au- afastamento da base e um controle maior do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalha-
tênticos”, setores marxistas, setores pro- das lideranças sobre a direção da CUT. As dor), na constituição de um “sindicalis-
gressistas da igreja católica, entre outros. eleições de 1989, o balanço sobre a derro- mo cidadão”, a participação no ”entendi-
Durante a década de 1980, a CUT ta do PT, os impactos do neoliberalismo mento nacional”, proposto pelo Governo
produziu mobilizações de massa e greves sobre a classe trabalhadora brasileira pro- Collor, construindo assim uma perspecti-
gerais. A CUT e o PT reuniram os setores duziram, no Partido e na CUT, diferentes va de ação conjunta entre trabalhadores,
mais combativos da luta política e social avaliações e estratégias de luta política e patrões e governos para a resolução das
do país, num claro enfrentamento à or- sindical a partir da década de 1990. Nessa mazelas sociais.
dem estabelecida. Entre o final dos anos conjuntura, as divisões provocadas no in- No início dos anos 90, com o fim da
1980 e início dos 90, mudanças impor- terior do PT se reproduziram na CUT. Um CUT PELA BASE (1992), surge, a partir
tantes aconteceram. exemplo disso foi a recusa inicial da CUT, dela, uma nova corrente sindical, a Al-
No III CONCUT, em 1986, As diver- por meio de seu setor majoritário (Arti- ternativa Sindical Socialista (ASS), uma
gências no interior da CUT cristalizaram- culação Sindical - ARTSIND), do “Fora frente de correntes (Democracia Socia-
-se em diversas tendências, conforman- Collor”, na defesa da institucionalidade lista – DS, Força Socialista – FS, Fórum
do-se em três chapas. A ARTSIND con- democrática. Socialista, entre outras). Em 1997, como
figura-se como corrente interna e majo- O IV CONCUT, em 1991, aprofundou expressão da ruptura interna no PT, a
ritária (chapa 1), a CUT PELA BASE, o as mudanças iniciadas no Congresso an- Articulação de Esquerda (AE) rompe
PCO, e outras tendências (chapa 2), e a terior, aumentando ainda mais o controle com a ARTSIND e estrutura-se como or-
Convergência Socialista (chapa 3). da ARTSIND sobre a direção, diminuin- ganização petista que atua no movimen-
As alterações estatutárias aprovadas do a presença dos setores minoritários. to sindical, compondo com os setores à
do III CONCUT indicaram os rumos que Quase todo o tempo de debates desse esquerda da CUT. A corrente O Trabalho,
a CUT tomaria, como a alteração na tira- Congresso foi tomado pela discussão so- que inicialmente estabeleceu uma rela-
gem de delegados/as, que não foi mais bre a composição da direção, indicando o ção mais próxima à ARTSIND, também
contabilizada a partir da presença em as- processo de burocratização da CUT e de situava-se à esquerda, assim como a
sembleias, mas pelo número de sindicali- adaptação à estrutura sindical anterior- ASS, entre outras.
zados, excluindo variados setores que es- mente criticada. A entrada da Unidade A partir do início do Governo Lula,
tavam fora da estrutura sindical do Esta- Classista na CUT (PCB e PCdoB), tam- após a Reforma da Previdência, as diver-
do e dos trabalhadores informais (rurais, bém com posições moderadas em rela- gências internas acirraram-se e a frag-
entre outros); a diminuição da represen- ção a conjuntura política e a estrutura mentação no campo político-partidário
tação das oposições sindicais; a diminui- sindical, reforçou esse processo. Os/as expressou-se na CUT, em que cada Cen-
ção das eleições de delgados/as de base delegados/as de base que participaram tral construída abrigou setores partidários,

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 59


SINDICAL

conforme veremos adiante. Inicialmente,


os que romperam com a Central, como
Atualmente, as principais correntes internas na CUT são:
a Convergência/PSTU, setores da antiga
CUT PELA BASE, PCB, setores que for- Articulação Sindical (ARTSIND) Articulação de Esquerda (AE) -
mariam o PSOL e as duas Intersindicais, – oriunda do “novo sindicalismo”, cons- A Articulação de Esquerda (AE) surgiu
tiveram nítidas divergências políticas. Ou- tituiu-se como corrente interna em 1986, em 1993. Somente em março de 1997, a
tros setores, como a CSC/PCdoB, rompe- tendo como fundadores muitos dos sig- partir do rompimento com a ARTSIND,
ram, principalmente, com a perspectiva de natários do “Manifesto dos 113”, corren- construiu-se uma atuação própria no
acessarem diretamente os novos recursos te interna do PT. “No movimento sindical movimento sindical. O setorial sindical
que as centrais sindicais tiveram direito. A cutista, esses mesmos sindicalistas e ou- da AE é composto por sindicalistas petis-
partir daí, CUT passou a ser, quase que ex- tros, independentes, entendiam que era tas que têm como referência as posições
clusivamente, com a exceção da presença necessário unir aqueles que se identifica- da corrente. Defende a disputa dos ru-
do PCO, uma Central petista. vam com a concepção sindical de cons- mos da Central Única dos Trabalhadores,
Diante do Governo Lula e Dilma, a trução e fortalecimento da CUT como tendo como perspectiva conquistar uma
ARTSIND, amplamente hegemônica, central sindical que mobiliza, organiza e hegemonia em seu interior para posições
aprofundou o processo de institucionali- dirige as lutas dos trabalhadores, e não socialistas, defendendo uma CUT classis-
zação e burocratização da CUT, compro- apenas enquanto ‘movimento’”. “Desde ta, democrática, de luta, de massas, pela
metendo sua independência e seu caráter então, a ArtSind cresceu, se estruturou e base e engajada no processo de transfor-
classista. A nosso ver, isso não se comple- vem, ao longo desses anos, consolidando mação da sociedade brasileira em direção
tou pela dinâmica de luta de classes no uma central sindical pluralista, com con- ao socialismo. (http://www.pagina13.org.
país, cuja burguesia não suporta níveis cepção e prática classistas, democráticas, br/frentes/sindical/)
crescentes de democratização, de aumen- e a partir do 4º Concut, em 1991, vem
tos salariais e de baixos níveis de desem- consolidando uma CUT Cidadã. ” (http:// O Trabalho (OT) – Oriunda da Orga-
prego, entre outros fatores. O ambiente artdosaber.org.br/artsind.html). A ART- nização Socialista Internacionalista (OSI),
de luta durante o Governo lula e Dilma, SIND é a corrente majoritária da CUT. que editava o jornal O Trabalho, em 1978,
diferente do que prega a extrema esquer- Outros setores moderados petistas tam- atuou na fundação do PT e da CUT. É uma
da, é mais favorável para as conquistas bém participam dessa corrente sindical. organização trotskista que atua “pela re-
e as lutas da classe trabalhadora, ainda construção da 4ª Internacional (reprocla-
que extremamente limitadas, do que o Corrente Sindical Democrática mada em 1993), na linha da luta por par-
ambiente vivido no período anterior de (CSD) – “Nasce em 2002 para contribuir tidos operários independentes e de ajuda
consecutivas derrotas (Governos Collor, com o esforço coletivo de tornar o sindica- à centralização da luta internacional dos
Itamar, FHC). Nesse sentido, mesmo lismo cutista uma ferramenta mais eficaz trabalhadores contra o imperialismo, que
com essas características moderadas da na nova fase da luta de classes. A tarefa é deu origem ao Acordo Internacional dos
CUT, a burguesia não hesita em trata-la ainda mais urgente porque a disputa de ru- Trabalhadores em 1991. Nosso combate
como inimiga de classe, e a necessidade mos no país está, novamente, na ordem do no PT, nos sindicatos, na CUT e nos mo-
de resgatá-la como instrumento de luta é dia. As forças democrático-populares têm vimentos populares é a defesa da unidade
fundamental. chances reais de conquistar o governo cen- dos trabalhadores em seu terreno inde-
Diante do golpe de 2016, da refor- tral do Brasil e abrir caminhos para a dis- pendência de classe contra o imperialis-
ma trabalhista do governo Temer, das re- puta pelo poder.” (www.csd.org.br). A CSD, mo. ” (www.otrabalho.org.br).
formas em curso no governo Bolsonaro, que no PT referencia-se na tendência De-
houve uma unidade de variadores setores mocracia Socialista, além de agrupamento Esquerda Popular e Socialis-
sindicais, da direita à esquerda, no en- regionais, na trajetória da CUT, atuou na ta (EPS) – Surgiu em 2001, agregan-
frentamento à atual política ultraliberal, CUT PELA BASE e na ASS. Hoje, configu- do militantes que romperam com a AE
culminando em manifestações massivas ra-se como corrente moderada no interior e da corrente Tendência Marxista. Atua
e na greve geral de 14 de junho de 2019. da CUT, as vezes à direita da ARTSIND. com organização própria no movimento

60 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


SINDICAL

sindical e defende “trabalhar para o estreitamento e a recu-


peração das relações políticas e orgânicas do Partido, com as Intersindical –
forças sociais mais combativas e identificadas com o mundo do Instrumento de Luta e
trabalho, na luta fundiária (urbana e rural), pela redução da Organização da Classe Trabalhadora
jornada do trabalho, pelos direitos dos setores oprimidos nos
costumes e na cultura, pelo combate à ditadura do capital fi- Fundada em 2006, após o 9º CONCUT, a ASS, entre outras or-
nanceiro, sempre na perspectiva do socialismo .(http://esquer- ganizações, rompe com a CUT, propondo-se a organizar um
dapopularsocialista.com.br) processo de resistência com sindicatos cutistas e não-cutistas
em que “a construção da Intersindical tem como objetivo or-
Partido da Causa Operária – PCO - A Causa Operá- ganizar e mobilizar os (as) trabalhadores (as) do campo e da
ria, partido trotskista, participou da fundação da CUT e tem cidade para o enfrentamento de classe. E que, para isso, retome
presença reduzida no movimento sindical. Para eles “a CUT é, junto com as ações conjuntas, a preocupação militante com a
entre as quase 18 siglas que querem representar uma central formação e a organização no local de trabalho; que dialogue
sindical, a única organização sindical real. É um resultado da e atue com os movimentos sociais; que possa na diversidade
mais poderosa mobilização operária jamais ocorrida no Brasil construir a unidade daqueles que não se renderam à concilia-
e que conseguiu transformar-se em organização das massas ção de classes e que reafirmam a necessidade de construir um
operárias em escala nacional. ” E suas críticas não poupam sindicalismo autônomo e independente dos patrões, dos gover-
nem mesmo os setores da extrema esquerda: “ após 1988, as nos e dos partidos e que faça de suas ações cotidianas a busca
diferentes facções da burocracia no interior da CUT (da ala por uma sociedade socialista. ” (www.intersindical.org.br). Em
majoritária do PT ao PSTU, PSol e outras correntes pequeno- 2010, as correntes do PSOL que atuavam nesta organização de-
-burguesas) criaram um condomínio sobre a base da exclusão fenderam a fusão com a Conlutas, provocando um racha inter-
e destruição das oposições sindicais e da oposição classista e no e a disputa pela sigla Intersindical. Atualmente, a principal
revolucionária. ” (www.pco.org.br). corrente que impulsiona esta Intersindical é a ASS. O PCB, que
participava, não atua mais.

Força Sindical (FS) União Geral dos


Trabalhadores (UGT)
Fundada em 1991 com forte apoio governa-
mental (Collor), foi construída para combater A UGT, fundada em 2007, possuí posições
a CUT, defende um sindicalismo de resulta- semelhantes à Força Sindical, de onde origi­
dos. Atua na defesa de interesses parciais e nou-se. A UGT “combina organicamente a grandeza dos obje­
coorporativos dos trabalhadores, sem nenhuma perspectiva de ti­vos com o realismo das possibilidades; articula o presente
enfrentamento à ordem e aos patrões que ameace o sistema com vista ao futuro melhor e deposita sua confiança na ação de
capitalista. mulheres e homens, de jovens e idosos, das forças da democracia
e do progresso, para descortinar as amplas possibilidades da
Nação”, defendendo “sindicalismo ético, cidadão e inovador”.
Nova Central Sindical de (www.ugt.org.br).
Trabalhadores (NCST)

A NCST, fundada em 2005, também com perfil Central Geral dos


conservador, defende “a luta pela construção Trabalhadores do Brasil
de uma sociedade livre, justa e solidária, (CGTB)
neste País, em demanda do pleno emprego, de uma economia
social baseada na cooperação, para que todo trabalhador possa Fundada em 1986, originalmente como CGT, aglutinou os
exercer a sua efetiva cidadania, por meio de uma ocupação setores pelegos do “velho sindicalismo”, o MR8 (atual PPL),
honesta e decente. ” (www.ncst.org.br). PCB e PCdoB. Em 1991, os comunistas rompem com a CGTB e

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 61


SINDICAL

aderem à CUT. Atualmente é dirigida por setores conservadores cal. Foram até o congresso de fundação e, diante da maioria de
e pelo PPL, mantendo a defesa da estrutura sindical getulista. A delegados/as da Conlutas e das divergências sobre a composição,
CGTB está em processo de fusão com a CTB. recuaram e abandonaram o Congresso. Em 2014, a INTERSIN-
DICAL Central da Classe Trabalhadora é fundada “questionan-
Central dos Trabalhadores e do a estrutura sindical e defendendo a liberdade e autonomia”.
Trabalhadoras do Brasil (CTB) (www.intersindical.inf.br). A intersindical é impulsionada majo-
ritariamente pelos setores moderados do PSOL, fortalecidos re-
A CTB foi fundada em 2007, fruto do rom­ centemente com o ingresso do campo que rachou com o PSTU/
pimento com a CUT, defende uma perspectiva Conlutas.
classista, de solidariedade internacional, a unicidade sindical
(con­tra o pluralismo sindical) e uma perspectiva socialista. Organizações
“Nasceu para resistir a esta ofensiva reacionária, disfarçada de operárias anarquistas
“pós-moderna” e “pós-industrial”; para defender os direi­ tos
sociais e a democracia, em aliança com todas as forças progres­ Os anarquistas foram os primeiros diri-
sistas da nossa sociedade;para levantar a bandeira da valorização gentes e hegemonizaram o movimento
do trabalho e do socialismo do século XXI. Nasceu como uma operário brasileiro nas duas primeiras décadas do século XX,
central sindical classista, unitária, democrática, plural, de luta e perdendo força no momento seguinte. Atualmente, existem
de massas”. O PCdoB e o PSB são as principais organizações que diversas organizações operárias anarquistas, como a Coordena-
atuam na CTB (www.portalctb.org.br), além da CGTB que está ção Anarquista Brasileira (CAB), que “é um espaço organizati-
em processo de incorporação. vo fundado em 2012 que articula nacionalmente organizações
e grupos anarquistas que trabalham com base nos princípios e
Central Sindical e Popular na estratégia do anarquismo de matriz especifista. A CAB surge
(CSP/Conlutas) como resultado dos dez anos do processo de organização, ini-
ciado em 2002, do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO).
A CSP/Conlutas, fundada em 2010, (http://anarquismo.noblogs.org/). Além dessa, existe a União
propõe-se a construir uma central não apenas sindical, mas Popular Anarquista (UNIPA), que mantém o site http://uniao-
também popular, aglutinando a classe operária e movimentos anarquista.wordpress.com, tendo “como o objetivo de divulgar
populares da cidade e do campo. “A CSP-Conlutas pauta a sua a teoria e a ideologia bakuninista e intervir na luta de classes,
atuação pela defesa das reivindicações imediatas e interesses a União Popular Anarquista (UNIPA) está fomentando a cons-
históricos da classe trabalhadora, tendo como meta o fim de toda trução de Comitês de Propaganda por todo o país.”
forma de exploração e opressão. Nossa luta tem a perspectiva
de alcançar as condições e construir uma sociedade socialista,
governada pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras. ” Após *LEANDRO ELIEL P. MORAES é professor de
uma tentativa frustrada de fusão com a Intersindical, a CSP/ história, militante petista e coordenador dos cursos
Conlutas é impulsionada majoritariamente pelo PSTU, pelo de formação no Centro Cultural Esperança Vermelha.
MTST e por algumas correntes do PSOL. Com a dissidência do
MAIS, a Conlutas perdeu parte importante de sua base sindical.
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
(www.cspconlutas.org.br).
CUT. Caderno de Texto Base para o 11º CONCUT. 2012.
Intersindical – Central da Classe GIANNOTTI, V. e NETO, S. L. CUT ontem e hoje.
Trabalhadora São Paulo, SP: Vozes, 1991.
MARQUES. G. O novo sindicalismo:
a estrutura sindical e a voz dos
Em 2010, após o racha interno sobre a construção trabalhadores. Rio de Janeiro:
de nova central sindical, os setores ligados ao PSOL, Adia, 2005.
com a contrariedade da ASS, iniciaram um processo de debate
com a Conlutas sobre a construção de uma nova central sindi-

62 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


ESQUERDA

Cartografia da
ESQUERDA no Brasil
Leandro Eliel*

Este texto é uma atualização do artigo produzido em 2014, na primeira edição da


Revista Esquerda Petista, e continua tendo uma pretensão modesta: apresentar
de maneira sintética o conjunto das organizações de esquerda atuantes, hoje, no
Brasil. Certamente haverá erros de informação e resumos polêmicos, motivo pelo
qual pedimos a ajuda dos leitores para que possamos corrigir os erros e registrar
as divergências na próxima edição desta cartografia.

PARTIDO DOS
TRABALHADORES (PT)
www.pt.org.br

O Partido dos Trabalhadores c) lideranças populares forma-


(www.pt.org.br) foi fundado em das pelas pastorais e comunidades
1980. Quatro grandes setores con- da Igreja Católica, especialmente
fluíram na sua criação: do setor progressista;
a) sindicalistas do chamado d) parlamentares e lideranças
“novo sindicalismo”, especialmen- atuantes no Partido do Movimen-
te os metalúrgicos, bancários e pe- to Democrático Brasileiro, o PMDB
troleiros; (durante muitos anos, o único par-
b) militantes de organizações tido de oposição legalizado no país).
de esquerda atuantes na oposição
contra a ditadura (alguns entraram Desde a sua fundação, o PT
em caráter individual no PT, outros abrigou diferentes correntes de opi-
entraram por decisão de suas res- nião, geralmente denominadas de
pectivas organizações); tendências. A primeira tentativa de

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 63


ESQUERDA

disciplinar a existência de tendências no ção de Esquerda. Em quarto lugar, lideran- do sem filiação partidária (é o caso, por
interior do Partido ocorreu no 5º Encontro ças e tendências situadas à esquerda e à di- exemplo, de Hélio Bicudo, Cristovam Bu-
Nacional do PT, em 1987. A segunda ten- reita da Articulação, invertem seus papéis arque e de Chico Whitaker). Em terceiro
tativa ocorreu no Primeiro Congresso do (é o caso de Plínio de Arruda Sampaio, líder lugar, a crise de 2005 e o processo de elei-
PT, em 1991. moderado nos anos 1980 e líder radical nos ção das novas direções partidárias altera a
Uma compreensão do papel jogado anos 1990; é o caso, também, de José Ge- força do antigo “Campo majoritário”, que
pelas tendências no interior do PT deve le- noíno, que faz o percurso inverso). deixa de ter a maioria absoluta no Diretó-
var em conta pelo menos duas variáveis: De 1995 até o final de 2003, o quadro rio Nacional do PT e passa a denominar-se
as posições políticas defendidas por estes interno se estabiliza da seguinte forma. Construindo um Novo Brasil (CNB).
grupos e a atitude geral que adotavam Um grupo majoritário denominado, talvez Depois do excelente resultado obti-
frente ao Partido. para que não restasse dúvida, de “Campo do no PED de 2005, a esquerda partidária
De 1983 a 1993, por exemplo, existia majoritário”, composto basicamente pela passa por um processo de divisão e redu-
uma tendência hegemônica e majoritária Articulação Unidade na Luta e pela Demo- ção de sua influência, que se expressa nos
em âmbito nacional: a Articulação, cujas cracia Radical (esta por sua vez, oriunda resultados das eleições internas ocorridas
posições se refletiam nas resoluções par- da aliança do ex-PRC com outros setores). posteriormente. Em 2007 a correlação de
tidárias. Uma esquerda, com quatro expressões forças se mantém quase inalterada, com
Competindo com a Articulação, ha- mais conhecidas, a saber: a Democracia So- a diferença de que dois representantes
via algumas lideranças e agrupamentos cialista, a Articulação de Esquerda, a Força moderados disputam o segundo turno:
informais com posições mais moderadas Socialista e O Trabalho. E um centro, cuja Ricardo Berzoini (CNB) contra Jilmar
(exemplo disso são os parlamentares que expressão principal viria a formar o chama- Tatto (PTLM), com a vitória de Berzoini.
defenderam votar em Tancredo Neves no do “Movimento PT”, agrupamento de lide- Em 2009, a CNB compõe uma chapa com
Colégio Eleitoral). E havia, também, lide- ranças parlamentares e grupos regionais. o PTLM e NR elegendo a maioria absolu-
ranças e agrupamentos com posições mais No final de 2003, a expulsão de Helo- ta dos membros no Diretório Nacional e,
radicalizadas. ísa Helena e de três deputados federais é o no primeiro turno, conquistam também
A maioria destes agrupamentos ti- marco inicial de um novo processo de alte- a presidência do PT com José Eduardo
vera origem anterior ou exterior ao PT. É ração no quadro interno. Em primeiro lu- Dutra, que logo depois, por problemas de
o caso da Democracia Socialista (Organi- gar, o Movimento de Esquerda Socialista saúde, se afasta da presidência. O Diretó-
zação Revolucionária Marxista/Democra- e a Corrente Socialista dos Trabalhadores rio Nacional elege Rui Falcão para ocupar
cia Socialista), do Partido Revolucionário (duas tendências oriundas da antiga Con- a presidência. Em 2013, num processo
Comunista (PRC), do Partido Comunista vergência Socialista), acompanhadas de eleitoral bastante criticado, setores par-
Brasileiro Revolucionário, da Organização um número significativo de lideranças de tidários que estavam no centro ou na es-
Socialista Internacionalista (O Trabalho), esquerda independentes, saem do PT ain- querda petista aderem à candidatura de
da Ala Vermelha, da Convergência Socia- da em dezembro de 2003 e criam o PSOL. Rui Falcão, lançado pelo grupo majoritário
lista, entre outros. Outro grupo expressivo de petistas filia-se para a presidência do PT.
Entre 1991 e 1995, em um ambiente ao PSOL entre os meses de setembro e ou- Em 2016 é aprovado o impeachment
político marcado pela ofensiva neoliberal e tubro de 2005. É o caso da Ação Popular da Presidenta Dilma, dando início ao gol-
pela crise do socialismo, ocorrem profun- Socialista (tendência resultante da fusão pe que se estenderia por meio da conde-
das alterações na vida interna do PT. Em da antiga Força Socialista com outros gru- nação, prisão e cassação de Lula. Em 2017,
primeiro lugar, todas as tendências passam pos), de Plínio de Arruda Sampaio, de vá- Gleisi Hoffman, da CNB e com apoio da
a se considerar como “tendências internas” rios deputados federais e de certo número EPS, Novo Rumo, Movimento PT e O Tra-
de um “partido estratégico”. Em segundo de militantes oriundos de várias tendên- balho, é eleita presidenta do PT, derro-
lugar, a Convergência Socialista e outros cias da esquerda petista ou independen- tando a candidatura de Lindbergh Farias.
grupos saem do PT, criando o PSTU. Em tes. Em segundo lugar, lideranças até en- Fernando Haddad é o candidato do PT nas
terceiro lugar, a tendência majoritária passa tão vinculadas ao “Campo majoritário” ou eleições de 2018, sendo derrotado por Jair
por um processo de cisão, dando origem à independentes de expressão desligam-se Bolsonaro (PSL). Em 2019, em novembro,
Articulação Unidade na Luta e à Articula- do PT, indo para outros partidos ou fican- ocorrerá o 7º Congresso do PT.

64 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


ESQUERDA

AS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS DO PT

CONSTRUINDO UM NOVO BRASIL (CNB) ças importantes da NR ingressaram na re- a Democracia Socialista (DS). A Mensagem
www.contruindoumnovobrasil.com.br cém-criada Resistência Socialista. Outros ao Partido lançou candidatura própria no
setores da EPS discutem a fusão com o NR. PED de 2007, 2009 e 2013. Antes disso, a
Também conhecida pela sigla CNB: oriunda
DS já havia lançado candidatura própria
da Articulação dos 113, passando pela Arti-
MOVIMENTO PT (MPT) no PED 2001 e 2005. Em 2017, a DS apoia
culação Unidade na Luta e pelo Campo Ma-
www.movimentopt.com.br a candidatura de Lindbergh Farias. Hoje a
joritário. Reivindica de forma desidratada o
Mensagem ao Partido não existe mais. Par-
programa democrático e popular, concen- Reúne oriundos de diferentes setores do te dos seus antigos integrantes está empe-
trando esforço cada vez maior na luta insti- Partido. Busca situar-se no centro, fazendo nhada na construção de uma nova tendên-
tucional como caminho para as mudanças. críticas ao campo majoritário e à esquerda cia, intitulada Resistência Socialista.
No PED 2013 apoiou Rui Falcão, da tendên- petista. No PED 2013 apoiou Rui Falcão
cia Novo Rumo, à presidência nacional do à presidência nacional do PT e, em 2017, MILITÂNCIA SOCIALISTA (MS)
PT. Em 2015, a tendência PTLM, incorpo- apoiou Gleisi Hoffman (CNB). www.militanciasocialista.org
ra-se à CNB. Em 2017, Gleisi Hoffman, da
CNB é eleita presidenta nacional do PT. ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA (AE) Fusão de diversas tendências regionais. De-
www.pagina13.org.br fende a articulação da luta social com a luta
NOVO RUMO (NR) institucional, na defesa de reformas estru-
www.?????????? Cisão da Articulação dos 113, surgida em turais mais amplas. Compõe a esquerda pe-
1993 com o lançamento do manifesto tista. No PED 2009 apoiou a candidatura da
Originalmente uma cisão paulista da Arti- “Hora da Verdade”. A AE defende uma es- Articulação de Esquerda à presidência na-
culação de Esquerda. Possui uma orienta- tratégia e um programa democrático-popu- cional do PT. No PED 2013 lançou candida-
ção política similar à da CNB, privilegiando lar e socialista. Lançou chapa e candidatura tura própria. Em 2017, a MS apoiou a can-
uma estratégia institucional. Em 2013, em própria em todos os PED, desde 2001 até didatura de Lindbergh Farias. Atualmente,
aliança com a CNB, Rui Falcão (NR) é eleito 2013. Em 2017, apoiou a candidatura de participam da construção da tendência Re-
presidente nacional do PT. Em 2017 apoiou Lindbergh Farias. Edita o jornal Página 13. sistência Socialista.
Gleisi Hoffman (CNB). Atualmente, a Novo
Rumo mantém um “campo” (intitulado DEMOCRACIA SOCIALISTA
Optei) com a EPS. O TRABALHO (OT)
www.democraciasocialista.org.br www.otrabalho.org.br
ESQUERDA POPULAR E SOCIALISTA (EPS) Tendência com existência anterior ao PT.
Oriunda da Organização Socialista Inter-
www.esquerdapopularsocialista.com.br Entre 2003 e 2005, lideranças importantes
nacionalista, a tendência trotskista O Tra-
da DS participam da fundação do PSOL. Ao
Resulta da fusão entre a Tendência Mar- balho passou por uma importante cisão em
mesmo tempo, o grupo majoritário na DS
xista e um grupo que em 2011 saiu da AE. meados dos anos 1980, quando parte im-
rompe seus vínculos com o Secretariado
Define-se como marxista, defende a arti- portante de sua militância adere a Articula-
Unificado da Quarta Internacional e reo-
culação das lutas sociais e institucionais rienta-se internamente no PT, passando a ção dos 113. Outra cisão ocorreu por volta
na construção de uma sociedade socialista. defender uma estratégia conhecida como de 2007, dando origem a um agrupamento
No PED 2013 apoiou Rui Falcão à presidên- “revolução democrática”. Com base nesta denominado Esquerda Marxista. Reivin-
cia nacional do PT e participou da chapa orientação, depois de 2005 a DS impulsio- dica a Quarta Internacional. Edita o jornal
do Movimento PT. Em 2017, apoiou Gleisi nou o agrupamento Mensagem ao Partido, O Trabalho. Lançou chapa e candidatura
Hoffman (CNB). Atualmente, mantém um integrado por diversas personalidades, gru- própria em todos os PED, desde 2001. Em
campo com NR intitulado OPTEI. Lideran- pos regionais e por uma tendência nacional, 2017, OT apoiou Gleisi Hoffman (CNB).

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 65


ESQUERDA

PARTIDO DEMOCRÁTICO a candidatura Dilma Rousseff. Em 2013, à presidência, ficando em quarto lugar.
TRABALHISTA (PDT) sem conseguir organizar a própria legen- Em 2017, em seu 6º Congresso Nacional,
www.pdt.org.br da, Marina Silva filia-se ao PSB e soma Juliano Medeiros (APS-CC) é eleito pre-
esforços com os socialistas para viabilizar sidente nacional do PSOL.
O PDT, criado em 1979, é fruto da reor- a oposição ao Governo Dilma. Em 2014, A relativa hegemonia do campo
ganização do trabalhismo histórico que com a morte de Eduardo Campos, Ma- moderado foi consolidada após a renún-
atuava no PTB até extinção dos partidos rina Silva foi candidata à presidência e cia de Heloisa Helena, que foi presidente
políticos pela ditadura militar. Impedido ficou em terceiro lugar, apoiando, no se- do partido entre 2004 e 2010, e que teve
pelos militares de controlar a legenda do gundo turno, Aécio Neves (PSDB). Em sua filiação ao PSOL questionada pela
PTB, Leonel Brizola, junto com outras 2018, o PSB não apoiou formalmente ne- colaboração com a construção da Rede
lideranças, funda o PDT. Defende que a nhum candidato. Sustentabilidade de Marina Silva. Afrâ-
propriedade privada deve ser preservada nio Bopré (APS), naquele momento, as-
e submetida ao bem estar social e a um PARTIDO SOCIALISMO E sumiu a presidência do PSOL, ficando
Estado normativo. Em 1989, nas eleições LIBERDADE (PSOL) até 2011, quando Ivan Valente (APS)
presidenciais, Leonel Brizola quase foi www.psol50.org.br foi eleito para o cargo num mandato de
para o segundo turno, momento em que dois anos. Em 2013, o setor moderado, a
apoiou a candidatura de Lula contra a de Em 2003, após a expulsão de três Unidade Socialista, obteve 52% dos vo-
Collor. Em 1994, candidata-se novamen- parlamentares do PT, em função da re- tos dos/as delegados/as, indicando Luiz
te e obtém uma votação muito baixa. Em forma da previdência, o PSOL é organi- Araújo (APS) como presidente do PSOL,
1998, é candidato a vice-presidente na zado e regularizado em 2005. enquanto o Bloco de Esquerda conquis-
chapa de Lula, quando são derrotados Em 2006, o PSOL lança a candi- tou 45% e o PSOL Necessário 3% dos vo-
por Fernando Henrique Cardoso. Nas datura de Heloisa Helena para a Presi- tos.
eleições de 2002, o PDT apoia a candida- dência da República, numa coligação No 6º Congresso, em dezembro de
tura de Ciro Gomes (PPS). Em 2006, lan- que contava com o PSTU e o PCB. Tendo 2017, dois campos continuaram a dis-
ça Cristovam Buarque. Em 2010 e 2014 como vice César Benjamin, até então um puta pelo controle do partido: um setor
apoia a candidatura de Dilma Rousseff dos teóricos da chamada Consulta Po- moderado e majoritário (Unidade Socia-
(PT). Em 2018 lançou a candidatura de pular, Heloisa Helena obtém 6,85% dos lista), capitaneado atualmente pela AP-
Ciro Gomes. O PDT edita o jornal O Tra- votos, ficando em terceiro lugar na cor- S-CC, junto com o Coletivo Rosa Zum-
balhador. rida presidencial. Nas eleições de 2010, bi, Mandato do Glauber e por diversos
Heloisa Helena não aceita a candidatura grupos regionais lançou a candidatura
PARTIDO SOCIALISTA a Presidência, preferindo a candidatura de Juliano Medeiros (207 votos); e um
BRASILEIRO (PSB) ao Senado pelo estado de Alagoas. Ape- setor radicalizado (Bloco de Esquerda),
www.psb40.org.br sar da eleição dada como certa, não ob- composto por MES, APS, CST, LSR, Car-
teve sucesso, ficando em terceiro lugar. los Gianazzi, entre outras organizações
O PSB, fundado em 1947 pela Esquer- Em seguida, a ex-senadora renuncia a e lideranças lançou a candidatura de
da Democrática, reorganiza-se em 1985, seu mandato na presidência do PSOL. Marcelo Freixo (148). A Insurgência e
mantendo o programa e estatuto de ori- Nesse ano, Plínio de Arruda Sampaio é independentes do Rio de Janeiro lan-
gem. Defende um programa socialista o candidato do PSOL à presidência da çaram chapa própria (25 votos). Nes-
gradual e legal, que preserve a proprieda- República, sem conseguir fazer aliança se atual momento, está em curso uma
de privada. Nas eleições presidenciais de com PSTU e PCB, que lançam suas pró- nova configuração interna no PSOL, um
1989, 1994 e 1998, o PSB apoiou a can- prias candidaturas presidenciais. Plínio setor moderado – Aliança - constituído
didatura de Lula. Em 2002, lançou can- recebe apenas 0,87% dos votos, ficando pela Primavera Socialista, militantes do
didatura própria, a de Antony Garotinho, em quarto lugar. Em 2014, o senador MTST (Boulos), Insurgência, Resistên-
apoiando Lula no segundo turno. No pri- Randolfe Rodrigues é escolhido como cia, LSR e Subverta; de outro lado, num
meiro turno de 2006 não apoiou formal- candidato do PSOL à Presidência da Re- campo à esquerda, - Bloco de Esquerda
mente nenhuma candidatura, apoiando pública. Com a desistência de Randolfe - formado pelo MES, CST, Comuna, AP-
Lula no segundo turno. Em 2010 apoiou Rodrigues, Luciana Genro foi candidata S-Nova Era.

66 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


ESQUERDA

As principais tendências do PSOL: promovidas pelo PSOL no último perío- PT, está organizada no PSOL.
do. No último congresso compôs o Bloco
Primavera Socialista - oriunda da For- de Esquerda. Comuna: surge em 2017, a partir do
ça Socialista, antiga tendência interna do rompimento com a Insurgência, fundada
PT, a APS adere ao PSOL em 2005, tor- Movimento Esquerda Socialista em 2013, e reivindica a IV Internacional.
nando-se a principal corrente partidária, (MES, www.lucianagenro.com.br/mes/): Segundo seu manifesto de fundação: “A
denominada APS – Corrente Comunista, oriunda da antiga Convergência Socialis- Comuna é uma organização ecossocialis-
mesmo com o racha de 2012/2013. No ta, o MES entra no PSOL e torna-se a se- ta, feminista, antirracista, antilgbtfóbica,
último congresso elegeu o presidente do gunda maior tendência interna, atuando antiproibicionista e revolucionária fun-
Partido, compondo o campo moderado. inicialmente próximo à Senadora Heloisa dada em 2017 no Brasil. Nos referencia-
Além dela, a Resistência Socialista - CE, Helena e ao MTL. Defendia posições mais mos numa tradição renovada do Marxis-
grupos regionais, Somos Psol integram moderadas, inclusive a aliança com o PV, mo, construímos a IV Internacional (CI)
essa tendência. O Coletivo Rosa Zumbi que ocorreu nas eleições de 2008, em Por- e atuamos como tendência interna do
está em processo de entrada. to Alegre. Desde o II Congresso disputa Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).”
com a APS o controle do partido. Compõe (https://www.comunapsol.org/about).
Insurgência (www.insurgência.org): o Bloco de Esquerda. Luciana Genro, do Compôs o Bloco de Esquerda.
surge em 2013, fruto da fusão entre o MES, destacou-se no último período por
CSOL, racha do PSTU; o ENLACE e o Co- sua defesa da Operação Lava-Jato. Subverta: rompimento da Insurgência,
letivo Luta Vermelha, filiado ao Secreta- surge em 2017, e, segundo seu manifes-
riado Unificado da Quarta Internacional. Coletivo Rosa Zumbi (http://coletivo- to de fundação “Somos um coletivo an-
Publica a revista À Esquerda, critica o rosazumbi.wordpress.com/): tendência ticapitalista, socialista, internacionalista,
processo de moderação do PSOL, a ins- oriunda do racha da APS, é crítica tan- revolucionário, ecossocialista, feminista,
titucionalização e as alianças promovidas to do setor moderado, por sua excessiva anti-racista, anti-LGBTfóbico, antipuniti-
nas últimas eleições. institucionalização, quanto dos setores à vista, antiproibicionista e em defesa das
esquerda, pelo seu sectarismo. Defende a liberdades. Apostamos na independência
Corrente Socialista dos Trabalhado- validade e atualização do Programa De- de classe dos setores subalternizados.”
res (CST, www.cstpsol.org): oriunda mocrático e Popular. No último congresso (https://subverta.org/). Compôs o Bloco
da antiga Convergência Socialista, atuava compôs com o setor moderado (US). de Esquerda.
no PT. É filiada à UIT-QI. Possui o perió-
dico mensal Combate Socialista. A CST, Liberdade, Socialismo e Revolução Resistência: tendência oriunda da fu-
que compõe o Bloco de Esquerda, acusa a (LSR, http://www.lsr-cit.org/): fusão das são entre a NOS (Nova Organização So-
Uni­dade Socialista de igualar o PSOL aos tendências SR e CSL, filiada ao CIT, trot- cialista) e o Mais (Movimento por uma
partidos do sistema. skista, publica o jornal Ofensiva Socialista. Alternativa Independente e Socialista),
Crítica dos rumos adotados pela maioria, que rompeu com o PSTU. Segundo seu
Ação Popular Socialista/Nova Era compondo também o Bloco de Esquerda. manifesto de fundação “Avaliamos que
(APS/NE encurtador.com.br/ivKT3): en- o PSOL não é o bastante para a classe,
tre 2012 e 2013 a corrente majoritária Trabalhadores na Luta Socialista também porque seu horizonte ainda é
APS sofre uma cisão. Surgem daí três (TLS, http://trabalhadoresnalutasocialis- estritamente eleitoral e seu programa
agrupamentos: a APS/CC, o coletivo Rosa ta.blogspot.com.br/): agrupamento com continua atrelado à estratégia democrá-
Zumbi e a APS/Nova Era ou APS de Es- maior expressão em São Paulo, crítico do tico-popular, desenhada pelo PT nos anos
querda, que reuniu, majoritariamente, setor majoritário e compôs o Bloco de Es- 1980 e ainda não superada pela esquerda
setores sindicais e de juventude críticos querda no último congresso. brasileira.” (https://esquerdaonline.com.
às alianças realizadas pela APS em Ma- br/2018/04/30/leia-o-manifesto-de-fun-
capá e Belém. No último congresso com- Esquerda Marxista (EM, www.marxis- dacao-da-resistencia/).
pôs o Bloco de Esquerda. mo.org.br): cisão de O Trabalho, filiada
à CMI, luta pela reconstrução da Quar- Luta Socialista (LS, http://lutasocialis-
Coletivo Primeiro de Maio (http://pri- ta Internacional. Sua estratégia política ta.com.br/index/): tendência interna do
meirodemaio.org/): tendência oriunda é orientada pelo Programa de Transição PSOL, simpatizante da Unidade Interna-
do Coletivo Rosa do Povo, é crítica ao se- de Trotski. Edita o jornal Esquerda Mar- cional dos Trabalhadores – UTI-QI, edita
tor majoritário e a ampliação de alianças xista. Desde 2015, quando rompeu com o o jornal Luta Socialista.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 67


ESQUERDA

PARTIDO SOCIALISTA PARTIDO COMUNISTA O PCB atual faz uma autocrítica


DOS TRABALHADORES BRASILEIRO (PCB) da visão etapista da revolução brasilei-
UNIFICADO (PSTU) www.pcb.org.br ra, defendendo que as transformações
www.pstu.org.br necessárias seriam de caráter socialista.
Fundado em 1922, o Partido Comunista Essa análise inclui a crítica do progra-
O PSTU originou-se da Convergência do Brasil muda de nome no início dos ma e da estratégia democrático-popu-
Socialista, tendência política que já exis- anos 1960, passando a chamar-se Parti- lar proposta pelo PT. O PCB defende a
tia antes da criação do PT. Foi expulsa do Comunista Brasileiro. O grupo con- construção do Poder Popular, que não
do PT em 1991. No interior do PT, não trário a esta mudança de nome dá ori- é apenas um fórum de organizações de
consideravam o partido como estratégi- gem, em 1962, ao PCdoB. Após o Golpe esquerda, mas um processo de articu-
co pra a revolução socialista. Entre 1991 Militar, o PCB passa por diversas cisões, lação tática e estratégica de construção
e 1994, a partir da junção com outros originando agrupamentos que optaram de espaços contra hegemônicos na luta
setores, fundam o PSTU. Posteriormen- pela luta armada contra a ditadura. No cotidiana que evolua para a construção
te, romperam com a CUT e construíram início da década de 1980, Luis Carlos da dualidade de poderes, construindo
a CONLUTAS, que originou a Central Prestes, até então a principal liderança assim o embrião do Estado proletário.
Sindical e Popular (CSP) – Conlutas. comunista do Brasil, também rompe O PCB não permite a existência
Trotskista, o PSTU está vinculado à Liga com o PCB. Lança Roberto Freire can- de correntes internas. Sua principal pu-
Internacional dos Trabalhados – Quarta didato à Presidência da República em blicação é o jornal Imprensa Popular.
Internacional (LIT-QI). 1989. Em 1992, um congresso partidá-
O PSTU não prioriza o proces- rio aprova a extinção do PCB e a cria-
so eleitoral, alegando que é um jogo de ção do Partido Popular Socialista (PPS). PARTIDO COMUNISTA
cartas marcadas, sendo apenas um mo- A minoria do congresso não aceita a DO BRASIL (PCdoB)
mento de propaganda do programa. As decisão e consegue recuperar na justi- www.pcdob.org.br
eleições de parlamentares do partido ça o direito a utilizar a sigla PCB. Nas
servem como “ponto de apoio para as eleições presidenciais de 1994 a 2002, O PCdoB, organizado em 1962, reivindi-
lutas sociais”. Participou das eleições de o Partido Comunista Brasileiro apoia o ca a tradição histórica do Partido Comu-
1994, apoiando criticamente Lula. Em candidato do PT. Nas eleições de 2006, nista fundado em 1922. Durante a dita-
1998, 2002 e 2010 lançou candidatura em coligação com o PSOL e PSTU, apoia dura militar, o PCdoB organizou a guerri-
própria, a do metalúrgico José Maria. a candidata presidencial Heloisa Hele- lha do Araguaia. Desde 1962 até os anos
Em 2006, em aliança com PSOL e PCB, na (PSOL). Em 2010, lança candidatura 1990, o PCdoB defende oficialmente uma
apoiou a candidatura de Heloisa Helena própria, a de Ivan Pinheiro. Em 2014, estratégia etapista. Possui forte presença
(PSOL). Em 2014, lançou a candidatu- lançou a candidatura de Mauro Iasi, na UNE e na Ubes, através da União da
ra de Zé Maria, que obteve 0, 09% dos que obteve 0, 05% dos votos. Em 2018, Juventude Socialista (UJS); uma impor-
votos. Em 2018, lançou Vera Salgado à apoiou a candidatura de Guilherme tante presença no movimento sindical,
presidência. Boulos (PSOL). através da CTB; e uma representação ins-
Defende uma estratégia socialista, titucional em todos os níveis. O PCdoB
revolucionária, liderada pelo operariado não permite tendências internas. Man-
industrial, aliado aos setores explorados tém o site Vermelho e publica o jornal A
do campo e da cidade, sem alianças com Classe Operária. Desde 1989, apoiou to-
outras classes ou setores de classes, que das as candidaturas presidenciais do PT,
impulsionaria a revolução internacional. participando dos governos Lula e Dilma.
Defende a construção de um partido re- Em 2019, o Partido Pátria Livre (PPL, ex-
volucionário, coeso e sem tendências. As -MR8), que defende a prisão de Lula, é
divergências são expressas apenas du- incorporado ao PCdoB. Os críticos acu-
rante os processos congressuais. Publica sam o PCdoB de ter reassumido a estra-
o jornal Opinião Socialista. tégia etapista.

68 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


ESQUERDA

PARTIDO DA CAUSA munista, participando da Conferência com críticas ao PT por sua conciliação
OPERÁRIA (PCO) Internacional de Partidos e Organizações de classes e com o capital internacional.
www.pco.org.br Marxistas-Leninistas (CIPOML). Nas últi- Critica o PT e a esquerda petista por duas
mas eleições presidenciais, apoiou a can- questões principais: a ilusão que nutre
O PCO originou-se de uma cisão da OSI, didatura de Guilherme Boulos (PSOL). sobre as possibilidades de administração
organização trotskista existente anterior- do Estado e ao rebaixamento da
mente ao PT. Ingressa no PT como ten- LIGA BOLCHEVIQUE luta sindical. Defende um programa
dência interna, desde 1980. Conhecida INTERNACIONALISTA (LBI) transitório para o socialismo expresso
como Causa Operária, denominação do www.lbiqi.org no Programa Único, na construção da
seu jornal, publicado até hoje, durante o dualidade de poderes como preparação da
processo eleitoral de 1989 questiona as A LBI é uma cisão à esquerda da Causa construção do socialismo.
alianças do PT com o PSB, iniciando um Operária, motivada pela avalição de que
processo de rompimento com o partido. esta organização se adaptou à burocracia PARTIDO OPERÁRIO
A partir de 1991, o PCO inicia seu pro- lulista. Defende a reconstrução trotskista REVOLUCIONÁRIO (POR)
cesso de legalização, obtendo o registro da Quarta Internacional. É contrária a for- www.pormassas.org
provisório em 1995. Em 1997, consegue o mação de Frentes de Esquerda, sendo que
registro definitivo. Nas eleições de 1994, em 1998 defendeu o voto nulo nas elei- O POR, fundado em 1989, trotskista, é
apoia criticamente a candidatura de Lula. ções presidenciais. Defende a greve geral uma cisão à esquerda da Causa Operária,
Em 2002, 2006 (candidatura indeferida revolucionária para a derrubada imediata motivada pela avaliação de que esta teria
pelo TSE), 2010 e 2014 lançou candidato do Estado. Edita o jornal Luta Operária e a abandonado a perspectiva da ditadura
à Presidência, o jornalista Rui Costa Pi- revista Marxismo Revolucionário. do proletariado. Em 1990 defende o voto
menta. Em 2018, informalmente, o PCO nulo nas eleições. Define-se como um em-
apoiou a candidatura de Lula, antes de MOVIMENTO brião do partido revolucionário. Edita o
sua interdição. REVOLUCIONÁRIO DE jornal Massas.
Defende uma estratégia socialista TRABALHADORES - MRT
revolucionária, baseada na aliança ope- www.facebook.com/MovRevTrab/ CONSULTA POPULAR
rário-camponesa, liderada pela classe www.consultapopular.
operária. Defende a construção de um Em 2015, “o MRT surgiu a partir do Con- org.br
partido revolucionário para cumprir esse gresso da Liga Estratégia Revolucionária
papel, sem tendências internas. – Quarta Internacional, que votou em ses- Fundada em 1997, em torno de um pro-
são extraordinária do seu V Congresso a grama nacionalista de esquerda (o Projeto
mudança de seu nome.” A LER-QI foi fun- Popular para o Brasil) e da crítica do que
UNIDADE POPULAR -UP dada em 1999, com duras críticas ao PSTU denomina de esquerda eleitoral. Defende
www.unidadepopular.org.br e ao morenismo, criticadas por serem “va- que [...] o formato de cada organização é
riantes deformadoras do trotskismo”. De- determinado pelas condições apontadas
A Unidade Popular, surgida recentemente, fende o programa de transição de Trotski pela luta de classes. A organização é uma
é oriunda do PCR, formado inicialmente e um programa revolucionário de tomada ferramenta e não existem ferramentas
por militantes que romperam com o PC- do poder, desferindo duras críticas às pos- universais, senão aquelas que são mais
doB em 1966. Organizado principalmente sibilidades institucionais. Recentemente, adequadas à tarefa que se pretende rea-
no nordeste brasileiro, o PCR quase desa- teve seu pedido de entrada recusado pelo lizar. A organização está sempre a serviço
parece durante a ditadura, fundindo-se PSOL. Edita o jornal Esquerda Diário. de uma determinada linha política. Por-
com o MR-8 em 1981. Em 1995, por conta tanto, a Consulta Popular é um meio, não
das divergências com a linha nacionalista MOVIMENTO NEGAÇÃO DA um fim. O motivo de sua existência não é
do MR-8, o núcleo original do PCR rom- NEGAÇÃO (MNN) criar mais uma estrutura de poder, voltada
pe com a organização e refunda o partido. www.movimentonn.org para alimentar uma nova burocracia. Em
A UP edita o jornal A Verdade e defende outras palavras, somos uma ferramenta
a reconstrução de uma Internacional Co- O MNN, trotskista, foi criado em 2005 que somente faz sentido enquanto serve

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 69


ESQUERDA

para a luta revolucionária.” Durante os go- sentantes de 17 estados, após a morte de EMANCIPAÇÃO
vernos Lula e Dilma, a Consulta Popular Prestes, e decide por dar continuidade à SOCIALISTA
(e seu braço juvenil, o Levante Popular da organização, criando instâncias e desen- www.emancipacaosocialista.org
Juventude) mudou de linha política, o que volvendo a política elaborada na década
se traduziu por exemplo na aproximação anterior.” (http://www.cclcp.org/). Organização originada da fusão do grupo
entre a Consulta Popular, o PT e o PCdoB. Espaço Socialista, formado em 2000 por
MOVIMENTO ex-militantes do PSTU na região do ABC
PARTIDO COMUNISTA REVOLUCIONÁRIO paulista, com o Movimento de Organiza-
LENINISTA MARXISTA SOCIALISTA (MRS) ção Socialista. (http://www.emancipacao-
(PCML) www.mrsocialista.org socialista.org/2019/manifesto/).

O PCML, prestista, foi organizado a par- Grupo formado por militantes expulsos COORDENAÇÃO
tir do órgão INVERTA, que “foi um jor- do PSTU em 2007, fundado em 2013, ANARQUISTA BRASILEIRA
nal criado pelas organizações populares, que reivindica o trotskismo morenista. (CAB)
associação de moradores, movimentos Edita o jornal Correio dos Trabalhadores.
de trabalhadores rurais, sindicalistas Foi organizado “a partir da fusão e unifi- www.anarquismo.noblogs.org
e intelectuais que formam o Centro de cação de 4 grupos revolucionários brasi-
A CAB, fundada em 2012, espaço de or-
Educação Popular e Pesquisas Econômi- leiros e de inúmeros ativistas e lutadores
ganização nacional de grupos, organiza-
cas e Sociais, e que, a partir dele, cons- socialistas que vieram somar-se à esta
ções e federações anarquistas de matriz
truíram o INVERTA. Esta é sua origem, nova organização. O MRS surge da uni-
especifista, surgiu a partir das articulações
como um jornal vinculado ao movimen- dade entre a Alternativa Revolucionária
promovidas com o Fórum do Anarquismo
to OPPL e ao CEPPES e, justamente, a Socialista (ARS), da Corrente de Esquer-
Organizado (FAO). “A fundação da CAB
partir dele, se desenvolveu um processo da Revolucionária de Luta e Socialista
marca a passagem de um fórum para uma
de debate que levou à formação do Con- (CERLUS), do Movimento Revolucioná-
coordenação nacional, evidenciando um
gresso de Refundação do Partido sob o rio (MR) e da Práxis Revolucionária So-
aumento de organicidade e fundamen-
princípio marxista-leninista, sendo re- cialista (PRS).”
tando as bases para o avanço rumo a uma
conhecido no próprio congresso como
organização anarquista brasileira.”
seu órgão central”, segundo seu secre- FRENTE COMUNISTA DOS
tário Geral Aluísio Beviláqua. (https:// TRABALHADORES / LIGA
UNIÃO POPULAR ANARQUISTA (UNIPA,
inverta.org/pcml). COMUNISTA (LC)
http://uniaoanarquista.wordpress.com)
www.lcligacomunista.blogspot.com.br
A UNIPA, que realizou seu primeiro con-
POLO COMUNISTA LUIZ
gresso em 2003, defende a necessidade de
CARLOS PRESTES (PCLCP) A FCT/LC é uma ruptura da LBI. É cons-
uma organização política anarquista base-
trutora do Comitê de Ligação pela IV In-
ada nos ideais bakuninistas. Edita o jornal
O PCLCP é oriundo da Corrente Comu- ternacional (CLQI) com o Socialist Fight
Causa do Povo.
nista Luiz Carlos Prestes (CCLCP), cujos da Grã Bretanha e com a Tendência Mi-
militantes “romperam com o PCB em litante Bolchevique, da Argentina. Edita
defesa da estratégia socialista. Comunis- o jornal Folha do Trabalhador e a revista *LEANDRO ELIEL P. MORAES é
tas estes que durante toda a década de teórica “O Bolchevique”. professor de história, militante petista e
80 militaram junto com Prestes, mesmo coordenador dos cursos de formação no
com muitas dificuldades organizativas, já Centro Cultural Esperança Vermelha.
que não podiam mais contar com o PCB
como esse instrumento, que havia enve-
redado pelo caminho do oportunismo. A
Corrente tem seu primeiro Encontro Na-
cional em 1990, com a presença de repre-

70 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


7o CONGRESSO

PT 40 anos:
mudança ou crise
Valter Pomar*

Só derrotaremos Bolsonaro e os golpistas, só libertaremos Lula,


só retornaremos ao governo, só faremos reformas estruturais e só
caminharemos em direção ao socialismo se o PT mudar de linha

E
política. Se esta mudança não ocorrer, novas derrotas
virão. E o Partido corre sérios riscos de não sobreviver a
sua “crise dos 40”.

ntre 2016 e 2018 o Partido


dos Trabalhadores foi derrotado três vezes: o
golpe contra Dilma, a prisão de Lula e a elei-
ção de Bolsonaro.
Frente a derrotas tão profundas, espera-
va-se que o atual grupo dirigente do PT mu-
dasse de linha politica.
Foi o que aconteceu, mesmo que parcial-
mente, depois das eleições de 1989 e também
depois da crise de 2005. Foi o que começou a
ocorrer em 2017, no Sexto Congresso do Par-
tido. É o que buscamos fazer, quando convo-
camos o Sétimo Congresso do PT: fazer um
balanço do ocorrido, aprovar uma nova linha
política e mudar o funcionamento partidário.
Mas o atual grupo dirigente do Partido
resiste a isso. Adiou a convocação do Sétimo
Congresso. Aprovou um regulamento que fa-
vorece o continuísmo. Apresentou uma tese
que defende manter e aprofundar a linha
política adotada nos últimos anos. E opera
pesado para vencer a eleição marcada para o
próximo 8 de setembro de 2019.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 71


7o CONGRESSO

Descrente na possibilidade de uma ruptura popular


e obviamente contrário ao aprofundamento do
golpe, o atual grupo dirigente acredita ser possível
um acordo com a centro-direita

Caso o atual grupo dirigente - a ten- No terceiro cenário, o golpe se apro- como elogiam inúmeros outros acordos,
dência conhecida pelo nome de Cons- funda (lembrando o que ocorreu depois feitos em eleições estaduais e municipais.
truindo um Novo Brasil (CNB) -- seja do AI-5). Por motivos óbvios, evitam falar do acordo
majoritário no Sétimo Congresso nacio- No quarto cenário, o golpe é derrota- que entregou a vice para Michael Temer,
nal do PT, certamente haverá muita po- do por uma retomada vigorosa das lutas da ala mais tucana do PMDB; assim como
lêmica sobre se esta maioria resultou do populares. preferem não tirar as devidas conclusões
legítimo debate político, de um processo Por definição, o primeiro cenário da relação entre certas coligações, as limi-
eleitoral em que o peso dos filiados su- (persistência da situação atual) não dura- tações programáticas de nossos governos
planta o dos militantes, de fraudes estrito ria indefinidamente. Portanto, mais cedo e o decréscimo de nossa bancada federal
senso ou de tudo isto junto e misturado. ou mais tarde a situação evoluirá para a partir de 2006. Nem gostam de falar do
Polêmicas à parte, se o atual grupo uma das seguintes alternativas: uma saí- que ocorrerá, a partir de 2023, em alguns
dirigente sair política e eleitoralmente da pela esquerda, pelo centro-direita ou estados atualmente governados pelo PT.
vitorioso do Sétimo Congresso, quais se- pela extrema-direita. Seja como for, o principal argumento
riam as consequências? Descrente na possibilidade de uma do grupo dirigente em favor de um acor-
No fundamental, a resposta depende ruptura popular e obviamente contrário do com a centro-direita parece ser a au-
da luta de classes no Brasil e da incidên- ao aprofundamento do golpe, o atual sência de alternativa melhor: acreditam
cia, em nosso pais, da crise do capitalis- grupo dirigente acredita ser possível um que a crise vai se aprofundar, duvidam
mo e do conflito entre os Estados. acordo com a centro-direita (por pudor, de uma ruptura popular, logo concluem
A situação no Brasil segue muito alguns falam em “forças para além do que ou fazemos um acordo com a cen-
tensa. Há conflitos na coalizão golpista. centro”). Se vencer o Sétimo Congresso, tro-direita (em defesa da democracia, do
Prossegue a resistência popular. Seto- esta será a estrela-guia da CNB. Estado de Direito etc.) ou o golpe se apro-
res importantes da classe trabalhadora, Na história recente, ao menos por fundará.
ainda paralisados, mais cedo ou mais duas vezes acordos deste tipo foram ex- Quais seriam os efeitos táticos e es-
tarde vão se colocar em movimento. E plicitamente recusados pelo Partido dos tratégicos desta almejada aliança com a
o ambiente internacional contribui para Trabalhadores. centro-direita? Evidentemente, não há
aumentar a tensão. Destas e de outras Não é possível saber o que teria ocor- como ter certeza. Mas o mais provável é
variáveis decorrem múltiplas possibilida- rido com o Partido, se tivéssemos apoiado que um acordo deste tipo empurre o PT
des, mas podemos trabalhar com quatro a eleição de Tancredo Neves no Colégio para uma situação de desonra & guerra.
grandes cenários políticos. Eleitoral ou se tivéssemos participado da A expressão foi usada por Winston
No primeiro deles, persiste a situa- composição do governo Itamar. O que sa- Churchill, em setembro de 1938, quando
ção atual (lembrando o período 1964-68: bemos é que, recusando aqueles acordos analisou as concessões feitas por Cham-
não estava claro se o golpe seria aprofun- com a centro-direita, o PT de início amar- berlain aos nazistas: “Entre a desonra e
dado ou revertido). gou um certo isolamento, mas depois a guerra, escolheste a desonra e terás a
No segundo cenário, o país “vira a cresceu vigorosamente. guerra”. Churchill, que preferia fazer a
página do golpe” através de uma aliança O atual grupo dirigente do PT prefere guerra contra os nazistas, acabou assu-
entre setores da centro-direita e da es- citar, em favor das vantagens de sua tese, mindo o governo inglês, época em que
querda (lembrando aspectos do que ocor- o acordo que entregou ao Partido Libe- fez o famoso discurso acerca de sangue,
reu depois do suicídio de Vargas). ral de José Alencar a vice de Lula, assim suor e lágrimas.

72 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


7o CONGRESSO

A busca de uma aliança com a cen- Frente Ampla entre Lacerda e Jango não Outra consequência da estratégia
tro-direita golpista é, de um certo ponto impediu a radicalização da ditadura mi- proposta pelo atual grupo dirigente seria o
de vista, a desonra, Afinal, foi a centro- litar. aprofundamento dos problemas organiza-
-direita (e não a extrema-direita) quem Do ponto de vista tático, uma alian- tivos vividos atualmente pelo PT, ou seja,
protagonizou o impeachment e deu sus- ça com a centro-direita não vai contribuir a subordinação do Partido aos mandatos e
tentação para a condenação e prisão de para ampliar a luta social ou fortalecer a governos, muitos filiados mas pouca mili-
Lula. Resta saber se a desonra (aliança luta por Lula Livre. Pelo contrário, estar tância organizada, sem instâncias funcio-
com a centro-direita) evitará a guerra (o junto da centro-direita nos comprome- nando, uma formação política e uma co-
avanço da extrema-direita). Tudo indica teria, em maior ou menor medida, com municação aquém das necessidades, sem
que não. posições antipopulares como a reforma capacidade de auto-sustentação financei-
Do ponto de vista estratégico, a dinâ- da previdência. Aliás, a turma liderada ra, mais focado em organizar eleições do
mica que gerou o impeachment, a conde- por Rodrigo Maia já deu várias demons- que em participar das lutas sociais.
nação e prisão de Lula, a eleição de Bol- trações de quais são seus limites: man- Imaginemos por um momento que
sonaro, a ascensão dos cavernícolas e as ter o programa ultraliberal e manter Lula esta política proposta pelo atual grupo di-
reformas ultra-liberais não é um acidente preso (em Curitiba, mas preso). rigente tenha êxito. Neste caso, o “Estado
casual. Trata-se de uma resposta estraté- Este tipo de aliança tampouco contri- de direito” e a “democracia” seriam man-
gica da classe dominante, aos impasses buiria para produzir um resultado melhor tidos às custas de nossa conversão em só-
do capitalismo brasileiro e internacional. para o PT e para o conjunto da esquerda, cios de uma nova “transição conservado-
Esta opção estratégica não será alterada nas próximas eleições. Pelo contrário, as ra”; noutros termos, o deslocamento do
por acordos políticos como os que preten- concessões à centro-direita tendem a en- Partido muitos graus a mais em direção à
de o atual grupo dirigente do PT. O que fraquecer o desempenho do Partido nas centro esquerda, à social-democracia e ao
ajuda a entender por quais motivos a ex- municipais de 2020, o que terá efeitos co- social-liberalismo. Ou seja, o que o atual
trema-direita não reduz a pressão contra laterais em 2022. Sem falar que a aliança grupo dirigente do Partido está propon-
o PT. Isso independe da linha que adote- com a centro-direita implica em seguir do é um caminho que já foi percorrido
mos, das alianças e acenos que façamos. tolerando a manutenção de duas táticas pelo PSDB, pelo velho MDB e pelo PCB
Para quem gosta de analogias (claro, na relação com o governo Bolsonaro: a da da “Declaração de Março” de 1958. Na
sempre defeituosas), vale lembrar que a bancada e a dos governadores. melhor das hipóteses, nos transformaría-

Outra consequência da estratégia


proposta pelo atual grupo
dirigente seria o aprofundamento
dos problemas organizativos
vividos atualmente pelo PT, tais
como a subordinação do Partido
aos mandatos e governos, muitos
filiados mas pouca militância
organizada, mais focado em
organizar eleições do que em
participar das lutas sociais

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 73


7o CONGRESSO

O que o atual grupo


dirigente do Partido
está propondo é
um caminho que já
foi percorrido pelo
PSDB, pelo velho
MDB e pelo PCB
da “Declaração de
Março” de 1958.
Na melhor das
hipóteses, nos
mos em um partido tradicional. Na pior não prevalecer. Neste caso, o roteiro será transformaríamos
das hipóteses, passaríamos por situações mais trash.
já vividas pelo PPS brasileiro, pelo PRD Há alternativa? Há, sempre há várias em um partido
mexicano, pelo PCI italiano, todos parti- alternativas, até porque a luta de classes tradicional.
dos com um longo passado pela frente. sempre nos surpreende com variantes que
Em qualquer dessas situações, o que nossa vista limitada não consegue prever.
seria da esquerda petista e, de maneira
geral, o que será da grande Nação petista,
A única coisa líquida e certa, na atual qua-
dra histórica, é que sem o PT e contra o
*
Nas próximas páginas, confira algu-
daquela militância de base que não está PT não há como viabilizar uma oposição
mas opiniões a respeito do Sétimo Con-
vinculada a nenhuma tendência, mas de esquerda e uma ruptura popular. Mas
gresso do Partido dos Trabalhadores: a
que deseja “ter seu partido de volta”? só derrotaremos Bolsonaro e os golpistas,
tese apresentada pela tendência petista
Provavelmente teremos novas defecções só libertaremos Lula, só retornaremos ao
Articulação de Esquerda, os artigos de
e divisões, por exemplo entre os que se governo, só faremos reformas estruturais
Rui Falcão e Paulo Pimenta. Outras ten-
acomodariam no desalento, os que de- e só caminharemos em direção ao socia-
dências e lideranças foram convidadas a
sistiriam de acreditar e disputar, os que lismo se o PT mudar de linha política. Se
escrever, inclusive a atual presidenta do
seguiriam lutando e acreditando ser pos- esta mudança não ocorrer, novas derrotas
Partido, a companheira Gleisi Hoffmann.
sível um cenário ao estilo Jeremy-Corbin- virão. E o Partido corre sérios riscos de não
Publicamos os textos de quem atendeu
-no-Labour-Party. sobreviver a sua “crise dos 40”.
ao convite.
Fora do PT, no restante da esquerda Por tudo isto, todo esforço vale a pena
brasileira, a perpetuação do atual grupo no sentido de construir uma nova maio-
*VALTER POMAR é professor de
dirigente e de sua linha política provo- ria no dia 8 de setembro e no Congresso
relações internacionais na UFABC
caria respostas diferentes, mas certa- de novembro. E o ponto de partida para
mente alimentaria as (legítimas) expec- construir uma nova maioria é derrotar o
tativas daqueles que pretendem ocupar atual grupo dirigente. Dentro do qual, cer-
o “lugar” do PT. Claro que na ausência tamente, há quem concorde com parte do
de grandes lutas sociais, a ascensão de que foi dito neste texto. E que se disporia,
novas (e não tão novas assim) esquer- inclusive, a participar de uma nova maio-
das transcorreria em clima de slow mo- ria. Mas como já foi dito antes, não se faz
tion eleitoral. Isto se a extrema direita omelete sem quebrar alguns ovos.

74 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


7o CONGRESSO

“Nem Bolsonaro nem Mourão!


Lula Livre! Diretas Já!”

O
Rui Falcão* Brasil vive um
novo ciclo político
desde a ruptura
continuada da
ordem constitu-
Buscamos reunir cional promovida
pela classe do-
as condições para minante. Com o impeachment da presi-
denta Dilma, seguido pela condenação,
passarmos à ofensiva.
prisão e interdição do presidente Lula, a
Nesse sentido, burguesia busca tornar mais funcional a
acumulação capitalista, dificultada pela
nossa perspectiva crise e pela ampliação de direitos con-
tática deveria ser a quistados sob nossos governos.
O capitalismo brasileiro, assentado
palavra de ordem sobre múltiplos mecanismos de super-
“Nem Bolsonaro -exploração do trabalho e preservação de
estruturas arcaicas, é hostil a reformas
nem Mourão! Lula capazes de alterar, mesmo que timida- das relações trabalhistas; repressão aos
mente, essas condições sócio-econômi- movimentos sociais, culturais e por direi-
Livre! Diretas Já!”. tos civis; revogação das leis de proteção
cas.
Devemos repelir como O golpe foi o caminho trilhado pelas ambiental e social.
classes dominantes para que o capitalis- O governo Bolsonaro não nega a que
legítima e democrática mo, na busca de sua expansão ilimitada, veio: age para primeiro destruir a fim de
consolidar o novo regime. Com Moro,
qualquer saída que pudesse remover quaisquer barreiras ao
exercício de seu poder. Guedes e o “partido lavatista-militar”,
não passe pelo Com Bolsonaro, o regime liberal-de- que empreendem a escalada do retroces-
so, associados ao clã familiar ideológico-
voto popular mocrático, instituído em 1988, cede lugar
-olavista, o sistema neoliberal busca se
à nova ordem neoliberal em que o anti-
go é recriado como novo: forte retrocesso consolidar, tentando erigir o mercado em
nos direitos sociais; medidas de extrema razão de ser do governo.
restrição à liberdade de organização e Na prática, o conjunto de medidas
expressão; redução brutal à participação editadas pelo governo relega a sobera-
popular nas instituições; aprofundamen- nia popular, solapa direitos e garantias
to da desigualdade social; precarização fundamentais, viola a Constituição, a tal
ponto que não se pode mais considerar

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 75


7o CONGRESSO

o Estado brasileiro como democrático, programa econômico e à subordinação do Por uma revolução partidária
embora continuem funcionando o Con- Brasil ao capitalismo estado-unidense, as
gresso e o Judiciário. A democracia libe- distintas frações da burguesia e as diferen- Diante deste cenário, o Partido dos
ral, tal como a conhecíamos, está sendo tes alas do governo estão atravessadas por Trabalhadores precisa realizar uma ver-
esvaziada de sua substância sem que seja contradições sobre qual o caminho políti- dadeira revolução em suas práticas. É
extinta formalmente: está sendo gestado, co para implementar sua agenda. urgente traçarmos uma nova estratégia
no interior do Estado Democrático de Di- O desemprego crescente, o aprofun- a fim de enfrentar as lutas do presente
reito, um novo Estado em que a “exceção damento da desigualdade, o empobreci- período.
virou regra”. mento, a miséria, a insegurança, o deses- Mais que nunca, impõe-se atuali-
Sustentado por um conjunto de clas- pero, a desconfiança nos políticos , o ódio, zar nossa tática de acúmulo de forças,
ses, frações e setores das classes domi- a intolerância e o aumento da violência — que requer mobilizações, enfrentamen-
nantes, oligarquias burocráticas, grupos tudo isso amplia as incertezas. O choque to, afrontamento, nitidez programática
financeiros, empresas multinacionais, or- entre os poderes da República; a retomada – sem ignorar a correlação de forças em
ganismos inter e supranacionais, o presi- das ruas pelos movimentos; as denúncias presença e os riscos de isolamento da po-
dente mostra-se decidido a construir um de corrupção envolvendo o presidente e pulação.
outro sistema político, um regime autori- seus familiares; a escancarada parcialida- É fundamental rever nossas formas
tário, policialesco e de longa duração, em de do sistema de justiça; a queda contínua de direção e atuação, cujas referências
nome da “nova política”. da popularidade concorrem para que o go- principais encontram-se nas resoluções
Seus objetivos são aniquilar o PT, verno se mostre incapaz de vencer a crise. do 6o Congresso, a serem aprofundadas
derrotar estrategicamente as forças de Uma crise da qual ele é parte e indutor, nos debates preparatórios ao 7o Congres-
esquerda e os movimentos populares, responsável que é pelas políticas de arro- so.
reunificar os partidos da burguesia forta- cho e corte de direitos. Nós temos, também, a tarefa de
lecendo o Poder Executivo e implantar ra- No momento atual, a sensação é de implantar medidas que fortaleçam o PT
dicalmente as reformas econômicas exigi- caos reinante. Isso incute na população o como partido socialista e de massas, ado-
das pelo capital financeiro, com prioridade descrédito na democracia, nas instituições tando um funcionamento que vá além
para a malsinada reforma da Previdência existentes, nos partidos e na própria polí- das disputas eleitorais como ocorrem
e a entrega generalizada do patrimônio tica, encorajando uma recidiva ultra-auto- hoje, que faça a disputa de idéias na so-
nacional. ritária, capitaneada por Bolsonaro e seus ciedade, que chegue aos governos para
Embora unificadas em relação ao acólitos da extrema-direita. ser poder.

76 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


7o CONGRESSO

É fundamental rever dos diretórios devem ter alguma tare- É nesse sentido que cabe analisar as
fa dirigente, integrando algum coletivo condições políticas, sociais, econômicas e
nossas formas de responsável por atividades setoriais ou culturais nas quais opera o bloco no po-
der, bem como das iniciativas do campo
direção e atuação, regionais: nossos diretórios não podem
mais funcionar como “parlamentos” nos popular para voltar ao governo, recons-
cujas referências quais as tendências discutem suas teses, truir o regime democrático sobre novas
mas sem que os dirigentes e detentores bases e viabilizar um programa de refor-
principais encontram- de mandatos eletivos tenham de assumir mas estruturais.
se nas resoluções do tarefas na construção partidária. Esse caminho pressupõe a forma-
ção de uma aliança com claros contornos
6o Congresso, a serem Resistir e retomar a ofensiva programáticos, de natureza democrática,
aprofundadas nos antiimperialista, antimonopolista e an-
A experiência devastadora do golpe, tilatifundiária, que aponte ao país um
debates preparatórios da interrupção dramática de um projeto novo rumo político, econômico e social.
alternativo de nação, longe de nos pros- Tal aliança deveria ter, portanto, as carac-
ao 7o Congresso.
trar em lástimas e autoflagelação, devem terísticas de uma frente popular, agru-
nos obrigar a traçar novas coordenadas, pando o PT e os partidos de esquerda e
Isso implica uma profunda reorgani- outras leituras da realidade, formas ino- centro-esquerda, além dos movimentos
zação de núcleos por locais de trabalho, vadoras de ação política a fim de alcançar populares, ao redor de um programa de
estudo e moradia, de diretórios munici- nossos objetivos estratégicos. desenvolvimento e democratização cujo
pais e estaduais com vida dinâmica, de Sem superestimar nossas forças ou paradigma não seria o retorno à Nova
uma direção nacional que opere como menosprezar as dificuldades, atraves- República, mas uma nova ordem consti-
um verdadeiro coletivo dirigente, de uma samos hoje uma fase de resistência, de tucional.
politica agressiva de formação política e retomada da iniciativa política, de re- Acordos, movimentos e frentes pon-
comunicação. nascimento da esperança e confiança no tuais poderiam ser realizados com frações
Outra mudança inadiável é a busca futuro. burguesas que colidam com o bolsonaris-
de um consenso para que, garantida a de-
mocrática diversidade de opiniões, cesse
o atual monopólio das tendências sobre a
vida partidária, que praticamente obriga
militantes petistas a integrarem alguma
corrente caso queiram fazer parte das di-
reções em qualquer nível.
É imprescindível que possamos ins-
tituir um novo método de direção, mais
coletivo, inclusive, transparente, eficien-
te, participativo, conectado com as ba-
ses. A cada reunião do Diretório Nacio-
nal, por exemplo, a Comissão Executiva
deveria divulgar, com antecedência, um
projeto de resolução ou informe político,
que possa ser debatido, de forma virtual
ou presencial, por todos os diretórios mu-
nicipais e estaduais, cujas contribuições
devem enriquecer a decisão nacional
de forma consultiva. Todos os membros

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 77


7o CONGRESSO

A construção de uma frente popular, na


nossa opinião, passa por etapas sucessivas
de aproximação. A que vivemos hoje é de
resistência, baseada nas bandeiras defensivas
das classes trabalhadoras e de outros setores
do povo brasileiro.
mo e defendam a democracia, mas sem a de contar com a maior bancada no Con-
ilusão de formar uma coalizão orgânica gresso e por ter conquistador governos
e estável que represente concessões pro- estaduais com grande apoio popular que
gramáticas de qualquer tipo. devem estar integrados ao mesmo proje-
A construção de uma frente popular, to nacional.
na nossa opinião, passa por etapas su- Ao longo desse processo, não pode-
cessivas de aproximação. A que vivemos mos, em nenhum momento, cair na ar-
hoje é de resistência, baseada nas bandei- madilha de nos tornarmos força auxiliar
ras defensivas das classes trabalhadoras de eventuais soluções que interessam aos
e de outros setores do povo brasileiro: defensores da agenda ultraliberal, em
defesa da democracia; dos direitos civis e busca de um ambiente político mais ou
das chamadas minorias; do ensino públi- menos arriscado patra implementar seu
co e da universidade democrática; contra programa.
a reforma da Previdência; pela anulação Tampouco podemos atuar como se
da condenação e libertação do presidente estivéssemos em uma situação normal,
Lula. Nas trincheiras dessas batalhas vai fazendo cálculos e centralizando nossa
se gerando, por baixo e por cima, um am- intervenção exclusivamente com vistas
biente de unidade popular. às eleições de 2020 e 2022.
Caso consigamos impulsionar um A nosso ver, às forças populares in-
ciclo permanente e ampliado de mobili- teressam o desgaste ilimitado do governo
zações, que coloque em movimento mi- Bolsonaro e a paralisia de suas frações
lhões de brasileiros, poderemos passar da dissidentes, a sua ilegitimidade e a con-
resistência à ofensiva, aprofundando as testação aberta pelas massas populares,
divisões do bloco conservador e abrindo ou da oposição conservadora.
caminho para uma alternativa democrá- Buscamos reunir as condições para
tica e popular. passarmos à ofensiva. Nesse sentido,
A base política dessa frente deve ser nossa perspectiva tática deveria ser a
a unidade de toda a esquerda, em aliança palavra de ordem “Nem Bolsonaro nem
com setores democráticos da sociedade e Mourão! Lula Livre! Diretas Já!”. Deve-
partidos da centro-esquerda como PSB e mos repelir como legítima e democrática
PDT. É fundamental, por isso, criar uma qualquer saída que não passe pelo voto
dinâmica de convergência com os movi- popular.
mentos sociais, lideranças culturais, inte-
lectuais e religiosas da resistência. *RUI FALCÃO é deputado federal
O papel do PT é indispensável nesse (PT-SP) e foi presidente nacional do
cenário. Pela sua inserção social, pelo fato Partido dos Trabalhadores.

78 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


7o
CONGRESSO
BRASIL

Defender a democracia e
construir um projeto de esquerda
Paulo Pimenta*

Às vésperas do Partido dos Trabalhadores completar seus 40

N
anos e realizar seu 7º Congresso é necessário reafirmarmos
compromissos com a sociedade brasileira, e em especial com
a classe trabalhadora e os setores historicamente excluídos

este momento tão


duro de ataques à democracia, somado
a um processo de desmonte do Estado
brasileiro, quebra de soberania e reti-
rada de direitos históricos, o PT perma-
nece como um instrumento estratégico
da esquerda, contribuindo para a orga-
nização popular e suas lutas, e capaz de
congregar as contribuições do campo
democrático em torno de um projeto de
desenvolvimento nacional soberano e
justo para seu povo.

A derrota estratégica causada


pelo golpe

O PT vive no último período sob o im- O golpe que tirou Dilma do Planalto tem características próprias
pacto de uma das maiores derrotas estra-
tégicas imposta à esquerda e à classe tra- cas sociais promovidas por Estados orien- de mídia, amplos setores parlamentares
balhadora brasileira. O Golpe de 2016, em tados por valores de justiça social e inclu- e parte significativa do sistema de justiça
que pese estar inserido em um processo são, tem características próprias. representados pela Operação Lava Jato,a-
global de reposicionamento do capitalis- O Golpe no Brasil foi fruto de uma valizado pelos tribunais superiores e o pelo
mo internacional, que tem como marcas forte aliança entre as representações do próprio STF, somados a setores sociais
os ataques às democracias, às soberanias capital financeiro nacional e internacio- reacionários, representados pelas igrejas
nacionais, e fundamentalmente às políti- nal, as elites nacionais, setores da gran- neopentecostais e pela direita do País.

ESQUERDAESQUERDA
PETISTA #10 - Agosto-Setembro
PETISTA #10 - Agosto 2019 79
81
7o CONGRESSO
BRASIL

Apesar de termos promovido no Bra-


sil um processo significativo de inclusão
social e econômica, por meio da amplia-
ção do emprego e renda e do acesso às
diferentes políticas públicas por setores
historicamente excluídos, priorizamos
em vários aspectos o consumo e abdica-
mos de fazer a disputa hegemônica na
sociedade. Consideramos que os avanços
promovidos pelo nosso projeto seriam ir-
reversíveis e que a população se apropria-
ria deles.
Nosso partido abriu mão de cumprir
seu papel histórico, deixando de fazer a
disputa ideológica na sociedade, bem
como de projeto dentro de um governo
de coalisão. Em larga medida, passamos
a reproduzir métodos, práticas e valores
que historicamente combatíamos. Fomos tado nas redes sociais, pela mídia e pelas A resistência, Lula e a defesa da
artífices de uma inclusão despolitizada, representações daqueles que mais tarde democracia
que ruiu ao primeiro ataque organizado seriam as expressões públicas do Golpe.
das elites. Aliado a isso, nossos equívocos sobre A organização dos movimentos so-
Paralelo a isso, fomos alvo de uma a política econômica, o baixo diálogo com ciais e do campo de esquerda, por meio
experiência nacional de Guerra Híbrida, os movimentos sociais, e a abdicação de da constituição da Frente
constituição das Frente Brasil
Brasil Popu-
Popu-
iniciada nos processos de massa de 2013, realizar as reformas estruturantes tão ne- lar e da Frente Povo Sem Medo, aliados
que fez migrar uma bandeira pontual so- cessárias ao país como as Reformas Po- a setores democráticos, impulsionou um
bre o preço da passagem para uma dispu- lítica, Tributária, a Regulação da Mídia, conjunto de mobilizações que forjou um
ta de narrativa e de projeto de sociedade. as Reformas Agrária e Urbana ou mesmo importante movimento de resistência,
A falta de uma resposta mais con- uma composição mais garantista nos tri- frente a um cenário de desesperança.
tundente do PT, não do governo, sobre a bunais, foram corroendo
bunais,foram corroendo aa confiança e as Este feito se demonstrou fundamental
bandeira que se consolidou nas ruas, nas expectativas sobre nosso Governo, con- para enfrentarmos a agenda de 2018
redes e na mídia de Combate à Corrupção, tribuindo para fragilizar sua sustentação em outras condições
emoutras condições de
de disputa, mesmo
fez com que a disputa de 2014 tivesse um junto a uma base social que nos garantiu insuficiente para reverter o processo em
segundo turno absolutamente agoniante, quatro vitórias consecutivas à Presidên- curso, preservou um capital político im-
que só nos possibilitou sairmos vitoriosos cia do País. portante.
devido a ampla unidade dos setores pro- A relação dos nossos governos com os Adentramos 2018 com um processo
gressistas e de esquerda, que no último Movimentos Sociais, via de regra, foi uma significativo de mobilização popular, que
minuto somaram-se em torno da candi- relação de cooptação e hegemonismo, con- teve início com os atos em Porto Alegre,
datura de Dilma! tribuindo para um cenário de desvitaliza- no mês de janeiro, durante o julgamento
Mesmo com a vitória, inesperada por ção ou mesmo apatia de diversos setores. do Ex-Presidente Lula pelo TRF4, pas-
parte de nossos adversários, o que levou Ao acessarem um conjunto de políticas sando pelas Caravanas, movidas pela
a contestação dos resultados das eleições públicas únicas na história da República, forte expectativa em torno de sua candi-
por Aécio Neves, um novo caldo de cultu- foram perdendo sua capacidade de inova- datura à Presidência da República.
ra ia sendo produzido no País, fruto desta ção e mobilização de suas respectivas bases O Golpe demonstrava a cada dia
Guerra Híbrida, com marcas antidemocrá- sociais. Uma espécie de era de ouro das po- que havia um planejamento e uma or-
ticas, intolerantes e autoritárias alimen- líticas públicas que parecia interminável. ganização que pensava cada passo com

80
82 Agosto-Setembro
ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019 2019
7o CONGRESSO
BRASIL

Em paralelo, a alternativa pensada


Devemos aprofundar pelas elites em um primeiro momento
a oposição ao Governo passava longe do perfil de Jair Bolsona-
Bolsonaro e ao projeto ro. Muitas possibilidades foram testa-
das, mas a radicalidade da narrativa de
que ele representa, de Bolsonaro, calcada no antipetismo e no
forma articulada com os contraponto a todos os avanços sociais
movimentos sociais e do último período, fizeram desaguar ex-
pressivos setores da opinião pública na
populares, com as Frentes sua candidatura, vindo a elegê-lo.
Brasil Popular e Povo Sem E como ficaram os artífices deste
Medo, com os setores processo? Receberam a primeira parte de
uma valiosa recompensa. O Juiz Sergio
democráticos e os partidos Moro assumiu
assumiuumministério
ministériono governo
no governo
de esquerda que ajudou a eleger.

Bolsonaro, o bolsonarismo eé um
novo sujeito social no Brasil
muita precisão para atingir seus objeti- A condenação levou Lula à uma pri-
vos. A deposição de Dilma Rousseff da são ilegal e injusta. Um pedido final de A vitória de Jair Bolsonaro, ancorada
Presidência da República, eleita com habeas corpus, possibilitaria Lula dispu- em uma base ideológica de extrema direi-
mais de 54 milhões de votos, sem ter tar a eleição, mas às vésperas de ser julga- ta e com amplo apoio do centro e centro
praticado crime de responsabilidade,
praticadocrime responsabilidade, era
era do pela Suprema Corte, o alto comando direita associados às elites, mais do que
só o primeiro
primeiro passo.
passo.OOmomento
momento de de ouro
ouro militar se manifestou dizendo que aten- derrotar o PT, sinalizou o rompimento do
perseguido pelos artífices da Operação der a tal recurso ameaçaria a estabilidade pacto nacional firmado na Constituição
Lava Jato e seus aliados golpistas era a do País. Assim, os juízes da corte se sen- de 1988, bem como a derrota de um pro-
retirada do Ex-Presidente Lula da dispu- tiram à vontade para derrubar o princípio jeto de país soberano, democrático e jus-
ta eleitoral de 2018. constitucional e barrar a candidatura de to, que volta a ser subordinado aos inte-
Lula significava um empecilho aos Lula, que neste momento figurava na li- resses dos EUA e do capital internacional.
interesses econômicos estratégicos dos derança de todas as pesquisas eleitorais. O Presidente
Presidentecapitão
capitãonunca
nuncaescondeu
escon-
EUA, em especial no petróleo do pré-sal, Lula é definitivamente um preso po- seu ódioódio
deu seu à democracia, mas
à democracia, masnono
decorrer
decor-
que passaram a se somar a um conjun- lítico, exilado dentro do Brasil. Isolado destes mais200
rer destes de dias
200 dias de governo
de governo ficouficou
ex-
to de interesses das elites nacionais, por do seu povo, de sua família, dos amigos, explícito
plícito o oseu
seudesprezo
desprezopelas
pelas instituições.
isso era imperioso desencadear um pro- companheiros de luta e até há pouco Além das iniciativas de desmonte das
cesso de criminalização de sua figura tempo, da imprensa. Mas isso não im- políticas sociais como a educação, a saú-
pública, bem como a desumanização do pediu que sua mensagem de um Brasil de, e a seguridade social, promoveu uma
cidadão Luiz Inácio Lula da Silva. desenvolvido, democrático, justo, sobera- ocupação com critérios pessoais e ideoló-
O Juiz Sergio Moro, o Procurador no e solidário influenciasse de forma sig- gicos dos espaços estatais, garantido seus
Deltan Dallagnoll e seus aliados, a serviço nificativa a eleição de 2018. Ao apoiar a familiares, amigos e aliados próximos em
destes interesses, e de interesses pessoais, candidatura de Fernando Haddad à Pre- posições de destaque. A última façanha é
passaram por cima da Constituição e sidência da República ao lado de Manue- a indicação do filho Eduardo Bolsonaro
romperam com o Estado Democrático de la D’ Ávila, contribuiu para que a chapa para a Embaixada do Brasil nos EUA.
Direito, ao estabelecer um vale tudo para alcançasse 47 milhões de votos, repercu- Este é um governo que tenta se es-
condenar Lula. Isso foi agora confirmado tindo na eleição de 4 governadores e na conder da relação íntima com milícias
a partir das revelações apresentadas pelas manutenção da maior Bancada da Câma- e esquemas
esquemas de decorrupção, alimentando
corrupção,alimentando
matérias do The Intercept Brasil. ra Federal. uma crise, ou polêmica após a outra. No

ESQUERDAESQUERDA
PETISTA #10 - Agosto-Setembro
PETISTA #10 - Agosto 2019 81
83
7o CONGRESSO
BRASIL

Cartaz do
Grito dos
Excluídos
2018

paralelo, a agenda ultraliberal de seu go- O PT, bem como o Semear a esperança e devolver o
verno, operada por Paulo Guedes passa a Brasil para os brasileiros
ter viabilidade após uma grande pressão
conjunto da esquerda,
no Congresso
sobre Nacional
o Congresso e no
Nacional e o Supremo,
Supremo, deve se desafiar a Frente a este cenário, precisamos
sustentada pela mobilização de milícias construir um projeto consolidar o reposicionamento do PT
digitais e sociais, recorrendo a métodos pela esquerda, conforme iniciado no 6°
fascistas para garantir suas posições. de país em profundo Congresso, estabelecendo um novo pacto
Este processo fez ressurgir o velho diálogo com o melhor com a classe trabalhadora brasileira em
Centrão, que tenta se apresentar à socie- sua diversidade, além de definirmos uma
que a sociedade
dade como alternativa aos desmandos do nova estratégia política, adequada aos
atual governante, mas segue sustentan- brasileira produziu desafios do período, que reafirme a defe-
do a agenda vencedora do pleito eleitoral, até aqui, não medindo sa da democracia e aponte para a cons-
buscando consolidar um conjunto de re- trução de uma estratégia socialista.
trocessos marcado pela retirada de con-
esforços para a
Devemos aprofundar a oposição ao
quistas históricas da classe trabalhadora. constituição de uma Governo Bolsonaro e ao projeto que ele
Símbolo disso é a aprovação em primeiro frente que parta do representa, de forma articulada com os
turno da Reforma da Previdência, que re- movimentos sociais e populares, com as
presenta o fim do sistema de seguridade
campo da esquerda, mas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo,
social e da previdência pública, um lega- capaz de agregar amplos com os setores democráticos e os partidos
do de várias gerações. setores democráticos de esquerda e centro esquerda que não se
Mas não tenhamos dúvida, o maior submetem aos processos antidemocrá-
legado que este governo prepara não está ticos e fascistas desencadeados por este
na quebra da soberania, nem na destrui- valores intolerantes e autoritários, e na governo.
ção do Estado, ou mesmo na retirada dos emergência de um novo sujeito político e Não podemos abdicar de fazer a dis-
direitos do povo, ele reside na corrosão social – o militante de extrema direita e puta ideológica, de projeto e de valores na
da nossa democracia, na afirmação de neofascista. sociedade, sem perdermos, no entanto, a

82
84 Agosto-Setembro
ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019 2019
BRASIL
7o CONGRESSO

iniciativa de apresentarmos alternativas Nesse contexto, a luta pela liberdade diano, promovendo uma presença organi-
que enfrentem os desafios colocados pela de Lula e a anulação de sua condenação zada nos territórios, contribuindo com a
crise econômica no País, como a proposta é fundamental, como símbolo da luta por organização popular e suas lutas e com a
de um plano de emergência com priori- justiça e democracia no País. Lula é um construção de agendas concretas em cada
dade para a geração de emprego e renda. perseguido e um preso político, por tudo setor ou comunidade. Nossos núcleos de
O Brasil não produziu historicamen- que ele fez e representa para o povo bra- base devem traduzir estes objetivos.
te uma burguesia ou uma elite capaz de sileiro. Sua prisão simboliza o encarcera- Não teremos êxito nesta disputa que
apresentar um projeto de desenvolvi- mento do povo pobre e do conjunto de estamos vivendo de Guerra
guerra híbrida
Híbrida e tec-
mento nacional inclusivo, justo e autôno- excluídos. Sua liberdade representa um nológica utilizando velhas ferramentas.
mo. Sempre preferiu nos momentos de sopro de esperança da retomado do País Precisamos pensar a comunicação de
crise buscar o caminho mais fácil, o do pelo seu povo forma estratégica, elaborando um proje-
alinhamento e o da submissão aos inte- to de reposicionamento da nossa sigla/
resses estrangeiros. Uma organização à altura dos marca, capaz de traduzir para setores da
Nesse sentido, o PT deve se desa- nossos desafios sociedade que compõe a base social que
fiar, bem como o conjunto da esquerda a queremos
queremos disputar,
disputar uma sinalização sobre
construir este projeto em profundo diálo- Devemos renovar e reorganizar o PT nossos compromissos no presente e para
go com o melhor que a sociedade brasi- promovendo uma “Revolução Cultural”, o futuro do Brasil.
leira produziu até aqui, não medindo es- que se expresse em nossa vida interna Para isso devemos investir em pes-
forços para a constituição de uma frente alterando os espaços, práticas e métodos, quisas e em uma ação técnica de comu-
ampla que parta do campo da esquerda, exercitando valores de justiça e solidarie- nicação, orientada politicamente que se
mas capaz de agregar setores democráti- dade em nosso meio. utilize de novos recursos comunicacionais
cos, personalidades e intelectuais com- Nesse contexto, a formação política é por meio
meio das
das redes
redessociais
sociaiscomo
comoTwitter,
whatz
prometidos com a defesa da soberania estratégica para que possamos forjar uma WhatsApp, Faceboock,
App, Twitter, faceboock, Instagram e fun-
fun-
nacional e com os direitos sociais, tendo nova geração de militantes, dirigentes e damentalmente em iniciativas de massa
como uma primeira tarefa preparar uma lideranças com maior capacidade para en- pelo You Tube com a criação de um canal
agenda comum para as eleições de 2020 frentar o debate político, ideológico e de próprio de TV, bem como de um programa
que não se restrinja às pautas locais. Esta valores. Um partido de massas que forma de rádio na internet.
construção deve ser concebida de forma quadros a serem ofertados para as tarefas Por fim, mas não menos importante,
intrínseca com aa pauta da retomada
retomada e do
e o aprofun- em sociedade. devemos encarar as finanças partidárias
aprofundamento
damento da democracia
da democracia no País. no País. Devemos ter a capacidade de consti- como uma ação pedagógica e militante,
O PT deve intensificar o diálogo com tuir núcleos dirigentes no PT, capazes de estimulando que cada filiado contribua
os partidos progressistas e da esquerda compartilhar efetivamente o poder e que garantindo nosso autofinanciamento, que
mundial, com atenção especial aos da expressem a pluralidade das sensibilida- se estabeleça um processo participativo
América Latina, contribuindo para a uni- des internas, bem como a diversidade ge- no planejamento das finanças partidárias
dade frente aos ataques às democracias, racional, de gênero e racial existente em e a transparência nos processos de gestão
às soberanias nacionais e frente a onda nosso meio. e de prestação de contas.
de extrema direita com marcas fascistas Um partido que queira representar
que tem crescido nos diferentes conti- a classe trabalhadora deve se organizar a *PAULO PIMENTA é líder da bancada
nentes. partir desta e estar inserido em seu coti- do PT na Câmara dos Deputados

Não teremos êxito na disputa que estamos vivendo


de Guerra
guerra híbrida
Híbrida e tecnológica utilizando velhas
ferramentas. Precisamos pensar a comunicação
de forma estratégica, elaborando um projeto de
reposicionamento da nossa sigla/marca

ESQUERDAESQUERDA
PETISTA #10 - Agosto-Setembro
PETISTA #10 - Agosto 2019 83
85
7o CONGRESSO
TENDÊNCIA

VV
..ivemos tempos de guerra.
Guerra de ricos contra pobres.
Guerra de empresários con-
tra trabalhadores. Guerra do
agronegócio contra os cam-
poneses, indígenas e quilombolas. Guerra
de latifundiários urbanos contra o povo
sem teto. Guerra de especuladores contra
aposentados. Guerra de machistas contra
as mulheres. Guerra de racistas contra
negros e negras. Guerra dos intolerantes
contra os LGBT. Guerra de conservadores
contra a juventude. Guerra de fascistas
contra as liberdades democráticas. Guerra
Nossos inimigos têm a seu favor o Estado,
os grandes meios de comunicação, o poder
econômico, a manipulação dos corações e
mentes. Nós, das classes oprimidas e domi-
nadas, temos a nosso favor a organização. É
a organização que nos permite conscienti-
zar, mobilizar, lutar, resistir, é a organização
que nos permite, mais cedo ou mais tarde,
conquistar o poder para as classes trabalha-
doras poderem construir um novo Brasil e
um novo mundo.

Quando criminalizam o pensamento de es-


querda, reprimem os movimentos sociais,
amigos aceitariam a integração regional e
respeitariam nossa soberania. Que se a es-
querda fosse a campeã do republicanismo
e do “estado de direito”, o outro lado abri-
ria mão do “estado da direita”.

O que aconteceu, todos sabemos: o golpe


de 2016, Lula preso, um cavernícola na pre-
sidência, o Brasil e a América Latina regre-
dindo. Apesar disso, há setores que resis-
tem em fazer a autocrítica das ilusões! 

Dizem que o golpe foi causado porque


Dilma não soube “dialogar”; que as forças
da ignorância contra a educação liberta- sufocam o sindicalismo, matam  Marielle, armadas apoiaram o golpe porque foram
dora. Guerra dos imperialistas contra as prendem Lula, tentam cassar a legenda do “provocadas”; que a condenação e pri-
nações periféricas. Guerra do capitalismo PT, nossos inimigos buscam inviabilizar a são de Lula foram obra apenas de Moro
contra a humanidade. Guerra da morte organização da classe trabalhadora. Frente e  Dallagnol, não do “partido do judiciário”,
contra a vida. a cada um destes ataques, nossa resposta do “partido da mídia” (Globo à frente), do
é e continuará sendo organizar um partido “partido dos generais” e do Grande Capital.
A classe trabalhadora, o povo pobre, cam- para tempos de guerra. Que Haddad seria eleito se atraísse o “cen-
poneses, indígenas, quilombolas, sem teto, tro”; que o governo de Bolsonaro é frágil;
aposentados, mulheres, negros e negras, Se quisermos vencer, devemos começar nos que a libertação de Lula depende apenas
os LGBT, a juventude, os democratas, os libertando de todas as ilusões. A ilusão dos de convencer este ou aquele juiz; que o
povos de todo o mundo precisamos vencer que acreditavam que se a esquerda desis- grande empresariado já se deu conta de
esta guerra. Só assim teremos um mundo que era feliz e não sabia.
tisse da revolução e do poder, a direita de-
em que caibam todas e todos, só assim te-
sistiria dos golpes e das ditaduras militares.
remos igualdade, liberdades democráticas, O valor dessas ilusões, todos viram na re-
Que se desistíssemos da expropriação dos
soberania, integração, outro mundo possí- forma da previdência: ampla maioria a fa-
capitalistas, estes aceitariam a distribui-
vel, o socialismo. Ou vencemos esta guer- vor do governo (379x131), mostrando que
ção de renda e  poder. Que se deixássemos
ra, ou será a barbárie. não se trata de um governo fraco, mostran-
de lado o anti-imperialismo, os EUA e seus

84
86 Agosto-Setembro
ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019 2019
7o CONGRESSO
TESE DA AE

O PT precisa adotar uma no, uma economia primário-exportadora,


nova estratégia, adequada desindustrializado, a questão social tratada
como “caso de polícia”, um Estado de exce-
para esta nova situação. ção com forte influência dos militares.
Ou seja, articular de
Alguns setores argumentam que entre
uma nova maneira a luta 2003, quando Lula tomou posse pela pri-
cultural, a luta social, a meira vez, e 2014, quando Dilma conquis-

luta eleitoral-institucional, tou o segundo mandato, não havia corre-


lação de forças para fazer muito além do
a auto-organização que se fez: disputar eleições, governar, im-
da classe, as relações plementar políticas públicas que tiraram
dezenas de milhões de pessoas do Mapa
internacionais, a política da Fome, ampliaram o acesso  a  educação, a
de alianças, o programa e moradia, a luz, geraram renda e empregos,
fortaleceram a soberania e a integração.
a questão do poder. Argumentam que se tivéssemos tentado
implementar reformas estruturais, teríamos
sido derrubados! 
do de que lado está o “centro”, mostrando o social-liberalismo. Além disso, o 7º Con-
quem de fato é de esquerda e está ao lado gresso será uma batalha entre quem cultiva Acontece que disputamos as eleições presi-
do povo. ilusões e quem semeia esperanças. denciais em 1989, 94 e 98 e ganhamos as de
2002, 2006, 2010 e 2014; não fizemos nada
A cada derrota, os semeadores de ilusões É necessário realizar além do permitido pela Constituição e, em
buscam novas. Não conseguem perceber r  eformas estruturais muitos casos, ficamos aquém do que a Cons-
que na luta de classes vale a máxima: se tituição previa. Mesmo assim o governo enca-
queres a paz, prepara-te para a guerra. O golpe de 2016 confirmou que o fato de beçado pelo PT foi derrubado. E desde o gol-
Lula pode ser libertado, Bolsonaro pode termos conseguido vencer por quatro vezes pe, a classe dominante vem tomando novas
ser derrotado, nossos inimigos podem ser as eleições presidenciais, não quer dizer medidas com o intuito de impedir que pos-
divididos, podemos derrotar a direita nas que o PT e a classe trabalhadora tenham samos disputar eleições, assumir governos
eleições de 2020 e 2022, podemos voltar chegado ao poder. e adotar políticas públicas transformadoras.
a governar o país. Mas para isso, só há um
caminho: lutar, lutar e lutar. E os que vivem O golpe confirmou, também, que para de- O PT precisa adotar uma nova estratégia,
no mundo das ilusões, não conseguem lutar fender um governo eleito é essencial com- adequada para esta nova situação. Ou seja,
adequadamente. binar luta institucional com mobilização so- articular de uma nova maneira a luta cultu-
cial e disputa cultural, uma vez que parcelas ral, a luta social, a luta eleitoral-institucio-
E a luta será mais ou menos longa, a depen- fundamentais do aparato de Estado obede- nal, a auto-organização da classe, as rela-
der: do que ocorra no mundo; das divisões cem aos interesses da classe dominante. ções internacionais, a política de alianças, o
na coalizão golpista; e, principalmente, de programa e a questão do poder. O PT deve:
nossa capacidade de conscientizar, organi- O golpe confirmou, finalmente, que para
zar e mobilizar a classe trabalhadora. transformar o Brasil não bastam distribuição 1) Estabelecer  como principal objetivo
de renda, políticas públicas e sociais: são programático implementar um conjunto de
O 7º Congresso será palco de muitas bata- necessárias reformas estruturais, que redu- transformações para o Brasil que combine
lhas: da democracia contra a fraude; do par- zam substancialmente o poder econômico medidas democrático-populares com medi-
tido de luta, contra a legenda eleitoral; do e político dos capitalistas, inclusive para das socialistas.
partido antissistema, contra a politicagem impedir golpes que não apenas desfazem O Brasil é um país de imensa desigual-
tradicional e fisiológica; da oposição radical, os avanços, como também nos empurram dade social. O caminho para superar esta
contra a frouxidão; das reformas estruturais de volta para uma situação em parte similar desigualdade passa por derrotar o capital
e do socialismo, contra a social-democracia e ao Brasil dos anos 1920: um país subalter- financeiro, os oligopólios, as transnacionais,

ESQUERDAESQUERDA PETISTA
PETISTA #10 #10 - Agosto 2019
- Agosto-Setembro 85
87
7o CONGRESSO
TESE DA AE

o agronegócio, colocando a economia brasi-


leira sob controle da classe que realmente A condenação e prisão de
produz as riquezas, a classe trabalhadora. Lula têm uma imensa carga
Apenas nestes novos marcos estruturais,
nossas políticas públicas – como o Sistema
simbólica: visa paralisar,
Único de Saúde – terão pleno êxito. amedrontar e desmoralizar
2) Estabelecer  como principal objetivo
a classe trabalhadora, por
estratégico a conquista do poder, isto é: con- meio do encarceramento
verter as classes trabalhadoras em classes da figura que simboliza o
dominantes, não se contentando em  ser  go-
verno e sem ter ilusões no caráter suposta- que de mais avançado esta
mente neutro do aparato estatal. classe produziu desde os
No Brasil, a classe dominante sempre
controlou o poder de Estado, raramente anos 1970.
tendo perdido o controle dos governos e
parlamentos. Lutamos por um Estado de
novo tipo, incluindo aí a democratização e mundo inteiro. O PT está engajado nas lu- Privilegiamos a integração regional,
regulação dos meios de comunicação, do tas pelos direitos das lésbicas, gays, bisse- reconstruindo instituições como a  Celac  e
sistema judiciário e das Forças Armadas, de xuais, travestis, transexuais e transgêneros, a  Unasul  e sustentando organizações como
tal forma que estejam a serviço da maioria num dos países onde mais assassinatos o Foro de SP. Devemos, também, estreitar
da população brasileira. são cometidos contra esses segmentos da as relações com os continentes africano e
A classe dominante tem “DNA” golpista população. Estamos na linha de frente das asiático; com os países árabes; e valorizar
e não tem escrúpulos em violar a lei e repri- batalhas em defesa da juventude, num os laços diplomáticos com os BRICS: Rús-
mir com máxima violência para fazer valer país em que grande parte da população sia, China, Índia e África do Sul.
a sua dominação. Também por isso a clas- tem menos de 30 anos, filhos e filhas da
se trabalhadora deve lutar pelo poder, não classe trabalhadora. O PT coloca-se deci- 5) Travar a luta cultural, de ideias, de
apenas pelo governo. E a luta pelo poder didamente ao lado dos povos indígenas, visão de mundo, a disputa de hegemonia
só terá completo êxito quando a maioria do que desde a chegada dos invasores co- necessária para construir uma consciência
povo brasileiro fizer uma grande revolução loniais vêm sendo vítimas de expropria- de classe socialista-revolucionária, demo-
política, social e cultural. ção, massacres e todo tipo de violência. crática-radical e nacional-popular.
Estamos engajados nas lutas ambientais, Um exemplo prático está no debate
3) Abandonar  a ilusão de que a classe incluindo aí a punição dos responsáveis sobre a reforma da previdência. Vivemos
capitalista, ou qualquer uma de suas fra- pelos crimes de Mariana e Brumadinho e para trabalhar ou trabalhamos para viver?
ções, é ou pode vir a ser aliada estratégica a reestatização da Vale. O PT é parte inte- A sociedade deve ser baseada na solidarie-
das classes trabalhadoras. NÃO defende- grante da luta dos quilombolas, dos Sem dade ou é cada um por si?
mos a construção, no Brasil, de um “capi- Teto e dos Sem Terra. Outro exemplo é a luta pela liberdade
talismo nacional, democrático e popular”. de Lula e pela anulação de suas penas: para
A única aliança capaz de transformar 4) Incluir  em nossa política de alian- além da importância estritamente política
o Brasil é a unidade entre a classe traba- ças governos, partidos e movimentos de que possui, também possui um enorme sig-
lhadora assalariada e a classe trabalhadora outros países, especialmente da América nificado cultural. A prisão de Lula não visava
de pequenos proprietários. Uma frente po- Latina e Caribe. apenas impedir a vitória eleitoral, nem visa
pular que deve acolher todas e cada uma Nossa história é marcada pela subor- apenas reduzir a capacidade de luta contra
das lutas de todos os setores explorados, dinação e dependência às potências es- as políticas do governo Bolsonaro. A con-
dominados e oprimidos.  trangeiras: primeiro aos portugueses, de- denação e prisão de Lula têm uma imensa
Nosso Partido luta com firmeza pelos pois aos ingleses, hoje aos Estados Unidos. carga simbólica: visa paralisar, amedrontar e
direitos das mulheres, especialmente das Subordinação que sempre incluiu a coloni- desmoralizar a classe trabalhadora, por meio
trabalhadoras! Defendemos os direitos zação do pensamento! O caminho para su- do encarceramento da figura que simboliza
dos negros e das negras, que constituem perar esta situação é enfrentar o imperia- o que de mais avançado esta classe produziu
a maior parte da classe trabalhadora, lem- lismo, afirmando nossa soberania nacional desde os anos 1970. Por isso, a luta pela  li-
brando que o Brasil é um dos países com em todos os terrenos: econômico, político, bertação de Lula e anulação de sua pena pos-
maior número de afrodescendentes do militar e ideológico. sui importância transcendental.

86
88 Agosto-Setembro
ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019 2019
TESE DA AE
7o CONGRESSO

6) Entender  que a luta social (a mobi- turais do capitalismo existente no Brasil. E contra os capitalistas e a principal arma
lização independente das classes trabalha- agora, aquele setor da esquerda defende da classe trabalhadora nessa luta é a orga-
doras em torno de seus objetivos imedia- continuar mantendo o socialismo na “fila de nização: os sindicatos, os movimentos, as
tos), a luta eleitoral (a disputa por espaços espera”, porque pensa que a tarefa seria re- entidades estudantis, a UNE e UBES, o MST,
no aparato estatal) e a ação institucional sistir, impedir o desmonte, recuperar o ter- a CUT, a Frente Brasil Popular e, com desta-
(dos mandatos, governos e de outras ins- reno perdido. E depois, quem sabe, quando que, o PT.
tituições do Estado) são diferentes formas tudo voltar ao normal, recolocar na ordem Todas as organizações do campo de-
que a luta de classes assume, sendo neces- do dia bandeiras de mais longo prazo, tais mocrático, popular e socialista estão cha-
sário analisar concretamente a centralidade como o socialismo. madas a mudar seus métodos de trabalho
de cada uma e a relação entre elas, a cada Os que pensam desta forma convertem e atuação, especialmente em quatro terre-
momento dado.  o socialismo em absolutamente nada: não nos: a) funcionamento e método de direção,
Hoje, a centralidade é da luta social. seria necessário quanto a classe trabalha- b) organização de base e relação cotidiana
E nossa participação nas eleições de 2020 dora está forte e não seria factível quanto com as classes trabalhadoras, c) mobiliza-
deve estar a serviço de uma tática nacio- está fraca. ção e luta de massa, d) comunicação e for-
nalizada de oposição radical ao governo A experiência latino-americana (1998- mação política.
Bolsonaro, com uma política de coligações 2018) e a experiência da socialdemocracia A questão organizativa central é nosso
eleitorais coerente com isso. europeia (1945-91) demonstram que a so- diálogo e enraizamento junto à classe traba-
brevivência das reformas e dos avanços de- lhadora. Temos uma classe trabalhadora di-
7) Compreender  que estamos numa pende não do capitalismo, mas sim da cor- ferente, mais  precarizada, mais influenciada
época internacional de crises, guerras e relação de forças entre capitalistas e classes por pensamentos capitalistas e de direita.
rupturas, que torna ainda mais atual a luta trabalhadoras. E por mais que as classes tra- O desafio de organizar a classe traba-
pelo socialismo. balhadoras melhorem suas posições, se elas lhadora inclui políticas de comunicação de
O PT é um partido socialista, luta contra não avançarem sobre a propriedade dos massa e a construção de núcleos de base, ca-
a exploração do trabalho pelo capital, defen- meios de produção e dos instrumentos de sas do povo e centros culturais, enraizando o
de a derrota e a superação do capitalismo. A poder, os capitalistas sempre terão os meios petismo nos locais de trabalho, estudo e mo-
crise internacional de 2008 demonstrou que para “colocar as coisas no seu devido lugar”. radia. Inclui, também, políticas de assistência
o capitalismo segue extremamente instável, Por isso é que consideramos imprescindível social e ação direta do Partido junto a quem
propenso a crises brutais, que se desdobram adotar uma estratégia socialista, ou seja: foi empurrado para o desemprego e a misé-
em “guerras” comerciais, políticas, culturais uma estratégia que visa fazer a classe traba- ria. Inclui, ainda, financiamento militante e
— e guerras propriamente ditas. Essa crise lhadora construir e conquistar os meios de de massa, bem como políticas permanentes
também revelou que o capitalismo neolibe- produção e os instrumentos de poder. de comunicação e de formação. 
ral é incapaz de reformar a si mesmo: é cada Sem este nível de organização, não te-
vez menor a chance de convivência pacífica 8) Priorizar a auto-organização inde- remos nenhuma chance contra a operação
entre, de um lado, o capitalismo, e de outro pendente das classes trabalhadores. O ca- que a máquina do Estado está promovendo
lado as políticas de  bem estar  social e as li- minho para mudar o Brasil passa pela luta contra a classe trabalhadora e contra o PT.

berdades democráticas. Assim como é cada
vez menor a chance de convivência pacífica
das grandes potências entre si e destas com
os países periféricos.  A luta entre as classes A questão organizativa
sociais dentro de cada país, bem como as central é nosso diálogo
disputas e conflitos entre os Estados nacio-
nais, tendem ao acirramento. e enraizamento junto
Parte da esquerda brasileira não acre- à classe trabalhadora.
Temos uma classe
dita nisto. Por isso, deixa o socialismo na
“fila de espera”. Antes de 2008, fazia isso
porque considerava que o socialismo não trabalhadora diferente,
seria necessário ou pelo menos não seria
urgente. Afinal, estaríamos conseguindo
mais precarizada,
avançar, melhorar a vida do povo, ampliar as mais influenciada por
liberdades, afirmar a soberania, construir a pensamentos capitalistas
integração regional, mudar pouco a pouco o
mundo, mesmo sem tocar nas bases estru- e de direita.

ESQUERDAESQUERDA PETISTA
PETISTA #10 #10 - Agosto 2019
- Agosto-Setembro 87
89
TESE DA AE
7o CONGRESSO

As instâncias partidárias devem ser ca-  construir uma JPT militante e de massas, mais importante experiência organizativa
pazes de agir no dia a dia da luta de classes, que supere seu profundo processo de dis- de quem vive do trabalho, sofre opressão e
dirigindo um partido que faça política tam- persão, desorganização e burocratização; dominação.
bém nos anos ímpares, não apenas em anos Para resistir e para derrotar a coalizão
de eleição.   retomar e massificar o trabalho de for- golpista, o PT vai precisar de uma nova es-
As direções atuais do PT não funcionam mação, com ênfase nos aspectos  politico-i- tratégia, que nos permita reconquistar o
coletivamente, são pouco executivas, com deológicos e teóricos; apoio da maioria da classe trabalhadora,
dirigentes atuando como num parlamento. condição para trilhar um caminho que nos
Para agravar, há governadores eleitos pelo  viabilizar o autofinanciamento do Par- leve não apenas a uma vitória eleitoral, mas
PT que afrontam publicamente as posições tido, que não deve depender nem de re- ao poder e ao socialismo. Precisamos de um
do Partido, sem que a atual direção os en- cursos empresariais (como antes), nem do partido para tempos de guerra, orientado
quadre. E há tendências que atuam como financiamento público (como agora). pela esperança vermelha dos que sabem
partidos-dentro-do-partido, convertendo o que o futuro da humanidade depende da
PT em mera legenda eleitoral e tratando a VIVEMOS TEMPOS DE GUERRA vitória do socialismo.
base como “massa de manobra”, convocada
a cada quatro anos para eleger as direções e A coalizão responsável pelo golpe de Lula Livre!!
depois mandada de volta para casa. 2016, pela prisão e interdição de Lula, e V
  iva o Partido dos Trabalhadores!
Para poder dirigir a luta cotidiana e pela vitória de Bolsonaro, não quer apenas e das Trabalhadoras!!!
a luta pelo socialismo, o PT precisa ser de nos derrotar. Quer destruir a esquerda, a
massas militantes, que participem de orga- começar pelo PT. Porque a direita não tem
nismos de base, com acesso à comunicação dúvida sobre o papel histórico do PT. Sabem
e à formação política; que sustentem finan- que sem o PT, não será possível derrotar o
ceiramente o Partido; e que não apenas ele- golpismo, nem convocar uma Assembleia
jam, mas também controlem os parlamenta- Nacional Constituinte. Sabem que na his-
res, dirigentes e figuras públicas do Partido. tória do Brasil o petismo é a mais forte e a

Entre as medidas indispensáveis e ur-


gentes, citamos:

 uma política de comunicação de massas


que articule um jornal impresso nacional,
revistas, rádio, televisão e redes sociais di-
gitais;

 reconstruir a rede de organizações de


base e fortalecer as instâncias em detri-
mento dos centros de comandos paralelos
localizados, principalmente, nos gabinetes
parlamentares e executivos;

 ampliar a influência do petismo na clas-


se trabalhadora, com atenção especial para
as mulheres, juventude, negros e negras,
moradores da periferia e setores do povo
que hoje estão sob influência de concepções
políticas e religiosas conservadoras;

 construir um feminismo socialista que


contribua para organizar a luta das mulhe-
res trabalhadoras e que supere na prática o
machismo que continua presente na socie-
dade e nas organizações do povo;

88
90 Agosto 2019
ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019
CULTURA

Sobre transe,
vertigem
e ilusões:
o golpe no
cinema

N
A cineasta Petra Costa, diretora do documentário Democracia em Vertigem
Sônia Ap. Fardin*
ão há guerra sem Com esse intuito, dedico aqui aten-
Dedico aqui atenção respectiva inscrição ção à produção de documentários sobre
à produção de visual. Visualidade o golpe, buscando compreender as rela-
não é mera repre- ções complexas no campo cultural comu-
documentários sobre sentação da políti- nicacional entre vários sujeitos políticos
ca, é parte de sua encarnação, cinema é (indivíduos e instituições) envolvidos na
o golpe, buscando a mais completa das encarnações visuais. realização e veiculação de discursos vi-
compreender as No Brasil do golpe, assim como na suais.
grande maioria dos momentos críticos A produção brasileira de documen-
relações complexas da luta de classes contemporânea, uma tário é uma das mais politizadas, seus
no campo cultural vasta produção de narrativas visuais vem principais expoentes têm trajetórias co-
sendo realizada pelos dois lados da guer- nectadas com a história internacional e
comunicacional ra. Como toda luta social contemporânea, seus acúmulos teóricos e experimenta-
entre vários sujeitos a que travamos também é atravessada ções fílmicas que registram as lutas da
pelas múltiplas determinações de um classe trabalhadora.
políticos (indivíduos campo cultural comunicacional em que Nos governos Lula e Dilma as políti-
parte fundamental de sua maquinaria cas públicas de fomento do audiovisual,
e instituições) está organizada sob a hegemonia da or- as janelas de inserção obrigatórias de rea-
envolvidos na dem capitalista. Portanto, é cada vez mais lizações brasileiras nas televisões estatais
necessário realizar, ver e debater produ- e proliferação de canais especializados
realização e ções visuais da esquerda, assim como propiciaram o fortalecimento desse seg-
veiculação de conhecer as condições objetivas que con- mento, o que levou a ampliação da pro-
dicionam as produção e distribuição e re- dução e do número de cineastas exclusi-
discursos visuais. percussão dessas obras. vamente dedicados ao gênero. Em razão

ESQUERDAESQUERDA
PETISTA #10 - Agosto-Setembro
PETISTA #10 - Agosto 2019 89
91
CULTURA
CULTURA

Ambos títulos
compostos por dois
substantivos ligados
por uma proposição,
remetem à situação de
transição

dessas políticas há uma diversificada


produção à esquerda que vem logrando
documentar de forma crítica o cenário
cultural e politico nacional.
Quando surgiram os primeiros sinais
do golpe civil-midiático-parlamentar-ju-
dicial, cineastas consagrados e das novas Cartazes dos documentários Esquerda em Transe,
de Renato Tapajós (2018) e Democracia em
gerações se puseram em campo para do- vertigem, de Petra Costa (2019).
cumentar os embates nas ruas, as reações
dos movimentos sociais e denunciar os
meandros das instituições hegemoniza- debates. No final do texto apresento uma peração do estado em que se encontra o
das pelo grande capital para interromper lista, certamente incompleta, com uma campo progressista e as esquerdas, quali-
um ciclo de governos progressistas, cri- brevíssima síntese dessas valorosas con- ficado em Tapajós como transe e em Cos-
minalizar a esquerda e movimentos so- tribuições documentais que se arriscaram ta como vertigem.
ciais, assim impor um programa econô- a narrar e debater os desafios latentes da Também partem da mesma premis-
mico ultra-neoliberal que nunca lograria luta politica em curso no Brasil, o que sa, que o tecido social sofreu um corte po-
chegar à presidência pelo voto ou eleições sem dúvida é digno de respeito pelo risco lítico abrupto, gerando uma cisão ainda
não manipuladas. de fazê-lo à sangue quente. não assimilada em sua totalidade pelas
A maioria da produção documental esquerdas e movimentos sociais, e que a
no período 2015-2019, pode ser classifica- Transe e vertigem realização fílmica que executam é parte
da como cinema de ensaio e observação, do necessário processo de reflexão sobre
aquele que segue o ritmo de um conjunto Para o debate que elegi - a esquerda os desafios postos pela fratura social e a
de acontecimentos em busca de capturar nas crônicas visuais sobre o golpe - vou ruptura das regras institucionais, assim
e interpretar seus desdobramentos. To- me ater a duas realizações de autores de como um projeto ou interpretação que
davia, por vezes atropeladas pelo roteiro gerações e trajetórias distintas, mas com leve à superação da conjunta adversa da
do golpe , chegaram as telas já um tanto opções discursivas similares: Esquerda em esquerda.
obsolescidas pela aceleração dos conflitos Transe, de Renato Tapajós (2018) e Demo- Ambos filmes são resultantes de edi-
desta guerra híbrida. Mas o principal de- cracia em vertigem, de Petra Costa (2019). ção de registros de acontecimento atuais,
safios dessas realizações é como vencer Ambos títulos compostos por dois entrevistas e material de arquivo; tam-
a barreira da distribuição monopolizada substantivos ligados por uma proposição, bém situam o diretor/autor como um su-
por distribuidores comerciais, em maio- remetem à situação de transição. A per- jeito que voluntariamente se expõe, como
ria americanas. Os filmes que constroem gunta é: para que? Ambos roteiros cen- uma espécie de espelho do objeto que fo-
perspectivas críticas sobre o golpe e os tram-se em uma procura por respostas caliza e tensiona documentar: em Rena-
desafios da esquerda ainda aguardam aos erros e acertos dos governos petistas to Tapajós a esquerda e em Petra Costa a
formas de chegar à espaços de exibição e e por perspectivas de entendimento e su- democracia.

90
92 Agosto-Setembro
ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019 2019
CULTURA

Também, em ambos, para substan- As semelhanças cessam nesses pon- suas obras indispensáveis para a história
ciar a linha argumentativa, o roteiro lan- tos. A diferença mais eloquente é o tem- do documentário e do sindicalismo bra-
ça mão dos vínculos políticos dos direto- po histórico no qual foram realizadas: sileiro: Greve de Março (1979), A Luta
res com a história da esquerda brasileira Esquerda em transe entre 2014 e 2017 do Povo (1980) e Linha de Montagem
que enfrentou a ditadura civil militar e Democracia em vertigem entre 2016 e (1981). Premiado em festivais interna-
do período 1964-1985. Cada um a seu 2018. Um átimo de tempo as une, mas cionais (Leipzig, Oberhausen e Havana) e
modo, Renato Tapajós e Petra Costa co- estão cronologicamente situadas em eta- nacionais (Jornada de cinema e vídeo de
locam-se como personagem testemunha, pas distintas do golpe; meu proposito é Salvador), sua produção audiovisual lista
cujo histórico pessoal se apresenta como buscar vê-las em seu tempo histórico e mais de 30 filmes entre curtas, médias e
fiança da condição singular que ocupam problematizar suas contribuições e con- longas metragens, e mais de 200 vídeos.
para dar a ver e interpretar os conflitos tradições para reflexões sobre o golpe, a Desde 2003 atua com Hidalgo Rome-
políticos atuais sob uma perceptiva de re- esquerda e o cinema. ro, Julio Matos e Coaraci Ruiz no Labora-
visão histórica do período 1964/2018. tório Cisco, produtora audiovisual de Es-
Nesse intento, fazem uso de um re- O desejo em transe querda em transe, sediada em Campinas
curso clássico da história do documen- (SP), dedicada à séries para TV, curtas e
tário, uma opção discursiva de grande Uma das marcas do trabalho docu- longa metragens documentais com te-
potencial afetivo para produzir atmosfera mentarista de Renato Tapajós é colocar-se mas ligados à cultura popular e direitos
testemunhal: uma camada sonora sob a como ser político comprometido com os humanos. No mesmo período que dirigiu
forma de um discurso organizado na pri- sujeitos que documenta. Sua trajetória é Esquerda em transe, Renato Tapajós di-
meira pessoa, em que a voz do diretor se de um intelectual militante. Nascido em vidiu com Hidalgo Romero a direção de
assume como a autoridade que atesta a Belém em 1943, Renato Tapajós veio a São Chão de Fábrica (2017).
veracidade da argumentação construída. Paulo estudar e aos vinte três anos inte- Esquerda em transe tem a direção de
Lincam, assim, o individual com o coleti- grou a luta armada para enfrentar o golpe Renato Tapajós e roteiro de Hidalgo Ro-
vo, o passado com o presente, postulando de 1964, por isso foi preso por duas vezes. mero, foi feito a várias mãos, em elabo-
um continuum domínio do tema. Seu romance Em Câmara Lenta, sobre a rações coletivas com seus entrevistados,
Ambos produzem cinema de apu- luta armada, escrito na prisão em 1973, para compreender um rápido e denso
rada gramática audiovisual, as escolhas foi o primeiro publicado sobre o tema no tempo do golpe, datado entre a eleição de
técnicas e estéticas, desenvolvidas com Brasil em 1977 em plena ditadura militar, Dilma em 2014, os meses seguintes a ar-
competência, atravessam os sentidos do o livro foi censurado e seu autor foi nova- mação do golpe, as resistências a ele, sua
expectador de forma transparente, quase mente preso. Nos anos setenta e oitenta efetivação no impitiman em 2016, e em-
evanescendo sua condição de construção dedicou-se ao cinema para documentar bates das esquerdas por perspectivas para
discursiva. o movimento operário que ressurgia, são reagir e enfrentar as próximas etapas da

Cena de Esquerda em Transe, documentário de longa-metragem dirigido por Renato Tapajós Uma das marcas
do trabalho
documentarista
de Renato Tapajós
é colocar-se
como ser político
comprometido com
os sujeitos que
documenta

ESQUERDAESQUERDA
PETISTA #10 - Agosto-Setembro
PETISTA #10 - Agosto 2019 91
93
CULTURA
CULTURA

luta, diante de uma cisão social promovi- políticos importantes que expressaram de toda a esquerda, que em grande parte
da pela direita que construiu e emulou o expectativas de setores da esquerda e de não se deu
deu conta
conta que
que oojogo
jogoinstitucional
instrucional
anti-petismo. movimentos sociais diante da derrota na estava sob o controle do juiz a serviço do
As fraturas do mundo real, entre votação do impitiman no parlamento e inimigo e continuou agindo como se a
direita e esquerda e entre segmentos do nas ruas, e que, por várias razões, não se próxima eleição fosse abrir uma janela de
campo progressista, foram levadas à lin- aperceberam de fato que a guerra em cur- oportunidade para virar a chave do golpe.
guagem visual com a edição de imagens so nunca foi somente para interromper Todavia, mesmo atado as contradi-
em uma tela cindida ao meio, criando um mandato de um partido, mas derro- ções de seu tempo, Esquerda em transe
dois campos simétricos com projeções tar toda esquerda e as forças progressis- não se deixa iludir pelo coro pequeno-
de imagens descompassadas que aludem tas, se possível de forma definitiva, para -burguês da farsa moralista, nesse aspec-
mundos em desconexão. retomar politicas neoliberais e a subordi- to sua posição política é explicitada ao
A escolha que Renato Tapajós fez da nação aos interesses imperialistas. Fato questionar a platitude das argumenta-
qualificação em transe manifesta a inten- hoje percebido por Romero: “como rotei- ções golpistas sobre a corrupção, quando
cionalidade de emular a atuação coletiva rista, uma coisa que passa agora na cabe- Renato Tapajós comenta sua indignação
das lideranças das esquerdas e movimen- ça é que achávamos que o impitiman ti- diante de “uma frase, dita por um deputa-
tos sociais para o enfrentamento político nha sido o pior, mas veio tudo o que veio, do qualquer: ‘não é uma história de ricos
que se colocou às claras logo após a elei- nunca poderíamos imaginar que seria contra pobres, nem da esquerda contra
ção presidencial de 2014; momento em tudo muito pior” (entrevista por telefone a direita, mas é a nação contra a corrup-
que, sob a guerra declarada por setores em 08 de julho de 2019). ção’. Para ele a nação era todo mundo?
do capital e seus representantes no judi- Em Transe é exemplar na docu- Todas as classes sociais? E a corrupção é
ciário, no parlamento e na grande mídia, mentação das contradições e ilusões da o governo? Como era possível tamanha
num consórcio de interesses para impe- esquerda frente ao golpe. Pontuo três hipocrisia? A construção de narrativa so-
dir e interromper o quarto mandato de questões que o filme ilumina: primeiro, bre a corrupção como problema central
um governo progressista, as esquerdas, embora fosse o primeiro alvo e o partido do Estado já foi feita algumas ouras vezes
em seu conjunto, ainda não haviam se mais atacado, o roteiro de entrevistas não em nossa historia recente, foi aplicada
apercebido do nível de belicosidade do destacou nenhuma liderança partidária aos governos nacionalistas progressistas
confronto. Qualificar o estado da esquer- petista, optando por intelectuais próxi- que defendiam os trabalhadores (…) e eu
da como em transe expressa um desejo mos como Marilena Chauí e Boaventura me pergunto? Qual discurso vamos ado-
de conectar as várias frentes de lutas de Souza Santos e lideranças de movi- tar? O discurso moralista, que criminaliza
que se apresentaram nas manifestações mentos sociais como João Pedro Stédile. e desqualifica a política? Colocando todos
contra o golpe, criar interlocução frente Vale lembrar que naquele momento o PT os partidos no mesmo saco? Ou o discur-
a fragmentação das massas, para enfren- era percebido por muitos como sujeito so político, que envolve a disputa do po-
tar os ataques golpistas e não sucumbir politico em suspensão, se não em de- der e de um projeto de nação?”
à paralisia diante das contradições do composição; segundo, a valorização das Ao tecer críticas, propor caminhos, e
campo progressistas e suas dificulda- declarações de Guilherme Boulos apre- apontar projetos à esquerda, o filme cra-
des em construir um programa comum goando o fim do ciclo petista na esquer- va suas apostas nas insurgências identi-
agravadas pela cisão social entre direita e da brasileira: Boulos é destacado como tárias, em especial a juventude e as mu-
esquerda, que construiu e emulou o an- autoridade emergente, apesar da voz off lheres como linhas de frente do próximo
ti-petismo. de Renato Tapajós dirigir à ele um contra- período.
O roteiro vai da eleição de 2014 à vo- ponto imediato, ao afirmar “ciclos não se Nesse aspecto toma cuidado ao apre-
tação do imptimam, supondo dar conta e encerram e nem surgem do dia para noite sentar mais perguntas que respostas,
narrar os desafios da esquerda diante do e o PT ainda representa a principal força para questionar as esquerdas pelas ne-
golpe, mas estava apenas narrando um partidária brasileira. Para mim ele ainda gligências com segmentos sociais como
dos capítulos. Esquerda em transe deve tem um importante papel a cumprir na negros, índios, mulheres e lgtbts; porém
ser visto exatamente por isso: registrou esquerda brasileira”; terceira é a adesão salienta a centralidade política da classe
declarações e projeções de personagens implícita à postura não só de Boulos, mas trabalhadora como sujeito da luta, su-

92
94 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019
Agosto-Setembro 2019
CULTURA
CULTURA

blinha essa posição com a inserção de


um potente discurso de Jessy Dayane,
liderança jovem negra trabalhadora que
afirma “lutamos por que somos juventu-
de da classe trabalhadora (…) somos a
continuidade da luta dos que nos ante-
cederam (…) lutar pra nós não é só uma
escolha, é uma necessidade”
No que que toca
tocaa acondição
condição do do traba-
trabalha-
lhador documentarista no
dor documentarista no Brasil, vale regis-Brasil, vale
registrar
trar que, comoque, várias
comorealizações
várias realizações
da Cisco,
da
Esquerda em transe foi financiadafinan-
Cisco, Esquerda em transe foi com nacional, por isso, aponta também seus
ciada com
recursos dorecursos do Fundo
Fundo Setorial Setorial do
do Audiovisu- canhões para a produção e distribuição
Audiovisual,
al, criado emcriado em 2006
2006 como parte como parte
da políti- independentes realizadas fora dos gran-
da pública
ca política para
pública
darpara
apoiodare apoio e sus-
sustentação des atestadores de valor à conteúdos cul-
tentação econômica ao cinema
econômica ao cinema nacional. Como nacional. turais audiovisuais.
Como desse
parte parte desse suporte,
suporte, sua veiculação
sua veiculação está A certeza dos objetivos e riscos com
está contratada até 2021 pela
contratada até 2021 pela Cine Brasil TV, Cine Brasil seu filme foi objeto de uma carta de Re- O eixo neoliberal que
TV, uma
uma emissora
emissora criadade para
televisão
fazerbrasileira
a dispu- nato Tapajós à imprensa na qual afirma:
também criada fazer a disputa
ta audiovisual, ao exibir exclusivamente audiovi- “Como de resto todos os meus filmes,
dirige o golpe contra
sual, ao exibir
produção exclusivamente
nacional independente. produção
Contu- esse também está colado às lutas e aos in- a classe trabalhadora
nacional independente. Contudo,
do, informa o roteirista Hidalgo Romero infor- teresses dos trabalhadores e critica todos
ma o“oroteirista
que filme ainda Hidalgo Romeroa ser
não chegou quevis-“o os que, em algum momento se colocaram
brasileira sabe a
filme ainda não chegou a ser
to pelo público que poderia atingir”, pois visto pelo contra esses interesses, incluindo even- potência de um
apublico que poderia
Cine Brasil atingir”o, catálogo
TV integrava pois a Cine da tualmente críticas ao PT. O filme não é
Brasil TV integrava o catálogo
SKY desde 2013, mas em dezembro de da SKY ‘neutro’, não busca a ‘objetividade jorna-
cinema independente
desdefoi
2018 2013, mas em
desligada dessadezembro
rede porde 2018
pressão lística’, mas, longe de qualquer didatismo exibido por uma
foi desligada dessa rede por
de setores golpistas. Esse desligamento pressão de e discurso panfletário, busca entender
setores golpistas.
diminuiu Esse desligamento
sua abrangência, minou sua di- em profundidade o que aconteceu com a
empresa nacional,
minuiu sua abrangência, minou
capacidade comercial e dificultou a difu- sua ca- esquerda nesses eventos recentes”.1 por isso, aponta
pacidade
são comercial não
dos conteúdos e dificultou
alinhados a difusão
com o Se realizar um documentário com
dos conteúdos não alinhados
projeto conservador e antipopular do com o pro-
atu- viés militante é correr riscos, finalizá-lo
também seus canhões
jeto
al conservador
governo e com os e antipopular do atual
grandes conglomera- sob o mesmo enfoque, é assumir a ta- para a produção
governo e com os
dos do mercado grandes conglomera-
cultural. refa de não trancar as portas do futuro.
dos do mercado
Desde que cultural.
o cinema foi criado, os O trecho final do texto na voz de Renato
e distribuição
mecanismos de odifusão
Desde que cinema foi criado, es-
e veiculação os Tapajós, sobre imagens de trabalhadores independentes
mecanismos
tão sob controle de difusão
de grandese veiculação
conglome- es- organizados no momento inicial de uma
tão sob controle de grandes
rados, atualmente a maioria é de capital conglome- ocupação por moradia, aponta caminhos:
realizadas fora dos
rados, atualmente a maioria é de capital
americano. “é muito difícil falar sobre a história no grandes atestadores
americano. A emancipação
A emancipação do cinema do cinema
nacio- tempo presente, no momento em que
nacional
nal popular popular
passapassa pela produção,
pela produção, mas vocês assistem esse filme, muitas coisas
de valor a conteúdos
mas é no terreno da distribuição
é no terreno da distribuição que será que terão acontecido na história brasileira, culturais audiovisuais
será definida.
definida. O eixo O neoliberal
eixo neoliberal que di-
que dirige o os diferentes movimentos e grupos da
rige o golpe contra a classe
golpe contra a classe trabalhadora bra-trabalhadora esquerda terão feito muita luta contra o
brasileira
sileira sabesabea apotência
potênciade de umum cinema
cinema desmonte dos direitos sociais conquista-
independente exibido
independente exibido por por uma empresa
empresa dos durante deste anos de redemocrati-

ESQUERDAESQUERDA PETISTA
PETISTA #10 #10 - Agosto 2019
- Agosto-Setembro 95
93
CULTURA
CULTURA

zação. Gosto de pensar que as esquerdar


vão avançar, que iremos virar o jogo, que
o que estamos passando irá servir de es-
tímulo para que uma nova esquerda se
erga, mais amadurecida e coesa, quem
sabe? Gosto de pensar que a politica in-
vadirá as ruas e tomara de assalto a vida Democracia em
vertigem é o
das pessoas. Mas, já vivi uma ditadura, primeiro filme a
sei em minha própria carne que as elites conseguir levar
o tema do golpe
são capazes de tudo para se manter no para espaços
poder, mas de nada vale sermos de es- consagrados
do cinema
querda se não estivermos dispostos a lu- internacional
tar, se há algo que nesse momento traduz
o que sinto esse algo é ocupar e resistir” Adepta do cinema ensaístico, rea- International Documentary Festival e
Situadas em 2017, tais palavras lan- lizou Olhos de Ressaca (2009), Elena do Montclair Film Festival, True False,
çadas ao futuro trazem a experiência da (2012), Olmo e a Gaivota (2015) e Demo- IndieLisboa, Sheffield e Rooftop Films.
longa militância do diretor ao afirmar cracia em Vertigem (2019). Elena é o tra- Uma produção que conseguiu inserir-se
que sempre haverá luta. Porém, naque- balho que a projetou internacionalmente, tanto no circuito de festivais como na
le momento, a ilusão da esquerda, e do uma busca afetiva pela memória da irmã, empresa americana que detêm maior
PT em especial, tinha as eleições de 2018 que suicidou-se muito jovem. Elena es- parcela do mercado, a Netflix, que o lan-
como horizonte próximo para a virada do treou no IDFA (Festival Internacional de çou concomitante com projecções em ci-
golpe, crença sustentada em décadas de Documentários de Amsterdã), participou nemas de Nova York e Los Angels.
ausência de autocríticas e ilusões com as do Festival de Brasilia, na Mostra Inter- Os especialistas da Cowen & Co.
garantias das legalidades republicanas da nacional de Cinema de São Paulo, na Se- afirmam que a plataforma de streaming
democracia burguesa. mana dos Realizadores (Rio de Janeiro), Netflix investiu US$ 13 bilhões nas pro-
conquistou prêmios como Melhor Do- duções originais em 2018. A liderança da
cumentário no Festival de Havana. Em Netflix é gritante entre os adultos de 18 a
A ilusão dá vertigem 2014, Elena foi lançado nos Estados Uni- 34 anos, com quase 40% dessas pessoas
dos, com produção executiva dos cineas- afirmando que a plataforma é a mais uti-
Petra Costa nasceu em Belo Horizon- tas Fernando Meireles e Tim Robbins, lizada para visualizar conteúdo de vídeo
te, em 1983, numa família de fundadores obteve críticas positivas no The New York em televisores 2.
da construtora Andrade Gutierrez. Sua Times, Hollywood Reporter, entre outros. Democracia em vertigem é o primei-
ligação com a esquerda se deve ao his- No mesmo ano a Editora Arquipélago ro filme a conseguir levar o tema do gol-
tórico de seus pais, que foram militantes lançou o livro Elena, com o roteiro e en- pe para espaços consagrados do cinema
ligados ao PCdoB nos anos 70 e ao PT saios sobre o filme. internacional, há grande expectativa do
nas décadas seguintes. Estudou em São Democracia em vertigem é seu pri- potencial desse feito para sensibilizar for-
Paulo, Nova York e Londres, é formada meiro trabalho dedicado a tema político. madores de opinião sobre o carácter an-
em antropologia no Barnard College, na Filmado entre 2016 e 2018, foi apresenta- tidemocrático do golpe e a prisão política
Columbia University, em Nova York, com do primeiro em festivais internacionais; de Lula.
mestrado em Comunidade e Desenvolvi- o lançamento mundial foi nos Estados A obra apresenta imagens inéditas
mento na London School of Economics, Unidos, na noite de abertura do Festival que adensam e atestam críticas da es-
com uma dissertação sobre trauma. É de Cinema de Sundance, em 24 de Janei- querda à desestruturação do pacto de-
uma das proprietárias da produtora Bus- ro de 2019. Participou do Festival Inter- mocrático; o acesso a essas imagens se
ca Vida e membro da Academia de Artes e nacional de Documentários de Copenha- deve as relações construídas pela autora
Ciências Cinematográficas de Hollywood gue, do Festival Internacional de Cinema com membros dos governos petistas, as-
desde 2018. de San Francisco, do Hot Docs Canadian sim como também seu histórico familiar

94
96 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019
Agosto-Setembro 2019
CULTURA

situado entre a burguesia nacional e o mento com Brasília, obvias demais como Petra Costa deu conta de narrar em
campo progressista, dualidade que a au- metáfora da estetização do poder em segundos o processo de rebaixamento do
tora inseriu em seu roteiro, denominada
denominan- sobrevoos noturnos. Também há algo de programa do Partido dos Trabalhadores,
do
comocomo
uma uma mutação
mutação pessoal.
pessoal. ambíguo no flanar da câmera por aposen- em uma competente condensação de
Tendo tudo isso em conta, como mi- tos vazios do Alvorada, num certo apreço imagens de momentos eleitorais em que
litante de esquerda busco analisar a obra aos ícones de um glamour palaciano. a firmeza da luta contra o capital foi sen-
de Petra Costa como discurso cinemato- Diante da cisão social inflada pelo do subtraída da tática eleitoral.
gráfico dirigido a interagir e sustentar a ideário do golpe, Petra Costa situa sua Contudo, nesse percurso seu texto,
percepção de vertigem diante dos ata- ambiguidade familiar:: “Minha famí- que funciona como coluna dorsal do fil-
ques da direita, ou seja, a desorientação lia inteira estaria do lado direito desse me, segue pautas e formulações da mídia
política dos que se sentem atingidos por muro, não fosse por uma pequena mu- sobre as razões da crise e do impitimam,
um tsunami, como verbaliza a voz da au- tação que aconteceu em 1964. O governo que ganharam enraizamento não apenas
tora em obra.
sua obra. tinha acabado de declarar que faria a re- em grande parte da sociedade brasileira,
Avalio ser esta uma das realizações forma agrária nas margens das rodovias mas também em parte significativa da es-
culturais merecedoras de um olhar aten- federais, a família da minha mãe fica em querda: a incapacidade da presidenta Dil-
to e crítico pelos que militam nos frontei- polvorosa, chega a preparar as malas para ma de lidar com o congresso devido à sua
riços campos da cultura e comunicação, mudar para Califórnia, para escapar da personalidade supostamente inacessível;
pois sob a tese da democracia em estado ameaça comunista, para alivio deles os a corrupção estrutural inerente ao exer-
de vertigem residem contradições estru- militares tomam o poder apoiados pelos cício do poder institucional; a incapaci-
turais da tática política que predominou Estados Unidos e celebrados pela mídia dade da esquerda de equacionar a gestão
nos partidos de esquerda, em particular nacional”. Mas, se de um lado busca se da institucionalidade governamental e os
no PT. distanciar de suas origens burguesas, por movimentos de luta pelo poder popular; e
Não é surpresa que parcela do campo outro, em vários momentos há coloca- a impossibilidade de governar sem fazer
progressista dentro e fora do Brasil, enten- ções que também visam sublinhar uma concessões aos representantes do capi-
da o adjetivo vertiginoso como um dos que posição de neutralidade, de desvincula- tal. O mantra da suposta incapacidade de
melhor qualificam o ritmo dos ataques e ção com os personagens centrais dos go- gestão política de Dilma atravessa o filme
derrotas políticas que o campo progressis- vernos petistas em busca de uma ilusória sob um tratamento superficial e por vezes
ta vem sofrendo desde 2016 no terreno da isenção. É sobre o PT e seus governos que sucumbe ao ideário moralista do golpe.
institucionalidade democrática. ela se debruça. Seu roteiro, embora faça Sem dúvida, o filme mostra um olhar
O filme foi pensado em asserção com saltosSeu roteiro, embora
temporais faça saltos
para construir a tem-
rela- competente que saber ver e extrair à força
frustrações das camadas médias sem en- porais
ção entrepara construir familiar
a trajetória a relaçãodaentre
autoraa das imagens os gestos contidos que des-
volvimentos com a militância partidária, trajetória
e a históriafamiliar da autorapós-abertura,
da democracia e a história nudam canalhas; há momentos memo-
mas que não têm acordo com o desmon- da democracia
mantêm foco nopós-abertura, mantêm
período dos governos ráveis dessa capacidade em sua narração,
te das garantias da civilidade burguesa, foco
Lula no período
e Dilma, nados governos
busca Lula e Dil-
pelas razões que como quando explora nas imagens da
gente que se reconhece em falas como: ma, na busca
levaram pelasque
a situação razões que “os
rachou levaram
alicer-a cerimônia de posse a desconexão pessoal
“por surdez ou cegueira, foi meu primei- situação que democracia”.
ces da nossa rachou “os alicerces da nos- e política do vice Temer com o que re-
ro contato com o movimento (…) desse sa democracia”. presentava o mandato de Dilma. Porém
ponto em diante o pais se divide entre Seu roteiro embora faça saltos tem- há também trechos em que negligencia
duas partes irreconciliáveis (…) era a pri- porais para construir a relação entre a a exposição de outros, por exemplo ao
meira vez em mais de vinte anos que o Petra Costadadeu
trajetória familiar autora e a história formular a pergunta sobre a atuação de
pais
país prestava atenção no que acontecia conta
da democracia de pósnarrar emmantêm
abertura, Aécio Neves no golpe: “se ele sabia que
no congresso”. foco no período dos governos Lula e Dil- forças estava despertando” quando ques-
Tais afirmações dão a ver um distan- segundos
ma, na busca pelas o razões
processoque levaram tionou a legitimidade da vitória eleitoral
ciamento da vida politica real, é desse lu- ade rebaixamentoalicerces
situação que rachou “os do da de 2014. Há uma ofensa a nossa inteli-
gar autodeclarado que Petra Costa cons- nossa democracia” e sobre uma esquerda gência nesse “se”, o que representa Aécio
trói seu filme com cenas de deslumbra- programa do PT
que “está desmoronando” . Neves já estava posto em 2014.

ESQUERDAESQUERDA PETISTA
PETISTA #10 #10 - Agosto 2019
- Agosto-Setembro 95
97
CULTURA
CULTURA

Mas o mais significativo do filme é me dediquei a ir a todos os atos Lula Li- A melancolia com que
seu tempo de realização (2016-2018), pe- vre que pude, não apenas para libertar
ríodo marcado pelo desfecho negativo de um companheiro das garras do fascis-
Petra Costa finaliza
um conjunto de ilusões: a possibilidade mo, mas buscar criar espaços de debates seu filme rende um
de vitória no processo do impitimam, a e discussões sobre as ilusões enraizadas
reversão da prisão de Lula, a candidatura nas direções partidárias, nos movimentos
bom cinemão, ajuda a
de Lula, a vitória da união Lula-Haddad- sociais e sindicais. Ilusões que por déca- conquistar Hollywood,
-Manuela ou ao menos a impossibilidade das vem impedindo as instâncias organi-
da vitória de Bolsonaro. Cabe pensar: de zadas da classe trabalhadora, em especial
mas não ajuda na
onde saíram essas certezas? no Partido dos Trabalhadores, de se pre- leitura da realidade
Penso que tais ilusões são decorren- pararem para a guerra real, que não finda
tes de um longa construção em que uma com a conquista de hiatos de democracia.
nem na superação das
visão de mundo se impôs, expressa em Ilusões que impedem de ver que a demo- amarras do fascismo
frases que estão no filme, dita por Lula no cracia é em si mesma uma vertigem, se
dia 07 de abril de 2018, em São Bernardo dela esperarmos a emancipação total da Também deve ser visto porque traduz
“eu não quis fazer uma revolução (...) por classe trabalhadora. um conjunto de temores que devem ser
isso eu criei um partido (…) eu acredito Democracia em vertigem merece ser respeitados em sua dimensão humana,
nas leis”. visto e deve ser debatido principalmente mas devem ser problematizados em sua
Eu estava lá nesse dia e como muitos porque muitas das ambiguidades e de- dimensão política. Nos cabe pensar quais
chorei pela prisão injusta de Lula, mas cepções, e consequentes desorientações, são as causas da melancolia e desorienta-
também e principalmente por essa ilu- pontuadas na voz da autora, são também ção expressas no tom de voz de quem su-
são democrática republicana que se en- resultado do descolamento da prática po- cumbe ao cansaço das famílias que ditam
tranhou na tática política petista. Como lítica da análise da realidade concreta, que os hiatos de permissão à democracia e faz
milhares de nós, saí de São Bernardo e parcela da esquerda cometeu até agora. afirmações como: “senti o chão se abrir
(…) temo que a nossa democracia tenha
sido apenas um sonho efêmero”.
Quem e por qual leitura da realidade
se percebe desorientado a ponto de dizer
“Como lidar com a vertigem de ser lan-
çado a um futuro que parece tão sombrio
quanto o passado mais obscuro? O que
fazer quando a mascara da civilidade cai
e o que se revela é uma imagem ainda
mais assustadora de nos
nós mesmos?”
Me pergunto quem é esse “nós” ma-
jestático, que se reconhece sob tal más-
cara? A superficialidade catastrofista do
texto e a emotividade da voz que narra
dão carne à uma leitura política da reali-
dade calcada em um fatalismo amedron-
tado, que produz mais medo. Fatalismo
que acomete ao mesmo tempo setores
do campo progressista e extratos sociais
burgueses que tem vínculos afetivos, mas
não efetivos com a concretude das lutas
Parentes e amigos se solidarizam com Lula em São Bernardo do Campo antes de sua prisão em 7 de abril de 2018 da classe trabalhadora.

96
98 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019
Agosto-Setembro 2019
CULTURA

A esquerda tem perdido grandes ba-


talhas, mas está longe de estar derrotada,
é sim urgente rever a estratégia política Sugestões para ir além dos blockbuster e
e abandonar ilusões burguesas e, para
isso, jamais sucumbir ao fatalismo. Su- debater caminhos:
cumbir ao fatalismo é um passo para a MANIFESTO (GOLPE DE ESTADO) (2016). Dirigido por Paula Fabiana Silva. Denuncia o
submissão ao fascismo. Fatalismo, me- golpe de Estado através do olhar de militantes da oposição.
lancolia e desesperança são amarras com
BRASIL, O GRANDE SALTO PARA TRÁS – Brésil, Le grand bond en arrière (2017). Direção
que há tempos o fascismo visa submeter
de Frédérique Zingaro e Mathilde Bonnassieux. Disponível em https://www.youtube.
a classe trabalhadora. Porém, essa classe com/watch?v=XDZ5UtlsqdA (legendado) . Retrata o início do processo de destituição da
há séculos vem mostrando capacidade de presidente Dilma Rousseff, destaca o caos social.
encarrar figurões como Warren Buffett e
EXCELENTÍSSIMOS (2018).
EXCELENTÍSSIMOS (2018). Dirigido porem
Disponível Douglas Duarte. Disponível em https://www.
https://www.youtube.com/watch? Um retrato
apesar deles lutar cantando versos como youtube.com/watch?
dos meandros de um Um retrato dos
Congresso meandros
Nacional de um Congresso
corrompido, Nacional
enfatizando corrompido,
o papel da direita na
“que medo você tem de nós” e “o risco enfatizandodo
arquitetura o papel
golpeda direita
contra na arquitetura
Dilma Roussef. do golpe contra Dilma Roussef.
que corre o pau, corre o machado”.
A melancolia com que Petra Costa CHÃO DE FÁBRICA - UM DOCUMENTÁRIO SOBRE A HISTÓRIA DO SINDICALISMO (2017).
Direção de Renato Tapajós e Hidalgo Romero, disponível em http://www.laboratoriocisco.
finaliza seu filme rende um bom cine-
org/en/obras/chao-de-fabrica-o-filme/ . A partir de uma linguagem clara e objetiva,
mão, ajuda a conquistar Hollywood, mas o filme apresenta um panorama histórico sobre as lutas sindicais e políticas dos
não ajuda na leitura da realidade nem trabalhadores, fazendo uma ponte com o contexto histórico que o Brasil enfrenta nos dias
na superação das amarras do fascismo. atuais.
Penso que há respostas para a desespe-
ESQUERDA EM TRANSE (2018). Dirigido por Renato Tapajós, disponível no canal Cine
rança com que Petra Costa fecha o filme Brasil TV. Os dilemas da esquerda diante do avanço do golpe e do conservadorismo.
perguntando: “de onde tirar forças para Registro do acirramento dos embates políticos desde a eleição de 2014 até o impitmam
caminhar entre as ruínas e começar de em 2016. Entrevistas com ativistas e debates entre militantes e acadêmicos buscam
avaliar os caminhos que levaram a derrota da esquerda e deposição Dilma
novo?”. Uma resposta concreta vem do
mesmo Lula que se iludiu com as ga- JÁ VIMOS ESSE FILME (2018). Dirigido por Boca Migotto, disponível em https://www.
rantias democráticas e hoje enfrenta os youtube.com/watch?v=5u3mDDBPWkA. Depoimentos analisam o sistema eleitoral
tsunamis da direta: a forma insubmissa brasileiro, a corrupção, a operação Lava-Jato, os interesses econômicos e ideológicos, o
preconceito e os papéis da grande mídia, do Poder Judiciário, do Ministério Público e das
ao fatalismo e a altivez com que enfrenta
redes sociais no contexto do impeachment.
seus algozes, abraçado pelos milhares de
companheiros e companheiras que se re- MESTRE MOA DO KATENDÊ – A PRIMEIRA VÍTIMA (2018). Dirigido por Carlos Pronzato,
vezam na resistência cotidiana da vigília disponível em https://www.youtube.com/watch? . O assassinado de Mestre Moa, logo
após a vitória de Jair Bolsonaro, tipifica os avanços da violência contra a população negra
Lula Livre em Curitiba, gente para quem
e a perseguição aos militantes de esquerda como uma política do governo que se inicia.
luto é verbo.
O PROCESSO (2018). Dirigido por Maria Augusta Ramos. Disponível em https://
*SÔNIA FARDIN é militante petista e megahdfilmes.com/filme/o-processo-2018/. Mostra os bastidores do processo que sofreu
a presidenta Dilma Roussef
doutora em artes visuais
DEMOCRACIA EM VERTIGEM (2019). Dirigido por Petra Costa. Disponível para assinantes
no canal Netflix. A autora traça um paralelo entre sua trajetória pessoal e os últimos trinta
NOTAS
anos da história brasileira, busca interpretar o atual momento político de derrocada da
democracia.
1 Tapajós, Renato. https://almanakito.wordpress.
com/2017/04/25/renato-tapajos-e-os-filmes-so- EL ÓDIO (2019). Dirigido por Andrés Sal lari. Disponível em: https://www.youtube.com/
bre-o-impeachment-e-o-congresso-nacional-filme- watch?. Descreve a criminalização das esquerdas no Brasil, os avanços da fascismo e
-manifesto-o-golpe-de-estado/ atuação americana e da grande mídia nesse processo.
2 https://canaltech.com.br/entretenimento/estu-
do-indica-que-netflix-e-a-escolha-no-1-do-publi-
co-para-assistir-a-videos-117216/

ESQUERDAESQUERDA PETISTA
PETISTA #10 #10 - Agosto 2019
- Agosto-Setembro 97
99
RESENHA

De Costas para o Império


De Daniel Araújo Valença (2018)
Ilana Lemos Paiva*

Nessa obra densa, o autor faz um importante


resgate da história do marxismo na América
Latina, tentando compreender a complexa
relação entre o marxismo e o indianismo.

L
embro-me quando comecei a cuidadosa pesquisa documental sobre o
acompanhar, com entusiasmo, chamado proceso de cambio boliviano.
a escrita da tese de doutorado Nessa obra densa, o autor faz um im-
de Daniel Araújo Valença, que portante resgate da história do marxismo
originou o livro “De Costas para o Impé- na América Latina, tentando compreen-
rio” (2018), objeto desta resenha. O ano der a complexa relação entre o marxismo
era 2014. A América Latina ainda vivia o e o indianismo. A partir de uma análise O livro “De Costas
reflexo de um importante momento his- histórica, a obra nos traz a reflexão de
tórico, de ascensão de governos progres- que as classes sociais são forjadas na con- para o Império” é
sistas, inaugurado em 1998, na Venezue- creticidade do real. Assim, não se pode um convite para
la. Na Bolívia, a eleição do primeiro Presi- compreender a Bolívia sem levar em con-
dente da República indígena já prometia ta o elemento da etnicidade. Além disso, aprendermos com
intensas mudanças na política econômi- o autor se debruça sobre a formação so-
ca daquele país. Evo Morales, indígena e cial boliviana, para compreender as crises
o passado de lutas
sindicalista, derrotara, nas urnas, o pro- de Estado ocorridas durante o período revolucionárias
jeto neoliberal. republicano e as diversas sublevações po-
Para escrever essa obra, mesmo sem pulares ocorridas na região.
daquele país,
a pretensão de um estudo de caráter et- Ao lermos “De Costas para o Impé- para possibilitar a
nográfico, o autor realizou uma impor- rio”, percebemos, através da aprofunda-
tante imersão no cotidiano do país andi- da pesquisa do autor, que a Bolívia tem construção de um
no. Buscando ir além da extensa biblio- atravessado um processo de cambio que novo porvir, de um
grafia consultada sobre a história social mudou sua estrutura social, sua estru-
da Bolívia, o autor participou ativamente tura estatal e a organização econômica amanhã com mais
de eventos políticos, entrevistou lideran- da sociedade. Ao resgatar a história eco-
ças do Estado Plurinacional, intelectuais nômica e social daquele país, podemos,
esperança.
e movimentos sociais, além de realizar através das suas lentes, apreender que a

98 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


RESENHA

Bolívia contemporânea apresenta uma convida a indagar para onde caminhará mistas. Pero, en verdad, el pesimismo do-
importante ruptura com a ordem colo- a construção do socialismo comunitário. mina mucho menos nuestro espíritu que
nial, ou seja, de índios e trabalhadores O resultado é um belíssimo estudo, el optimismo. No creemos que el mundo
subalternizados, dirigidos por uma socie- que analisa o processo político, econô- deba ser fa tal y eternamente como es.
dade dominante branco-mestiça. Hoje, mico, cultural e jurídico vivenciado pela Creemos que puede y debe ser mejor. El
com os índios governando o país, em ar- Bolívia nas últimas décadas, desde uma optimismo que rechazamos es el fácil y
ticulação com outros setores populares - perspectiva totalizante e histórico-dialé- perezoso optimismo panglosiano de los
e importantes mudanças nos dispositivos tica. Nas suas 244 páginas, fica evidente que piensan que vivimos en el mejor de
constitucionais - houve uma importante o compromisso ético-político do autor, los mundos posibles”.
valorização simbólica dos elementos liga- que consegue, como poucos, aliar o rigor O livro “De Costas para o Império”
dos à indianitude. acadêmico à militância pela construção é um convite para aprendermos com o
No dia primeiro de maio, em territó- de outro projeto de sociedade. Trata-se de passado de lutas revolucionárias daquele
rio andino, o autor vivenciou a força de uma análise realista, contada através de país, para possibilitar a construção de um
uma marcha formada por camponeses, muitas derrotas e vitórias, mas que nun- novo porvir, de um amanhã com mais es-
indígenas originários, mineiros, operá- ca perdeu seu horizonte revolucionário. perança.
rios. Era essa a história que Daniel Araú- Como afirmou José Carlos Mariátegui:
jo Valença pretendia contar: como a su- “Los que no nos contentamos con
cessão de lutas empreendidas por aquele la mediocridad, los que menos aún nos *ILANA LEMOS DE PAIVA é professora
povo sintetizou o chamado Estado pluri- conformamos con la injusticia, somos do Programa de Pós-Graduação em
nacional boliviano. Ademais, o autor nos frecuentemente designados como pesi- Psicologia (UFRN)

A Bolívia tem
atravessado
um processo
de câmbio
que mudou
sua estrutura
social, sua
estrutura
estatal e a
organização
econômica
da sociedade

Evo Morales na inauguração da mais moderna fábrica de vidro da América Latina

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 99


HOMENAGEM

Francisco de Oliveira,
um intelectual radical
Leonardo Mello e Silva*

F
igura destacada da intelli-
gentsia radical e marxista
Perda imensurável para o
brasileira, Francisco de pensamento crítico brasileiro,
Oliveira faleceu no último
dia 10 de julho, em São Chico de Oliveira foi um
Paulo. Chico de Oliveira, como era dos nossos mais originais
conhecido, era professor aposentado
do Departamento de Sociologia da Usp, e afiados sociólogos marxistas
onde ministrou aulas de graduação e pós-
-graduação, orientou teses e dissertações,
e atuou como pesquisador do Centro de
Estudos dos Diretos da Cidadania. Além
disso, tinha freqüente participação na
discussão política, por meio de artigos de
jornal, entrevistas e palestras. O texto a
seguir, de caráter ao mesmo tempo in-
formativo e pessoal, é uma tentativa de
traçar um breve perfil da figura e de sua
importância para a história intelectual da
esquerda no país.
As contribuições intelectuais do Prof.
Francisco de Oliveira para a sociologia
brasileira podem ser divididas em três fa-
ses: a primeira vai do período da Sudene
até a publicação de Crítica à Razão Dualis-
ta, sua obra mais consagrada, em 1972. A
segunda fase cobre o período em que ele
foi pesquisador do Cebrap, que é também
a que consolida a sua produção teórica
e originalidade de abordagem, na inter- Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, mais conhecido como Chico de Oliveira,
cessão entre as ciências sociais e a eco- foi um dos mais importantes sociólogos brasileiros. Nascido em Recife em 7 de
nomia política. Na primeira metade dos novembro de 1933, faleceu em São Paulo no dia 10 de julho de 2019.

100 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


HOMENAGEM

anos 1980 sua atividade se dividiu tam- O Cenedic (Centro de Estudos dos Direitos da
bém com a docência no Departamento de
Economia da PUC-SP. Cidadania) marca o segundo momento da fase
É dessa fase boa parte de sua
produção editorial, com livros tais como O
“uspiana”, que vai acompanhar a produção
Banquete e o Sonho: ensaios sobre a economia acadêmica e ensaística do autor até o final
brasileira, pela Brasiliense, em um forma-
to de brochura; A Economia da Dependên- vidida entrementes em dois momentos: o
cia Imperfeita, uma compilação de artigos primeiro momento, na primeira metade
publicados em revistas e capítulos de li- dos anos 1990 quando, ainda no Cebrap,
vros; Elegia para uma re(li)gião (traduzido Chico elabora o projeto de pesquisa cha-
para o espanhol pela editora Fondo de mado  Os Cavaleiros do Anti-Apocalipse, so-
Cultura Económica e depois re-publicado bre o significado da câmara setorial do
em português com o título de A Noiva da setor automotivo, a qual teve lugar entre
Revolução); O Elo Perdido. Classe e identidade os anos de 1991 e 1993 - projeto que foi,
de classe na Bahia, um estudo que contém na verdade, uma prodigiosa síntese entre
uma sofisticada e penetrante análise da a problemática dos direitos, a economia
formação das classes sociais no Brasil, política da globalização e a sociologia
com foco em suas discrepâncias regio- do trabalho, sendo até hoje reconhecido
nais;  A Falsificação da Ira, um trabalho como um estudo-chave para entender a
pouco conhecido mas que, escrito para história recente das relações industriais
entender a ascensão de Collor de Mello no Brasil, em particular o sindicalismo. O para desembocar no texto-síntese, tam-
como primeiro presidente eleito após a fechamento do projeto de pesquisa sobre bém muito conhecido, chamado O Or-
redemocratização, contém boa parte da a câmara setorial coincidiu com o afas- nitorrinco (de 2003), que é sobre a (má)
problemática que ficou consagrada com o tamento do Cebrap e o engajamento em formação da sociedade brasileira, desde
ensaio chamado O Surgimento do Antivalor: um novo projeto intelectual que teve lu- o período colonial até a entrada resoluta
Capital, Força de Trabalho e Fundo Público, gar com o que mais tarde tomou forma e sem ambigüidades do país na globa-
e, finalmente, em 1988, o ensaio supra- como Centro de Estudos dos Direitos da lização. A radicalização desse caminho
-citado, que saiu pela primeira vez na re- Cidadania, o Cenedic. O livro-marco des- escolhido pelas elites - “o atraso é uma
vista Novos Estudos 22, e que tempos de- se período é Os Sentidos da Democracia: polí- escolha”, ele gostava de enfatizar, que-
pois se tornou o carro-chefe de uma co- ticas do dissenso e hegemonia global, de 1999, rendo com isso dizer que não se tratava
letânea chamada exatamente Os Direitos organizado conjuntamente com Maria de uma exigência do (sub)desenvolvi-
do Antivalor, publicado pela coleção Zero Célia Paoli. O Cenedic marca o segundo mento, muito ao contrário - vai apare-
à Esquerda, coordenada pelo Prof. Paulo momento da terceira fase, a “uspiana”, cer, paradoxalmente, segundo sua ótica
Arantes. É dessa época, passagem dos oi- que vai acompanhar a produção acadê- crítica, também nos governos do Partido
tenta para os noventa, que se pode locali- mica e ensaística do autor até o final. dos Trabalhadores, a partir de 2003, e ele
zar a terceira fase, quando ele entra para Nesse ínterim ele participa como inspira- dedicará então a tal complexo de proble-
o Departamento de Sociologia da Usp e dor (e pesquisador) do projeto temático mas o seu ensaio chamado Hegemonia às
passa então a cultivar um profícuo diálo- de pesquisa chamado Cidadania e Demo- Avessas, também título da penúltima pu-
go com professores que ali desenvolviam cracia: As Rupturas no Pensamento da Políti- blicação do grupo do Cenedic (2010).
reflexões sobre o significado dos direi- ca, o qual dará lugar mais tarde (2007) à Em todas essas contribuições, a so-
tos e do espaço público. O contato então publicação A Era da Indeterminação. Suas ciologia aparece como o campo do diálogo
com a Profª Maria Célia Paoli foi, nesse intervenções a partir de então, largamen- crítico com os autores que buscaram uma
aspecto, como se verá em seguida, funda- te inspiradas nas pesquisas do grupo do interpretação de conjunto sobre o país, sua
mental. Essa fase “uspiana” pode ser di- Cenedic, vão aos poucos o encaminhando história, e sua constituição como nação

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 101


HOMENAGEM

dentro dos marcos da modernidade políti-


ca e cultural, começando por Celso Furta-
do (1ª fase), passando por Fernando Hen-
rique Cardoso, Octavio Ianni, Paulo Sin-
ger, Francisco Weffort, Roberto Schwar-
cz, dentre outros (2ª fase), até chegar no
momento da consolidação democrática e
dos direitos da cidadania, da abertura po-
lítica, dos movimentos sociais e das novas
demandas de inclusão e participação (3ª
fase), com a consolidação das associações
profissionais e de pesquisa, como a Anpo- Coletânea da Boitempo traz o ensaio  O Adeus do futuro ao país do futuro, último artigo
cs, com seus grupos temáticos organiza- de Chico de Oliveira publicado em vida
dos, conduzindo a um debate ao mesmo
tempo mais pulverizado e mais especia- querda, de modo que é um pouco difícil locar a cabeça de fora”, ele dizia...), essa
lizado. Mesmo nesse último cenário, a reivindicar uma fidelidade exclusiva e de- marca da intervenção no debate público,
orientação sintética de seu pensamento finitiva, partidária no caso. recobre uma gama ampla e plural da so-
podia ser observada em contribuições as As notas biográficas oriundas do ciedade civil democrática que dava vida
mais diversas da sociologia, desde a histó- jornalismo político enfatizam reiterada- ao que ele uma vez chamou, em um de
ria social do trabalho até o movimento de mente a presença na fundação do PT, no seus textos da última fase, de “era das
moradia, passando pelo sindicalismo (por início dos anos 1980, e depois do PSOL, invenções”.
exemplo, a interpretação sobre a greve dos no início dos 2000, assim como a juven- Embora nunca próximo organica-
petroleiros em 1994), a informalidade, o tude socialista no Recife, ainda nos anos mente dos comunistas, reconhecia a he-
regionalismo e até mesmo o republicanis- 1950. Mas Chico foi também ativo per- gemonia cultural do Partidão na cultura
mo (lembre-se aqui o texto curto, original- sonagem na organização do programa do brasileira, e sempre desconfiou dos pen-
mente uma resenha, Resistirão a República MDB histórico em 1974, por ocasião da dores socialistas do “novo sindicalismo”,
e a Democracia?, de 2003, em diálogo com contra-candidatura Ulysses Guimarães de quem enxergava uma influência mui-
eminentes intelectuais brasileiros federa- à presidência, assim como na campanha to mais americana em sua vertente mo-
dos num grupo informal auto-intitulado de Franco Montoro ao Senado, em 1978, dernizadora do que em linha com algu-
“Os Repúblicos”). tendo como suplente o colega Fernando ma possível tradição maximalista dentro
Estreitamente relacionado à orien- Henrique Cardoso. Da mesma forma, cul- do movimento operário. Quem leu seu
tação sintética de seu pensamento (vide tivava um diálogo companheiro com os capítulo no livro “E Agora PT?”, editado
a última peça publicada em vida, o en- trotskystas da tendência Centelha, de Mi- pela Brasiliense em 1986, podia achar
saio O Adeus do futuro ao país do futuro, in- nas Gerais, depois rebatizada Democracia que ele não era ali suficientemente pe-
cluído pela editora Boitempo na coletâ- Socialista. As intervenções na imprensa tista (por forçar numa tecla demasiado
nea intitulada “Brasil: uma biografia não (por exemplo, na seção Tendências e Deba- crítica); da mesma forma que os artigos
autorizada”, 2018) reside outro aspecto tes, da pág. 3 da Folha de S. Paulo) e os ar- de jornal deixavam uma ambigüidade no
da trajetória do sociólogo: sua presença tigos às vezes curtos que cometia à guisa ar com respeito a seu real engajamento
marcante no campo da intelectualidade de análise de conjuntura nas páginas da partidário, surgindo por vezes como uma
crítica do país, a partir da resistência ao revista  Novos Estudos Cebrap (ele gostava espécie de voz esclarecida do antigo eme-
regime militar. Politicamente Chico sem- de auto-representar sua própria produção debismo “autêntico” - mais centrista do
pre foi de esquerda, e quanto a isso nun- na forma de um combate guerrilheiro, e que radical, portanto. Mas era isso mes-
ca transigiu. Mas a agilidade e liberdade volta e meia saía-se com a imagem dos mo. No entanto, são da Fundação Perseu
de seu pensamento não permitem uma vietcongs metidos em buracos que, subi- Abramo as edições de intervenções-cha-
localização muito confortável dentro do tamente surgiam da terra com metralha- ve do autor, tais como o texto sobre as
panorama organizativo dessa mesma es- doras para abater o inimigo: “bastava co- classes sociais, em publicação de 2000,

102 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


HOMENAGEM

conjuntamente com João Pedro Stedile e bre a composição da estrutura de classes


José Genoíno, Classes Sociais em Mudança dessas sociedades periféricas, e isso de tal
e a Luta pelo Socialismo; bem como artigos maneira que poderíamos no perguntar se
(vários) para a Revista Teoria & Debate, não se encontra ali uma antecipação das
sem esquecer a cuidadosa reedição de O tendências do mercado de trabalho nos
Elo Perdido dentro da Coleção História países do centro do capitalismo, a partir
do Povo Brasileiro. O que se pode con- do que se convencionou chamar de glo-
tudo dizer, sem sombra de dúvida, é que balização. Hoje os estudiosos falam de
o que unificava toda essa, se quiserem, “brasilianização” das relações de traba-
ambigüidade era um ódio acerbo con- lho para se referir a um tipo de regulação
tra o ethos burguês nativo, conhecendo do trabalho que já era bem conhecido – e
bem, como ele conhecia desde os anos decifrado – por Francisco de Oliveira no
de Sudene, os “empreendedores” da início dos anos 1970. Assim, o olhar da
modernidade capitalista por aqui. periferia como que “abre caminho” para
Seu texto a propósito do casamento entender as tendências mais regressivas
da filha do dono Banco Safra, em São e violentas que se observam contempo-
Paulo, num artigo da Folha, denunciando raneamente no capitalismo global. E o
a mistura despudorada entre o interesse estudo do capitalismo, como se sabe,
público e o privado por causa do fecha- sempre foi um motivo privilegiado da É razoável pensar
mento de ruas inteiras de bairro chic da análise sociológica, em qualquer lugar do que sua interpretação
cidade bateu muito mais pesado do que mundo. Essa poderia ser uma hipótese
a verve ocasional de qualquer colunista a explorar sobre a percuciência de suas do setor informal
de jornal - deve ser consultado, ademais, análises, enraizadas em casos nacionais
como exemplar típico da distinção abissal (São Paulo, Bahia, Nordeste), e de como
como componente
de classe em nossa sociedade, uma espécie elas poderiam transcender o solo de ori- de depreciação da
de esboço ligeiro de estudo de caso naquela gem (é verdade que ele não se dedicou
direção: tão esclarecedor que chegou a a estudos comparativos internacionais, a
força de trabalho,
lhe render, aliás, dor-de-cabeça jurídica não ser quando pesquisou pela primeira e portanto como
na época. Indignação como recurso do vez as multinacionais do setor automoti-
método: numa terra do deixa disso (que vo, no México, em trabalho conjunto com elemento da
ele depois teorizaria no artigo Jeitinho, Jei- M. Poputchi, Transnacionales en America reprodução ampliada
tão), poucos talvez se ombreiem ao Chico Latina: el complexo automotor em Brasil, saí-
quando se tratava de representar uma do em livro em 1979 pela editora Nueva do capital na periferia
consciência radical plebéia montagnard no Imagen).
interior da sociedade civil. Como orientador de minha tese de
– e não como estorvo
Enfim, por todas essas evidências, doutorado, Chico de Oliveira foi sem dú- para a expansão
fica clara a influência de Francisco de vida capaz de enxergar um objeto rele-
Oliveira no pensamento social brasileiro. vante no estudo que pretendia empreen-
capitalista nos centros
Quanto a sua influência no panorama da der sobre a câmara setorial do complexo urbanos –, jogou
sociologia de uma forma mais ampla, é químico (publicada depois em livro pela
razoável pensar que sua interpretação do editora Annablume, em 1999), seguin- uma luz nova sobre
setor informal como componente de de- do os passos de sua pesquisa maior, já a composição da
preciação da força de trabalho, e portanto mencionada, sobre essa forma inovado-
como elemento da reprodução ampliada ra de negociação entre sindicatos e em- estrutura de classes
do capital na periferia – e não como estor- presários no Brasil. Vendo retrospectiva-
vo para a expansão capitalista nos cen- mente, essa foi sua maior contribuição
dessas sociedades
tros urbanos –, jogou uma luz nova so- para o meu trabalho: a intuição certeira periféricas

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 103


HOMENAGEM

de que, para além da mera descrição do


caso, tratava-se de um tema importante
e cujo significado teria certa permanên-
cia no âmbito das relações entre capital e
trabalho daí em diante. De fato, foi isso o
que se observou, pois até hoje, passadas
já duas décadas e meia das primeiras ex-
periências de negociação tripartite, o for-
mato da câmara setorial está presente em
propostas do movimento sindical para
assuntos tão variados quanto a discussão
de políticas de inovação e competitivi-
dade, assim como políticas de emprego
e desenvolvimento regional, por exem-
plo. Mostrar como um acontecimento
específico e aparentemente ordinário do
mundo social pode ter uma importância
estrutural e pública para a sociedade (tal
também foi o caso com o estudo do Or-
çamento Participativo na cidade de São
Paulo, uma das pesquisas do Cenedic no
início da década de 2000), considero essa
a maior virtude de uma orientação aca- Algumas
dêmica em minha área de atuação. Mas, capas da
vasta obra
além do aspecto da orientação, o que
publicada
realmente constituía exemplo e motivo de Francisco
de admiração na personalidade intelec- de Oliveira
tual do Prof. Francisco de Oliveira eram
sua independência e autonomia de pen-
samento, algo muito difícil de alcançar
no campo universitário em que estamos
inseridos. Nesse sentido, embora suas
preferências teóricas pendessem resolu-
tamente para o lado de Marx, sua postu-
ra pessoal, nesse âmbito da vocação e do
espírito científico, acabavam levando-o
para o lado de Weber. A acidez crítica e
o desencanto, porém, sabiam ser sabia-
mente temperados por doses de ironia
fina, e mesmo de ternura.

*LEONARDO MELLO E SILVA é


professor do Departamento de
Sociologia da USP.

104 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


HOMENAGEM

Morte matada!
Jesuína Previdente*

A trincheira do jornalismo perde Paulo Henrique Amorim em um


momento conturbado do País e da profissão. Faleceu, afastado do
programa que comandou por mais de uma década. O coração de
PHA falhou ou quem sabe não aguentou viver o pesadelo de um
Brasil dirigido pela ultra-direita.

O
jornalismo brasileiro
perdeu, no dia 10 de ju-
lho de 2019, Paulo Hen-
rique Amorim, profissio-
nal comprometido com
os interesses do Brasil. PHA era crítico
ao governo Bolsonaro, defendia a demo-
cracia, a soberania nacional e o Estado de
Direito. Faleceu de infarto fulminante,
em sua casa, no Rio de Janeiro. A morte
ocorreu 17 dias após o afastamento força-
do do Domingo Espetacular, da Rede Re-
cord, programa que apresentou por mais
de uma década.
O Grupo Record e a RecordTV têm
como proprietário o fundador e líder da
Amigos, familiares e admiradores se despedem de PHA durante velório na sede da ABI,
Igreja Universal do Reino de Deus, Edir
no Rio de Janeiro
Macedo, apoiador declarado do governo
Bolsonaro. O comunicado sobre o afasta-
gundo ele próprio, inspirada em um dis- precisão e críticas, o massacre contra os
mento de Amorim do programa foi emiti-
curso do ex-deputado federal Fernando trabalhadores.
do em 24 de junho. O bispo licenciado da
Ferro (PT-PE). Amorim, quando utiliza Um dia antes da sua morte, Paulo
IURD e atual prefeito do Rio de Janeiro,
o termo PIG, escrevia com um “i“ minús- Henrique Amorim publicou no Conversa
Marcelo Crivella, esteve entre as autori-
culo, em alusão ao portal iG, do qual foi Afiada notícias a respeito do tema. O títu-
dades que lamentou a morte de FHA.
demitido em 18 de março de 2008. lo: “Câmara pode votar Previdênssia ho-
A despedida de FHA deixa todos os
PHA se foi sem ter tempo para criti- je“, no qual citava o pagamento de emen-
defensores da democracia tristes. É mais
car a aprovação da Reforma da Previdên- das parlamentares pelo governo federal
lutador que se vai em tempos de barbárie.
cia. Se vivo, certamente, teria registrado para compra de votos de parlamentares a
Se foi aquele que popularizou a expressão
em seu Blog, o Conversa Afiada, com favor da reforma.
“PIG“ (Partido da Imprensa Gopista), se-

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019


ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 107
105
HOMENAGEM

Em, 2016, o site 2016, o site Conversa Afiada, ganhou o


Conversa Afiada, Prêmio Influenciadores Digitais 2016 na
ganhou o Prêmio categoria “Economia, Política e Atualida-
Influenciadores
des”.
Digitais 2016
na categoria Paulo Henrique também foi autor
“Economia, Política de livros. Entre suas publicações, estão
e Atualidades”. Plim-Plim: A peleja de Brizola contra a
Nele, registrava fraude eleitoral. São Paulo: Conrad Edi-
denúncias e tecia tora, 2005; O Quarto Poder — Uma Ou-
críticas ácidas e
tra História, Manual Inútil da Televisão
bem humoradas
sobre o cenário
e Outros Bichos Curiosos e “O PIG e o
político nacional Cunha” em Golpe 16.

No Conversa Afiada, PHA, também re- la. Participou de coberturas jornalísticas Falhou, por quê?
gistrava as denúncias do site Intercept, sobre de repercussão internacional: a eclosão
as relações nada republicanas do ex-juiz e do vírus ebola na África (1975 a 1976); a Amorim deixa a trincheira do jorna-
atual ministro da Justiça, Sérgio Moro; do guerra civil de Ruanda e a rebelião zapa- lismo em um momento de desgraça no
procurador Deltan Dallagnol e os desman- tista no México (1994). País e na sua profissão. Faleceu, afastado
dos da operação Lava Jato. Era um críti- O primeiro emprego como jornalista do programa que comandou por mais de
co da operação. Em março de 2016, num foi no jornal A Noite, no Rio de Janeiro em uma década e das telas nas quais estáva-
vídeo que publicou no YouTube, acusou a 1961, ano em que cobriu para o jornal a mos acostumados a vê-lo.
Polícia Federal do Brasil de atuar de forma renúncia do presidente Jânio Quadros. O coração de PHA falhou ou quem
“golpista”, “irresponsável”, “subversiva” e Trabalhou em Nova Iorque como corres- sabe não aguentou o caos do País dirigido
“criminosa”, sugerindo que ex-presidente pondente internacional e abriu sucursais pela ultra-direita, o ataque ferrenho aos
Dilma Rousseff demitisse todos os servi- para veículos, em Nova Iorque. direitos dos trabalhadores, as notícias fal-
dores do órgão, “do diretor-geral ao contí- Em 1996, deixou a Globo pela Rede sas (fake news), o afastamento imposto
nuo que serve cafezinho”. Bandeirantes, onde passou a apresentar o pela Record por suas posições, o declínio
A ex-presidenta lamentou a morte telejornal Jornal da Band e o programa po- da grande imprensa (a mídia tradicional
do jornalista: “Ele deixa a marca de uma lítico Fogo Cruzado. Em 2003, foi contrata- cada vez mais perde espaço e audiência
atuação digna na denúncia dos retroces- do pela Rede Record, onde apresentou o para as redes sociais) e o derretimento da
sos que o país enfrenta e na defesa da telejornal noturno Jornal da Record 2ª Edi- sua profissão. O desemprego, a precariza-
democracia e do estado de direito”, escre- ção (extinto em 5 de janeiro de 2007) e o ção de direitos e os baixos salários afetam
veu no Twitter. Em seu perfil nas redes Edição de Notícias. De 2004 até o final de atualmente os jornalistas como nunca.
sociais, o ex-presidente Lula, afirmou: janeiro de 2006, passou a apresentar a re- Uma pena a cena política ter per-
“nos deixou cedo demais”, além de pu- vista eletrônica exibida no final de tarde dido, em momento tão agudo do Brasil,
blicar cópia da sua última carta enviada Tudo a Ver. Em fevereiro de 2006, passou um cronista crítico, atuante e afinado aos
ao jornalista. a apresentar o programa Domingo Espeta- interesses do povo. O infarto fulminante
cular. atropelou, traiu o coração de Amorim em
Prêmios e atuação Entre tantas premiações, PHA rece- tempos de guerra, justamente no período
beu o Prêmio Esso na categoria Prêmio que necessitamos de conversa afiada. Vai
Paulo Henrique Amorim atuou na Esso de informação econômica pela re- nos fazer muita falta! Fernando Henri-
Veja, nos anos 70, ao lado de Mino Carta. portagem “A renda dos brasileiros” na que Amorim, presente!
Passou também pela Globo, UOL e Band. revista Veja.
No Jornal do Brasil, denunciou a farsa do Em 1999, o Programa Jornal da Band, *JESUÍNA PREVIDENTE é pastora
Proconsult, revelando o esforço da dita- apresentado por ele, ganhou o prêmio de da Igreja dos Marxistas Leninistas dos
dura em tirar a vitória de Leonel Brizo- Melhor Telejornal de 98 da APCA e em, Últimos Dias

106
108 ESQUERDA PETISTA
ESQUERDA PETISTA #10
#10 -- Agosto
Agosto-Setembro
2019 2019
HOMENAGEM

Walter Barelli, o
economista dos
trabalhadores
Paulo Fontes*

No auge da tecnocracia econômica


ditatorial, Barelli foi uma poderosa voz em Alçado ao cargo de diretor-técnico
do DIEESE, Barelli investiu fortemente
favor de uma “economia para os trabalhadores” na relação direta com os principais sin-
dicatos paulistas. O DIEESE passou a

N
ascido em 25 de julho de firmou-se como o mais importante órgão ter um papel chave no assessoramento,
1938 em São Paulo, Walter de assessoria econômica do sindicalismo. formação sindical e, principalmente nos
Barelli vinha de uma típica Não por acaso, o órgão seria quase desa- processos de negociação coletiva com os
família operária de origem tivado logo após o golpe. Aos poucos foi empresários. Nas assembleias sindicais
italiana. Sua mãe foi tecelã e seu pai, me- retomando suas atividades e ainda se en- ao longo da década de 1970, não era in-
cânico de manutenção da Nitro Química, contrava em situação bastante precária, comum encontrar o alto e corpulento téc-
grande indústria do bairro de São Miguel quando em 1966, a convite da socióloga nico do DIEESE explicando diretamente
Paulista, onde Barelli viveu sua infância. Heloísa de Souza Martins, o jovem eco- aos trabalhadores os cálculos de reajuste
Os laços com a classe trabalhadora per- nomista Walter Barelli lá começou a tra- salarial e sobre a inflação. Tal ativismo
maneceriam por toda sua vida. balhar. Pelas duas décadas seguintes, Ba- não passou despercebido pela repressão
Ainda adolescente, tornou-se fun- relli seria a alma do DIEESE e o principal ditatorial. O DOPS monitorava cotidiana-
cionário do Banco do Brasil o que acabou responsável por torná-lo a mais respeitada mente as atividades de Barelli e do DIEE-
estimulando-o a prestar vestibular para instituição do sindicalismo brasileiro. SE. Em 1979, já nacionalmente conheci-
Economia na Universidade de São Paulo. Competente, humanitário e conci- do e respeitado, chegou a ser preso pela
Na USP, no início dos anos 1960, Barelli liador, Barelli navegava com habilidade polícia política, o que causou protestos
começou a militar na Juventude Univer- pelas várias correntes políticas que po- generalizados e indignados, obrigando
sitária Católica (JUC) e aproximou-se da voavam o movimento sindical durante o DOPS a um constrangedor pedidos de
Ação Popular (AP). a ditadura. Conseguia, por exemplo, ser desculpas pelo “lamentável engano”.
O golpe militar de 1964 atingiu vio- ao mesmo tempo amigo pessoal de Joa- No auge da tecnocracia econômica
lentamente as organizações dos trabalha- quinzão, presidente do Sindicato dos ditatorial, Barelli foi uma poderosa voz
dores, dentre elas o DIEESE, o Departa- Metalúrgicos de São Paulo, tido como em favor de uma “economia para os tra-
mento Intersindical de Estatísticas e Estu- “pelego”, e muito respeitado pelos aguer- balhadores”. Teve um papel fundamental
dos Sócio-Econômicos. Fundado em 1955 ridos dirigentes da Oposição Metalúrgica na denúncia do caráter concentrador de
por sindicalistas paulistas, o DIEESE logo paulistana. renda do “milagre econômico”. Sua reve-

ESQUERDAESQUERDA PETISTA
PETISTA #10 #10 - Agosto 2019
- Agosto-Setembro 2019 109
107
HOMENAGEM

A proeminência sindical no
final dos anos 1970 e na
década de 1980 alçou o DIEESE
à condição de instituição
reconhecida e respeitada no
cenário político brasileiro.
Walter Barelli tornou-se
renomada figura pública,
cuja opinião reverberava na
mídia e nos meios políticos e
empresariais.
lação da manipulação pelo governo dos simo, assessorando as centrais sindicais e atritos com Fernando Henrique Cardoso,
índices inflacionários de 1973, reconhe- outras organizações na construção de po- como a defesa de um salário mínimo de
cida pelo Banco Mundial em 1977, traria líticas trabalhistas e sociais que forjariam US$100, repudiada pelo então ministro
angariria oorespeito
notoriedade e angariaria respeitoacadê-
acadê- muito do que há de melhor em termos de da Fazenda.
mico e político. Mais importante ainda, direitos para os trabalhadores na Consti- Com a eleição de Mario Covas como
o ataque à manipulação dos índices da tuição de 1988. governador de São Paulo, Barelli foi, por
inflação foi um dos motores das campa- Barelli deixaria a coordenação técni- duas gestões, Secretario de Emprego e Re-
nhas salariais de 1977 e 1978, que deram ca do DIEESE no início dos anos 1990. lações de Trabalho. Também foi suplente
início ao ciclo de greves e lutas sociais Passou a lecionar no Departamento de de deputado federal pelo PSDB, assumin-
que mudaram o sindicalismo brasileiro e Economia da Unicamp, onde anos de- do o mandato entre 2005 e 2007. Apesar
recolocaram os trabalhadores no centro pois, ajudaria a consolidar o CESIT (Cen- da filiação tucana, manteve relações de
do processo de redemocratização do país. tro de Estudos Sindicais de Economia do proximidade, amizade e respeito com o
A proeminência sindical no final dos Trabalho). Simultaneamente, foi um dos movimento sindical e com diversos seto-
anos 1970 e na década de 1980 alçou o coordenadores na área de economia do res do PT, inclusive com o ex-presidente
DIEESE à condição de instituição reco- “governo paralelo” criado por Lula após Lula. No final daquela década, voltou a
nhecida e respeitada no cenário político as eleições de 1989. lecionar na Unicamp, onde se aposentou.
brasileiro. Walter Barelli tornou-se reno- Quando
Quando Itamar
ItamarFranco assumiu
Franco a pre-a
assumiu Em abril deste ano, Barelli sofreu
mada figura pública, cuja opinião reverbe- sidência da República, após o impeachment
presidência, após o impeachment de Fer- um acidente ao cair numa escada no
rava na mídia e nos meios políticos e em- de
nandoFernando
Collor Collor em 1992,
em 1992, BarelliBarelli
assumiutor- Instituo Tomie Ohtake em São Paulo.
presariais. O DIEESE cresceu e naciona- nou-se Ministro do Trabalho. Durante
o Ministério do Trabalho. Durante dois dois Seriamente ferido, ficou internado du-
lizou-se. Criou seções em quase todos os anos, abriu amplas negociações com enti- rante três meses, vindo a falecer no úl-
estados e nos principais sindicatos do país. dades de trabalhadores e empresários na timo dia 18 de julho. Certa vez, numa
Consolidou metodologias de medição de tentativa, ao final frustrada, de construir crítica à ditadura, afirmou “A classe
índices inflacionários, de desemprego, de um novo sistema de contrato coletivo de operária é muito mais digna do que os
valor do salário mínimo, entre outras, que trabalho nas relações trabalhistas. Tam- governantes”. Poucos intelectuais foram
se tornaram referência e rivalizavam, mui- bém capacitou o Ministério em ações de tão dignos na defesa da classe trabalha-
tas vezes superando em qualidade, os cál- combate ao trabalho escravo que se tor- dora quanto Walter Barelli.
culos de instituições consolidadas como o nariam uma importante política pública
IBGE e a FGV. Durante o processo consti- nos anos vindouros. No processo de for- *PAULO FONTES é professor do
tuinte, o DIEESE teve papel importantís- mulação do Plano Real teve numerosos Instituto de História da UFRJ

108 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


110 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto 2019
HOMENAGEM

LÚCIO BELLENTANI: a trajetória


de um operário militante.
Uma visão crítica
 Sebastião Neto*

Com todas as suas contradições, é inegável o


papel político jogado pelo companheiro Lúcio.
É parte de uma vanguarda proletária, de
operários conscientes politicamente, que
enfrentaram a ditadura empresarial-militar.

L
úcio foi um dos grandes dade política na fábrica foi destruída pelo Lúcio ficou mais de um ano preso. Foi
quadros organizadores do Departamento de Ordem Política e Social libertado condicionalmente e retomou sua
movimento operário no Bra- (Dops-SP) e pelo Departamento de Segu- vida profissional. Condenado, optou por
sil. Atuou na maior fábri- rança Industrial da Volks. A empresa, em cumprir a pena e não cair na clandestini-
ca da época, na década de cooperação direta com o terrorismo de dade. Ao total, mais de dois anos de prisão.
1970, a Volkswagen em São Bernardo do Estado, organizou a prisão dos mili- Saindo da cadeia, muda-se para o Vale do
Campo. A empresa era uma cidade. Ti- tantes em seus postos de trabalho. O Paraíba para manter a família, mas já sem
nha 40 mil trabalhadores. Atuando clan- Coronel Adhemar Rudge, que acompa- ligações partidárias. Passados esses anos
destinamente, Lúcio participou da orga- nhou pessoalmente as prisões, dirigiu a de afastamento, retorna ao ABC. A emer-
nização de uma grande base partidária, segurança da Volks de 1969 a 1989. gência das greves o jogará novamente na
atingindo mais de 200 trabalhadores A história dessa base partidária e sua arena sindical. Mantém-se como militan-
que, inclusive, recebiam regularmente destruição está sendo reconstruída. Dos te, atuando na base.
o  Voz operária, jornal do Partido Comu- militantes da época, sabe-se mais a his-
nista Brasileiro (PCB). tória de Lúcio e de Heinrich Plagge. Os São Paulo e São Bernardo
De família de tradição comunista, dois foram sequestrados em seus postos do Campo. A mesma luta,
foi formado na escola do “Partidão”. Ti- de trabalho, à vista dos colegas de ses- características diferentes.
nha uma matriz de atuação militante, da são. Lúcio ficou 47 dias desaparecido no
qual manteve os traços essenciais a vida Dops e Heinrich, 4 meses. Nesse período, Após a Greve das comissões de fábrica,
inteira, com as características da sua for- foram presos mais 10 militantes dentro em 1978, e a Greve geral de 79, ambas dos
mação. Tinha 8 anos de trabalho na em- da Volkswagen. Sofreram acareações e metalúrgicos da capital, cria-se um cli-
presa e 28 anos de idade quando a ativi- torturas durante todo o período no Dops. ma de ebulição também na unidade da

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 109


HOMENAGEM

Ford Caminhões, na divisa da Moóca Foi aprovada a defesa das Comissões de


com o Ipiranga, na cidade de São Paulo. Fábrica, com uma visão muito avança-
A primeira greve registrada na fábrica, da: “a força necessária para as transforma-
depois de 1964, ocorre em 79, puxada ções que propomos depende exclusivamente da
pela militância da Oposição Sindical Meta- organização dos trabalhadores dentro das em-
lúrgica (OSM-SP). presas, através das comissões de empresa”. E
A região do chamado ABC paulista com a ponderação de que não se poderia
tinha se transformado politicamente. O “correr o risco de que as comissões de
estopim, aceso com a greve da Scania empresa representem qualquer tipo de
em 78, seguiu por um rastilho de gre- sindicalismo paralelo que comprometa
ves e mobilizações por todo o país, cul- nosso ideal de unidade. Importa é tor-
minando na grande greve de 41 dias nar nosso sindicato presente e atuante,
em São Bernardo do Campo, em 1980. através das comissões de empresa, onde
Aparentemente derrotada, foi, na ver- estiver o trabalhador.”
dade, a consolidação de Lula como uma Existia um movimento intenso para
referência nacional, encarnando a resis- criar uma comissão de fábrica na Ford
tência de massas à ditadura. E, mais do Caminhões, em São Paulo, semelhante
que isso, colocando a classe operária em ao que havia ocorrido em julho de 1981,
movimento. na Ford de São Bernardo.
Na capital, as Comissões de fábrica se Já havia um trabalho clandestino de A região do chamado
espalharam por toda a cidade. No auge anos, durante a década de 1970, de mi-
ABC paulista tinha
da greve dos metalúrgicos de São Paulo litantes da Ação Popular (AP), que criou
de 1978, foram organizadas mais de du- as condições para reivindicar a comissão se transformado
zentas Comissões. Foram sendo dilapi- de fábrica. O militante mais conhecido é politicamente. O estopim,
dadas pela ação da diretoria comandada Orides Ferraz de Toledo.
aceso com a greve da
pelo pelego Joaquim dos Santos Andra- Nesse contexto, Lúcio começa a tra-
de, o Joaquinzão. Algumas resistiram ao balhar na Ford da capital. Com a sua Scania em 78, seguiu por
longo dos anos. Poucas foram reconhe- capacidade, passa a liderar a organiza- um rastilho de greves e
cidas, contra o vento e a maré, apesar da ção da Comissão de fábrica, finalmente
ação anti-operaria da diretoria do Sindi- conquistada. Essa movimentação en-
mobilizações por todo
cato e da perseguição patronal. frentava resistência da diretoria pelega o país, culminando na
Mas a bandeira das Comissões de fá- de São Paulo, mas tinha a seu favor a grande greve de 41 dias
brica, com a auto-organização dos tra- pressão do Sindicato de São Bernardo
balhadores e a participação da base, se na matriz. A Ford São Paulo, que tinha
em São Bernardo do
generaliza. Torna-se uma reivindicação parado na Greve Geral de 79, é franca- Campo, em 1980.
nas greves que explodiam pelo país. E mente de oposição à diretoria do Sindi-
foram muitas greves. Em São Bernardo, cato. A Comissão da Ford torna-se uma
no Terceiro Congresso dos Metalúrgi- referência em São Paulo e Lúcio, pouco
cos, em 1978, é aprovada uma resolução a pouco, consolida um espaço político
reivindicando as Comissões de fábrica. apoiado esmagadoramente pelos traba-
Havia uma disputa sobre a melhor ma- lhadores da fábrica e se lança à disputa
neira de ter uma representação no local por reconhecimento político. É cortejado
de trabalho reconhecida pelas empresas. por diversas forças politicas. Carece, en-
As ideias iam de comissão paritária, de- tretanto, de relação com outras fábricas
legado sindical a comissões de fábrica. organizadas.

110 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


HOMENAGEM

“Em São Paulo, se fabrica zação interna e são mobilizadas pela A partir daí, dedicou-se a fazer um traba-
de prego a míssil”1 OSM-SP. Basta ver as fotos das faixas nos lho silencioso de organização dentro das
piquetões ou nas grandes assembleias2. fábricas. Teve a sorte de coincidir com a
A cidade de São Paulo era um con- E muitas fábricas médias são exemplo de crise do modelo econômico da ditadura,
tinente industrial. Entre as décadas de organização, como a Asama, na Vila Leo- quando começam a emergir os movi-
1970 e 1980, eram 400 mil metalúrgicos, poldina, que era a expressão das concep- mentos populares nas periferias.
distribuídos em mais de 13.000 empre- ções da Oposição Metalúrgica: democracia Era um mundo diferente daquele
sas, a maioria delas muito pequenas. Mas direta, questionamento do poder patro- em que Lúcio foi formado. Ele estava ha-
muitas de 500 a 1.500 trabalhadores. E nal, interferência e disputa para escolha bituado à organização partidária, mais
muitas iguais ou maiores que a Ford. dos chefes de seção, autossustentação fi- centralizada e disciplinada. Aqui em São
São impressionantes as mobilizações nas nanceira, revogabilidade de mandatos. E Paulo era o movimento, um entrecruzar
concentrações ou corredores industriais: o lema a democracia operária dá certo 3. de opiniões e disputas resolvidas pelo
na Leopoldina, na Avenida das Nações Na década de 1970, essas fábricas sistema democrático assembleário, na-
Unidas, na Pedreira, no Socorro, na Lapa e outras tiveram militantes que nelas quilo que se chamou Frente de Trabalha-
de Baixo, na Ilha do Sapo (Mooca), na permaneceram durante anos, fazendo o dores. A maneira possível de ter unidade
Anchieta. Fábricas enormes, como Metal chamado “trabalho de base”, nas CIPAs, e enfrentar a seleção de pelegos coloca-
Leve, Villares, Caterpillar, MWM, Sie- nos Grupos de Fábrica ou nas Comis- dos pelos militares como interventores
mens, Sofunge, Scopus, General Eletric, sões. A OSM-SP disputou uma eleição es- no Sindicato lopo após o golpe de 1964 e
Toshiba, Arno, Philco, Aliperti, mesmo candalosamente fraudada em 1972. Em que se mantiveram, com Joaquim à ca-
não tendo Comisões eleitas, têm organi- 1974, teve mais de 40 militantes presos. beça, até 1987 4.
2 Ver as imagens de Máquinas paradas. Fotógrafos em ação,
organizado por Adilson Ruiz e Enio Brauns e publicado pela
1 Frase de Waldemar Rossi, dirigente da Oposição Sindical Editora Perseu Abramo, em 2016. 4 Para entender a seleção de pelegos colocados na direção
Metalúrgica de São Paulo e um dos fundadores da Pastoral 3 Ver a revista 30 anos da Comissão de Fábrica da ASAMA, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ver o livro de
Operária (PO), ao descrever a complexidade da indústria publicada pelo IIEP/Projeto Memória da Oposição Sindical Heloísa Martins, O Estado e a burocratização do Sindicato no
paulistana. Metalúrgica de São Paulo, em 2012. Brasil, publicado pela Editora Hucitec, em 1989.

A bandeira das Comissões
de fábrica, com a
auto-organização dos
trabalhadores e a
participação da base, se
generaliza no final da
Imagens do livro Máquinas paradas. década de 1970. Torna-
Fotógrafos em ação se uma reivindicação em
vários pontos do país nos
quais explodiam greves.
E foram muitas greves.

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 111


HOMENAGEM

Acervo IIEP
A CUT entra em cena

A Central Única dos Trabalhadores


(CUT), fundada em 1983, torna-se re-
ferência para milhões de trabalhadores
como uma Central Sindical classista e de
luta. Em 1984, Lúcio disputa a convenção
da CUT para ser candidato a presidente
na chapa da Oposição Sindical Metalúr-
gica. Derrotado, fica na condição de vice
na chapa encabeçada por Hélio Bombar- 1985:
di. Vai se tornando uma liderança meta- Encontro
das
lúrgica importante na cidade e a Ford, re- comissões
conhecida como uma fábrica muito orga- de Fábrica
nizada na base. Essa chapa da OSM-SP, da Asama
apesar de ter sete mil votos a mais nas e da Ford
fábricas, é derrotada porque noventa por
cento dos doze mil aposentados votam na É preciso lembrar que a eleição pre- tral. Em 1993, torna-se presidente da
diretoria pelega. sidencial de 1989, opondo Lula e Collor, Confederação Nacional dos Trabalha-
Em 1987, uma convenção cutista, divide o país de ponta a ponta. Todas as dores Metalúrgicos da Força Sindical
com a presença do presidente nacional, forças progressistas apoiam Lula no se- (CNTM) e chega a exercer, em 1994, a
Jair Meneguelli, escolhe uma chapa en- gundo turno. Collor é levado às fábricas presidência do Fundo de Amparo ao Tra-
cabeçada por Carlúcio Castanha para dis- metalúrgicas de São Paulo pelos direto- balhador (FAT), representando a Força.
putar as eleições dos Metalúrgicos de São res do Sindicato. Sua vitória inaugura Afastado da Força Sindical em
Paulo. Lúcio decide, então, romper a uni- para a CUT e os movimentos sociais, que 1997, Lúcio fica praticamente sem mili-
dade cutista e encabeça outra chapa, com- avançaram tanto até a Constituinte, a tância pública, levando uma vida pacata
pondo um arco de alianças que incluía era da resistência. Apesar da queda de em Jacareí.
militantes oriundos do PCB, que tinham Collor, os dois mandatos de FHC abrem
participado nos últimos 6 anos na direto- um longo período de privatizações, des- O retorno no Caso Volks
ria de Joaquinzão, mais membros do PC- regulamentações e flexibilizações. En-
doB, que tinham participado também da fim, a defensiva política e um recuo do Em 2013, o Grupo de Trabalho Di-
última diretoria da situação, e uma par- movimento sindical combativo. tadura e repressão aos trabalhadores e ao
cela cutista chamada Alternativa sindical. A eleição de Collor viabiliza a cria- movimento sindical (GT-13), da Comissão
Cria-se uma situação, fruto das disputas ção da Força Sindical, impulsionada pela Nacional da Verdade (CNV), através de
internas da Central, em que a chapa en- diretoria dos Metalúrgicos de São Paulo, Álvaro Egea (secretário-geral da CSB) e
cabeçada por Carlúcio é oficialmente a sob a lógica do sindicalismo de resulta- Sebastião Neto (coordenador do IIEP),
chapa da CUT e a de Lúcio, apresentada dos, de enfrentamento frontal à CUT. A procurou Lúcio para depor sobre sua
também como cutista. As duas chapas de central neoliberal 5 consolida seu poder prisão e disposição para denunciar pu-
oposição são derrotadas pela nova compo- com todas as benesses e acesso aos ga- blicamente a Volkswagen6. A partir daí,
sição conservadora, encabeçada, agora em binetes. foi retomando as atividades políticas.
1987, por Luís Antonio Medeiros, arauto Surpreendentemente, Lúcio migra Em julho de 2015, tornou-se presidente
do “sindicalismo de resultados”: pragma- para a Força, levando a maioria dos diri- do recém fundado Sindicato Nacional
tismo, conciliação, um anticutismo furi- gentes da Comissão de Fabrica da Ford dos Aposentados do Brasil (SINAB), fi-
bundo, desregulamentação, flexibilização. a cargos na estrutura do Sindicato dos liado à Central dos Sindicatos Brasilei-
O sindicalismo dos sonhos do empresaria- Metalúrgicos de São Paulo ou da Cen- ros (CSB).
do, ante sala do neoliberalismo. 5 Ver o livro de Vito Giannotti Força Sindical: a central
neoliberal. De Medeiros a Paulinho, publicado pela editora 6 Entrevista para a Comissão Nacional da Verdade gravada
Mauad, em 2002. pelos pesquisadores Milena Fontes e Rodolfo Machado.

112 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019


HOMENAGEM

Lúcio jogou um papel insubstituível


na investida contra a Volkswagen
por ser, dos presos de 1972, o único
conhecido vivo até então.

Em 2015, por iniciativa política do e outras empresas. Fizemos várias exibi- O inquérito do Caso Volkswagen foi
Fórum dos trabalhadores por verdade, justiça e ções da película Cúmplices? A Volkswagen e encerrado, concluindo pela necessidade
reparação, o IIEP elaborou uma represen- a ditadura militar brasileira8. Foram muitos de responsabilização da empresa. Exis-
tação ao Ministério Público Federal, com- debates, entrevistas (por sorte, disponí- te a possibilidade de a empresa aceitar
posta de pesquisa documental e funda- veis na internet). Diversas reuniões junto firmar acordo junto ao Ministério Pú-
mentação jurídica baseada nos princípios com os Ministérios Públicos Federal, Es- blico. Ou, caso contrário, essa história
da Justiça de Transição e na experiência tadual e do Trabalho para oitivas de teste- se prolongará com um processo judicial.
internacional de casos semelhantes, de- munhas contra a Volks e para a busca de De qualquer modo, é o primeiro caso no
nunciando a Volkswagen por graves viola- uma solução para o caso que garantisse Brasil de uma empresa acusada por gra-
ções de direitos humanos durante a ditadura a responsabilização da empresa. Recente- ves violações de direitos humanos, que
civil-militar. A representação foi assinada mente, dia 04/06/2019, participamos do deverá prestar contas à Justiça. Todo o
por todas as dez CENTRAIS Sindicais programa Bom Para Todos, da TVT, sobre trabalho do Fórum dos trabalhadores,
brasileiras, presidentes de Comissões da o Caso Volks 9. das 10 Centrais Sindicais brasileiras e do
Verdade, juristas, militantes de direitos Em outubro de 2017, Lúcio acompa- IIEP ao apresentarem a denúncia contra
humanos, trabalhadores atingidos pela nhou a oitiva de Heinrich Plagge, realiza- a Volkswagen foi centrado na concretiza-
Volks e pelo IIEP. da pelo Ministério Público em São José ção do lema Verdade, Memória, Justiça e
Lúcio jogou um papel insubstituível do Rio Preto. Foi, junto com o de Lúcio, o Reparação. Lúcio Bellentani foi um disci-
na investida contra a Volkswagen por ser, mais importante depoimento colhido con- plinado militante dessa causa.
dos presos de 1972, o único conhe- tra a Volkswagen. Por incrível que pareça, Com todas as suas contradições, é
cido vivo até então. Posteriormente, essa foi a primeira vez que os dois mili- inegável o papel político jogado pelo com-
em 2017, foi localizado Heinrich Plagge, tantes se encontraram desde 1972. Plagge panheiro Lúcio. É parte de uma vanguar-
também preso na empresa em 1972 por faleceu no dia 6 de março de 2018. Nes- da proletária, de operários conscientes
sua militância no PCB 7. sa data, em sua homenagem, foi criada a politicamente, que enfrentaram a ditadu-
Mais do que testemunha, desde o Associação Heinrich Plagge, que reúne os ra empresarial-militar e não se dobraram
início do Caso Volks Lúcio foi incansável trabalhadores e trabalhadoras vitimados à dura repressão que sofreram.
militante. Ia onde quer que fosse neces- pela Volkswagen, presidida por Lúcio.
sário para testemunhar e pedir REPARA- *SEBASTIÃO NETO é coordenador
8 Filme produzido pela DW, canal de TV público alemão.
ÇÃO pelos crimes cometidos pela Volks Disponível com legendas no YouTube (https://m.youtube. do IIEP - Projeto Memória da Oposição
com/watch?v=1iWmAmvNMNg&t=1213s)
7 Matéria sobre a prisão de Plagge, produzida pelo jornalista 9 Programa Bom Para Todos, da TVT, que foi ao ar no dia
Sindical Metalúrgica (OSM-SP)
Gabriel Baldocchi, da Isto é Dinheiro: https://youtu.be/
xTTrchnAusg
04/06/2019. Disponível no YouTube (https://youtu.be/
Z8nitaNtEw0).
secretaria@iiep.org.br

ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 113


Acesse o ink, baixe e imprima o formulário para
coleta de assinaturas pela liberdade de Lula
https://lulalivre.org.br/abaixo-assinado/anulacaojulgamento/

E
DO POR LULA LIVR
ABAIXO-ASSINA
LULA
GAMENTOS DE
LAÇÃO DOS JUL s penais contra
o
ADO PELA ANU amentos das açõe
ABAIXO-ASSIN , lação dos julg
unal Federal requerer a anu
s Ministros do
Supremo Trib eitosamente, para ção mundiais.
Exmos. Senhore te judi cial do Brasil, resp da mis éria , a paz e a coopera da cha mad a
ima Cor fome e a-tarefa
senhores, inte
grantes da máx a erradicação da uradores da forç meio de
se dirigem aos itos humanos, io Moro e os proc istério Público, atuando por Tudo
Os signatários Lula da Silva. es para os dire e o ex-juiz Sérg
iona l por suas contribuiçõ rcep t Bras il, diálogos entr rmal das investigações e do
Min
m das fase s da operação.
io rnac Inte orde
ex-presidente
Luiz Inác nhecimento inte s do portal da Internet The ia portou-se como chefe info ostas provas, e determinando
conquistou reco de sup de Ética
Preso político, éria ânc
sentadas nas mat o magistrado de primeira inst que fossem tomadas, dicas e pelo Código
as provas apre o que antes Processo Penal artigo 564, ambos do
Diante das nov ente demonstrad os de decisões , pelo Código de do
Lava Jato , resta efetivam ntações, repassando conteúd Con stitu ição Federal de 1988 IV, do artigo 254, c/c inciso I,
operaçã o orie pela so
, repreensões e presenciais. alidade, fixadas esso, na forma prevista no inci
aconselhamentos o de aplicativo e reuniões ade e impesso
de imparcialid absoluta do proc
em diálogo por
mei a determinação o consequência a nulidade
e modo, o juiz, ASSINATURA
Rompeu, dess eição é irrefutável, e tem com o:
. Sua susp ixo- assi nad TELEFONE
da Magistratura inam este aba ESTADO/UF
esso Penal. Ass CIDADE
Código de Proc CPF
TO
NOME COMPLE

114 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019

Você também pode gostar