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Bushido

O CAMINHO
DO
MEIO

VICTOR LEPRI
Bushido

O Caminho
Do
Meio

VICTOR LEPRI
III

"A vida de alguém é limitada; a honra e o respeito


duram para sempre.”

Myamoto Musashi
宮本武蔵
IV

AS 7 VIRTUDES DO BUSHIDO

GI 義 – Justiça e Moralidade, Atitude direta,


razão correta, decidir sem hesitar;

YUU 勇 – Coragem, Bravura heróica.

JIN 仁 – Compaixão, Benevolência.

REI 礼 – Polidez e Cortesia, Amabilidade.

MAKOTO 誠 – Sinceridade, Veracidade total.

MEIYO 誉 – Honra, Glória;

CHUU 忠 – Dever e Lealdade.


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PRÓLOGO
Inverno de 926 – Leste de Kamîrush, província de Massaq.

O inverno era cruel na cidade mercante de Massaq, as estradas


paradas impossibilitava o comércio que a quatro semanas já
sofria com as nevascas. Os mais frágeis já pereciam por falta de
alimento e abrigo, o caos começava a tomar conta.
Os anciões mencionavam a profecia da purificação do
reino dos elfos.
Corellon nos castiga pela impureza de nosso reino – proferiam
em segredo e a cada semana que passava mais e mais elfos
reverberavam em revolta as demais raças.
5 semanas se passaram desde o início de Ninque Cúma
(Inferno Branco). Os elfos de Massaq se aglomeravam, no centro
mercantil, uma grande pira foi acesa e o calor do fogo acalmava
os ânimos dos cidadãos, assim como a calmaria antes de uma
tempestade.
A multidão crescia a cada minuto, do centro da praça não
se podia enxergar o fim do aglomerado de elfos que se
misturavam com a gélida névoa branca que tomava conta da
cidade.
Era cerca de 11 horas da manhã quando Kyrtaar Soltir
subia o palanque e direcionava seu olhar para a multidão a sua
volta.
Povo de Massaq, a anos enfrentamos a opressão de nossos líderes
que a muito não descem as escadarias de seus castelos.
A muito sofremos com a impureza de nosso reino!
Não mais!
O Ninque Cúma é um castigo de Corellon pelo desrespeito com
nosso povo!
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Hoje nós marchamos contra as raças inferiores e lavaremos o solo
com o sangue daqueles que se opuserem!
O frio já não fazia os elfos de Massaq se curvarem, gritos
de guerra eram proferidos e espadas foram desembainhadas.
A Yallume Poyta (Última Purificação) durou pouco mais de
4 horas, antes do sol se por a neve já era vermelha e não se ouvia
mais gritos e choros esparsos pelos corredores congelados da
cidade.
Aqueles que não conseguiram fugir foram mortos e
Kyrtaar era saudado pelo povo como o representante dos desejos
de Corellon, o salvador de Massaq.
Poucos dias após Yallume Poyta se iniciava o degelo e assim
como o inverno dá lugar à primavera, o povo de Massaq voltava
a prosperar.
A cidade ainda permaneceu um grande polo comercial,
tanto por seu posicionamento geográfico, as margens do rio Der
Große, como por sua grande concentração de senhores feudais e
lordes que ali residiam. Porém nunca mais se permitiu a estadia
de raças não élficas dentro dos muros da cidade e todo mercador
que por ali passava era acompanhado por olhos atentos e
raivosos de dentro dos muros.
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CAPÍTULO 1
FILHO DO INVERNO

“Acima de tudo deve-se ter em mente que a morte é inevitável.”

Era cerca de 23h, Aindur tinha os olhos atentos a uma fresta na


porta de seu quarto no castelo de Lorde Filvendor Sylmyar.
Aindur aguardava a troca da guarda enquanto sua esposa Zintil
já estava pronta para partir.
Apenas 15 minutos se passaram mas para Zintil foram
como horas, seu coração palpitava em medo sabendo que o filho
em seu ventre estava prestes a nascer. Zintil usou estes últimos
momentos de calma para concentrar toda sua força e energia em
proteger aquele que poderia re-estabelecer o equilíbrio entre as
raças.
Aindur olha nos olhos de Zintil como quem tenta passar
confiança e força e ela sabe que o momento chegara.
A troca da guarda no castelo de Filvendor era
meticulosamente precisa e Aindur sabia que não poderia cometer
nenhum deslize.
O primeiro guarda abriu a porta adjacente ao quarto de
Aindur, o movimento de ambas as portas sincronizavam como
um balé estudado por anos, Aindur se movia em extrema cautela
e presteza, adequando seu movimento ao deslocamento do
guarda que se movia pelos corredores.
Como num piscar de olhos ele se deslocou de seu quarto a
um aposento lateral com acesso a uma grande janela e ali ele
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tinha preparado uma escada de cordas que arramou nó a nó,
assim como foi ensinado em seu treinamento.
Aindur posicionou a escada, amarrou em uma das pontas
os mantimentos para a viajem e aguardava mais uma vez para
poder sinalizar a Zintil que era seguro se deslocar.
O segundo guarda já havia se posicionado no corredor ao
lado e Aindur se colocou a beira da porta com uma zarabatana
com dardo envenenado, ele sabia que seu movimento deve ria ser
tão preciso quanto o tiro, o som do guarda caindo seria suficiente
para despertar todo aquele andar.
Com a respiração cada vez mais quente e os batimentos
cardíacos cada vez mais lentos Aindur aguardava o momento
certo. O guarda se inclinou para a o lado e foi o suficiente para
gerar uma abertura entre o elmo e a ombreira, era um tiro
extremamente arriscado mas isso era exatamente oque Aindur
esperava.
Respirou fundo como se fosse mergulhar sem saber se
voltaria a superfície e tão preciso quanto seu olhar soprou o
dardo e, antes mesmo que o guarda se desse conta de que tinha
sido atingido, Aindur já estava junto ao seu corpo, calmamente
deixando o peso daquele guerreiro tombar sobre seus braços e o
posicionar ao chão, fora da visão de quem poderia passar
desavisado em um corredor paralelo.
Zintil então se moveu ao proximo quarto e avistou a janela
e a escada a esperar como se a convidassem para uma escalada
noturna.
Os primeiros degraus foram os mais difíceis, o vento
gélido soprava em seus ouvidos mas a adrenalina a fez
prosseguir, tamanho era o nervosismo que nem percebia as
primeiras contrações.
Aindur desceu logo em seguida, o sentimento foi de vitória
mas ainda tinham muito caminho a seguir.
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O castelo era localizado a oeste da cidade e juntos se esgueiraram
pelos corredores de casas até alcançarem a margem do rio Der
Große. Por alguns segundos apenas admiraram a vista do rio
congelado e o contorno de Eshara-Massiv iluminada ao fundo pela
luz de lua cheia que oscilava por entre as nuvens brancas e
sopros de neve que faziam os ossos tremer.
Aindur amarrou a uma corda em sua cintura e a cintura
de Zintil, deram as mãos e desceram até o gelo. O vento soprava
cada vez mais forte e logo não se conseguia mais avistar a imensa
cordilheira de Eshara-Massiv.
Indo a frente, Aindur inspecionava o gelo e dava passos
curtos a frente, como quem anda de olhos fechados em um
corredor desconhecido. A neve estava cada vez mais forte e
agora Zintil já não conseguia avistar seu marido a sua frente e
apenas confiava na direção da corda que a guiava.
O gelo estava sólido e Aindur estava cada vez mais
confiante, até que sentiu um puxão em sua corda. Zintil havia
tombado ao gelo, finalmente sentindo as contrações que
começaram durante sua fuga do castelo. Os gemidos de dor
ecoavam pelo gelo e eram carregados pelo vento, Aindur sabia
que ali estavam completamente expostos e indefesos, então pegou
Zintil em seus braços e caminhava o mais rápido que podia,
tentando buscar apoio no gelo em baixo de seus pés.
Aindur estava tão focado em se manter estável sobre um
rio congelado que não conseguiu notar que estavam sendo
seguidos. Dois lobos os haviam farejado e estavam cerca de 15
metros atrás deles cravando as garras no gelo.
Guiados pelo faro eles investem às cegas, o primeiro lobo
desliza ao lado de Aindur que somente conseguiu se apoiar para
receber a investida do segundo lobo que cravou os dentes em sua
panturrilha esquerda e o fez ajoelhar, deixando Zintil cair ao gelo
que já delirando de dores desmaiou com o impacto.
Aindur em um movimento rápido jogou o lobo para longe
e sacou sua Wakizashi. Foi somente o tempo suficiente para que o
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outro lobo se posiciona-se em sua frente pronto para atacá-lo.
Aindur então se colocou entre Zintil e o Lobo, respirou fundo e
esperou o ataque. O golpe foi preciso e limpo, abriu a mandíbula
do lobo que despencava ao seu lado.
O outro lobo se prepara para atacar Aindur mais uma vez,
porém agora sentindo o sangue do samurai em sua boca e o
cheiro de morte no ar investiu contra Aindur que desferiu um
ataque porém somente arranhou a pata dianteira do lobo que
agora estava os dentes presos em seu braço. O samurai então se
debateu e esmurrava o lobo tentando se soltar daquele animal,
sua única saída foi jogar seu corpo por cima do lobo e num piscar
de olhos quebrou o pescoço do animal faminto.
A luta havia acabado porém agora estava ferido e cansado.
Aindur então se levantou, colocou um punhado de gelo sobre
seus ferimentos e com muita dor carregava mais uma vez Zintil
pelo rio congelado.
Ao finalmente alcançar a outra margem do rio Zintil,
Aindur deitou Zintil aos pés de uma árvore e ali permaneceram
por alguns minutos, recuperando as forças.
Zintil estava sentindo cada vez mais dores que
anunciavam a hora do nascimento de Mayuin. Eles caminharam
por cerca de meia hora até a densa floresta aos pés de Eshara-
Massiv e sob a sombra de uma cerejeira Zintil sentiu sua última
contração e em seu âmago sabia que sua vida seria a energia que
iria trazer Mayuin a este mundo.
Seu último suspiro foi abafado pelo choro de seu
primogênito e do nascimento se fez a lápide, aos pés de uma
cerejeira sem flor, perdida em meio a um mar de troncos e galhos
despidos de vida.
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CAPÍTULO 2
GUERREIRO DE HONRA

“Entre a força e a técnica, vence a técnica. Se a força e a técnica


forem iguais, vence o Espírito.”

A respiração tímida do recém nascido acalmava os ânimos de


Aindur que observava, a distância, a multidão pintar o chão de
Massaq com o vermelho sangue de Gnomos, Anões, Halflings e
Humanos. Uma província que em seus dias de glória abraçava a
cultura e a arte agora se via em odiosos lençóis de rancor e raiva.
Era cerca de 2h da tarde quando Aindur posicionou a
última pedra sob o túmulo de Zintil, tomou Mayuin em seus
braços e sabia que a jornada estaria apenas começando e ao em
seu âmago sentia dor e culpa pela marca da guerra que sempre
estará cravada na alma de Mayuin.
A jornada dos últimos membros da família Kelenvir
cruzou florestas e vilarejos porém a vida de um Ronin nunca é
fácil Aindur Kelenvir se manteve aos pés de Eshara-Massiv até o
fim da primavera, sabia que com a guerra dentro de Massaq,
Lorde Filvendor teria que manter sua guarda próximo ao castelo
até a situação se estabilizar. Assim que a ultima flor de cerejeira
deu lugar ao verde das folhos Aindur peregrinou norte e buscou
abrigo na cidade de Tagishum com uma amiga de Zintil, a clériga
Amara Galanael.
Durante quase 15 anos prosperaram em um vilarejo
próximo a cidade de Tagishum e sempre que possível se
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encontravam com Amara que treinou Aindur em habilidades de
primeiros socorros, preparo de poções e ervas medicinais. A
habilidade com plantas e tratamento de feridos, sejam eles
animais ou humanóides era nata em Aindur e gradativamente ele
se tornava uma peça essencial para o vilarejo a norte de
Tagishum e muitos amigos por lá ele fez.
Mayuin crescia forte e vigoroso e com seu pai aprendeu a
manusear ervas medicinais, respeitar a terra e a natureza e acima
aprender o valor do silêncio e do equilíbrio.
Os anos se passavam com tranquilidade e cada vez mais
viajantes e mercadores prestavam visitas ao hebalista de Nii-
Táluta. Era outono de 940, Tagishum já se preparava para as
festividades de fim de ano e os artesãos estavam ansiosos com os
preparativos. Aindur estava junto a suas ervas naquela manhã
quando ouviu o trote de cavalos vindo do sul.
Como de costume Mayuin fora a frente receber os clientes
enquanto Aindur trazia ao balcão as colheitas do dia.
Alguns minutos se passaram porém Mayuin ainda não
havia acompanhado os clientes para dentro da casa, estranhando
o comportamento do menino ele caminhou até a porta, algo em
sua alma o fez tocar sua Wakizashi amarrada à cintura, somente
pelo conforto de lembrar a presença de sua arma.
Ao abrir a porta Aindur se deparou com seu filho
acariciando um dos cavalos e uma figura em armadura negra ao
seu lado contando estórias de guerras e lutas que aquele nobre
cavalo havia vivenciado.
Aindur sentiu um calafrio quando o guerreiro se virou e
imediatamente o reconheceu, era Elandorr Sarmoira, o chefe da
guarda de Lorde Filvendor Sylmyar e sempre invejou Aindur
por sua primazia com a Katana. Aindur sabia que ele estava ali
para um Fir omentie (encontro mortal em élfico), se Elandorr
conseguisse derrotá-lo ele se tornaria o samurai mais poderoso de
Massaq e o braço direito de Filvendor.
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A troca de olhares foi rápida mas a tensão espalhava ao
redor deles, Mayuin entendeu o olhar de seu pai e se pôs entre a
porta e a varanda da casa. O silêncio era tanto que os pássaros
deixaram de cantar e o vento deixou de soprar, como se a
natureza soubesse que ali presenciariam uma luta de titãs.

O treinamento de ambos era tanto que a movimentação


parecia ser combinada, a precisão nos passos, a empunhadura da
espada, o ritmo da respiração eram tão precisos quanto uma bela
sinfonia. Cada mínimo detalhe possuía um determinado espaço e
cada golpe era como um grande acorde que ressoava pelo espaço,
desferindo energia e poder.

Aindur estava em uma situação crítica, portando apenas o


kimono cotidiano e ainda por cima sem sua amada Katana,
forjada por seu avô em damasco negro e empunhadura de mogno
que proporcionava balanço entre o peso do aço e a leveza da
empunhadura.
Elandorr, por sua vez, estava pronto para o combate, uma
armadura negra, recentemente polida, que impunha uma
presença amedrontadora aos mais fracos de espírito. Estava
munido de uma Wakizashi e uma Bela Katana de Adamantium,
duas vezes mais pesada que uma Katana regular.
Elandorr sacou a espada e Mayuin tremeu em medo ao
notar que seu pai apenas possuía a Wakizashi. A Katana estava
junto a armadura de seu pai, no aposento mais distante da casa.
Com certeza ele teria ido buscar obra-prima se não estivesse
completamente congelado com a tensão dos dois guerreiros. Ele
então lembrou dos ensinamentos de seu pai, equilíbrio e bravura são
as maiores virtudes do guerreiro, a arma de um samurai não é a sua
espada ou seus punhos mas sim, sua mente.
Se Elandorr fosse um samurai de honra, nunca iniciaria o
combate com Aindur sem uma espada. Mas tê-lo desprevenido
era uma vantagem que não deixaria escapar.
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O primeiro ataque foi desferido contra Aindur que
desviou movendo sua base na diagonal contrária ao movimento,
apoiou a mão no punho da espada ainda embainhada e disse:
Você luta por ganância e vingança, Elandorr Sarmoira, você
nunca será o guerreiro honrado que seu pai um dia foi, você
sempre será apenas uma representação dos ideais corruptos de
Filvendor.
Eu posso ter desonrado meu juramento ao abandonar a guarda
de seu mestre mas eu nunca deixarei a vingança e o ódio
tomarem o controle de minha mente e muito menos, de minha
espada!

Assim que Aindur terminou sua fala, Elandorr desferiu


mais um ataque que mais uma vez foi desviado. Aindur sabia que
uma luta de contato estaria perdida, sua única saída era a
velocidade e a fragilidade mental de seu oponente.
Elandorr então se enfureceu, apontou a espada na direção
de Aindur e respondeu:
Nunca mencione o fraco que foi meu pai, eu o superei assim
como a lâmina de Filvendor o superou, eu sirvo apenas a um
mestre e agora é o momento de retribuí-lo com a cabeça do
traidor que você é!

Aindur aguardou mais um ataque que veio de cima,


analisou a velocidade e força, olhou a base de Elandorr e num
movimento certeiro se moveu para o lado e ao mesmo tempo
desembainhou a espada e desferiu um golpe na junção abdominal
da armadura de Elandorr. O golpe não foi profundo mas sangue
escorria na lateral esquerda do guerreiro.
Elandorr então se posicionou com a espada de baixo para
cima, o golpe já era visível na mente de Aindur e esperou o
momento exato para se mover, mas assim que Elandorr iniciou o
golpe ele, inesperadamente, mudou o movimento e acertou
Aindur com o punho da Katana, fazendo-o cambalear para trás.
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Aindur cuspiu uma grossa bola de saliva e sangue e apesar
de ter recebido o golpe, a mente e o corpo do samurai
continuavam sereno, em pleno controle e equilíbrio.
Mais uma vez Elandorr atacou, desta vez horizontalmente
e Aindur revidou com um golpe baixo, a lâmina da Katana
passava centímetros do topo da cabeça de Aindur que conseguiu
cortar a lateral da panturrilha esquerda de Elandorr.
A armadura parceria repentinamente mais pesada e forçou
Elandorr a tombar sobre a perna ferida.
Aindur esperou o guerreiro se levantar e Elandorr sacou
também sua Wakizashi e começou a desferir golpes rápidos com
ambas as espadas em frenesi.
Aindur continuava a desviar dos golpes com a extrema
velocidade que a falta de armadura o concedia.
Em meio aquela tormenta de golpes Aindur conseguiu
penetrar a proteção de Elandorr e desferiu um golpe certeiro na
perna direita de Elandorr que caiu de joelhos.
Aindur mais uma vez esperou porém o corte não o
permitia levantar. Elandorr tentou se apoiar na espada e usá-la
para ficar ereto novamente mas falhou, caindo mais uma vez de
joelhos ao chão.
A luta estava acabada.
Aindur então se ajoelhou a cerca de 5 metros do guerreiro
em armadura negra e aguardou.
Elandorr então levantou seu olhar para Aindur e proferiu:
Mais uma vez você me derrotou, Aindur. Nunca conseguirei
recuperar a honra que meu pai retirou de minha família. Ao
menos morrerei de forma honrosa.

Elandorr então empunhou sua Wakizashi e cravou a


lâmina em seu estômago, como seu último ato em vida a torceu.
O movimento foi seguido pela queda do corpo que sem silêncio
desfalecia em frente a Aindur.
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CAPÍTULO 3
PEREGRINO SEM LAR

“Onde quer que viva, esse é o seu templo, se o tratar como o tal.”

A tensão nos olhos de Mayuin era evidente. A duas semanas


estavam caminhando em direção às cordilheiras de Die Mauern a
norte de Tagishum porém a luta de seu pai não saia de sua mente.
O caminho para o norte era tortuoso e a constante
preocupação de estarem sendo caçados somente tornava a
estrada mais difícil, porém Aindur não reduzia a velocidade de
seus passos, o inverno estava por vir e ele sabia que se não
alcançassem a cordilheira antes dos primeiros flocos de neve
nunca conseguiriam estabelecer acampamento.
A rota para as montanhas não foi simples, tiveram que
desviar da rota tradicional e optaram por trilhar por dentro da
floresta de Jurna-Wald, lá eles conseguiriam encontrar
suprimentos para o fim do outono e materiais para estabelecer
acampamento ao pé da montanha.
A passagem pela floresta de Jurna-Wald foi
surpreendentemente calma, aquele era um outono quente para os
padrões da região. A caça de cervos e lebres garantiram aos
viajantes suprimento de peles necessário para o inverno, as ervas
encontradas na floresta garantiram os mantimentos de
tratamento a ferimentos e infecções. Mas acima de tudo oque a
floresta proporcionou foi o início do treinamento samurai de
Mayuin. Caminhando por entre os diferentes terrenos e se
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adaptando às dificuldades o jovem guerreiro estudava o
comportamento dos animais, o posicionamento das arvores, o
crescimento do musgo e a vida que brotava de todos os poros de
Jurna-Wald.
O primeiro ensinamento foi GI 義, justiça. A natureza é
justa em todos seus aspectos, o equilibro entre a caça e o caçador
é algo que prevalece desde o início dos tempos e a natureza
nunca age de forma injusta. Compreender a justiça que existe na
natureza e seu equilíbrio é confiar, é pureza, estabilidade e
certeza, sem justiça não é possível equilibrar o corpo e mente.
Assim, Mayuin trilhou seu caminho espiritual para a liberação do
primeiro Chakra (Muladhara - chakra da raiz), abrindo espaço para
a circulação da força Chi.
O segundo ensinamento foi YUU 勇, coragem. A coragem
da Primata que sem hesitar se põe a frente de seus filhotes,
independente da situação. A coragem do Lobo que enfrenta frio
e chuva para prosseguir em frente e a coragem do Cormorão que
mergulha no rio gélido sem saber oque irá encontrar mas com a
certeza de que pescará algo. Assim, Mayuin trilhou seu caminho
espiritual para a liberação do segundo Chakra (Swadhisthana -
chakra do santuário), abrindo espaço para a circulação da força
Chi.
O terceiro ensinamento foi JIN 仁, compaixão. Amar
todos os seres e compreender que todos fazemos parte do mesmo
equilíbrio, amar seu inimigo é amar a si mesmo. O outro é o
reflexo de nós mesmos. Assim, Mayuin trilhou seu caminho
espiritual para a liberação do terceiro Chakra (Manipura - chakra
do plexo solar), abrindo espaço para a circulação da força Chi.
O quarto ensinamento foi REI 礼,cortesia. Ser cortes com
o próximo e tratar com honra a presença dele é respeitar seus
antepassados e enaltecer a conexão de todos os seres é enaltecer
a vida e a honra como os bens mais preciosos. Assim, Mayuin
trilhou seu caminho espiritual para a liberação do quarto Chakra
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(Anahata - chakra do coração), abrindo espaço para a circulação da
força Chi.
O quinto ensinamento foi MAKOTO 誠, sinceridade. Um
samurai não teme a verdade e não se afronta perante as
consequências. A sinceridade purifica a alma e mantém os
princípios intactos, aquele que não é sincero para com os outros
não é sincero para consigo mesmo. Assim, Mayuin trilhou seu
caminho espiritual para a liberação do quinto Chakra (Vishuddha -
chakra da laringe), abrindo espaço para a circulação da força Chi.
O sexto ensinamento foi MEIYO 誉, honra. Honra
determina a forma de viver de um samurai, ser honrado significa
observar além daquilo que se vê, significa respeitar seus
ancestrais, o caminho e os princípios do Bushido e viver para
manter o equilíbrio entre o ser, a comunidade, as regras e aqueles
que lutaram anteriormente a você. Assim, Mayuin trilhou seu
caminho espiritual para a liberação do sexto Chakra (Ajna -
chakra do terceiro olho), abrindo espaço para a circulação da força
Chi.
Aindur então se virou para Mayuin e disse:
Eu não posso te guiar pelo caminho do CHUU 忠 pois desonrei o
código ao abandonar a corte. O caminho da coroa você terá que
trilhar sozinho e para isso deverá encontrar a paz e o equilibro
em si mesmo, tornando seu corpo e mente um templo para os
ensinamentos do Bushido.

Aindur então se virou e guiou o olhar de Mayuin para o


norte, uma imensa montanha era visível a apenas algumas horas
de caminhada. A floresta se entregava para a cordilheira que
crescia a frente dos dois viajantes.
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CAPÍTULO 4
DA MÃE TERRA AO PAI CÉU

“Em nossas vidas, a mudança é inevitável. A perda é inevitável.


A felicidade reside na nossa adaptabilidade em sobreviver a tudo
de ruim.”

O treinamento na montanha foi intenso e por mais 15 anos


viveram em paz e pleno equilíbrio com a natureza, desta vez
isolados, exceto durante o solstício de verão quando
peregrinavam a Norr Bharrak, trocando ervas e peles por
ferramentas e equipamentos para acampamento que se tornava
aos poucos um templo cravado na pedra em meio as cordilheiras
de Die Mauren Der Drachen.
A vida era simples na montanha e o acampamento se
moldou durante os anos, cada vez mais aconchegante e
preparado para o inverno, o treinamento de Mayuin nunca teve
pausa e era rotineiro seu trabalho com as paredes da montanha
esculpindo aquilo que um dia foi apenas uma passagem na
cordilheira em agora um templo em perfeito equilíbrio.
Na encosta da montanha eram cultivadas as mais exóticas
frutas do inverno que cresciam timidamente entre as pedras e
eram visitadas todos os dias por Aindur. Mayuin metodicamente
descia a floresta para caça e colheita de ervas e frutos e durante
meses preparavam um belo carregamento de materiais para troca
durante o festival do solstício de verão. A caminhada era pesada
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e carregando os materiais eles levavam 8 dias para alcançar a
cidade.
Era maio, o céu marcava menos de um mês para o
solstício de verão, Aindur já havia separado a maior parte do
carregamento, restava apenas Mayuin caminhar até a floresta e
colher as ervas e peles que secavam ao sol. Havia se passado
meio-dia quando Aindur ouviu um estrondo vindo do leste, uma
nuvem preta surgia ao pé da montanha, levaria cerca de 40
minutos para Mayuin alcançar a localização do som.
Desceu a montanha o mais rápido que pode, se
aproximando cada vez mais da nuvem que agora podia-se
confirmar sendo de origem mágica. Mayuin carrega ambas as
espadas e estava com ouvidos e olhos atentos para a causa do
distúrbio. Se aproximando ele ouviu cantos em uma língua que
sua mãe conhecia bem, dracônico, a língua anciã dos magos e
criaturas místicas.
Seguindo a voz ele se aproximou e conseguiu avista uma
figura que fez seu batimento cardíaco acelerar e sentiu calafrios
por todo corpo. O último humano que havia visto era sua esposa
na fuga de Massaq, em busca de um ambiente seguro para sua
raça. Aindur sabia, porém, que os humanos estavam atacando o
continente e aquilo significava que a guerra estaria por vir à
região que adotara como seu lar.
Aindur então retornou ao momento, o mago estava
cercado por um círculo de fogo e de sua frente animais
desfigurados surgiam do chão em um ritual maléfico que
desafiava o equilíbrio natural do vale.
Aindur então desembainhou ambas as espadas e investiu
em direção ao mago.
Mayuin estava pronto para retornar ao acampamento
quando ao longe ouviu um estrondo que reverberou e ecoou pelo
vale, pássaros debandaram em medo e a terra tremia em baixo de
seus pés. Mayuin estava a cerca de uma hora do local onde o som
fora produzido. Sabia oque tinha que fazer.
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Aindur estava frente a frente a três lobos que protegiam o
mago enquanto ele continuava os canos maléficos que
putrefaziam o chão a sua volta e em meio ao círculo se criavam
criaturas horrendas que algum dia foram os espíritos dos animais
que ali jaziam.
Mayuin correu o máximo que pode em direção ao
estrondo e agora já podia enxergar uma fumaça negra que subia
aos céus e poluía o vale que ele tanto protegeu. Ao se aproximar
ouviu o som de cantos em uma língua que jamais ouvira e se
espantou ao deparar com seu pai sangrando e frente a frente a
um urso atroz que fora corrompido pelo magia profana daquele
humano que ameaça a vida de seu pai.
Aindur estava tão próximo ao urso que podia sentir seu
bafo podre de morte, seus dentes escorriam uma líquido verde e
suas garras eram tão afiadas como sua Katana. O corpo dos
lobos encharcaram o chão de sangue e Aindur já não conseguia
sentir seu braço direito. O urso atacou.
Mayuin tentou agir o mais rápido que pode, sempre
carregava consigo um belo arco élfico que conseguira em suas
idas a cidade. Ele rapidamente sacou uma de suas flechas, retraiu
as lâminas do arco que rangeu com o movimento, a energia do
momento o fez tremer, instintivamente mirou para o urso, o
tamanho da besta o fez respirar e lembrar de seu treinamento e
calmamente rotacionou seu corpo todo, a ponta da flecha agora
em direção ao mago que continuava seu canto foi certeira, o
disparo de Mayuin acertou as costelas do mago que tombou
sobre seu joelho.
Aindur acabara de esquivar da mordida do urso e desferi
um golpe em sua escápula esquerda. O golpe foi lento e em
reflexo o urso o rebateu para o lado, jogando Aindur à distância.
O urso então se aproximou, Aindur sabia exatamente oque tinha
que fazer, a pele do animal era muito espessa e seu corpo mal
suportava o peso da espada. Ele aguardou o urso atacar e no
momento exato posicionou a espada em sua frente e encravou-a
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sob o pescoço da imensa besta, o peso do animal era tanto que ao
tombar sobre Aindur deslocou seu ombro e quebrou algumas
costelas.
O mago sentiu a flecha com imenso ódio porém não
conseguiu identificar a localização de Mayuin, o ritual agora
quebrado e a dúvida da localização do inimigo o fez tomar uma
decisão rápida. Apoiando em seu cajado se levantou e conjurou
um portal em sua frente. Pelo portal Mayuin pode ver uma
imensa cidade, duas grandes torres brancas erguidas ao longe.
Aindur estava respirando com dificuldade, o peso do
animal parecia crescer sobre seu corpo, em momento algum ele
viu Mayuin e aguardava o mago para lhe dar uma morte
honrosa. Aindur se espantou quando seu filho se aproximou,
Mayuin se posicionou ao lado de seu pai cravou os pés no chão e
junto com um grito ele sentiu toda sua energia Chi ser acumulada
em seu corpo dando-o força suficiente para mover o corpo
putrefato da besta.
Seu pai fazia força para respirar, os ferimentos da luta
foram muitos e veneno corria em suas veias, já não conseguia
sentir suas pernas e ambos os braços estavam imóveis. Aindur
sabia que seu tempo chegara e por maior que fosse o sofrimento
ele sabia que sua morte fora honrada lutando contra o opressor
de sua terra e poderia entregar sua alma para os céus ao lado de
seu filho.
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CAPÍTULO 5
O CAMINHO DA COROA

“Há mais de um caminho para o topo da montanha."

A cremação de seu pai foi seu maior desafio, mas Mayuin não seu
deixou abalar, escreveu seu juramento em um papiro e o deixou
junto às cinzas de seu pai em um belo altar construído a beira da
encosta da montanha e seguiu seu caminho.
Sabendo que precisaria completar mais um ensinamento
para liberar o último Chakra (Sahasrara - Chakra da Coroa).
Mayuin então juntou os bens de seu pai, vestiu sua armadura e
suas espadas e marchou a Tagishum em busca de Amara que não
havia a visto desde que fugiram da antiga casa a norte de
Tagishum.
Para seu espanto Amara não se encontrava mais no
templo de Bahamut e sua procedência era desconhecida.
Temendo o pior ele logo peregrinou rumo ao reino dos anões que
seu pai havia contado histórias de como os samurais ainda
permaneciam fortes e puros, tementes aos ensinamentos do
Bushido e honrados em seus atos.
Durante o caminho a Nascanàr Mayuin entrou em
contato com diversas caravanas fugindo do leste e da evidente
ameaça dos humanos. Em uma das caravanas ele conheceu
Khethumin Macemaker, um grande ferreiro vindo de Thamyr
Assim continuou sua rota ao reino dos anões em busca de um
mestre samurai, esperando que o destino o apresenta-se aquele
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mago mais uma vez para que pudesse terminá-lo de uma vez por
todas.
Após pouco mais de duas semanas ele chegou a Thamyr.
O contato com a civilização após tantos anos foi algo que o
surpreendeu porém nunca perdeu a polidez e cortesia que
aprendera com seu pai.
Assim Mayuin Kelenvir, filho de Aindur Kelenvir e Zintil
Kelenvir se encontrava em meio a um novo ambiente, em busca
de justiça e treinamento para que possa finalizar seu treinamento
e honrar o nome de sua família e a memória de seu pai.
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Em memória e honra de
Aindur Kelenvir

Os homens devem moldar seu caminho. A partir


do momento em que você vir o caminho em tudo
o que fizer, você se tornará o caminho.

O caminho do samurai é caracterizado pela


lealdade, o Bushido é a luz que dá vida
a terra e alimenta a alma

É a própria mente de um homem, e não seu


inimigo ou adversário, que o seduz para
caminhos maléficos.
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Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge


com nossos pensamentos. Com nossos
pensamentos, fazemos o nosso mundo.

A vida de alguém é limitada; a honra


e o respeito duram para sempre.

Em nossas vidas, a mudança


é inevitável. A perda é inevitável.
A felicidade reside na nossa
adaptabilidade em
sobreviver a tudo de ruim.
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Assim treino,
assim me entrego,
assim busco um mestre
cujo propósito seja a
lealdade ao Bushido.

Seguir o Bushido é lealdade, fidelidade,


auto sacrifício, justiça, humildade, honra
e, acima de tudo, viver e morrer com
Honra e Propósito.

E M K
Assim honrarei o nome de
u a e
minha família e a y l
S u e
memória de meu pai. o i n
u n v
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