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Sumário
1 Evangelho: fonte da preocupação social da Igreja
2 O ensinamento social da Igreja
3 Princípios permanentes
4 Âmbitos de aplicação
5 A solidariedade como proposta ética
6 Os direitos humanos como um desafio urgente
7 Uma releitura da opção pelos pobres
8 Referências Bibliográficas
1 Evangelho: fonte de preocupação social da Igreja
A Sagrada Escritura é a alma da teologia (Dei Verbum, n.24), é a fonte de inspiração do pensamento
social. Dela fluem as interpelações para os grandes temas da atualidade social; justiça, direitos humanos, a
fraternidade e a solidariedade. Jesus e sua mensagem, o Reino de Deus, são o ponto de partida e de chegada
(Mc 1, 15; Mt 5: 3-12). O amor (ágape) é o conceito mais importante (cf. 1Cor 13) e a regra de ouro da moral
social da Igreja: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a
Lei e os Profetas” (Mt 7,12; Lc 6,31). O Evangelho deve ser anunciado no mundo do trabalho, da economia,
da política, da cultura, da família. Todas estas realidades são parte da vida humana e, portanto, são
alcançadas pela salvação trazida por Cristo.
A experiência do amor cristão torna-se compromisso por amor; a fé busca a expressão ética. Isto é
afirmado claramente na Carta de Tiago:
De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo? Se um
irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia e um de vocês lhe disser: ‘Vá em
paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se’, sem porém lhe dar nada, de que adianta isso? Assim também
a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta (Tg 2,14-17; cf. 1 Jo 4,19-21).
A experiência do amor se faz solicitação e busca de configuração de uma sociedade justa, onde todos
estão incluídos para participar em sua organização e desfrutar de bem-estar. O social forma parte essencial
do ser humano e, por isso, com toda a razão, os bispos latino-americanos declararam: “o nosso
comportamento social é uma parte integrante do nosso seguimento de Cristo” (Puebla, n.476).
A este respeito, a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37; Mt 22,34-40; Mc 12,28-31) é muito
esclarecedora. O escriba ou o jurista pergunta a Jesus “quem é o meu próximo?”, porque não se deve
cometer erros neste ponto em que está em jogo a vida eterna.
A resposta de Jesus é surpreendente porque não dá uma definição teórica do próximo, não requer –
ao estilo grego – um amor universal pela humanidade, mas mostra através da parábola, o procedimento
concreto de amor autêntico ao próximo. Ou seja, a Jesus não importa perguntar quem ele é, ou qual sua
nacionalidade ou confissão, mas sim mostrar que todo aquele que precisa da nossa ajuda é nosso próximo
e nós somos o próximo dele.
A partir da parábola, podem ser tiradas as seguintes conclusões éticas sobre o amor cristão:
a) A ruptura no conceito vigente de próximo. A pergunta inicial do perito da lei presumia
uma delimitação excludente na categoria de próximo (até quem chega a minha obrigação de amar? ou quem
está incluído no conceito de próximo?). Jesus recusa-se a responder esta questão e sublinha que o próximo
é aquele que vem ao nosso encontro no momento particular e concreto da vida diária. O conceito cristão de
próximo é o resultado da história e não o seu ponto de partida. Em outras palavras, Jesus não define o
conceito de próximo, mas descreve a ação pela qual se faz do outro um próximo. Em nossa linguagem
cotidiana, a palavra “próximo” tem o sentido geral de “vizinho” ou “fulano”, um significado abstrato, passivo
e neutro. Na parábola, o conceito de próximo está relacionado a uma ação dinâmica, comprometedora e
histórica. O próximo não é apenas outro, mas aquele que eu torno um outro relevante e significativo; fazer
do outro, através de uma ação concreta, o meu próximo.
b) O critério de compaixão. A descrição da ação de proximidade não é definida pela presença (o
sacerdote e o levita estavam presentes), mas pela capacidade de se compadecer frente a necessidade do
outro. Só quem teve compaixão (padecer com) é identificado por Jesus como alguém que se comportou
como próximo. O doutor da lei perguntou: quem é o meu próximo? E Jesus responde com outra pergunta:
a quem você tratou como próximo? Ou seja, o critério fundamental de proximidade se define a partir das
necessidades do outro. Portanto, o próximo não é definido pela mera presença, mas através da ação de
acudir o outro que é um necessitado.
c) A prática do amor. A capacidade de se compadecer frente as necessidades do outro faz com que o
amor não se manifeste apenas através de sentimentos e palavras, mas também – e especialmente – em
fatos concretos. O samaritano se preocupou pelo ferido: ele se aproximou, tratou suas feridas, derramando
nelas azeite e vinho, colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. E a
resposta de Jesus foi: “faça o mesmo” e “faça isso e viverá”. Jesus não estava interessado no
desenvolvimento teórico-legalista da delimitação do conceito de próximo, pois urgia a prática concreta do
amor diante da necessidade do outro.
d) Amor sem limites. A verdadeira compaixão leva à radicalidade na prática do amor. Esta radicalidade
é mostrada na ajuda desinteressada do samaritano diante do desvalido, porque, para além das divisões
nacionais e de culto, o outro está ferido. A vida de Jesus é o exemplo desse amor sem limites, é mediante
sua própria vida que a propõe como um modelo de serviço aos outros.
e) O necessitado como referente primário. O doutor da lei pergunta pelo objeto do amor (o
conhecimento teórico: a quem eu devo amar?) enquanto Jesus responde em termos de sujeito do amor (a
realização prática de como se deve amar). A resposta de Jesus coloca o sujeito na mesma posição daquele
que padece a necessidade e, a partir dessa situação de abandono, levanta a questão: o que posso fazer? É
precisamente a capacidade de compaixão que o torna sensível às necessidades do outro e leva a uma prática
do amor. O necessitado torna-se a medida específica de um amor sem limites, expressão e verificação do
amor a Deus.
Jesus faz do amor ao outro uma pergunta altruísta (levantar a questão a partir da necessidade do outro)
e não uma observação egocêntrica (como eu posso ajudar o outro a partir de minha situação confortável de
não necessitado). Portanto, a justiça tem a sua origem em Deus. O amor, a verdade e a justiça são uma
unidade em Deus. “O amor – caritas – é uma força extraordinária, que impele as pessoas a se envolverem
com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz” (Caritas in veritate n.1). O amor ganha forma
operativa na justiça. Se, por um lado, a justiça não pode ser separada da caridade (Populorum
progressio n.22), por outro lado, é o primeiro caminho da caridade: reconhecer e respeitar os direitos dos
indivíduos e dos povos! (Caritas in veritate n.6). A justiça que brota do amor de Deus é o fundamento da
justiça social e da opção pelos marginalizados, indefesos e excluídos da sociedade.
2 O ensinamento social da Igreja
O Ensinamento Social da Igreja (Doutrina Social da Igreja) é a elaboração, de forma sistemática, da
preocupação do Magistério com os problemas sociais, explicitando as obrigações sociais. Ou seja, o dever
cristão de cooperar com a construção de um mundo humano e justo (Gaudium et Spes, n.34, 43,
72; Octogesima Adveniens, n.24).
O documento inaugural é a encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII, publicada em 15 de maio de
1891. É a primeira vez que um documento do Magistério é totalmente dedicado à denominada “questão
social”. A Igreja se volta para os problemas que afligem aos pobres. Seu contexto é o de uma sociedade
profundamente transformada pela Revolução Industrial: revolução socioeconômica, com o surgimento e
consolidação da indústria; política, por meio do fortalecimento dos Estados-nação; científica, através do
aprofundamento do conhecimento aliado à técnica; filosófica, fundada no pensamento da razão ilustrada e
na emergência da subjetividade. No final do século XIX, a Igreja se encontra frente ao capitalismo e ao
socialismo marxista.
Lista dos principais documentos da Doutrina Social da Igreja (DSI) em ordem cronológica:
Qui pluribus: Pio IX de 1846
Quanta Cura: Pio IX de 1864
Rerum Novarum (RN): Leão XIII de 1891.
Imortale Dei e Quod apostolici muneris: Leão XIII de 1994
Quadragesimo anno (QA): Pio XI de 1931.
Divini Redemptoris: Pio XI de 1937
Non abbiamo bisogno e Mit brennender Sorge: Pio XI de 1937.
Radiomensagem A solennità: Pio XII de 1941.
Fidei Donum e Ad apostolorum principis: Pio XII de 1957
Mater et Magistra (MM): João XXIII, 1961.
Pacem in Terris (PT): João XXIII, 1963.
Constituição Pastoral Gaudium et Spes: Concílio Vaticano II, 1965.
Declaração Dignitatis Humanae: Concílio Vaticano II, 1965.
Populorum Progressio (PP): Paulo VI de 1967
Sínodo dos Bispos: A Justiça no Mundo: Paulo VI de 1967;
Humanae Vitae: Paulo VI de 1968
Octogesima adveniens (OA): Paulo VI de 1971.
Justiça no mundo: Sínodo dos Bispos: Paulo VI de 1971.
Evangelii Nuntiandi: Paulo VI de 1975.
Redemptor Hominis: João Paulo II de 1979
Laborem Exercens (LE): João Paulo II de 1981.
Carta dos Direitos da Família, Vaticano: Tipografia Poliglota Vaticana, 1983.
Sollicitudo Rei Socialis (SRS): João Paulo II de 1987.
Centesimus Annus (CA): João Paulo II de 1991.
Tertio Millenio Adveniente: João Paulo II de 1994
Evangelium Vitae: João Paulo II de 1995
Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CSDC): Conselho Pontifício de Justiça e Paz, de 2004.
Deus Caritas Est: Bento XVI de 2005
Caritas in veritate (CV): Bento XVI de 2009.
8 Referências Bibliográficas
Não foi possível optar apenas por uma referência bibliográfica destes textos pontifícios da DSI. Assim,
a lista já está no início do texto. São documentos de domínio universal. Todos estão disponíveis na Internet,
bem como nas várias versões das editoras espalhadas por todo o continente latino-americano.
Para saber mais
ALBUQUERQUE, Enrique. Moral Social Cristiana: pensar y creer. Camino de liberación y de justicia.
Madrid: San Pablo, 2006.
AGUIRRE, Rafael. Reino de Deus e compromisso ético: conceitos fundamentais de ética teológica.
Petrópolis: Vozes, 1999. p.61-78.
CALLEJA, José Ignacio. Moral Social Samaritana I – Fundamentos e noções de ética econômica cristã.
São Paulo: Paulinas, 2006.
_______. Moral Social Samaritana II – Fundamentos e noções de ética política cristã. São Paulo:
Paulinas, 2009.
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