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Resumo de “Concessões, parcerias e regulação”, do Flavio Amaral.

Parte I – Geral

Capítulo 1

1.1. Introdução

O investimento em infraestrutura é fundamental para o crescimento econômico do


país, crescimento, esse, que é imprescindível à superação da nossa situação social
atrasada. Duas são as formas de se buscar tal investimento: diretamente pelo Poder
Público ou em colaboração com a iniciativa privada.

A primeira alternativa não se mostra viável em tempos de desarranjo das contas


públicas e de recessão econômica, restando a segunda como caminho mais viável à
realização dos investimentos em infraestrutura.

É importante lembrar que desde a Constituição da República de 1988 muitas foram as


tarefas assumidas pelo Poder Público, situação, essa, que trouxe enorme dificuldade à
gestão dos interesses coletivos. Como forma de racionalizar a sua atuação, passou o
Estado, então, sobretudo a partir de meados da década de 1990, a delegar à iniciativa
privada boa parte da gestão dos interesses coletivos. Os serviços públicos foram
atingidos de modo especial por esse novo paradigma do pensamento brasileiro, que
passou a ver nos agentes privados melhores executores de atividades econômicas,
categoria que abrange também os serviços públicos. De uma só vez, o Estado, com a
colaboração de agentes econômicos privados, promovia a eficiência na prestação do
serviço público, um mandamento constitucional, e desafogava as contas públicas do
peso excessivo das tarefas por ele, Estado, assumidas. O instrumento jurídico central
neste processo foi, e continua sendo, o contrato de concessão.

A concessão possui importantes características, todas elas decisivas para sua


incorporação à institucionalidade brasileira, que, considerando o cenário acima
relatado, clamava por uma nova forma de gestão dos interesses coletivos. Estas são
as principais vantagens que decorrem da concessão: (i) custeio de serviços públicos
pelos próprios usuários, aspecto concretizador da isonomia, uma vez que retira de
toda a sociedade a responsabilidade por serviços utilizados apenas por parcela da
comunidade; (ii) investimento privado, que substitui o público, desafogando, como dito,
as contas públicas; e (iii) melhor execução dos serviços públicos.
Por parte da iniciativa privada, o atrativo ficou por conta da longa duração dos
contratos de concessão, o que, além de gerar a devida previsibilidade, aspecto
fundamental do capitalismo, permite a amortização dos investimentos ao longo do
tempo, de modo a possibilitar o retorno do justo lucro.

A partir da implementação da concessão à realidade brasileira, passamos a prever a


atuação estatal direta, no âmbito dos serviços públicos, de modo subsidiário. Isso
significa que ao Poder Público cabe gerir diretamente tão somente as atividades que
não possuam potencial econômico relevante.

Ainda que tenha contribuído ao desenvolvimento socioeconômico do país nos últimos


anos, fato é que as concessões não se tornaram, nem poderiam ser, a panaceia
administrativista brasileira. Muito ainda deve ser feito nesta área, o que realça a
importância do estudo das concessões ainda hoje. Na verdade, o uso de tal
instrumento merece muito aprimoramento, de modo a gerar efetivos ganhos à
sociedade brasileira.

1.2. Concessão comum

Fundamento normativo: artigo 175, CR; Lei Federal nº. 8.987/95; e Lei Federal nº.
9.074/95. A LGL será aplicada de modo subsidiário, sempre que compatível com o
novo paradigma contratual.

O contrato de concessão é negócio jurídico que concretiza a delegação, pelo Estado,


da execução de um serviço público ou de uma obra pública a um agente econômico,
ficando a cargo deste último o risco da referida atividade. Suas premissas já foram
expostas no tópico anterior.

Diversamente dos contratos administrativos convencionais (LGL), os recursos


envolvidos na concessão não saem dos cofres públicos, sendo pagos, na verdade,
pelos usuários, mediante cobrança de tarifas, pelo uso do respectivo serviço ou bem
público.

Segundo a legislação brasileira, podem ser objeto de contrato de concessão a (i)


prestação de serviço público, (ii) o uso de bem público ou (iii) a execução de obra
pública, sendo o uso de bem público algo à parte dos outros dois, únicos que podem
ser chamadas de “concessões de infraestrutura”. Em nenhuma dessas hipóteses
ocorre a transferência da própria titularidade do bem ou do serviço, mas tão somente
do uso ou da execução.
Apesar de se tratar de um verdadeiro contrato, o que pressupõe partes opostas, a
concessão também conta com um elemento colaborativo, já que concedente e
concessionário buscam, cada um ao seu modo, a melhor execução do serviço público.
É bem verdade que em qualquer contrato conta com esse elemento colaborativo, em
razão do desenvolvimento da boa-fé. No entanto, aqui a colaboração é bem mais forte
do que nos contratos convencionais, pois fundamental para o bom desenrolar de uma
gestão que, no final, será compartilhada entre Pode Público e iniciativa privada.

A decisão pela concessão deve ser motivada, como deve ocorrer com toda atuação
estatal. No caso da concessão, contudo, há previsão legislativa expressa que impõe,
além da motivação, o detalhamento do objeto da concessão em momento anterior à
publicação do respectivo edital (artigo 5º, Lei Federal nº. 8.987/951).

1.2.1. Objeto

Três são os possíveis objetos da “concessão de infraestrutura”: (i) serviço público; (ii)
serviço público precedido de obra pública; e (iii) obra pública. Nota-se que, agora,
apenas duas hipóteses de concessão serão desenvolvidas, uma delas, a de serviço
público, desdobrada em outras duas. A concessão de bem público será estudado em
outra oportunidade.

O conceito de serviço público, que não é nossa preocupação principal neste


momento, abrange, de modo geral, as atividades essenciais à coletividade cuja
prestação é assegurada e regulada pelo Poder Público. São exemplos o transporte
coletivo, as telecomunicações, a distribuição de energia elétrica e o saneamento
básico.

No caso de serviço público precedido de obra pública, o objetivo também é a


prestação do serviço, mas que, para ser executado, necessitará da realização de obra
prévia. Exemplo: concessão de transporte público que depende da construção de
terminais rodoviários.

Por fim, na hipótese de obra pública, a concessão entrega ao terceiro a execução de


um empreendimento que, mais tarde, será utilizado, e também remunerado, por grupo
específico de pessoas. Aqui não há serviço público posterior, mas tão somente a
exploração econômica do bem construído. Exemplo: arena esportiva.

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Art. 5º O poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a
conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo.
Um aspecto relevante, no caso da obra pública, é que o futuro fruidor do bem será tido
como mero consumidor, e não como usuário de serviço público, categoria, essa, que
possui rol próprio de direitos.

1.2.3. Concedente, concessionário e usuários

A concessão, de modo geral, conta com uma relação com quatro eixos: (i) poder
concedente; (ii) concessionário; (iii) usuários; e (iv) ente regulador do serviço público.

O poder concedente é o ente público a quem pertence o serviço público concedido. A


delegação do serviço não retira do poder concedente a responsabilidade de ao menos
fiscalizar a execução do serviço. Seu dever, a partir da concessão, é a de zelar pela
boa prestação do serviço público.

O concessionário é o agente econômico que assume a execução do serviço público.


Seu objetivo é obter lucro. São sempre pessoas jurídicas, que podem até se reunir em
consórcios ou formar Sociedades de Propósito Específico (SPE), cuja utilidade, no
último caso, é a de segregar a prestação do serviço das demais áreas de atuação do
concessionário.

A legislação, em alguns casos, dotou o concessionário de prerrogativas que são


próprias do Poder Público, como, por exemplo, a execução, e tão somente ela, de
desapropriações necessárias à prestação do serviço público concedido.

Por outro lado, apesar de continuar regida pelas regras de direito privado, a atuação
do concessionário sofre algumas mitigações de ordem pública, todas elas
relacionadas exclusivamente à prestação do serviço público concedido. Um exemplo
simples seria a publicidade da contabilidade das atividades relativas à prestação do
serviço.

Os usuários são os cidadãos que se valem do serviço público, em regra, mediante o


pagamento da tarifa correspondente. Não se confundem com consumidores, categoria
regida pelo direito privado e com rol distinto de direitos (Lei Federal nº. 13.460/17).
Distinção relevante entre usuário e consumidor consiste na necessidade, às vezes, de
o usuário ter que custear o ingresso de outro usuário no sistema ou pagar mais do que
convém em prol da sustentabilidade do serviço, algo que ocorre com menor
intensidade entre os consumidores. Isso ocorreu, por exemplo, durante a crise
energética de 2001, quando alguns usuários foram sobretarifados em prol de todo o
sistema de fornecimento de energia elétrica. O fato de o CDC ser aplicado em
algumas hipóteses envolvendo serviços públicos não é suficiente para igualar as duas
figuras. Seus direitos, deveres e contextos jurídicos são distintos, apesar de, às vezes,
aproximarem-se bastante.

Ente regulador é o órgão estatal, costumeiramente uma autarquia, que edita as


normas responsáveis por regular a prestação do serviço público, sempre de olho no
equilíbrio entre os demais envolvidos.

1.2.4. Prazo

Como dito antes, a concessão de infraestrutura envolve investimentos privados


relevantes. A necessidade de amortização de tais investimentos e a expectativa do
justo lucro impõem à concessão uma duração mais prolongada, de modo que o
referido retorno ao agente econômico possa ocorrer mediante a cobrança de tarifas
módicas.

A Lei Federal nº. 8.987/95 não prevê prazos mínimo e máximo. Apenas determina
que o prazo deva necessariamente constar do contrato de concessão. Ao
administrador caberá optar pelo melhor formato, deixando demonstrado, de modo
racional e segundo as peculiaridades da concessão, a necessidade daquele ou de
outro prazo.

1.2.5. Remuneração: tarifas e receitas alternativas

Diga-se, mais uma vez, que a remuneração dos contratos de concessão advém das
tarifas que são pagas pelos usuários do serviço público. No caso das obras, a
remuneração se dá pelo pagamento de preços pelos consumidores da
infraestrutura, quantia que é arbitrada com maior liberdade pelo agente econômico.
Em regra, portanto, a concessão não conta com investimento público.

É premissa da concessão sua autossustentabilidade financeira. No entanto, é


possível, de modo excepcional, a previsão de subsídios públicos. Tal formato não se
confunde com as concessões patrocinadas, que têm na sua essência a partilha de
responsabilidade financeira entre concedente e concessionário.

A concessão permite, ainda, que o concessionário explore outras formas de


remuneração, que são chamadas de receitas alternativas ou não tarifárias (artigo
11 da Lei Federal nº. 8.987/952). Sua grande utilidade é permitir que o concessionário
retire de outras fontes o retorno que pretende com a concessão, de modo a aliviar a
massa tarifária de parte do custeio da concessão. Caberá ao edital sua previsão e
detalhamento.

Importante, neste ponto, que a Administração se valha de todas as possibilidades


institucionais para formatar a melhor concessão possível, não deixando de fora
nenhuma possibilidade de exploração econômica alternativa ou acessória. Ao
determinar que tais receitas devam constar do equilíbrio econômico inicial do contrato,
parece que a legislação impõe a previsão das fontes alternativas logo de início,
quando da publicação do. Todavia, essa previsão é meramente preferencial, pois seria
contraproducente impedir que novas receitas fossem criadas durante a concessão. A
meu ver, o incremento superveniente de receita, que é direito da concessionária, pode
caracterizar negligência do gestor público, e a correlata responsabilização, pois, caso
existisse desde o início da concessão, a receita alternativa ajudaria na modicidade das
tarifas.

Ainda sobre as receitas alternativas, importante que o contrato preveja a partilha de


seu ganho entre o concessionário e a massa tarifária, de forma a incentivar sua
exploração. Isso porque, caso a receita alternativa seja exclusivamente utilizada na
modicidade das tarifas, pouco incentivo haverá para sua exploração.

1.2.6. Riscos

Também já foi dito que o risco da exploração do serviço público, na concessão, fica
inteiramente a cargo do concessionário. No entanto, essa afirmação deve ser lida com
cuidado. Isso porque, depois de alguns anos de estudos sobre o assunto, chegou-se à
conclusão de que a repartição tradicional de riscos, com a álea ordinária às custas do
agente econômico e a álea extraordinária às custas da Administração, não seria
suficiente para abarcar a complexidade das concessões. Dessa forma, é aconselhável
que cada contrato preveja sua própria matriz de riscos, adaptada às peculiaridades de
cada serviço público.

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Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente
prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes
provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com
ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art.
17 desta lei.
Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas
para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
1.2.7. Licitação

A Lei Federal nº. 8.987/95 prevê licitação, na modalidade concorrência, para toda e
qualquer concessão, observadas algumas peculiaridades. Uma dessas peculiaridades
é a possibilidade de inversão de fases (artigo 18-A), a partir do quê a habilitação, que
será precedida do julgamento das propostas, ocorrerá apenas em relação ao mais
bem classificado. É possível, ainda, prever etapa de oferecimento de lances no
julgamento das propostas, algo que não ocorre na LGL.

São estes os possíveis critérios de julgamento: (i) o menor valor da tarifa do serviço
público a ser prestado; (ii) a maior oferta, nos casos de pagamento de outorga; (iii)
combinação, dois a dois, entre menor tarifa, maior outorga ou maior outorga depois da
qualificação das propostas técnicas; (iv) melhor proposta técnica, hipótese em que o
preço já será fixado no edital; (v) combinação entre menor tarifa e melhor técnica; (vi)
maior outorga e melhor técnica; (vii) maior outorga, depois da qualificação das
propostas técnicas.

Por fim, também é possível o manejo do leilão para a escolha do concessionário


quando a concessão estiver no contexto de programa federal de desestatização (artigo
4º, “caput”, VI, e § 3º, da Lei Federal nº. 9.491/97).

1.2.8. Formas de extinção das concessões

Diversas são as formas de uma concessão ser encerrada. A mais comum delas é pelo
decurso do prazo de sua vigência. Outra forma que não exige muito esforço para
sua compreensão é o distrato, que consiste no encerramento antecipado da
concessão por acordo entre o poder concedente e o concessionário. As formas mais
famosas, contudo, são a encampação e a caducidade.

A encampação é a retomada do serviço público pelo poder concedente, de modo


unilateral, depois da devida autorização legislativa e do pagamento da justa
indenização (artigo 37 da Lei Federal nº. 8.987/95). Apesar de a lei, quando trata da
indenização, fazer referência tão somente aos bens reversíveis, parece-me que
qualquer outra investimento ainda não amortizado também deve ser indenizado, sob
pena de haver violação à propriedade privada. Apesar de a maior parte da literatura
entender de modo diverso, a meu ver, não é devido, contudo, o pagamento da
expectativa de lucro que existia para todo o contrato, o que se convencionou chamar
de lucro cessante, bastando a “reparação” do prejuízo suportado pelo parceiro privado
(artigos 36 e 37 da Lei Federal nº. 8.987/95 c/c artigo 402 d o Código Civil). Portanto,
deve ser indenizado todo e qualquer prejuízo demonstrado pelo outrora
concessionário. Ainda sobre a encampação, há quem defenda ser inconstitucional a
exigência de prévia autorização legislativa, por violar a separação dos poderes.
Todavia, não existe qualquer indicativo de que o STF adotará tal entendimento em
julgamento próximo.

Diante desses apontamentos, a encampação pode ser considerada hipótese de


responsabilidade civil do estado por ato lícito.

A caducidade, por sua vez, consiste na extinção da concessão pela sua má execução
(artigo 38 da Lei Federal nº. 8.987/95). Por se tratar de verdadeira sanção contratual,
sua imposição deve ser precedida do devido processo legal. Neste caso, a
indenização é bem mais restrita, cabendo apenas em relação aos bens já adquiridos
pelo concessionário, mas que, com a caducidade, passariam a fazer parte do acervo
público, mediante a respectiva reversão. Aqui, indenização mais ampla representaria
premiar a ineficiência do agente privado, o que não deve ser admitido. Sua
formalização se dará por decreto, sendo desnecessária, e até incabível, autorização
legislativa prévia.

O contrato de concessão pode ainda ser extinto por decisão judicial. E duas são as
causas que podem levar o Judiciário a extinguir um contrato de concessão, quais
sejam: (i) inadimplemento pelo poder concedente; e (ii) nulidade na licitação ou no
próprio contrato. No primeiro caso, está-se diante de rescisão determinada por
decisão judicial, única forma de o concessionário obter a extinção da concessão. Pode
ser que o Judiciário suspenda os serviços de forma antecipada, protegendo o
concessionário, assim, do arbítrio estatal. No entanto, jamais poderá o concessionário
paralisar, por conta própria, os serviços a ele entregues. A segunda hipótese de
extinção judicial é a anulação do contrato de concessão, que terá como causa de
pedir a nulidade da licitação ou do próprio contrato. Lembrando que também cabe à
Administração anular a concessão quando tiver contato com qualquer ilegalidade,
desde que observe, para tanto, o devido processo legal.

Por fim, o desaparecimento do concessionário, por meio da falência ou não,


também é hipótese de extinção do contrato de concessão (artigo 35, VI, da Lei Federal
nº. 8.987/95)
1.3. Parcerias público-privadas (PPPs)

1.3.1 Concessões patrocinadas e concessões administrativas

Fundamento normativo: Lei Federal nº. 11.079/04.

Antes de qualquer coisa, vale dizer que a expressão “parceria público-privada” possui
duas conotações. Uma primeira abrange toda e qualquer parceria entre o Poder
Público e a iniciativa privada; num segundo sentido, a expressão abarca tão somente
os contratos de concessão especial. É do segundo grupo que trataremos aqui.

As premissas das parcerias público-privadas (PPPs) são as mesmas da concessão


comum: desafogo das contas públicas, necessidade de altos investimentos em
infraestrutura e maior eficiência na prestação dos serviços públicos. Trata-se, apenas,
de mais um instrumento adicionado ao cabedal estatal para a gestão dos interesses
coletivos.

As PPPs, quando comparadas com as concessões comuns, são mais adequadas aos
objetos que não podem ser executados tão somente pela iniciativa privada, tamanho o
investimento que sua realização requer. Aqui, há a necessidade de maior segurança
ao agente econômico quanto ao devido retorno, já que a execução do serviço público
demandará investimentos ainda mais substanciais.

Dois são os tipos de PPPs: (i) concessão patrocinada; e (ii) concessão administrativa.

A concessão patrocinada consiste na parceria que será remunerada tanto pelas


tarifas pagas pelos usuários do serviço público como por recursos do ente concedente.
Importante não confundir com a possibilidade de instituição de subsídios no âmbito
das concessões comuns. A escolha pela concessão patrocinada, em detrimento da
concessão comum, é excepcional, já que a preferência deve recair sobre o modelo
que mais desonerar os cofres públicos.

Por sua vez, a concessão administrativa consiste na parceria que, apesar de ter
como objeto um serviço público “específico”, não poderá ser custeado pelos próprios
usuários, cabendo ao Poder Público a remuneração integral do serviço. Pode
envolver, ou não, execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (artigo 2º, §
2º, da Lei Federal nº. 11.079/04). Seu principal intuito é transferir à iniciativa privada a
gestão de um interesse coletivo relevante que não pode ser custeada diretamente
pelos beneficiários imediatos.
Principais diferenças entre os dois tipos de PPPs: (i) remuneração, que é repartida
entre concedente e massa tarifária nas concessões patrocinadas, mas custeada
integralmente pelo Poder Público nas concessões administrativas; (ii) objeto
contratual, que é exclusivo de serviços públicos nas concessões patrocinadas, mas
que pode ser algo diverso, como serviços administrativos, nas concessões
administrativas.

Os contratos de concessão administrativa não se confundem com os contratos


administrativos tradicionais, pois sua remuneração pode variar segundo o
desempenho do contratado (artigo 6º, Lei Federal nº. 11.079/04), a responsabilidade
pelo financiamento é compartilhada, o escopo é menos fechado e o prazo de vigência
é mais dilatado, podendo variar entre cinco e trinta e cinco anos.

Já, os contratos de concessão patrocinada se diferenciam da concessão comum nos


seguintes aspectos: em regra, na concessão comum o pagamento é feito
exclusivamente por tarifas, enquanto que na concessão patrocinada a remuneração é
compartilhada entre o poder concedente e a massa tarifária; o objeto da concessão
patrocinada é, em sua essência, dependente de financiamento plural, ao passo que na
concessão comum o objeto deve ser, em regra, autossustentável.

1.3.2. “Value for Money”

Procedimento que auxilia na fundamentação da escolha da PPP, que, por sua vez, só
se justifica diante de evidentes razões administrativas e econômicas.

1.3.3. Partes

Para a celebração da PPP, o contratado deverá criar uma SPE, de modo a segregar
a atuação à frente da parceria das suas demais atividades econômicas (artigo 9º, Lei
Federal nº. 11.079/04).

1.3.4. Prazo e valor

O prazo da PPP pode variar entre cinco e trinta e cinco anos, segundo as
peculiaridades de cada situação. A necessidade de amortização do investimento
privado, a obtenção do respectivo lucro, o tamanho do investimento estatal são
elementos essenciais na definição da vigência contratual.

O valor mínimo do objeto, para que seja utilizada uma PPP, é de R$ 10 milhões.
Todavia, qual o critério para aferir o valor do objeto contratual: o conjunto dos
investimentos necessários, o total da remuneração ou tão somente a parcela de
investimento estatal? Flavio Amaral entende que qualquer das opções pode mostrar-
se razoável na prática.

1.3.5. Órgão gestor

Voltada apenas para a União nesta parte, a Lei Federal nº. 11.079/04, em seu artigo
14, determinou a criação, mediante decreto, de órgão gestor das parcerias público-
privadas. A ideia foi centralizar as decisões acerca de projetos mais relevantes, de
modo a não existir antagonismo ou superposição entre diversos projetos de PPPs,
tipos de parcerias que, como dito inúmeras vezes, necessitam de elevado
investimento estatal e privado.

Apesar de não vincular Estados e Municípios neste ponto, a referida centralização


parece tratar-se de saudável tendência em termos de PPPs.

1.3.6. Remuneração

Uma grande inovação do sistema de PPPs foi, e é, a previsão de remuneração por


desempenho. Aqui, cria-se modelo de incentivos à boa gestão dos serviços públicos.
Importante dizer que não estamos falando de glosa ou de sanções, condutas que,
apesar de também constarem do contrato de PPP, fazem parte da essência de outro
modelo de execução contratual. Há quem defenda que a remuneração por
desempenho é verdadeira concretização da eficiência, podendo até ser estendida a
outros tipos de contratos administrativos.

Outro aspecto importante da remuneração é o momento a partir do qual o Estado


passará a remunerar o concessionário. Isso porque a Lei Federal nº. 11.079/04, em
seu artigo 7º, prevê que o ente público só poderá investir sua parcela depois de
concluída a etapa de implantação, com a devida disponibilização, da infraestrutura a
cargo do concessionário. O edital pode prever que o ente público participe diretamente
da construção ou aquisição de bens, desde que reversíveis à Administração.
Formas de remuneração pelo ente público: (i) ordem bancária; (ii) cessão de créditos
não tributários; (iii) outorga de direitos em face da Administração; (iv) outorga de
direitos sobre bens públicos dominicais; e (v) outro meios permitidos em lei. Isso tudo
na concessão administrativa, uma vez que na concessão patrocinada a única forma de
remuneração é a prestação pecuniária. É possível, ainda, que a contraprestação
pública se dê por meio da transferência de bens ao concessionário, cabendo ao
contrato determinar quais serão reversíveis.

No caso da concessão patrocinada, a parcela devida pelo ente público está limitada, a
princípio, a 70% do valor do objeto contratual. Todavia, caso seja necessário
ultrapassar tal patamar, deverá existir autorização legislativa específica.

1.3.7. Condicionantes fiscais das PPPs

Seguindo um movimento de responsabilidade fiscal que surgiu no final dos anos 1990,
a Lei Federal nº. 11.079/04, ao entender que a instituição de uma PPP gera
considerável endividamento ao Poder Público, estabeleceu mecanismos de controle
dos gastos públicos relativos às parcerias público-privadas. Esses mecanismos de
controle serão aqui chamados de “condicionantes fiscais”. No artigo 10 é que
encontramos a maior parte dessas condicionantes fiscais, cuja lista inclui as seguintes
medidas: (i) compatibilidade das despesas relativas à PPP com as metas fiscais; (ii)
elaboração do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva viger a
PPP; (iii) declaração de compatibilidade, pelo ordenador de despesa, com a legislação
orçamentária; (iv) a estimativa do fluxo de recursos públicos suficientes ao
cumprimento da PPP; e (v) previsão no PPA vigente quando da assinatura do
contrato.

Também com viés de austeridade fiscal, ou de responsabilidade fiscal, a Lei Federal


nº. 11.079/04, em seu artigo 28, veda à União conceder garantias ou transferir verbas
voluntárias a Estados e Municípios quando estes tiverem comprometido, no exercício
anterior, cinco por cento ou mais da receita corrente líquida com parcerias já
contratadas. A mesma vedação vale para as hipóteses em que Estados e Municípios
projetarem, nos dez anos seguintes, despesas com PPPs que equivalham a cinco por
cento ou mais de sua corrente líquida dos respectivos exercícios financeiros.

1.3.8. Riscos
No âmbito contratual, riscos são fatos futuros, com certa previsibilidade, mas
indesejados pelas partes. Sua ocorrência pode desiquilibrar a relação contratual, a
ponto de tornar, em alguns casos, excessivamente onerosa a respectiva execução.

A Lei Federal nº. 11.079/04, em seu artigo 4º, VI, impõe às PPPs a repartição objetiva
de riscos, de modo a gerar maior segurança jurídica na condução da parceria. A
repartição prévia da responsabilidade pelos riscos contratuais também reduz as
chances de litígios entre as partes, já que, uma vez ocorrido tal ou qual risco, essa ou
aquela providência já terá seu responsável identificado.

Esses dois fatores, incremento da segurança jurídica e redução das chances de


litígios, quando combinados, podem reduzir de forma significativa o custo da operação,
gerando mais economia ao ente público e à massa tarifária. Isso porque, caso o
parceiro privado tenha receio de algum custo adicional, certamente o precificará em
sua proposta, gerando, assim, preços mais elevados à coletividade. Uma segunda
vantagem é o potencial incentivo à não ocorrência do risco, já que cada parte
contratual atuará para mitigar a possibilidade de efetivação do risco cuja
responsabilidade a ela caberá.

A repartição de riscos não implica na entrega total da responsabilidade de um risco


específico a uma das partes. Pode ocorrer o compartilhamento de riscos específicos,
desde que essa seja a melhor forma de lidar com a situação. Aliás, a entrega do risco
a uma das partes deve considerar a melhor posição tanto para evitá-lo como para com
ele lidar.

Importante pontuar que a remuneração do parceiro privado deve corresponder ao nível


de risco ao qual será submetido. Não se justifica, por exemplo, prever uma taxa de
lucro mais elevada, se, diante da partilha de riscos, a maior parte fique sob a
responsabilidade do parceiro público.

Em relação a casos fortuitos ou de força maior, o recomendável é jogar sobre o Poder


Público a respectiva responsabilidade.

Um risco específico: licenciamento ambiental moroso. A Lei Federal nº. 11.079/04,


em seu artigo 10, VII, condiciona a abertura da licitação à obtenção da licença
ambiental ou, em seu lugar, da edição de normas orientadoras de sua busca pelo
concessionário, que, então, passará a ser o responsável pela obtenção da licença
ambiental. A prática tem demonstrado que o Poder Público consegue a licença com
maior facilidade, o que, contudo, não representa regra absoluta e universal. O que
deve ficar claro, aqui, é a inexistência de modelo preferencial de alocação de riscos
ambientais, podendo cada PPP partir de uma entrega exclusiva ao Poder Público,
passando pela possibilidade de compartilhamento dos riscos entre as partes, ou até
mesmo de completa atribuição ao concessionário. Todavia, qualquer escolha deve ser
devidamente justificada, sempre segundo boas evidências e argumentos econômicos
e administrativos racionais.

Importante pontuar que o licenciamento ambiental, em si, não é um risco contratual. A


demora na sua obtenção, ou até mesmo a sua negativa, algo que não é esperado
pelas partes, é que pode gerar inconveniências à execução contratual.

1.3.9. Sistema de garantias

Um dos grandes riscos envolvendo projetos estatais de longo prazo é a possibilidade


de inadimplemento pelo Poder Público. Não são poucos os exemplos históricos em
que o ente público acaba descumprindo suas obrigações financeiras frente a parceiros
ou partes antagônicas, deixando projetos inacabados ou abandonados.

Para mitigar tal risco, a Lei Federal nº. 11.079/04 prevê sistema de garantias
remuneratórias que devem ser providenciadas pelo Poder Público. O rol principal de
garantias consta do artigo 8º, que prevê os seguintes instrumentos: (i) vinculação de
receitas, ressalvadas aquelas provenientes de impostos; (ii) instituição de fundos
especiais; (iii) contratação de seguro-garantia prestado por companhias não
controladas pelo Poder Público; (iv) garantias prestadas por organismos internacionais
ou instituições financeiras não controladas pelo Poder Público; (v) garantias prestadas
por fundo garantidor ou estatal criada para tal função; e (vi) outros mecanismos
admitidos em lei.

Além das garantias a cargo do ente público, existe a possibilidade de o parceiro


privado garantir as obrigações assumidas perante outros agentes econômicos, como,
por exemplo, instituições financeiras. Neste caso, pode o parceiro privado “entregar”
as receitas futuras decorrentes da PPP, inclusive com a emissão direta do empenho
em nome dos financiadores do projeto (artigo 5º, § 2º, II, da Lei Federal nº. 11.079/04).

Vale dizer, ainda sobre as garantias, que a instituição de fundo garantidor em hipótese
alguma representa fraude ao regime dos precatórios, uma vez que tal forma de
execução dos débitos públicos recai sobre condenações judiciais à Fazenda Pública,
situação bem diversa do formato agora discutido.
De modo a tornar “mais líquida” a garantia do fundo garantidor, o que é benéfico para
a PPP de um modo geral, a legislação prevê (i) a possibilidade de contratação, pelo
próprio fundo, de instrumentos disponíveis no mercado para a garantia a ele atribuída;
(ii) prazo de 15 dias para que o fundo seja acionado em relação aos créditos aceitos,
mas não pagos; (iii) prazo de 45 dias para que o fundo seja acionado em relação aos
créditos constantes de faturas já emitidas, mas não aceitas pelo ente público; e (iv) o
fundo só rejeitará faturas se apresentar a devida justificativa; e (v) hipótese de
aceitação tácita da fatura apresentada pelo parceiro privado.

1.3.10. Licitação

Como qualquer outro contrato administrativo, a celebração de uma PPP deve ser
precedida de licitação. Ainda que não seja o caso de muito escrever sobre licitação
neste tópico, importa tecer breves comentários acerca do procedimento licitatório que
antecedente à celebração da PPP.

Toda e qualquer licitação possui fases interna e externa. Antes de ganhar as ruas, o
procedimento licitatório deve encontrar dentro da Administração um espaço de
reflexão, maturação e desenvolvimento. No caso das PPPs, esse processo se inicia
com um estudo técnico acerca da viabilidade do empreendimento, que é logo
submetido ao órgão gestor. O referido estudo deverá, de modo necessário, abordar os
aspectos técnicos, econômico-financeiros e administrativos da parceria, detalhando,
inclusive, a preferência de sua escolha frente às demais opções que a Administração
possui para concretizar este ou aquele interesse coletivo, como a concessão comum
ou a prestação direta.

O estudo técnico ajudará, ainda, a Administração a enfrentar todas aquelas


condicionantes fiscais, uma vez que já permitirá a identificação, com clareza, dos
gastos que serão criados a partir da implementação da PPP. A depender do momento
da assinatura do contrato da PPP, se no mesmo ou em outro exercício financeiro,
pode ser que o estudo técnico necessite passar por atualizações (artigo 10, § 2º, da
Lei Federal nº. 11.079/04). Vale lembrar, pois já dito antes, que as condicionantes
fiscais também devem ser enfrentadas na fase de preparação, ou fase interna, da
PPP, de modo que, quando publicado o edital, nenhum entrave administrativo afete o
bom andamento da licitação e do posterior contrato.

A preparação das minutas do edital e do contrato é outra importante etapa da fase


interna. Aqui, basta citar que a legislação prevê uma série de requisitos ao gestor
público, não sendo conveniente, todavia, a transcrição de cada um deles (artigo 11 da
Lei Federal nº. 11.079/04). Parece aplicável também às PPPs a regra que determina a
aprovação das minutas do edital e do contrato pelo órgão jurídico que assessora a
Administração.

A meu ver, antes do encerramento da fase interna, diante da relevância das PPPs,
todo o material elaborado até aqui deve ser submetido a consulta pública, de forma a
permitir a ampla participação social na formulação de projetos que buscam justamente
a realização de um interesse coletivo. Sem essa medida, parece-me que todo o
processo perde sua legitimidade, não podendo sequer prosseguir.

É bem verdade que a lei já determina providência semelhante, mas restringindo-se às


minutas do edital e do contrato, o que, para mim, é insuficiente (artigo 10, VI). A
consulta pública, segundo a lei, deve durar, no mínimo, 30 dias, não podendo o edital
ser publicando antes de ultrapassados 7 dias do término da consulta. A meu ver,
melhor seria prever que o edital só poderia ser publicado depois de respondidas todas
as questões levantadas pela sociedade, e não pela mera contagem de dias após o
término da consulta pública. Cabe à Administração responder a cada questionamento,
justificando sua rejeição ou adoção.

Publicado o edital, inicia-se a fase externa da licitação. Aqui, por mandamentos


contidos na LGL, e não na Lei Federal nº. 11.079/04, deve-se respeitar prazo mínimo
entre a publicação do edital e o recebimento das propostas ou da realização do
evento.

Outro mandamento da LGL que se aplica às PPPs é o que impõe a abertura do edital
à sociedade, por meio de impugnação ou de pedido de esclarecimento.

A licitação da PPP deverá ocorrer por meio da concorrência, nos moldes como
estrutura pela LGL. O procedimento pode contar com etapa de qualificação das
propostas técnicas, que deverá observar parâmetros objetivos de julgamento (artigo
12, I, da Lei Federal nº. 11.079/04). Importante dizer que não se está falando da
qualificação técnica prevista na LGL (artigo 30), que recai sobre a licitante, para fins de
análise de sua experiência e capacidade de execução, e não sobre sua proposta.

São estes os critérios que podem ser adotados no julgamento das propostas numa
licitação de PPP: (i) menor valor da tarifa; (ii) menor tarifa e melhor técnica; (iii) menor
contraprestação pela Administração Pública; (iv) melhor técnica e menor
contraprestação pela Administração.
As propostas econômicas podem ser apresentadas de modo escrito ou em viva voz,
em sede de leilão (artigo 12, III). Nesta etapa de lances, as ofertas ocorrerão na ordem
inversa à da classificação inicial, podendo o edital limitar a participação dos ofertantes
àqueles que tiverem proposta inferior a 1,2 vezes da proposta classificada em
primeiro.

Assim como na concessão comum, é possível a inversão de fases na licitação de uma


PPP, medida que torna o procedimento bem mais célere e racional.

Por fim, como consequência de um formalismo moderado, a Lei Federal nº.


11.079/04 permite, de modo expresso, que incorreções e impropriedades formais
podem ser corrigidas, pelos licitantes, ao longo da licitação, de modo a evitar que
questões formais impeçam a busca pela melhor proposta.

1.4. Arbitragem nos contratos concessionais

Atualmente, acredita-se que a inclusão de convenções arbitrais em contratos


administrativos tornará a contratação pública mais atraente para um maior número de
agentes econômicos, aumentando, assim, a competição em torno do objeto contratual
e, como consequência, reduzindo o respectivo custo. Em outras palavras, contratos
administrativos com convenções arbitrais gerariam mais benefícios à Administração.

Em parte, é do próprio Judiciário a responsabilidade pela aversão empresarial à


jurisdição estatal, já que, além de muito demorada, tem resolvido conflitos de maneira
“criativa” e desapegada a aspectos técnicos ou ao direito positivado.

Por outro lado, juntamente com a aversão à jurisdição estatal, existe o culto à
jurisdição privada, que, tirados os exageros, atua mais velozmente e com maior
expertise técnica.

A legislação brasileira já convive com a arbitragem há um bom tempo. No caso da


Administração, desde 2004, com a promulgação da Lei Federal nº. 11.079/04.
Todavia, foi com a alteração promovida pela Lei Federal nº. 13.129/15 é que o tema
ganhou maior amplitude.

A discussão, que até a Lei Federal nº. 13.129/15 passava pela extensão da
arbitragem, isto é, em quais contratos ela poderia ser utilizada, agora envolve a
profundidade da jurisdição privada. Dito de outro modo, quais são as situações, e não
mais quais contratos, podem ser submetidos à arbitragem?
Para responder a tal pergunta a doutrina tem desenvolvido três critérios, quais sejam,
(i) o nível de “publicização” do qual se reveste o litígio, se mais ou menos próximo de
uma matéria de ordem pública; (ii) a natureza patrimonial da pretensão; e (iii) a
disponibilidade do direito. Diga-se que a legislação brasileira dá maior ênfase aos dois
últimos critérios, ficando para a literatura jurídica o desenvolvimento do primeiro
critério.

Sobre o nível de “publicização” do litígio, não me parece possível, por exemplo,


permitir à arbitragem a declaração da inconstitucionalidade de uma lei, ainda que essa
decisão valha tão somente para as partes envolvidas na arbitragem. Por tratar da
higidez do ordenamento jurídico, esse tipo de decisão compete tão somente ao
Estado.

Por outro lado, é possível submeter à jurisdição estatal as pretensões de natureza


patrimonial que envolvam direitos disponíveis, o que, no último caso, representariam
direitos livremente manejáveis pelo gestor público. Não há qualquer dúvida que tais
características são encontradas nos contratos administrativos, sobretudo os de
concessão, seja ela comum, especial ou patrocinada. Estrutura tarifária, equilíbrio
econômico-financeiro e formas de pagamento são os grandes exemplos de matérias
que são perfeitamente “arbitráveis”.

O famoso e tradicional princípio da indisponibilidade do interesse público não pode


servir como obstáculo ao uso da arbitragem. Isso porque o referido princípio, caso
realmente exista, impõe ao gestor público uma atuação guiada pelo interesse coletivo,
e não por interesses deste ou daquele grupo específico. Assim, a atuação estatal deve
pautar-se pelas políticas e estratégias que trazem maior benefício à coletividade,
respeitados, em todo e qualquer caso, os direitos individuais.

Por fim, entendo relevante dizer que a literatura, de um modo geral, tem colocado
como premissa da arbitragem a consensualidade administrativa, paradigma do
pensamento liberal que visa à promoção do diálogo e da busca pelo consenso no seio
da Administração. No entanto, para mim, há uma incompreensão por quem assim
pensa. A arbitragem, como jurisdição que é, não busca soluções consensuais, mas
atua como substitutiva da vontade das partes. É imperativa, portanto. O máximo de
consensualidade na arbitragem é a escolha do procedimento e dos árbitros, o que, em
certa medida, pode ser feito também na jurisdição estatal. No fim, contudo, o árbitro
decidirá pela vitória de um e pela perda de outro. Consensualidade existe, de verdade,
quando a Administração busca solucionar seus conflitos por meio da mediação ou da
conciliação, onde Poder Público e particular conversarão, e decidirão, em pé de
igualdade, sem a brusca e direta intervenção de um terceiro.
2. Regulação

2.1. A regulação: estrutura e função

Diante do processo de desestatização - ou, se preferir, de privatização - dos serviços


públicos, o papel do Estado na organização dos interesses coletivos é completamente
alterado. Além de, na condição de entende concedente, ser o garantidor direto da boa
execução dos serviços públicos, ao Poder Público passou a caber, também, a função
de regulador desses mesmos serviços.

A regulação, portanto, insere-se no contexto de necessidade de eficiência dos serviços


públicos, que, agora, serão prestados por agentes privados. Para que a iniciativa se
interesse pelos serviços públicos, é fundamental que o respectivo cenário técnico-
jurídico conte com regras estáveis e racionais. Logo, para que o objetivo da
desestatização seja alcançado, é essencial que a regulação se dê de modo a criar um
ambiente negocial estável e, sob o viés do serviço público, tecnicamente racional. Em
outras palavras, o agente econômico só investirá se encontrar na PPP, ou na
concessão comum, uma oportunidade de lucro razoável, o que, como dito inúmeras
vezes, é mais fácil de se conseguir se o quadro normativo for estável e racional.

Diante desses elementos, entendeu-se que tal tarefa, a de regular a prestação do


serviço público, não poderia ficar a cargo do ente central, pois, enquanto parte da
concessão, poderia desequilibrar, ainda que inconscientemente, a relação contratual a
seu favor. Outro fator que recomenda o afastamento do ente central da regulação dos
serviços públicos é a possível ingerência que a política ordinária poderia exercer sobre
a formulação das normas regulatórias que, para que sejam estáveis e racionais,
necessitam de um olhar técnico e imparcial.

Também não seria o caso de entregar a regulação dos serviços públicos a entidade
privada, já que, pela sua posição “mercadológica”, poderia preferir satisfazer
interesses outros que não a eficiência do serviço público. É bem verdade que essa
tendência tem mudado bastante, sendo possível enxergar, já hoje, a possibilidade de
entes privados exercerem a regulação de serviços públicos. No entanto, quanto a isso
não há consenso nem na literatura especializada nem na praxe administrativa.

A solução, então, que não é perfeita, foi dotar um ente público, diverso do ente
concedente, da atribuição de editar normas regulatórias sobre serviços públicos. A
figura mais comum, como ente regulador, tem sido a autarquia, ainda que em regime
especial. A “especialidade” do regime dessas autarquias consiste, em linhas gerais, na
estabilidade do mandado de seus dirigentes e na maior autonomia frente ao ente
concedente. Sobre o regime especial das autarquias regulatórias, que no Brasil são
chamadas de agências reguladoras, tratarei mais adiante.

Essa opção pelas autarquias, como dito, entidades diversas do ente central, e com
maior autonomia frente a este, confirma uma alteração de organização administrativa
que já vem de alguns anos, qual seja, a criação de uma Administração policêntrica. Tal
qualificação decorre da nova forma de a Administração se organizar, não mais a partir
de um modelo estritamente hierarquizado, com o Chefe do Poder Executivo
funcionando como abóboda de todo a máquina administrativa, mas a partir de centros
autônomos e independentes, ou quase, de atribuições. Parece que esse novo formato,
além de ser um resultado natural da complexidade atua da sociedade, atende melhor
ao novo paradigma da Administração, que é a busca por melhores resultados ao
cidadão e à cidadã.

Nota-se, portanto, diante desses primeiros comentários, que a regulação assume,


neste novo cenário de desestatização, papel fundamental na boa gestão dos serviços
públicos. Sua função é organizar um ambiente propício para investimentos privados,
sem que isso resulte em prejuízo aos usuários e ao ente concedente. O equilíbrio
nessa relação triangular é o alvo a ser buscado pela regulação.

Com esse objetivo em mente, seria difícil entregar a regulação a qualquer dos
interessados diretos, ainda que seja aconselhável a participação de todos eles no
processo de elaboração de normas regulatórias. O melhor seria, e é, criar um ente
especializado na matéria, que, dotado de prerrogativas públicas, pudesse atuar de
modo independente tanto do poder político quanto do poder econômico. Dentro da
nossa institucionalidade, a figura mais adequada para tal tarefa é, sem dúvida, a
autarquia, que, quando se fala de regulação, ganha contornos um pouco diferentes.

2.2. O método dialógico da regulação

Conforme comentado acima, a regulação dos serviços públicos, e de outras atividades


econômicas, serve para manter um ambiente propício para sua boa prestação. Para
isso, deve ter em vista os interesses da coletividade, representada pelo próprio ente
central e pelos usuários, de dos agentes econômicos que executam diretamente a
atividade. Vê-se, então, que são diversos os interesses que devem ser considerados
pela entidade reguladora, não podendo nenhum deles se sobressair em relação aos
demais.
Parte da literatura tem denominado de “ponderação” a consideração, pela entidade
reguladora, dos diversos interesses envolvidos nos serviços públicos quando da
elaboração das normas regulatórias. Todavia, essa opção não me parece adequada.
Isso porque, no Brasil, o termo “ponderação” já está consagrado como técnica
decisória em casos de conflito entre normas-princípio. Sem aprofundar no tema, fato é
que, ao se valer dessa ponderação, o intérprete, ou o criador do direito, optará pela
norma-princípio que tiver mais peso em um caso concreto. Não é o que ocorre na
regulação, que deve buscar o equilíbrio entre os diversos interesses, ainda que, em
uma situação ou em outra, um deles ganhe um pouco de proeminência. Assim, utilizar
a mesma expressão para denominar coisas tão distintas não me parece a melhor
escolha. Prefiro falar em “consideração” de todos os interesses.

Chamemos de “ponderação” ou de “consideração”, fato é que a regulação deve contar


com a mais ampla participação dos envolvidos no serviço público regulado. Daí é que
se extrai a legitimidade da regulação, que, como dito, foi entregue a uma estrutura
independente do poder político, fora, portanto, da responsividade eleitoral. Não deve a
regulação ser feita de modo unilateral, mas por meio de atividade processual que
permita a maior participação possível de todos os interessados.

A participação deficiente no processo de elaboração das normas regulatórias, por culta


do ente regulador, e a ausência da devida justificativa quanto a esta ou aquela escolha
são hipóteses evidentes de nulidade do ato normativo, podendo assim ser decretada
pelo Judiciário.

Ainda sobre a participação, importante destacar que a LINDB passou a contar com
dispositivo que “sugere”, apesar de existir quem entenda que na verdade determina, à
Administração a realização de consulta pública antes da edição de seus atos
normativos (artigo 29, LINDB). Essa alteração legislativa só reafirma, agora para toda
a atividade administrativa, a tendência de processualização e de busca pelo diálogo,
que é chamada de consensualidade, na gestão pública.

2.3 A regulação do serviço público

A regulação é a atividade, de caráter técnico, que busca a criação e a manutenção do


ambiente mais propício à boa execução de um serviço público. Seu objetivo, portanto,
não é promover este ou aquele interesse específico, mas permitir que todos os
envolvidos tenham suas pretensões satisfeitas. No caso do ente concedente, a boa
prestação do serviço com o menor gasto possível. Para o agente econômico, o maior
retorno permitido pela atividade. Já, para o usuário, a melhor prestação à custa da
menor tarifa possível.

Para criar esse ambiente saudável ao serviço público, a regulação se espraia em três
áreas de atuação, quais sejam: normativa, executiva e judicante. Regular, portanto,
não é apenas editar normas, mas, também, fiscalizar o respectivo cumprimento e,
eventualmente, atuar como órgão solucionador de conflitos. É comum, e já ocorreu
neste trabalho, resumirmos a regulação à atividade normativa. Tal simplismo só tem
valia se servir para tornar a linguagem mais simples. Todavia, não se pode perder de
vista que a regulação vai além da atividade normativa, ainda que esta seja a mais
importante das áreas de atuação.

2.3.1. Regulação de serviços públicos e competição

Os serviços públicos podem ser executados sob o regime de competição ou de


monopólio. A regra é que o monopólio só seja escolhido pela imposição de razões
técnicas ou econômicas (artigos 7º, III, e 16 da Lei Federal nº. 8.987/95). Entende-se
que a competição é outra forma de incutir eficiência na prestação do serviço público,
uma vez que os prestadores buscarão otimizar seus ganhos a partir da conquista de
novos usuários. Essa realidade é mais ou menos enxergada no serviço de
telecomunicações.

Há quem defenda a existência de competição inter-serviços, situação que se


caracteriza pela possibilidade de o usuário optar, para uma mesma finalidade, por um
ou outro serviço. Não me parece se estar propriamente diante de uma competição,
mas é uma realidade que não pode ser ignorada por nenhum dos envolvidos na
prestação dos serviços públicos, nem mesmo pela própria entidade reguladora.

Existem situações, contudo, em que a disputa, em vez de ajudar, inviabiliza a atividade


econômica. É o caso dos monopólios naturais, situações que só comportam um
agente econômico como prestador da respectiva atividade. Nessas situações, a
regulação ganha ainda mais relevo, já que, na ausência da competição, será a maior
responsável pela eficiência no serviço público. O ente concedente também possui
papel fundamental nos casos de monopólio natural, pois deverá, já no edital e no
contrato, estabelecer regras que reduzam a ineficiência.
2.3.2. O serviço público adequado

Como dito antes, o papel da regulação é criar ambiente propício à boa execução do
serviço público. No entanto, o que seria um serviço público bem executado? A Lei
Federal 8.987/95, em seu artigo 6º, § 1º, determina que o serviço deve ser prestado à
generalidade dos usuários, continuamente, com tarifas módicas e de modo atual, e
regular, seguro, cortês e eficiente.

Não é o caso de detalhar o conteúdo de cada uma dessas exigências, já que nosso
assunto principal, agora, é a regulação. Todavia, a citação neste ponto do trabalho
serve para demonstrar uma das perspectivas que o regulador deve considerar quando
da formulação da norma regulatória. A outra perspectiva é a dos agentes econômicos,
que, de modo legítimo, buscam o maior ganho possível a partir da prestação do
serviço público. Em outras palavras, cabe à entidade reguladora estabelecer diretrizes
para que os agentes econômicos, sob o regime de competição ou não, busquem o
legítimo lucro, desde que observados padrões mínimos de eficiência na execução do
serviço público.

Por fim, importante dizer que as exigências do serviço público adequado são previstas
na lei de forma abstrata, cabendo ao ente concedente e à entidade reguladora a
concretização de tal conceito, o que deverá ocorrer segundo as peculiaridades de
cada serviço específico, sempre com ampla participação social.

2.4. A regulação e a livre iniciativa

A atividade regulatória deve atuar de modo a gerar um ambiente de negócios propício


à execução de qualquer atividade econômica, categoria, essa, que inclui os serviços
públicos. Nesse sentido, a regulação visa, no final das contas, a promover a livre
iniciativa, já que voltada, como dito, à formação e à manutenção de um bom ambiente
de negócios, algo essencial ao desenvolvimento dos projetos pessoais, essência da
livre iniciativa. Daí se nota que qualquer interferência descabida na livre iniciativa já
torna ilegítima a regulação.

É comum a afirmação de que a regulação deve ser interpretada, ou considerada, de


modo restritivo, pois é dos agentes privados o protagonismo econômico. Assim se
posicionam literatura especializada e jurisprudência. Todavia, não me parece uma
afirmação correta. Isso porque, a regulação deve possuir a amplitude e a extensão
necessárias ao bom funcionamento do mercado, para o quê pode variar entre uma
maior e uma menor intervenção, a depender das peculiares de cada situação. O
importante, aqui, é que toda atuação estatal seja fundamentada de forma racional e
com base em evidências científicas.

Apesar de possui pouca base empírica, voltou a ganhar força a ideia de que os
mercados funcionam melhor quando há pouca intervenção estatal. Essa é uma meia-
verdade, ou, melhor, uma meia-mentira. Não existe uma medida abstrata da regulação
ideal. O Poder Público, na regulação, deve identificar as necessidades e os interesses
envolvidos em um determinado mercado, para, então, editar normas que aprimorem o
funcionamento deste mesmo mercado. Ora o mais adequado será um menor volume
de normas, ora uma regulação mais intensa, tudo a depender da situação concreta. A
ideia de “mão invisível do mercado”, que nem mesmo na obra de Adam Smith possui
tanta relevância, não possui qualquer embasamento científico.

O que não pode ocorrer, em hipótese alguma, é a completa substituição da vontade do


agente econômico pelo desejo do Poder Público, o que significaria a total supressão,
da livre iniciativa. Não pode o Estado, por exemplo, escolher os empregados de uma
companhia privada, ainda que com tal medida busque interesses legítimos. Até
mesmo as estatais devem ser resguardadas de uma interferência nociva na liberdade
empresaria, ainda que, diante do mandato público que possuem as estatais, tal
proteção seja menos intensa. O ponto é demonstrar que, seja uma estatal ou não, a
livre iniciativa, ou liberdade empresarial, deve ser respeitada pelo Poder Público, não
podendo ser totalmente retirada dos agentes econômicos.

Assim, a livre iniciativa, como face econômica da liberdade que é, não pode ser
suprimida pelo Poder Público, ressalvadas aquelas situações de monopólio estatal,
que não representam propriamente supressão da livre iniciativa.

2.5. Análise de Impacto Regulatório (AIR)

A AIR é instrumento voltado à aferição, antes e depois, dos impactos que uma
determinada norma regulatória exerce sobre o mercado regulado. Seu objetivo é levar
um pouco de cientificidade ao campo da regulação, que por muitos anos foi
impregnada pela “politicagem” e pelo “achismo”. Com a promulgação da Lei Federal
nº. 13.874 (artigo 5º), a AIR passou a ser pressuposto obrigatório da atividade
regulatória.
2.6. Regulação e sanção

Como dito antes, a atividade regulatória é multifacetada. Seu conteúdo é formado por
atividades normativas, executivas e judicantes. Entre as atividades executivas está a
da fiscalização quanto ao cumprimento das normas já editadas. Se o objetivo da
regulação é induzir comportamentos, para o melhor funcionamento do mercado, é
correta a previsão de sanções para o caso de descumprimento das normas editadas
pela entidade reguladora.

Atualmente, a sanção não é o único instrumento de coerção ou indução de


comportamentos. A previsão de prêmios para aqueles que cumprirem o ordenamento
de modo espontâneo pode ter até mais eficácia que a sanção. O caso concreto, com
as suas peculiaridades, que indicará a melhor estratégia a se adotar. Há quem
defenda, para mim de modo correto, que a preferência deve ser dada às medidas de
cooperação e colaboração, como é a previsão de prêmios, por serem mais adequadas
em um Estado Constitucional, que visa à atuação coordenada do Poder Público com a
sociedade. Não está impedida a previsão de sanções pelas entidades reguladoras.
Todavia, para optar pelas sanções, a entidade reguladora deve demonstrar por que a
previsão de prêmios não funcionaria bem neste ou naquele caso específico. Além
disso, as sanções devem ser racionais e embasadas em critérios científicos tanto na
formulação do seu tipo como na aferição de sua pena.

Por fim, importante dizer que mesmo depois de impostas, as sanções podem ser
substituídas por outros investimentos. Trata-se do já existente, embora sem previsão
legislativa expressa, dos acordos substitutivos de sanção, que têm sido praticados
pelo país afora. Desde que não representem um verdadeiro perdão ao agente infrator,
como ocorreria no caso de se substituir uma sanção por um investimento que já era
devido pelo agente infrator, o acordo é plenamente possível, e até mesmo desejado.

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