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Parte I – Geral
Capítulo 1
1.1. Introdução
Fundamento normativo: artigo 175, CR; Lei Federal nº. 8.987/95; e Lei Federal nº.
9.074/95. A LGL será aplicada de modo subsidiário, sempre que compatível com o
novo paradigma contratual.
A decisão pela concessão deve ser motivada, como deve ocorrer com toda atuação
estatal. No caso da concessão, contudo, há previsão legislativa expressa que impõe,
além da motivação, o detalhamento do objeto da concessão em momento anterior à
publicação do respectivo edital (artigo 5º, Lei Federal nº. 8.987/951).
1.2.1. Objeto
Três são os possíveis objetos da “concessão de infraestrutura”: (i) serviço público; (ii)
serviço público precedido de obra pública; e (iii) obra pública. Nota-se que, agora,
apenas duas hipóteses de concessão serão desenvolvidas, uma delas, a de serviço
público, desdobrada em outras duas. A concessão de bem público será estudado em
outra oportunidade.
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Art. 5º O poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a
conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo.
Um aspecto relevante, no caso da obra pública, é que o futuro fruidor do bem será tido
como mero consumidor, e não como usuário de serviço público, categoria, essa, que
possui rol próprio de direitos.
A concessão, de modo geral, conta com uma relação com quatro eixos: (i) poder
concedente; (ii) concessionário; (iii) usuários; e (iv) ente regulador do serviço público.
Por outro lado, apesar de continuar regida pelas regras de direito privado, a atuação
do concessionário sofre algumas mitigações de ordem pública, todas elas
relacionadas exclusivamente à prestação do serviço público concedido. Um exemplo
simples seria a publicidade da contabilidade das atividades relativas à prestação do
serviço.
1.2.4. Prazo
A Lei Federal nº. 8.987/95 não prevê prazos mínimo e máximo. Apenas determina
que o prazo deva necessariamente constar do contrato de concessão. Ao
administrador caberá optar pelo melhor formato, deixando demonstrado, de modo
racional e segundo as peculiaridades da concessão, a necessidade daquele ou de
outro prazo.
Diga-se, mais uma vez, que a remuneração dos contratos de concessão advém das
tarifas que são pagas pelos usuários do serviço público. No caso das obras, a
remuneração se dá pelo pagamento de preços pelos consumidores da
infraestrutura, quantia que é arbitrada com maior liberdade pelo agente econômico.
Em regra, portanto, a concessão não conta com investimento público.
1.2.6. Riscos
Também já foi dito que o risco da exploração do serviço público, na concessão, fica
inteiramente a cargo do concessionário. No entanto, essa afirmação deve ser lida com
cuidado. Isso porque, depois de alguns anos de estudos sobre o assunto, chegou-se à
conclusão de que a repartição tradicional de riscos, com a álea ordinária às custas do
agente econômico e a álea extraordinária às custas da Administração, não seria
suficiente para abarcar a complexidade das concessões. Dessa forma, é aconselhável
que cada contrato preveja sua própria matriz de riscos, adaptada às peculiaridades de
cada serviço público.
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Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente
prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes
provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com
ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art.
17 desta lei.
Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas
para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
1.2.7. Licitação
A Lei Federal nº. 8.987/95 prevê licitação, na modalidade concorrência, para toda e
qualquer concessão, observadas algumas peculiaridades. Uma dessas peculiaridades
é a possibilidade de inversão de fases (artigo 18-A), a partir do quê a habilitação, que
será precedida do julgamento das propostas, ocorrerá apenas em relação ao mais
bem classificado. É possível, ainda, prever etapa de oferecimento de lances no
julgamento das propostas, algo que não ocorre na LGL.
São estes os possíveis critérios de julgamento: (i) o menor valor da tarifa do serviço
público a ser prestado; (ii) a maior oferta, nos casos de pagamento de outorga; (iii)
combinação, dois a dois, entre menor tarifa, maior outorga ou maior outorga depois da
qualificação das propostas técnicas; (iv) melhor proposta técnica, hipótese em que o
preço já será fixado no edital; (v) combinação entre menor tarifa e melhor técnica; (vi)
maior outorga e melhor técnica; (vii) maior outorga, depois da qualificação das
propostas técnicas.
Diversas são as formas de uma concessão ser encerrada. A mais comum delas é pelo
decurso do prazo de sua vigência. Outra forma que não exige muito esforço para
sua compreensão é o distrato, que consiste no encerramento antecipado da
concessão por acordo entre o poder concedente e o concessionário. As formas mais
famosas, contudo, são a encampação e a caducidade.
A caducidade, por sua vez, consiste na extinção da concessão pela sua má execução
(artigo 38 da Lei Federal nº. 8.987/95). Por se tratar de verdadeira sanção contratual,
sua imposição deve ser precedida do devido processo legal. Neste caso, a
indenização é bem mais restrita, cabendo apenas em relação aos bens já adquiridos
pelo concessionário, mas que, com a caducidade, passariam a fazer parte do acervo
público, mediante a respectiva reversão. Aqui, indenização mais ampla representaria
premiar a ineficiência do agente privado, o que não deve ser admitido. Sua
formalização se dará por decreto, sendo desnecessária, e até incabível, autorização
legislativa prévia.
O contrato de concessão pode ainda ser extinto por decisão judicial. E duas são as
causas que podem levar o Judiciário a extinguir um contrato de concessão, quais
sejam: (i) inadimplemento pelo poder concedente; e (ii) nulidade na licitação ou no
próprio contrato. No primeiro caso, está-se diante de rescisão determinada por
decisão judicial, única forma de o concessionário obter a extinção da concessão. Pode
ser que o Judiciário suspenda os serviços de forma antecipada, protegendo o
concessionário, assim, do arbítrio estatal. No entanto, jamais poderá o concessionário
paralisar, por conta própria, os serviços a ele entregues. A segunda hipótese de
extinção judicial é a anulação do contrato de concessão, que terá como causa de
pedir a nulidade da licitação ou do próprio contrato. Lembrando que também cabe à
Administração anular a concessão quando tiver contato com qualquer ilegalidade,
desde que observe, para tanto, o devido processo legal.
Antes de qualquer coisa, vale dizer que a expressão “parceria público-privada” possui
duas conotações. Uma primeira abrange toda e qualquer parceria entre o Poder
Público e a iniciativa privada; num segundo sentido, a expressão abarca tão somente
os contratos de concessão especial. É do segundo grupo que trataremos aqui.
As PPPs, quando comparadas com as concessões comuns, são mais adequadas aos
objetos que não podem ser executados tão somente pela iniciativa privada, tamanho o
investimento que sua realização requer. Aqui, há a necessidade de maior segurança
ao agente econômico quanto ao devido retorno, já que a execução do serviço público
demandará investimentos ainda mais substanciais.
Dois são os tipos de PPPs: (i) concessão patrocinada; e (ii) concessão administrativa.
Por sua vez, a concessão administrativa consiste na parceria que, apesar de ter
como objeto um serviço público “específico”, não poderá ser custeado pelos próprios
usuários, cabendo ao Poder Público a remuneração integral do serviço. Pode
envolver, ou não, execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (artigo 2º, §
2º, da Lei Federal nº. 11.079/04). Seu principal intuito é transferir à iniciativa privada a
gestão de um interesse coletivo relevante que não pode ser custeada diretamente
pelos beneficiários imediatos.
Principais diferenças entre os dois tipos de PPPs: (i) remuneração, que é repartida
entre concedente e massa tarifária nas concessões patrocinadas, mas custeada
integralmente pelo Poder Público nas concessões administrativas; (ii) objeto
contratual, que é exclusivo de serviços públicos nas concessões patrocinadas, mas
que pode ser algo diverso, como serviços administrativos, nas concessões
administrativas.
Procedimento que auxilia na fundamentação da escolha da PPP, que, por sua vez, só
se justifica diante de evidentes razões administrativas e econômicas.
1.3.3. Partes
Para a celebração da PPP, o contratado deverá criar uma SPE, de modo a segregar
a atuação à frente da parceria das suas demais atividades econômicas (artigo 9º, Lei
Federal nº. 11.079/04).
O prazo da PPP pode variar entre cinco e trinta e cinco anos, segundo as
peculiaridades de cada situação. A necessidade de amortização do investimento
privado, a obtenção do respectivo lucro, o tamanho do investimento estatal são
elementos essenciais na definição da vigência contratual.
O valor mínimo do objeto, para que seja utilizada uma PPP, é de R$ 10 milhões.
Todavia, qual o critério para aferir o valor do objeto contratual: o conjunto dos
investimentos necessários, o total da remuneração ou tão somente a parcela de
investimento estatal? Flavio Amaral entende que qualquer das opções pode mostrar-
se razoável na prática.
Voltada apenas para a União nesta parte, a Lei Federal nº. 11.079/04, em seu artigo
14, determinou a criação, mediante decreto, de órgão gestor das parcerias público-
privadas. A ideia foi centralizar as decisões acerca de projetos mais relevantes, de
modo a não existir antagonismo ou superposição entre diversos projetos de PPPs,
tipos de parcerias que, como dito inúmeras vezes, necessitam de elevado
investimento estatal e privado.
1.3.6. Remuneração
No caso da concessão patrocinada, a parcela devida pelo ente público está limitada, a
princípio, a 70% do valor do objeto contratual. Todavia, caso seja necessário
ultrapassar tal patamar, deverá existir autorização legislativa específica.
Seguindo um movimento de responsabilidade fiscal que surgiu no final dos anos 1990,
a Lei Federal nº. 11.079/04, ao entender que a instituição de uma PPP gera
considerável endividamento ao Poder Público, estabeleceu mecanismos de controle
dos gastos públicos relativos às parcerias público-privadas. Esses mecanismos de
controle serão aqui chamados de “condicionantes fiscais”. No artigo 10 é que
encontramos a maior parte dessas condicionantes fiscais, cuja lista inclui as seguintes
medidas: (i) compatibilidade das despesas relativas à PPP com as metas fiscais; (ii)
elaboração do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva viger a
PPP; (iii) declaração de compatibilidade, pelo ordenador de despesa, com a legislação
orçamentária; (iv) a estimativa do fluxo de recursos públicos suficientes ao
cumprimento da PPP; e (v) previsão no PPA vigente quando da assinatura do
contrato.
1.3.8. Riscos
No âmbito contratual, riscos são fatos futuros, com certa previsibilidade, mas
indesejados pelas partes. Sua ocorrência pode desiquilibrar a relação contratual, a
ponto de tornar, em alguns casos, excessivamente onerosa a respectiva execução.
A Lei Federal nº. 11.079/04, em seu artigo 4º, VI, impõe às PPPs a repartição objetiva
de riscos, de modo a gerar maior segurança jurídica na condução da parceria. A
repartição prévia da responsabilidade pelos riscos contratuais também reduz as
chances de litígios entre as partes, já que, uma vez ocorrido tal ou qual risco, essa ou
aquela providência já terá seu responsável identificado.
Para mitigar tal risco, a Lei Federal nº. 11.079/04 prevê sistema de garantias
remuneratórias que devem ser providenciadas pelo Poder Público. O rol principal de
garantias consta do artigo 8º, que prevê os seguintes instrumentos: (i) vinculação de
receitas, ressalvadas aquelas provenientes de impostos; (ii) instituição de fundos
especiais; (iii) contratação de seguro-garantia prestado por companhias não
controladas pelo Poder Público; (iv) garantias prestadas por organismos internacionais
ou instituições financeiras não controladas pelo Poder Público; (v) garantias prestadas
por fundo garantidor ou estatal criada para tal função; e (vi) outros mecanismos
admitidos em lei.
Vale dizer, ainda sobre as garantias, que a instituição de fundo garantidor em hipótese
alguma representa fraude ao regime dos precatórios, uma vez que tal forma de
execução dos débitos públicos recai sobre condenações judiciais à Fazenda Pública,
situação bem diversa do formato agora discutido.
De modo a tornar “mais líquida” a garantia do fundo garantidor, o que é benéfico para
a PPP de um modo geral, a legislação prevê (i) a possibilidade de contratação, pelo
próprio fundo, de instrumentos disponíveis no mercado para a garantia a ele atribuída;
(ii) prazo de 15 dias para que o fundo seja acionado em relação aos créditos aceitos,
mas não pagos; (iii) prazo de 45 dias para que o fundo seja acionado em relação aos
créditos constantes de faturas já emitidas, mas não aceitas pelo ente público; e (iv) o
fundo só rejeitará faturas se apresentar a devida justificativa; e (v) hipótese de
aceitação tácita da fatura apresentada pelo parceiro privado.
1.3.10. Licitação
Como qualquer outro contrato administrativo, a celebração de uma PPP deve ser
precedida de licitação. Ainda que não seja o caso de muito escrever sobre licitação
neste tópico, importa tecer breves comentários acerca do procedimento licitatório que
antecedente à celebração da PPP.
Toda e qualquer licitação possui fases interna e externa. Antes de ganhar as ruas, o
procedimento licitatório deve encontrar dentro da Administração um espaço de
reflexão, maturação e desenvolvimento. No caso das PPPs, esse processo se inicia
com um estudo técnico acerca da viabilidade do empreendimento, que é logo
submetido ao órgão gestor. O referido estudo deverá, de modo necessário, abordar os
aspectos técnicos, econômico-financeiros e administrativos da parceria, detalhando,
inclusive, a preferência de sua escolha frente às demais opções que a Administração
possui para concretizar este ou aquele interesse coletivo, como a concessão comum
ou a prestação direta.
A meu ver, antes do encerramento da fase interna, diante da relevância das PPPs,
todo o material elaborado até aqui deve ser submetido a consulta pública, de forma a
permitir a ampla participação social na formulação de projetos que buscam justamente
a realização de um interesse coletivo. Sem essa medida, parece-me que todo o
processo perde sua legitimidade, não podendo sequer prosseguir.
Outro mandamento da LGL que se aplica às PPPs é o que impõe a abertura do edital
à sociedade, por meio de impugnação ou de pedido de esclarecimento.
A licitação da PPP deverá ocorrer por meio da concorrência, nos moldes como
estrutura pela LGL. O procedimento pode contar com etapa de qualificação das
propostas técnicas, que deverá observar parâmetros objetivos de julgamento (artigo
12, I, da Lei Federal nº. 11.079/04). Importante dizer que não se está falando da
qualificação técnica prevista na LGL (artigo 30), que recai sobre a licitante, para fins de
análise de sua experiência e capacidade de execução, e não sobre sua proposta.
São estes os critérios que podem ser adotados no julgamento das propostas numa
licitação de PPP: (i) menor valor da tarifa; (ii) menor tarifa e melhor técnica; (iii) menor
contraprestação pela Administração Pública; (iv) melhor técnica e menor
contraprestação pela Administração.
As propostas econômicas podem ser apresentadas de modo escrito ou em viva voz,
em sede de leilão (artigo 12, III). Nesta etapa de lances, as ofertas ocorrerão na ordem
inversa à da classificação inicial, podendo o edital limitar a participação dos ofertantes
àqueles que tiverem proposta inferior a 1,2 vezes da proposta classificada em
primeiro.
Por outro lado, juntamente com a aversão à jurisdição estatal, existe o culto à
jurisdição privada, que, tirados os exageros, atua mais velozmente e com maior
expertise técnica.
A discussão, que até a Lei Federal nº. 13.129/15 passava pela extensão da
arbitragem, isto é, em quais contratos ela poderia ser utilizada, agora envolve a
profundidade da jurisdição privada. Dito de outro modo, quais são as situações, e não
mais quais contratos, podem ser submetidos à arbitragem?
Para responder a tal pergunta a doutrina tem desenvolvido três critérios, quais sejam,
(i) o nível de “publicização” do qual se reveste o litígio, se mais ou menos próximo de
uma matéria de ordem pública; (ii) a natureza patrimonial da pretensão; e (iii) a
disponibilidade do direito. Diga-se que a legislação brasileira dá maior ênfase aos dois
últimos critérios, ficando para a literatura jurídica o desenvolvimento do primeiro
critério.
Por fim, entendo relevante dizer que a literatura, de um modo geral, tem colocado
como premissa da arbitragem a consensualidade administrativa, paradigma do
pensamento liberal que visa à promoção do diálogo e da busca pelo consenso no seio
da Administração. No entanto, para mim, há uma incompreensão por quem assim
pensa. A arbitragem, como jurisdição que é, não busca soluções consensuais, mas
atua como substitutiva da vontade das partes. É imperativa, portanto. O máximo de
consensualidade na arbitragem é a escolha do procedimento e dos árbitros, o que, em
certa medida, pode ser feito também na jurisdição estatal. No fim, contudo, o árbitro
decidirá pela vitória de um e pela perda de outro. Consensualidade existe, de verdade,
quando a Administração busca solucionar seus conflitos por meio da mediação ou da
conciliação, onde Poder Público e particular conversarão, e decidirão, em pé de
igualdade, sem a brusca e direta intervenção de um terceiro.
2. Regulação
Também não seria o caso de entregar a regulação dos serviços públicos a entidade
privada, já que, pela sua posição “mercadológica”, poderia preferir satisfazer
interesses outros que não a eficiência do serviço público. É bem verdade que essa
tendência tem mudado bastante, sendo possível enxergar, já hoje, a possibilidade de
entes privados exercerem a regulação de serviços públicos. No entanto, quanto a isso
não há consenso nem na literatura especializada nem na praxe administrativa.
A solução, então, que não é perfeita, foi dotar um ente público, diverso do ente
concedente, da atribuição de editar normas regulatórias sobre serviços públicos. A
figura mais comum, como ente regulador, tem sido a autarquia, ainda que em regime
especial. A “especialidade” do regime dessas autarquias consiste, em linhas gerais, na
estabilidade do mandado de seus dirigentes e na maior autonomia frente ao ente
concedente. Sobre o regime especial das autarquias regulatórias, que no Brasil são
chamadas de agências reguladoras, tratarei mais adiante.
Essa opção pelas autarquias, como dito, entidades diversas do ente central, e com
maior autonomia frente a este, confirma uma alteração de organização administrativa
que já vem de alguns anos, qual seja, a criação de uma Administração policêntrica. Tal
qualificação decorre da nova forma de a Administração se organizar, não mais a partir
de um modelo estritamente hierarquizado, com o Chefe do Poder Executivo
funcionando como abóboda de todo a máquina administrativa, mas a partir de centros
autônomos e independentes, ou quase, de atribuições. Parece que esse novo formato,
além de ser um resultado natural da complexidade atua da sociedade, atende melhor
ao novo paradigma da Administração, que é a busca por melhores resultados ao
cidadão e à cidadã.
Com esse objetivo em mente, seria difícil entregar a regulação a qualquer dos
interessados diretos, ainda que seja aconselhável a participação de todos eles no
processo de elaboração de normas regulatórias. O melhor seria, e é, criar um ente
especializado na matéria, que, dotado de prerrogativas públicas, pudesse atuar de
modo independente tanto do poder político quanto do poder econômico. Dentro da
nossa institucionalidade, a figura mais adequada para tal tarefa é, sem dúvida, a
autarquia, que, quando se fala de regulação, ganha contornos um pouco diferentes.
Ainda sobre a participação, importante destacar que a LINDB passou a contar com
dispositivo que “sugere”, apesar de existir quem entenda que na verdade determina, à
Administração a realização de consulta pública antes da edição de seus atos
normativos (artigo 29, LINDB). Essa alteração legislativa só reafirma, agora para toda
a atividade administrativa, a tendência de processualização e de busca pelo diálogo,
que é chamada de consensualidade, na gestão pública.
Para criar esse ambiente saudável ao serviço público, a regulação se espraia em três
áreas de atuação, quais sejam: normativa, executiva e judicante. Regular, portanto,
não é apenas editar normas, mas, também, fiscalizar o respectivo cumprimento e,
eventualmente, atuar como órgão solucionador de conflitos. É comum, e já ocorreu
neste trabalho, resumirmos a regulação à atividade normativa. Tal simplismo só tem
valia se servir para tornar a linguagem mais simples. Todavia, não se pode perder de
vista que a regulação vai além da atividade normativa, ainda que esta seja a mais
importante das áreas de atuação.
Como dito antes, o papel da regulação é criar ambiente propício à boa execução do
serviço público. No entanto, o que seria um serviço público bem executado? A Lei
Federal 8.987/95, em seu artigo 6º, § 1º, determina que o serviço deve ser prestado à
generalidade dos usuários, continuamente, com tarifas módicas e de modo atual, e
regular, seguro, cortês e eficiente.
Não é o caso de detalhar o conteúdo de cada uma dessas exigências, já que nosso
assunto principal, agora, é a regulação. Todavia, a citação neste ponto do trabalho
serve para demonstrar uma das perspectivas que o regulador deve considerar quando
da formulação da norma regulatória. A outra perspectiva é a dos agentes econômicos,
que, de modo legítimo, buscam o maior ganho possível a partir da prestação do
serviço público. Em outras palavras, cabe à entidade reguladora estabelecer diretrizes
para que os agentes econômicos, sob o regime de competição ou não, busquem o
legítimo lucro, desde que observados padrões mínimos de eficiência na execução do
serviço público.
Por fim, importante dizer que as exigências do serviço público adequado são previstas
na lei de forma abstrata, cabendo ao ente concedente e à entidade reguladora a
concretização de tal conceito, o que deverá ocorrer segundo as peculiaridades de
cada serviço específico, sempre com ampla participação social.
Apesar de possui pouca base empírica, voltou a ganhar força a ideia de que os
mercados funcionam melhor quando há pouca intervenção estatal. Essa é uma meia-
verdade, ou, melhor, uma meia-mentira. Não existe uma medida abstrata da regulação
ideal. O Poder Público, na regulação, deve identificar as necessidades e os interesses
envolvidos em um determinado mercado, para, então, editar normas que aprimorem o
funcionamento deste mesmo mercado. Ora o mais adequado será um menor volume
de normas, ora uma regulação mais intensa, tudo a depender da situação concreta. A
ideia de “mão invisível do mercado”, que nem mesmo na obra de Adam Smith possui
tanta relevância, não possui qualquer embasamento científico.
Assim, a livre iniciativa, como face econômica da liberdade que é, não pode ser
suprimida pelo Poder Público, ressalvadas aquelas situações de monopólio estatal,
que não representam propriamente supressão da livre iniciativa.
A AIR é instrumento voltado à aferição, antes e depois, dos impactos que uma
determinada norma regulatória exerce sobre o mercado regulado. Seu objetivo é levar
um pouco de cientificidade ao campo da regulação, que por muitos anos foi
impregnada pela “politicagem” e pelo “achismo”. Com a promulgação da Lei Federal
nº. 13.874 (artigo 5º), a AIR passou a ser pressuposto obrigatório da atividade
regulatória.
2.6. Regulação e sanção
Como dito antes, a atividade regulatória é multifacetada. Seu conteúdo é formado por
atividades normativas, executivas e judicantes. Entre as atividades executivas está a
da fiscalização quanto ao cumprimento das normas já editadas. Se o objetivo da
regulação é induzir comportamentos, para o melhor funcionamento do mercado, é
correta a previsão de sanções para o caso de descumprimento das normas editadas
pela entidade reguladora.
Por fim, importante dizer que mesmo depois de impostas, as sanções podem ser
substituídas por outros investimentos. Trata-se do já existente, embora sem previsão
legislativa expressa, dos acordos substitutivos de sanção, que têm sido praticados
pelo país afora. Desde que não representem um verdadeiro perdão ao agente infrator,
como ocorreria no caso de se substituir uma sanção por um investimento que já era
devido pelo agente infrator, o acordo é plenamente possível, e até mesmo desejado.