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Direito Civil

Material de apoio
Pessoa natural

2018
1. A PESSOA

Pessoa é todo sujeito de direitos, todos aqueles capazes de exercer direitos e contrair
obrigações. As pessoas podem ser naturais, também chamadas de físicas, ou jurídicas, também
chamadas de morais/coletivas. A lei e a doutrina brasileira consagram o uso das expressões pessoa
natural e pessoa jurídica. A locução “pessoa física” é utilizada por influência do direito italiano, que
assim as denomina, ao passo que “entes morais ou coletivos” vem do direito francês.

A personalidade jurídica é a aptidão genérica reconhecida a toda e qualquer pessoa para


que possa titularizar relações jurídicas e reclamar a proteção jurídica devida aos direitos da
personalidade.

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, que se constata pela
respiração. Antes do nascimento não há personalidade, mas o CC ressalva o direito do nascituro,
desde a concepção. Nascendo com vida, ainda que venha a falecer instantes depois, a sua
existência, no tocante aos seus interesses, retroage ao momento de sua concepção. Encontrando-
se os seus direitos em estado potencial, sob condição suspensiva, o nascituro (através de seu
representante) pode praticar atos necessários à sua conservação, como titular de direito eventual
(art. 130). 1
Personalidade Jurídica x Pessoa

A distinção entre personalidade civil e pessoa foi desenvolvida pelo STJ, como se
analisa do REsp 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014:

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO REFERENTE AO SEGURO DPVAT EM DECORRÊNCIA


DE MORTE DE NASCITURO.

A beneficiária legal de seguro DPVAT que teve a sua gestação interrompida em razão de
acidente de trânsito tem direito ao recebimento da indenização prevista no art. 3º, I, da Lei
6.194/1974, devida no caso de morte. O art. 2º do CC, ao afirmar que a “personalidade
civil da pessoa começa com o nascimento”, logicamente abraça uma premissa
insofismável: a de que “personalidade civil” e “pessoa” não caminham
umbilicalmente juntas. Isso porque, pela construção legal, é apenas em um dado
momento da existência da pessoa que se tem por iniciada sua personalidade jurídica, qual
seja, o nascimento. Conclui-se, dessa maneira, que, antes disso, embora não se possa
falar em personalidade jurídica - segundo o rigor da literalidade do preceito legal -, é
possível, sim, falar-se em pessoa. Caso contrário, não se vislumbraria qualquer sentido
lógico na fórmula “a personalidade civil da pessoa começa”, se ambas - pessoa e
personalidade civil - tivessem como começo o mesmo acontecimento. Com efeito, quando
a lei pretendeu estabelecer a “existência da pessoa”, o fez expressamente. É o caso do art.
6º do CC, o qual afirma que a “existência da pessoa natural termina com a morte”, e do art.
45, caput, da mesma lei, segundo o qual “Começa a existência legal das pessoas jurídicas
de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro”. Essa
circunstância torna eloquente o silêncio da lei quanto à “existência da pessoa
natural”. Se, por um lado, não há uma afirmação expressa sobre quando ela se inicia, por

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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
outro lado, não se pode considerá-la iniciada tão somente com o nascimento com vida.
Ademais, do direito penal é que a condição de pessoa viva do nascituro - embora não
nascida - é afirmada sem a menor cerimônia. É que o crime de aborto (arts. 124 a 127
do CP) sempre esteve alocado no título referente a “crimes contra a pessoa” e
especificamente no capítulo “dos crimes contra a vida”. Assim, o ordenamento jurídico
como um todo (e não apenas o CC) alinhou-se mais à teoria concepcionista - para a
qual a personalidade jurídica se inicia com a concepção, muito embora alguns
direitos só possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento, haja vista que o
nascituro é pessoa e, portanto, sujeito de direitos - para a construção da situação
jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina
contemporânea. Além disso, apesar de existir concepção mais restritiva sobre os direitos
do nascituro, amparada pelas teorias natalista e da personalidade condicional, atualmente
há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o
direito à vida é o mais importante, uma vez que, garantir ao nascituro expectativas de
direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido
também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais.
Portanto, o aborto causado pelo acidente de trânsito subsume-se ao comando normativo
do art. 3º da Lei 6.194/1974, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do
nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina. REsp 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014.

2. DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos subjetivos da personalidade não tinham existência autônoma para os defensores


da chamada teoria negatória. Isso porque, quando se fala em direito subjetivo, temos: sujeito ativo,
passivo e objeto. Na verdade, haveria mera existência de direito subjetivo à personalidade. 2
Ou seja, direitos da personalidade seriam direitos que têm por objeto a pessoa, e a pessoa é
sempre sujeito e nunca objeto. Diante da impossibilidade de indicar a pessoa como objeto que
surgiram teorias que simplesmente negaram a existência da categoria.

O fundamento da objeção é a impossibilidade de a pessoa ser objeto de direitos. A doutrina


contemporânea afirma que haverá titularidade do direito subjetivo pela pessoa humana, tendo a
coletividade como sujeito passivo. O objeto não será pessoa, mas sim os atributos que decorrem
da sua personalidade.

ASSIM, O OBJETO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE SÃO SEUS ATRIBUTOS, E


NÃO A PESSOA, QUE É A TITULAR.

A dignidade da pessoa humana vai muito além dos direitos da personalidade. Há


desdobramento no Direito Penal, no Direito Administrativo, no Direito Tributário etc. No Estado de
Direito, o princípio democrático é uma projeção do princípio da dignidade da pessoa humana,
na medida em que democracia em sentido material significa o resguardo dos direitos
fundamentais.

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O princípio da dignidade da pessoa humana vai muito além do Direito Civil e, portanto, muito
além de uma parte do Direito Civil, que são os direitos da personalidade; agora, não podemos
esquecer que ele compõe esse núcleo.

Os direitos da personalidade não são regulados de forma exaustiva no Código Civil e no


restante do ordenamento; formam, na legislação civil, um rol meramente exemplificativo. Não é
possível estabelecer um catálogo de direitos da personalidade, porque a sociedade vai se
transformar sempre, criando novas necessidades. Então, ora você terá a criação de direitos da
personalidade, ora a transformação dos direitos da personalidade.

Eles têm origem na dignidade da pessoa humana, a qual tem um conteúdo positivo e
negativo. O conteúdo negativo se refere à limitação da atuação estatal, que deve se abster de
determinados atos violadores da dignidade; também se aplica aos particulares, em se considerando
a eficácia horizontal dos direitos humanos. O conteúdo positivo impõe atuações por parte do
Estado, no sentido de adotar iniciativas voltadas a maximizar e efetivar a dignidade da pessoa
humana.

O fundamento dos direitos da personalidade é o princípio da dignidade da pessoa


humana, uma vez que os direitos da personalidade compõem o NÚCLEO NECESSÁRIO AO 3
DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE para que sejamos protegidos como seres
humanos.

Eles têm a característica de serem:

a) Absolutos (relativamente): oponíveis erga omnes;

b) Inatos: as pessoas os têm só pelo fato de serem humanas;

c) Imprescritíveis: não há prazo para o seu exercício; não se confunde o direito subjetivo da
personalidade com o direito subjetivo à compensação pela lesão a esse direito. O que é imprescritível
é o direito subjetivo da personalidade e não a compensação. É o que pensa a maioria dos civilistas
e é o que pensa a terceira e quarta turma do STJ, mas isso não é pacífico. A terceira e quarta turmas
do STJ entendem que a pretensão está sujeita à prescrição no prazo de 3 anos, art. 206, § 3º, V, CC
ou de 5 anos do art. 27 CDC.

d) Extrapatrimoniais: significa que os direitos da personalidade não podem ser quantificados


economicamente. Por esse motivo, prevaleceu durante algum tempo a tese da irreparabilidade do
dano moral puro, que a doutrina contemporânea defende ser possível através da compensação. A
indenização consiste em restabelecer a situação anterior ao dano, através da entrega do equivalente

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em dinheiro, o que é impossível no direito da personalidade, uma vez que não há equivalente
monetário. Porém, tem caráter patrimonial o ato de disposição do direito da personalidade e a
compensação do dano; são critérios para a compensação da lesão ao direito da personalidade:

1. Poder econômico do ofensor;

2. Poder econômico do ofendido;

3. Intensidade e duração do dano;

4. Evitar o enriquecimento sem causa do ofendido.

e) Vitalícios;

f) Impenhoráveis: como o direito da personalidade não tem caráter patrimonial, também não
pode ser objeto de constrição patrimonial, mas é claro que, nas facetas de patrimonialidade é cabível
a penhora;

g) Relativamente irrenunciáveis1: o art. 11 do CC/02 dispõe que você não pode nem renunciar
e nem limitar o exercício, só que a doutrina civil, de forma pacífica, admite a limitação do exercício
excepcionalmente, circunstancialmente e de forma compatível com a dignidade da pessoa humana. 4
h) Intransmissíveis: não se transmitem. Todavia, o direito à reparação do dano se transmite
(art. 943, CC). Não se confunde o direito da personalidade, intransmissível, com o direito à
compensação, que é patrimonial e transmissível. Se houver alguma ofensa ao direito da
personalidade depois da morte do titular, está-se violando, por via indireta, a personalidade dos
parentes vivos; logo, estes reclamam indenização em nome próprio, e não em nome do de cujus;
sobre esse tema, esclarecedor o seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. RESPONSABILIDADE CIVIL.


DANO MORAL. OFENDIDO FALECIDO. LEGITIMIDADE DOS SUCESSORES PARA
PROPOR AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À
REPARAÇÃO.

1 Se você não puder limitar o exercício você inviabiliza a vida em sociedade. Por exemplo: luta de vale tudo.
Quando a pessoa sobe no ringue, está limitando o exercício da integridade física. Então o art. 11 CC, se
interpretado literalmente, permitiria ao perdedor de uma luta de vale tudo exigir danos morais ao vencedor. A
dignidade da pessoa humana tem variantes. Uma das variantes é a liberdade. E A LIBERDADE CRIA UM
DIREITO CHAMADO AUTODETERMINAÇÃO. Então, autodeterminar-se é uma decisão que projeta o
princípio da dignidade da pessoa humana. Só se pode interferir na autodeterminação quando houver interesse
constitucional em posição de supremacia que justifique essa limitação. Só que, na liberdade, o exercício de
direito ao corpo se confronta com o direito à vida. O legislador considera que o direito à vida está numa posição
inferior em dois casos: estupro e risco para a mãe. Uma ponderação feita pela própria legislação ordinária.
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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
[...]

2. A questão controvertida consiste em saber se os pais possuem legitimidade ativa ad


causam para propor ação, postulando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo
filho falecido.

3. É certo que esta Corte de Justiça possui orientação consolidada acerca do direito
dos herdeiros em prosseguir em ação de reparação de danos morais ajuizada pelo
próprio lesado, o qual, no curso do processo, vem a óbito. Todavia, EM SE
TRATANDO DE AÇÃO PROPOSTA DIRETAMENTE PELOS HERDEIROS DO
OFENDIDO, APÓS SEU FALECIMENTO, A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA POSSUI ORIENTAÇÕES DIVERGENTES. De um lado, há
entendimento no sentido de que “na ação de indenização de danos morais, os herdeiros da
vítima carecem de legitimidade ativa ad causam” (REsp 302.029/RJ, 3ª Turma, Rel. Min.
Nancy Andrighi, DJ de 1º.10.2001); de outro, no sentido de que “os pais - na condição de
herdeiros da vítima já falecida - estão legitimados, por terem interesse jurídico, para
acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em
razão de atos administrativos praticados por agentes públicos (...)”. Isso, porque “o direito
de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores
da vítima (RSTJ, vol. 71/183)” (REsp 324.886/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de
3.9.2001).

4. Interpretando-se sistematicamente os arts. 12, caput e parágrafo único, e 943 do Código


Civil (antigo art. 1.526 do Código Civil de 1916), infere-se que o direito à indenização, ou
seja, o direito de se exigir a reparação de dano, tanto de ordem material como moral, foi
assegurado pelo Código Civil aos sucessores do lesado, transmitindo-se com a herança.
ISSO, PORQUE O DIREITO QUE SE SUCEDE É O DE AÇÃO, QUE POSSUI
NATUREZA PATRIMONIAL, E NÃO O DIREITO MORAL EM SI, QUE É 5
PERSONALÍSSIMO E, PORTANTO, INTRANSMISSÍVEL.

5. José de Aguiar Dias leciona que não há princípio algum que se oponha à
transmissibilidade da ação de reparação de danos, porquanto “a ação de indenização
se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima. Não se
distingue, tampouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. A AÇÃO QUE
SE TRANSMITE AOS SUCESSORES SUPÕE O PREJUÍZO CAUSADO EM VIDA DA
VÍTIMA” (Da Responsabilidade Civil, Vol. II, 4ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 1960, p. 854).

6. Como bem salientou o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no julgamento do REsp


11.735/PR (2ª Turma, DJ de 13.12.1993), “o direito de ação por dano moral é de natureza
patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima”.

7. “O sofrimento, em si, é intransmissível. A dor não é 'bem' que componha o patrimônio


transmissível do de cujus. Mas me parece de todo em todo transmissível, por direito
hereditário, o direito de ação que a vítima, ainda viva, tinha contra o seu ofensor. Tal direito
é de natureza patrimonial. Leon Mazeaud, em magistério publicado no Recueil Critique
Dalloz, 1943, pág. 46, esclarece: 'O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria
razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se entendesse (deve
ser estendesse) ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o
responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede
no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o
sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral
é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores'.” (PORTO, Mário
Moacyr, in Revista dos Tribunais, Volume 661, pp. 7/10).

8. “O DANO MORAL, QUE SEMPRE DECORRE DE UMA AGRESSÃO A BENS


INTEGRANTES DA PERSONALIDADE (HONRA, IMAGEM, BOM NOME, DIGNIDADE

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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
ETC.), SÓ A VÍTIMA PODE SOFRER, E ENQUANTO VIVA, PORQUE A
PERSONALIDADE, NÃO HÁ DÚVIDA, EXTINGUE-SE COM A MORTE. MAS O QUE SE
EXTINGUE - REPITA-SE - É A PERSONALIDADE, E NÃO O DANO CONSUMADO, NEM
O DIREITO À INDENIZAÇÃO. PERPETRADO O DANO (MORAL OU MATERIAL, NÃO
IMPORTA) CONTRA A VÍTIMA QUANDO AINDA VIVA, O DIREITO À INDENIZAÇÃO
CORRESPONDENTE NÃO SE EXTINGUE COM SUA MORTE. E assim é porque a
obrigação de indenizar o dano moral nasce no mesmo momento em que nasce a obrigação
de indenizar o dano patrimonial - no momento em que o agente inicia a prática do ato ilícito
e o bem juridicamente tutelado sofre a lesão. Neste aspecto não há distinção alguma entre
o dano moral e patrimonial. Nesse mesmo momento, também, o correlativo direito à
indenização, que tem natureza patrimonial, passa a integrar o patrimônio da vítima e, assim,
se transmite aos herdeiros dos titulares da indenização” (CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, pp. 85/88).

9. Ressalte-se, por oportuno, que, conforme explicitado na r. sentença e no v. acórdão


recorrido, “o finado era solteiro e não deixou filhos, fato incontroverso comprovado pelo
documento de fl. 14 (certidão de óbito), sendo os autores seus únicos herdeiros,
legitimados, pois, a propor a demanda” (fl. 154). Ademais, foi salientado nos autos que a
vítima sentiu-se lesada moral e fisicamente com o ato praticado pelos policiais militares e
que a ação somente foi proposta após sua morte porque aguardava-se o trânsito em julgado
da ação penal.

10. Com essas considerações doutrinárias e jurisprudenciais, pode-se concluir que,


embora o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspondente
transmite-se causa mortis, na medida em que integra o patrimônio da vítima. Não se
olvida que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no
aborrecimento suportados pelo ofendido, tendo em vista que os sentimentos não
constituem um “bem” capaz de integrar o patrimônio do de cujus. 6
Contudo, é devida a transmissão do direito patrimonial de exigir a reparação daí
decorrente. Entende-se, assim, pela legitimidade ativa ad causam dos pais do
ofendido, já falecido, para propor ação de indenização por danos morais, em virtude
de ofensa moral por ele suportada.

[...]

(STJ, REsp 978.651/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
17/02/2009, DJe 26/03/2009)2

i) Coercitivos: impõe-se sua observância por toda a coletividade. A tutela inibitória visa a
prevenir o ilícito ou fazer com que ele cesse, sendo mais eficaz para a proteção dos direitos da
personalidade do que a tutela ressarcitória;

j) Históricos: são carregados de forte conteúdo histórico, fruto da evolução da civilização


humana.

2 Desse julgado pode-se extrair a seguinte lição: a) os herdeiros podem exigir a compensação pelo dano moral
sofrido pelo filho, pois a verba indenizatória já integraria seu patrimônio jurídico; b) os herdeiros também podem
exigir reparação pelo próprio dano sofrido em decorrência do dano alheio, o chamado “dano moral por
ricochete”.
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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Além disso, imperativo não se esquecer da admissibilidade dos direitos da
personalidade da pessoa jurídica, em especial a proteção ao nome, decorrente da tutela de
sua honra objetiva.

Em relação à técnica legislativa e abordagem hermenêutica dos direitos da personalidade,


tem-se que a disciplina dos direitos fundamentais exige técnica legislativa fundada em cláusulas
gerais que, fugindo ao rigorismo de uma normatividade excessivamente regulamentar, mostre-se
capaz de acompanhar a evolução tecnológica e científica.

Em síntese, a matéria é aberta; ESPERA-SE QUE O LEGISLADOR SIMPLESMENTE


ORIENTE O PODER JUDICIÁRIO E AS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS PARA UM
RESULTADO QUE HARMONIZE OS INTERESSES COLIDENTES.

Podem os direitos da personalidade sofrer restrições voluntárias? Sim, desde que


observados os seguintes limites:

a) A restrição não pode ser permanente;

b) A restrição não pode ser genérica;

c) A restrição não pode violar a dignidade do titular.


7

Relativamente à repressão jurídica das ofensas, o sistema jurídico faz uso de tutelas
preventivas e repressivas (reparatórias), devendo prevalecer aquelas sobre estas.

No campo reparatório, merece atenção a Teoria do Valor do Desestímulo ou Punitive


Damage. O instituto do “punitive damages”, também conhecido como “exemplary damages”,
“vindictive damages” ou ainda “smart money”, visa imputar uma indenização pecuniária ao
ofensor, capaz de puni-lo pelo ato ilícito praticado, visando, assim, inibir a repetição da
conduta danosa e, ainda, servir de exemplo para a sociedade e de ferramenta preventiva
contra o cometimento de atos ilícitos.

O STJ entende que se aplica ao direito brasileiro o punitive damage, porém, de forma
restrita, para evitar o enriquecimento ilícito:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL.


INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. QUANTUM DA
INDENIZAÇÃO FIXADO EM VALOR EXORBITANTE. NECESSIDADE DA REDUÇÃO.
RESPEITO AOS PARÂMETROS E JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES.

1. Cingindo-se, a hipótese em análise, a dano à imagem da falecida, remanesce aos


herdeiros legitimidade para sua defesa, uma vez que se trata da reparação de eventual
sofrimento que eles próprios suportaram, em virtude dos fatos objeto da lide.

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
2. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da
indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes,
devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da
vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do
ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.

3. A aplicação irrestrita das “punitive damages” encontra óbice regulador no


ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002,
vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e após a
novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais
especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002.

4. Assim, cabe a alteração do quantum indenizatório quando este se revelar como valor
exorbitante ou ínfimo, consoante iterativa jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.

5. In casu, o Tribunal a quo condenou às rés em R$ 960.000, 00 (novecentos e


sessenta mil reais), tendo dividido o valor entre as rés, arcando cada uma das litisconsortes
passivas com o pagamento de R$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais) o que,
considerando os critérios utilizados por este STJ, se revela extremamente excessivo.

6. Dessa forma, considerando-se as peculiaridades do caso concreto, bem como os critérios


adotados por esta Corte Superior na fixação do quantum indenizatório a título de danos
morais, a indenização total deve ser reduzida para R$ 145.250,00 (cento e quarenta e cinco
mil, duzentos e cinqüenta reais), devendo ser ele rateado igualmente entre as rés, o que
equivale a R$ 72.625,00 (setenta e dois mil, seiscentos e vinte e cinco reais) por litisconsorte
passiva.
8
7. Evidencia-se que a parte agravante não apresentou qualquer argumento capaz de
infirmar a decisão monocrática que pretende ver reformada, razão pela qual entende-se que
ela há de ser mantida íntegra por seus próprios fundamentos.

8. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 850.273/BA, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em
03/08/2010, DJe 24/08/2010)

O nascituro tem direitos da personalidade. Ele pode reclamar o pré-natal, a imagem, o direito
de paternidade e alimentos gravídicos, entre outros. Doação, herança e legados também lhe podem
ser atribuídos, condicionados ao nascimento com vida.

Todas as situações jurídicas atualmente são relativas, sem exceção, ou seja, não é só o
direito subjetivo que é relativo, o direito potestativo e todos os direitos, inclusive o direito de alegar a
exceção de contrato não cumprido.

A imagem é um direito da personalidade autônomo, cuja lesão gera dano moral


independentemente da violação de outros interesses. A súmula 403 STJ afirma que a utilização da
imagem SEM AUTORIZAÇÃO E COM O FIM ECONÔMICO OU COMERCIAL produz um dano por
si só, independentemente de outro prejuízo.

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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Súmula 403, STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não
autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”. Assim, contrario sensu,
se a utilização da imagem for para fins não econômicos, será necessária a prova do dano. Destaca-
se que a ofensa ao direito de imagem se materializa com a mera utilização da imagem sem
autorização, ainda que não tenha caráter vexatório ou que não viole a intimidade da pessoa.

Relativizam o direito à imagem: 1) cessão expressa ou tácita do titular (ex.: estar em local
público); 2) pessoas com notoriedade e 3) a função social da imagem (ex.: quando necessário à
administração da justiça).

A honra está relacionada à dignidade pessoal (subjetiva) e social (objetiva). Só se fala em


honra quando envolver a dignidade. O que não afeta a dignidade pessoal não afeta a honra, mas
pode ofender outros direitos da dignidade autônomos, que é o problema civilista que conceitua o
dano moral como violação à honra.

A intimidade é um espaço ainda mais restrito da privacidade, enquanto a vida privada


envolve um espaço de proteção mais amplo. Essa distinção é fundamental no caso de pessoas
com notoriedade que possuem uma proteção menor sobre a sua vida privada e maior quanto à
intimidade, pois a opção pela carreira artística, esportiva ou política, por exemplo, importa em uma 9
limitação voluntária ao exercício do direito de personalidade. A pessoa com notoriedade precisa de
mais proteção do que uma pessoa desconhecida. A pessoa com notoriedade tem que ser protegida
na sua intimidade com mais intensidade do que a pessoa normal, porque ela já praticamente não
tem vida privada, só tem a intimidade.

2.1. FONTES DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Maria Helena Diniz, Pablo Stolze: doutrina majoritária no Brasil: A FONTE DOS DIREITOS
DE PERSONALIDADE É O JUSNATURALISMO. Não nascem da ordem jurídica, mas de uma
ordem preexistente ao direito (ordem divina ou da razão, jusnaturalismo). Esses direitos são inatos.
Interligam-se a uma concepção religiosa. O exemplo dado é o Tribunal de Nuremberg. Foram
condenados, não obstante alegarem estarem cumprindo ordens e a lei alemã, uma vez que
entenderam que houve violação a direitos de personalidade, que são inatos, preexistentes ao direito,
decorrente de concepção religiosa. Não poderiam ser violados pela lei alemã.

De outro lado, em posição minoritária, Gustavo Tepedino (RJ) e Pontes de Miranda entendem
que a fonte dos direitos de personalidade é o próprio ordenamento jurídico (o próprio sistema). Esses
direitos não são inatos, constituem opção do sistema jurídico. Se os direitos de personalidade
fossem inatos, eles seriam universais. E isso não explica porque se admite penas de morte em alguns

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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Estados, porque na África ainda há extirpação de clitóris etc. Outro exemplo é que os escravos no
Brasil antes eram considerados coisa. Por que não havia a proteção da personalidade naquela
época? Simplesmente porque não havia essa opção.

Assim, as duas posições refletem a clássica divergência entre o jusnaturalismo e o


juspositivismo.

Liberdades públicas são obrigações positivas ou negativas impostas ao Estado para fazer
valer a proteção dos direitos à personalidade.

De nada adiantaria resguardar os direitos da personalidade se não se impusesse ao Estado


determinadas obrigações para respeitá-los.

3. CAPACIDADE E INCAPACIDADE

Capacidade é a maior ou menor extensão dos direitos de uma pessoa. É, portanto, a medida
da personalidade. Espécies:

a) Capacidade de direito, de aquisição ou de gozo: é a aptidão genérica de que dispõe a


pessoa para ser titular de direitos e deveres, aptidão genérica de vir a preencher os requisitos
10
legais3; parte da doutrina defende que capacidade de direito se confunde com personalidade jurídica.
Uma segunda posição defende que o conceito de personalidade é absoluto, ao passo que o de
capacidade é relativo, ou seja, todo o ser humano tem personalidade jurídica, mas existem atos
jurídicos que ele não poderá praticar. Assim, personalidade é algo que se tem ou não; já capacidade
pode ser vista como um direito eventual, na medida em que é a simples verificação da
possibilidade de a pessoa vir a adquirir direitos. Exemplo: um estrangeiro não possui a capacidade
de direito de ser presidente da república no Brasil, já que somente brasileiro nato pode concorrer ao
cargo. Porém, é óbvio que ele possui personalidade jurídica.

b) Capacidade de fato, de exercício, de fruição ou de ação: é a possibilidade efetiva de se


praticar os atos da vida civil, adquirida com o atendimento aos requisitos determinados por lei.

Incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil. Somente a lei pode impor
restrições à pessoa humana, visto que a Constituição da República determina que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II).

3Veja bem: a personalidade jurídica é a aptidão genérica reconhecida a toda e qualquer pessoa para que
possa titularizar relações jurídicas e reclamar a proteção jurídica devida aos direitos da personalidade. Essa
aptidão ela já possui pelo simples fato de ser pessoa. Não é uma aptidão em potencial como ocorre com a
capacidade de direito, que se coloca como um direito eventual.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Pode a incapacidade ser:

a) Absoluta: é a que acarreta a proibição total do exercício dos atos da vida civil. O ato
somente poderá ser praticado pelo representante legal do incapaz, sob pena de nulidade de pleno
direito (art. 166, I). Ocorre nos seguintes casos:

Menores de 16 anos (impúberes);

OBS: os outros dois dispostivos do art. 3º do Código Civil foram revogados pela Lei
13.146, de 2015: a) Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade;
essa incapacidade exige interdição judicial; b) Os que, por enfermidade ou doença mental,
não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil.

b) Relativa: é a que permite que o incapaz pratique atos da vida civil, desde que assistido,
sob pena de anulabilidade. Ocorre nos seguintes casos (OBS: também houve reformulação pela
Lei 13.146, de 2015):

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;


11
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;

IV - os pródigos.

O menor púbere responderá pelos atos que praticar caso os tenha realizado com ocultação
de identidade. Isso decorre da teoria do tu quoque, pela qual ninguém pode se aproveitar de sua
própria torpeza.

A capacidade do índio não está regulada no CC, e sim em lei especial.

A sentença que declara a interdição produz efeitos ex nunc. Assim, os atos praticados
pelos incapazes anteriormente ao reconhecimento judicial da incapacidade, serão, regra geral,
válidos. Na realidade, o correto, de acordo com o STJ, é o seguinte: “a sentença que declara a
interdição produz efeitos ex nunc, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido
contrário, segundo o entendimento desta Corte Superior” (AgRg no AREsp 357257/RS).

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE


DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. REFORMA DE MILITAR. PRESCRIÇÃO DO
FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. ALIENAÇÃO MENTAL. INCAPACIDADE.
EFEITOS DA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO. DECLARATÓRIA.

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
1. É firme a orientação jurisprudencial desta Corte de que a suspensão do prazo
de prescrição para os indivíduos absolutamente incapazes ocorre no momento em
que se manifesta a sua incapacidade, sendo a sentença de interdição, para esse fim
específico, meramente declaratória.

2. “A interdição judicial declara ou reconhece a incapacidade de uma pessoa para a


prática de atos da vida civil, com a geração de efeitos ex nunc perante terceiros
(art. 1.773 do Código Civil), partindo de um 'estado de fato' anterior, que, na
espécie, é a doença mental de que padece o interditado” (REsp 1.469.518/PE, Rel.
Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 4/9/2014, DJe 22/9/2014).

3. Agravo interno da União desprovido.

(AgInt nos EDcl no REsp 1171108/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO,
SEXTA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 13/10/2016)

PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE MÚTUO.


DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. CLÁUSULA INERENTE À ESPÉCIE
CONTRATUAL. SUPRESSÃO UNILATERAL DA CLÁUSULA DE CONSIGNAÇÃO PELO
DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE ABSOLUTA DO CONTRATO DE MÚTUO.
NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA DE INTERDIÇÃO POR INCAPACIDADE ABSOLUTA
COM TRÂNSITO EM JULGADO. EFEITOS EX NUNC. AGRAVO REGIMENTAL NÃO
PROVIDO.

1. É válida a cláusula que autoriza o desconto, na folha de pagamento do empregado ou


servidor, da prestação do empréstimo contratado, a qual não pode ser suprimida por
vontade unilateral do devedor, eis que da essência da avença celebrada em condições de 12
juros e prazo vantajosos para o mutuário (REsp n. 728.6563/RS, Segunda Seção, Rel. Min.
Aldir Passarinho Junior, DJU de 22.8.2005).

2. Segundo o entendimento desta Corte Superior, a sentença de interdição, salvo


pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, opera efeitos ex nunc.
Prececentes.

3. No caso, como o contrato de mútuo objeto do presente processo foi celebrado muito
antes da expedição da sentença de interdição, é certo que não foi alcançado pelos seus
efeitos.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1152996/RS - Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO - Órgão Julgador:
T4 - QUARTA TURMA - Data do Julgamento: 08/04/2014)

3.1. INÍCIO DA CAPACIDADE E EMANCIPAÇÃO

Ocorre quando a causa geradora da incapacidade cessar, pelo decurso do tempo ou pela
superveniência de causas que assim determinem. O fim da interdição deverá ser declarado por ato
judicial.

Já os menores de 18 anos poderão obter a capacidade plena, por meio da emancipação.


Esta não admite revogação.

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
A emancipação, ato jurídico pelo qual uma pessoa incapaz se torna capaz, pode se dar das
seguintes formas:

a) Voluntária, parental ou negocial: aquela em que os pais emancipam os filhos menores


relativamente incapazes. Independe de autorização ou homologação judicial e deve ser feita por
instrumento público. Caso um dos pais se negue a conceder a emancipação, poderá ser feito o
suprimento judicial;

b) Judicial: aplicável ao maior de 16 anos que tem o interesse em obter a emancipação. O


menor deverá pedi-la ao juiz, o qual, ouvindo o tutor, decidirá;

c) Legal: ocorre pelo casamento, pelo exercício de emprego público efetivo, pela colação de
grau em curso de ensino superior, pelo estabelecimento comercial ou civil ou pela existência de
relação de emprego que garanta ao menor economia própria.

Na emancipação decorrente de casamento, caso um dos cônjuges esteja de má fé e o


casamento seja anulado, os efeitos do casamento permanecem em relação ao cônjuge de boa-fé,
ou seja, ele manterá sua emancipação.

A emancipação, por si só, não elide a incidência do ECA (Enunciado 530, VI Jornada de 13
Direito Civil).

O emancipado: se exercer atividade empresarial, pode falir; não tem responsabilidade penal,
mas pode sofrer prisão civil; não pode obter CNH.

3.2. CAPACIDADE E LEGITIMIDADE

Capacidade não se confunde com legitimidade. A falta de capacidade não pode ser
confundida com o impedimento para a prática de determinado ato. Calmon de Passos dizia que a
falta de legitimidade é a falta de pertinência subjetiva para a prática de determinado ato. Ou
seja, podem existir pessoas capazes que estão impedidas de praticar determinado ato, portanto, sem
legitimidade.

Isso porque a legitimidade requer que a pessoa esteja em determinada posição jurídica.
Por exemplo, A é casado com B pelo regime de comunhão parcial de bens. A precisará da outorga
marital para alienar bem imóvel do patrimônio comum. Somente B possui essa legitimidade de
outorgar, e não C, que é pessoa não ocupante da relação marital, não obstante C tenha toda a
capacidade de fato (maioridade, sanidade) de exercer o ato autorizativo.

3.3. INTERVALOS LÚCIDOS

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Declarando-se uma pessoa incapaz, os atos praticados pelo privado de discernimento serão
nulos, não se aceitando tentativa de demonstrar que, naquele momento, encontrava-se lúcido.
No Brasil, a incapacidade mental é considerada um estado permanente e contínuo.

3.4. CAPACIDADE DO ÍNDIO

O Estatuto do Índio considera nulos os negócios jurídicos celebrados entre um índio e uma
pessoa estranha à comunidade indígena, sem a participação da FUNAI, ENQUADRANDO-O,
POIS, COMO RELATIVAMENTE INCAPAZ. Entretanto, a referida lei declara que o ato será
considerado válido se o índio revelar consciência e conhecimento do ato praticado e, ao mesmo
tempo, tal ato não implicar em prejuízo ao índio.

A tutela do índio ocorre no âmbito administrativo. Independe, portanto, de qualquer


medida judicial. O índio é incapaz desde o nascimento, até que preencha os requisitos exigidos pelo
art. 9º, da Lei nº 6.001/73, quais sejam: idade mínima de 21 anos, conhecimento da língua
portuguesa, habilitação para o exercício de atividade útil à comunidade nacional, razoável
compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional e liberação por ato judicial, diretamente,
ou por ato da FUNAI homologado por órgão judicial.

MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO. AÇÃO PENAL. INDÍGENA. ASSISTÊNCIA DA


14
FUNAI.

Índio denunciado por crime de toxico que pede assistência da FUNAI, todavia recusada
pelo Juiz ao entendimento de que por possuir documentos e viver na cidade o indígena está
integrado.

Habeas-corpus, Mandado de Segurança e Apelação, concomitantes, para reformar o


indeferimento de assistência e liberdade provisória, e contra a condenação
respectivamente.

Mandado de Segurança que se conhece pois o indeferimento da assistência pleiteada pela


FUNAI constitui ato administrativo para quem não é parte, dispensando a exigência de
inexistência de recurso com efeito suspensivo.

Apuração da condição de indígena que deve observar a inteligência constitucional (art. 231
CF) e que não cabe à jurisdição criminal.

Aferição do direito à assistência legal (art. 11-B, § 6º L. 9.028/95) pela autarquia fundacional
que compete à Justiça Federal.

Recurso em mandado de segurança provido para anular o processo da ação penal desde
a denúncia, bem como da sentença e do acórdão, pondo-se o réu em liberdade e
remetendo-se os autos à Justiça Federal.

(RMS 30675/AM, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 22/11/2011,
DJe 01/12/2011)

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
AÇÃO PENAL. INDÍGENA. ASSISTÊNCIA DA FUNAI.

A Turma deu provimento ao recurso para anular a ação penal na origem, desde o
recebimento da denúncia, inclusive, determinando, por conseguinte, a remessa dos autos
à Justiça Federal para o julgamento da causa, assegurado ao ora recorrente, indígena, sua
colocação em liberdade e a assistência da Funai. Na espécie, o recorrente, pertencente à
etnia Kokama da aldeia São José, situada no município de Santo Antônio do Iça-AM,
fronteira com a Colômbia, foi processado e condenado pelo juízo da vara criminal estadual
como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas). A defesa
sustentava a necessidade da intervenção da Funai no feito em razão da condição de
indígena do recorrente nos termos da legislação correspondente. Inicialmente, destacou-se
ser cabível a análise da matéria em mandado de segurança, porquanto constatada a
omissão da Justiça criminal em julgar o pedido de assistência de terceiro não integrante na
relação processual. No mérito, asseverou-se que a negativa do juiz criminal em permitir
a intervenção da Funai na ação penal pelo fato de ter sido o recorrente considerado
integrado à sociedade – pois ele possuía documentos comuns aos não índios (CPF,
RG,título de eleitor etc.) – seria incompatível com a nova inteligência constitucional.
Afirmou-se que o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/1973), concebido na vigência da
CF/1967, não pode ser interpretado na sua literalidade, sendo cabível sua análise
conforme a inspiração constitucional atual, nos termos dos arts. 231 e232 da CF/1988.
SALIENTOU-SE QUE O GRAU DE INTEGRAÇÃO DO ÍNDIO À SOCIEDADE E A
QUESTÃO REFERENTE À SUA INCAPACIDADE NÃO SERIAM PRESSUPOSTOS
PARA DEFINIR A INTERVENÇÃO DA FUNAI. CONSIDEROU-SE, AINDA, QUE A
DEFINIÇÃO DA CONDIÇÃO DE ÍNDIO DEVE SER DADA PELA
ANTROPOLOGIA E SEGUNDO CRITÉRIOS ESTABELECIDOS EM LEI PARA OS
QUAIS É IRRELEVANTE O GRAU DE INTEGRAÇÃO. ADOTADO O NORMATIVO DA
CONVENÇÃO OIT N. 169, O ESTADO BRASILEIRO ACOLHEU, FORMALMENTE,
COMO CRITÉRIO DE IDENTIFICAÇÃO A AUTOIDENTIFICAÇÃO, DE TAL MODO QUE, 15
PARA FINS LEGAIS, É INDÍGENA QUEM SE SENTE, COMPORTA-SE OU AFIRMA-SE
COMO TAL, DE ACORDO COM OS COSTUMES, ORGANIZAÇÕES, USOS, LÍNGUA,
CRENÇAS E TRADIÇÕES INDÍGENAS DA COMUNIDADE A QUE PERTENÇA. Por sua
vez, consignou o Min. Relator que não cabe ao juiz criminal aferir a capacidade civil do
recorrente uma vez que se trata de questão prejudicial heterogênea de exame exclusivo na
jurisdição civil. Ao final, reconheceu-se a competência da Justiça Federal para análise e
julgamento da causa, tendo em vista a presença da autarquia federal no feito na qualidade
de assistente de indígena. RMS 30.675-AM, 5T, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em
22/11/2011.

PENAL – HABEAS CORPUS – LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE – PACIENTE


QUE É ÍNDIO JÁ INTEGRADO À SOCIEDADE – POSSUI TÍTULO DE ELEITOR –
INAPLICABILIDADE DO ESTATUTO DO ÍNDIO – IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
DA PENA NO REGIME DE SEMILIBERDADE – ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS EM QUE FOI ACENTUADA A CENSURABILIDADE DA CONDUTA – REGIME
INICIALMENTE FECHADO DEVIDAMENTE JUSTIFICADO – ORDEM DENEGADA. 1. O
Estatuto do Índio só é aplicável ao indígena que ainda não se encontra integrado à
comunhão e cultura nacional. 2. O indígena que está em pleno gozo de seus direitos
civis, inclusive possuindo título de eleitor, está devidamente integrado à sociedade
brasileira, logo, está sujeito às mesmas leis que são impostas aos demais cidadãos
nascidos no Brasil. 3. O regime de semiliberdade não é aplicável ao indígena integrado à
cultura brasileira. 4. O estabelecimento do regime inicial de cumprimento da pena deve
observar não só o quantitativo da pena, porém a análise de todas as circunstâncias judiciais,
considerada, ainda, eventual reincidência. 5. Se foi feito contra a conduta do réu rigorosa
censurabilidade, justificado está o regime inicialmente fechado, necessário para reprovação
do crime e ressocialização do apenado. 6. Ordem denegada.
(HC 200701904521, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), STJ
- SEXTA TURMA, DJ DATA:11/02/2008 PG:00001.)

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
O Estatuto do Índio foi concebido e editado ao tempo da Constituição anterior, tendo recebido
da legislação infraconstitucional civil alguns conceitos que mais tarde foram clara e sistematicamente
rejeitados pelo texto constitucional atual e até mesmo pelo próprio Código Civil de 2002.

Vale dizer, atualmente, não se cuida mais de tutela como mecanismo de proteção e gradativa
integração do índio à sociedade, do mesmo modo que a assistência que o órgão indigenista
exerce não é a de atuação em suprimento da incapacidade civil, nem se cuida de integrá-lo à
sociedade.

Em outros termos, não se trata mais do pressuposto de incapacidade para definir a


intervenção da FUNAI. Hoje, a designação de índios integrados, ou em vias de integração ou isolados
constitui, quando muito, metodologia interna da instituição para definição de suas políticas públicas.

POR CONSEQUÊNCIA, TECNICAMENTE, NÃO SE FALA MAIS EM ÍNDIO DESSA OU


DAQUELA CONDIÇÃO DE INTEGRAÇÃO, MAS SIMPLESMENTE EM ÍNDIO OU NÃO ÍNDIO. E,
PARA A DEFINIÇÃO DA CONDIÇÃO DE ÍNDIO, A ANTROPOLOGIA E A LEI DÃO CRITÉRIOS
PARA OS QUAIS É IRRELEVANTE O GRAU DE INTEGRAÇÃO.

Recentemente, adotando ato normativo da Convenção OIT 169, o Estado brasileiro (Decreto
nº 5.051, DO de 20.04.2004) acolheu formalmente, como critério de identificação, a autoidentificação,
16
de tal modo que, para fins legais, é indígena quem se sente, se comporta ou se afirma como tal, de
acordo com os costumes, organização, usos, língua, crenças e tradições indígenas da comunidade
a que pertença.

O conteúdo nuclear desse estado decorre do regime constitucional do art. 231 da CF, que
relaciona a condição e os direitos dos indígenas com a existência de organização, língua, crenças,
usos e costumes próprios, pouco importando se são os índios mais ou menos familiarizados com os
usos e costumes não índios, ou se possuem documentação e exercem direitos de cidadania não
índia.

Evidentemente que não basta que a pessoa se autoidentifique como indígena: esse é apenas
o critério subjetivo de definição. Há de se aferir também questões objetivas, como o comportamento
e estilo de vida da pessoa.

De resto, são inúmeras as manifestações da doutrina acadêmica a respeito, não se podendo


mais considerar os critérios da Lei nº 6.001/73 na sua literalidade, cabendo, ao contrário, leitura e
interpretação conforme a inspiração constitucional superveniente.

3.5. A QUESTÃO DO NASCITURO

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
A. TEORIA NATALISTA

É a teoria clássica (Eduardo Espínola, Vicente Ráo, Sílvio Venosa etc.), e sustenta que o
nascituro não é considerado pessoa, gozando de mera expectativa de direito, uma vez que a
personalidade jurídica só é adquirida a partir do nascimento com vida. Agarra-se à primeira parte do
art. 2º do Código Civil.

B. TEORIA CONCEPCIONISTA

Vem ganhando força (Teixeira de Freitas, Clóvis Beviláqua, Silmara Chinelato etc.).

A teoria concepcionista é aquela que sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo
direitos resguardados pela lei. Sustenta que o nascituro é considerado pessoa, inclusive
(especialmente) para efeitos patrimoniais, uma vez que a personalidade jurídica é adquirida desde a
concepção4. Defendem que eles não têm mera expectativa, mas sim o direito. Parte dos adeptos
dessa teoria restringe a titularidade desses direitos apenas aos existenciais, excluindo os
patrimoniais.

Existe uma teoria intermediária que considera o nascituro uma espécie de semipessoa. A
denominada Teoria da personalidade formal ou condicional, referida por alguns autores, como a 17
Professora Maria Helena Diniz, sustenta que o nascituro teria personalidade apenas para
determinados efeitos, de ordem extrapatrimonial, porquanto a plena aquisição de sua
personalidade, inclusive para efeitos patrimoniais, só ocorreria a partir do nascimento com vida,
sendo esta, portanto, a condição. É aquela pela qual a personalidade civil começa com o nascimento
com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, ou seja, são
direitos eventuais.

Maria Helena Diniz, em construção interessante, classifica a personalidade jurídica em formal


e material, a saber:

a) Personalidade jurídica formal: é aquela relacionada com os direitos da personalidade, o


que o nascituro já tem desde a concepção.

b) Personalidade jurídica material: mantém relações com os direitos patrimoniais, e o


nascituro só a adquire com o nascimento com vida.

4Diferença entre nascituro e concepturo: o nascituro é o ser que já foi concebido e ainda não nasceu, mas está
prestes a nascer (CC, art. 2º), nascituro existe desde o momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide.
Concepturo ainda não foi concebido, embora haja a esperança de que venha a ser (art. 1.799, I, CC). Há quem
diga que o concepturo só se transforma em nascituro após o óvulo, já fecundado, se ligar no útero da mulher.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Beviláqua aduz que a melhor teoria seria, sem dúvida, a teoria concepcionista. O nascituro é
tratado como pessoa no Código Civil. Aparentemente, o Código adota a Teoria Natalista, mas, em
vários pontos, é influenciado pela concepcionista.

POSIÇÃO DO STJ: O STJ admite dano moral ao nascituro, e, com isso, reconhece que ele
titulariza direitos da personalidade (teoria concepcionista). Recentemente, permitiu o recebimento de
indenização por DPVAT para os pais de um filho falecido em acidente automobilístico, admitindo a
vida e morte do nascituro. Mais uma vez, o direito da personalidade. Nunca se leu um voto no STJ
em que ele afirme que a posição adotada no Brasil é concepcionista (mas também não nega).
Todavia, já se viu, mais de uma vez, ele desenvolver um raciocínio concepcionista e não se
manifestar favoravelmente a uma ou outra teoria. Vejamos alguns julgados relevantes:

ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO MENSAL. NASCITURO. DANO MORAL.

Prosseguindo o julgamento, a Turma decidiu ser incabível a redução da indenização por


danos morais fixada em relação a nascituro filho de vítima de acidente fatal de trabalho,
considerando, sobretudo, a impossibilidade de mensurar-se o sofrimento daquele que,
muito mais que os outros irmãos vivos, foi privado do carinho, assim como de qualquer
lembrança ou contato, ainda que remoto, de quem lhe proporcionou a vida. A dor, mesmo
de nascituro, não pode ser mensurada, conforme os argumentos da ré, para diminuir
o valor a pagar em relação aos irmãos vivos. REsp 931.556-RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 17/6/2008. 18
RECURSOS ESPECIAIS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS,
DECORRENTES DE EXAME MÉDICO, CUJO RESULTADO INDICOU,
ERRONEAMENTE, SER O FETO PORTADOR DE “SÍNDROME DE DOWN” -
TRANSAÇÃO CELEBRADA ENTRE UM DOS DEVEDORES SOLIDÁRIOS E OS
DEMANDANTES - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE CONDENARAM O CODEVEDOR
SOLIDÁRIO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO AOS PAIS, EXCLUÍDA A HIPÓTESE
DE REPARAÇÃO À FILHA, ENTÃO NASCITURO À ÉPOCA DOS FATOS. INSURGÊNCIA
DOS DEMANDANTES E DA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE.

1. Hipótese em que pais e filho ingressaram em juízo postulando danos morais suportados
durante a gestação, em razão de erro médico, consistente em diagnóstico indicativo de ser
o feto portador de “Síndrome de Down”. Exames posteriores que afastaram a aludida
patologia cromossômica. Demanda deflagrada contra a operadora de plano de saúde e
nosocômio. Transação entabulada entre os autores e este último, único não insurgente.

2. Irresignação interposta por Golden Cross S/A. 2.1 Violação ao art. 535 do CPC
inocorrente. Acórdão local devidamente fundamentado, tendo enfrentado os aspectos
fático-jurídicos essenciais à resolução da controvérsia. Desnecessidade de a autoridade
judiciária enfrentar todas as alegações veiculadas pelas partes, quando invocada motivação
suficiente ao escorreito desate da lide. Não há vício que possa nulificar o acórdão recorrido
ou ensejar negativa de prestação jurisdicional, mormente na espécie em que houve exame
explícito do tema reputado não analisado. 2.2 Extinção da obrigação (dever de indenizar)
ante a transação e quitação parcial firmada entre os demandantes e um dos devedores
solidários (hospital). Tese afastada. Subsistência da obrigação quanto ao codevedor
solidário, não abrangido pelo instrumento liberatório, cujos efeitos devem ser aquilatados
por meio de interpretação restritiva (art. 843 do CPC). Precedentes. 2.2.1 A quitação da
dívida outorgada pelo credor a um dos devedores solidários por meio de transação, não
aproveita aos codevedores, senão até a concorrência da quota-parte pela qual era

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
responsável, sobretudo quando o acordo expressamente exclui de sua abrangência o
codevedor, no caso, a operadora do plano de saúde, a qual responde pelo saldo, pro rata.

3. Apelo extremo dos autores. 3.1 Em que pese entender o STJ “que o nascituro também
tem direito a indenização por danos morais” (Ag n. 1268980/PR, Rel. Ministro Herman
Benjamin, DJ de 02/03/2010), não são todas as situações jurídicas a que submetidas
o concebido que ensejarão o dever de reparação, senão aquelas das quais decorram
consequências funestas à saúde do nascituro ou suprimam-no do convívio de seus
pais ante a morte destes. Precedentes. 3.2 Na hipótese dos autos, o fato que teria
ocasionado danos morais àquela que era nascituro à época dos fatos, seria o resultado
equivocado do exame de ultrassonografia com Translucência Nucal, que indicou ser ela
portadora de “Síndrome de Down”. Contudo, segundo a moldura fática delineada pela Corte
a quo, a genitora, no dia seguinte ao recebimento do resultado equivocado, submeteu-se,
novamente, ao mesmo exame, cujo diagnóstico mostrou-se diverso, isto é, descartou a
sobredita patologia. Não se ignora o abalo psíquico que os pais suportaram em virtude de
tal equívoco, dano, contudo, que não se pode estender ao nascituro. 3.3. Almejada
majoração do quantum indenizatório fixado a título de reparação pelos danos morais
suportados pelos pais. Inviabilidade. Necessidade, para tal reconhecimento, de
revolvimento dos aspectos fáticos delineados nas instâncias ordinárias. Inadmissibilidade
em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. 3.4 O vínculo que une
as partes e do qual exsurge o dever de indenizar é, inequivocamente, contratual, razão pela
qual os juros moratórios referentes à reparação por dano moral, em tal caso, incidem a partir
da citação. A correção monetária do valor da indenização pelo dano moral dá-se a partir da
data em que restou arbitrada, no caso, do acórdão que julgou a apelação, consoante o
Enunciado n. 362 da Súmula do STJ.

4. Recursos especiais improvidos.


19
(REsp 1170239/RJ - Relator Ministro MARCO BUZZI - Órgão Julgador: T4 - QUARTA
TURMA - Data do Julgamento: 21/05/2013)

No STF discutiu-se a constitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.105, ou seja, a ofensa à


dignidade da pessoa humana pela manipulação de células tronco embrionárias de embrião
excedentário. O pedido foi julgado improcedente com variação de fundamentos, entendendo, o
relator ministro Carlos Aires, que direitos da personalidade e direitos fundamentais são atributos da
pessoa nascida com vida. O Brasil é natalista, só que chega ao cúmulo de dizer que não é natalista,
não só em relação aos direitos da personalidade, como natalista em relação aos direitos
constitucionais5.

Guilherme Calmon, do TRF2, defende uma posição um pouco diferente, que é a seguinte: os
direitos patrimoniais são direitos que você vai justificar pela teoria natalista. Agora, as situações

5 Pablo Stolze: Destaque-se que, apesar da nossa filiação à tese concepcionista, somos favoráveis à sua
constitucionalidade (Da pesquisa com célula tronco permitida pela Lei nº 11.105/05). Primeiro, porque a lei
acaba trazendo uma presunção de morte do embrião, autorizando a utilização de suas células-tronco se eles
forem inviáveis à reprodução. Segundo, porque a partir de uma ponderação de valores constitucionais, os
interesses da coletividade quanto à evolução científica devem prevalecer sobre os interesses individuais ou de
determinados grupos, sobretudo religiosos. A utilização de células-tronco para fins de terapia representa uma
chama de esperança para inúmeras pessoas que enfrentam doenças e problemas de saúde.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
jurídicas existenciais que se projetam no princípio da dignidade da pessoa humana já serão
extensíveis a todo ser humano, seja ele com vida intrauterina ou extrauterina.

Guilherme Calmon defende a titularidade dos direitos existenciais pelo nascituro, com
base no art. 1º, III CF/88; o direito ao desenvolvimento da personalidade já existe a partir da
gestação. Ou seja, ser humano com vida intrauterina e ser humano com vida extrauterina, mas
AMBOS COMO SERES HUMANOS MERECEDORES DE TUTELA QUANTO À SUA DIGNIDADE.
A função proporcional da dignidade vai se estender independentemente do desenvolvimento desta
vida, o que significa dizer que você poderá pensar em vida e integridade física, em nome e em outras
situações jurídicas existenciais, inclusive para o nascituro, mas sem precisar defender o natalismo,
bastando que se busque na Constituição essa fundamentação.

O nascituro tem direitos; o que ele não tem são os direitos do Código Civil, que defende
a teoria natalista. A fonte de situações jurídicas não está apenas no Código Civil, a fonte de
posições existenciais é sobretudo a Constituição, de maneira que quando a Constituição diz
que o ser humano tem tutelada a sua dignidade, ela está se referindo a qualquer ser humano.
Todas as situações jurídicas que se referem à dignidade se estendem ao nascituro. Significa
dizer que o nascituro tem direito à vida, à integridade física, ao nome e a outros direitos como
alimentos e outros direitos da personalidade com base na Constituição. 20

Gustavo Tepedino: “se os direitos da personalidade encontram fundamento na


Constituição no art.1º, III CR, você vai estendê-los ao nascituro não pelo Código Civil, mas
pela via direta da Constituição, então ser natalista não significa negar direitos da
personalidade ao nascituro”.

Em resumo:

Teoria Natalista Código Civil, Doutrina Majoritária, STF

Teoria Concepcionista Doutrina Minoritária, STJ (em partes)

Teoria da Personalidade Formal Doutrina (apenas direitos da


personalidade)

Nascituro tem direitos extrapatrimoniais, com origem na


Guilherme própria Constituição. Não tem, entretanto, os direitos
Calmon patrimoniais previstos no CC/02, os quais dependem do
nascimento com vida

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
OBS: parece haver um equilíbrio na doutrina atual entre a teoria concepcionista e a
teoria natalista, com autores indicando, inclusive, haver preponderância da primeira.

Consigne-se que a conclusão pela corrente concepcionista consta do Enunciado n. 1,


do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovado na I
Jornada de Direito Civil, e que também enuncia direitos ao natimorto, cujo teor segue: “Art.
2º. A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos
direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.

O Embrião Excedentário

Maria Helena Diniz entende que o embrião possui personalidade jurídica formal, concernente
aos direitos da personalidade, adquirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida,
passando a ser titular de direitos patrimoniais (DINIZ, 2002, p. 113-114).

A concepção extrauterina (“in vitro”) passou a ser uma prática cada vez mais utilizada,
gerando um número excedente de embriões. Nessa técnica de reprodução assistida há uma grande
incerteza acerca da viabilidade do embrião concebido, portanto, muitos óvulos são fecundados e
apenas os mais aptos implantados no útero. Note-se que, enquanto os embriões excedentários
não são implantados no útero da mulher, eles não são considerados nascituros, não gozando
21
da mesma proteção jurídica desses entes.

A existência de embriões excedentários, em análise ao acima exposto acerca da proteção do


nascituro, causa estranheza. Porém, essa prática é permitida por conta de sua importância em
métodos científicos e médicos, como é o caso das células-tronco.

A própria Lei nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança) autoriza, em seu artigo 5º, a utilização
de células-tronco excedentárias para fins de pesquisa e terapia. Na ADI 3510/600 discutiu-se
a constitucionalidade deste artigo, que prevê a utilização de células-tronco embrionárias
originárias de embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida. Concluiu-se pela
constitucionalidade de tal prática

Os embriões produzidos in vitro não utilizados para a implantação no útero da mulher


podem, de acordo com a Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, ser doados
para outro casal com problemas de fertilização, ser congelados, ou usados para terapia
genética.

Proteção jurídica ao embrião, ao nascituro e ao embrião excedentário

- Da Proteção ao Embrião
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Em relação à proteção jurídica dada aos embriões, o primeiro ponto a ser ponderado é o
momento que se dá o início da vida humana. O Código Civil demonstra que “toda pessoa é capaz de
direitos e deveres”, sendo pessoa aquele que nasce com vida, assegurando, todavia, o direito do
nascituro, que para muitos civilistas é aquele que tem o nascimento como “fato certo” e deve “estar
em desenvolvimento no útero da mãe”, como já demonstrado (BARROSO, 2008).

Assim, conclui-se que um embrião congelado, fora do corpo humano, não é pessoa (pois
não nasce) e também não é nascituro (pois não tem vida).

O doutrinador Oscar Vilhena Vieira dissertou:

Vale lembrar que aqui não se fala de embriões com expectativa de vida, mas de embriões
inviáveis que serão descartados pelas clínicas de fertilização, nem tão pouco, que embriões
não devam ser protegidos pelo Estado, o que se defende é que esta proteção não deve ser
a mesma dada ao ser humano (VIEIRA, 2007).

Um segundo fator que precisa ser analisado é a violação ou não da dignidade da pessoa
humana. A maioria dos Relatores que julgaram a ADI entenderam que pelo fato do embrião não
ser considerado pessoa, consequentemente não há de se falar em dignidade da pessoa
humana.
22
Apesar de tal posição do STF, muitos doutrinadores ainda discutem sobre a potencialidade
deste embrião congelado gerar uma vida, mesmo que não comparado a uma pessoa. Assim, estes
defendem um tratamento/proteção diferenciado aos embriões, evitando a sua “coisificação”, como,
por exemplo, a proibição da produção de embriões exclusivamente para pesquisa. Estes acreditam
que devem ser utilizados para retirada das células-tronco apenas aqueles oriundos do processo de
reprodução in vitro, e que por algum fator, alheio à pesquisa, tornaram-se inviáveis à reprodução.

Assim, entende-se que o art. 5º da Lei nº. 11.105/2005 é constitucional, pois, além de não
estar em conflito com nenhum dispositivo da Constituição Federal, traz muitos benefícios à
sociedade, uma vez que contribui para a evolução da ciência, da medicina e é a esperança de
milhões de brasileiros que sofrem de diversas síndromes ou doenças degenerativas.

- Da Proteção ao Nascituro

É importante destacar que embrião e nascituro são figuras totalmente diversas e possuem,
inclusive, proteções jurídicas distintas.

No que tange ao nascituro, independentemente de se reconhecer sua personalidade jurídica,


o fato é que é preciso resguardar direitos desde o surgimento da vida intrauterina, protegendo assim,
o direito à vida do indivíduo.

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Apesar de haver grande controvérsia acerca do tema, o fato é que a legislação vigente,
principalmente o Código Civil de 2002 prevê que “A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (artigo 2º).

Reconhecer tal proteção é pressuposto para garantir o exercício e gozo dos direitos que
surgirão com o nascimento do indivíduo. Assim, independente de se reconhecer a personalidade e
capacidade jurídica do nascituro, este é protegido nos termos da lei. O Código Civil assegura os
direitos do nascituro, desde sua concepção, seja de maneira plena, como entende a Teoria
Concepcionista, sob a forma de condição suspensiva, como defende a Teoria da Personalidade
Condicional, ou, mediante uma expectativa de direito, segundo a Teoria Natalista.

São diversas as previsões legais acerca da proteção ao nascituro. O Estatuto da Criança do


Adolescente estabelece, em seus artigos 7º e 8º ,que o Estado tem a obrigação de garantir
desenvolvimento digno e sadio ao nascituro, e sua genitora possui o direito de realizar atendimento
pré e perinatal de forma gratuita, por exemplo.

A Lei nº 8.560/1992, em seu artigo 7º, garante ao nascituro o direito de receber alimentos
provisionais ou definitivos do reconhecido, que deles necessitar: “Sempre que na sentença de
primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos 23
do reconhecido que deles necessite”.

Muitos outros direitos ao nascituro são previstos em nosso ordenamento jurídico, como, por
exemplo, a capacidade de receber doações, ser beneficiado por legado e herança, possibilidade de
nomeação de curador para proteção de seus direitos etc.

Por fim, conclui-se que, diferentemente do embrião, o nascituro possui proteção jurídica,
uma vez que o nosso ordenamento jurídico proíbe de forma expressa qualquer ato atentatório à vida
do nascituro, criminalizando o aborto, independente do estágio gestacional em que se encontre,
resguardando sua integridade física e moral, conforme prevê os artigos 124 e seguintes do Código
Penal.

- Da Proteção ao Embrião Excedentário

Especificamente em relação aos embriões excedentários, o tema sempre foi objeto de


discussão e divergência doutrinária, uma vez que é evidente a dificuldade de se chegar em um
consenso acerca do início da vida, principalmente porque todas as teorias existentes apresentam
certa coerência na medida de suas particularidades, como visto anteriormente.

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
No ano de 2005, Carlos Fonteles, Procurador-Geral da República à época, propôs a ADI nº
3510 (também conhecida como “ADI das Células-Tronco”) junto ao Supremo Tribunal Federal sob a
argumentação de que o artigo 5º da Lei 11.105/05 seria inconstitucional. Para tanto, motivou sua
tese no fato de que, por ser uma vida, o embrião humano estaria sujeito à proteção constitucional,
motivo pelo qual não poderia ser utilizado em pesquisas com células-tronco.

Após alguns anos de discussão, embora não tenha havido unanimidade dos votos, se
chegou à conclusão de que o embrião não é sujeito de direitos como o nascituro e, portanto,
não possui personalidade jurídica, tampouco há que se falar em ofensa à dignidade da pessoa
humana ao utilizá-lo em pesquisas que a Lei 11.105/05 se refere.

Nesse sentido, de se ressaltar trecho do voto de Eros Grau:

“Lembre-se de que vida é movimento. Nesses óvulos fecundados não há ainda vida
humana. (...) Por isso não tem sentido cogitarmos, em relação a esses ‘embriões’ do texto
do artigo 5º da Lei n. 11.105/05, nem vida humana a ser protegida, nem de dignidade
atribuível a alguma pessoa humana”.

Tal posicionamento, entretanto, não foi adotado por todos os Ministros. Cezar Peluso, por
exemplo, sustentou que os embriões são passíveis de dignidade, e Carlos Ayres Britto defendeu a
existência de vida desde o momento em que ocorre a fecundação. Vejamos: 24
“(...) não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da
fecundação de um óvulo feminino por um espermatozoide masculino. (...) Não há outra
matéria-prima da vida humana ou diverso modo pelo qual esse tipo de vida animal possa
começar, já em virtude de um intercurso sexual, já em virtude de um ensaio ou cultura em
laboratório”.

Não obstante a existência de pontos controvertidos nos votos dos onze Ministros, a ADI
3510/600 foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, o que possibilita o uso de
embriões excedentários em pesquisas com célula-tronco.

Além dessa ADI, o STF, na ADPF 54/DF, autorizou a antecipação terapêutica do parto nos
casos de fetos anencefálicos. Claro que esta autorização termina exteriorizando uma certa
relativização dos direitos do nascituro.

Na verdade, não há qualquer previsão constitucional que reconheça o embrião como sujeito
de direitos e, consequentemente, garanta a sua proteção com base no princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana.

3.6. CONTRATOS CELEBRADOS POR INCAPAZES

É possível ao incapaz realizar negócio jurídico válido?

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
Quando o garoto acorda de manhã e vai na esquina comprar o jornal do pai, comprar o pão
do pai, pega um táxi ou um ônibus, compra um presentinho para a mãe, compra uma entrada para o
cinema, ele está realizando atos e mais atos jurídicos, negócios e mais negócios jurídicos.

O que a doutrina diz? Que, em tese, esse ato não pode ser considerado válido. E há três
correntes, para justificar essa possibilidade.

A primeira fala o seguinte: que isso é um fato social aceito pelos costumes.

Segunda corrente: na verdade, existe o negócio jurídico, só que está havendo,


automaticamente, uma autorização dos pais, que traz uma representação tácita, implícita.

E uma posição minoritária, que diz que isso não é um negócio jurídico, e sim um ato-fato
jurídico. Aqui no Brasil, só Pablo Stolze defende isso. Isso é errado.

Qual a resposta mais adequada à pergunta? A da REPRESENTAÇÃO TÁCITA, que é a


posição de Guilherme Couto, da Magistratura Federal (TRF2). Presume-se que o dinheiro com esse
menor foi dado por seu pai. Portanto, está autorizando o ato e automaticamente representando.

O ato praticado pelo incapaz, sem capacidade de fato, será considerado válido
quando se referir a acontecimentos necessários ao próprio desenvolvimento da sua 25
personalidade, como comprar um lanche na sua escola. A rigor é compra e venda,
praticado por absolutamente incapaz, então a rigor o contrato é nulo, art. 166, I CC. Mas se
continuar nessa conclusão vai se chegar a um resultado desastroso para a tutela da própria
dignidade desse sujeito.

Há uma divergência quanto ao fundamento:

Posição: trata-se de um negócio jurídico, mas com autorização dos pais, que, portanto,
representou, ainda que tacitamente, o menor. É como se, fictamente, o pai estivesse ali, falando pelo
menor, quando este se pronuncia para celebrar o negócio jurídico.

A crítica a essa posição é a seguinte: se o menor pratica um ato que o pai não quer, por
exemplo, compra uma cerveja na praia, como ficaria essa representação?

Ele está apenas fazendo a vontade do pai, eventualmente, cabe até uma representação. Na
verdade, a representação existe quando se age em nome de outra pessoa. Neste caso, a
representação ocorre quando o filho vai comprar a cerveja para o pai e diz: “moço, meu pai pediu
para comprar uma cerveja”. Agir na qualidade de representante e a compra e venda seria celebrada
pelo pai através do representante filho, aí cairíamos na mesma discussão para saber se esse contrato
de representação seria válido.

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
4. ESTADO CIVIL

O estado da pessoa é a soma de suas qualificações, permitindo sua apresentação na


sociedade numa determinada situação jurídica para que possa usufruir dos benefícios e vantagens
dela decorrentes, e sofrer os ônus e obrigações que dela emanam. É o seu modo particular de existir.

É o conjunto de qualidades que indicam o modo de ser, a situação e posição do indivíduo na


sociedade.

Pode ainda ser definido como o CONJUNTO DE QUALIFICAÇÕES DE UMA PESSOA QUE
A DEFINEM JURIDICAMENTE COMO INDIVÍDUO E QUE A IDENTIFICAM NA SOCIEDADE.

Ele é concebido em três dimensões:

a) Estado civil político: define quem é o indivíduo em relação ao país em que se encontra.
V.g: estrangeiro, natural ou apátrida;

b) Estado civil familiar: indica a sua situação na família, em relação ao matrimônio e ao


parentesco;

c) Estado civil individual: diz respeito às características pessoais, físicas e psicológicas (idade, 26
nome6, sexo, capacidade).

Todas as ações que versem sobre o estado civil são denominadas de ações de estado.
O estado civil é um direito da personalidade, gozando de todas as suas características.

Além disso, em especial tem as seguintes características:

a) Indivisibilidade: o estado é uno e indivisível e regulamentado por normas de ordem pública;


exceção à unicidade: dupla nacionalidade;

b) Indisponibilidade: trata-se de bem fora do comércio, inalienável e irrenunciável (não


obstante a nacionalidade possa ser renunciada, sendo esta uma exceção);

c) Imprescritibilidade: não se perde e nem se adquire o estado pela prescrição, por outro lado
não se pode obtê-lo por usucapião.

6O nome da pessoa natural se constitui de prenome (ou nome próprio) que é o escolhido pelos pais, e do
sobrenome (que indica o nome de família). Pode também ser acrescido de um sufixo indicativo, como Filho,
Júnior, Neto, etc., ao qual se chama agnome.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
d) Mutabilidade: o Estado Civil não é imutável. Ele pode variar conforme acontecimentos na
vida da pessoa que produzam efeitos jurídicos relevantes para essa modificação, tal qual o
casamento, a aquisição de nacionalidade em outro país etc.

5. DOMICÍLIO

A palavra domicílio tem raiz na palavra domus, que significa casa. Para os romanos, era o
lugar em que se cultuavam os antepassados. Os franceses complicaram essa noção, estabelecendo
uma relação entre o indivíduo e a casa. É preciso que sejam diferenciados três conceitos:

a) Morada – é o lugar onde a pessoa se estabelece temporariamente; exemplo: morar em


Salvador por 6 meses, é passageiro;

b) Residência – é o lugar onde a pessoa se estabelece habitualmente, ou seja, é


permanente; exemplo: pessoa que reside na cidade e passa finais de semana com frequência em
sua casa de campo terá 2 residências; o indivíduo pode ter várias residências.

c) Domicílio – é o lugar onde a pessoa estabelece residência, com ânimo definitivo,


transformando-o em centro de sua vida jurídica. O conceito de domicílio compreende o conceito
de residência, porque há também a exigência de habitualidade (elemento objetivo). Mas é preciso 27
também a existência do ânimo definitivo de ficar, com interesse de transformar o lugar em centro de
sua vida jurídica (elemento subjetivo). Exemplo: pessoa que passa os fins de semana no sítio, mas
tem a sua vida jurídica na residência da cidade.

DOMICÍLIO = RESIDÊNCIA (quid facti) + QUALIFICAÇÃO LEGAL (quid juris)

Comum / voluntário / geral (art. 70) – É a residência mais o animus / vontade / opção de
que ela seja o local principal de suas atividades (centro). Elemento material = residência; elemento
anímico ou psicológico = ânimo de permanência (oposto de transitoriedade). Residência local de
moradia, com certa permanência. Domicílio é um centro de referência jurídica.

Pluralidade de domicílios ou domicílios plúrimos (artigos 71 e 72) – É admitida no Brasil,


seguindo a doutrina alemã, a pluralidade de domicílios. Qualquer um dos locais pode ser
caracterizado como domicílio (pessoa que tem dois domicílios).

STF Súmula nº 483 É dispensável a prova da necessidade, na retomada do prédio situado


em localidade para onde o proprietário pretende transferir residência, salvo se mantiver,
também, a anterior, quando dita prova será exigida.

Domicílio Profissional (artigo 72): local onde é exercida a profissão, ou seja, é uma especial
modalidade de domicílio restrita a aspectos da vida profissional da pessoa física. Exemplo:

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
médico que reside na capital, mas se desloca por duas vezes ou mais na semana para uma cidade
do interior para exercer sua atividade profissional. Assim, o domicílio profissional não afasta o
domicílio geral, porque fica restrito às relações concernentes à profissão.

Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à


profissão, o lugar onde esta é exercida.

Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles


constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

Domicílio aparente ou ocasional (art. 73) – essa teoria foi desenvolvida por HENRI DE
PAGE (civilista belga). Trata-se de um domicílio criado por ficção da lei em face de pessoas que
não tenham residência habitual, será seu domicílio o local em que se encontrarem. EXEMPLO:
andarilhos, pessoas que trabalham no circo, ciganos etc. Também chamado de morada eventual.

Mudança de domicílio (artigo 74) – ocorre com a mudança da residência no intento


manifesto de mudar o domicílio, nos termos abaixo:

Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o


mudar.

5.1. CLASSIFICAÇÃO DO DOMICÍLIO 28


a) Domicílio voluntário: é aquele escolhido livremente pela pessoa maior e capaz. Poderá,
também, ser alterado livremente.

b) Domicílio necessário, legal ou compulsório: é aquele que, em função de uma qualidade da


pessoa, será estabelecido por lei. Possuem domicílio necessário:

1. Incapaz: domicílio será o do representante ou assistente;

2. Servidor público: local em que exerce suas atividades;

3. Militar: local onde serve;

4. Marítimo: onde o navio estiver matriculado ou ancorado;

5. Preso: lugar onde cumpre sua condenação definitiva. Logo, se a prisão for provisória, não
há domicílio necessário.

c) Domicílio de eleição, contratual, voluntário ou especial: é aquele estabelecido pelas partes


em contrato escrito, local em que serão cumpridos os direitos e deveres da convenção e onde serão
dirimidos eventuais litígios.

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
6. O FIM DA PESSOA NATURAL

De acordo com o art. 6º do CC, a existência da pessoa natural termina com a morte; presume-
se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva.

Ela pode ser de três espécies.

6.1. MORTE REAL

A parada do sistema cardiorrespiratório com a cessação das funções vitais indica o


falecimento do indivíduo. Tal aferição, permeada de dificuldades técnicas, deverá ser feita por
médico, com base em seus conhecimentos clínicos e de tanatologia.

A Lei nº 9.434/97 (lei de transplantes e remoção de órgãos) estabelece como momento


para ocorrência da morte real a paralisação da atividade encefálica (art. 3º).

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,
constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução
do Conselho Federal de Medicina.
29
Maria Helena Diniz observa que “a noção comum de morte tem sido a ocorrência de parada
cardíaca prolongada e a ausência de respiração, ou seja, a cessação total e permanente das funções
vitais, mas, para efeito de transplante, tem a lei considerado a morte encefálica, mesmo que os
demais órgãos estejam em pleno funcionamento, ainda que ativados por drogas”.

Cuida-se aqui da morte real, aferida, regra geral, por profissional da medicina.

As relações ligadas aos direitos da personalidade se extinguem; por outro lado, as relações
patrimoniais continuam após a morte (cessação de parte do cérebro, morte encefálica, que se prova
pelo atestado médico, que leva ao registro civil, para lavratura do óbito, certidão de óbito; mas se
não for feito o registro do óbito, a prova da morte pode ser feita por outros meios: testemunhas; o
contrário também é verdade, ou seja, pode-se provar a vida, mesmo existindo um registro de óbito).
Ex.: fiança é personalíssima e se extingue com a morte.

A família tem legitimidade para defender os direitos da personalidade do morto; moral;


imagem; gerando, assim, consequências jurídicas.

Questão de concurso (TRF2): é cabível proteção dos direitos da personalidade do morto?


SIM, nos termos dos artigos 12 (direitos da personalidade em geral) e 20 (direitos da personalidade

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
referentes à proteção da imagem, escritos ou palavra). E qual a legitimidade para defesa dos direitos
da personalidade do morto?

Depende da situação que se pretende proteger, nos direitos da personalidade em geral a


legitimidade está no parágrafo único do artigo 12 (cônjuge sobrevivente, qualquer parente em
linha reta e colateral até o quarto grau).

Na hipótese do artigo 20, a legitimidade é mais restrita, permitindo-se a proteção somente ao


cônjuge, ascendentes e descendentes.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista
neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o
quarto grau.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à


manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a
publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas,
a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a
boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer 30
essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes

DIREITO PROTEGIDO LEGITIMIDADE

Personalidade em geral Cônjuge, parentes em linha reta e colateral até 4º grau


(art. 12)

Escritos, imagens ou Cônjuge, ascendentes e descendentes (art. 20)


palavras

O que prova a morte é a certidão de óbito, mediante declaração médica, na qual o médico
tem contato com o cadáver.

6.2. MORTE CIVIL

Não está mais consagrada no ordenamento jurídico brasileiro, ela consistia na cessação
da personalidade jurídica de quem está vivo, acontecia quando o devedor não pagava a sua dívida
e era escravizado.

6.3. MORTE PRESUMIDA

Poderá ocorrer ante duas modalidades:

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
a) Morte presumida sem decretação de ausência (ou morte real sem cadáver): são aquelas
mortes em que é extremamente provável o óbito da pessoa, seja porque estava em perigo de vida,
seja porque estava em campanha e foi feita prisioneira, não aparecendo até dois anos após o
término da guerra. Para tal, é necessária a prova de que a pessoa estava em determinado local e
de lá não se tem mais notícias, para averiguações. No caso da morte presumida, os interessados
devem adotar o procedimento de justificação de óbito, no qual o juiz prolatará sentença
fixando a provável data do óbito.

b) Morte presumida com decretação de ausência: ocorre quando a pessoa está sumida e
declara-se ela ausente, para, na fase de sucessão definitiva, declará-la morta.

7. AUSÊNCIA (ARTS. 22 A 39, CC)

É um instituto que regra a situação de alguém que desapareceu do seu domicílio sem deixar
vestígios ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, ou, desaparecendo, seu mandatário
não possa ou não queira exercer ou continuar no exercício do mandato que lhe foi conferido, ou
sejam seus poderes insuficientes.

A lei dá uma solução para o destino do patrimônio do desaparecido, permitindo a


31
transmissão para os herdeiros, mesmo sem a existência de comprovação de morte provável. Ela
depende de sentença judicial, mas não permite que seja lavrado óbito (o que ocorre com a morte
presumida, ou seja, quando o juiz profere a sentença, determina que se lavre o assento de óbito).

Na ausência, não existe perda da personalidade jurídica, mas apenas a declaração de


que uma pessoa sumiu, resguardando-se seu patrimônio.

Fases do procedimento de ausência

a) Curatela dos bens do ausente: qualquer interessado ou o MP pode informar ao juiz que
alguém desapareceu, requerendo que seja nomeado um curador para seus bens. Os legitimados
familiares entram com o pedido de curadoria. Não há prazo de desaparecimento. O juiz declarará
a ausência, por sentença, nomeará curador e arrecadará os bens, reproduzindo editais de dois em
dois meses. O curador7 sempre será o cônjuge, se não tiver separado judicialmente ou de fato há

7 O curador do ausente pode ajuizar uma investigação negatória de paternidade? Não pode, porque ele não
perdeu a sua capacidade e, portanto, a titularidade dos direitos da personalidade, dentre os quais, questionar
a paternidade, ou seja, a curatela é dos bens. E se o ausente foi negativado no SPC E SERASA
indevidamente, poderá o curador ajuizar uma ação para pedir dano moral, violação do direito da personalidade?
A violação tem repercussão patrimonial, então poderia.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Vorne Cursos,
sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
mais de 2 anos. Não havendo, ascendentes ou descendentes, nessa ordem. A fase da curatela dura
1 ano (não deixou representante/procurador) ou 3 anos (deixou representante/procurador).

A NATUREZA DA SENTENÇA É CONSTITUTIVA de uma nova qualidade jurídica para o


desaparecido, que terá seus bens submetidos à administração por curador e à publicidade inerente
aos estados civis, pelo registro da sentença com base no art. 9º, IV CC.

Assim, na fase de curatela, há somente a declaração de ausência da pessoa e a curadoria


de seus bens, não se podendo falar em sucessão de bens e nem se podendo deles dispor, salvo se
para conservação, mediante autorização do juízo.

b) Sucessão provisória: decorrido o prazo de curatela (1 ou 3 anos), os interessados poderão


requerer a abertura da sucessão provisória. Após o trânsito em julgado da sentença de abertura da
sucessão provisória, haverá a abertura do testamento, promovendo-se o inventário e a partilha. Aqui,
os herdeiros deverão prestar caução para entrar na posse dos bens, com exceção dos herdeiros
necessários. Durante essa fase, os bens imóveis somente poderão ser alienados ou hipotecados
com autorização do juiz. Aberta a sucessão provisória, já gera efeitos patrimoniais, mas não podem
os bens ser vendidos, podendo ser utilizados os frutos. O prazo é de 10 anos, durante os quais o
ausente pode voltar e retomar seu patrimônio integralmente. Esse prazo deverá ser reduzido para 32
5 anos, quando o desaparecido já contava com 80 anos à época da abertura da sucessão provisória.

c) Sucessão definitiva: após 10 anos do trânsito em julgado da sentença que declarou a


abertura da sucessão provisória, poderão os requerentes pedir a abertura da definitiva e o
levantamento das cauções prestadas. Se o ausente contar com 80 anos e dele não se tiver notícias
há pelo menos 5, a abertura da sucessão definitiva independerá da provisória. A MORTE DO
AUSENTE SERÁ PRESUMIDA COM O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE
SUCESSÃO DEFINITIVA.

Curadoria Sucessão Provisória Sucessão Definitiva

Duração de 01 a 03 anos, Duração de 10 anos, Findo o prazo da sucessão


contados do trânsito em contados do trânsito em provisória, pode ser requerida
julgado da sentença julgado da sentença que a sucessão definitiva, a qual
declaratória da ausência determina abertura da será declarada por sentença
sucessão provisória cujo trânsito em julgado é a
data a ser considerada como
morte.

Efeitos do Retorno do Ausente

Dependerá da época em que ele reaparecer.

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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
a) Se na fase de curatela: ele retoma a posse de seus bens e cessa a curadoria patrimonial;

b) Se na fase da sucessão provisória: os sucessores deverão devolver todos os bens ao


ausente, no estado em que se encontrarem. Os sucessores necessários não deverão entregar os
frutos e rendimentos necessários; outros sucessores deverão capitalizar metade dos frutos e
rendimentos e entregá-los ao ausente (art. 33, CC), a não ser que o ausente estivesse desaparecido
de forma voluntária e de má-fé, caso em que perderá, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e
rendimentos;

c) Se na fase da sucessão definitiva: o ausente terá direito aos bens restantes, no estado em
que se encontrarem; aos bens sub-rogados no lugar ou o preço que os herdeiros tiverem recebido
pelos bens alienados;

d) Se o retorno for após passados 10 anos da abertura da sucessão definitiva, o ausente não
terá direito a nada.

7.1. DIFERENÇA ENTRE MORTE PRESUMIDA E AUSÊNCIA

Morte presumida é fim da personalidade jurídica, é uma situação de catástrofe em que não
há corpo, em que pese ser provável a morte da pessoa. Então, a mulher do morto presumidamente 33
é viúva.

A única diferença da morte presumida para a morte real é a falta do corpo. Vai ter atestado
de óbito, tudo direitinho, a mulher é viúva e vai ser feito processo de inventário.

A ausência não tem nada a ver com isso. Uma das coisas que o Desembargador Guilherme
Calmon critica em seu livro é isso, ou seja, a mania que as pessoas têm de se referir à morte
presumida para explicar a ausência. É errado, porque o ausente não é morto presumidamente.

Teve uma pergunta num concurso do MP que indagou o seguinte: é válido o contrato que
o ausente celebra fora de seu domicílio?

É claro que é válido, porque o ausente não é morto presumidamente. Se ele fosse morto
presumido o contrato seria inexistente.

O último artigo que trata da ausência, na fase da sucessão definitiva, cuida da hipótese em
que o ausente retorna. Morto retorna?

O simples fato de o legislador trabalhar o retorno do ausente é a condição de você poder estar
vivo.

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Pergunta: o morto presumido também não pode voltar?

Resposta: prestem atenção, se o morto presumido voltar, ele não é morto, houve um erro, é
diferente.

É até uma questão interessante e não tem solução legal. Se uma pessoa foi declarada morta
presumidamente e voltar, não existe solução legal no ordenamento. Não tem artigo que trate disto.

A nosso ver, nesse caso se aplica, por analogia, o mesmo raciocínio da ausência. A pessoa
simulou a sua morte e foi registrado o seu óbito como se morte presumida fosse. Se a pessoa
reaparece, tem que se cancelar o registro, porque ela não era morta nem real e nem
presumidamente. Por isso que o art. 7º, p. único diz que o juiz só pode declarar a morte presumida
depois que esgotarem as buscas e averiguações.

Pergunta: tem que ser por rescisória?

Resposta: NÃO TEM RESCISÓRIA PORQUE NÃO TEM DECISÃO DE MÉRITO. É


PROCESSO DE JUSTIFICAÇÃO. A MORTE PRESUMIDA É PROVADA POR JUSTIFICAÇÃO E
JUSTIFICAÇÃO NÃO TEM DECISÃO DE MÉRITO, ENTÃO NÃO CABE RESCISÓRIA. O que tem
que ser feito é o cancelamento do registro. É uma ação de cancelamento de registro de óbito no 34
RCPN provando que a pessoa está viva e que aquela prova (na justificação) reflete um fato
inexistente.

Não tem contraditório porque é prova, justificação é prova.

Na área federal, tem coisas absurdas, por exemplo, é muito comum órgãos pagarem pensão
a companheira com justificação. Isso é um absurdo. Eu posso fazer uma ação de justificação hoje
contra qualquer um, levar três testemunhas e dizer que eu morava com essa pessoa há dez anos.
As testemunhas iam dizer que a gente morava junto, o juiz ia ser obrigado a homologar, porque é
prova, e eu pegava e pedia o pagamento da pensão junto ao INSS.

Exemplo: a Aeronáutica mandou pagar pensão para uma suposta companheira que fez uma
justificação. Aí foi necessário ajuizar uma ação declaratória de inexistência de união estável. Foi
diferente, porque todo mundo faz ação de reconhecimento de união estável. Nesse caso, foi ao
contrário. Houve vitória em primeiro e segundo graus e, administrativamente, ocorreu o
cancelamento.

Morte presumida significa extinção da personalidade. Ausência significa dúvida acerca


da existência ou inexistência.

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Sentença – a sentença no procedimento de ausência tem natureza constitutiva do estado de
ausência, devendo ser levada a registro. Antes da decisão não há ausência em sentido técnico, mas
apenas uma não presença fática.

É possível declaração de ausência de pessoa que não deixou bens?

A doutrina tradicional entende que não, porque não há interesse em se promover uma
arrecadação, uma sucessão se a pessoa não tinha bens, MAS O STJ E A DOUTRINA
CONTEMPORÂNEA DEFENDEM QUE A AUSÊNCIA NÃO É UM INSTITUTO DE TUTELA DO
PATRIMÔNIO, MAS SIM DE PROTEÇÃO DE UM SER HUMANO, CUJO PARADEIRO E
EXISTÊNCIA SÃO IGNORADOS.

Por esse raciocínio, você permitiria a declaração de ausência de uma pessoa milionária e
julgaria improcedente o pedido de ausência de um mendigo.

Tanto uma pessoa rica quanto uma pessoa pobre pode pretender ser declarada ausente,
porque a ausência em sentido jurídico surge a partir da sentença e, com essa sentença levada a
registro, altera-se o estado civil da pessoa. De presente, você passa a ser ausente. Agora, é claro
que não vai haver sucessão, porque não há o que suceder.
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8. COMORIÊNCIA

Trata-se de uma situação de morte simultânea prevista no artigo 8o, CC/02, ou seja, é a
situação de falecimento de duas pessoas ao mesmo tempo e não se consegue estabelecer quem
morreu primeiro. Somente tem relevância prática se tratar-se de familiares que interfiram nas
relações sucessórias. Presume-se que ambos morreram ao mesmo tempo. É fundamental fixar o
momento cronológico das mortes, em decorrência dos seus efeitos patrimoniais.

Se a questão do concurso der a ordem cronológica das mortes, não se aplica a presunção
da comoriência.

Se no concurso não houve a indicação da ordem das mortes, aplica-se a presunção do artigo
o
8 . Isso significa que, aplicando-se a regra da comoriência, serão abertas cadeias sucessórias
distintas. Não se podendo indicar a ordem cronológica, um comoriente não herda do outro: o
patrimônio será dividido.

Não se pode esquecer do direito de representação das sucessões; ex.: morrem o pai e o
filho ao mesmo tempo – os netos receberão a herança do avô em razão do direito de representação.
É como se os dois não existissem, ou seja, um não participa da herança do outro. Assim, o direito

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sob pena de responsabilização civil e criminal (Lei 9.610/98 e CP).
brasileiro acolhe o PRINCÍPIO DA SIMULTANEIDADE, para fins de comoriência (questão de
concurso).

Agora se, por exemplo, na situação dada, o filho somente deixou esposa, essa não terá direito
a herdar o patrimônio que do pai eventualmente passaria a seu esposo, porque ela não tem direito
de representação.

ATENÇÃO: esta regra somente é aplicável se não se puder precisar os instantes das
mortes. No caso de não se poder precisar a ordem cronológica das mortes dos comorientes, a lei
firmará a presunção de haverem falecido no mesmo instante, o que acarreta importantes
consequências práticas: abrem-se cadeias sucessórias autônomas e distintas, de maneira que
um comoriente não herda do outro.

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