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1.Introdução - 2.Da sociedade anônima e da sociedade limitada - 3.A arbitragem nas sociedades
anônimas - 4.A vinculação dos novos acionistas à cláusula compromissória estatutária - 5.Decisão
não unânime quanto à inserção da cláusula compromissória no contrato de sociedade - 6.Arbitragem
no acordo de acionistas - 7.Arbitragem no contrato social para dirimir conflitos entre os sócios - 8.A
cláusula arbitral como instrumento de governança corporativa - 9.Conclusão
1. Introdução
A Lei 9.307/1996 está cada vez mais consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, ao possibilitar
aos interessados que adotem o procedimento arbitral para eventuais controvérsias que venham a
surgir de determinada relação jurídica que trate de direitos patrimoniais disponíveis.
Na área societária, pode-se afirmar que a maioria das questões tratam de direitos patrimoniais
disponíveis, vez que grande parte das operações realizadas pelas companhias possuem caráter
financeiro. Nesse sentido, o presente artigo visa examinar a possibilidade de inserção da cláusula
compromissória arbitral no âmbito das sociedades anônimas e limitadas e os efeitos gerados pelo
compromisso arbitral, com destaque para a discussão sobre a vinculação dos acionistas à cláusula
compromissória e ao acordo de acionistas.
2. Da sociedade anônima e da sociedade limitada
Inicialmente, cumpre observar que a inserção da cláusula compromissória pode ser feita em
qualquer tipo societário, mas, atualmente, a maioria das sociedades brasileiras adotam como
estrutura societária a sociedade limitada e a sociedade anônima por conferirem vantagens
específicas aos seus componentes, como a separação patrimonial dos bens dos sócios e da
sociedade, bem como a limitação da responsabilidade.
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
Por sua vez, o capital social da sociedade anônima não está atribuído a um nome específico, pois
está dividido em ações que podem ser transacionadas de acordo com as regras do estatuto social ou
acordo de acionistas de cada companhia. Após a sua criação, torna-se uma sociedade empresária
com as seguintes características "(a) é sociedade de capitais; (b) sempre empresária; (c) o seu
capital é dividido em ações transferíveis pelos processos aplicáveis aos títulos de crédito; (d) a
responsabilização dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas".1 Além disso,
é regida por um instrumento denominado estatuto social no qual constam as regras básicas de
funcionamento e estrutura organizacional da sociedade, tais como: o montante do capital social,
objeto social, prazo de duração, a forma de administração da sociedade e composição dos conflitos
dela decorrentes.
A sociedade anônima constitui o tipo societário mais utilizado pelas grandes corporações que
comumente utilizam a arbitragem e que ofertam as suas ações no mercado de capitais, foco das
boas práticas de governança corporativa.2 De maneira geral, possui grande importância econômica
para o mercado, pois, além de acumular grandes quantidades de recursos financeiros, geram muitos
empregos e tributos para o Estado. Diante deste quadro, a harmonia dos órgãos da sociedade
(diretoria, conselho de administração e assembleia geral) é essencial para que suas atividades
possam alcançar os lucros esperados pela companhia e pelos acionistas.
Portanto, a adoção da arbitragem para a resolução dos conflitos de forma extrajudicial na esfera
societária tem por objetivo propiciar vantagens econômicas e legais, pois, com a solução rápida e
adequada dos litígios evita-se a prolongação de demandas e a demora de uma prestação
jurisdicional.
Nesse sentido, a Lei 10.303/2001 modificou a Lei 6.404/1976 (Lei das S.A) para introduzir o
mecanismo da arbitragem como via de resolução de disputas societárias, exatamente no artigo que
dispõe sobre os direitos essenciais do acionista.3 Este dispositivo não é o único que autoriza o uso
da via arbitral para a composição dos conflitos societários, visto que o art. 1.º da Lei 9.307/1996 já
preconizava que as pessoas capazes de contratar poderiam utilizar a arbitragem para resolver
disputas relativas a direitos patrimoniais disponíveis. A introdução do § 3.º no art. 109 visa eliminar
qualquer restrição ou pré-requisito para a adoção do instituto arbitral no âmbito das sociedades
anônimas e, subsidiariamente, as demais sociedades. A respeito da alteração da Lei 6.404/1976,
asseverou Arnoldo Wald: "Trata-se, aliás, de mera explicitação, pois, mesmo antes da reforma
legislativa de 2001, nada impedia que as partes incluíssem, nos seus estatutos, a cláusula
compromissória".4
Destarte, ao verificar a inserção da arbitragem na Lei das S.A sem qualquer óbice ao seu uso,
pode-se concluir que a alteração reforça a vontade legislativa em favor do instituto e estimula a sua
propagação pelas companhias para a solução juridicamente eficiente dos conflitos e controvérsias
oriundas das relações societárias, tem, portanto, indubitavelmente, uma função pedagógica.
Segundo explica Pedro Batista Martins, alguns juristas são céticos quanto ao uso da arbitragem nas
sociedades anônimas, porém, entende que o fazem sem fundamento legal, confira-se:
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
"Sem embargo, alguns juristas e estudiosos ainda não se sentem confortáveis com a possibilidade
de se usar a arbitragem na seara das anônimas de forma linear, sem condicionantes. Discordam da
eficácia subjetiva da cláusula compromissória estatutária e da amplitude da arbitrabilidade objetiva,
dada a natureza das matérias objeto das questões societárias. Penso, contudo, que as
preocupações e as objeções que fundamentam o posicionamento contrário a arbitragem societária
são, se não em sua totalidade, ao menos em sua flagrante maioria, desprovidas de embasamento
eficaz. Não raro, contemplam intrínseco grau de misoneismo e sentimento ideológico".5
Sendo assim, afastadas as incertezas sobre a aplicação da arbitragem na sociedade anônima, resta
esclarecer a existência de divergência que pode ocorrer no momento da vinculação de todos os
acionistas à cláusula compromissória introduzida no estatuto social, conforme veremos a seguir.
4. A vinculação dos novos acionistas à cláusula compromissória estatutária
Para as sociedades anônimas, considera-se novo acionista aquele que as integra em momento
posterior à sua instituição, normalmente pela aquisição de ações. Essa operação é realizada, na
maioria das vezes, sem grandes formalidades, em face da rapidez dos negócios do ambiente
empresarial, sendo possível que o novo acionista não tenha conhecimento algum acerca do estatuto
social da companhia que poderá conter a cláusula compromissória.
Desta maneira, questiona-se a possibilidade ou não de vinculação do novo acionista diante de seu
alegado desconhecimento do estatuto social.
Ainda, com relação ao novo acionista, afirma Cantidiano8 que em virtude de o estatuto social ter um
conteúdo contratual e de o novo acionista efetuar a sua adesão ao instrumento, deve-se aplicar, por
equiparação, o § 2.º do art. 4.º da Lei 9.307/1996, que estabelece condições especiais para a
validade da cláusula arbitral nos contratos de adesão. Por esta razão, a submissão do novo acionista
ao juízo arbitral estaria condicionada à sua iniciativa de iniciar a arbitragem, ou concordar,
expressamente, com sua instituição, desde que, por escrito, em documento anexo ou negrito, com
assinatura ou visto especialmente para ela.9
Embora o entendimento acima demonstrado seja defendido por renomados juristas, por razões de
ordem prática e favoráveis ao desenvolvimento da arbitragem no direito societário, a doutrina passou
a manter uma posição diversa com relação à vinculação do novo acionista à cláusula
compromissória inserida no estatuto social da companhia.10
Inicialmente, deve se destacar que o funcionamento das sociedades anônimas está baseado no
princípio da maioria votante, de modo que ao ingressar livremente em uma companhia o acionista
opta por se submeter às regras corporativas, dentre as quais está a prevalência da vontade das
maiorias (art. 122, I, da Lei 6.404/1976).11 Página 3
A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
Sendo assim, aqueles que vierem a se tornar novos acionistas de uma companhia que já possua a
cláusula arbitral como forma de resolução dos conflitos, não devem assinar um documento em
apartado para expressar a sua concordância por três motivos: pela impossibilidade de comparar o
estatuto social a contratos de adesão,12 pela incompatibilidade dessa regra com a atual dinâmica do
mercado de capitais no Brasil e pelo dever de diligência que o investidor deve ter ao realizar
aplicações no mercado, já que é possível verificar se a empresa possui cláusula compromissória no
estatuto social antes de se tornar um novo acionista.13
No mesmo sentido, a norma incluída no estatuto vincula a sociedade e todos os acionistas, não
havendo razão para distinguir entre os sócios que aprovaram ou não a cláusula que a ela tenham
aderido ou não. A respeito da vinculação de todos os acionistas e da introdução do art. 109, § 3.º, da
Lei 6.404/1976, Arnoldo Wald sustenta que o novo texto legal deve ser aplicado a todos os
acionistas, quer tenham concordado ou não com o estatuto, quer tenham adquirido suas ações antes
ou depois da aprovação do texto, que submeteu os conflitos societários à arbitragem, ou até que se
tenham manifestado contrariamente à mencionada disposição estatutária.14
Esta vinculação deve ocorrer em face da vontade majoritária, conforme o posicionamento de Pedro
Batista Martins, a cláusula arbitral estatutária não necessita de assinatura para que possa produzir
efeito. Mesmo com a ausência de manifestação dos interessados ou em face da manifestação
contrária dos envolvidos, o pacto arbitral será legítimo e operará eficácia contra os descontentes. A
seguir, aduz que a cláusula arbitral inserida no estatuto da sociedade anônima deverá seguir a sorte
de todas as deliberações societárias. Assim, afirma que a vontade majoritária encerra uma obrigação
de toda a sociedade e seus acionistas. Por fim, assevera que o princípio da maioria é universal e,
assim, como pressuposto de limitação de responsabilidade, consubstancia premissa que viabiliza a
existência dessas sociedades.15
Portanto, a adoção do juízo arbitral não fere um direito essencial do acionista. A arbitragem tem
caráter jurisdicional, logo, não haveria renúncia ao direito constitucional previsto no art. 5.º, XXV, da
CF/1988. Sobre esse assunto, assim ponderou Marcelo Dias Gonçalves Vilela:
"A convenção arbitral (cláusula compromissória) integra-se ao próprio estatuto ou contrato social e
independentiza-se da vontade os sócios fundadores ou instituidores para se tornar uma ‘vontade’
(norma) social, que vincula as relações entre todos os associados. Na verdade, a cláusula
compromissória societária não é uma regra para-estatutária (parassocial), mas se coloca como regra
orgânica da sociedade. Assim, o novo associado submete-se a toda estrutura social estatutária,
composta de normas que podem outorgar direitos especiais aos fundadores, restrições à livre
transmissibilidade de cotas ou ações, limitações ao pagamento ou à ordem de recebimento de
dividendos entre outros. Também assim estará se submetendo, pela cláusula compromissória, a
especial modalidade de exercício do direito de ação, diante de eventuais controvérsias societárias,
através do procedimento arbitral que substitui a jurisdição estatal".16
Não obstante, para que a adoção da cláusula arbitral estatutária possa se desenvolver de forma
pacífica devem ser observadas algumas condições, tais como: a ampla divulgação da existência de
cláusula compromissória arbitral no estatuto social ou da convocação de assembleia geral que
deliberará sobre a adoção da arbitragem como forma de resolução dos conflitos societários; a
determinação de regras que garantam a escolha de um tribunal arbitral imparcial; e a fixação de
custos acessíveis a todos os acionistas, inclusive os acionistas minoritários.
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
A questão referente aos associados que discordaram expressamente na assembleia geral acerca da
deliberação que aprovou a cláusula compromissória societária também deve ser examinada.
As deliberações sociais são tomadas pela maioria simples do capital social, salvo as exceções legais
e contratuais. Não existindo tais exceções, a decisão colegiada tomada pela maioria, mesmo em se
tratando de assuntos acerca do juízo a ser eleito para dirimir futuros e eventuais conflitos surgidos
durante o funcionamento das sociedades, vincula todos os associados ausentes ou dissidentes,
conforme o disposto no art. 1.072, § 5.º, do CC/2002, in verbis:
"Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em
reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos
administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.
(...)
§ 5.º As deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios,
ainda que ausentes ou dissidentes".
Assim, vislumbra-se que as sociedades que têm em sua instância deliberativa o foro adequado para
a formação da vontade social, ou seja, a assembleia geral, possui a capacidade de transformar a
vontade de cada associado na "vontade da companhia".18
Ressalve-se que, a opção pela arbitragem não implica a subtração do direito de ação, uma vez que
ao acionista continua garantido o direito à sentença de mérito acerca do conflito instaurado, com a
diferença de que o provimento pleiteado será proferido por um árbitro. Caso ocorra alguma violação
aos princípios constitucionais do processo ao decorrer do procedimento arbitral, à parte é garantido o
acesso à jurisdição estatal para obter a nulidade da sentença prolatada.
Portanto, quando uma determinada deliberação for submetida à votação em assembleia social,
devidamente convocada, com quórum suficiente, nos termos do estatuto social, e a decisão for
contrária ao voto de alguns acionistas, a validade desta deliberação estará garantida em virtude da
prévia submissão, voluntária e espontânea, dos acionistas ao princípio da maioria societária.19
6. Arbitragem no acordo de acionistas
Tendo por base o art. 118 da Lei das Sociedades Anônimas,20 Modesto Carvalhosa o conceitua da
seguinte forma:
"O acordo de acionistas é um contrato submetido às normas comuns de validade de todo negócio
jurídico privado, concluído entre acionistas de uma mesma companhia, tendo por objeto a regulação
do exercício dos direitos referentes a suas ações, tanto no que se refere ao voto como à
negociabilidade das mesmas".21
Logo, o acordo de acionistas seria a ferramenta contratual adequada para regular os direitos e
obrigações dos sócios nas sociedades anônimas de forma a dar força vinculativa aos interesses
comuns a determinado grupo de acionistas de uma companhia, independentemente deles possuírem
participação minoritária ou majoritária no capital social da empresa.23
Tendo em vista que o acordo é o instrumento destinado a compor a resolução igualitária para os
acionistas, exclui-se do pacto a própria sociedade anônima da qual as partes participantes são os
próprios acionistas, ou seja, o acordo não vincula a companhia, todavia, a mesma deve estar atenta
ao conteúdo do que for definido no instrumento, vez que, invariavelmente, poderá ser chamada para
integrar uma futura controvérsia que surgir entre os acionistas que celebraram o compromisso
arbitral. Nesse sentido, explica Rubens Requião:
"O acordo de acionista, segundo a nova redação do art. 118 introduzida pela Lei 10.303/2001, pode
regular atos relativos à compra e venda de ações, preferências para adquiri-las, exercício de direito
de voto ou do poder de controle é arquivado pela companhia e deve ser por ela observado. O pacto
entre os acionistas, portanto, era considerado apenas uma relação obrigacional, particular. Não se
estendia à sociedade".25
Portanto, é perfeitamente possível discutir a matéria objeto do litígio por meio da eleição da cláusula
arbitral, sendo o acordo de acionistas uma das possibilidades para sua inserção,28 de acordo com o
entendimento acima esposado.
7. Arbitragem no contrato social para dirimir conflitos entre os sócios
A cláusula arbitral também pode ser inserida no contrato social que regulamenta as regras para o
funcionamento das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. A cláusula inserida no
contrato social desde o momento da constituição da sociedade, não pode ter sua aplicabilidade
questionada com relação aos sócios participantes. Além disso, é dispensada a necessidade de
manifestação de concordância por meio de documento em separado, ou de destaque da cláusula no
corpo do contrato, por um simples fundamento: o contrato social não é um contrato de adesão, ou
seja, as cláusulas são estipuladas de acordo com os interesses dos futuros sócios que pretendem
encabeçar a sociedade, conforme demonstrado.
Outrossim, com relação aos novos associados não podem existir dúvidas quanto à aplicação da
cláusula arbitral. O ingresso do novo sócio é feito por meio de alteração contratual, da qual consta
assinatura do novo integrante do quadro social, logo, após ler e concordar com os termos do contrato
social previamente estipulado pelos associados fundadores.
Assim, o problema mais significativo no campo das sociedades limitadas seria a oponibilidade da
cláusula arbitral a sócio que tenha restado vencido em deliberação social em que se decidiu pela
inclusão daquela cláusula em alteração contratual, em momento posterior à constituição da
sociedade. Neste caso, a cláusula será oponível a todos os sócios, ainda que discordantes da
deliberação, de acordo com o que preconiza o art. 1.072, § 5.º, do CC/2002, segundo o qual "as
deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que
ausentes ou dissidentes".
Uma vez que a deliberação tenha levado a uma alteração no contrato social (para a qual não se faz
necessária a assinatura de todos os sócios, bastando a manifestação de vontade de sócios que
representem o quórum deliberativo), as cláusulas se impõem a todos os integrantes da sociedade,
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
de forma plena.
Destaque-se que a imposição das cláusulas contratuais aos sócios divergentes é possível mesmo
nas hipóteses de restrição de direito (o que não é o caso da arbitragem). O contrato social (que
apresenta natureza jurídica especial, constituindo-se em contrato plurilateral) tem seu integral
conteúdo aplicado de forma igualitária a todos os sócios, no que se inclui a cláusula arbitral inserida
com o voto contrário de um dos integrantes do quadro social.
A cláusula compromissória presente no contrato social obriga as partes a utilizar o juízo arbitral
quando houver ocorrência de lide relativa ao campo de arbitrabilidade objetiva.
Para exemplificar, o acórdão do AgIn 122.809.4/7 proferido pela 3.ª Câm. de Direito Privado do TJSP
em 09.11.1999, analisou um caso que envolvia uma questão litigiosa e sua relação com a eleição do
juízo arbitral como forma de resolução de controvérsias societárias. Em síntese, o sócio majoritário
titular de 60% excluiu unilateralmente o sócio minoritário da sociedade.
Assim, o minoritário ajuizou ação de nulidade de alteração contratual de sociedade por quotas de
responsabilidade limitada, aduzindo que o litígio deveria ter sido resolvido pela via arbitral, vez que
havia essa disposição no estatuto da empresa. A seguir, o juízo da primeira instância indeferiu a
tutela antecipatória sob o fundamento de que a jurisprudência já firmara o entendimento no sentido
de possibilitar a alteração no contrato social à revelia do sócio minoritário, ainda que para excluí-lo,
sem prévia apuração de culpa.
Ato contínuo, o autor interpôs recurso de agravo de instrumento objetivando a reforma da decisão
proferida pelo juízo a quo. A seguir o TJSP deu provimento ao agravante para determinar a sua
reintegração à sociedade até o julgamento final da lide.
Ao analisar o caso, Marcelo dias Gonçalves Vilela considera que é admissível a extensão da
cláusula compromissória societária para envolver toda e qualquer questão que se refira ao encontro
da vontade dos sócios que deu origem à sociedade e que mantém o propósito social. A respeito do
acórdão,29 o jurista teceu os seguintes comentários:
"O acórdão comentado considerou haver competência do juízo estatal para pronunciar-se sobre o
mérito da questão referente à alteração unilateral do contrato social, por entender que tal conflito
estaria fora dos limites objetivos da cláusula compromissória. Discorda-se de tal posição. Com efeito,
o litígio que envolva a possibilidade de alteração do contrato social exclusivamente por um dos
sócios (majoritário) e seu arquivamento no Registro de Comércio competente inclui-se no campo de
arbitrabilidade fixado por uma cláusula compromissória societária, pois este se liga diretamente com
o convívio social dos membros de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada".30
Portanto, conclui-se que a celebração de cláusula compromissória societária, sem que haja a
restrição quanto à matéria a ser submetida à arbitragem ou a delimitação de reservas de juízo
estatal, estabelece a obrigatoriedade da utilização da arbitragem quanto a todos os conflitos que
tenham incidência sobre o pacto social, desde que presentes os requisitos da arbitrabilidade
subjetiva e objetiva.31
8. A cláusula arbitral como instrumento de governança corporativa
"A boa governança proporciona aos proprietários (acionistas ou cotistas) a gestão estratégica de sua
empresa e a monitoração da direção executiva. As principais ferramentas que asseguram o controle
da propriedade sobre a gestão são o conselho de administração, a auditoria independente e o
conselho fiscal. A empresa que opta pelas práticas de boa governança corporativa adota como linhas
mestras a transparência, a prestação de contas, a equidade e a responsabilidade corporativa. Para
tanto, o conselho de administração deve exercer o seu papel, estabelecendo estratégias para a
empresa, elegendo e destituindo o principal executivo, fiscalizado e avaliando o desempenho da
gestão e escolhendo a auditoria independente".33
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
Como consequência da criação desses segmentos especiais pela Bovespa, foi instituída a Câmara
de Arbitragem do Mercado (CAM) que tem por finalidade atuar nos conflitos que possam surgir no
âmbito do Nível 2 e do Novo Mercado, sendo provável a sua extensão aos demais segmentos da
Bovespa.
Assim, o uso da arbitragem nas sociedades é plenamente justificável na atual economia globalizada,
que zela pela estabilidade das relações jurídicas firmadas entre os seus agentes, por ser capaz de
preservar o desenvolvimento das atividades econômicas da sociedade ao evitar as prolongadas
demandas entre os sócios ou entre estes e a própria companhia.
A arbitragem é uma forma de resolução de conflitos extrajudiciais que passou a ser utilizada com
maior frequência no âmbito societário, em virtude de suas características peculiares: a celeridade, a
especialidade, o sigilo e a economia.
Embora a Justiça estatal seja importante para a sociedade, sua estrutura não permite que processos
complexos sejam julgados em um tempo razoável, principalmente devido ao número de demandas
ajuizadas. Assim, a arbitragem surge como uma alternativa eficaz para atender os jurisdicionados,
especialmente quando a matéria versada envolve o direito societário.
A inserção da cláusula compromissória nos estatutos sociais revela-se como mecanismo alternativo
mais adequado a ser aplicado em negócios que envolvam complexas questões societárias, não só
em razão da grande flexibilidade oferecida pelo seu procedimento, como também pela dinâmica das
relações negociais no âmbito empresarial, que na maioria das vezes necessita de um provimento
jurisdicional específico.
Portanto, os sócios das sociedades que optam pela cláusula compromissória como forma de
resolução de seus conflitos, consideram que o uso da arbitragem nas relações societárias é uma
forma inteligente de resolver os futuros conflitos oriundos das relações empresariais, passíveis de
comprometer o sucesso do empreendimento empresarial se submetidas ao Poder Judiciário, com a
mesma eficácia de um provimento jurisdicional, por meio de uma solução imediata, específica e,
sobretudo, sem prejudicar a imagem da empresa.
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
1 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 10 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 159.
2 Note-se "(...) governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e
monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho e administração,
diretoria, auditoria independente e conselho fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a
finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua
perenidade. (...) A boa governança corporativa garante equidade aos sócios, transparência e
responsabilidade pelos resultados". Disponível em: [www.ibgc.org.br/PerguntasFrequentes]. Acesso
em: 16.11.2010.
3 Cf. "Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos
de:
I – participar dos lucros sociais;
III – fiscalizar, na forma prevista nesta lei, a gestão dos negócios sociais;
§ 1.º As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.
§ 2.º Os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos
não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembleia-geral.
6 CARVALHOSA, Modesto; EIZERIK, Nelson. A nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002. p.
183-184.
7 Idem, ibidem.
8 CANTIDIANO, Luis Leonardo. Reforma da Lei das S/A comentada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
p. 120.
9 Cf. item 5 – O regulamento de Câmara de Arbitragem do Mercado, que visa compor conflitos que
possam surgir nos segmentos especiais da listagem da Bovespa, segue essa posição.
(www.bovespa.com.br/pdf/regulamento, em 25.10.2010).
10 A matéria ainda é controvertida, na medida em que o jurista Nelson Eizirik flexibilizou o seu
posicionamento acerca da adoção da cláusula arbitral nos estatutos sociais, vejamos "A
disponibilidade deve ser analisada sob o espectro da autonomia da vontade: se as partes decidiram
submeter o litígio à arbitragem essa vontade deve ser respeitada. Todavia, há hipóteses em que
normas imperativas afastam a vontade das partes em nome do interesse público. Em tais casos, o
objeto do litígio não será arbitrável, pois se trata de um direito indisponível, relacionado ao exercício
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
do poder estatal. Como a Lei 9.307 não tratou dos litígios societários, aplica-se a regra geral que
estabelece que à arbitragem podem ser submetidos todos os conflitos societários relativos a direitos
patrimoniais disponíveis. Como o objetivo principal das companhias é a produção de lucro, em
princípio todas as questões societárias estão ligadas a direitos patrimoniais disponíveis (...) De início,
no Direito italiano, defendeu-se que todos os assuntos atinentes aos direitos individuais do acionista
seriam arbitráveis. Tal posicionamento mostrou-se por demais conservador, não autorizando o uso
da arbitragem para situações que transcendessem a esfera individual do sócio. Não se poderia, por
exemplo, decidir impugnações de decisões de assembleia geral por meio da arbitragem, já que
necessariamente o resultado do conflito refletiria sobre todo o universo de acionistas. A dificuldade
em definir quais as matérias societárias são arbitráveis deriva exatamente da natureza associativa
das companhias. O status do acionista e a titularidade de seus valores mobiliários diferem dos
padrões do direito de propriedade, impedindo a aplicação pura e simples do critério da
patrimonialidade e disponibilidade. A lei italiana foi a única a tratar da arbitrabilidade objetiva dos
litígios societários, estabelecendo que podem ser submetidas à arbitragem as controvérsias entre
sócios e entre esses e a sociedade que tenham por objeto direitos disponíveis atinentes à relação
sócia" (EIZERIK, Nelson. A arbitragem nas controvérsias societárias. Publicado em 06.04.2009.
Disponível em: [www.valoreconomico.com.br]. Acesso em: 16.11.2009).
11 TIMM, Luciano; SILVA, Rodrigo Tellechea. O acordo de acionistas e o uso da arbitragem como
forma de resolução de conflitos societários. Disponível em:
[www.cmted.com.br/restrito/upload/artigos]. Acesso em: 04.11.2010.
15 MARTINS, Pedro Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem: comentários à Lei 9.307/96.
Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.78.
16 VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Arbitragem no direito societário. Belo Horizonte: Mandamentos,
2004. p. 192-193.
17 Idem, p. 196.
18 "Diferentemente, no caso das relações sócio-empresa, eu quero crer que a introdução da cláusula
compromissória no estatuto social por maioria de votos tenderá a ser válida e eficaz e produzirá
todos os seus efeitos de direito, porque a repercussão nesse caso é de outra natureza. A
repercussão jurídica trafega, no meu modo de ver, em outro ambiente, no ambiente de interesses
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superiores, mais abrangentes, permeia o campo dos interesses sociais. Aqui, o bem jurídico a
proteger é a coletividade. Como diz Vivante, o contrato de sociedade transforma interesses
individuais e divididos dos sócios em interesse coletivo. Aqui, é importante que tenhamos essa
repercussão da transformação dos interesses dos sócios, interesses divididos e individuais, em
interesses sociais, em interesses coletivos." MARTINS, Pedro Batista. A arbitragem e a solução de
conflitos societários [palestra]. Disponível em: [www.batistamartins.com/batistamartins.htm]. Acesso
em: 04.11.2010.
20 "Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para
adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela
companhia quando arquivados na sua sede (Redação dada pela Lei n. 10.303/2001)."
21 CARVALHOSA, Modesto de Souza Barros. Acordo de acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 9.
22 Idem, p. 33.
25 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 160. vol. 2.
26 "Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para
adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela
companhia quando arquivados na sua sede.(Redação dada pela Lei n. 10.303/2001). § 1.º As
obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de
averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos."
27 "Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título
executivo."
28 Para exemplificar, segue modelo de cláusula de acordo de acionistas que prevê a arbitragem
como resolução de conflitos dela decorrente "As partes, desde já, assumem o compromisso de
submeter à arbitragem, de forma definitiva, toda e qualquer divergência ou disputa relacionada ao
presente instrumento, inclusive quanto à sua interpretação , execução, inadimplemento, rescisão ou
nulidade, que deverá ser conduzida na _______________ (inserir nome da câmara arbitral e
regulamento), de acordo com os termos de seu regulamento, com a estrita observância a legislação
vigente, em especial a Lei 9.307/1996, valendo, outrossim, a presente como cláusula
compromissória, nos termos do art. 4.º dessa mesma lei. Obrigam-se, para tanto, a firmar o
respectivo termo de arbitragem e acatar a sentença arbitral que vier a ser proferida, relativa a
qualquer disputa ou controvérsia eventualmente surgida". Disponível em:
[www.camaradomercado.com.br]. Acesso em: 06.11.2010.
29 Ao proferir o acórdão, a Câmara entendeu que a cláusula compromissória não pode ser estendida
para resolver conflitos entre os sócios. Confira-se "Sociedade limitada. Retirada de sócio. Convenção
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário
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