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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário

A ARBITRAGEM APLICADA AO DIREITO SOCIETÁRIO


Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 41/2014 | p. 225 | Abr / 2014
DTR\2014\8913

Daniel Ber Cukier


Especialização (LLM) em Direito Societário pelo Insper (2013). Formado em Direito pela
PUC-Campinas (2010). Advogado.

Área do Direito: Comercial/Empresarial; Arbitragem


Resumo: O presente artigo visa demonstrar que a arbitragem como mecanismo de solução de
conflitos na área societária, está cada vez mais consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, bem
como no cotidiano das sociedades, principalmente no âmbito das sociedades limitadas e anônimas.
Ainda, trata dos reflexos que a cláusula compromissória gera aos sócios e acionistas da sociedade,
bem como da possibilidade de sua introdução no contrato social, estatuto social e acordo de
acionistas. Ainda, o artigo explora a extensão e a vinculação da cláusula compromissória aos sócios
e, por fim, reconhece que a inserção da cláusula arbitral é um instrumento de governança
corporativa.

Palavras-chave: Arbitragem - Direito societário - Cláusula compromissória - Aplicabilidade -


Extensão - Vínculo - Acordo de acionistas - Governança corporativa.
Abstract: This article aims to demonstrate that the arbitration as a mechanism for dispute resolution
in the corporate area, is increasingly consolidated in the Brazilian legal system, as well as in the
day-to-day business of companies, particularly in the context of limited liability companies and
corporations. Moreover, it deals with the extension of the arbitration clause to the partners and
shareholders of the companies, as well as the possibility of its introduction in the bylaws and the
shareholders agreement. Still, this article explores the extent of binding arbitration clause to the
partners and, finally, recognizes that the inclusion of the arbitration clause is an instrument of
corporate governance.

Keywords: Arbitration - Corporate Law - Arbitration clause - Enforceability - Extension - Binding -


Shareholders' agreement - Corporate governance.
Sumário:

1.Introdução - 2.Da sociedade anônima e da sociedade limitada - 3.A arbitragem nas sociedades
anônimas - 4.A vinculação dos novos acionistas à cláusula compromissória estatutária - 5.Decisão
não unânime quanto à inserção da cláusula compromissória no contrato de sociedade - 6.Arbitragem
no acordo de acionistas - 7.Arbitragem no contrato social para dirimir conflitos entre os sócios - 8.A
cláusula arbitral como instrumento de governança corporativa - 9.Conclusão

1. Introdução

A Lei 9.307/1996 está cada vez mais consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, ao possibilitar
aos interessados que adotem o procedimento arbitral para eventuais controvérsias que venham a
surgir de determinada relação jurídica que trate de direitos patrimoniais disponíveis.

Na área societária, pode-se afirmar que a maioria das questões tratam de direitos patrimoniais
disponíveis, vez que grande parte das operações realizadas pelas companhias possuem caráter
financeiro. Nesse sentido, o presente artigo visa examinar a possibilidade de inserção da cláusula
compromissória arbitral no âmbito das sociedades anônimas e limitadas e os efeitos gerados pelo
compromisso arbitral, com destaque para a discussão sobre a vinculação dos acionistas à cláusula
compromissória e ao acordo de acionistas.
2. Da sociedade anônima e da sociedade limitada

Inicialmente, cumpre observar que a inserção da cláusula compromissória pode ser feita em
qualquer tipo societário, mas, atualmente, a maioria das sociedades brasileiras adotam como
estrutura societária a sociedade limitada e a sociedade anônima por conferirem vantagens
específicas aos seus componentes, como a separação patrimonial dos bens dos sócios e da
sociedade, bem como a limitação da responsabilidade.
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Em razão da limitação da responsabilidade, os investidores podem limitar as perdas, em caso de


insucesso da empresa. No caso das sociedades limitadas, uma vez integralizado todo o capital da
sociedade, os credores sociais não poderão executar seus créditos no patrimônio particular dos
sócios. Ademais, em função da contratualidade, a relação entre os sócios pode ser estabelecida nas
disposições que quiserem, sem as exigências do regime legal da sociedade anônima, por exemplo.
Assim, em virtude de sua natureza, a amplitude para negociações entre os sócios é maior.

Por sua vez, o capital social da sociedade anônima não está atribuído a um nome específico, pois
está dividido em ações que podem ser transacionadas de acordo com as regras do estatuto social ou
acordo de acionistas de cada companhia. Após a sua criação, torna-se uma sociedade empresária
com as seguintes características "(a) é sociedade de capitais; (b) sempre empresária; (c) o seu
capital é dividido em ações transferíveis pelos processos aplicáveis aos títulos de crédito; (d) a
responsabilização dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas".1 Além disso,
é regida por um instrumento denominado estatuto social no qual constam as regras básicas de
funcionamento e estrutura organizacional da sociedade, tais como: o montante do capital social,
objeto social, prazo de duração, a forma de administração da sociedade e composição dos conflitos
dela decorrentes.

Portanto, a seguir será demonstrado como a cláusula compromissória atinge os acionistas ou os


sócios de uma empresa, de acordo com o instrumento (estatuto social, contrato social, acordo de
acionistas, etc.) que escolheram para regular a sua atividade empresarial, bem como os efeitos que
geram na própria atividade fim da companhia.
3. A arbitragem nas sociedades anônimas

A sociedade anônima constitui o tipo societário mais utilizado pelas grandes corporações que
comumente utilizam a arbitragem e que ofertam as suas ações no mercado de capitais, foco das
boas práticas de governança corporativa.2 De maneira geral, possui grande importância econômica
para o mercado, pois, além de acumular grandes quantidades de recursos financeiros, geram muitos
empregos e tributos para o Estado. Diante deste quadro, a harmonia dos órgãos da sociedade
(diretoria, conselho de administração e assembleia geral) é essencial para que suas atividades
possam alcançar os lucros esperados pela companhia e pelos acionistas.

Inevitavelmente, as disputas societárias internas podem gerar insegurança ao mercado e aos


fornecedores, causar efeitos que diminuam a produtividade, preocupar os funcionários que trabalham
na empresa e, às vezes, ocasionar perdas de oportunidade empresarial em virtude da existência de
conflitos entre os sócios.

Portanto, a adoção da arbitragem para a resolução dos conflitos de forma extrajudicial na esfera
societária tem por objetivo propiciar vantagens econômicas e legais, pois, com a solução rápida e
adequada dos litígios evita-se a prolongação de demandas e a demora de uma prestação
jurisdicional.

Nesse sentido, a Lei 10.303/2001 modificou a Lei 6.404/1976 (Lei das S.A) para introduzir o
mecanismo da arbitragem como via de resolução de disputas societárias, exatamente no artigo que
dispõe sobre os direitos essenciais do acionista.3 Este dispositivo não é o único que autoriza o uso
da via arbitral para a composição dos conflitos societários, visto que o art. 1.º da Lei 9.307/1996 já
preconizava que as pessoas capazes de contratar poderiam utilizar a arbitragem para resolver
disputas relativas a direitos patrimoniais disponíveis. A introdução do § 3.º no art. 109 visa eliminar
qualquer restrição ou pré-requisito para a adoção do instituto arbitral no âmbito das sociedades
anônimas e, subsidiariamente, as demais sociedades. A respeito da alteração da Lei 6.404/1976,
asseverou Arnoldo Wald: "Trata-se, aliás, de mera explicitação, pois, mesmo antes da reforma
legislativa de 2001, nada impedia que as partes incluíssem, nos seus estatutos, a cláusula
compromissória".4

Destarte, ao verificar a inserção da arbitragem na Lei das S.A sem qualquer óbice ao seu uso,
pode-se concluir que a alteração reforça a vontade legislativa em favor do instituto e estimula a sua
propagação pelas companhias para a solução juridicamente eficiente dos conflitos e controvérsias
oriundas das relações societárias, tem, portanto, indubitavelmente, uma função pedagógica.
Segundo explica Pedro Batista Martins, alguns juristas são céticos quanto ao uso da arbitragem nas
sociedades anônimas, porém, entende que o fazem sem fundamento legal, confira-se:
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"Sem embargo, alguns juristas e estudiosos ainda não se sentem confortáveis com a possibilidade
de se usar a arbitragem na seara das anônimas de forma linear, sem condicionantes. Discordam da
eficácia subjetiva da cláusula compromissória estatutária e da amplitude da arbitrabilidade objetiva,
dada a natureza das matérias objeto das questões societárias. Penso, contudo, que as
preocupações e as objeções que fundamentam o posicionamento contrário a arbitragem societária
são, se não em sua totalidade, ao menos em sua flagrante maioria, desprovidas de embasamento
eficaz. Não raro, contemplam intrínseco grau de misoneismo e sentimento ideológico".5

Sendo assim, afastadas as incertezas sobre a aplicação da arbitragem na sociedade anônima, resta
esclarecer a existência de divergência que pode ocorrer no momento da vinculação de todos os
acionistas à cláusula compromissória introduzida no estatuto social, conforme veremos a seguir.
4. A vinculação dos novos acionistas à cláusula compromissória estatutária

Para as sociedades anônimas, considera-se novo acionista aquele que as integra em momento
posterior à sua instituição, normalmente pela aquisição de ações. Essa operação é realizada, na
maioria das vezes, sem grandes formalidades, em face da rapidez dos negócios do ambiente
empresarial, sendo possível que o novo acionista não tenha conhecimento algum acerca do estatuto
social da companhia que poderá conter a cláusula compromissória.

Desta maneira, questiona-se a possibilidade ou não de vinculação do novo acionista diante de seu
alegado desconhecimento do estatuto social.

No entendimento de Carvalhosa e Eizirik, o ingresso de novo acionista deve estar acompanhado de


um termo assinado separadamente com menção específica e posterior à cláusula arbitral,
encaminhado pela companhia logo após a venda das ações, senão, vejamos:

"O pressuposto de validade e eficácia da decisão arbitral depende de expressa declaração de


vontade das partes envolvidas, seja na cláusula compromissória, seja no compromisso propriamente
dito. Há, com efeito, um requisito necessariamente de forma para a validade e eficácia da cláusula
compromissória estatutária que depende de sua específica adoção por parte de todos os
compromissados. Sem essa expressa aprovação a cláusula compromissória é nula, por ferir o direito
essencial do acionista de socorrer-se ao Poder Judiciário. E essa aprovação vincula os fundadores
na constituição e os acionistas que, nas alterações estatutárias posteriores, tiverem expressamente
renunciado ao direito essencial prescrito no § 2.º do art. 109 da Lei 6.404/1976, para a inclusão
desse pacto parassocial no estatuto".6

De acordo com o posicionamento desses autores, por se tratar de um direito essencial e


personalíssimo dos acionistas, o acesso ao Poder Judiciário não pode ser restringido, salvo renúncia
expressa e específica nesse sentido. A eficácia da cláusula compromissória inserta em determinado
estatuto social, deve estar restrita aos acionistas que a ela tenham expressamente se vinculado, não
se estende àqueles que não aderiram ao pacto (ausentes e dissidentes), tampouco àqueles que
ingressaram posteriormente na sociedade sem aderi-lo expressamente, visto que não há presunção
de renúncia a direito essencial de qualquer acionista.7

Ainda, com relação ao novo acionista, afirma Cantidiano8 que em virtude de o estatuto social ter um
conteúdo contratual e de o novo acionista efetuar a sua adesão ao instrumento, deve-se aplicar, por
equiparação, o § 2.º do art. 4.º da Lei 9.307/1996, que estabelece condições especiais para a
validade da cláusula arbitral nos contratos de adesão. Por esta razão, a submissão do novo acionista
ao juízo arbitral estaria condicionada à sua iniciativa de iniciar a arbitragem, ou concordar,
expressamente, com sua instituição, desde que, por escrito, em documento anexo ou negrito, com
assinatura ou visto especialmente para ela.9

Embora o entendimento acima demonstrado seja defendido por renomados juristas, por razões de
ordem prática e favoráveis ao desenvolvimento da arbitragem no direito societário, a doutrina passou
a manter uma posição diversa com relação à vinculação do novo acionista à cláusula
compromissória inserida no estatuto social da companhia.10

Inicialmente, deve se destacar que o funcionamento das sociedades anônimas está baseado no
princípio da maioria votante, de modo que ao ingressar livremente em uma companhia o acionista
opta por se submeter às regras corporativas, dentre as quais está a prevalência da vontade das
maiorias (art. 122, I, da Lei 6.404/1976).11 Página 3
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Sendo assim, aqueles que vierem a se tornar novos acionistas de uma companhia que já possua a
cláusula arbitral como forma de resolução dos conflitos, não devem assinar um documento em
apartado para expressar a sua concordância por três motivos: pela impossibilidade de comparar o
estatuto social a contratos de adesão,12 pela incompatibilidade dessa regra com a atual dinâmica do
mercado de capitais no Brasil e pelo dever de diligência que o investidor deve ter ao realizar
aplicações no mercado, já que é possível verificar se a empresa possui cláusula compromissória no
estatuto social antes de se tornar um novo acionista.13

No mesmo sentido, a norma incluída no estatuto vincula a sociedade e todos os acionistas, não
havendo razão para distinguir entre os sócios que aprovaram ou não a cláusula que a ela tenham
aderido ou não. A respeito da vinculação de todos os acionistas e da introdução do art. 109, § 3.º, da
Lei 6.404/1976, Arnoldo Wald sustenta que o novo texto legal deve ser aplicado a todos os
acionistas, quer tenham concordado ou não com o estatuto, quer tenham adquirido suas ações antes
ou depois da aprovação do texto, que submeteu os conflitos societários à arbitragem, ou até que se
tenham manifestado contrariamente à mencionada disposição estatutária.14

Esta vinculação deve ocorrer em face da vontade majoritária, conforme o posicionamento de Pedro
Batista Martins, a cláusula arbitral estatutária não necessita de assinatura para que possa produzir
efeito. Mesmo com a ausência de manifestação dos interessados ou em face da manifestação
contrária dos envolvidos, o pacto arbitral será legítimo e operará eficácia contra os descontentes. A
seguir, aduz que a cláusula arbitral inserida no estatuto da sociedade anônima deverá seguir a sorte
de todas as deliberações societárias. Assim, afirma que a vontade majoritária encerra uma obrigação
de toda a sociedade e seus acionistas. Por fim, assevera que o princípio da maioria é universal e,
assim, como pressuposto de limitação de responsabilidade, consubstancia premissa que viabiliza a
existência dessas sociedades.15

Portanto, a adoção do juízo arbitral não fere um direito essencial do acionista. A arbitragem tem
caráter jurisdicional, logo, não haveria renúncia ao direito constitucional previsto no art. 5.º, XXV, da
CF/1988. Sobre esse assunto, assim ponderou Marcelo Dias Gonçalves Vilela:

"A convenção arbitral (cláusula compromissória) integra-se ao próprio estatuto ou contrato social e
independentiza-se da vontade os sócios fundadores ou instituidores para se tornar uma ‘vontade’
(norma) social, que vincula as relações entre todos os associados. Na verdade, a cláusula
compromissória societária não é uma regra para-estatutária (parassocial), mas se coloca como regra
orgânica da sociedade. Assim, o novo associado submete-se a toda estrutura social estatutária,
composta de normas que podem outorgar direitos especiais aos fundadores, restrições à livre
transmissibilidade de cotas ou ações, limitações ao pagamento ou à ordem de recebimento de
dividendos entre outros. Também assim estará se submetendo, pela cláusula compromissória, a
especial modalidade de exercício do direito de ação, diante de eventuais controvérsias societárias,
através do procedimento arbitral que substitui a jurisdição estatal".16

Não obstante, para que a adoção da cláusula arbitral estatutária possa se desenvolver de forma
pacífica devem ser observadas algumas condições, tais como: a ampla divulgação da existência de
cláusula compromissória arbitral no estatuto social ou da convocação de assembleia geral que
deliberará sobre a adoção da arbitragem como forma de resolução dos conflitos societários; a
determinação de regras que garantam a escolha de um tribunal arbitral imparcial; e a fixação de
custos acessíveis a todos os acionistas, inclusive os acionistas minoritários.

Finalmente, a cláusula compromissória que se encontra inserida no estatuto ou no contrato social


deve estar, obrigatoriamente, arquivada perante a junta comercial ou o registro civil de pessoas
jurídicas competentes. Portanto, a cláusula compromissória é de conhecimento público, restando
inequívoca a possibilidade de novos associados conhecerem as disposições contratuais ou
estatutárias existentes. Desta maneira, para validade da cláusula compromissória e oponibilidade
aos novos associados, há que se ter certeza que este associado teve conhecimento da cláusula. Se
por acaso o instrumento não estiver arquivado perante os registros públicos das sociedades, será
indispensável o consentimento expresso para a sua adesão ao juízo arbitral societário potencializado
pela cláusula compromissória.17
5. Decisão não unânime quanto à inserção da cláusula compromissória no contrato de
sociedade

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A questão referente aos associados que discordaram expressamente na assembleia geral acerca da
deliberação que aprovou a cláusula compromissória societária também deve ser examinada.

As deliberações sociais são tomadas pela maioria simples do capital social, salvo as exceções legais
e contratuais. Não existindo tais exceções, a decisão colegiada tomada pela maioria, mesmo em se
tratando de assuntos acerca do juízo a ser eleito para dirimir futuros e eventuais conflitos surgidos
durante o funcionamento das sociedades, vincula todos os associados ausentes ou dissidentes,
conforme o disposto no art. 1.072, § 5.º, do CC/2002, in verbis:

"Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em
reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos
administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.

(...)

§ 5.º As deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios,
ainda que ausentes ou dissidentes".

Assim, vislumbra-se que as sociedades que têm em sua instância deliberativa o foro adequado para
a formação da vontade social, ou seja, a assembleia geral, possui a capacidade de transformar a
vontade de cada associado na "vontade da companhia".18

Logo, a deliberação social que aprovar a inclusão da cláusula compromissória vinculará


automaticamente os acionistas divergentes à nova norma social, uma vez que não há infração ao
direito de ação e aos direitos essenciais do acionista.

Ressalve-se que, a opção pela arbitragem não implica a subtração do direito de ação, uma vez que
ao acionista continua garantido o direito à sentença de mérito acerca do conflito instaurado, com a
diferença de que o provimento pleiteado será proferido por um árbitro. Caso ocorra alguma violação
aos princípios constitucionais do processo ao decorrer do procedimento arbitral, à parte é garantido o
acesso à jurisdição estatal para obter a nulidade da sentença prolatada.

Portanto, quando uma determinada deliberação for submetida à votação em assembleia social,
devidamente convocada, com quórum suficiente, nos termos do estatuto social, e a decisão for
contrária ao voto de alguns acionistas, a validade desta deliberação estará garantida em virtude da
prévia submissão, voluntária e espontânea, dos acionistas ao princípio da maioria societária.19
6. Arbitragem no acordo de acionistas

Com o desenvolvimento e fortalecimento econômico do Brasil, cresce a importância do setor de


mercado de capitais e pelos investidores em geral, sejam eles minoritários ou majoritários. Nesse
contexto, o acordo de acionistas surge como uma ferramenta eficaz para garantir a segurança do
investidor na articulação de interesses nos órgãos deliberativos da companhia, sempre no sentido de
procurar a melhor orientação a ser seguida, seja ela direcionada para garantir a administração ou a
fiscalização participativa da empresa (no caso de acionistas minoritários), seja na tentativa de se
obter a maioria e guiar os rumos da sociedade (no caso de acionistas majoritários).

Tendo por base o art. 118 da Lei das Sociedades Anônimas,20 Modesto Carvalhosa o conceitua da
seguinte forma:

"O acordo de acionistas é um contrato submetido às normas comuns de validade de todo negócio
jurídico privado, concluído entre acionistas de uma mesma companhia, tendo por objeto a regulação
do exercício dos direitos referentes a suas ações, tanto no que se refere ao voto como à
negociabilidade das mesmas".21

Para entender a utilidade do acordo de acionistas no funcionamento companhias deve-se distinguir


quais obrigações circunscrevem a vontade do sócio como membro da sociedade, daquelas
obrigações e declarações dele, na qualidade de titular de seu patrimônio. Por essa razão, este
instrumento de regulação de interesses privados é uma forma de satisfazer os interesses individuais
dos acionistas com relação à companhia, tutelados pela ordem jurídica e dotados de eficácia.22 Ou
seja, o acordo serve para equacionar interesses no âmbito interno da companhia, organizando os
interesses entre o acionista e a sociedade e a posição individual de cada um deles.
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Logo, o acordo de acionistas seria a ferramenta contratual adequada para regular os direitos e
obrigações dos sócios nas sociedades anônimas de forma a dar força vinculativa aos interesses
comuns a determinado grupo de acionistas de uma companhia, independentemente deles possuírem
participação minoritária ou majoritária no capital social da empresa.23

É importante diferenciar as previsões estatutárias das companhias, dos acordos de acionistas


existentes no seu âmbito interno. Em virtude de sua natureza parassocial, o acordo não está
vinculado ao estatuto, da mesma forma que este não está vinculado àquele. Assim, não importa para
o acordo de acionistas se o estatuto social elegeu ou não a arbitragem como meio de resolução de
controvérsias, pois o acordo poderá fazê-lo de qualquer forma.24 O fundamento para esta postura
encontra-se na própria Lei de Arbitragem, que autoriza de forma ampla a utilização da via arbitral,
salvo nos casos de direitos patrimoniais indisponíveis.

Tendo em vista que o acordo é o instrumento destinado a compor a resolução igualitária para os
acionistas, exclui-se do pacto a própria sociedade anônima da qual as partes participantes são os
próprios acionistas, ou seja, o acordo não vincula a companhia, todavia, a mesma deve estar atenta
ao conteúdo do que for definido no instrumento, vez que, invariavelmente, poderá ser chamada para
integrar uma futura controvérsia que surgir entre os acionistas que celebraram o compromisso
arbitral. Nesse sentido, explica Rubens Requião:

"O acordo de acionista, segundo a nova redação do art. 118 introduzida pela Lei 10.303/2001, pode
regular atos relativos à compra e venda de ações, preferências para adquiri-las, exercício de direito
de voto ou do poder de controle é arquivado pela companhia e deve ser por ela observado. O pacto
entre os acionistas, portanto, era considerado apenas uma relação obrigacional, particular. Não se
estendia à sociedade".25

Outrossim, cabe destacar a possibilidade de eventual decisão arbitral em sede de acordo de


acionistas ser oponível e produzir efeitos com relação a terceiros. É uma consequência direta do
disposto no art. 118, § 1.º, da Lei das Sociedades Anônimas,26 bem como da equiparação legal
havida entre o laudo arbitral e a sentença judicial por meio do art. 31 da Lei 9.307/1996.27

Portanto, é perfeitamente possível discutir a matéria objeto do litígio por meio da eleição da cláusula
arbitral, sendo o acordo de acionistas uma das possibilidades para sua inserção,28 de acordo com o
entendimento acima esposado.
7. Arbitragem no contrato social para dirimir conflitos entre os sócios

A cláusula arbitral também pode ser inserida no contrato social que regulamenta as regras para o
funcionamento das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. A cláusula inserida no
contrato social desde o momento da constituição da sociedade, não pode ter sua aplicabilidade
questionada com relação aos sócios participantes. Além disso, é dispensada a necessidade de
manifestação de concordância por meio de documento em separado, ou de destaque da cláusula no
corpo do contrato, por um simples fundamento: o contrato social não é um contrato de adesão, ou
seja, as cláusulas são estipuladas de acordo com os interesses dos futuros sócios que pretendem
encabeçar a sociedade, conforme demonstrado.

Outrossim, com relação aos novos associados não podem existir dúvidas quanto à aplicação da
cláusula arbitral. O ingresso do novo sócio é feito por meio de alteração contratual, da qual consta
assinatura do novo integrante do quadro social, logo, após ler e concordar com os termos do contrato
social previamente estipulado pelos associados fundadores.

Assim, o problema mais significativo no campo das sociedades limitadas seria a oponibilidade da
cláusula arbitral a sócio que tenha restado vencido em deliberação social em que se decidiu pela
inclusão daquela cláusula em alteração contratual, em momento posterior à constituição da
sociedade. Neste caso, a cláusula será oponível a todos os sócios, ainda que discordantes da
deliberação, de acordo com o que preconiza o art. 1.072, § 5.º, do CC/2002, segundo o qual "as
deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que
ausentes ou dissidentes".

Uma vez que a deliberação tenha levado a uma alteração no contrato social (para a qual não se faz
necessária a assinatura de todos os sócios, bastando a manifestação de vontade de sócios que
representem o quórum deliberativo), as cláusulas se impõem a todos os integrantes da sociedade,
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de forma plena.

Destaque-se que a imposição das cláusulas contratuais aos sócios divergentes é possível mesmo
nas hipóteses de restrição de direito (o que não é o caso da arbitragem). O contrato social (que
apresenta natureza jurídica especial, constituindo-se em contrato plurilateral) tem seu integral
conteúdo aplicado de forma igualitária a todos os sócios, no que se inclui a cláusula arbitral inserida
com o voto contrário de um dos integrantes do quadro social.

A cláusula compromissória presente no contrato social obriga as partes a utilizar o juízo arbitral
quando houver ocorrência de lide relativa ao campo de arbitrabilidade objetiva.

Para exemplificar, o acórdão do AgIn 122.809.4/7 proferido pela 3.ª Câm. de Direito Privado do TJSP
em 09.11.1999, analisou um caso que envolvia uma questão litigiosa e sua relação com a eleição do
juízo arbitral como forma de resolução de controvérsias societárias. Em síntese, o sócio majoritário
titular de 60% excluiu unilateralmente o sócio minoritário da sociedade.

Assim, o minoritário ajuizou ação de nulidade de alteração contratual de sociedade por quotas de
responsabilidade limitada, aduzindo que o litígio deveria ter sido resolvido pela via arbitral, vez que
havia essa disposição no estatuto da empresa. A seguir, o juízo da primeira instância indeferiu a
tutela antecipatória sob o fundamento de que a jurisprudência já firmara o entendimento no sentido
de possibilitar a alteração no contrato social à revelia do sócio minoritário, ainda que para excluí-lo,
sem prévia apuração de culpa.

Ato contínuo, o autor interpôs recurso de agravo de instrumento objetivando a reforma da decisão
proferida pelo juízo a quo. A seguir o TJSP deu provimento ao agravante para determinar a sua
reintegração à sociedade até o julgamento final da lide.

Ao analisar o caso, Marcelo dias Gonçalves Vilela considera que é admissível a extensão da
cláusula compromissória societária para envolver toda e qualquer questão que se refira ao encontro
da vontade dos sócios que deu origem à sociedade e que mantém o propósito social. A respeito do
acórdão,29 o jurista teceu os seguintes comentários:

"O acórdão comentado considerou haver competência do juízo estatal para pronunciar-se sobre o
mérito da questão referente à alteração unilateral do contrato social, por entender que tal conflito
estaria fora dos limites objetivos da cláusula compromissória. Discorda-se de tal posição. Com efeito,
o litígio que envolva a possibilidade de alteração do contrato social exclusivamente por um dos
sócios (majoritário) e seu arquivamento no Registro de Comércio competente inclui-se no campo de
arbitrabilidade fixado por uma cláusula compromissória societária, pois este se liga diretamente com
o convívio social dos membros de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada".30

Portanto, conclui-se que a celebração de cláusula compromissória societária, sem que haja a
restrição quanto à matéria a ser submetida à arbitragem ou a delimitação de reservas de juízo
estatal, estabelece a obrigatoriedade da utilização da arbitragem quanto a todos os conflitos que
tenham incidência sobre o pacto social, desde que presentes os requisitos da arbitrabilidade
subjetiva e objetiva.31
8. A cláusula arbitral como instrumento de governança corporativa

A ideia de governança corporativa refere-se ao conjunto de regras que regem o relacionamento


dentro de uma companhia. Trata-se de princípios e práticas que procuram minimizar os potenciais
conflitos de interesses entre os administradores da sociedade e seus acionistas com o objetivo de
maximizar o valor da empresa.32 Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC),
suas práticas consistem em:

"A boa governança proporciona aos proprietários (acionistas ou cotistas) a gestão estratégica de sua
empresa e a monitoração da direção executiva. As principais ferramentas que asseguram o controle
da propriedade sobre a gestão são o conselho de administração, a auditoria independente e o
conselho fiscal. A empresa que opta pelas práticas de boa governança corporativa adota como linhas
mestras a transparência, a prestação de contas, a equidade e a responsabilidade corporativa. Para
tanto, o conselho de administração deve exercer o seu papel, estabelecendo estratégias para a
empresa, elegendo e destituindo o principal executivo, fiscalizado e avaliando o desempenho da
gestão e escolhendo a auditoria independente".33
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário

Portanto, pode-se afirmar que as boas práticas de governança corporativa compõem um


ordenamento de regras societárias mais rígidas que as que existem na atual legislação brasileira. As
principais regras societárias encontram-se consolidadas nos regulamentos dos "Níveis Diferenciados
de Governança Corporativa" da Bovespa (Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado) que visam ampliar os
direitos dos acionistas e o fornecimento de informação de melhor qualidade em comparação com
aquelas usualmente prestadas. Os três níveis de governança corporativa apresentados pela
Bovespa se distinguem pelas práticas de governança adotadas, definidas como um conjunto de
normas de conduta para empresas, administradores e controladores consideradas importantes para
uma boa valorização das ações e outros ativos fornecidos pela companhia.34

Como consequência da criação desses segmentos especiais pela Bovespa, foi instituída a Câmara
de Arbitragem do Mercado (CAM) que tem por finalidade atuar nos conflitos que possam surgir no
âmbito do Nível 2 e do Novo Mercado, sendo provável a sua extensão aos demais segmentos da
Bovespa.

A adesão à CAM implica a submissão obrigatória da empresa, dos seus controladores,


administradores e da própria Bovespa a sujeição ao juízo arbitral. As matérias que principalmente
poderão ser apreciadas pela CAM são:

"Todas as controvérsias relacionadas ao mercado de capitais e às questões de cunho societário,


decorrentes da aplicação, por exemplo, das disposições contidas na Lei das Sociedades por Ações,
nos estatutos sociais das companhias, nos contratos sociais de sociedades limitadas, nos
regulamentos de fundos de investimento, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional,
pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Banco Central".35

Assim, o uso da arbitragem nas sociedades é plenamente justificável na atual economia globalizada,
que zela pela estabilidade das relações jurídicas firmadas entre os seus agentes, por ser capaz de
preservar o desenvolvimento das atividades econômicas da sociedade ao evitar as prolongadas
demandas entre os sócios ou entre estes e a própria companhia.

Logo, conclui-se que a cláusula compromissória, em especial, concretiza-se como estrutura de


conservação das relações societárias, cujas controvérsias serão norteadas pelos mesmos valores,
princípios e intenções inicialmente manifestados quando da constituição da sociedade ou adesão a
seu estatuto social. Em razão disso, afirma-se que a cláusula compromissória arbitral contribui para a
melhor realização e execução do objeto social da sociedade, nos termos da função social da
empresa, pois se trata de um instrumento da boa governança que busca solução mais ágil e
especializada aos conflitos entre sócios e entre estes e a sociedade.
9. Conclusão

A arbitragem é uma forma de resolução de conflitos extrajudiciais que passou a ser utilizada com
maior frequência no âmbito societário, em virtude de suas características peculiares: a celeridade, a
especialidade, o sigilo e a economia.

Embora a Justiça estatal seja importante para a sociedade, sua estrutura não permite que processos
complexos sejam julgados em um tempo razoável, principalmente devido ao número de demandas
ajuizadas. Assim, a arbitragem surge como uma alternativa eficaz para atender os jurisdicionados,
especialmente quando a matéria versada envolve o direito societário.

A inserção da cláusula compromissória nos estatutos sociais revela-se como mecanismo alternativo
mais adequado a ser aplicado em negócios que envolvam complexas questões societárias, não só
em razão da grande flexibilidade oferecida pelo seu procedimento, como também pela dinâmica das
relações negociais no âmbito empresarial, que na maioria das vezes necessita de um provimento
jurisdicional específico.

Portanto, os sócios das sociedades que optam pela cláusula compromissória como forma de
resolução de seus conflitos, consideram que o uso da arbitragem nas relações societárias é uma
forma inteligente de resolver os futuros conflitos oriundos das relações empresariais, passíveis de
comprometer o sucesso do empreendimento empresarial se submetidas ao Poder Judiciário, com a
mesma eficácia de um provimento jurisdicional, por meio de uma solução imediata, específica e,
sobretudo, sem prejudicar a imagem da empresa.
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário

1 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 10 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 159.

2 Note-se "(...) governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e
monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho e administração,
diretoria, auditoria independente e conselho fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a
finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua
perenidade. (...) A boa governança corporativa garante equidade aos sócios, transparência e
responsabilidade pelos resultados". Disponível em: [www.ibgc.org.br/PerguntasFrequentes]. Acesso
em: 16.11.2010.

3 Cf. "Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos
de:
I – participar dos lucros sociais;

II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;

III – fiscalizar, na forma prevista nesta lei, a gestão dos negócios sociais;

IV – preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures


conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos arts. 171 e 172;

V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta lei.

§ 1.º As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.

§ 2.º Os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos
não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembleia-geral.

§ 3.º O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a


companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser
solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar. (Incluído pela Lei n.
10.303/2001)".

4 WALD, Arnoldo. A crise e a arbitragem no direito societário e bancário. Revista de Arbitragem e


Mediação. vol. 20. p. 16. São Paulo: Ed. RT, jan.-mar. 2009.

5 MARTINS, Pedro Batista. A arbitrabilidade subjetiva e a imperatividade dos direitos societários


como pretenso fator impeditivo para a adoção da arbitragem nas sociedades anônimas. Disponível
em: [www.batistamartins.com/batistamartins.htm]. Acesso em: 25.10.2010.

6 CARVALHOSA, Modesto; EIZERIK, Nelson. A nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002. p.
183-184.

7 Idem, ibidem.

8 CANTIDIANO, Luis Leonardo. Reforma da Lei das S/A comentada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
p. 120.

9 Cf. item 5 – O regulamento de Câmara de Arbitragem do Mercado, que visa compor conflitos que
possam surgir nos segmentos especiais da listagem da Bovespa, segue essa posição.
(www.bovespa.com.br/pdf/regulamento, em 25.10.2010).

10 A matéria ainda é controvertida, na medida em que o jurista Nelson Eizirik flexibilizou o seu
posicionamento acerca da adoção da cláusula arbitral nos estatutos sociais, vejamos "A
disponibilidade deve ser analisada sob o espectro da autonomia da vontade: se as partes decidiram
submeter o litígio à arbitragem essa vontade deve ser respeitada. Todavia, há hipóteses em que
normas imperativas afastam a vontade das partes em nome do interesse público. Em tais casos, o
objeto do litígio não será arbitrável, pois se trata de um direito indisponível, relacionado ao exercício
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário

do poder estatal. Como a Lei 9.307 não tratou dos litígios societários, aplica-se a regra geral que
estabelece que à arbitragem podem ser submetidos todos os conflitos societários relativos a direitos
patrimoniais disponíveis. Como o objetivo principal das companhias é a produção de lucro, em
princípio todas as questões societárias estão ligadas a direitos patrimoniais disponíveis (...) De início,
no Direito italiano, defendeu-se que todos os assuntos atinentes aos direitos individuais do acionista
seriam arbitráveis. Tal posicionamento mostrou-se por demais conservador, não autorizando o uso
da arbitragem para situações que transcendessem a esfera individual do sócio. Não se poderia, por
exemplo, decidir impugnações de decisões de assembleia geral por meio da arbitragem, já que
necessariamente o resultado do conflito refletiria sobre todo o universo de acionistas. A dificuldade
em definir quais as matérias societárias são arbitráveis deriva exatamente da natureza associativa
das companhias. O status do acionista e a titularidade de seus valores mobiliários diferem dos
padrões do direito de propriedade, impedindo a aplicação pura e simples do critério da
patrimonialidade e disponibilidade. A lei italiana foi a única a tratar da arbitrabilidade objetiva dos
litígios societários, estabelecendo que podem ser submetidas à arbitragem as controvérsias entre
sócios e entre esses e a sociedade que tenham por objeto direitos disponíveis atinentes à relação
sócia" (EIZERIK, Nelson. A arbitragem nas controvérsias societárias. Publicado em 06.04.2009.
Disponível em: [www.valoreconomico.com.br]. Acesso em: 16.11.2009).

11 TIMM, Luciano; SILVA, Rodrigo Tellechea. O acordo de acionistas e o uso da arbitragem como
forma de resolução de conflitos societários. Disponível em:
[www.cmted.com.br/restrito/upload/artigos]. Acesso em: 04.11.2010.

12 "Embora o estatuto social apresente semelhanças com o contrato de adesão, é necessário


esclarecer que a companhia não está sujeita ao § 2.º do art. 4.º da Lei 9.307/1996 diante de norma
específica e posterior sobre a arbitragem na sociedade anônima. A esse respeito, pondera Pedro
Batista Martins: ‘Tampouco se sustentam as afirmativas de que, por se tratar o estatuto social de um
contrato aberto, em que os futuros acionistas a ele aderem, seria imperioso uma expressa aceitação
da cláusula compromissória, pelo cessionário, para que seus efeitos o alcancem plenamente. Essa
condicionante é arguida, a meu ver equivocadamente, em razão do conteúdo do art. 4.º, § 2.º, da Lei
9.307/1996 que ressalva a eficácia da cláusula compromissória inserida em contrato de adesão, a
uma posterior manifestação do aderente. Posterior e, assim, livre e espontânea. Ora, o contrato de
sociedade tem natureza distinta dos típicos contratos de adesão, os quais são o foco da atenção do
legislador e das restrições impostas pela lei de arbitragem. Não é o caso das relações existentes
entre acionistas e companhia. Os sócios se encontram em posição parelha na sociedade e ao
adquirirem as ações têm ciência, por suposto, dos termos e condições que regem a organização e o
funcionamento da empresa. Assim como os acionistas não têm a oportunidade, sponte própria, de
modificar qualquer das estipulações constantes do estatuto, o mesmo ocorre com o pacto arbitral.
Não há como, no direito societário, o sócio ou o adquirente de ações fazer qualquer tipo de reserva
quanto à sujeição a determinadas condições estatutárias. Ademais, sabe-se que as restrições de
eficácia das cláusulas compromissórias lançadas em contrato de adesão dizem com as típicas
contratações da espécie. Dizem com a singularidade dos contratos de massa. Com as cláusulas
gerais. Com os contratos de fornecimento de serviços e de produtos. Com os contratos atinentes às
relações genuinamente de consumo’." MARTINS, Pedro Batista. Op. cit.

13 TIMM, Luciano; SILVA, Rodrigo Tellechea. Op. cit.

14 WALD, Arnoldo. Op. cit., p. 16.

15 MARTINS, Pedro Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem: comentários à Lei 9.307/96.
Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.78.

16 VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Arbitragem no direito societário. Belo Horizonte: Mandamentos,
2004. p. 192-193.

17 Idem, p. 196.

18 "Diferentemente, no caso das relações sócio-empresa, eu quero crer que a introdução da cláusula
compromissória no estatuto social por maioria de votos tenderá a ser válida e eficaz e produzirá
todos os seus efeitos de direito, porque a repercussão nesse caso é de outra natureza. A
repercussão jurídica trafega, no meu modo de ver, em outro ambiente, no ambiente de interesses
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário

superiores, mais abrangentes, permeia o campo dos interesses sociais. Aqui, o bem jurídico a
proteger é a coletividade. Como diz Vivante, o contrato de sociedade transforma interesses
individuais e divididos dos sócios em interesse coletivo. Aqui, é importante que tenhamos essa
repercussão da transformação dos interesses dos sócios, interesses divididos e individuais, em
interesses sociais, em interesses coletivos." MARTINS, Pedro Batista. A arbitragem e a solução de
conflitos societários [palestra]. Disponível em: [www.batistamartins.com/batistamartins.htm]. Acesso
em: 04.11.2010.

19 TIMM, Luciano; SILVA, Rodrigo Tellechea. Op. cit.

20 "Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para
adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela
companhia quando arquivados na sua sede (Redação dada pela Lei n. 10.303/2001)."

21 CARVALHOSA, Modesto de Souza Barros. Acordo de acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 9.

22 Idem, p. 33.

23 TIMM, Luciano; SILVA, Rodrigo Tellechea. Op. cit.

24 Sobre o reconhecimento da arbitragem em acordo de acionistas: "Ação ordinária de indenização


por danos morais e materiais. Declínio da competência por iniciativa do juízo de direito da vara cível.
Feito para a vara empresarial. Ambas situadas na comarca da capital. Sentença de extinção do
processo sem julgamento de mérito, sob o fundamento de aplicar-se ao caso a convenção de
arbitragem. Apelação que se sustenta não ser cabível na hipótese da aplicação da cláusula arbitral,
porque a índole indenizatória escapa dos direitos costumeiros da arbitragem. Tratando-se não de
mera infração contratual, mas sim, de um comportamento ilícito. Acordo de acionistas contendo
cláusula contratual expressa segundo a qual: ‘Qualquer disputa, controvérsia ou pretensão resultante
ou relacionada com este acordo, bem como sua violação serão solucionadas, em caráter definitivo,
pelo juízo arbitral ad hoc, nos termos da Lei 9.307/1996’. Abrangência do afirmado comportamento
ilícito ocorrido nessa primeira cláusula, ao tratar expressamente da violação do acordo. Recurso ao
qual se nega provimento" (TJRJ, ApCiv 2004.001.25315, 10.ª Câm. Civ. j. 07.12.2004, rel. Des.
Orlando Secco).

25 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 160. vol. 2.

26 "Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para
adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela
companhia quando arquivados na sua sede.(Redação dada pela Lei n. 10.303/2001). § 1.º As
obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de
averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos."

27 "Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título
executivo."

28 Para exemplificar, segue modelo de cláusula de acordo de acionistas que prevê a arbitragem
como resolução de conflitos dela decorrente "As partes, desde já, assumem o compromisso de
submeter à arbitragem, de forma definitiva, toda e qualquer divergência ou disputa relacionada ao
presente instrumento, inclusive quanto à sua interpretação , execução, inadimplemento, rescisão ou
nulidade, que deverá ser conduzida na _______________ (inserir nome da câmara arbitral e
regulamento), de acordo com os termos de seu regulamento, com a estrita observância a legislação
vigente, em especial a Lei 9.307/1996, valendo, outrossim, a presente como cláusula
compromissória, nos termos do art. 4.º dessa mesma lei. Obrigam-se, para tanto, a firmar o
respectivo termo de arbitragem e acatar a sentença arbitral que vier a ser proferida, relativa a
qualquer disputa ou controvérsia eventualmente surgida". Disponível em:
[www.camaradomercado.com.br]. Acesso em: 06.11.2010.

29 Ao proferir o acórdão, a Câmara entendeu que a cláusula compromissória não pode ser estendida
para resolver conflitos entre os sócios. Confira-se "Sociedade limitada. Retirada de sócio. Convenção
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A Arbitragem Aplicada Ao Direito Societário

de arbitragem. Inaplicabilidade. A convenção de arbitragem contratada para dirimir eventuais litígios


relativos à administração da sociedade não pode ser interpretada de forma extensiva, para abranger
a divergência acerca do valor das quotas do sócio que exerceu o direito de retirada, eis que se trata
de norma restritiva ao direito de acesso à jurisdição. Recurso improvido" (TJSP, AgIn
519.416-4/2-00, 5.ª Câm. de Direito Privado, j. 03.10.2007, rel. Des. Carlos Giarusso Santos).

30 VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Jurisprudência comentada: Sociedade por cotas de


responsabilidade limitada composta por apenas dois sócios. Exclusão do sócio minoritário ditada
pelo sócio majoritário sob o fundamento de justa causa. Previsão de arbitragem, Execução
especifica. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 5. p. 177-178. São Paulo: Ed. RT, abr.-jun. 2005.

31 VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Jurisprudência... cit., p. 177.

32 TIMM, Luciano; SILVA, Rodrigo Tellechea. Op. cit.

33 Disponível em: [www.ibgc.org.br]. Acesso em: 09.11.2010.

34 Disponível em: [www.bovespa.com.br]. Acesso em: 09.11.2010.

35 Disponível em: [www.camaradomercado.com.br/julgado.asp]. Acesso em: 09.11.2010.

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