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DIFERENTES USOS DAS TIC, DIFERENTES IMPLICAÇÕES NO


CURRÍCULO

Este pequeno texto é a tradução, com algumas adaptações, de um trabalho

realizado há 17 anos (Chagas, 1993). Apesar de datado e do tempo percorrido, que no

domínio das TIC, corresponde a uma verdadeira eternidade, o texto mantém uma

curiosa actualidade que se adequa à temática deste segundo módulo que agora se inicia

na disciplina de Integração Curricular das TIC (ICTIC).

No texto é apresentada uma classificação do uso das TIC de acordo com os seus

possíveis efeitos no Currículo, aqui perspectivado numa dimensão de mudança ou

inovação das práticas do professor (como se ensina) que se pode expandir para o que se

ensina (programas), onde se ensina (espaços e ambientes de aprendizagem) e para que

se ensina.

O objectivo é encorajar-vos a um olhar distanciado sobre as vossas próprias

práticas com as TIC, clarificando-as, e a procurar compreender o alcance destas

tecnologias como factor de inovação e mudança não só dessas práticas mas também dos

programas e projectos da Escola e, finalmente, das próprias disposições curriculares

governamentais.

Os fundamentos teóricos que conduziram à definição dos dois tipos de uso das

TIC considerados – Tecnologias que se Adaptam ao Currículo (TAC) e Tecnologias

como Veículos para a Mudança (TVM) – estão representados na figura 1 como cinco

canais históricos que evoluem lado a lado e que se podem influenciar entre si:

fundamentos psicológicos, fundamentos curriculares, abordagens instrucionais,

financiamento, TIC na educação.

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Esta representação baseia-se no trabalho de Ravitch (1983) sobre a história da

educação nos EUA e no artigo de Kliebard (1979) sobre a história do currículo. Os

elementos acerca das TIC na educação foram em grande parte extraídos do livro de

Noble (1991). As notas sobre os fundamentos psicológicos foram seleccionadas de

Greeno (1980), Brown, Collins & Duguid (1989), e Scott, Cole & Engel (1992).

Figura 1. Fundamentos históricos das TIC na Educação

Tecnologias Que se Adaptam ao Currículo

Sob esta designação consideram-se as tecnologias que têm sido desenvolvidas e

utilizadas com o objectivo de tornar mais eficiente o processo de ensino-aprendizagem

de tópicos curriculares, ou seja, que permitam ao aluno aprender mais conteúdo em

menos tempo e de um modo menos dispendioso. Assim, o seu uso não se traduz numa
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inovação significativa das práticas convencionais de ensino, antes as reforçam. Estão

neste grupo, por exemplo, certos usos do Power Point e das aplicações do Quadro

Interactivo como apoio ao ensino transmissivo em que o sentido da comunicação

continua a ser do professor (do computador/tecnologia) para o aluno que se limita a

receber essa informação. Podemos considerar, também, como fazendo parte deste grupo

todos os exercícios básicos de prática, muitos deles que o professor disponibiliza com

recurso ao Hotpotatoes. Neste grupo estão incluídas, também, todas as abordagens

prévias de ensino programado com recurso ao computador, como o ensino assistido por

computador e a instrução gerida pelo computador que se centram, fundamentalmente no

conteúdo e na consecução de um conjunto de objectivos enunciados previamente e em

que o fluxo de informação se processa basicamente da máquina para aquele que

aprende.

A análise da figura 1 mostra que a categoria Tecnologias que se Adaptam ao

Currículo, em particular as modalidades iniciais de ensino programado, está ligada ao

conceito de instrução programada em educação, que foi desenvolvido por Skinner de

acordo com princípios behavioristas de aprendizagem (Skinner, 1965) e a outras

metodologias instrucionais como a pedagogia por objectivos que influenciou e continua

a influenciar a educação de muitos países em todo o mundo (White, 1988). A pedagogia

por objectivos que se baseia, também, em princípios behavioristas, está associada ao

movimento de gestão científica do currículo concebido por Winslow Taylor e

desenvolvido, nos anos 1920, por John Franklin Bobbit (Kliebard, 1979). Bobbit

advogava a eliminação do desperdício e do supérfulo em educação através de uma

eficiência crescente, o que seria possível através da aplicação de métodos de instrução

próprios da formação militar, industrial e técnica. Este movimento conduziu à

concepção dos princípios básicos segundo os quais se deveria alicerçar o então chamado
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“currículo científico” (Kliebard, 1979). De acordo com Giroux (1979) este movimento

continha as sementes da abordagem tradicionalista do currículo que se caracteriza por

ser eminentemente pragmática, não teórica e não histórica. O modelo de Tyler (1949) de

desenvolvimento curricular (figura 2) é um marco tradicionalista que ainda prevalece

em muitos projectos curriculares.

Figura 2. Modelo tradicionalista de desenvolvimento curricular segundo Tyler

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As tecnologias que se adaptam ao currículo têm sido objecto de investigação

desde os primeiros desenvolvimentos da instrução programada assistida por

computador. Bialo & Sivin (1990) concluíram, ao rever a literatura da especialidade: (a)

o computador pode ser utilizado não só para apoiar abordagens tradicionais mas

também para viabilizar métodos alternativos; (b) os alunos gostam de utilizar o

computador porque apreciam estar activamente envolvidos e ser capazes de cometer

erros sem se tentirem envergonhados ou embaraçados; (c) os alunos permanecem mais

tempo numa dada tarefa quando utilizam o computador; (d) os alunos demonstram um

interesse mais continuado num dado tópico que estão a estudar quando utilizam o

computador; (e) o uso do computador como recurso de aprendizagem melhora a auto-

estima e a auto-eficácia dos alunos.

Na sua revisão da literatura Leonard (1992) indicava os seguintes benefícios

desta categoria de uso: (a) utilização mais económica dos recursos e equipamentos; (b)

maior eficiência de uso do tempo dedicado à instrução; (c) individualização do trabalho

do estudante; (d) exercício e prática; (e) avaliação rápida do desempenho do aluno e

feedback; (f) recurso à interactividade proporcionada por simulações e jogos que

enriquecem a experiência educativa; (g) capacidade de visualizar representações

concretas de conceitos; (h) capacidade de interagir com fenómenos que normalmente

não são acessíveis em contextos regulares de sala de aula.

Tecnologias como Veículos para a Mudança

Esta categoria engloba um vasto espectro de usos da tecnologia em educação,

centrados no aluno, e orientados para actividades e tarefas que permitem ao aluno

construir os seus próprios conhecimentos.

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Entre a multiplicidade de tecnologias destacam-se as telecomunicações, os

recursos multimédia, os laboratórios assistidos pelo computador, as simulações de

fenómenos naturais ou processos, o software ferramenta e a programação com recurso a

linguagens específicas (LOGO, Hypertalk). Recorrendo uma vez mais à representação

da figura 1, esta categoria está associada a perspectivas cognitivistas em psicologia que

têm como objecto a compreensão dos processos de aprendizagem e das experiências

vividas por aquele que aprende na resolução de problemas e nas suas interacções com o

meio. No domínio da educação está ligada a correntes centradas no aluno que implicam

a sua participação activa em situações contextualizadas e que lhe são significativas. A

abordagem reconceptualista, como fundamento curricular para a categoria Tecnologias

como Veículos para a Mudança (TVM), na qual se integram diferentes autores em que

aqui se destaca Giroux (1979), coloca a ênfase na íntima ligação entre a teoria e a

prática (práxis), na relevância de uma abordagem sócio-histórica e na flexibilidade

versus a prescrição.

A sala de aula convencional, em princípio, não é, ou é pouco compatível com os

fundamentos teóricos em que as TVM se enquadram. Assim, os autores que defendem e

que as desenvolvem advogam que qualquer tentativa com sucesso de as introduzir na

sala de aula ou, dito de outra maneira, de as integrar no currículo, provoca uma

mudança quer na própria organização da sala de aula quer no processo de ensino-

aprendizagem. Este pressuposto implica uma atitude de contínuo criticismo acerca da

tecnologia e das mudanças que traz. De acordo com Seymour Papert (1990), o objectivo

deste criticismo em relação à tecnologia não é para a condenar e recusar o seu papel

educativo, mas sim para a compreender, explicar e perspectivar, numa atitude que é

comparável à reconceptualista em relação ao currículo e à educação.

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Bialo & Sivin (1990) também se debruçaram sobre as TVM ao realizar a sua

revisão da literatura e concluiram: (a) os efeitos positivos do uso destas tecnologias

dependem de uma combinação de factores, tais como, as características da população

estudantil, o papel do professor, o modo como os alunos trabalham quer em grupo quer

individualmente, o design do software e a qualidade do acesso a estas tecologias; (b) o

potencial da tecnologia em estimular a mudança nos ambientes de aprendizagem na

Escola é real – e deve ser explorado; (c) a tecnologia, por si só, não pode afectar os

modos como alunos e professores interagem ao longo do processo de ensino-

aprendizagem. Para isso é essencial a acção de professores com competências na

estruturação, organização e operacionalização de ambientes de aprendizagem efectivos,

e no desempenho flexível de diferentes papéis, consoante as circunstâncias o exijam, de

transmissor de conhecimentos, de tutor, de provocador ao colocar questões

desafiadoras, de gestor, de quem é capaz de diagnosticar os conhecimentos e as

necessidades dos alunos, entre outros; (d) para que as TVM sejam integradas nas

práticas curriculares é essencial a criação de parcerias envolvendo escolas, instituições

de formação de professores e empresas de tecnologia educativa.

Alan Collins, um investigador referido por Joiner (1992), sumaria as implicações

das TVM na sala de aula: (a) o professor torna-se um orientador, um facilitador; (b) os

alunos envolvem-se mais e tornam-se mais responsáveis pelas suas aprendizagens; (c)

uma maior ênfase é colocada no trabalho em pequeno grupo; (d) o professor dispõe de

mais tempo para dedicar aos alunos que necessitam de mais apoio; (e) é enfatizada a

avaliação do esforço, do progresso e dos produtos; (f) é encorajado o desenvolvimento

de uma estrutura social mais colaborativa; (g) ocorre uma mudança de aprendizagem

homogénea para aprendizagem diferenciada; (h) é dada maior ênfase à integração do

pensamento verbal e visual.


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Um Desafio em Direcção a uma Versão 2010

Tanto a classificação proposta neste texto como os princípios teóricos

apresentados mantêm-se actualizados apesar de necessitarem urgentemente de um up-

grading. A evolução da Web, em particular da sua versão 2.0, disponibilizou uma

multiplicidade de aplicações assim como de novas maneiras de comunicar, trabalhar,

aceder e disponibilizar informação, de partilhar, distribuir e construir conhecimentos. O

que aqui se propõe é a realização de uma versão 2010 deste texto com os up-gradings e

actualizações considerados necessários. À boa maneira Web 2.0, a forma adequada de o

fazer é através da colaboração de todos. Como o fazer? Aqui fica o desafio.

Referências

Bialo, E., & Sivin, J. (1990). Report on the effectiveness of microcomputers in schools.

Washington, DC: Software Publishers Association.

Brown, J., Collins, A., & Duguid, P. (1989). Situated cognition and the culture of

learning. Educational Researcher, 32-42.

Chagas, I. (1993). Teachers as innovators. A case study of implementing the interactive

videodisc in a middle school science program. Tese de Doutoramento. Boston

University, Boston.

Giroux, H. (1979). Toward a new psychology of curriculum. Educational Leadership,

248-253.

Greeno, J. (1980). Psychology of learning, 1960-1980. One participant's observations.

American Psychologist, 35, 713-728.

Joiner, L. (1992). The new knowledge architects. Cross-curriculum learning projects.

Apple Education Review, (1), 4-9.


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Kliebard, H. (1979). The drive for curriculum change in the United States, 1890-1958 --

The ideological roots of curriculum as a field of specialization. Journal of

Curriculum Studies, 11, 191-202.Leonard (1992)

Noble, D. D. (1991). The classroom arsenal. New York: The Falmer Press.

Papert, S. (1990). Computer criticism versus technocentric thinking. E & L Memo No.

1. Cambridge, MA: Epistemology and Learning Group, MIT Media Laboratory.

Ravitch, D. (1983). The troubled crusade: American education 1945-1980. New York:

Basic Books.

Scott, T., Cole, M., & Engel, M. (1992). Computers and education: A cultural

constructivist perspective. In G. Grant (Ed.), Review of research in education

(Vol. 18) (pp. 191-251). Washington, DC: AERA.

Skinner, B. F. (1965). Reflections on a decade of teaching machines. In R. Glaser (Ed.),

Teaching machines and programmed learning, II. Data and directions (pp. 5-

20). Washington, DC: NEA-DAVI.

Tyler, R. (1949). Basic principles of curriculum and instruction. Chicago, IL:

University of Chicago Press.

White, R. T. (1988). Theory into practice I. In P. Fensham (Ed.), Development and

dilemmas in science education (pp.121-32). New York: The Falmer Press

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