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CAPÍTULO

2
Papel da Cognição no
Transtorno Bipolar e seu
Tratamento

Um modelo abrangente de transtorno bipolar ainda


continua indefinível. Contudo, avanços recentes na teo-
ria e na pesquisa de uma série de quadrantes convergiram
para propiciar à área um entendimento claro do papel da
cognição no desenvolvimento e curso dos episódios bi-
polares. As pesquisas atuais sobre o transtorno bipolar
concentram-se em fatores cognitivos tais como estilos de
atribuição (Alloy et al., 1999); perfeccionismo, ddijj_j-i
reção de problemas e elevações na sociotropia e auto-
nomia (Lam et aI., 2000; Scott, no prelo); vieses de tomada
de decisão (Leah y, 1999); esquemas mal-adaptativos A. T.
Beck et ai.. 1990; J. E. Young, 1994, 1999);e 'modos', ou
redes integradas de funcionamento cognitivo-afetivo-
cornportamental (A.T. Beck, 1996). Esses fatores cognitivos
parecem ser variáveis significativas no círculo vicioso de
funcionamento problemático do paciente bipolar, incluin-
do interações com:
• Anormalidades na química cerebral.
• Mudanças perniciosas no comportamento (desde o
vegetativo até o impulsivo).
• Reações aos estressores psicossociais e criação des-
tes (por exemplo, eventos importantes da vida e
problemas interpessoais).
• Interrupções no funcionamento cronobiolúgico ideal
e na responsividade e adesão às medicações.
cG
cJ.
Esses fatores disparatados parecem se agravar mutua-
mente de maneiras ainda não totalmente entendidas,
embora nossa análise de sua interação direcione a área à
o aplicação de programas de tratamento mais abrangentes,
incluindo a terapia cognitiva.
Papei da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento ii 25
24 a Papel da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento

Neste capítulo, objetiva-se descrever corno os fatores cognitivos no transtorno Ensinar essas habilidades é um benefício significativo para .o tratamento g er al
bipolar representam áreas especialmente férteis para a avaliação e a intervenção. dijiacientes bipolares e caminha em direcão À melhora na qualidade de suas
Entender e usar esses fatores pode ajudar pacientes e clínicos a interromperem os vid, a imucnção desse livro ao trazer uma tecnologia eficaz
círculos que, de outra forma, poderiam resultar em sintomas afetivos extremos e (cf. Dobson, 1989) e o toque humano da terapia cognitiva para o tratamento da-
com curso deteriorante (consultar Rasco, 2000; A.T. Beck, 1996; Leahy e Beck, 1986; qtm elcom transtorno bipolar.
Lam et al., 1999; Scott, 1996a, 1996b, no prelo). Primeiro, explica-se como o mode- Em geral, as sessões iniciais de terapia envolvem um processo educativo mú-
lo de tratamento com a terapia cognitiva pode ser apresentado aos pacientes e, tuo entre pacientes e terapeutas, no qual os pacientes (como parte de sua avaliação
depois, examina-se a situação atual elas pesquisas e da teoria nesse campo comple- diagnóstica inicial) fornecem informações sobre sua história pessoal e o curso de
xo e em evolução. sua doença. Os terapeutas, por sua vez, dão informações sobre o transtorno bipolar
e sobre o propósito e a aplicação da terapia cognitiva para esse transtorno, inclu-
sive o que os pacientes podem esperar. Isso pode ter a forma de uma descrição
verbal que inclui os cinco pontos mencionados anteriormente ou tima apostila
APRESENTAÇÃO DO MODELO escrita formal (para excelentes exemplos (tc panfletos educativos para o paciente.
DE TRATAMENTO AOS PACIENTES (li consultar Kahn et al., 2000; Lam et aI., 1999). A identificação dos princípios da
te ra pia cognitiva, incluindo sua estrutura, a colaboração, a eficácia do tempo e o
O terapeuta não deve presumir que os pacientes que iniciam a terapia cognitiva u.n_ tareI capa pode semJeitaj_priipeira sessão, co ,mjflctições para
já entendem o modelo cognitivo ou o papel que o entendimento da cognição pode enfatizará_medidaqeteriajjgdir. Essas áreas serão descritas a segui!.
ter para ajudá-los a lidar com seu transtorno. Ao contrário, é aconselhado ao 'à
terapeuta orientar Os pacientes no trabalho da terapia cognitiva, esclarecendo,
assim, mal-entendidos desde o começo e ajudando os pacientes a tornarem-se COLABORAÇÃO, ESTRUTURA E EFICÁCIA DO TEMPO
participantes ativos e eficazes em seu próprio tratamento (Rasco e Rush, 1996).
Pacientes em terapia cognitiva aprendem com rapidez que seu tratamento não
é uni processo passivo. Que a terapia cognitiva é uma forma de terapia con-
versacional" e não significa que envolve bate-papo ocioso ou verbalização do diálogo
NATUREZA "DIÁTESE-ESTRESSE" DO TRANSTORNO BIPOLAR interior. Ao contrário, a terapia cogniuva é uma colaboração ativa entre paciente e
O terapeuta pode começar por reconhecer que o transtorno bipolar envolve terapeuta. Ambas as partes devem ser cuidadosas ao discutir questões de alta prio-
um problema na química do cérebro", noção com a qual muitos pacientes estão ridacle, com a intençãe tomar alguma atitude, e não apenas discuti-las.
geralmente familiarizados. Também se pode explicar que a depressão pflíaCaé L bastante útil crias estrutura nas sessões de terapia para os pacientes bipolares,
um tranUjQe já1ee-âi resse" isso , siguLlkaquj_pj:ohfena.hipJAgicoflã.O especialmente para aqueles com problemas de concentração e que apresentem
está sozinho; ele interage com o estresse. Embora estresse seja um termo amplo distratibilidade. O terapeuta pode estabelecer rotinas flexíveis na sessão, como
e vago, os terapeutas cognitivos devem concentrar sua alenção na noção de que fazer uma programação, avaliar os estados de humor do paciente durante a sema-
este se baseia essencial meitte na percepção subjetiva. Em outras palavras, parte 19 na, revisar as tarefas, discutir tópicos por ordem de importância, usar perguntas
do grau de estresse dos pacientes envolve o jpacto psicológico de suas perce- abertas para facilitar maneiras alternativas de pensar sobre as situações, pedir
ções sobre si mesmos, os eventos em sua vida e seu futuro - a conhecida "tríade feectback e passar nova tarefa de casa. Além dos benefícios que a estrutura traz
LA. Beck, 1976). O terapeuta pode ressaltar ao paciente. que se ele para as sessões de terapia em si, esses métodos organizacionais servem como
aprender as habilidades para avaliar e modificar suas interpretações subjetivas modelos excelentes para os pacientes usarem durante a semana, à medirIa q,1c
atuais (dessas três áreas importantes da vida), ele obterá eficácia ao lidar com sua e manter-se focalizados nas prioridades.
doença bipolar de diferentes maneiras, como, por exemplo, por: O terapeuta deve deixar claro (por meio da instrução verbal e do exemplo) que
a terapia funciona melhor quando ambas as partes têm oartiçiaçigmal_O trans-
1. Uso de habilidades cognitivas para comparar as ondas emocionais e impul- torno bipolar é um adversário terrível e lidar sozinho com ele pode não ser fácil.
sos conmportamentaiS. São necessários times "duplos" ou "triplos", com "defensores" que incluem o pro-
2. Aprimoramento cia esperança para reduzir o risco de suicídio. fissional, talvez membros da família, e o paciente. Podem ser usadas mais duas
3. Exame dos prós e contras das decisões importantes da vida de maneira mais analogias para descrever os benefícios da colaboração entre terapeuta e paciente.
metódica e com maior objetividade. Primeiro, lidar com o transtorno bipolar é como mover um piano. lIma pessoa
4. Modificação das percepções sobre as interações conjugais e familiares. sozinha provavelmente não conseguirá tirá-lo do lugar, mas duas ou mais pessoas
5. Redução da sensação prejudicial de estigma e vergonha que muitas vezes treinadas e coordenadas conseguem movê-lo. Da mesma forma, pode-se explicar
está associada à doença bipolar. a terapia comparando-a com o conceito de "união de fundos" da filantropia, no

26 a Pape! da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento Papel da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento • 27

qual um único grande contribuinte pala urna causa compromete-Se a igualar as Estes são dados predominantemente correlacionais. Pode ser que a tarefa de
doações dadas por contribuintes individuais. Quanto mais um latia doa, mais o casa não seja a causa do resultado positivo. Na verdade, talvez uma terceira variá-
outro trabalha intensamente. isso é semelhante à terapia; quanto mais o terapeuta vel, como a motivação para a mudança, seja a causa ianto da adesão à tareia de
trabalha para ajudar o paciente mais o paciente deve se esforçar para chegar ao casa quanto da responsividade geral ao tratamento. No entanto, a ligação entre
fim sem fraquejar. Quanto mais os pacientes fizerem para ajudar a si mesmos, tarefa de casa e bom resultado tem apelo intuitivo, podendo ser ainda mais im-
mais provavelmente o terapeuta terá liberdade para realizar terapia cognitiva mais portante com pacientes bipolares do que com pacientes depressivos unipolares.
avançada (em vez de despender tempo com o controle de crises). Problemas clínicos corno a mania, que envolve instabilidade emocional e
O tempo é precioso na terapia, assim como na vida e, portanto deve ser bem impulsividade cq amentai, podem exigirc spaçienapp_dam de for-
utilizado. A terapia cognitiva é preparada para controlar o tempo de modo eficiente, ma intensa novas habilidades cognitivo-çrn rta
e isso é feito pela incorporação de urna programação que molda cada sessão, identi- aplicá-las automaticamente mesmo sob coacão ernociorial. diante da tlrgçn~r
ficação de um conjunto de habilidades a serem aprendidas e praticadas e focalização ag sem inibiçõ p , Claramente, aprender algo de maneira intensa exige muita prá-
em métodos para melhorar a memória (por exemplo, anotações, elaboração de afir- tica e repetição o que não 5,, Çr,r-,i , çr,m tarefas entre as sessões.

mações rcstnnidas, gravação de fitas das sessões para posterior revisão). Com essas
técnicas, os pacientes acumulam conhecimento e desenvolvem planos para usar o 4) e'AQt'
que foi aprendido entre as sessões, por meio da tarefa de casa. Automonitoração 2) 9-.j cos
Talvez a tarefa mais comum, simples, direta, eficaz e com vários propósitos
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TAREFAS DE CASA NA TERAPIA
seja a automonitoração. Um dos objetivos da terapia cognitiva é ajudar os pacien-
tes a se tornarem observadores mais objetivos de seu próprio funcionamento, e a
A terapia funciona melhor quando vai além do apoio social e das revelações autornonitoração é urna técnica indispensável para ser usada entre as sessões de
isoladas e inclui o aprendizado de habilidades psicológicas que podem ser usadas terapia. Q.spci.enW so iq . jiídos a manterem um registro escrito, como um
a qualquer momento - na sessão e fora dela-, durante o curso da terapia e muito diário
tempo depois de a terapia formal ter terminado (Newman e llaaga, 1995). Embora
seja concebível que essas habilidades possam ser aprendidas dentro do espaço do
consultório do terapeuta em uma ou duas horas por semana, há um grande risco diárias (Progpaçãp de'iidjiJ.eCk,
de a manutenção dessas habilidades ser mínima. Isso é semelhante a urna pessoa Mais pertinente ao transtorno bipolar em si é qualquer urna das várias formas
que faz aulas de violino, mas só toca o instrumento durante as aulas. E possível que cIa automonitoração desenvolvidas especificamente para aumentara cQItS ,çjn-
o aluno aprenda algumas habilidades básicas, mas não será capaz de progredir dos pa enigs bipi e
sem praticar. O aluno de violino inativo não pode aprender técnicas avançadas, gresso.._Os pacientes que usam o Quadro de Estados de Hum (Sachs, 1996),
ser exposto a um repertório interessante ou adquirir noção de eficácia ao tocar o por exemplo, monitoram as mudanças de humor depressivo e maníaco, as horas
instrumento. O interesse pelo violino acabará. Da mesma forma, estudantes tini- dormidas, o uso de medicações e os estressores diários. Com o tempo, eles conse-
versitários que não fazem anotações e os trabalhos do semestre ou não estudam guem visualizar padrões em seu funcionamento, e percebem sua relação corrifatores
para as provas finais, não podem ter domínio sobre o assunto. Eles podem ver a corno sazonalidade, eventos cotidianos e ciclos menstruais. Da mesma forma, os
aula como urna forma de entretenimento, uma experiência agradável, mas não Registros Cronológicos (V rotvBaer,1991) envolvem a auto-avaliação diária
aprendem muito. De forma semelhante, a terapia deve ser mais do que apenas (ou duas vezes ao dia) sobre estados de hurrior, nadrões.5 .Qflo edii e
uma experiência válida e agradável (não que haja algo de errado nisso!); deve tam- dncdliisarnbient 115 pu iohle.sJjpipi seguindo a mesma linha,
bém proporcionar uma experiência de aprendizado duradouro para os pacientes. os pacientes podem nionimorar seus sintomas proclrôrnicos. Adaptada do trabalho
Isso exige tarefa de casa, um dos ingredientes essenciais da terapia cognitiva (A. T. de Srnith e Tarrier (1992), a tarefa de escolha de cartão dos Primeiip..jaisl-
Beck et ai., 1979). vertência (Palmar eWllliamns, 1997) permite aos pacientes identificar seus 'pdtós
Embora não seja absolutamente necessário que os pacientes façam a tarefa dejâjda" individuais. Ao mesmo tempo, a tarefa proporciona um envolvimento
de casa para se beneficiar da terapia cognitiva, praticar as habilidades da terapia intelectual namaneira de aprenclersobie as normas para os diversos sintomas, con-
cognitiva entre as sessões somente os beneficiará. Por exemplo, há evidências forme experimentados por aqueles que são maníacos, depressivos e eutírnicos.
(como Burns e Auerbach, 1992; Burns e Nolcn-Hoeksema, 1991; Neimever e
Faixas, 1990; Persons et ai., 1988; l'rimakoff et al., 1989) de que os pacientes
depressivos unipolares que fazem tarefa de casa respondam mais rapidamente Resolução Avançada de Problemas
ao tratamento e apresentem melhor manutenção dos ganhos terapêuticos cio Outro tópico importante para as atividades que envolvem a tarefa de casa é o
que aqueles que a evitam. planejamento, a prevenção e a resolução de problemas. Por exemplo, pode-se pedir
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28 • Papel da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento

aos pacientes como tarefa de casa para preverem eventos futuros cia vicia que 6. Disponha-se a dar um rápido telefonema ao paciente durante a semana,
corno um lembrete para que ele faça a atividade proposta (se o paciente não
testarão suas habilidades de enfrentamento. Para diminuir o risco de desenca-
considerar tal aiiiude muito intrusiva ou paternalista).
dear uni episódio sintomático, os pacientes podem:
7. Engaje-se em ensaio cognitivo na sessão, planejando como os pacientes
• Imaginar a situação problemática. podem chegar ao fim sem fraquejar e discutindo os passos que podem dar.
• Ensaiar cognitiVafliente como teriam de conversar consigo mesmos para Em um role-playing, o terapeuta pode fazer o papel do advogado do diabo,
manter suas reações emocionais dentro dos limites normais. dizendo ao paciente por que ele não consegue ou não deve fazer a tarefa de
• Pensar e pesar os prós e os contras de diversos cursos de ação que poderiam casa terapêutica, enquanto o paciente faz o papel do responsivo racional
tomar. em favor da tarefa.
• Escolher unia ou duas entre as melhores opções. 8. Como em qualquer intervenção na terapia cogniliva, peça fèedback ao paciente.
• Ensaiar de maneira comportamental suas reações, talvez por meio da
dramatização (ou role-playing). É importante que o terapeuta não desanime quando o paciente, por muitas
Naturalmente, o terapeuta ajuda a treinar e orientar seus pacientes sobre como vezes, escolher por deixar a tarefa de casa de lado. Muitos terapeutas ficam tenta-
dos a abandonar a prática de passar a tarefa de casa a pacientes não receptivos.
entender, desenvolver, praticar e confirmar esses tipos de habilidades avançadas
de enfrentamento, fazendo isso com energia entusiasmo, apoio emocional e, às Isso é compreensível, mas não ideal do ponto de vista terapêutico. O terapeuta
não pode permitir que a não-responsividade do paciente à tarefa de casa prejudi-
vezes, com uma pitada de humor.
que seu comportamento apropriado de passar as atividades (Newman, 1994). Ao
invés disso, ao continuar passando tarefas, ele pode mostrar como elas são iiii-
Corno Aumentar a Adesão às Tarefas portantes entre as sessões, mesmo mediante a não-adesão do paciente. Ele pode
continuar a abordar as questões de evitação, desesperança, falta de confiança, e
As estratégias para aperfeiçoar as tarefas de casa incluem o seguinte:
assim por diante. Além disso, pode dizer: "Eu acredito na tarefa de casa, portanto
1. Peça aos pacientes para classificarem seu grau de confiança de que não vou continuar passando-a. Quando você decidir que está disposto a tentar, ela
fraquejarão na atividade. Se disserem 0%, aborde sua desesperança—se dis- estará lá esperando por você".
serem 100 170, peça-lhes para pensarem nos fatores que poderiam esfriar seu Até aqui, essa discussão representa os fundamentos da terapia cognitiva, muitos
entusiasmo ao sair do consultório e como eles os combateriam. Se respon- dos quais podem ser usados com uma ampla variedade de populações clínicas.
derem com qualquer número entre O e 100%, peça-lhes para enunciar as
Partes de seu pensamento que estão confiantes e as que não estão.
2. Sugira algumas tarefas possíveis e deixe-as à escolha dos pacientes. Faça da TABELA 2.1 -Análise de Trent dos prós e contras de fazer e não fazer tarefa de
seleção da tarefa de casa uma experiência colaborativa. Peça aos pacientes casa terapêutica
sugestões e crie uma atividade que atenda suas necessidades.
Prós Contras
3. Para aqueles pacientes que fazem associações negativas como trabalho esco-
lar, dê um nome diferente de tarefa de casa" à tarefa a ser desempenhada Fazer a tarefa de casa
entre as sessões. Se o paciente estiver envolvido em esportes organizados, 1. Meu terapeuta vai parar de ficar me 1. É maçante; é chato de fazer.
lembrando disso. 2. Vou me sentir incompetente.
dê o nome de prática. Se for um músico OU ator, chame de ensaio. Se for um
2. Vou ganhar mais na minha terapia. 3. Vai ser constran gedor mostrá-la a meu
cientista, chame de experimento pessoal. Busque nomes que não carreguem terapeuta.
3. Vou melhorar rapidamente.
um sentido negativo. 4. Vou me lembrar das coisas importantes da 4. Consome muno tempo.
4. Converse sobre os prós e contras de desempenhar atividades entre as ses- terapia. 5. Vou ter de pensar em coisas que me
sões e os prós e contras de não fazer nenhuma atividade da tarefa de casa IT S. Vou ter a sensação de dever cumprido, aborrecem.
Consultar a Tabela 2.1 para um dos exemplos de 'l'rent). Isso não somente Não fazer a tarefa de casa
produz urna análise interessante do custo /benefício da tarefa de casa tera-
pêutica, mas também suscita outras questões clinicamente relevantes, tais 1. Posso fingir que sei mais do que meu 1. Limitarei o que posso tirar da terapia.
c'J
terapeuta sabe, 2. Mais urna vez, minha preguiça vai atrapalhar
como a baixa confiança em si mesmo, o medo de enfrentar as questões, a tn 2. Posso adiar, o que é minha especialidade, a minha vida.
competição com o terapeuta a desesperança e outros tópicos que são mate- CO
terei ninguém para culpar, a não ser
3. Em vez de fazer, posso relaxar. 3. Não
riais essenciais para uma sessão de terapia. a mim mesmo, se eu não entender as
S. Certifique-se de que as instruções são claras. Se ajudar, sugira um dia, hora e habilidades de auto-ajuda.
lugar específicos em que o paciente possa estar mais propenso a concluir a & Meu terapeuta perderá a confiança em mim.
atividade programada.
Papel da cognição no Transtorno íl,0n!ar e seu Tratamento 0 31
30 a Papel da Ccgniço no Transtorno Bipolar e seu Tratamento

No Capítulo 3, o leitor encontrará revisões mais abrangentes das estratégias de prolongar os intervalos entre os episódios dos pacientes e diminuir as internações
intervenção para hipomania e mania, e no Capítulo 4, sobre depressão e tendên- hospitalares para episódios maníacos. Lam et ai. (2000) conduziram um estudo
cia suicida no contexto do transtorno bipolar. Agora, deve-se voltar a atenção para semelhante usando um período de tratamento mais longo (até 20 sessões du-
algumas das pesquisas e teorias relacionadas a essa abordagem de tratamento. rante seis meses). O grupo-alvo consistia em pacientes bipolares que passavam
por recaídas, mesmo estando em tratamento com estabilizadores de humor.
Enquanto os pacientes no grupo controle receberam tratamento padrão, o grupo
TESTES EMPÍRICOS DO MODELO DE TRATAMENTO experimental recebeu terapia cognitiva, com grande ênfase na prevenção da re-
caída. Os dados de Lam et ai. são muito animadores, já que o grupo em terapia
Vários estudos que utilizam modelos de tratamento intimamente relaciona- cognitiva foi avaliado de forma independente corno tendo menos episódios sin-
dos com um dos apresentados neste livro comprovaram a eficácia da terapia tomáticos, melhores habilidades de enfrentamento em resposta aos primeiros
cognitiva para o transtorno bipolar, tanto na modalidade de grupo como indivi- sinais indicativos de recaída, menos desesperança e melhor adesão à medicação
dual. Em um pequeno estudo-piloto aberto no Reino Unido, por exemplo Palmer do que o grupo-controle. Além disso, ao final cio tratamento, o grupo em terapia
et ai. (1995) usaram um desenho de medidas repetidas para estudar os benefícios cognitiva demonstrou funcionamnenio social geral signifi cal ivaniente melhor
de uma terapia cognitiva cm grupo adjuvante durante 17 sessões para seis pa- e menos necessidade de medicação neuroléptica do que o grupo-controle.
cientes bipolares. Os quatro pacientes que concluíram o tratamento com êxito
foram avaliados quanto às mudanças nos sintomas maníacos e depressivos, as-
sim como sua adaptação social geral. Embora o padrão de mudança não tenha DIREÇÕES ATUAIS DA CONSTRUÇÃO DE UM MODELO
sido uniforme para todos OS pacientes, houve mudança terapêutica geral signifi-
cativa nas variáveis. Urna intervenção mais recente em grupo foi avaliada por meio COGNITIVO DO TRANSTORNO BIPOLAR
de um estudo randômico e controlado no Hospital Geral de Massachusetts O desenvolvimento de um modelo cognitivo para o transtorno bipolar envol-
(Hirshfeld et ai., 1998). O grupo submetido à terapia cognitivo-comportarnental ve reconciliar várias complicações. Por exemplo, os pesquisadores descobriram
adjuvante durante 11 sessões apresentou períodos significativamente mais longos que vieses cognitivos semelhantes subjazem tanto na depressão unipolar ComO
de cutimia e menos novos episódios afetivos do que os pacientes cio grupo-con-
trole tratados apenas com farmacoterapia padrão. Esse achado foi mantido
também no acompanhamento.
no transtorno bipolar (por exemplo, atribuições internas para a causalidade, pen-ido'Q°
sarnento do tipo "tudo ou nada", sensibilidade aos sinais de fracasso pessoal e 'c°'
ID 1
rejeição interpessoal; cf. Aliov et ai., 1999; 1-loilon et ai., 1986; Lam et à., 2000; Reiliy-
Em um estudo randômico e controlado da terapia cognitiva individual para o
Harrington et ai., 1999; Scan, no prelo). Ao contrário dos pacientes com depressão J
transtorno bipolar. Scott et al. (no prelo) estudaram a resposta de 29 pacientes
(dos 33 admitidos no programa) que concluíram o tratamento do protocolo de .m.misnlar,opacicntes bipolares são capazes de demonstrar mudnçôs ij
valor no conteúdo de seu pensamento. Uru indivíduo bipolar pode, por
mo valor
seis meses. Os autores relataram vários achados animadores. De modo geral, os
exemplo, acreditar ser um fracasso total quando está depressivo e o maior gênio
pacientes tinham uma visão muito favorável da terapia cognitiva; 26 deles indica-
ram que a viam como uma forma 'altamente aceitável" de terapia e 23 afirmaram do mundo quando está em urna fase maníaca (l.eahy, 1999). Assim, um modelo
que recomendariam o tratamento a outras pessoas com transtorno bipolar. Além cognitivo precisa considerar a observação de que os pacientes bipolares demons-
tram orocessos de pensamento que parecem tanto traços (isto é, predisposições
disso, durante o curso das auto-avaliações periódicas, os índices de não-adesão à
medicação caíram de 48 pala 21%. Em comparação com os pacientes que recebe- arraigadas) como estados (respostas aos desencacltes ambientais e ativação
ram tratamento parirão, aqueles que receberam a terapia cognitiva adicional biológica). O modelo cognitivo também tem de explicar por que alguns pacientes
bipolares respondem ao estresse desenvolvendo sintomas depressivos enquanto
demonstraram melhoras no funcionamento adaptativo global, e também em vá-
rios de seus sintomas relatados - especialmente os depressivos. Scott et ai. também outros se tornam maníacos. Da mesma forma, o modelo precisa explicar por que
observaram que é preciso trabalho adicional para melhorar o tratamento, de modo se descobriu que apenas determinados tipos de eventos positivos - a saber, aque-
que os pacientes compareçam à maioria das sessões, demonstrem melhoras nos les que envolvem atividades dirigidas a objetivo - predizem a mania, enquanto
sintomas maníacos que rivalizam com suas melhoras nos sintomas depressivos e eventos positivos de modo geral não (Johnson et ai., 999).
apresentem melhor manutenção de seus ganhos no acompanhamento a longo Um modelo cognitivo também deve considerar os processos biológicos que
prazo. Em razão da natureza cíclica do transtorno bipolar, este último critério é es- são inerentes nas mudanças comportamentais e de humor extremas observadas
nas pessoas que sofrem com o transtorno bipolar. tJrna questão é se os extremos
pecialmente importante. de pensamentos, o julgamento erróneo e as dificuldades de tomar decisões dos
Perry ei ai. (1999) usaram uma intervenção breve de terapia cognitiva (até 12
sessões) com urna grande amostra de pacientes bipolares, concentrando-se prin- pacientes resultam apenas de processos biocomportamentais autônomos, são
cipalmnente em ajudá-los a captar os pr i m eiros sinais indicativos de rec^aícLa_^_^L-- parte de um dado causal de feedbuck ou se talvez estejam fundamentalmente
estudo de t'erry et ai. conseguiu ligados como perspectivas diferentes do mesmo processo mente-corpo. As im-
Papel da cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento o 33
32 o Papel da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento

plicações dessa questão são de vital importância. —se a impJkções do pólo oposto do esquema com valência negpja. Essa irritabilidade
os fatores cognitivos não seatn simplesmente siiiais periTëicos secundários cio e a consciência dos esquemas tanto com valência positiva como negativa podem
transtorno bipolar, mas sim constituam suas próprias diáteses para o desenvolvi- se pronunciar, em especial, nos estados mistos.
mento de sintomas (consultar Allov et ai., 1999), sendo tinia parte integrante do Quando se compreendem as questões diagnósticas pertinentes a um deter-
cicio causal de fatores (consultar Busco, 2000). Se essa conceituação for verdadei- minado paciente, pressupostos gerais importantes sobre o curso de tratamento
ra - como foi postulado para outros problemas psicológicos tais como os necessário podem ser feitos. Mas apenas o diagnóstico não indica o que á preciso
transtornos da personalidade (consultar A. L Beck et ai., 1990; Lavdcn et ai., 1993) -, saber para oferecer tratamento individualizado a este paciente. É neste momento
deve ser possível planejar intervenções cognitivas poderosas que tenham um efeito que urna conceituação de caso cognitivo se faz necessária. Uma compreensão
terapêutico no curso biocomportainental da doença. sç)lida dos prup!ose esqpas_cognitivos que encerram as percepções do
Outro tópico importante a ser abordado em um modelo cognitivo é o PaPC1 paciente de si mesmo, de seu mundo e de seu futuro — a tríade cognitiva ajuda
(los eventos da vida e dos estressores ambientais cujas ligações com a depressão oierapeuta a demonstrar empatiaprecisa pelas ep,É. ências dos pacientes. Além
unipolar e o transtorno bipolar (junto com outros transtornos de diátese-estresse) disso, o conhecimento da tríade cognitiva cio indivíduo ajuda o terapeuta a afinar
já foram bem documentadas (por exemplo, Ehlicott et ai., 1990; l-lamrnen et ai., pressupostos e esquemas provoquem maior angústia e disfunç. ão Ademais,
1989 e 1992; Johnson e MilIer, 1997; Johnson e Roherts, 1995; Rcillv-llarrington et esse conhecimento pode servir como um mapa mental para predizer como os
ai., 1999). Em suma, um bom modelo cognitivo operante do transtorno bipolar pacientes mudariam - para melhor nu para pior - se variassem seus esquemas
precisa oferecer urna ponte conceitual entre biologia, crenças e comportamentos, de diversas maneiras.
entre desencadeantes ambientais e interpretações particulares dos pacientes des- ao ter, puta entender a feno cnçga_çjjh p9jinQL como els
ses eventos e entre os "traços" cognitivos e os "estados" cognitivos. Isso impõe um vêem o mundo através das lentes de seus esquemas). criar etnpatia (te maneira
desafio empolgante. É esperado que se dê noção da construção desse modelo na precisa, identificar os problemas a serem
revisão a seguir. r- ciasnegativas não intencionais forjadas j)orscusesquias)efazeVeviSõessore
Ln
o funcionamento futuro dos pacientes razão das mudanastgj,apjçs.
TRAÇOS COGNITIVOS: CRENÇAS, ESQUEMAS E MODOS
Nosso modelo de transtorno bipolar propõe que os sistemas de crenças, ou Características Etiológicas e Descritivas dos Esquemas
esquemas, dos pacientes interajam com suas percepções espontâneas dos even- Logo cedo, as pessoas começam a dar sentido a seu inundo tirando certas con-
tos ativadores atuais (por exemplo, eventos significativos da vida ou outras clusões sobre si mesmos e os outros e sobre seu relacionamento corri o mundo
situações)'. O resultado é uma experiência subjetiva poderosa que interage com o (por exemplo, Rosco, 1988). Isso forma as duas prime&ras partes da tríade cognitiva;
estado biológico dos pacientes para determinar seu afeto e seu comportamento. os conceitos das crianças sobre o futuro (a terceira pari: e da tríacle) vêm depois, à
Quando ativados, os esquemas arraigados (traços cognitivos) influenciam o medida que começam a fazer abstrações sobre as coisas que não podem ver dite-
processamento de informações direcionando o indivíduo para as informações tatilente ou que não são concretas. Essas conclusões, como, por exemplo, "sou
compatíveis com o esquema e supervalorizando essas informações. Assim, um uma pessoa amada e se importam comigo" e "posso fazer algumas coisas sozi-
estemacom valência negativa é ativado durante a fase depressiva. Ele direciona -se
nho", desenvolvem-se em pressupostos gerais que as crianças em desenvolvimento
a memória para eventos de perda e rejeição e focaliza a atenção atual na possibi-
mantêm como parte de seu processamento cognitivo geral continuo. Essas com-
lidade de fracasso. Na fase maníaca, um esquema com valência positiva é ativado,
preensões são tão básicas e fundamentais que não são percebidas por aqueles
provavelmente ocasiona a tomada de decisão problemática ao ignorar de forma 4.
que as possuem - elas são apenas as "verdades" subjacentes a partir das quais
seletiva a necessidade de cautela e inibição apropriada. A irritabilidade, em geral
outras conclusões a respeito de experiências da vida serão formadas.
observada em pacientes maníacos, pode indicar sua batalha simultânea comas
Os exemplos anteriores são pressupostos positivos, supostamente com base
em um ambiente seguro com apegos protegidos. Estes formam a base de uma
visão de si niesmo e do mundo que pode isolar as crianças da ansiedade e da
Termos freqüentes como erro ças, crenças GerO rais, pressupostos, esque/nas. esquemas mal-adaptativos
precoces e outros tCrn sido usados de inajicira variada na literatura sobre terapia cognitiva, provocando disforia indevidas à mediria que crescem e amadurecem. Infelizmente, as primei-
assim alguma cunfusiio.lbdos esses termos refletem o processanlutttO cognitivo e o conteúdo cognitivo ras experiências de muitas crianças não são seguras. Inúmeros eventos da vida,
que estilo "abaixo" rio nível de pensamentos automáticos superficiais espontâneos. Nosso ponto de tanto agudos como crônicos, pode levar as crianças a tirar conclusões desfavorá-
vista é que o termo asquentaé útil para descrever crenças negativas centrais fundamentais que, de ma- veis sobre si mesmas, seus cuidadores e o mundo. Quando se vêem diante desses
neira implícita, orientam o processamento cognitivo dospacientes (e, portanto, suas reações afetivas, eventos problemáticos, as crianças correm o risco de desenvolver o que J. E.Young
fisiológicas e comportamentais). iunbém se utilizam os termos crenças e pressupostos alternada-
mente para refletir pontos de vista gerais que os pacientes tõu, por meio das srtoações. (1994) chamou de "esquemas mal-adaptativos precoces", aos quais nos referimos
34 m Papel da cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento Papel da Co g nição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento m 35

simplesmente como esquemas. As experiências que moldam a formação dos es- agrupamentos de esquemas, é visto como um fator especialmente importante
quemas são muitas e variadas. O que se segue são apenas alguns exemplos (os de vulnerabilidade para transtornos emocionais.
esquemas hipotéticos estão em itálico): A medida que as crianças se desenvolvem e se tornam adolescentes e jovens
adultos, seus esquemas podem não somente provocar angústia emocional indevida
Perda prematura de um OU de ambos os pais, ocasionando urna sensação e desproporcional com a situação, mas também podem criar seus próprios círculos
de abandono. viciosos auto-sustentáveis. Em outras palavras,
Negligência emocional ou física, levando à privação emoc io I. tribuem para que as utilizern
Doença física no início da vida, causando excesso de indulgência dos pais, vezes chamadas de estratégias_compçp rçji' J. S. Beck, 1995) qLie.sefoIçfinLi
dependência exageraria e uma sensação de posse. perpetuam os problemas que sustentaram, em orimeirol itri formação dos
Críticas duras e freqüentes por parte de cuidadores infelizes e não empá- esquemas. Isso é coloquialmente conhecido como "ptofeciaat -realizadora" e é
ticos, gerando autocrítica excessiva e sentimento de ser incompetente ou um fenómeno clínico comum observado em pacientes com sérios transtornos
afetivos, de ansiedade, cia personalidade e outros problemas psiquiátricos.
defi'ctivo. \JO
Rejeição por parte rios cuidadores, corno quando urna criança passa de um Embora pareça, clinicamente, que esquemas mal-adaptativos desenvolvidos
o' no início cia infância tenham conseqüências mais devastadoras na idade adulta,
lar adotivo para outro e chega à conclusão de que não é dig na de amor.
Abuso por parte cios cuidadores ou outras pessoas em quem a criança depo- os sistemas de crenças desenvolvidos na adolescência ou idade adulta também
\ 1 sitou sua confiança, gerando fortes sentimentos desçpjfl_a ri ça. podem ser prejudiciais à auto-estima e à esperança de pacientes bipolares que
Medo de um rios pais dependente químico enfurecido, resultando em expe- assistem seu funcionamento psicológico declinar ou tornar-se errático. Por exem-
A plo, antes de seu primeiro episódio maníaco, os pacientes podem ter sido
riências contínuas cio subjação. desconfiança e medo de ser abandonada. .
Negação ou invalidação das próprias experiências e coerção para adotar o autoconfiantes e inrerpessoalmente bem-sucedidos e, então, vêem sua auto-ima-
papel do político" da família pelo bem da aparência pública, levando a uma gem terrivelmente abalada pelas conseqüências do comportamento imprudente.
aus, jde esquema de individuo ção. Eles agora podem acreditar que "meus melhores dias já se foram" e "serei um in-
válido emocional para o resto da vida'. Essas crenças desenvolvidas mais adiante
Esse último esquema é observado geralmente nas crianças de famílias muito na vida podem não ser tão centrais" ou difusas quanto um esquema cIo "imper c
enredadas e pode prevalecer em famílias que demonstram alta emoção expressa feição" que emerge na infância. Contudo, tais crenças podem ter efeitos perniciosos
e afeto negativo. na disposição dos pacientes de investir no difícil trabalho de terapia e de tolerar
Os exemplos anteriores, que podem parecer triviais ou simplistas, são somente os efeitos colaterais das medicações. Se puderem ajudar os pacientes a modificar
para fins ilustrativos. O desenvolvimento de esquemas raramente esta tão atrela- as crenças autocondenatórias e clesesperançadas. os terapeutas cognitivos aumen-
do a eventos específicos ria vida'. Algumas crianças sofrem traumas, mas contam tarão as chances de os pacientes serem mais ativos na busca de um curso de
com recursos e apoio suficientes para prevenir o desenvolvimento de esquemas tratamento bem concebido.
problemáticos. Outras experimentam estressores que não são diferentes do tu- o
multo normal da infância e adolescência, moas mesmo assim desenvolvem Modos
múltiplos esquemas mal-adaptativos. Alguns pacientes com transtorno bipolar co
desenvolvem mais esquemas mal-adaptativos e outros desenvolvem menos. O Quando os pacientes bipolares estão sofrendo as dores de um episódio sinto-
objetivo é ilustrar os fatores etiológicos razoáveis que terapeutas e clientes podem mático sério, seus padrões de funcionamento parecem cerceados e, portanto,
discutir como parte de sua tentativa de dar sentido às vulnerabilidades cognitivas implorando por uma descrição do fenômeno que vai além de somente esquemas-
(e, portanto, emocionais) dos pacientes. 0 conceito de modos (A. T. Beck, 1996) é um desenvolvimento conceitual impor-
O fato de o transtorno bipolar ter origem nas famílias aumenta as chances tante na conceiluação cognitiva dos transtornos psiquiátricos. Os modos são
de as crianças geneticamente em risco de desenvolver transtorno bipolar cres- definidos como redes cognitivo-afetivo-comportamentais integradas (por exem-
cerem ern um lar com pais ou irmãos que sofram de transtornos afetivos, talvez p1rnhinaçspsalezisas de esquemas. hábitos çmportamentais aprelltkL1.
com sérios transtornos co-mórbidos. Isso potencializa as chances de essas crian-
ças em risco passarem por experiências que possam deixá-las mais vulneráveis meifismoplernentar
a episódios bipolares no futuro. O desenvolvimento de esquemas e modos, ou de
são ativados por evenios da vida disripçôes crono-
biológicas ou por outros fatores, os''traços' tendenciosos dos pacientes bi'peres
reranto, observa-se que hú atnplas evidoicias de que aativnçâo de esquemas e modoS relacio- wsnarn:$Q g çpTeSSqs como um "estado', evidenciado pelos extremos no funcio-
nados de funcionamento esteia relacionada, em geral, a eventos especideos da vida. nattento emocional e comporiamental.
Papei da cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento
36 a Papel da Cognição no Transtorno Bipo/ar e seu Tratamento n 37

Embora tais estados (sejam eles depressivos, maníacos ou mistos) sejam limi- dula o esquema de não ser digno de amor, espera-se uma redução na amplitude
tados pelo tempo e, portanto, possam mudar, os traços subjacentes permanecem dessa oscilação cognitiva e emocional, pois ambos os pólos seriam moderados.
inalterados, a menos que sejam abordados com intervenções poderosas. Por exem- Avaliar e conceituaros padrões individuais de esquemas do paciente (e os even-
pio, as intervenções psicofurmacológicas podem ativar ou inibir OS modos e, tos históricos relacionados com ele) é responsabilidade do terapeuta cognitivo.
portanto, influenciar os estados dos pacientes (A. T. Beck, 1996). Tanto a terapia Isso possibilita que tanto terapeuta como paciente comecem a prever quando o
cognitiva como o tratamento farmacológico podem acarretar melhoras no fun- paciente corre maior risco de mudanças significativas nos modos de funciona-
cionamento dos pacientes, mas não são vistos como equivalentes em ação. Nosso mento. Após serem identificados, os esquemas podem ser modificados e, à medida
ponto de vista é que medicação pode descarregar OU inibir um modo disfuncjal, que a amplitude das oscilações disfuncionais no funcionamento dos pacientes
induzindo auin estado mental melhorado, mas não écapaz de produzir mudan- bipolares é reduzida, realiza-se o progresso terapêutico.
ças duradouras nas estruturas de significados cïue opacientcflfjbp .e.jyt ai cc

mesmos, a seus mundose a seu futuro. Portanto, mesmo medicado, o paciente


com transtorno bipolar retém traços cognitivos, os quais pernianecein como fa- AVALIAÇÃO DOS ESQUEMAS: OBJETIVAR VULNERABILIDADES
tores de vulnerabilidade para ativação futura de episódios sintomáticos (cf. Scolt
et ai.). Alterar esses traços é uni objetivo importante da intervenção cognitiva. Ao
C0GNITIvAS ARRAIGADAS
fazer isso, supôe-se que se podem alterar terapeu tiCaTti ente modos mais cerceais Os esquemas mal-adaptativos estão associados com o forte afeto negativo cm
de funcionamento de maneira permanente. urna grande variedade de situações, assim corno corri as dificuldades na mudança
terapêutica. 11á evidências, pelo menos em pacientes com depressão unipoiar, de
que as mudanças nas crenças negativas mais profundas possam reduzira proba-
Intensidade da Carga bilidade de recaídas sintomáticas no futuro (Evans et ai., 1992; Holion et ai., 1992).
A ativação dos esquemas e modos não ocorre com a mesma intensidade para Com os pacientes bipolares, supõe-se que a modificação dos esquemas ajude a
todos os pacientes ou para um determinado paciente cm todas as situações. A retardar o início de novos episódios e reduza sua duração e gravidade.
intensidade da "carga" determina ,1 força da ativação (A. '1'. Beck, 1996). Uma ativa- Um inventário planejado para mensurar crenças - algumas mal-adaptativas,
ção muito intensa, carregada negativa ou positivamente, pode acontecer quando outras não é a Escala de Atitudes Disfuncionais (Weissman e Beck, 1973). fisse
os esquemas foram desenvolvidos em uma idade mais precoce e quando o pa- inventário de auto-relato com 40 itens destina-se a detectar os sistemas de cren-
ciente se depara com urna situação da vida que proporciona urna "combinação" ? ças disfuncionais que aumentam a vulnerabilidade dos pacientes a transtornos
especialmente apropriada ao esquema. Essa ativação intensa provavelmente é afetivos. Solicita-se aos participantes que concordem ou discordem de cada cren-
agravada por fatores biológicos, os quais são intensificados se o paciente ex- ça em unia escala Likert de sete pontos. Os clínico, ,; podem examinar as crenças
perienciar início precoce dos sintomas sem tratamento pronto ou adequado. Dito mal-adaptativas endossadas pelos pacientes e as crenças adaptativas das quais
de outra maneira, a carga de um esquema ou modo é uma função combinada das fortemente discordam e procurar padrões que possam sugerir a existência de es-
experiências históricas do paciente quanto à etiologia e manutenção dos traços quemnas problemáticos. Os exemplos incluem: "Se eu falhar parcialmente, será tão
cognitivos, à evidência dos estressores situacionais em um determinado momento ruim quanto ser um fracasso total", "Não sou nada se uma pessoa que amo não
e ao extremismo da desregulação biológica do paciente. me amar" e "Se quiser realmente ser uma pessoa de valor, tenho de ser excelente
pelo menos em um campo importante". Quando os pacientes concordam com
uma crença ou duas (no máximo) isoladamente, isso não é de forma absoluta um
Bidirecional/da de na Expressão dos Esquemas indicador convincente de esquemas. Da mesma forma, quando os pacientes con-
É importante avaliar os esquemas dos pacientes independentemente dos sin- cordam com grupos de crenças, mas com moderação, também é um fraco
tomas que apresentam. O paciente que apresenta grandiosidade maníaca pode indicativo de esquemas. Entretanto, quando os pacientes concordam com grupos
ter os mesmos esquemas mal-adaptativos de "não ser digno de amor" ou de "in- de crenças disfuncionais, isso é um forte indicativo da existência de esquemas
competência" que uni paciente depressivo, mas apresentados de maneira inversa. mal-adaptativos.
Os pacientes bipolares parecem manter esquemas mal-adaptativos consistentes Na última década, foram elaborados questionários para avaliar os esquemas
que simplesmente mudam de polaridade (isto é, em um novo estado) junto com comumente associados aos transtornos da personalidade. Dois deles são o Ques-
seus estados de humor. Portanto, quando um indivíduo com um esquema de não tionário de Esquemas (J. E. Young, 1994) e o Questionário de Crenças Pessoais
ser digno de amor (cf. L.ayden et ai., 1993; 1. E. Young, 1999) está sofrendo as dores (A. T. Beck et al., mio prelo). O primeiro examina qual o peso que os pacientes dão a
cio desespero profundo, pode pensar que é odiado por toda a humanidade, mas determinadas categorias de esquemas predefinidos, tais como não ser digno de
quando se torna maníaco, pode passar a acreditar que é venerado universalmente. amor, desconfiança, abandono e incompetência; já o segundo procura padrões
Posteriormente, em conseqüência da terapia cognitiva bem-sucedida, que mo- nas crenças que formam a hipótese para mapear entre os diversos transtornos da

38 • Papel da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Tratamento Papel da Cognição no Transtorno aipo/ar e seu Tratamento a 39

personalidade. Considerados juntos, esses inventários de auto-relato podem cons- tificar e reagir de maneira adaptativa aos estressores e identificar prontamente os
cientizar os terapeutas dos padrões arraigados na compreensão fundamental dos sinais de advertência de sintomas. Com rápida intervenção, é possível que res-
pacientes sobre si mesmos e seu mundo. Assim, os terapeutas podem identificar postas maníacas possam ser evitadas, ou pelo menos, atenuadas.
áreas de vulnerabilidade e delinear os planos de tratamento para modificar essas
crenças problemáticas.
Independentemente do instrumento psicométrico ou técnica de entrevista usada, Estilos Atributivos
os terapeutas cognitivos avaliam o extremismo e a força do endosso dos sistemas de A pesquisa da teoria de atribuição encontrou apoio empírico para uma liga-
crenças dos pacientes. Uma das estratégias centrais da terapia cognitiva é moderar ção mediadora entre os eventos da vida, os fatores de predisposição e a ativação
as crenças dos pacientes, de modo que eles adquiram uma perspectiva mais ampla, dos sintomas bipolares (sejam eles depressivos ou maníacos). Essa relação é mais
reduzam a magnitude do afeto (por exemplo, disforia, raiva) e melhorem sua capa- evidente nos pacientes bipolares que tendem a fazer atribuições internas globais
cidade de lidar construtivamente com os estressores. À medida que os pacientes aos eventos significativos da vida (Aliov et ai., 1999; Leahy, 1999; Reilly-Harriiigton
bipolares realizam esses objetivos gerais, seu nível de estresse observado diminui. et ai., 1999). Isso pode fazer com que pessoas com depressão maníaca ase vejam
Conforme praticam as habilidades psicológicas que aprendem corri o tempo, por em maior controle dos eventos importantes da vicia (e sejam mais responsáveis
meio da tarefa de casa da terapia, os pacientes tornam-se menos vulneráveis aos por eles) do que a avaliação objetiva garantiria. Unia implicação clínica Uess
episódios afetivos no futuro, mesmo quando ocorrem estressores significativos. achados é que ajudar os pacientes a entender que algumas situações da vida estão
fora de seu controle direto enão refletem seu caráter épptcncialmente corretivo.
c
Quando contrabalançados com uma avaliação precisa de suas habilidades de re-
EVENTOS DA VIDA E SUAS INTERAÇÕES COM OS FATORES COGNITIVOS solução de problemas, essas atribuições externas específicas podem ajudar osj.
Quais são os fatores psicossociais que contribuem para a ativação dos sinto- pacientes a enfrentar situações 'sem dificuldades" e a manter-se mais calmos. Isso
mas bipolares, incluindo o surpreendente pensamento polarizado? 1-lá dados impede as oscilações indevidas de humor.
convincentes de que os eventos cia vida, como aqueles que trazem dificuldades Oíutttress ante é que há alg uni a s evidênc ias e nega t iv os
ou grandes mudanças na vida, estejam ligados a um início aumentado de episó- p_cuis.^ini£nto enipAçieiites corri depressão uni ou bipolar são bastante sernelhan-

dios afetivos no transtorno bipolar (Elhcott et ai., 1990; Harrimen e Gitlin, 1997; (Ailoy et ai., 1999;
Johnson e MilIer, 1997; Johnson e Roberts, 1995). Entretanto, parece que os estilos Reiliv-Harrington et ai., 1999). Portanto, quando passam da fase depressiva para a
cognitivos rios pacientes tèm um papei interativo importante (Aiioy et ai., 1999; maníaca, os pacientes bipolares ainda mantêm os estilos atributivos negativos que
Reillv-llarrington et ai., 1999). Por exemplo, em combinação com os eventos ne- apresentavam na fase depressiva. Alloy et ai. (1999) escreveram que 'esses acha-
gativos da vicia, as pessoas com estilos de pensamento mal-adaptativos estão mais dos são compatíveis com as formulações psicodinàrnicas tradicionais que indicam
propensas a desenvolver sintomas afetivos, incluindo episódios tanto maníacos que os períodos hipomaniacos OU maníacos dos inlivduos bipolares ou ciclo-
como depressivos. tíinicos são urna 'defesa', ou contra-ataque, a tendências depressivas subjacentes...
O achado de que os eventos negativos da vicia podem desencadear a mania - e (p. 36). Também é enfatizada a importância de ensinar os pacientes a serem objetivos
não somente os episódios depressivos— é mais intrigante (Johnson e Roberts, 1995; ao máximo possível na avaliação das situações de suas vidas, de modo que seus
Reillv-l-larrington et ai., 1999).pssoas maníaco-depressivas em particular podem estilos cognitivos não ampliem de forma indevida seus níveis de afeto corri os
vida, principalmente se mantiverem quais já é tão difícil lidar no contexto da doença bipolar.
eqemas problemáticos dlUC sirvam para ampliar as implicações negativas desses Outra pergunta clínica e investigativa interessante de ser feita é: 'na ausência
..tj.e,sencadeantes. Ela s j5dern resiicíer a esses eventõs negativos da vída tirando de estressores normativos óbvios, os estilos cognitivos mal-adaptativos dos pa-
conclusões excessivamente desagradáveis sobre si mesmas e interpretações cientes criam a equivalência subjetiva de mudanças significativas da vida?" Em
desesperançadas para seu futuro. O estresse resultante poderia então gerar uma outras palavras, é possível que o início dos episódios depressivos e maníacos pos-
combinação de reações biológicas perniciosas, juntamente com comportamentos sa parecer espontâneo - como no caso de recaídas no meio ou em um momento
que podem sobrecarregar seu bem-estar físico (por exemplo, perda de sono, avançado do curso ria doença - e ainda ser pelo menos atribuível de maneira par-
abandono, permitir que os problemas se acumulem). O resultado desse processo cial ao estresse auto-induzido perceberão encarar as situações cotidianas corno
pane muiio bem ser expresso no tipo de desregulaçâo biológica que resulta cm desesperançadas, catastróficas, exigindo "100% de esforço concentrado" ou algo
sintomas inaníacos ainda que os desci) cadeantes ambientais tenham sido nega- semelhante? Se houver suporte, essa hipótese tem possíveis implicações na hipó-
tivos. Um mecanismo hipotético é que os eventos problemáticos ria vicia que t else rio transtorno bipolar, em que a natureza fisiológica aparentemente
desencadeiaiii a interrupção do sono são mais capazes de levar à mania do 'autônorna'as recaïdiis sintomáticas posteriores pode ser adiada, silenciada ou
que aqueles que não desencadeiam (Maikoff-Schwartz cd ai., 1998). Ë de extrema
importância para os terapeutas cognitivos ensinar seus Pacientes bipolares a icien- se

40 • Papel da Cognição no Transtorno Ripo/are seu Tratamento Papel da Cogniç)o no Transtorno Bipolar e seu Tratamento a 41

que criem estresse auto-induzido, pode-se diminuir a probabilidade (e amplitude) e desamparado. Por representar unia área de estresse subjetivo especialmente alto
dos problemas de humor. para indivíduos marcantemente sociotrópicos, era esperado que isso ocasionasse
a recaída nesse tipo de paciente bipolar.
Da mesma maneira, a tendência a um alto grau de autonomia pode estar
Dimensões da Sociotro pia - Autonomia associada com esquemas de incompetência, imperfeição e, talvez também, des-
Uma outra área de possível convergência de pesquisas sobre características de confiança. Por exemplo, quando um paciente bipolar altamente autônomo vê seu
personalidade esquemas e eventos estressantes da vida dos pacientes é o estudo negócio criado durante sua fase maníaca fracassar e falir, ele pode experimentar
do continuutn sociotropia - autonomia, utilizando a escala que leva seu nome mais do que simplesmente o estresse que acompanha a perda financeira. Ele pode
(Escala de Sociotropia - Autonomia; A. T. Beck et ai., 1983). Pacientes com altos ficar propenso a sentir-se incompetente ao extremo, e sua sensação pessoal de fra-
graus de sociotropia estão, em hipótese, vulneráveis aos transtornos afetivos quan- casso pode ser mais um desencadeante de sintomas afetivos significativos, como
do são confrontados com dificuldades interpessoais e perdas, ao passo que aqueles uma depressão profunda. Além disso, pacienles que acreditam que seus parentes
com um alto grau de autonomia estão mais vulneráveis quando sua sensação de e terapeutas estão desencorajando-os, sem necessidade, de seguir sua fuga de
liberdade e conquista é frustrada. l-larnrnen et ai. (1989) encontraram apoio para idéias e objetivos, podem reagir corri mim nível esquemático de desconfiança. Em
esse pressuposto teórico em uma amostra de pacientes depressivos unipolares, outras palavras, eles pocleni não entender isso como uma preocupação por eles;
mas encontraram também resultados ambíguos em urna amostra menor de pa- pelo contrário, podem interpretar os comentários cautelosos dos outros como
cientes bipolares que haviam se tomado sintomáticos no decorrer do estudo. Os originrios da inveja e uma tentativa deliberada de sabotar seu sucesso. A raiva e a
autores argumentam que pode desenvolver-se um quadro mais claro apenas cio frustração resultantes podem tornar-se estressores emocionais que aceleram ou
um período mais longo, quando mais pacientes bipolares experimentarem intensificam os sintomas maníacos, especialmente a irritabilidade característica.
recorrências. Fingerhul (1999) acompanhou essa linha de pesquisa e descobriu
que os pacientes bipolares com um alto grau de sociotropia exigiam estresse TOMADA DE DECISÃO E DIRECIONAMENTO A OBJETIVOS
interpessoal mínimo para influenciar seu tempo para recaída. Ao contrário, os
pacientes com baixa sociotropia não demonstravam essa vulnerabilidade. Em vez Uma das maneiras mais óbvias e evidentes pelas quais os pacientes bipolares
disso, somente altos graus de estresse interpessoal influenciaram o curso de sua demonstram OS contrastes entre seus modos com vieses positivo e negativo de pen-
doença. Em geral, quando os pacientes com graus altos ou baixos de sociotropia sarnento, seu afeto e seu comportamento é a tomada de decisões. Lcah\' (1997, 1999,
foram comparados, o tempo mediano para recaída dos participantes com eventos 2000) expôs um modelo de controle de risco para ressaltar essas diferenças. Ao fazer
interpessoais da vida era mais de quatro meses menor do que para os participan- unia analogia com o plano financeiro (cf. Bodie et ai., B1996), l.eahy demonstrou
tes sem eventos interpessoais da vida. Embora do ponto de vista estatístico não como o pensamento depressivo caracteriza-se por uma aversão extrema ao risco, a
sejam significantes, esses achados representam uma tendência estatística de sus- ponto de OS pacientes evitarem oportunidades de melhorar seu investimento, mesmo
tentar a hipótese geral de que os estressores inlerpessoais da vida possam se isso implicar em aceitar uma situação desfavorável. Uni paciente profi.mndarnente
influenciar a recaida afetiva. Lam ei. ai . (2000) relataram que os pacientes bipolares disfórico pode relutar em tomar uma atitude para melhorar sua situação, temendo
demonstravam uma interação de suas crenças perfeccionistas sobre a conquista "9 agravá-la se fizer mudanças. Esses pacientes se apresentam como desamparados,
e a autonomia com os eventos da vida nos quais se viam obrigados a trabalhar não vêem motivação para fazer a tarefa de casa da terapia e não comparecem às
duro para compensar fracassos anteriores. O resultado foi comportamento exces- sessões que em sua percepção não servem pata nada, além de remexer nos proble-
sivamente dirigido que arriscou acelerar novos episódios sintomáticos, inclusive mas. No outro extremo, há indivíduos maníacos que anseiam por emoção e, portanto,
a mania. minimizam ou negam a existência do risco em urna tentativa desvairada de obter e
Os construtos de sociotropia e autonomia não são ortogonais, e os pacientes usar todas as oportunidades possíveis de ganho. Esses pacientes sentem-se tão
podem dar mais peso a um deles ou a ambos, como demonstraram os pacientes bi- controladores de stmas vicias que fazer terapia lhes parece supérfluo. interpretando
polares no estudo de Scott et ai. (2000) (eles se mantiveram em tini um nível elevado as tentativas de seus terapeutas de colaborar na resolução de problemas como exer-
tanto na necessidade de aprovação social como no perfeccionismo). A tendência cícios tediosos, sem criatividade e medíocres.
a um alto grau de sociOtrOpia pode estar associada com os esquemas de não ser Certamente, a situação seria difícil o bastante se os pacientes bipolares perma-
digno de amor, de abandono e de dependência. Portanto, espera-se que os pa- necessem em apenas um desses estados extremos e tendenciosos mia tomada de
cientes com urna necessidade incomum alta de afiliação interpessoal estejam decisões. Por exemplo, indivíduos depressivos unipolares podem ficar "presos" em
especialmente vulneráveis à rejeição, de modo que possam experimentar situa- antigos modos de autopreservação que, embora lhes dêem pouco prazer, sejam
ções que envolvam discórdia interpessoal e perda como representantes de previsíveis. Indivíduos maníacos podem dar vazão à destruição em suas vidas, mas
catástrofes pessoais. O resultado pode ser o surgimento de sintomas afetivos que, pelo menos experimentam a emoção do momento e o viés tardio de pensamento
em hipótese, estão associados com a sensação de não ser amado, de ser solitário de que o divertimento fez tudo valer a pena, apesar dos problemas. Infelizmente,
Papel da Cognição no Transtorno Bipolar e seu Trata,nento Q 43
42 m Papel da Cogniçio no Transtorno Bipolar e seu Tratamento

a mudança do modo depressivo para o modo maníaco de tomada de decisões é CONCLUSÃO


ainda mais problemática. Os fatores cognitivos representam uma parte significativa do círculo vicioso
São conhecidas narrativas sobre pacientes bipolares que se queixam de que de variáveis interarivas que englobam a síndrome do transtorno bipolar; outros
quando experienciam um nível elevado, sentem-se pressionados a recuperar o fatores incluem a desregulação neurobioquimica, os extremos comportamentais
tempo perdido - tempo desperdiçado em estados depressivos inertes, deixando e os estressores psicossociais (tanto causais como resultantes). As variáveis
suas vidas estagnadas (cf. Lam et ai., 2000, para achados semelhantes). Isso simples- cognitivas foram descritas de várias maneiras na literatura, desde estilos atributivos
mente aguça as emoções e prolonga ainda mais seus extremos de tomada de risco. e esquemas até modos cerceadores do funcionamento que são ativados sob de-
Da mesma forma, pacientes no estado depressivo já se lamentaram dizendo que terminadas condições. Independentemente de como os fatores cognitivos são
amaldiçoam os dias em que fizeram suas escolhas com base na mania, enquanto apresentados, sua avaliação e modificação podem servir como fortes breques
agora tentam se manter naquilo que l)OUCO se parece com recursos e ordem que terapêuticos para atenuar o processo bipolar geral, em especial se os pacientes
continuam em suas vidas. Em outras palavras, os indivíduos maníaco-depressivos aprenderem a implementar as habilidades cognitivas de auto-ajuda aos primei-
nem mesmo têm o "luxo" de se manter em suas antigas maneiras disfuncionais de ros sinais de início dos sintomas.
enfremamenro familiares. Cada mudança de humor carrega seu próprio conjunto O modelo de tratamento com a terapia cognitiva é mais eficaz quando os pa-
de processos mal-adaptativos de tomada de decisões que vão contra a natureza do cientes participam totalmente do processo. Isso é conseguido quando os terapeutas
estado de espírito anterior. Eles não conseguem 'se estabelecer". Uma paciente se educam os pacientes sobre a natureza diátese-estresse do transtorno bipolar e a
comparava a Sísifo, para sempre fadado a empurrar o rochedo morro acima e deixá-lo estrutura das sessões de unia maneira temporalmente eficaz, socializam os pa-
rolar morro abaixo, empurrá-lo novamente morro acima e vê-lo de novo rolar cientes com o modelo de terapia cognitiva e colaboram na elaboração de tarefas
morro abaixo, repeticlamente, o tempo todo. Claramente, nossas intervenções de casa que aumentem sua sensação de habilidade e autonomia. Cada vez mais
cognitivas devem visar os extremos de tomada de decisões que sustentem esse estudos de resultado estão apontando evidências da eficácia da terapia cognitiva
processo desmoralizante e devem oferecer uma tecnologia de resolução de pro- na melhora significativa da condição dos pacientes bipolares acima e além do tra-
blemas que faça a distinção entre a negação e a aversão do risco. tamento convencional.
19 Uma avaliação e compreensão das crenças e esquemas (por exemplo, usar in-
O transtorno bipolar às vezes é caracterizado em termos da desregulação do
sistema afetivo, mais precisamente o sistema hedonista, que desempenha um ventários como a Escala de Atitudes Disfuncionais, a Escala de Sociotropia -
papel importante na iniciação, manutenção e inibição do comportamento. Algu- Autonomia, o Questionário de Crenças Pessoais e o Questionário de Esquemas)
mas pesquisas intrigantes e importantes relativas ao anteriormente dizem respeito co podem ajudar a desenvolver a conceituação de caso cognitivo individualizado dos
ao papel do "sistema de ativação comportamentai" (Depue e lacono, 1989; Gray, terapeutas, ajudando-os na identificação dos traços cognitivos que compreendem
1990; johnson, Sandrow et ai., 1999; Meyer et ai., 1999) no transtorno bipolar. O as áreas de vulnerabilidade pessoal nos pacientes bipolares.
sistema de ativação comportamemal é um sistema neurocomportameritai hipo- j
rético que é ligado às vias dopaminérgicas na área tegmentarventral (Depue et ai.,
1996). A ciesregulação do sistema de ativação coniportamentai, especificamente a
atividade excessiva, pode estar associada com o fato de a pessoa tornar-se focali-
zada demais nos incentivos e atividades dirigidas a objetivo. Assim, pacientes que
sofrem as dores cio estado maníaco dificilmente conseguem abrir mão da oportu-
nidade de lutar pela conquista e pelo prazer, mesmo à custa de sua saúde, situação
financeira e reputação social. [)e fato, o paciente maníaco não perceberia esses
riscos como significativos, e nesse ponto está uma grande parte do problema.
Portanto, o papel cio terapeuta cognitivo aqui é ajudar os pacientes hiponianíacos
(e mesmo maníacos) a fazer avaliações mais normativas dos custos e benefícios
de perseguir seus objetivos ambiciosos identificados. A intenção é proporcionar
aos pacientes "breques" cognitivos para desacelerar seus sistemas comportamental
e hedonista excessivamente responsivos, talvez apenas o suficiente para protelar
maiores conseqüências da vida que poderiam gelar mais estresse e sintomas exa-
cerbados. Como o processa11e!1to cognitivo é parte do hipotético círculo vicioso
de fatures que conduzem a depressão maníaca, os terapeutas cognitivos constan-
temente buscam maneiras de romper esse círculo por meio de uma ampla gama
de intervenções padronizadas e especializadas (consultar Caps. 3 e 4).

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