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Como entender: estar doente da doença, que é outra doença que não a doença; é

portanto, o medo; o medo do Outro, do sofrimento, e em último grau da própria morte; a


ausência de vida do qual nada se recura. Contudo, muito interessante é o medo do medo,
por isso decidi trazê-lo para aqui, para bem perto de ti e de mim. Pois aqui, na vida, é
mais perigoso ter medo do que morrer; porque ter medo é já estar morto.

No entanto, dizem que ter medo é uma componente essencial à vida, afasta-nos
dos perigos (há outras coisas que nos avisam dos perigos de não existir, duvido que um
ser desenvolvido, adulto, necessite do medo para o proteger, fica a dúvida), torna-nos
seres precavidos, que assim conseguem viver até aos cem anos (é o que vai no
catálogo); mas isto é viver ou evitar, e esperar para, morrer? Voltando ao que nos trouxe
aqui, a doença: o medo não é condição à doença, mas a doença é parte integrante do
medo, isto é, ter receio de estar doente.

M. Foucault, nas pesquisas que realizou, concretamente na “história da clinica”


detetou algo que nos pode ser interessante aqui recordar: a doença é um conjunto de
sintomas, contudo, é também um estado; a representação (imagética: um vírus visto ao
microscópio) de um estado representativo de outro que não eu, mas, ainda assim, um ao
qual me identifico como tendo e sendo; a imagem do problema torna-se, programamo-
nos assim (Dasein), como ao microscópio, aumentada; surge o estado da doença. Daqui
compreende-se que a mesma dor de dentes tenha diferentes representações em
diferentes tipos de pacientes.

A doença apresenta o seu hospede como fraco. Aniquila-o internamente;


metafisicamente coloca-o num estado, de doente, de inferior em relação a si e ao outro.
É menos a dor e mais o sentir-se doente que o destrói. A doença da doença é o medo;
este como vimos vem com o (falso) conhecimento, surge com o saber que a doença
existe em si. Concluímos, portanto, que é possível estar doente sem ter o estado da
doença; se eu não souber o que é uma constipação, são só uns espilros, tosse, um nariz
entupido; isto é o mesmo que dizer que a constipação já existia antes de ser inventada (o
que não se limitou a dar-lhe um nome).

Separámos portanto a falência do organismo (que diariamente acontece


naturalmente, e ainda que, fosse diferente, eternos, bastava-nos uma representação da
finitude para nos deixar eternamente preocupados, mais tarde voltaremos a esta questão)
da representação, estado, da doença. Para que continuemos em linha, recordamos a
questão, será pior então o medo ou a doença? A identificação conhecemo-la através do
exemplo fornecido por Sartre, o empregado de mesa que sofre diariamente com clientes
e patrão ao esquecer-se que para lá do seu estado como, cidadão, empregado, filho, pai,
etc., ao qual está aportado, existe algo único.

Da mesma maneira a pessoa identifica-se com a doença e torna-se doente; deixa


de ser a ana, o nuno, o anton, ou a liliana, para ser o paciente (paciente: aquele que
espera pacientemente o que lhe está reservado); o elefante afasta-se do grupo quando
outros se apercebem que este está a morrer, talvez, tal criatura evite, assim, falecer antes
de morrer. Aportamos na mesma velha questão, o Outro, é esse que me faz adoecer e
falecer, fora dele vivo na vida e morro na morte, nunca antes, e só depois, aí me fino.

Na valorização do outro, de mim e da vida, pode residir algo interessante pensar;


um dos paradoxos da espécie humana está no valor que atribui à vida (à sua); se evito
matar uma formiga, direi que, é pelo valor que atribuo à vida, contudo a formiga
desconhece esse valor da vida, ele é quimérico. É o valor que atribuo à minha vida,
ninguém quer ser morto sem razão, por isso, a espécie humana não mata sem razão,
mata por alimento, defesa, território, porque não quer morrer sem razão; facto e fado é
que a vida existem sem nós sabermos e existe sem que ela saiba de nós, a formiga nunca
soube que ia morrer ou que escapara ao espezinhamento, e, desconfio que nunca se
venha a importar com isso. Parece-me, então, kantiana a questão, não mato porque dou
valor à minha vida, contudo, mato-me a dar valor à vida. Chegamos ao suicídio.

E quem dá mais valor à vida que um suicida; o seu amor é tão profundo que por
esta executa o derradeiro sacrifício. Só algo extremamente querido, agora, me pode ferir
(justine de sade, depois de passar todos os infortúnios). Pois, se a vida lhe fosse
indiferente, sem valor, este nunca atentaria contra ela; orbitamos, então, novamente o
valor da vida, e no suicida a vida toma mais valor do que o seu próprio ser, ou seja, ele
acha que a vida é maior, mais forte, mais rápida, mais importante, mais ser que o seu
próprio ser. Contudo, o ser humano, tem inevitavelmente mais valor em si do que
empresta à vida, pois é ele que o dá, ele é criador e cria, ele é a História.

Determinadas culturas, ao longo da História, i.e. os Vikings, menos tementes à


morte, não viviam menos que outros que davam um alto valor à conservação da vida,
i.e. os Judeus; é curioso notar que as culturas que valorizam mais a morte,
tendencialmente vivem com maior intensidade a vida.
A valorização do próprio ser, face à vida, é realizada frente à morte; e este
adversário revela-se no Outro, na doença, no sofrimento, no desconhecido, e ao avançar
na direção deste, o ser supera-o, supera-se, até à próxima situação; a morte ganhara
valor pela ameaça que representara, contudo o ser, enfrentando-a, cria
proporcionalmente valor em-si através do para-si; integrando o tamanho das feras que o
tentavam derrubar, o ser é obrigado a transcender-se ou a finar-se. Podemos dizer,
então, que a vida que evita a morte a todo o custo desvaloriza o ser pelo valor que
atribui à vida; a vida do ser transforma-se num fim em si mesma, causando a alienação
do ser. A vida nunca poderia ser mais valiosa do que o ser: porque tudo é vida, e tudo é
nada, que é o mesmo que dizer, é tudo igual; a unicidade está no próprio ser, esse que
não é tudo nem nada, esse que é único.

Vivo não é um valor a priori; mas, ser vivo sim. Um humano em estado
vegetativo está efetivamente vivo, mas não consegue ser, ele é um para-os-outros, mas
está impossibilitado de ser um para-si; como uma estátua, ele representa algo, mas não é
esse algo.

A morte ganha um falso valor, que lhe é erroneamente atribuída pela vida,
proporção de sabor pela vida faz crescer o fel da morte; mas, este sabor, evocado pelo
apego à vida leva o ser a desprezar e apagar a morte do real, tornando-a desconhecida; é
o medo do desconhecido que preenche a vida e a ocupa; o espaço entre a vida e a morte
é ocupado pelo medo; a existência, o viver do ser é a tentativa de recuperar esse mesmo
espaço perdido para o medo.

Dasein (Hegel); o ser que é com a cultura que tem. É interessante destacar que
em ambos os casos, das culturas apresentados acima, Viking e Judia, - um quer morrer e
o outro viver bem – ocupam grande parte da sua existência com o medo, permitindo que
a sua essência preceda a sua essência (uma inversão da frase de sartre: “a existência
precede a essência”).

Existir fora do seu próprio dasein; colocar tudo em parênteses, tudo o que nos
foi carregado; “o inferno são os outros”, como pegar na representação que o outro
gravou em mim das coisas e suspendê-la; retornámos à Doença, à representação do
outro das coisas. Portanto, tudo são representações, o que não torna menos reais as
coisas, mas que me torna menos real a mim.

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