Por pouco meu nome seria Aparecido, minha mãe sempre me chamou de Cidinho, demorei para descobri a razão disso. Alguns teimam em chamar-me de Joãozinho, detesto isso, meu nome é Apolinário João Passos. Ponho-me a gora a contar um pouco da minha história, tudo que segue é verdade, senão inteira, ao menos mais do que a metade, então passa a ser verdade. O que menos me preocupa é a lógica ou a coerência, apenas quero compartilhar contigo um pouco da minha vida até aqui, porque depois, o depois é contigo... deixo para sua imaginação. Muito cedo aprendi que as palavras têm cores, cores e letras sempre exercem grande fascínio em alguns, coleciono frases, coleciono livros, coleciono dicionários especialmente... aprendi que o amor e alguns sentimentos são coloridos... ou seus sinônimos são... Vem de muito pequeno minha paixão pelas letras que sempre serviu de régua ao meu destino, silenciei muito até aqui, agora, permito-me deixar que fluam os mistérios, as paixões, os fantasmas e mesmo aquelas coisas tolas e sem graça, tolas e sem graças mas absolutamente significativas de uma vida escrita em tinta incolor em paredes de quartos de pensão, em dormitórios onde dois seres dividiam a solidão. Sei que são muitos assuntos e por qualquer deles que eu comece, eles vão convergir em muitos pontos, existem caminhos paralelos que virtualmente cruzam em atalhos inesperados, com elos improváveis e por vezes difíceis de distinguir. Minhas mãos grossas e meus dedos ásperos conheceram óleos, graxas e outros insumos, nem sempre se dão bem com caneta, papel e menos ainda com computadores, minhas anotações foram feitas em rascunhos, nas costas de listagens de relatórios, ao longo de anos, anotações que depois minha sobrinha digitou num tempo extremamente rápido, pode ser que algumas palavras tenham sido trocadas, por afinidade ou por pressa mesmo. Trabalhei quase a vida inteira em uma montadora de caminhões, sou torneiro mecânico de formação e de prática, me interessa falar de flores e de cores mais que de parafusos, tornos e fresas ou resíduos. Depois da jornada de trabalho sempre parei debaixo da goiabeira que eu vi nascer, plantada por tia Lourdes, goiabeira que cresceu no fim da rua sem saída onde minha família sempre morou malocada. Tento preparar você para as muitas coisas que preencheram meus dias e noites, sempre ouvi vozes me dizendo que caminho seguir, que palavras usar, mas depois de ler minhas anotações percebo que muitas coisas ficaram por dizer, muitos caminhos por seguir e muitos afetos foram reservados para um tempo que provavelmente já passou. Escolhas implicam em mais escolhas e em compromisso, senão viram promessas, e promessas servem pouco nessa vida. Meu primeiro cachorro tinha o nome de Cenorinha, ele era quase laranja, vivia pulando o tempo todo, tinha focinho era amarronzado e fino, tinha pelos longos, ondulados nas pontas, aos 4 anos morreu de diarréia depois de comer restos na lata de lixo.