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In: Figueiredo, C.A. & O.F.Jesus.(Orgs.) 2005. Lingüística aplicada.

Aspectos da leitura e do ensino de línguas. EDUFU. 02-09

“ENGLISH FOR ALL”... PRESERVANDO O FORRÓ1


Maria Antonieta Alba Celani – Puc-SP

 forró – baile popular, em que se dança aos


pares com música de origem nordestina
(Houaiss, 2001); também, popularmente
entendida por alguns como modificação de
for all, usado pelos soldados americanos
no nordeste do Brasil durante a II Guerra
Mundial para se referirem a esse baile.

Abstract
In this paper I discuss the social and educational implications of English as a global
language, with special reference to curriculum and teaching materials design and to
identity construction in the foreign language classroom in Brazil. While on the one hand I
argue for the urgent need to extend English language education to all, on the other hand I
also stress the need to be aware of the vital importance of not losing identities in the
process. Some possible ways of keeping the balance are presented and discussed. within the
context of the Brazilian educational system. For theoretical support I rely mostly on the
thinking of Cummins (2001), Rajagopalan, (2002, 2003, 2004a, 2004b), Kumaravadivelu
(2001, 2003), Canagarajah (1999, 2002), Holliday (1990), Celani (1995, 2000, 2004),
Moita Lopes, (2003) and on the Parâmetros Curriculares Nacionais –Língua Estrangeira
(Brasil,1998).

Resumo
Neste artigo discuto as implicações sociais e educacionais do inglês como língua global,
com especial referência à construção de currículos e de materiais didáticos e à construção
da identidade na sala de aula de língua estrangeira no Brasil. Enquanto, por um lado,
argumento a favor da necessidade urgente de se estender a educação com inglês para
todos, por outro lado também enfatizo a necessidade de se ter consciência da importância
vital de não se perder as identidades no processo de ensino-aprendizagem. Apresento e
discuto algumas maneiras possíveis de se manter o equilíbrio no contexto do sistema
educacional brasileiro. Apoio-me principalmente no pensamento de Cummins (2001),
Rajagopalan, (2002, 2003, 2004a, 2004b), Kumaravadivelu (2001, 2003), Canagarajah
(1999, 2002), Holliday (1990), Celani (1995, 2000, 2004), Moita Lopes, (2003) e nos
Parâmetros Curriculares Nacionais –Língua Estrangeira (Brasil,1998).

Key-words: English in education – globalisation – language and identity – empowerment

1
Versão modificada de palestra proferrida a 16 de julho de 2003 na Semana Pearson de Educação, em São
Paulo.
Palavras-chave: inglês na educação – globalização – linguagem e identidade –
empoderamento

Várias publicações (Rajagopalan, 2002, 2003, 2004a, 2004b; Celani,1995, 2000, 2004,
Moita Lopes, 2003) têm enfatizado a importância de se garantirem condições para que
todos os brasileiros tenham acesso à aprendizagem de línguas estrangeiras, e,
particularmente nos dias atuais, à língua inglesa, bem como a necessidade de que essas
condições estejam informadas por uma visão que problematize as mensagens culturais e
políticas que necessariamente podem vir a reboque no processo de ensino-aprendizagem.
Mais uma vez retomo a questão. Após traçar um breve panorama histórico da posição das
línguas estrangeiras no Brasil, quero deter-me nos dois componentes do título – English for
All e Preservando o Forró - para discutir e propor uma posição democrática, não exclusiva,
no que se refere ao ensino-aprendizagem da língua inglesa em nossas escolas. Espero que
ao final se torne também claro qual o significado atribuído a “forró” nestas reflexões e,
também, o porquê da necessidade de se manter a primeira parte do título em inglês.

O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL

De acordo com o que nos mostra Moacyr (1936, 1941), podemos nos dar conta do caráter
elitista da educação no Brasil, antes da chegada de D. João VI e também durante o império.
O percurso do ensino de línguas estrangeiras a partir da “Resolução de Consulta da Mesa
do Desembargo do Paço de 14 de julho de 1809” que “crea nesta cidade uma cadeira de
Arithmetica, Algebra e Geometria, uma de Inglez e uma de Francez” está delineado e
discutido em Celani (2000) e o de períodos mais recentes também em Leffa (1999). De um
panorama contemplando o ensino de quatro a seis línguas estrangeiras, em pouco mais de
um século passa-se a outro no qual as línguas estrangeiras são excluídas do núcleo comum
(Lei de Diretrizes e Bases,1961), ocupam a posição de “atividades” ou podem ser incluidas
no currículo “como acréscimo ... quando tenha o estabelecimento condições de ministrá-las
com eficiência” (Lei de Diretrizes e Bases,1971). As razões explicitadas não convencem:
adotar “uma política de ensino mais realista”.2
Terá a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 restaurado o status da língua estrangeira no
currículo, mais particularmente no da escola pública? A experiência mostra que não, apesar
do art.26, §5 estipular a obrigatoriedade do ensino de uma língua estrangeira no terceiro e
quarto ciclos e no ensino médio, e de mais uma opcional neste nível, deixando a escolha
para a escola.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Estrangeira (Brasil,1998) representam o
resultado de uma tentativa de oferecer subsídios para a educação contínua de professores,
como referência para reflexão e implementação de seus princípios. Estes estão expostos
claramente: a aprendizagem de língua estrangeira é um direito humano a ser assegurado a
todos; o ensino-aprendizagem de língua estrangeira faz parte da educação; é, portanto,
função da escola. Mas, a vida real muitas vezes determina rumos diferentes daqueles que a
lei escrita prevê. O ensino-aprendizagem de língua estrangeira, embora goze de alto

2
Para uma discussão mais extensa desta questão ver Celani (1995).
prestígio na sociedade, continua a gozar de baixo prestígio na escola3. Os alunos em geral e
os próprios professores às vezes não lhe percebem o valor e não têm clareza quanto a seu
papel no currículo (Celani e Magalhães, 2003). Faltou à implementação dos Parâmetros
Curriculares uma ação mais efetiva que levasse em conta as necessidades dos professores a
que se destinavam. Faltou um programa amplo de educação contínua de docentes que
cuidasse de garantir que os princípios expressos nos Parâmetros fizessem sentido para os
professores em sua prática. Mas, o que falta, na realidade, é vontade política.
Passo, agora, a argumentar a favor do ensino de língua estrangeira como parte da educação.

“ENGLISH FOR ALL” ... INGLÊS PARA TODOS ...

Ensino-aprendizagem de língua estrangeira e a educação

As razões para se entender o ensino-aprendizagem de língua estrangeira como parte da


educação geral são várias. Algumas se referem ao processo de constituição de cidadãos
conscientes situados em um momento específico da história, outras, não desvinculadas das
primeiras, se referem a questões pragmáticas, de preparação para a vida no mundo, estas
também, de certo modo, parte da educação integral.
Vejamos alguns desses aspectos.
A aprendizagem de uma língua estrangeira, certamente ajuda na constituição da auto-
percepção das pessoas como seres humanos e como cidadãos. Ao entender o Outro,
aprendemos mais sobre nós mesmos e sobre um mundo plural marcado por diferenças. A
consequência natural desse processo será o desenvolvimento de compreensão em relação às
diferenças, atributo tão importante nos embates da vida contemporânea..
O processo de aprendizagem proporciona também uma compreensão nova sobre a
linguagem, uma percepção maior em relação à língua materna, e em relação ao
funcionamento da linguagem em geral. Está implícita, no entanto, a necessidade de esse
processo ser vivenciado como um processo educacional integral e não como a aquisição de
um número determinado de habilidades lingüìsticas. Não como um exercício intelectual de
aprendizagem de formas e estruturas em um novo código. Se este for o caso, e é o que
acontece na grande maioria de nossas escolas, a nova língua passa a ser um quebra-cabeça a
ser montado ou desmontado, o objetivo de seu aprendizado passa a ser mal interpretado – a
nova língua passa a ser vista como um mero exercício escolar e não como algo que faz
parte da vida das pessoas – e com isso perde-se a essência de um processo integral que
deveria levar à construção da cidadania.
O que deveria ser uma experiência de vida passa a ser apenas uma parte enfadonha de um
todo enfadonho, que é como grande número de nossos alunos sente a vida na escola.
Mas, o que poderia tornar a aprendizagem de língua estrangeira uma experiência de vida?
Antes de mais nada, a função interdisciplinar que deveria ter no currículo acrescentaria uma
nova dimensão ao processo total de aprendizagem. Isso porque, abrindo-se para o mundo,
estaria criando uma conexão com o mundo social, estaria criando novos significados por
3
Na verdade, não só na escola. Veja-se a recente decisão de tirar o caráter eliminatório à prova de inglês nos
exames de ingresso à carreira diplomática. A justificativa do Itamarati também não convence: o caráter
eliminatório poria em desvantagem os candidatos provenientes de famílias menos abonadas, que
presumivelmente cursaram a escola pública. Ao invés de se tentar atacar o mal pela raiz, corta-se a planta; ao
invés de acabar com o elitismo, oferecer ensino de inglês de qualidade na escola pública, elimina-se a
exigência.
meio da nova língua, cujo ensino-aprendizagem seria determinado pela função social dessa
língua em um momento histórico particular de um país. Isso leva ao empoderamento dos
indivíduos, que passam a ter olhos para ver, para participar, para interagir. Volto a esta
questão mais adiante.

A escolha de uma determinada língua estrangeira no currículo – o caso do inglês

Várias razões poderiam levar à escolha de uma determinada língua estrangeira no currículo
(Brasil,1998). A tradição poderia ser uma delas e como exemplo teríamos o ensino do
francês no Brasil.A escolha poderia também depender das comunidades locais, por
exemplo, o ensino do japonês, do polonês, do lituano, do alemão ou do italiano, em certas
regiões do Brasil. Outra razão para determinar a escolha seriam fatores históricos, que não
podem ser ignorados, se tivermos uma concepção de educação integral, que também se
preocupa com a inserção do indivíduo no mundo que o cerca e o prepara para interagir
nesse mundo.
Trata-se da escolha do inglês como língua a ser ensinada, dado seu papel no mundo de hoje
e seu papel no Brasil.
Esta questão está discutida em profundidade em Moita Lopes (2004), que, ao mesmo tempo
que nos alerta para os perigos de uma adoção não esclarecida da língua inglesa nos
currículos escolares, nos mostra o papel indispensável dessa língua na educação nacional.
O inglês é a língua da comunicação internacional, nos negócios, na educação, na ciência, no
trabalho e nas interações culturais. A nova sociedade globalizada exige mais conexões, e
torna impossível operar em sistemas econômicos nacionais isolados, supostamente auto-
suficientes. Mais conexões são necessárias para se ter acesso à tecnologia de alto nível, em
um mundo no qual é possível partilhar informações de modo instantâneo, mas que exige a
rápida reestruturação da organização social para que o acesso a essas informações seja
possível. A escola é que deve preparar os jovens para isso. E, no momento histórico atual, a
língua inglesa é, sem dúvida, parte integrante dessa operação.

... PRESERVANDO O FORRÓ

Mas, por que é importante preservar o forró? O que o forró tem a ver com o ensino-
aprendizagem do inglês?

O poder do inglês

Holliday (1990:15) adverte que o ensino-aprendizagem do inglês é um produto


(“commodity”) poderoso e perigoso em três sentidos: a demanda é mundial; carrega uma
abordagem educacional, uma metodologia de sala de aula que podem estar em conflito com
abordagens locais; sugere excelência e noções de “colonização ideológica”. Se a demanda é
mundial, significa que tem poder. As abordagens e metodologias são produzidas no
chamado centro, a que Holliday se refere como “nós”, e, em grande parte são impostas à
chamada periferia, - “eles”- os que não sabem o suficiente. A “colonização ideológica”
sugere a idéia de profissionalismo unilateral. De novo, a polaridade “nós’ e “eles”.
O que não podemos esquecer

O poder da língua inglesa é um fato inegável nos dias de hoje. O paradigma imperialista
adota ares condescendentes, é etnocênctrico e não se dá conta dos valores sociais dos
outros. Cria uma hegemônia mundial para manter os menos desenvolvidos dependentes da
tecnologia e do comércio dos mais desenvolvidos Mas, se como nos sugere Holliday
(1990:3-4), a língua inglesa é um produto que todos têm direito de usar de maneiras
socialmente apropriadas, o ensino-aprendizagem dessa língua não deveria contribuir para a
criação de uma situação hegemônica dessa natureza. Tudo dependerá de como será
organizado esse ensino. É porisso que o caminho a ser percorrido deve ter mão dupla de
direção, com amplo espaço para compreensão e apreço das diferenças, pois, a falta de
conhecimento por ambas as partes sobre como outras pessoas pensam e agem pode criar
condições para alguma forma de imperialismo. E é isso que deve ser evitado.

A questão do empoderamento

Conforme discutido por Cummins (2001), o conceito de empoderamento pode trazer


problemas, se for entendido como um presente que beneficiários recebem passivamente. Ao
contrário, é algo que se conquista por meio da criação colaborativa de poder, com
reciprocidade, não pela simples apropriação daquilo que os mais privilegiados possuem.
Está intimamente ligado à importância das relações humanas na compreensão do que
constitui a educação efetiva, e do papel do inglês como parte desse processo educacional. É
um desafio não só político, mas também pessoal, que exige uma redefinição do papel do
professor, conduzindo a uma formação que lhe permita reconhecer os recursos culturais e
intelectuais que os alunos, ricos e pobres, trazem para a sala de aula. Isso possibilitará
interações que empoderam ao invés de incapacitar. Sim, porque o ensino-aprendizagem de
uma língua estrangeira, e especificamente do inglês, pode ser uma experiência tanto
empoderadora quanto incapacitante. Talvez a chave seja atribuir o mesmo peso às maneiras
como as identidades são negociadas nas interações entre educador e alunos, sem
substituição ou subtração da língua materna, da cultura e da identidade.
A questão da apropriação sem entrega e sem renúncia é discutida por Canagarajah (1999),
que utiliza o conceito de “hibridismo cultural” (:183), que não significa tornar-se livre de
compromissos ideológicos, mas sim passar de objeto a agente por meio de discursos
críticos e criativos. Cabe ao professor questionar as posições negativas de sujeito oferecidas
pelos discursos dominantes, levando os alunos a deles se apropriarem e a impregná-los com
seus próprios valores, a serviço de seus próprios interesses e aspirações.
É essa uma orientação pedagógica socialmente situada que vê a aprendizagem como uma
empreitada igualitária. Leva em conta o fato da aquisição de uma nova língua ou discurso
poder criar conflitos interiores entre os aprendizes e prevê um professor que seja capaz de
oferecer processos criativos de mediação lingüística, de interação e de fusão como acontece
na vida social.

A questão dos materiais didáticos

Os materiais didáticos estão intimamente ligados aos métodos de ensino. O que foi dito a
respeito das metodologias de sala de aula se aplica igualmente aos materias didáticos.
Foram produzidos onde e por quem? Levam em conta os contextos sociais e culturais dos
alunos? Ou estão calcados em pressuposições questionáveis implícitas nas várias
abordagens dominantes no ensino de inglês no momento? Os chamados materiais “globais”
dificilmente podem levar em conta necessidades locais e devem, portanto, ser submetidos a
um questionamento crítico, do ponto de vista de tensões e desafios à identidade e aos
valores da comunidade onde serão usados, para se chegar a uma compreensão das questões
envolvidas, por meio da reflexão crítica. O conceito de “saber local” (Canagarajah, 2001;
Kumaravadivelu, 2001, 2003) pode ser útil para se chegar a uma posição “híbrida”; isto é,
sem ignorar ou sumariamente rejeitar o saber desenvolvido pelo “centro”, mas,
examinando-o críticamente, chegar a uma proposta de possíveis interações em sala de aula
que decorre do saber acumulado localmente, este derivado do contexto social em que o
ensino-aprendizagem se desenvolve. É a construção de ensino-aprendizagem de língua
estrangeira na sala de aula. Isso leva a uma pedagogia crítica

Uma pedagogia crítica

A relação dos materiais didáticos, das interações em sala de aula com os contextos socias e
culturais dos alunos, importante em toda situação de ensino-aprendizagem, torna-se
especialmente relevante no contexto da escola pública, no qual, muito provavelmente,
haverá menor ou nenhuma familiaridade com outras culturas, por parte dos alunos. Mas,
para Canagarajah (1999:185-187), é justamente a tensão dos embates interculturais que
constrói novo conhecimento, novo entendimento da natureza e da sociedade. Os materiais
didáticos tornam-se fonte de exploração para o desenvolvimento de uma consciência
discursiva, de uma reflexão crítica e para a problematização de mensagens culturais (cf.
Brasil, 1998). Enxergar nossa própria cultura através do olhar de um outro grupo cultural
pode ser uma experiência reflexiva de grande alcance.
Por outro lado, há também a necessidade de se ponderar atentamente os desafios
específicos que os alunos enfrentam ao aprender o inglês, tentado entender-lhe a natureza e
as causas, para que um uso otimizado de materiais e de interações em sala de aula seja
possível.
A pedagogia crítica é reflexiva e leva em conta as relações de sala de aula, os próprios
alunos e o papel da língua estrangeira no contexto educativo. Vai muito além dos assim
chamados “métodos comunicativos”, que não são reflexivos. Explorando as diferenças
interculturais negocia os limites das culturas, proporcionando “ ... uma mudança gradativa
de atividades comunicativas para transculturais, do discurso para o meta-discurso e a
reflexão estética” (Kramsch, 1993:231).

O papel do professor

No contexto da pedagogia crítica é fundamental que o professor tenha consciência do


capital cultural que os alunos trazem consigo, não necessariamente apenas relacionado à
língua estrangeira. Para Canagarajah (1999:194), o professor, mediador da aprendizagem, é
também um pesquisador que aprende com seus alunos e atravessa fronteiras a caminho de
práticas pedagógicas passíveis de reformulação, que vai descobrindo por meio de uma
abordagem heurística, tentando perceber como os alunos vêm o mundo, a aprendizagem e a
língua estrangeira, no caso, o inglês.
Essa postura, na realidade, exclue os métodos desenvolvidos no “centro”, porque parte do
contexto local, levando em conta a cultura específica de diferentes comunidades, de
diferentes salas de aula. É essencialmente reflexiva, não submissa a métodos estabelecidos4
que sufocam a reflexividade.

ENGLISH FOR ALL ... PRESERVANDO O FORRÓ

English for All ...

Se o inglês é fundamental para o acesso à sociedade da informação, de modo que fique


garantida a possibilidade de se comunicar para poder participar; se o inglês é um
instrumento indispensável de trabalho para poder competir eqüitativamente no mundo dos
negócios, da tecnologia e da academia (Moita Lopes, 2004), não pode ser entendido como
mero elemento decorativo, dispensável no currículo. Sua não existência traria sérias
conseqüências não só para os indivíduos, mas para o país, que ficaria a reboque na
competição mundial. O país andaria na contramão dos outros países, que cada vez investem
mais no ensino de inglês em suas políticas educacionais5.
É necessário deixar claro que o que é elitista é a idéia de que o ensino-aprendizagem de
inglês é uma ferramenta que leva ao elitismo, pois permite a capacitação de apenas alguns
para participar e atuar no mundo lá fora, ao mesmo tempo que nega a outros, que são a
grande maioria, o acesso a esse mundo.

... Preservando o Forró

No entanto, é verdade que o ensino-aprendizagem de inglês pode tornar-se um instrumento


elitista. Questões de poder e de desigualdade são centrais no ensino-aprendizagem de
inglês, visto que se trata de aprender a língua do país mais poderoso do mundo, língua que
pode tornar-se não só fonte de poder, mas também um símbolo tanto de coesão quanto de
divisão.
É porisso que, se o objetivo for reduzir ou eliminar a exploração - aí incluído o monopólio
dos recursos -, a desigualdade – com o acesso diferenciado à recompensa material - , e a
opressão, se o objetivo for o ensino-aprendizagem de inglês como força libertadora, essa
língua não se tornará manifestação opressora de quem controla a informação, se
“preservarmos o forró”, isto é, se o ensino-aprendizagem de inglês estiver inserido em uma
visão de educação como força libertadora (Freire, 1970). A libertação decorrerá de políticas
emancipatórias que levarão em conta tanto forças culturais quanto profissionais e que, ao
mesmo tempo que proporcionam às pessoas experiências identitárias libertadoras,
preservam as identidades locais. É um entregar-se sem renúncias. Isso só é possível com a
participação de professores especificamente preparados.

REFERÊNCIAS

4
Para uma discussão do chamado movimento pós-método, veja Kumaravadivelu (2003).
5
O governo chinês lançou uma campanha nacional para que a população do país domine o inglês (Klintowitz,
2005). E não será por amor e cega admiração aos Estados Unidos, por certo.
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