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IMPROVISAÇÃO: IMPULSOS EM UM PROCESSO CRIADOR

Como bailarina e professora de dança para adultos e crianças, pesquiso a


improvisação a partir da escuta do corpo como uma investigação para gerar impulsos em
um processo criador em dança na sala de aula e na cena. A minha pesquisa habita o
território amalgamado entre o processo pedagógico e artístico, numa retroalimentação,
em que as ações não se mostram excludentes, mas mutuamente potencializadas.
O que priorizo na sala e na cena são os impulsos que emergem da improvisação
como experiência do corpo presente, com enfoque na processualidade da dança, num
jogo constante de perguntas e escolhas na troca constante do corpo com o ambiente e nas
relações procedentes da experiência do interno com o entorno, em constante
contaminação.
A minha abordagem de improvisação parte dos tópicos corporais da técnica
Klauss Vianna. Trabalho com vetores de força, direcionamentos ósseos para gerar
espaços articulares e caminhos de movimento que vão provocando uma organização do
eixo corporal em relação à força da gravidade, disponibilizando-o para o movimento num
processo de investigação e improvisação. O enfoque que priorizo não é somente
organizar o eixo em relação à gravidade, mas também desorganizar padrões de
movimento e pesquisar os vetores de inúmeras maneiras e direções, para provocar
diversos caminhos de movimento, provocando, cada vez mais, um refinamento da escuta
do corpo, alijando o movimento pela forma ou o movimento pelo movimento. A
improvisação, portanto, acontece como um processo de investigação que não separa a
técnica da criação.
Todos os procedimentos trabalhados em aula são desenvolvidos e experimentados
a partir de improvisações provocando a estesia, o corpo sensível, trabalhando o
direcionamento da atenção para amplificar o estado de presença pouco a pouco, com
sensibilidade, com escuta, sem pressa. Distanciando da anestesia do movimento
mecânico, trabalhando, assim, a capacidade do corpo sensível para perceber e lidar com
os estímulos que afetam e contaminam, com a atenção voltada para os processos do corpo
que dança. “A ‘estesia’ diz mais de nossa sensibilidade geral, de nossa prontidão para
aprender os sinais emitidos pelas coisas e por nós mesmos. (...) e ‘anestesia’, a negação
do sensível, a impossibilidade ou a incapacidade de sentir.” (Duarte Jr, 2006, p. 137)
A curiosidade e a inquietação me movem enquanto pesquisadora cênica e é isso
que me faz dançar. Sigo provocando a dança em sala e descobrindo a dança em cena, pois
a cada criação é uma descoberta e é um mundo sensível que se abre e alimenta a pesquisa
infinita de descobrir a dança a cada passo.
A improvisação permite a vivência do sentido próprio do verbo investigar,
indagar, pesquisar, inquirir, descobrir, achar, seguir os vestígios do corpo que possam
permitir a criação, não excluindo, mas acolhendo a experiência do indivíduo criador em
sua transformação num jogo imprevisível de experimentação.
Com a provocação constante à atitude de atenção aos movimentos, permite-se a
percepção das mudanças de estados corporais que ocorrem a cada instante no tempo real
da dança. O que na rotina corporal pode ser vivenciado mecanicamente torna-se uma
percepção consciente à medida que se conserva um estado de atenção aos movimentos. A
atenção ao próprio corpo instaura a percepção do tempo presente, que é único, numa
construção ao vivo do instante dançado.
Essa atenção direcionada de forma consciente provoca um estado de presença
favorável ao improviso. A improvisação é experienciada, não somente como um meio
investigativo de criar movimentos e coreografias, mas também como uma estratégia de
não cristalizar a coreografia já criada, para acessar o corpo lábil - no sentido de transitório
- no tempo presente da cena, o que chamo de labilidade da coreografia que remete a uma
instância líquida e mutável em fluxo e não enrijecida ou fixada na forma. “Por isso,
insisto sempre que a forma não importa e que essa forma só pode tornar-se interessante
quando passa a ser consequência de todo um processo: a emoção não é forma, a emoção é
movimento” (Vianna, 2005, p. 141).
Portanto, o estudo do movimento provoca um estado de dança que lida com o
imprevisível da improvisação como impulsos para criar na sala e na cena.
Referências
DUARTE Jr, João Francisco. O sentido dos sentidos – A educação (do) sensível. 4. Ed.
Curitiba: Criar, 2006.
VIANNA, Klauss. A Dança. 3. Ed. São Paulo: Summus, 2005.
Jussara Miller
Março de 2017

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