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FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

POR ATOS LEGISLATIVOS

DIOGO MARQUES MACHADO

São Paulo

2010

1
FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

POR ATOS LEGISLATIVOS

DIOGO MARQUES MACHADO

Trabalho de conclusão do Curso de Pós-


Graduação em Direito Civil pela Faculdade
Autônoma de Direito de São Paulo –
FADISP, como requisito essencial para a
obtenção do Título de Especialista.

Orientador: Professor MS. César Calo


Peghini

São Paulo

2010

2
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

POR ATOS LEGISLATIVOS

DIOGO MARQUES MACHADO

São Paulo

2010

Banca Examinadora

_______________________________________

Professor Orientador: Professor MS.

César Calo Peghini

_______________________________________

Examinador

_______________________________________

Examinador:

3
Dedico esta Monografia, primeiramente, à Deus, pela

vida e força Diária, à minha família, pelo constante

estímulo e dedicação, e à minha esposa, Luciana, pelo

carinho e compreensão.

Um sincero agradecimento aos meus mestres, em

especial o Professor MS. César Calo Peghini, pela

disposição em orientar o presente trabalho e o Professor

Dr. Everaldo Augusto Cambler, pelo conhecimento

compartilhado

4
As más leis constituem a pior espécie de tirania.

Edmund Burke

5
RESUMO

O presente estudo tem por escopo investigar a responsabilidade

civil extracontratual do Estado, na qualidade de ente produtor de normas

jurídicas. Busca relatar toda a evolução histórica a qual a Responsabilidade

Estatal passou, até os dias de hoje, descrevendo as principais teorias que hoje

influenciam a doutrina e jurisprudência majoritária, e o caminhar destas à

responsabilização integral do Estado pelas leis por ele sancionadas e pelas

demais normas produzidas. Ao fim, traz à discussão casos práticos no

ordenamento jurídico pátrio, que ensejariam a aplicação das idéias

apresentadas.

Palavras Chave: Responsabilidade Civil, Responsabilidade do Estado, Ato

Legislativo.

6
ABSTRACT

The present study aims to investigate the responsibility of the

State, as a producer of legal rules. Search report the historical development

which the State Responsibility until nowadays, describing the main theories that

today influence the majority doctrine and jurisprudence, and his movement to

the full responsibility of the State by laws enacted by him and by other

legislative acts. Finally, brings case studies in Brazilian Law discussions, which

would cause the application of the ideas presented.

Keywords: Civil Responsibility, State Responsibility, Legislative Act.

7
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...............................................................................................09

1.1. Conceito de “Lei” ........................................................................................10


1.2. O Processo Legislativo ..............................................................................11
1.2.1. Iniciativa ..................................................................................................12
1.2.2. Discussão ...............................................................................................12
1.2.3. Votação ...................................................................................................13
1.2.4. Sanção ou Veto ......................................................................................14
1.2.5. Promulgação e Publicação .....................................................................15
1.3. Efeitos da Lei .............................................................................................15

2. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO.....................................................18

2.1. Noção de Responsabilidade ......................................................................18


2.2. Responsabilidade Civil do Estado .............................................................18

3. DA RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS............................27

3.1. Teorias sobre a responsabilidade e a irresponsabilidade do Estado.........27


3.2 Responsabilidade do Estado por atos legislativos inconstitucionais...........30
3.3. Responsabilidade por atos legislativos constitucionais .............................32

4. HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS LEGISLATIVOS


EM CASOS CONCRETOS ...............................................................................38

4.1. A Lei 14.223/2006, do Município de São Paulo .........................................38


4.2. O direito à meia-entrada ............................................................................42

CONCLUSÃO ...................................................................................................45
ANEXO .............................................................................................................47
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................51

8
1. INTRODUÇÃO

O Homem, desde o princípio de sua existência, convive e interage


com seus semelhantes. A vivência em conjunto provoca mudanças e
alterações nos indivíduos, pois o homem influencia e é influenciado.
Obviamente, inevitável que certas condutas perturbem outros, devendo então
ser delimitadas, a fim de que exista convívio social, imprescindível ao ser
humano. Desta necessidade nasce a lei.

Com o desenvolvimento do homem e da sociedade, as leis


também evoluíram, transformando-se num complexo de documentos
interligados, que abrangem a absoluta maioria das relações humanas,
consubstanciando ainda numa ampla institucionalização das relações jurídicas.

O que se pretende investigar no presente trabalho é a


possibilidade de responsabilizar o Estado pelo produto de sua atividade
legislativa, tanto por aquelas normas elaboradas, discutidas e votadas pelo
Poder Legislativo Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, quanto pelas demais
normas abrigadas em nosso ordenamento jurídico, expedidas pelos Poderes
Executivo e Judiciário, no âmbito de suas funções atípicas.

Isso porque o Poder Executivo também legisla, seja ao editar uma


medida provisória, seja ao expedir um decreto. Tais atribuições são previstas
em nossa Constituição Federal, especificamente nos incisos VI e XXVI do
artigo 84.

Por seu turno, ao Poder Judiciário é assegurada a iniciativa para


legislar sobre seus regimentos internos, bem como demais normas de
organização judiciária, como regulamentos e portarias.

A norma jurídica se desenvolveu de tal forma que representa hoje


um dos mais relevantes princípios de qualquer ordenamento jurídico: O da
Legalidade.

9
O respectivo princípio encontra-se no texto constitucional ao
preconizar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”. Não se trata, in casu, de um mero dispositivo ou de
uma simples determinação, mas sim de um princípio constitucional, depositário
de uma carga valorativa infinita, emanando efeitos para todas as áreas da
ordem jurídica, sem perder sua força e sua densidade. Ademais, é promovida
ao patamar de cláusula pétrea, não podendo seu conteúdo e seu alcance ser
limitado ou suprimido.

Os diplomas legais se revelam não somente como reguladores de


comportamento, mas também como paradigmas à atuação do poder soberano
do Estado, de forma que haja segurança jurídica nas relações administrador -
administrados. Isso se verifica, por exemplo, quando o Código Penal explicita
que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia
cominação legal, ou quando o Código Tributário Nacional define tributo como
prestação pecuniária compulsória, instituída mediante lei.

Ou seja, o Estado só pode atacar bens jurídicos relevantes do


indivíduo, como a liberdade ou o patrimônio, mediante previsão legal anterior.

Conforme preceitua nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso


I, “todo poder emana do povo”. Desta feita, a lei é elaborada pelo povo, e para
o povo, por intermédio de seus representantes, de sorte que não fique a
coletividade sujeita às vontades de um soberano, como ocorre em governos
ditatoriais.

Todavia, é previsível, ou quiçá inevitável, que alguém se


insatisfaça no estabelecimento de uma nova regra, se considerando
prejudicado. Ainda que esta sirva para toda a sociedade, é possível conceber
apenas uma parcela desta sendo atingida por uma Lei, uma vez que as
peculiaridades humanas são infinitas.

10
Resta saber se, ao vigorar um novo instrumento normativo, e este
causando prejuízos a alguma pessoa, merece esta ver restabelecido o
equilíbrio danificado pelo indigitado diploma legal.

1.1. Conceito de “Lei”

Não é a pretensão deste trabalho exaurir a definição de “Lei” –


espécie do gênero “Ato Legislativo”. Entretanto conveniente citar a definição
clássica de lei feita por Montesquieu: “Lei é a relação necessária que deriva da
natureza das coisas1”.

Sobre esta definição, Miguel Reale define “Lei”, em sua acepção


jurídica, como norma escrita emanada pelo Estado, constitutiva de situações
jurídicas e dotada de validade objetiva2:

“O Direito, como ciência, não pode deixar de considerar as leis que


enunciam a estrutura e o desenvolvimento da experiência jurídica, ou
seja, aqueles nexos que, com certa constância e uniformidade, ligam
entre si e governam os elementos da realidade jurídica, como fato
social”

“A palavra lei, porém, tem, entre os juristas, outro sentido mais usual.
É a lei como espécie de regra ou de norma. Os juristas desenvolvem
doutrinas sobre as leis, ou seja, sobre regras jurídicas formuladas
pelos órgãos do Estado, diferençando-as das regras elaboradas pela
própria sociedade, através dos usos e costumes: Não se trata mais
de juízos enunciativos de realidade, mas de juízos normativos de
conduta”.

Desta forma, se restringido então ao seu sentido jurídico, a “Lei”


pode ser conceituada como uma regra de conduta social, sendo estabelecidas
por um poder soberano e seu mister é regular as atividades dos homens e as
suas interações sociais.

1
Montesquieu, De l’Espirit des Lois, in REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 20ª ed., São Paulo,
Saraiva, 2007, p. 58.
2
REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 20ª Ed., p. 58-59
11
1.2. O Processo Legislativo

Como todo poder emana do povo, são os seus representantes


que produzem as espécies normativas, observando uma sequência de atos.

O professor José Afonso da Silva3 define o Processo Legislativo


como “um conjunto de atos preordenados visando a criação de normas de
Direito”.

Para Henrique Savonitti Miranda, Processo Legislativo4 “é o


mecanismo pelo qual os representantes eleitos pelo povo elaboram as
espécies normativas que serão responsáveis por ferir as condutas
intersubjetivas, direcionando-as ao alcance do bem comum”.

O processo legislativo se faz necessário, portanto, para a


produção e validade das espécies normativas elencadas no artigo 59 da
Constituição Federal: Emendas à Constituição, leis complementares; leis
ordinárias; leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos,
resoluções.

Michel Temer5 divide o processo legislativo em seis fases: (a)


iniciativa, (b) discussão (c) votação (d) sanção ou veto (e) promulgação e (f)
publicação

1.2.1. Iniciativa.

A iniciativa é a faculdade que alguém ou um ente possui de


apresentar um projeto de Lei ao Poder Legislativo. Ela pode ser concorrente
entre vários entes, bem como exclusiva, competindo somente a uma única
pessoa ou a um único órgão a iniciativa acerca de uma matéria específica.

3
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed., pg. 525-526.
4
MIRANDA, Henrique Savonitti, Curso de Direito Constitucional, 4ª Edição, Brasília, Secretaria
Especial de Editoração e Publicações do Senado Federal, pg. 635.
5
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 11ª edição, São Paulo, Malheiros, 1995.
12
Compete exclusivamente ao Presidente da República, por
exemplo, a iniciativa das leis que fixem ou modifiquem os efetivos das Forças
Armadas. Igualmente, compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal a
iniciativa da lei complementar dispondo sobre o estatuto da magistratura.

A Constituição Federal, em seu artigo 61, §2º, prevê a


apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, subscrito por, no mínimo,
um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados,
com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

1.2.2. Discussão

Após a iniciativa, o projeto de lei é discutido pelas casas


legislativas, onde poderão ser apresentadas emendas, que são proposições
acessórias ao projeto.

O projeto de lei poderá ser discutido em comissões, permanentes


ou temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no
respectivo regimento ou no ato que originou sua criação.

Neste momento, se fará o controle preventivo de


constitucionalidade, onde o projeto será avaliado, verificando se há vícios
materiais ou formais.

Ocorre o vício formal quando uma lei, em fase de tramitação,


desrespeita a forma de tramitação estabelecida pelo processo legislativo. O
vício formal ainda pode ser de ordem objetiva, quando há o desrespeito da
ordem procedimental (por exemplo, no caso de uma lei complementar
aprovada por maioria simples, em desacordo com o que dispõe o artigo 69 da
Constituição), ou subjetiva, quando há o desrespeito à iniciativa legislativa
(ocorre, por exemplo, quando o Presidente da República apresenta projeto de
lei complementar dispondo acerca do Estatuto da Magistratura, o que viola o
artigo 93, caput, da Constituição Federal).

13
Uma Lei possui vício material quando seu texto, no todo ou em
parte, contraria dispositivo da Constituição Federal sobre a mesma matéria.

Se uma lei que dispusesse acerca da usucapião especial rural


exigisse a posse de fato por dez anos ininterruptos para a aquisição da
propriedade, fatalmente iria de encontro ao que estatui o artigo 191 da Carta
Magna, que exige somente cinco anos para a aquisição da propriedade.

1.2.3. Votação.

A votação é o ato da casa legislativa que, precedido de estudos e


debates, os parlamentares, por maioria de votos, aprovam ou não determinado
projeto de Lei ou de Emenda à Constituição.

O artigo 67 da Constituição define que a matéria constante de


projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na
mesma sessão legislativa6, mediante proposta da maioria absoluta dos
membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.
1.2.4. Sanção ou Veto.

Sanção é a aquiescência do chefe do Poder Executivo o projeto


de lei aprovado pelo Poder Legislativo. A sanção pode ser expressa, quando o
Chefe do Executivo emite “ato de sanção”, ou tácita, quando o Chefe do
Executivo silencia nos quinze dias subseqüentes à apresentação do projeto.

A Súmula nº 5, do Supremo Tribunal Federal, diz que “a sanção


do projeto supre a falta de iniciativa do Poder Executivo”. Ou seja: Caso um
parlamentar apresente um projeto de lei de iniciativa exclusiva do Presidente
da República, a sanção Presidencial convalidará o vício formal subjetivo que
padece sobre o projeto de lei.

6
Período em que o Congresso Nacional se reúne anualmente, entre os dias 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º
de agosto a 22 de dezembro
14
Este entendimento é alvo de severas críticas, no sentido de que a
exclusividade na iniciativa legislativa sobre uma determinada matéria é um
poder indeclinável, e o Chefe do Executivo não pode dispor de competência
conferida exclusivamente a ele.

Neste entendimento, é a posição de Manoel Gonçalves Ferreira


Filho7:

“Em realidade, o direito que o Executivo exerce ao propor leis, é


propriamente uma função exercida em favor do Estado, representante
do interesse geral. Em vista disso, é bem claro que não pode ele
concordar com a usurpação daquilo que rigorosamente não é seu. E,
sobretudo, como assinalou José Frederico Marques, a concordância
do Executivo em que uma função a ele delegada seja exercida pelo
Legislativo, importa em delegação proibida pela lógica da
Constituição, a menos que esta expressamente permita”.

O veto é o mecanismo à disposição do Chefe do Executivo para


demonstrar sua discordância com o projeto aprovado. O veto pode ser jurídico,
quando contrário à constituição, ou político, quando contrário ao interesse
público.

O veto ainda pode ser total, quando o Chefe do Executivo


demonstra sua discordância com o texto integral da norma, ou parcial, quando
a discordância se dá apenas em relação a um ou mais dispositivos específicos
(determinado(s) artigo(s), inciso(s), parágrafo(s) ou alínea(s)), preservando o
resto do projeto de lei. Neste caso, o veto se dará no dispositivo inteiro, sendo
vedado o veto sobre uma palavra, como determina o §2º do Artigo 66 da
Constituição8.

7
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira, Do Processo Legislativo, São Paulo, Saraiva, 1995, p.
213
8
Art. 66. (...)
§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de
alínea.

15
O veto será feito por mensagem fundamentada, ao Presidente do
Senado Federal, a fim de ser apreciado pelo Congresso Nacional, em
escrutínio secreto, quando os parlamentares decidirão sobre a manutenção ou
não o veto presidencial.

1.2.5. Promulgação e Publicação.

Entende-se por promulgação a comunicação, pelo Chefe do


Executivo, de que a lei foi aprovada. É um ato obrigatório, ainda que o Chefe
do Poder Executivo tenha vetado o projeto, deve ele promulgá-lo, caso o veto
tenha sido rejeitado.

A Constituição Federal determina que, caso o Presidente da


República não promulgue a lei dentro de quarenta e oito horas, o Presidente do
Senado a promulgará em igual prazo. Não o fazendo, caberá ao Vice-
Presidente do Senado a promulgação.

O ato da promulgação ordena a publicação da lei.

A publicação, última etapa do processo legislativo, é a


comunicação da promulgação da lei, de sua inserção no ordenamento jurídico,
aos seus destinatários. É condição essencial para que a lei entre em vigor e
seja eficaz. É feito mediante a inserção da lei em jornal oficial.

1.3. Efeitos da Lei.

Após o processo legislativo, a lei está pronta para vigorar e gerar


os seus efeitos.

A Lei é geral (ou universal), eis que se dirige a todas as pessoas,


indistintamente. Os destinatários da Lei são indeterminados ou
indetermináveis. Contudo, é possível a vigência de leis singulares, que
estabeleça normas especiais que produzam efeitos a determinada pessoa ou

16
grupo de pessoas. Uma lei que concede indenização para um determinado
grupo de pessoas é um exemplo de lei singular.

A lei é dotada de imperatividade. Ela deve ser obrigatoriamente


observada por todos. Para tanto, dota-se de coercibilidade e força
sancionatória para fazer valer a regra que nela se instituiu, sob pena de
recompensa, para quem a observa, ou de castigo, para quem a transgride.

Quanto à obrigatoriedade, as leis podem ser cogentes ou


impositivas: Elas dispõem absolutamente sobre uma determinada matéria e
sua observância é obrigatória, não admitindo que as partes disponham de
forma contrária. O artigo 1.641, do Código Civil, é um exemplo de lei
impositiva, ao obrigar certas pessoas que desejam se casar a adotar o regime
da separação de bens9.

De outro modo, as leis podem ser dispositivas. Isso ocorre


quando seu mandamento pode ser aplicado de maneira contrária, sem que
isso importe qualquer nulidade ou sanção. Ela tem caráter supletivo e é
aplicável quando não houver manifestação em sentido contrário das partes,
para suprir a omissão destes. Exemplo: o domicílio de eleição.

As leis ainda podem ser meramente interpretativas, quando busca


somente explicar o sentido de uma lei anterior, sem que a substitua ou a
modifique, como faz o artigo 70 do Código Civil10, que define o domicílio da
pessoa natural.

A lei é abstrata. A lei prospecta uma geração de efeitos para o


futuro, sinalizando efeitos quanto a fatos hipotéticos.

9
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do
casamento;
II - da pessoa maior de sessenta anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
10
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com
ânimo definitivo.
17
Nas palavras de José Cretella Júnior:

“Não se dirige a pessoa determinada, não se atinge de maneira


específica situações jurídicas individuais, mas refere-se à
generalidade dos habitantes de um país, em dado momento de sua
história.”

O ordenamento jurídico contempla, todavia, leis de efeito


concreto, que dizem respeito a um fato presente. Por exemplo, uma Lei que dá
nome a um Aeroporto.

A lei gera efeitos permanentes. Isso quer dizer que seus efeitos
não se exaurem numa só aplicação. Mesmo as leis temporárias, excepcionais
e revogadas, conservam essa característica por meio do princípio da
ultratividade das leis. Ainda que sua vigência tenha sido exaurida, ou tenha
sofrido revogação, elas continuam a ser aplicadas para resolver as situações
jurídicas ocorridas na sua vigência.

A lei deve ser emanada de autoridade competente. Ou seja:


elaborada por autoridade competente e em observância ao processo legislativo
específico.

18
2. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

2.1. Noção de Responsabilidade

No presente estudo, se busca investigar a aplicação da


responsabilidade patrimonial ou civil ao Estado Legislador dentre as outras
formas de responsabilidade (penal ou administrativa, por exemplo).

Nas lições de Rui Stoco11,

“A responsabilidade civil traduz a obrigação da pessoa física ou


jurídica ofensora de reparar o dano causado por conduta que viola
um dever jurídico preexistente de não lesionar implícito ou expresso
na lei”.

Dentro da responsabilidade civil, se pretende verificar a


possibilidade do Estado, na qualidade de ente gerador de normas, se ver
obrigado a reparar eventuais danos causados a uma pessoa ou a um grupo de
pessoas pelo que dispõe respectivas leis.

2.2. Responsabilidade Civil do Estado

Discutido tanto por civilistas quanto por administrativistas, a


responsabilidade do Estado vem sofrendo uma constante evolução, a partir dos
últimos séculos, se destacando, em meio desta evolução histórica, três teorias
acerca da responsabilidade extracontratual do Estado.

A primeira delas baseia-se na irresponsabilidade estatal. Esta


teoria surgiu em Estados Absolutistas, baseada na premissa de que o Rei
nunca erra Neste esteio, a soberania do Estado perante o súdito era absoluta e
incontestável, não podendo ninguém agir contra aquele.

Neste sentido, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello12:

11
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p120.
19
“Com efeito, é sobejamente conhecida a frase de Laferrière: “O
próprio da soberania é impor-se a todos sem compensação”; bem
como as fórmulas regalengas que sintetizavam o espírito norteador
da irresponsabilidade: “Le roi ne peut mal faire”, como se afirmava na
França, ou: “The King can do not wrong”, que é a evidente versão
inglesa”.

Ao que parece, trata-se de uma teoria que possui uma carga de


injustiça muito forte. Como um ente que lhe é atribuído poder de tutelar o direito
pode, ao mesmo tempo se esquivar dele? Por esta razão a teoria da
irresponsabilidade administrativa passou a ser combatida e, posteriormente
superada, concomitante à decadência dos impérios absolutistas.

Vale ressaltar que, no entanto, tal corrente imperou na Inglaterra e


nos Estados Unidos até meados da década de 1940, até o advento, dos
respectivos Crown Proceeding Act13, de 1947 e o Federal Torts Claims Act, de

12
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo:
Malheiros, 2001. p807
13
Right to sue the Crown.
1.Where any person has a claim against the Crown after the commencement of this Act, and, if
this Act had not been passed, the claim might have been enforced, subject to the grant of His
Majesty’s fiat, by petition of right, or might have been enforced by a proceeding provided by any
statutory provision repealed by this Act, then, subject to the provisions of this Act, the claim may
be enforced as of right, and without the fiat of His Majesty, by proceedings taken against the
Crown for that purpose in accordance with the provisions of this Act.
Liability of the Crown in tort
2. — (1) Subject to the provisions of this Act, the Crown shall be subject to all those liabilities in
tort to which, if it were a private person of full age and capacity, it would be subject:— (a)in
respect of torts committed by its servants or agents; (b)in respect of any breach of those duties
which a person owes to his servants or agents at common law by reason of being their
employer; and (c)in respect of any breach of the duties attaching at common law to the
ownership, occupation, possession or control of property:
Provided that no proceedings shall lie against the Crown by virtue of paragraph (a) of this
subsection in respect of any act or omission of a servant or agent of the Crown unless the act or
omission would apart from the provisions of this Act have given rise to a cause of action in tort
against that servant or agent or his estate.
(2) Where the Crown is bound by a statutory duty which is binding also upon persons other than
the Crown and its officers, then, subject to the provisions of this Act, the Crown shall, in respect
of a failure to comply with that duty, be subject to all those liabilities in tort (if any) to which it
would be so subject if it were a private person of full age and capacity.
(3) Where any functions are conferred or imposed upon an officer of the Crown as such either
by any rule of the common law or by statute, and that officer commits a tort while performing or
purporting to perform those functions, the liabilities of the Crown in respect of the tort shall be
such as they would have been if those functions had been conferred or imposed solely by virtue
of instructions lawfully given by the Crown.
(4) Any enactment which negatives or limits the amount of the liability of any Government
department [F1 , part of the Scottish Administration] or officer of the Crown in respect of any tort
20
194614, ambos admitindo a propositura de ações nas quais a Administração
figurasse no pólo passivo da demanda.

A teoria da irresponsabilidade do estado deu lugar a teorias


civilistas, embasadas no elemento “culpa”.

Primeiramente, o comportamento estatal passou a ser divido em


“atos de império” e “atos de gestão”. São atos de império aqueles fundados na
supremacia que a administração pública detém sobre seus administrados. São
atos derivados da vontade exclusiva do Estado, dotados de coercitividade,
devendo o particular se curvar à sua vontade, tendo em vista sua posição

committed by that department [F1 , part] or officer shall, in the case of proceedings against the
Crown under this section in respect of a tort committed by that department [F1 , part] or officer,
apply in relation to the Crown as it would have applied in relation to that department [F1 , part]
or officer if the proceedings against the Crown had been proceedings against that department
[F1 , part] or officer.
(5) No proceedings shall lie against the Crown by virtue of this section in respect of anything
done or omitted to be done by any person while discharging or purporting to discharge any
responsibilities of a judicial nature vested in him, or any responsibilities which he has in
connection with the execution of judicial process.
(6) No proceedings shall lie against the Crown by virtue of this section in respect of any act,
neglect or default of any officer of the Crown, unless that officer has been directly or indirectly
appointed by the Crown and was at the material time paid in respect of his duties as an officer
of the Crown wholly out of the Consolidated Fund of the United Kingdom, moneys provided by
Parliament [F2 the Scottish Consolidated Fund],. . . F3 or any other Fund certified by the
Treasury for the purposes of this subsection or was at the material time holding an office in
respect of which the Treasury certify that the holder thereof would normally be so paid
(disponível em: http://www.statutelaw.gov.uk/content.aspx?activeTextDocId=1140084).
14
§ 2674. Liability of United States
The United States shall be liable, respecting the provisions of this title relating to tort claims, in
the same manner and to the same extent as a private individual under like circumstances, but
shall not be liable for interest prior to judgment or for punitive damages.
If, however, in any case wherein death was caused, the law of the place where the act or
omission complained of occurred provides, or has been construed to provide, for damages only
punitive in nature, the United States shall be liable for actual or compensatory damages,
measured by the pecuniary injuries resulting from such death to the persons respectively, for
whose benefit the action was brought, in lieu thereof.
With respect to any claim under this chapter, the United States shall be entitled to assert any
defense based upon judicial or legislative immunity which otherwise would have been available
to the employee of the United States whose act or omission gave rise to the claim, as well as
any other defenses to which the United States is entitled.
With respect to any claim to which this section applies, the Tennessee Valley Authority shall be
entitled to assert any defense which otherwise would have been available to the employee
based upon judicial or legislative immunity, which otherwise would have been available to the
employee of the Tennessee Valley Authority whose act or omission gave rise to the claim as
well as any other defenses to which the Tennessee Valley Authority is entitled under this
chapter (disponível em http://www.law.cornell.edu/uscode/28/usc_sec_28_00002674----000-
.html).
21
hierarquicamente inferior. Um bom exemplo para caracterizar o ato de império
é a desapropriação.

Em contrapartida, os atos de gestão são aqueles praticados pela


Administração em pé de igualdade com seus súditos. São atos de rotina,
praticados no intuito de conservar o patrimônio público ou prestar um serviço.

Consoante o magistério de Caio Mário da Silva Pereira15:

“É verdade que os atos mais freqüentes do Estado são a expressão


do poder inerente ao seu império, atos de império (exemplo: o Estado
cria o tributo, que exige do contribuinte). Mas nem sempre. Muitas
vezes procede como o indivíduo na gestão do patrimônio, atos de
gestão, em que atua como particular, e os direitos que exerce são de
ordem privada (exemplo: o Estado aluga um edifício para instalação
de um serviço)“

A partir desta divisão, o Estado passou a se responsabilizar pelos


atos de gestão, caso comprovado o elemento “culpa”, preservando assim a
figura infalível do soberano, permanecendo a irresponsabilidade estatal nos
atos de império.

Esta teoria, no entanto, foi superada à medida que foi se


verificando impossível dividir a personalidade do Estado, sendo que a
responsabilidade do Estado era admissível desde que fosse comprovada a sua
Culpa, independente se o ato era de império ou de gestão.

É esse, outrossim, o entendimento adotado pelo Código Civil de


1916, conforme preceituava o seu artigo 15: “As pessoas jurídicas de direito
público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que
nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao
direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os
causadores do dano”.

15
PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, vol. I, 19ª Ed., Rio de
Janeiro, Forense, 2001, pg. 25
22
Episódio marcante para a transição do pensamento jurídico
acerca da responsabilidade estatal é o “Caso Blanco”, narrado de forma
irretocável pela eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro16:

"A menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua em Bordeaux, foi


colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo;
seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de
que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a
terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes.
Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o
contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a
controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo,
porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de
funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a
responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do
Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam
conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os
direitos do Estado com os diretos privados".

Surgem então as teorias publicistas, das quais se destacam as


“da culpa administrativa” e a “do risco administrativo”.

A teoria da culpa administrativa reside na idéia de que, caso seja


impossível a identificação do agente público que praticou o ato, cabe ao Estado
a reparação pelo mau funcionamento, não funcionamento ou funcionamento
tardio do serviço. Enfim, cabia ao Estado a responsabilidade pela culpa do
serviço (faute du service).

A teoria do risco administrativo, por seu turno, defende que a


responsabilidade do Estado existe quando há nexo de causalidade entre o
serviço prestado por este e o dano injusto sofrido pelo indivíduo. Não há, nesta
corrente, o elemento “culpa”, de sorte que a responsabilidade do Estado é
objetiva.

16
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 11ª edição, ed. Atlas, 1999, São
Paulo, p. 503.
23
Isso se dá em razão do progresso das cidades, e do
desenvolvimento das relações humanas, nos diversos meios: econômicos,
sociais, tecnológicos etc., de sorte que as respectivas atividades, por si só, são
capazes de expor outrem a uma situação de perigo, causando danos ainda que
dissociados da sua vontade, embora conseqüências naturais dessas
atividades.

Yussef Cahali explicita, de forma precisa, como a teoria do risco


administrativo é necessária, como conseqüência natural do crescimento das
relações sociais:

“E se mostra compatível – essa teoria do risco – com o caráter


publicístico que se irroga à Administração, caracteriza-se por um
desenvolvimento acelerado da técnica e das atividades organizadas,
que vão criando cada vez com maior intensidade situações de perigo
de danos; essa mudança tecnológica e estrutural não só comporta
maior quantidade de danos possíveis como, também, uma
modificação qualitativa da maneira como se produzem tais danos, no
sentido de que grande parte deles é de danos anônimos, que devem
produzir-se necessariamente pelo simples fato do funcionamento de
uma atividade organizada, sem que seja possível a identificação da
vontade do sujeito físico que os tenha provocado.”

Desta forma, é irrelevante o fato de o Estado ter agido


regularmente e de forma lícita, uma vez que há nexo de causalidade entre o
ato administrativo e o dano experimentado pelo particular, a responsabilidade
do Estado está qualificada, carecendo para isto a avaliação de qualquer
ingrediente subjetivo para o caso.

Portanto, para que o Estado possa se eximir da responsabilidade,


não lhe terá serventia provar a ausência de culpa, pois este elemento não é
examinado no ato. Para tal, somente a exclusão do nexo de causalidade fará
com que o Estado não tenha o dever de reparar o dano, devendo assim o Ente
Público demonstrar a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força
maior, por exemplo.

24
A teoria da responsabilidade objetiva do Estado, que vigora
hodiernamente no Brasil, foi consagrada em nosso ordenamento jurídico com a
Constituição de 1946, que dispunha da seguinte forma:

Art. 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são


civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa
qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários


causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

Além disso, são fartos os arestos dos Tribunais Superiores que


vêm admitindo a Teoria do Risco Administrativo quando do julgamento da
responsabilidade civil do Poder Estatal:

PROCESSUAL – LIQUIDAÇÃO – PEDIDO CERTO – RISCO


ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO. Nosso ordenamento jurídico
acolheu a teoria do risco administrativo. Segundo ela surge a
obrigação de indenizar o dano só do ato lesivo e injusto causado à
vítima. (STJ, 1ª Turma, Resp 158201-RJ, DJU 15.6.98, p. 00043, rel.
Min. Garcia Vieira, j. 17.3.98)

PRESCRIÇÃO – DEMORA INERENTE AO MECANISMO DA


JUSTIÇA – RISCO ADMINISTRATIVO – OBRIGAÇÃO DE
INDENIZAR O DANO – FERIMENTO OCORRIDO DURANTE O
TREINAMENTO MILITAR. A teoria do risco administrativo requer
apenas a prova do dano e o nexo causal para ensejar à
administração a obrigação de reparar o dano. (STJ, 1ª Turma, Resp
184076-RN, DJU 01.02.99, p. 00127, rel. Min. Garcia Vieira, j.
05.11.98, v.u.)

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO –


DANO CAUSADO A TERCEIROS – TEORIA DO RISCO
ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO – DIREITO DE REGRESSO –
DENUNCIAÇÃO À LIDE – POSSIBILIDADE. Adotou o direito
brasileiro, em sede de responsabilidade civil do Estado, a teoria do
risco administrativo, com a possibilidade de o Estado, após indenizar
os lesados, acionar regressivamente o agente causador do dano, em
caso de dolo ou culpa deste. (RDJTJDFT 63/95)

25
A concepção de responsabilidade objetiva do Estado encontra-se
embasada em dois princípios: O primeiro deles é o da equidade, que
representa a máxima de justiça de que aquele que causa o prejuízo tem o deve
de reparar o dano. E, sendo anônimo o agente causador do dano, deve ser
resguardado o direito da vítima em ser ressarcida por seus danos, pelo Poder
Estatal.

Apresenta-se como segundo princípio o da isonomia, também é


elemento norteador da responsabilidade objetiva, o que alguns doutrinadores
definem por “solidariedade social”. O princípio da isonomia na responsabilidade
estatal encontra-se na premissa de que, se a sociedade é beneficiada com
uma prestação estatal, ela também deve arcar com os prejuízos daquele que
foi prejudicado por esta mesma prestação. Quem se beneficia com o bônus,
deve arcar com o ônus.

No entanto, ainda que prevaleça o entendimento de que a


responsabilidade extracontratual do Estado seja objetiva, existe ainda um
entendimento doutrinário, sustentado brilhantemente pelo Professor Celso
Antônio Bandeira de Melo, no sentido de que a responsabilidade civil do Estado
seria auferida mediante critérios subjetivos, nos casos de omissão.

Admitir a responsabilidade objetiva do Estado para qualquer dano


sofrido pelo particular, seja decorrente de uma ação, seja de uma omissão,
fatalmente causaria uma paralisação do serviço público, no sentido de que
nada mais faria o Estado senão esvaziar seus cofres para o pagamento de
indenizações.

É o que explica o eminente administrativista:

“Quando o dano for possível em decorrência de uma omissão do


Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou
ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade
subjetiva.
Ademais, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio,
cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante

26
qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via
pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local
público, o lesado poderia sempre argüir que o “serviço não
funcionou”. Admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o
Estado estaria erigido em segurador universal!”

Isso importa afirmar que, por exemplo, não caberia ao cidadão


qualquer verba indenizatória por parte do Estado em razão de ter sido
assaltado em via pública. Com efeito, cabe ao Estado manter um contingente
adequado de policiais, espalhados pela cidade mediante critérios técnicos, e
observando dados estatísticos, no sentido de que o número de policiais seja
proporcional ao número de delitos cometidos numa respectiva região. Todavia,
ser abordado por um criminoso é um risco corrido por todos aqueles que saem
às ruas, sendo absolutamente inviável o Estado prestar um serviço de
segurança e policiamento que impeça toda e qualquer incidente desta
natureza.

Embora seja um entendimento doutrinário, é comumente utilizado


pela jurisprudência, conforme o aresto prolatado pela Colenda Terceira Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação
Cível nº 097.806-5/1-00, Rel. Magalhães Coelho, em 27.03.2001:

Em circunstâncias tais, nas quais a responsabilidade do Poder


Público não deriva de ato comissivo seu, mas sim de omissão que
teria possibilitado a ocorrência do dano, não tem aplicação a doutrina
da responsabilidade objetiva do Estado, devendo a questão ser
resolvida com fundamento na teoria subjetiva.
Nessas hipóteses, a solução se dá sob a invocação da doutrina
“Faute du Service”, cujo fundamento é a responsabilidade subjetiva
do Estado pelo não funcionamento, pelo funcionamento tardio ou
defeituoso de seus serviços.
Colhe-se na melhor doutrina sobre o tema que a alegada omissão do
Poder Público ensejadora de responsabilidade civil há que ser
provada nos autos, não bastando, nessas hipóteses, o mero nexo
causal. Mesmo porque, frise, não é o Poder Público o causador do
dano, senão o seu propiciador.

27
Na hipótese dos autos, não se comprovou que a omissão culposa da
Municipalidade tivesse ensejado a ocorrência do dano.
(...)
Em arremate, devendo a questão ser solucionada à luz da teoria
subjetiva, uma vez que se trata de responsabilidade por omissão e
não estando provada a conduta negligente da ré, a ação só poderia
ser julgada improcedente.

28
3. DA RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS

3.1. Teorias sobre a responsabilidade e a irresponsabilidade


do Estado.

No que diz respeito à responsabilidade estatal pela edição de um


documento normativo, não há um consenso acerca do que deve prevalecer,
existindo fundamentos tanto para justificar a irresponsabilidade estatal quanto a
responsabilidade do estado pelo ato legislativo. Todavia, ainda que não seja
exagero dizer que o tratamento referente à responsabilidade do estado por
atos legislativos pela doutrina e pela jurisprudência encontra-se numa “área
cinzenta”, é possível definir um avanço gradual do tema, no sentido de que
possa ser estabelecida uma linha evolutiva do assunto, sob uma tendência
acertadamente abolicionista.

Os que defendem que o Estado não deve ser responsabilizado


pela lei que produz, embasam tal entendimento, basicamente nas seguintes
assertivas.

A primeira delas assevera que a lei é um ato de soberania e,


portanto, não poderia ser alvo de responsabilidades. Se o legislador é
agraciado pela imunidade parlamentar, ele também não pode ser
responsabilizado pela elaboração de uma lei, que, em tese, é a expressão de
uma vontade popular, sintetizada na manifestação de seus representantes,
democraticamente eleitos para exercer tal poder.

Além disso, alega-se que a lei é uma norma geral e abstrata, não
visando assim prejudicar alguém em especial.

Por último, em decorrência da primeira assertiva, o legislador é


eleito pelo povo, e que, portanto, não pode o povo exigir a reparação por uma
lei que o seu representante, por ele escolhido, editou.

Nas lições de Hely Lopes Meirelles:

29
Para os atos administrativos, já vimos que a regra constitucional é a
responsabilidade objetiva da Administração, mas quanto aos atos
legislativos e judiciais a Fazenda Pública só responde mediante a
comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira
ilegítima e lesiva. Essa distinção resulta do próprio texto
constitucional que só se refere aos agentes administrativos
(funcionários), sem aludir aos agentes políticos (parlamentares e
magistrados) que não são funcionários da Administração Pública,
mas sim membros de Poderes de Estado.

O ato legislativo típico, que é a lei, dificilmente poderá causar prejuízo


indenizável ao particular, porque, como norma abstrata e geral, atua
sobre toda a coletividade, em nome da soberania do Estado, que,
internamente, se expressa no domínio eminente sobre todas as
pessoas e bens existentes no território nacional. Como a reparação
civil do Poder Público visa restabelecer o equilíbrio rompido com o
dano causado individualmente a um ou alguns membros da
comunidade, não há falar em indenização da coletividade. Só
excepcionalmente poderá uma lei inconstitucional atingir o particular
uti singuli, causando-lhe um dano injusto e reparável. Se tal ocorrer,
necessário se torna a demonstração cabal da culpa do Estado,
através da atuação de seus agentes políticos, mas isto se nos afigura
indemonstrável, no regime democrático em que o próprio povo
escolhe os seus representantes para o Legislativo. Onde, portanto, o
fundamento para a responsabilização da Fazenda Pública, se é a
própria coletividade que investe os elaboradores da lei na função
legislativa, e nenhuma ação disciplinar têm os demais Poderes sobre
agentes políticos?

Não encontramos, assim, fundamento jurídico para a


responsabilização civil da Fazenda Pública, por danos eventualmente
causados por lei, ainda que declarada inconstitucional.

Esse entendimento influencia ainda algumas turmas de nossos


tribunais, conforme demonstra o presente acórdão:

"CIVIL. PROCESSO CIVIL. POUPANÇA. LEI-7730/89.


LEGITIMIDADE RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS.
NULIDADE DA SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
30
PRESCRIÇÃO. IPC DE JANEIRO/89. 1. A caderneta de poupança é
contrato de depósito envolvendo a instituição financeira e o cliente. 2.
A regra que prevalece, em relação a atos legislativos, é a da
irresponsabilidade do Estado, não sendo, por isso, a União
Federal parte passiva legítima. 3. Rejeitada a alegação de nulidade
da sentença face à determinação de incidência dos IPCs de março e
abril/90 nos cálculos de liquidação da sentença. 4. A correção
monetária é devida desde o momento da não-inclusão do IPC de
janeiro/89, de modo a evitar a depreciação monetária dos valores
depositados. 5. Não corre prescrição qüinqüenal em favor do
depositário,uma vez que se trata de ação pessoal; ademais, não pode
empresa pública pretender o mesmo tratamento dispensado à
Fazenda Pública. 6. O contrato de depósito se aperfeiçoa no
momento em que a importância é depositada para a remuneração em
trinta dias, tendo o depositante direito adquirido à remuneração
contratada, quando se verificar o prazo contratual. Os contratos
efetuados ou renovados antes da edição da MPR-32/89 regem-se
pelas normas anteriormente vigentes. 7. O índice postulado, 70,28%
(setenta virgula vinte e oito por cento , correspondente a um lapso de
tempo de 51 dias, sendo 42,72% (quarenta e dois virgula setenta e
dois por cento o índice real para o período. 8. Parcialmente provido o
apelo". (TRF 4ª Região, 5ª T, Rel. Juíza Marga Inge Barth Tessler, AC
9504514391/ PR, DJ 20/11/1996 p.89226) (Grifei).

Por outro lado, é crescente o entendimento contrário, no sentido


de que o Estado é responsável pela edição legislativa.

Quanto à lei ser um ato de soberania, e a irresponsabilidade do


legislador ser uma extensão da imunidade parlamentar, não justificaria a
irresponsabilidade do Poder Público. Com efeito, a responsabilidade, se
houver, será do Estado, e não do agente estatal, no caso, o legislador. Será do
ente, e não da pessoa que compõe este, o dever de reparar o dano.

O fato de o legislador ser eleito pelo povo, para representá-lo no


processo legislativo, não lhe confere poderes absolutos. As competências
atribuídas ao legislador estão delimitadas na Constituição, e não representam
uma procuração de infinitos poderes ou um cheque em branco, em que ele
será o único beneficiário.
31
O fundamento de que a lei é uma norma geral e abstrata, em
alguns casos, não prevalece. Isso porque não é incomum a edição de leis de
efeitos concretos, que, embora revestidos pela formalidade de um diploma
legal, seu conteúdo revela ser a lei verdadeiro ato administrativo, editado pelo
Poder Legislativo.

Neste caso, se pode deduzir que a averiguação da


responsabilidade civil do Estado se dará sob os paradigmas da teoria do risco
administrativo, pois, embora lei, representa típico ato administrativo. In casu, a
responsabilidade do Estado prescindiria, inclusive, da declaração de
inconstitucionalidade do diploma pelo Poder Judiciário, como assevera a
professora Maria Silvia Zanella Di Pietro:

“Com relação às leis de efeitos concretos, que atingem pessoas


determinadas, incide a responsabilidade do Estado, porque, como
elas fogem às características da generalidade e abstração inerentes
aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos
demais membros da coletividade. A lei de efeito concreto, embora
promulgada pelo Legislativo, com obediência ao processo de
elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato
administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este
quando cause prejuízo ao administrado, independentemente de
considerações sobre a sua constitucionalidade ou não.”

3.2 Responsabilidade do Estado por atos legislativos


inconstitucionais.

Conforme estudado no último item, os fundamentos que outrora


sustentavam a teoria da irresponsabilidade do estado pela edição de normas
passaram, com o avanço do pensamento jurídico, a serem cada vez mais
refutados, de forma que a doutrina majoritária admite a existência do dever de
indenizar do Poder Estatal, ainda que dentro de certas limitações.

A outorga de poderes a uma pessoa eleita pelo povo para propor


e votar leis pressupõe que este poder será exercido nos moldes e limites da Lei
32
maior. O desrespeito às normas constitucionais do legislador, gerando um dano
a alguém, faz nascer a obrigação do Estado de indenizá-lo.

Dessa forma, notório a evolução da responsabilidade civil do


Estado legislador no sentido de ser admitida sua responsabilidade em face de
uma lei, desde que, no entanto, seja ela julgada inconstitucional, conforme
demonstram os acórdãos a seguir:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - LEI INCONSTITUCINAL


- INDENIZAÇÃO - O Estado responde civilmente por danos causados
aos particulares pelo desempenho inconstitucional da função de
legislar.” (RDP 189/305)

SEM DÚVIDA, AS LEIS INCONSTITUCIONAIS PODEM LEGITIMAR


O PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANO QUE PORVENTURA
TENHA CAUSADO. MAS É INDECLINÁVEL QUE ESSA
INCONSTITUCIONALIDADE TENHA SIDO RECONHECIDA E
DECLARADA PELO PODER JUDICIÁRIO (...) (RDA 20/42)

O Estado responde civilmente pelo dano causado em virtude de ato


praticado com fundamento em lei declarada inconstitucional (RDA
20/42 Min. Castro Nunes)

Na apuração da inconstitucionalidade, tomando como início o


posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, no Resp 201.972/RS,
quando aponta que “O Estado só responde (em forma de indenização, ao
indivíduo prejudicado) por atos legislativos quando inconstitucionais, assim
declarados pelo Supremo Tribunal Federal” (Grifei), eis a dúvida que surge.
Será que apenas a decretação da inconstitucionalidade no controle
concentrado das normas seria hábil a propiciar um ressarcimento?

Henrique S. Miranda, em sua obra, também adota este


posicionamento, se orientando por alguns precedentes jurisprudenciais:

“É importante ressaltar que, em caso de responsabilização por


inconstitucionalidade de lei, esta fica condicionada à prévia
declaração da inconstitucionalidade, por parte do Supremo
Tribunal Federal (RDA, 20:42; 189,305; 191,175) (Grifos do autor)”.

33
Todavia, não se vislumbram motivos relevantes que justifiquem
ser o controle concentrado de constitucionalidade uma condição imprescindível
para que seja configurada a responsabilidade estatal.

Com efeito, a jurisdição no Brasil é una. Não obstante a existência


de diversos órgãos e instâncias, com competências distintas e independentes
entre si, todos eles exercem o mesmo mister: Distribuir a justiça.

Logo, não há uma hierarquia de inconstitucionalidades. O fato de


uma inconstitucionalidade ser decretada numa via concentrada, cuja
legitimidade para sua propositura ser restrita a entidades relevantes da
sociedade, o julgamento ser feito por um tribunal supremo, e o resultado deste
exame produzir efeitos para todos os indivíduos não descaracteriza, nem
desvaloriza uma sentença prolatada numa comarca do interior, numa ação
ordinária de interesse privado.

A amplitude dos efeitos emanados por uma decisão judicial, seja


ela no juízo singular ou num tribunal, não qualifica ou desqualifica a sua
legitimidade e força vinculante dentro, contudo da sua esfera de competência.

E quanto aos atos normativos editados pelos outros poderes.


Decretos, medidas provisórias, resoluções etc., seriam elas também capazes
de originar eventos danosos que geraria o dever de reparar o dano.

A Medida Provisória, por expressa previsão constitucional, possui


força de lei, sendo editada pelo Presidente da República (ou pelo Governador,
caso haja previsão na Constituição Estadual) em casos de relevância e
urgência.

Entendo que se aplica às medidas provisórias o mesmo


entendimento aplicado às leis, pela semelhança de ambos os institutos.

Quanto aos demais atos normativos, como os decretos, ainda que


se assemelhem, principalmente quanto à sua forma, com as leis, não deixam

34
de ser atos administrativos, o que possibilita a aplicação imediata da teoria do
risco administrativo. Bastando que haja o dano e o nexo de causalidade entre o
Poder Público e o ofendido, absolutamente dispensável o exame de sua
legalidade ou constitucionalidade. A eles se aplicaria, inclusive a lição trazida
pela professora Di Pietro, transcrita no item 3.1, in fine.

3.3. Responsabilidade por atos legislativos constitucionais.

Já explicitado acerca dos atos legislativos ilícitos, e o dever do


Estado de indenizar em decorrência destes, passa-se agora a tratar de um
assunto mais controvertido: A responsabilidade por um ato legislativo que,
embora perfeito constitucionalmente, pode causar um dano injusto aos
indivíduos ou a certa categoria de indivíduos .

Para muitos doutrinadores, e para a jurisprudência majoritária, a


responsabilidade do estado pelo ato legislativo chega ao seu fim ao se analisar
sua conformidade ou não com as normas constitucionais e, sendo a lei
constitucional, entendem que não há falar-se em dano, a menos que a lei,
expressamente, preveja eventual indenização àquele que sofreu prejuízo.

No caso da responsabilidade do Estado por atos legislativos


constitucionais, encontram-se precedentes no Direito Comparado, sendo, de
todos eles, o caso “La Fleurette” o mais conhecido de todos.

Narra o episódio com riqueza de detalhes o Professor Mauricio


Jorge Pereira da Mota17:

“A sociedade anônima de produtos leiteiros "La Fleurette"


empreendeu a fabricação na França sob o nome de "gradine" de um
creme sucedâneo de natas. Ela construiu para esse fim em Colombes
uma usina cuja produção anual era da ordem de 200.000 litros de
gradine. Ocorre então que, por iniciativa governamental é votada a lei
de 29 de junho de 1934 relativa à proteção de produtos leiteiros cujo

17
MOTA. Maurício Jorge Pereira da. Responsabilidade Civil do estado Legislador, 1999, Rio de
Janeiro, Lúmen Iuris, p. 31.
35
art. 1º interdita a fabricação, exposição, colocação à venda,
importação, exportação ou transporte de qualquer produto destinado
ao mesmo uso que as natas que não proviessem exclusivamente do
leite. Esta disposição tendia diretamente a interditar a fabricação de
gradine e assim deveria a sociedade cessar sua exploração.
O Conselho de Estado considerando que a interdição legal assim
editada em proveito da indústria leiteira não considerara esse
sucedâneo atentatório à saúde pública e que nada, nem no texto da
lei, nem nos trabalhos preparatórios, nem no conjunto das
circunstâncias do caso, permitia concluir que o legislador pretendera
impor ao interessado uma carga que não lhe incumbiria normalmente.
Afirmou ainda que esta carga, criada num interesse geral, devia ser
suportada pela coletividade e assim condenou o Estado a reparar os
prejuízos.
(...)
No caso concreto da Société La Fleurette, o autor analisou que o
Conselho de Estado estabeleceu assim que o prejuízo causado pelas
disposições legislativas poderão ensejar direito à reparação, mesmo
no silêncio do legislador desde que:
1º - resulte da lei, dos trabalhos preparatórios ou das circunstâncias
do caso que o legislador não pretendeu fazer suportar o prejuízo
pelas vítimas da lei, e notadamente quando as atividades destas não
tiverem um caráter repreensível, imoral, contrário aos bons costumes
ou à ordem pública;

2º - a carga imposta aos prejudicados seja particularmente grave,


importante e especial;
3º - a finalidade da lei seja uma finalidade de superior interesse da
coletividade como um todo e não de apenas algumas categorias
sociais determinadas.”

Júlio Cesar dos Santos Esteves, acerca do mesmo caso,


complementa18:

Considerou o Conselho de Estado que a mencionada lei não se


propunha a evitar uma atividade ilícita, imoral ou perigosa para a
sociedade, mas tão apenas salvaguardar a indústria leiteira, à época

18
ESTEVES, Júlio Cesar dos Santos. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos,
Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 106.

36
seriamente ameaçada de colapso pela degradação dos preços.
Considerou mais que, ao fazê-lo, o ato legislativo impunha, como
consequência da proteção do interesse geral, ônus especiais a
determinadas categorias sociais, razão porque o prejuízo a elas
acarretado deveria ser suportado por toda a coletividade, em face do
princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos.

Neste esteio, é o arrêt Bovero, em que o Governo Francês se viu


obrigado a indenizar o particular proprietário de imóvel que foi proibido, por lei a
propor o despejo do locatário inadimplente, em razão do filho deste estar
servindo às Forças Armadas da França na Guerra da Argélia, conforme relato
de Júlio César Santos Esteves19.

A pretensão do Estado em editar tal norma beneficiou um número


restrito de pessoas, enquanto trouxe aos proprietários dos imóveis locados um
ônus grave de suportar, pois prejudicou diretamente o sustento daqueles que
tinham no aluguel seus rendimentos mensais.

A idéia principal destes julgados históricos é a admissão da


igualdade do Estado perante os seus súditos, e a consequente
responsabilidade deste por ato legislativo regular, fundada no princípio da
igualdade nos encargos públicos.

É o que assinala Checa González20

“No obstante, a partir del arrêt Bovero -que desplazó el centro de


gravedad de la consideración de la responsabilidad del Estado como
una modalidad de régimen especial de responsabilidad, a ser
considerada como una responsabilidad pública de derecho común o

19
Obtido judicialmente o despejo pelo proprietário do prédio locado, Bovero, a execução da sentença não
chega a se consumar, ante o advento de ato com força de lei que suspende os despejos contra militares
que prestassem serviços na Argélia e contra suas famílias (in ESTEVES, Júlio Cesar dos Santos.
Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 108).

20
GONZÁLEZ, Clemente Checa. Responsabilidad patrimonial de la administración derivada de
la declaración de inconstitucionalidad de una ley. Disponível em:
ttp://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/cconst/cont/12/ard/ard5.htm. Acesso em 20/07/2010.

37
responsabilité sans faute, al fundarse sobre el principio de igualdad
ante las cargas públicas-se mantuvo la doctrina de que la producción
de un daño por un acto normativo obliga, como regla general, a
indemnizar, a salvo de que el legislador haya excluido expresamente
tal derecho”.

Desses casos, Octávio de Barros traz à lume os critérios


acolhidos pela doutrina francesa e firmados pelo Conselho de Estado da
França:

a.) Quando um dano especial é causado a um particular por lei


de interesse da coletividade, o princípio da igualdade de
todos os encargos públicos exige que esse prejuízo seja
suportado por toa a coletividade;
b.) O Silêncio do legislador a respeito da indenização deve ser
interpretado no sentido da regra antes afirmada, que só não
vigorará se o próprio legislador expressamente declarar o
não cabimento da reparação;
c.) Estes princípios são aplicáveis unicamente às atividades
lícitas e não imorais.

Posteriormente, define que:

“A lei também é ato administrativo, aliás, da maior relevância, e tão só pelo


fato de regularmente emanada do Poder Legislativo não deve ser vista, em
face do Direito, como incapaz de causar prejuízos. Contra o ato legal que,
não obstante, é lesivo, vem em socorro do administrado o princípio da
intangibilidade de seu patrimônio, o qual, se por um lado é relativo, no
sentido de não poder sobrepor-se à determinação estatal, por outro lado
patenteia-se irrecusável, impondo o ressarcimento.”
Quanto ao critério adotado de que a atividade, além de lícita, não
poderia ser imoral, Maurício Jorge Pereira da Mota21 cita o caso sobre a Comp.
Générale de La Grande Pêche:

21
MOTA, Maurício Jorge Pereira da. A responsabilidade civil do Estado legislador no Direito
Francês, disponível em: http://www.mauriciomota.net/RCELegislador.pdf. Acessado em
19/07/2010.
38
“Esta companhia estabeleceu-se nas ilhas de Saint-Pierre et
Miquelon, adquiriu grandes estoques de álcool e tinha como atividade
comercial introduzi-lo por contrabando nos Estados Unidos, então sob
o império da Lei Seca. A pedido do governo americano o presidente
francês editou um decreto em 09 de abriu de 1935 interditando a
exportação de álcool de Saint-Pierre et Miquelon tendo em vista
suprimir as práticas fraudulentas que se exerciam em detrimento de
um país estrangeiro.

Tendo seus estoques se tornado inopinadamente invendáveis, a


Companhia Grande Pêche ingressa com pedido de indenização
perante o Conselho de Estado. Este, reconhece que, por ter o
Presidente da República poderes para impor nas colônias decretos
com força de lei, do ponto de vista da responsabilidade eventual do
Estado, o decreto equivale, em todos os sentidos, a uma lei.

No mérito, o Conselho recusa a indenização porque o referido


comércio embora lícito segundo a lei francesa, era moralmente
repreensível porque feito de maneira fraudulenta e contra os
interesses de um país estrangeiro. Assim, estando os prejuízos
especiais sofridos pela Companhia ligados a uma atividade
moralmente repreensível, não seriam dignos de proteção.”

Por fim, o eminente Jurista José Cretella Júnior sustenta que:

“Responde o Estado sempre por atos danosos, causados quer por lei
inconstitucional, quer por lei constitucional.”

Dessa forma, verifica-se que a responsabilidade do estado por


atos legislativos continua sendo alvo de mudanças, no sentido de que qualquer
norma legal, seja ela conflitante ou não com o ordenamento constitucional,
desde que produza danos a uma parcela específica da coletividade, faça surgir
o dever estatal de reparar o dano.

No sentido de que todo o poder emana do povo, seja diretamente,


ou por meio dos seus representantes, a matéria produzida pelo povo ou seus
representantes que eventualmente lesar patrimônio de outrem incide o dever
de indenizar, como máxima de justiça, em respeito, inclusive, ao princípio da

39
isonomia, que sustenta na ordem jurídica uma “solidariedade social” no sentido
de que a coletividade beneficiária de um diploma legal deve arcar com o ônus
do dano experimentado por um grupo restrito de pessoas em razão do mesmo
instrumento.

Canotilho, citado por Marisa Helena D’Arbo Alves de


Freitas22, comunga da mesma opinião, ao asseverar a necessidade "da
obrigatoriedade de indenização sempre que haja sacrifício grave e especial
imposto aos cidadãos em nome do interesse público.

22
FREITAS, Marisa Helena D´Arbo Alves de. Responsabilidade do Estado por atos legislativos.
Franca :UNESP ,2001, p. 86.
40
4. HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS
LEGISLATIVOS EM CASOS CONCRETOS.

4.1. A Lei 14.223/2006, do Município de São Paulo.

Em 26 de setembro de 2006 foi promulgada no Município de São


Paulo a Lei supra-aludida, dispondo sobre a ordenação dos elementos que
compõem a paisagem urbana do Município de São Paulo.

Entrando em vigor em 1º de janeiro de 2007, diversos outdoors,


cartazes e placas publicitárias sumiram do horizonte paulistano, consoante
proibição expressa no artigo 9º da Lei 14.223/0623, sob pena de os
responsáveis pelos anúncios serem autuados e conseqüentemente, multados.

A lei vem gerando inúmeras discussões, com debates


apaixonados, tanto a favor, quanto contra os seus ditames, inclusive com
acompanhamento da imprensa internacional (Anexo 01).

A proibição de anúncios publicitários nos imóveis urbanos


(públicos e privados, edificados ou não) e a retirada de todos aqueles
existentes viola formalmente a Constituição Federal, eis que o Município teria
23
Art. 9º. É proibida a instalação de anúncios em:

I - leitos dos rios e cursos d'água, reservatórios, lagos e represas, conforme legislação específica;
II - vias, parques, praças e outros logradouros públicos, salvo os anúncios de cooperação entre o Poder
Público e a iniciativa privada, a serem definidos por legislação específica, bem como as placas e unidades
identificadoras definidas no § 6º do art. 22 desta lei;
III - imóveis situados nas zonas de uso estritamente residenciais, salvo os anúncios indicativos nos
imóveis regulares e que já possuíam a devida licença de funcionamento anteriormente à Lei nº 13.430, de
13 de setembro de 2002;
IV - postes de iluminação pública ou de rede de telefonia, inclusive cabines e telefones públicos,
conforme autorização específica, exceção feita ao mobiliário urbano nos pontos permitidos pela
Prefeitura;
V - torres ou postes de transmissão de energia elétrica;
VI - nos dutos de gás e de abastecimento de água, hidrantes, torres d'água e outros similares;
VII - faixas ou placas acopladas à sinalização de trânsito;
VIII - obras públicas de arte, tais como pontes, passarelas, viadutos e túneis, ainda que de domínio
estadual e federal;
IX - bens de uso comum do povo a uma distância inferior a 30,00m (trinta metros) de obras públicas de
arte, tais como túneis, passarelas, pontes e viadutos, bem como de seus respectivos acessos;
X - nos muros, paredes e empenas cegas de lotes públicos ou privados, edificados ou não;
XI - nas árvores de qualquer porte;
XII - nos veículos automotores, motocicletas, bicicletas e similares e nos "trailers" ou carretas engatados
ou desengatados de veículos automotores, excetuados aqueles utilizados para transporte de carga.
41
usurpado competência privativa da União, conforme relata Priscila Brólio
Gonçalves24:

“Em síntese, a referida lei, a pretexto de ordenar os elementos que


compõem a paisagem urbana do Município de São Paulo, legislou
sobre propaganda comercial (matéria de competência privativa da
União, nos termos do art. 22, inciso XXIV, da Carta Magna Brasileira),
proibindo a colocação de anúncios publicitários nos imóveis urbanos
(públicos e privados, edificados ou não) e determinando a retirada de
todos aqueles atualmente existentes, até o dia 31 de dezembro de
2006.”

No mesmo artigo a autora discute acerca da lei ser materialmente


inconstitucional por ferir os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa,
da liberdade de concorrência, da busca do pleno emprego e da valorização do
trabalho humano25:

“A Lei Municipal 14.223/2006 fere duplamente o princípio da liberdade


de iniciativa econômica: em primeiro lugar, ao monopolizar a atividade
de prestação de serviços de anúncios em imóveis urbanos na cidade
de São Paulo (estabelecendo verdadeira reserva de mercado para o
Município, não prevista na Constituição Federal); em segundo lugar,
ao eliminar do mercado empresas legitimamente constituídas, que
operam de forma lícita, implicando abuso do poder econômico, nos
termos do artigo 173 da Carta Magna.”

24
GONÇALVES, Priscila Brólio. Poluição visual e livre concorrência: inconstitucionalidade da
Lei Municipal 14.223/2006, que institui monopólio público da propaganda comercial no
mobiliário urbano na cidade de São Paulo. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod =34820. Acesso em
11/07/2010.
25
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
(...)
IV - livre concorrência;
42
A respectiva norma teve sua constitucionalidade questionada na
ADIN 146.794-0/8-00, Relatada pelo Exmo. Desembargador Ivan Sartori, onde
a mesma foi julgada constitucional, nos termos da ementa a seguir:

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Arts. 6º, inciso VIII, 18 e 44 da


Lei Municipal 14.223, de 26 de setembro de 2006, que regula “a
ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do
Município de São Paulo” – Vícios inexistentes – Direitos ao exercício
das atividades e à iniciativa privada preservados – Competência
própria do Município – Violação a normas infraconstitucionais outras a
extrapolar os lindes da via eleita – Ação Improcedente.

No v. Acórdão, foi decidido que a “Lei Cidade Limpa” não viola os


princípios da livre iniciativa, bem como não agride o direito de propriedade,
matéria também discutida na ADIN.

O entendimento que vem prevalecendo no Tribunal de Justiça do


Estado de São Paulo é que a referida Lei trata de matéria de cunho ambiental e
urbanístico e, portanto, de interesse local. Assim, a lei foi editada nos
paradigmas de sua competência, conforme artigo 30, inciso I, da Constituição
Federal26.

O Poder Judiciário, nos casos envolvendo a Lei “Cidade Limpa”,


vem privilegiando o direito difuso a um meio-ambiente saudável, equilibrado.
São notórios os benefícios à sociedade que uma cidade sem poluição visual
traz. Sobre esse tema, leciona José Afonso da Silva:

A boa aparência das cidades surte efeitos psicológicos importantes


sobre a população, equilibrando, pela visão agradável e sugestiva de
conjuntos e elementos harmoniosos, a carga neurótica que a vida
cotidiana despeja sobre as pessoas que nela hão de viver, conviver e
sobreviver

26
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
43
No entanto, em cidades prósperas, com a economia acelerada, e
grande número de consumidores, é inevitável depararmos com reclames
publicitários nas ruas, praças, avenidas, automóveis, no alto de prédios ou até
mesmo olhando para o céu.

Por outro lado, ao vivermos numa sociedade capitalista, a


publicidade passa a exercer um papel fundamental na tomada de decisões
sobre a aquisição de bens de consumo e a sua influência é essencial para o
sucesso de um produto ou serviço, pois é a primeira, e muitas vezes, a única
fonte de informação à respeito do bem que o consumidor possui ao seu dispor.

É de fácil ilação, neste caso, a magnitude do mercado publicitário


em cidades como São Paulo. A quantidade de empregos que gera, as receitas
que produz e os impostos que recolhem são inestimáveis.

Embora parte integrante deste trabalho, é conveniente transcrever


alguns trechos da reportagem produzida pelo correspondente no Brasil do
jornal The New York Times:

"Nosso objetivo é uma mudança completa de cultura", disse Roberto


Tripoli, presidente da Câmara Municipal e um dos principais
patrocinadores da nova lei. "Sim, algumas pessoas terão que pagar
um preço. Mas as coisas estavam fora de controle, e o desejo da
população é bem claro".
(...)
"Todos os nossos esforços de negociação não surtiram efeito, porque
nenhum dos acordos e entendimentos que chegamos com o setor
publicitário foram atendidos", disse o prefeito Gilberto Kassab. "Um
outdoor retirado aparecia em um local diferente uma semana depois.
Havia um clima de impunidade".
"Já que é difícil encontrar equipamentos e trabalhadores suficientes
para determinar o que era ou não ilegal, decidimos começar do zero",
disse. "Quando você proíbe tudo, a sociedade se torna parceira e
reporta as violações".

Ora, o próprio chefe do Poder Executivo, e o presidente da


Câmara Municipal declaram que a lei foi produzida sem o auxílio de
especialistas para orientar o que seria regular ou irregular, assim como existe a
44
plena consciência que um setor sofrerá prejuízos por causa do respectivo
diploma.

Ainda que considerada constitucional pelo Poder Judiciário,


entendo, neste episódio, ser legítimo um eventual pleito indenizatório em face
do Município, movido por agências de publicidade, letreiros e demais
profissionais que atuavam na área de propaganda e foram prejudicados, para
que o Estado arque com o dever de reparar os danos econômicos devidamente
comprovados.

O fato de a respectiva lei ter sido regularmente votada, aprovada


e sancionada pelo Município, julgada constitucional pelo Poder Judiciário e
bem aceita pela sociedade, que vê com bons olhos a possibilidade de prédios,
monumentos e recursos naturais serem revelados, não imuniza o Poder
Público de ser responsabilizado pelo prejuízo suportado por uma classe
profissional que fazia da divulgação de informações o seu sustento.

4.2. O direito à meia-entrada.

Vigora no Estado de São Paulo Lei 7.844/92, que é


regulamentada pelo Decreto 35.606/92, assegurando a estudantes
matriculados em estabelecimento de ensino de primeiro, segundo e terceiro
graus o direito ao pagamento de meia entrada em espetáculos esportivos,
culturais, e de lazer27.

Em 2004, no Município de São Paulo, o benefício foi estendido a


estudantes de cursinhos pré-vestibulares e cursos técnicos28.

27
Art. 1º. Fica assegurado aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimento de
ensino de primeiro, segundo e terceiro graus, existentes no Estado de São Paulo, o pagamento
de meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de diversão, de
espetáculos teatrais, musicais, e circenses, em casas de exibição cinematográfica, praças
esportivas e similares das áreas de esporte, cultura e lazer do Estado de São Paulo, na
conformidade da presente Lei.

28
Art. 1º - O artigo 1º da Lei nº 11.355/93 passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1º - Os estudantes da educação básica (ensino fundamental e ensino médio), educação
de jovens e adultos (ensino fundamental e médio), educação profissional (básico e técnico),
45
A Lei Estadual 10.858/01 de São Paulo concedeu o direito à meia
entrada aos professores da rede pública estadual de ensino29.

O Estatuto do Idoso (Lei Federal 10.741/2003) possibilitou o


acesso à meia entrada a todos as pessoas com 60 (sessenta ) anos ou mais30.

O direito à meia entrada, em outros Estados, pode abranger a


outras categorias, como é o caso do Estado do Paraná, onde os doadores
regulares de sangue também possuem direito à meia-entrada, conforme dispõe
a Lei Estadual 13.964/200231

O acesso à cultura é indispensável ao bom desenvolvimento do


indivíduo e deve ser democratizado ao máximo, a fim de que todos,
independentemente da sua condição social, tenham acesso às mais
diversificadas opções de eventos possíveis.

No entanto, exigir daquele que produz e organiza eventos


culturais, esportivos e de lazer e que se remunera pela venda de ingressos, a

cursos pré-vestibulares e educação superior (cursos tecnológicos, seqüenciais de graduação e


pós-graduação), regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino públicos ou
particulares, oficialmente reconhecidos, terão assegurado o acesso aos cinemas, cineclubes,
teatros, espetáculos musicais, circenses e eventos esportivos apresentados no Município de
São Paulo."
29
Artigo 1º - É assegurado o pagamento de 50% (cinqüenta por cento) do valor realmente cobrado para o
ingresso em casas de diversões, praças desportivas e similares, aos professores da rede pública estadual de
ensino.
Parágrafo único - A meia-entrada corresponderá sempre à metade do valor do ingresso cobrado, ainda que
sobre o seu preço incidam descontos ou atividades promocionais.

30
Art. 23. A participação dos idosos em atividades culturais e de lazer será proporcionada
mediante descontos de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) nos ingressos para eventos
artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos
locais.
31
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir a meia entrada para doadores regulares
de sangue em todos os locais públicos de cultura, em casa de diversões, espetáculos, praças
esportivas e similares, esporte e lazer do Estado do Paraná.
Parágrafo único. Para efetivos desta lei, considerar-se-á como casa de diversões ou
estabelecimentos que realizem espetáculos musicais, artístico, circense, teatrais,
cinematográficos, feiras, exposições zoológicas, pontos turísticos, estádios, atividades sociais,
recreativas, culturais, esportivas e quaisquer outras que proporcionem lazer, cultura e
entretenimento.
46
cobrança de apenas metade do preço aos estudantes (ou a outra classe,
dependendo da legislação específica) importa, a meu ver, numa espécie de
intervenção Estatal no poder econômico.

Grosso modo, aquele que explora o evento a ser cobrado o


ingresso é “proprietário” dos mesmos, e tem liberdade para impor o preço que
entender mais adequado.

Sendo assim, exigir o Estado que este cobre apenas a metade do


preço para os beneficiários da lei da meia-entrada importaria numa
expropriação do capital a ser recebido pelo organizador do evento, em prol da
ampliação do acesso à cultura por setores, em tese, menos favorecidos da
população.

Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XXII,


XXIII e XXIV, que é garantido o direito de propriedade, porém esta deverá
atender à sua função social, e a lei estabelecerá o procedimento de
desapropriação por necessidade, por utilidade pública ou por interesse social,
mediante justa e prévia indenização em dinheiro (Grifei).

Interpretando a lei da meia-entrada à luz dos dispositivos


constitucionais do parágrafo anterior, é forçoso reconhecer que ainda que
legítima a determinação legal em diminuir o preço dos ingressos para
estudantes, de sorte que estes tenham maior acesso à atividades saudáveis ao
seu desenvolvimento, esta só respeitaria os preceitos de nossa Carta Maior se
oferecesse àquele que sofre o desfalque em sua bilheteria a justa
contrapartida.

Ao expedir leis concedendo benefícios financeiros a este ou


aquele grupo social junto à iniciativa privada sem a justa compensação,
entendo que o Estado, viola os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,

47
princípios contidos em nossa Constituição, bem como geraria o direito
daqueles que exploram tal atividade de responsabilizar o ente Estatal pelos
valores que deixaram de receber.

Conforme já dito, não se questiona a necessidade do Estado


facilitar o acesso a determinados grupos sociais a eventos artísticos, culturais e
de lazer. Inclusive, é lícita e constitucional, inclusive, a política de conceder a
estes indivíduos o direito a pagar a metade do valor efetivamente cobrado no
ingresso. Todavia essa estratégia não deve ser feita unilateralmente, buscando
beneficiar somente os expectadores atingidos pela norma, mas também deverá
prever a compensação àqueles que produzem e realizam os eventos
suscetíveis à meia entrada.

Caso contrário a lei da meia-entrada não se prestará em facilitar o


acesso dessas camadas, pois aqueles que se verão obrigados a vender os
ingresso pela metade do preço poderão aumentar o valor de cada ingresso
para que consiga proporcionar viabilidade financeira ao evento.

48
5. CONCLUSÃO

O pensamento jurídico acerca do dever de indenizar do Estado


vem sofrendo uma constante evolução, desde os tempos mais remotos, até os
dias atuais, no sentido de se ampliar a sua esfera de responsabilidades.

Com efeito, as teorias que defendiam a irresponsabilidade do


Estado não mais se adéquam às circunstâncias e aos problemas encontrados
hodiernamente, de forma que hoje prevalece o entendimento de que as leis
inconstitucionais são passíveis de causar dano, devendo o estado reparar o
prejuízo experimentado.

No entanto, ainda assim verifica-se que há um trabalho a ser


percorrido, no sentido de que toda lei, de acordo ou não com os preceitos
constitucionais, desde que gere um dano, prejuízo, encargo excessivo ou
excepcional a um indivíduo, ou a um grupo de indivíduos, faça nascer ao
Estado o dever de reparar o dano.

Num estado democrático de direito, não pode o soberano ordenar


e regular condutas revestido de completa imunidade. De fato, a produção
legislativa, ao acompanhar o progresso da sociedade, tende a ordenar ou
restringir condutas diversas daquelas possíveis ou permitidas, de forma que
alguém sofra prejuízos em face do novo diploma legal.

Embora o nosso ordenamento jurídico adote a teoria da


separação dos poderes, o Estado não deixa de ser uno e indivisível por causa
disso. Portanto, assim como os atos administrativos são passiveis de
responsabilidade, os atos legislativos também devem seguir a mesma sorte.

Não se trata de pregar a responsabilidade do legislador, mas sim,


de introduzir na consciência do Estado a necessidade de se atentar aos ônus
suportados por seus administrados e buscar minimizá-los ao máximo.

49
Portanto, deve o Poder Público ter a personalidade esperada para
modificar situações jurídicas, bem como ter em seu âmago a consciência da
necessidade de indenizar aquele que sofre danos frente à inovação legislativa,
deixando para trás o simplismo de atender aos interesses da maioria.

Atender o interesse público no exercício da atividade legiferante


deve pressupor atender ao interesse de todos, inclusive daqueles prejudicados
pela nova lei, de sorte que sejam evitados comportamentos oblíquos, a
desobediência, a burla ou a tergiversação.

50
ANEXO

MATÉRIA DO JORNAL “THE NEW YORK TIMES” PUBLICADA NO

JORNAL VIRTUAL “ÚLTIMO SEGUNDO”, EM 12 DE DEZEMBRO DE 2006

51
a

52
53
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