Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
EM LE PÈRE GORIOT
-57-
Assim, naquilo que interessa esta leitura, vemos que
o romantismo, em um de seus pilares fundamentais, opõe à
visão clássica do homem eterno, universal, um novo concei-
to, que considera agora a diversidade, a especificidade des-
se homem e sua adaptação ao meio e aos costumes de seu
tempo. O indivíduo, a partir do século X V I I I , é valorizado
por aquilo que o distingue do outro, levando ao interesse
pela psicologia e pela caracterização que coloca em desta-
que o elemento particularizante, aquilo que qualifica o ser
dentro do contexto social e nacional. O interesse pelo ho-
mem tomado em sua essência, pela natureza e pela condição
humana dá lugar, no romantismo, ao interesse pelo homem
situado em seu tempo e em seu espaço, melhor dizendo, em
sua comunidade utópica. Desse modo, nessa grande mudan-
ça de enfoque, vemos que a ótica romântica e a realista estão
próximas, pois ambas “divisam o indivíduo dentro de seu
habitat sócio - econômico” (Guinsburg, 1978, p. 269). Des-
de Platão e Aristóteles pelo menos, o realismo é uma cor-
rente estética vigorosa que só apresenta modificações em
função de alterações que são introduzidas, através dos tem-
pos, no conceito de realidade.
-58-
lógico, encontrado em sua paisagem interior, sua autobio-
grafia, em suas contradições (Bonet, p.14). O romantismo
francês tem em Rousseau um de seus esteios, e é nele que
podemos identificar o ponto de partida da linha que o ro-
mance francês segue e da qual cada ponto, como bem obser-
va Zeraffa, é o resultado de duas forças - uma interior, outra
social. Em Le Père Goriot, vemos, justamente, de que
maneira, por parte do jovem Rastignac, vai haver uma con-
cordância do desejo pessoal profundo em relação à ordem
social, exterior.
-60-
rente e amiga, a prestigiada e nobre Mme de Beauséant, a
quem ele pede ajuda para se introduzir nessa sociedade, lhe
dá logo alguns conselhos:
-61-
Quanto a Goriot, ele t a m b é m é vítima desse mesmo
jogo social no qual os verdadeiros sentimentos não devem ser
expostos. É o que diz a Sra de Langeais, amiga da Sra de
Beauséant, a Rastignac:
-62-
Em Goriot, essa manifestação chegará ao caricato e
ao grotesco, como se pode ler desde a apresentação da perso-
nagem: de 1813, ano em que “se retirou” na pensão Vauquer,
até 1819, ano em que o romance se inicia, sua decadência física
e moral é gradual:
E m a g r e c e u ; suas panturrilhas m u r c h a r a m ; o
rosto cheio g r a ç a s à satisfação [de uma] felici-
dade burguesa, enrugou-se rapidamente; a fron-
te ficou franzida e as maxilas desenharam-se sob
a pele [...] Os o l h o s azuis m u i t o v i v o s torna-
ram-se embaciados e pardacentos, ficaram
a m o r t e c i d o s , n ã o l a c r i m e j a v a m mais e a o r l a
v e r m e l h a das p á l p e b r a s parecia sangrar. A uns,
causava h o r r o r ; aos outros, inspirava c o m p a i -
x ã o . A l g u n s jovens estudantes de m e d i c i n a , n o -
tando o caimento de seu l á b i o i n f e r i o r e calcu-
l a n d o o v é r t i c e de seu â n g u l o facial, declara-
r a m - n o a c o m e t i d o d e cretinismo, a p ó s terem-
no maltratado sem p r o v o c a r a m e n o r r e a ç ã o .
(Balzac, p. 35-6)
-63-
ciedade a Rastignac, mostrando-lhe seu funcionamento, suas
leis ocultas:
E mais adiante:
-64-
nuar-se no m e i o dela c o m o u m a peste. A h o -
nestidade n ã o serve para nada. Todos se curvam
sob o poder do gênio, odeiam-no, tratam de caluniá-lo,
p o r q u e ele recebe sem partilhar; mas c u r v a m -
se, se ele persiste. [...] A c o r r u p ç ã o representa
u m a f o r ç a , p o r q u e o talento é raro. [...] O h o -
m e m é imperfeito. [...] N ã o acuso os ricos em
favor do p o v o : o h o m e m é sempre o m e s m o ,
n o alto, e m b a i x o , n o m e i o . E m cada m i l h ã o
desse ilustre gado, encontram-se dez sujeitos de-
c i d i d o s que se colocam acima de tudo, mesmo das leis.
S o u u m destes. Q u a n t o a v o c ê , s e é u m h o -
m e m superior, siga em l i n h a reta e c o m a cabe-
ça erguida. M a s t e r á de lutar c o n t r a a inveja, a
c a l ú n i a , a m e d i o c r i d a d e , c o n t r a t o d o m u n d o (o
g r i f o é meu). (Balzac, 108-9)
-65-
D i z Rousseau nas Confessions I:
Só eu. Sinto m e u c o r a ç ã o e c o n h e ç o os h o -
mens. N ã o s o u feito c o m o n e n h u m daqueles
q u e v i ; o u s o a c r e d i t a r n ã o ser f e i t o c o m o
n e n h u m daqueles que existem. S e n ã o v a l h o
mais, p e l o m e n o s s o u o u t r o . (apud B o n y , 1992)
-66-
a sala - e esta correspondência entre o espiritual e o sensí-
vel transfigura toda a descrição que é, assim, eminentemente
romântica.
-67-
desde que Augusto Comte, leitor e admirador de Balzac,
tirou de seu romantismo a teoria de meio e do momento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
-68-