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Introdução

Biografia

José de Ortega y Gasset nasce a 9 de maio de 1883 no seio de uma família da alta burguesia de
Madrid, acabando por falecer em 18 de outubro de 1955, no mesmo local. Filósofo e ensaísta
espanhol, Estudou no Colégio de Miraflores de El Palo (Málaga) e na Universidade de Deusto e
Universidade Central de Madrid, tendo as três viagens à Alemanha em 1905, 1907 e 1911, sido
determinantes para a sua formação (o seu primeiro projeto de regeneração ética e social de
Espanha tem por base o idealismo que estuda nestas). Em 1908 é nomeado professor de
Psicologia, Lógica e Ética na Escola Superior de Educação de Madrid, e em 1910 professor de
Metafísica na Universidade Central de Madrid.

Nos seus textos Meditaciones del Quijote (onde expressa o seu pensamento filosófico e reflexões
sobre o “feito” artístico) e Ensayo de Estética a manera de prólogo onde explica o seu programa
para uma modernidade Latina alternativa. Em 1916 realiza a sua primeira viagem à Argentina, de
grande importância na sua carreira, e para as relações culturais com a América Latina. Os seus
artigos, palestras e ensaios sobre questões filosóficas e políticas contribuíram para o
renascimento intelectual espanhol do início do século XX, sendo a sua filosofia popularizada em
torno da frase "Eu sou eu e as minha circunstâncias, e se não as salvo a elas, não me salvo a mim".
Os seus textos na década de 20 tiveram como objetivo analisar o comportamento social da
sociedade contemporânea (fase conhecida como perspectivista). No final de 1920 iniciou um
novo aprofundamento filosófico: o chamado raciovitalista, refletido em obras como Kant.
Reflexiones en torno a un centenario (1929), En torno a Galileo (1933), Ideas y creencias (1940) e
Historia como sistema (1941), entre outros.
. Os seus trabalhos mais notáveis nesta linha de pensamento são España invertebrada (1921)
onde realiza um diagnóstico da situação de Espanha; El tema de nuestro tiempo (1923) sendo
este uma análise da sua época na qual aponta a necessidade de superar o idealismo e voltar à
vida, núcleo da sua teoria da razão vital (Esta deriva da nova sensibilidade observada por este no
século XX, patente no seu livro La deshumanización del arte (1925), e exemplificada através nova
arte); e por fim, La rebelión de las masas (1930), que tem grande repercussão internacional.

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Critica a influência destrutiva da mentalidade geral que, segundo este, ao não ser guiada por uma
minoria intelectual e moralmente superior, incentiva o surgimento do autoritarismo.

A nível político, opõem-se á ditadura de Primo de Rivera (1923-1930), contribui para a queda da
monarquia de Alfonso XIII e para o advento da Segunda República. Cria a Associação ao Serviço
da República, um grupo político com participação de outros intelectuais como Gregorio Marañón
e Ramon Perez de Ayala. Acaba por se exilar em 1936 com o advento da Guerra Civil Espanhola,
passando por França, Holanda, Argentina e Portugal, países que habitou neste período,
regressando ocasionalmente a Espanha, para estar próximo da família e para promover
iniciativas com o Instituto de Ciências Humanas, antes de voltar definitivamente em 1945. Entre
as obras desta última etapa encontram-se: ¿Qué es filosofía? (1950) e outras publicadas
postumamente: el Velázquez, Sobre la razón histórica, el Leibniz, El Hombre y la Gente, Epílogo,
Meditaciones sobre Europa e El hombre y la gente.

Contextualização da obra

No artigo Arte de este mundo e del otro, publicado no jornal El imparcial em agosto de 1911,
Ortega y Gasset escreve:

“Eu sou um homem espanhol, ou seja, um homem sem imaginação. Não se zanguem, não me
chamem antipatriota. Todos dizem a mesma coisa. A arte espanhola, disse Alcántara, disse
Cossío, é realista. O pensamento espanhol, disse Menéndez Pelaio, disse Unamuno, é realista.
(...) O que posso fazer, discípulo desses egrégios compatriotas, senão riscar uma linha e fazer a
conta? Eu sou um homem espanhol que ama as coisas na sua pureza natural, que gosta de
recebê-las tal e como são, com claridade, recortadas pelo meio-dia, sem que se confundam umas
com as outras, sem que eu ponha nada sobre elas: sou um homem que quer, antes de tudo, ver
e tocar as coisas e que não se contenta imaginando-as: sou um homem sem imaginação.”

Essa auto-descrição de Ortega ajuda-nos a contextualizar tanto a sua posição quanto á arte, como
a manter em perspectiva as suas afirmações em La Deshumanización del Arte, livro publicado
quase 15 anos depois, em 1925. Nesta obra, Ortega propõem-se a analisar/diagnosticar, as
motivações e obstáculos desta nova arte, (situada no polo oposto da acima mencionada

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claridade) de um ponto de vista tanto sociológico como estético, pela sua intenção e não pelo
seu valor, salientando a sua ligação com a nova sensibilidade estética que vê surgir (é possível
encontrar exemplos desta nova sensibilidade nomeadamente no Ensayo de Estética a manera de
prólogo). Ao redigir esta obra tem em conta o seu contexto histórico: Viveu a época de
surgimento das vanguardas artísticas, na qual as suas manifestações desde logo incomodaram a
tradição, sendo a sua época também marcada por um processo crescentemente acelerado de
massificação e pela crise do racionalismo, que ameaçam o projeto do mundo da modernidade.

Por outro lado La Deshumanización del Arte encontra o seu contexto imediato na superação do
idealismo como “tema do nosso tempo”, analisando, sempre em paralelo com o romantismo,
expressões desta nova arte na poesia, na música, no teatro, na literatura e nas artes plásticas,
entre outros.

Descrição dos capítulos do livro

A impopularidade da nova arte (p.19-24) - Primeiro Capítulo

Ortega explica a impopularidade da arte nova.

A arte artística (p.25-32) - Segundo Capítulo

Aqui o autor explica que esta nova arte só é passível de ser compreendida por uma minoria. Em
contraponto, a arte antiga, aberta á compreensão, atraí as massas. Explicita também a proposta
da nova arte.

Umas gotas de fenomenologia (p.33-38) - Terceiro Capítulo

O autor explica como se processa a visão, e os diferentes pontos de vista que podem surgir de
um mesmo facto e como isto influência a nossa capacidade compreensão das diferentes
situações e as suas respectivas componentes.

Começa a desumanização da arte (p.39-44) - Quarto Capítulo

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Ortega explica o processo da desumanização.

Convite a aprender (p.45-49) - Quinto Capítulo

O autor faz um convite aos leitores para que deixem de lado os preconceitos para com a arte
nova que surge, e que tentem aprender com ela.

Prossegue a desumanização da arte (p.50-56) - Sexto capítulo

Neste capítulo fala da indignação das novas gerações com a arte antiga, e dos seus motivos.

O tabu e a metáfora (p.57-59) - Sétimo Capítulo

Neste capítulo, o autor fala da metáfora e da sua importância no processo de desumanização da


arte.

Supra e infra realismo (p.61-62) – Oitavo Capítulo

Explicação de outras formas de fuga ao real.

A volta do revés (p.63-66) - Nono Capítulo

Neste capítulo os dois pontos importantes são: arte tomou a metáfora como fonte artística e não
só como adorno estético; e que a arte deve abordar as ideias como subjetivismos que são e não
como representações da realidade.

Iconoclastia (p.67-68) - Décimo Capítulo

O autor refere-se ao desejo da nova arte de fugir das formas clássicas, da cópia do real, e á
preferência formas geométricas ou abstratas.

Influencia negativa do passado (p.69-73) – Décimo Primeiro Capítulo

A nova arte surgiu da negação das formas artísticas tradicionais.

Irônico destino (p.75-77) - Décimo Segundo Capítulo

O autor menciona um caráter cómico no sentido da sátira na nova arte.

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A intranscendência da arte (p.79-82) – Décimo Terceiro Capítulo

Explica-se aqui que arte nova se tornou auto-referêncial, factor que não a torna menos
importante, mas exige um novo olhar da parte do expectador.

Conclusão (p.83-85) - Décimo Quarto Capítulo

Aqui encerra o ensaio falando dos motivos que o levaram a escrever este, e conclui dizendo que
as mudanças trazidas pela arte nova são impossíveis de reverter.

Leitura da obra

Estructura geral

A obra La Deshumanización del Arte é uma análise da nova arte, esta que recusa os padrões
estéticos seus predecessores, procurando criar uma linguagem plástica que apele a uma
sensibilidade diferente da inerente á arte dita realista, criando consequentemente uma cisão
entre artistas e público. Ortega recorre ao termo desumanização como um elemento
determinante na compreensão da nova arte em termos plásticos, das suas motivações e
objectivos em comparação com as características da arte anterior (com o uso deste termo cria
também á partida a noção de que esta é humanizada na sua génese). Explicita em paralelo a esta
análise o sentido histórico-social do surgimento desta nova sensibilidade, e da nova arte. Ao
longo da obra, salienta a distinção entre nova e velha linguagem, a par da existência de duas
sensibilidades. Uma sensibilidade estética intrinsecamente humana, relacionada com a ligação
estabelecida naturalmente entre o observador e a obra de arte, e mesmo com a forma como esta
é apresentada. E uma nova sensibilidade estética que originou a nova arte. Esta nova
sensibilidade pura baseia-se em componentes intelectuais, transmitidos na arte através da sua
autorreferencialidade, salientando-se o meio, ao invés de o procurar tornar invisível. O elemento
humano/emocional instintivo é o completo oposto desta nova sensibilidade que originou a nova
arte. Os grandes problemas da arte realista descritos por Ortega passam pela sua incapacidade

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de captar a realidade no seu todo; E pela sua relação focada nos elementos humanos, procurando
suprimir os elementos estéticos sempre que estes interfiram com esta relação.

É possível compreender o sentido de desumanização neste contexto, sendo que este não se
relaciona com o conteúdo das obras, nem com o humanismo, mas sim com o seu fundamento
formal/sensibilidade humana. O termo refere-se não só às características da nova arte já
mencionadas, mas também aos instrumentos usados para “desrealizar”. Aponta dentro da
desumanização, um repúdio hierarquizado ao que é humano, exercido proporcionalmente a esta,
assim como uma fuga generalizada do humano em várias formas de arte. Sem a desrealização
ocorre para este uma hesitação: vivemos as coisas, ou comtemplamo-las? Pondera de passagem
mas não aprofunda.

Expõe igualmente os aspectos gerais da nova arte como sendo: a sua tendência para a
desumanização; a evitar as formas vivas/humanas; a fazer com que a obra de arte não seja senão
a obra de arte; considerar a arte como apenas um jogo; uma essencial ironia; Iludir toda a
falsidade/escrupulosa realização; arte é algo sem qualquer transcendência. Realça igualmente
um contraste de facetas dentro desta, sendo que por um lado evidencia revolta/rancor para com
a essência histórica da arte, e por outro procura evoluir a arte, mostrando grande entusiasmo.
Elemento nivelador é a negação da realidade, coocando-se acima dela. Apesar da análise
detalhada, enuncia claramente o seu intuito puramente analítico ao lançar-se sobre estas
questões, não procurando prestar qualquer juízo de valor.

Resumo do texto por partes

Arte/sensibilidade nova vs velha


-Na arte anterior, havia uma tentativa de imergir o observador nas circunstâncias representadas,
procurando ao máximo tornar o meio e o processo artístico um veículo “transparente” para este
através do foco nos elementos humanos, procurando suprimir os elementos estéticos sempre
que estes interfiram, daí a importância da verosimilhança com a realidade, cujo propósito é
facilitar a relação com a obra. “são humanas todas as realidades – mulher, paisagem, peripécias

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– quando apresentam o aspecto sob o qual costumam ser vividas”; arte de índole transcendente,
quer no sentido já exposto de se mostrar além do meio, como na sua significância. Ortega
descreve os problemas do realismo como sendo: a óbvia impossibilidade de apreender a 100% a
realidade (pois esta é constituída por tantas partes/facetas/percepções que se torna impossível),
neste aspecto o perspectivismo orteguiano vem à tona. A realidade do eu-circunstância/da
minha vida é a origem de todas as outras. Na obra Meditaciones del Quijote, a frase “Eu sou
eu e minhas circunstâncias” aponta exactamente para essa subjetividade que só pode ser
construída de maneira relacional, pois a realidade de cada um corresponde a um eu envolto nas
suas circunstâncias, e que se forja com estas. Qualquer realidade que exceda a experiência do
eu-circunstância, é uma realidade puramente presumível. “Não existem mais que partes na
realidade; o todo é abstração das partes e delas necessita”. Isto torna-se mais perceptível á luz
da selectividade natural do ser humano para com os componentes que este pensa constituírem
a realidade, representando sempre apenas a sua realidade, “El error inveterado consistía en
suponer que la realidad tenía por sí misma, e independientemente del punto de vista que sobre
ella se tomara, una fisionomía propia” (Ortega, 1962). Posto isto, a experiência proporcionada
pela arte realista é a completa remissão do observador a uma experiência onde os
problemas/relações humanas provocam sentimentos idênticos aos da vida comum. Para o
público do realismo, “o prazer estético não é uma atitude espiritual diversa em essência do que
habitualmente adota no resto de sua vida” e Para o deleite com ela, é desnecessário um “poder
de acomodação ao virtual e transparente que constitui a sensibilidade artística”.

- Na arte nova, o meio assume-se como temática da arte, tornando-se manipulável em nome da
expressão do artista; pratica-se ao invés da transparência, a opacidade (não mais se poderá
procurar significado além do objecto, devido á distância propositada do mimetismo que exige do
público um esforço de apreensão de novas percepções da realidade, algo que confunde quem
não possua esta sensibilidade). Para tentar compreender objectos que não pode tratar
humanamente, tem de criar uma nova forma de agir para com estes, completamente fora da
norma, e que se adeque a estes, essa nova vida/anulação da espontaneidade proporciona
compreensão e prazer artístico, sentimentos secundários provocados pelos objectos em questão
e que existem a um nível psíquico diferente da experiência primária/humana. Diferença entre

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Causação (prazer ligado ao conteúdo observável, gratificação com os sentimentos provocados
em si, e não com o objecto artístico) e motivação (nexo consciente, advém da contemplação da
sua pureza objectiva). Adicionalmente, é observável uma tendência para a desumanização (arte
inumana pela intencionalidade de desumanização, e não pela ausência de coisas humanas); a
evitar as formas vivas/humanas; a fazer com que a obra de arte não seja senão a obra de arte
pois não contém qualquer tipo de transcendia, pois rompe com a noção do artista como uma
espécie de messias devido á sua habilidade estética superior/lidar com temas de grande
relevância. Exemplo disto é a dicotomia entre por exemplo, a 9ª. Sinfonia (1824) de Beethoven,
grande representante musical dos ideais românticos, da perfeição/fraternidade universal e 4’33
(1952), uma peça de John Cage que não possui uma única nota. Vai ligar á consideração a arte
como apenas um jogo, uma essencial ironia cómica presente na nova arte, não no sentido
humano do riso, mas da sátira dela mesma. Para ser entendida não pode ser levada tão a serio
como era a arte da geração anterior, pois funciona apenas como instrumento de libertação do
espirito. “E não é que o conteúdo da obra seja cômico – isso seria recair num modo ou categoria
do estilo “humano” – mas sim que, seja qual for o conteúdo, a própria arte se torna chiste. [...]
Vai-se à arte precisamente porque se a reconhece como farsa. Isto é o que perturba mais a
compreensão das obras jovens por parte das pessoas sérias, de sensibilidade menos atual”; Iludir
toda a falsidade/escrupulosa realização. Realça um contraste no seu seio, sendo que por um lado
evidencia revolta/rancor para com a essência histórica da arte, e por outro procura evoluir a arte,
mostrando grande entusiasmo. Negando a realidade pretendem colocar-se acima dela, este
elemento nivela a contradição amor/ódio, pois mostra capacidade da arte de triunfar sobre tudo,
incluindo sobre si mesma. Desejo da nova arte de fugir das formas clássicas, da cópia do real,
preferem utilizar formas geométricas ou abstratas. Descrita como a fonte do “verdadeiro prazer
artístico”.

Ortega destaca apesar de tudo a necessidade da experiência vivida, de entre todas as outras
realidades, no entendimento da arte (nova e velha) por ser o ponto de referência de todas as
outras, e de relação com o representado (mesmo a arte nova convive com essa nesga
identificável, senão perderá o sentido como um “discurso cujas palavras perderam o
significado”).

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Em suma: O mundo objetivo do realismo está ligado à realidade presumível das relações sociais.
O eu-circunstância é remetido às circunstâncias, Estando a sua autenticidade em segundo plano.
Isto significa que o eu está no mundo e nas relações que nele mantém, e não com a sua
interpretação desse mundo. O que a arte desumanizada promove é uma mudança: das
circunstâncias para o eu. A visão humana do mundo (visão pela qual nos reconhecemos e somos
homens) é interiorizada, questionada, e manipulada pelo artista, permitindo a criação de novas
realidades – inclusive, de realidades nas quais o homem não figura, dispensando a sensibilidade
humana e introduzindo a sensibilidade pura.

Flutuações sociais associadas á incidência destes factores


-Culto generalizado das massas pela varonia/juventude ao invés da experiência/velhice.

- Ortega disserta sobre como a nova arte surgiu da negação das formas artísticas tradicionais. Os
novos artistas que surgiam recusaram-se a apenas aceitar os velhos modelos e a nova arte nasceu
desta repulsa ao antigo. O artista ao produzir arte deve pôr de lado a sua humanidade e ser
apenas artista (nesse sentido desumanizar a arte não se refere apenas ás obras mas também ao
artista).O autor procura chamar a atenção para a existência de um passado e de um presente
da arte, diferenciando as novas motivações do sentimento de admiração pelas obras
importantes de épocas anteriores. A sensibilidade estética não é a mesma quando se trata de
contemplar uma obra passada. “Es decir: que el arte del pasado es arte, en el pleno sentido del
vocablo, en la medida que aún es presente, que aún fecunda e inova. Cuando se convierte
efectivamente en mero pasado pierde su eficacia estrictamente estética y nos sugiere emociones
de sustancia arqueológica. Sin duda, son estas motivo de grandes fruiciones; pero no puede
confundirse ni sustituir al propio placer estético. El arte del passado no “es” arte, “fue” arte”.

-Comportamento intolerante do grande público reflete uma deturpação do princípio de


igualdade entre os homens ao nível do nivelamento cultural, inibindo as
diferenças/manifestações de elevação cultural. Em La Rebelion de las masas escreve: “Já não é
tempo de escutar, mas, ao contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão da vida
pública onde [o homem médio] não intervenha, cego e surdo como é, impondo suas

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‘opiniões’ ”. Essa atitude de rejeição do diferente constitui uma das facetas das massas
revoltadas. No domínio da arte, esse fenômeno não é diferente. O homem-massa sobrepõe-se
àquilo que o convida a ir além de si mesmo. ”A arte jovem, com só se apresentar, obriga o bom
burguês a sentir-se tal e como ele é: bom burguês, ente incapaz de sacramentos artísticos, cego
e surdo a toda beleza pura. [...] Habituada a predominar em tudo, a massa se sente ofendida em
seus “diretos do homem” pela nova arte, que é uma arte de privilégios, de nobreza de fibras, de
aristocracia instintiva. [...] A massa escoicea e não entende. Procuremos fazer o inverso.
Extraiamos da arte jovem o seu princípio essencial e, então, veremos em que profundo sentido
é impopular (ORTEGA, 2005, p.23-4). A impopularidade das vanguardas, assim, aparece como o
sintoma de um estado civilizatório, uma crise cultural que impele Ortega a enveredar pelo oposto
á rebelião – mesmo com a sua falta de entusiasmo já referida pelo anti-realismo. Ao invés, avalia
esta nova arte e as suas características. A abordagem sociológica, demonstrada no desenrolar de
La Deshumanización del Arte, é uma consideração das vanguardas que pretende entendê-las
desde dentro, pois considera “caprichoso e estéril” a negação desta arte. Convida o leitor a deixar
de lado os preconceitos, e tentar aprender com a nova arte, que se liberte de suas restrições e
limitações e mantenha abertura. “as convicções mais indubitáveis são as mais suspeitas, pois
constituem o nosso limite, a nossa prisão”.

Desumanização

-Relacionada com o fundamento formal/sensibilidade humana na arte, a desumanização refere-


se não só às características da nova arte já mencionadas, mas também aos instrumentos usados
para “desrealizar”. Apresenta-os como sendo: Uma mudança da hierarquia de importância das
coisas do mundo (perspectivação), inversão de valores, colocando coisas de pouco valor no dia-
a-dia em primeiro plano e as de valor em segundo plano; Uso da metáfora associada á ideia de
forma autónoma, autor enaltece as qualidades da metáfora e a importância desta no processo
de desumanização da arte (origem em tabus antigos, coisas sagradas eram renomeadas devido
á crença que as palavras contêm parte do objeto que representam). Arte torna-se ao revés pois,
toma a metáfora como a fonte artística e não como adorno estético; A arte deve abordar as

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ideias como as coisas subjetivas que são e não como representações da realidade. Assumir a
subjectividade da ideia pessoal do real vivido, e realizá-la como objecto (“mundificação” da
ideia), o autor explica como se processa a visão e os diferentes pontos de vista que podem surgir
de um mesmo facto explicitando assim os vários níveis que a realidade pode assumir; modéstia -
acabar com o artista “messias”, fim da pretensão a grandes feitos/temas, aspiração da arte pura
é apenas “esvaziar-se do patetismo humano” apresentando-se simplesmente como arte, sem
pretensão/transcendência; Estilização das formas, “vontade de estilo” apontada como um dos
caminhos reais da arte; extremar o realismo, superando-o (Supra-realismo e Infra-realismo).
Aponta dentro da desumanização, um repúdio hierarquizado ao que é humano (ordem das
pessoas, ordem dos seres vivos, ordem dos objectos), exercido proporcionalmente a esta. Fuga
do humano dá-se em várias formas de arte.

Sem a desrealização ocorre para este uma hesitação: vivemos as coisas, ou comtemplamo-las?
Pondera de passagem mas não aprofunda.

Desumanizar é pegar no que é humano e desvincula-lo da realidade (ocupação com o humano é


incompatível com a estrita fruição estética. Ex: vidro e jardim, as pessoas são incapazes de
acomodar o olhar no vidro (obra), passando através deste em busca da realidade humana.
Desafiadas a olhar a obra, não vêm nada nela, pois ao invés de algo humano, vêm segundo Ortega
“puras virtualidades”). Essa quebra com o real é quase impossível, pois o artista vive emergido
nesta, tornando-se a fuga da realidade algo que requer uma genialidade ímpar.

Conclusão do livro

A realidade tem inúmeras facetas, demasiadas para se poderem selecionar todas as que a
definem. Como tal, este ensaio pode apenas conter erros na opinião do autor. Ortega salienta a
reflexão com base na curiosidade, analisando a intenção e não o valor da nova sensibilidade/arte.
Louva a intenção, dizendo “A demanda é fabulosa, criar do nada, espero que adiante se contente
com menos e acerte mais.”

Afirma a impossibilidade de reverter esta mudança de paradigma, acrescentando que os críticos


que tanto renegam esta nova sensibilidade, deveriam apontar por sua vez um caminho
alternativo e completamente novo, como que a arte nova o fez.
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Conclusão

Escrito em tom relativamente pedagógico, este ensaio é um bom ponto de partida para a
compreensão das bases da nova arte e das suas características. Gasset faz uma análise bastante
detalhada, que proporciona ao leitor uma agradável leitura, seja devido á sua escrita directa, mas
elaborada, ou ao seu humor refrescante que transparece em alguns dos exemplos e comentários
tecidos por este. Contém apenas, a meu ver, uma incorrecção, devida maioritariamente ao facto
da escrita do ensaio ter sido realizada numa fase relativamente inicial desta nova sensibilidade.
A incorrecção a que me refiro é a afirmação de Ortega de que a nova arte se afasta gradualmente
do mundano/social, pois apesar de compreensível durante a análise teórica desta tendência, essa
interpretação não prevê que, mesmo sem o compromisso directo com conflitos sociais, a nova
arte encontrasse sempre oposição em determinados contextos, tendo as suas inovações
estéticas sido alvo de interferência social considerável, e portanto merecedora de
reconhecimento e consequentemente, de uma análise mais cuidadosa. O projeto vanguardista
foi sempre intrinsecamente dotado de uma liberdade criativa extrema, liberdade essa que
acabou por conduzir inevitavelmente a um choque frontal com os valores predominantes na
sociedade, especialmente sendo este um meio hostil à diferença/mudança. Este é no entanto o
único aspecto no qual sinto que a análise de Ortega deve ser complementada, recorrendo a
outras percepções da arte nova e o seu envolvimento político-social. Outro ponto que penso vale
a pena mencionar, é o facto de a polémica em torno do livro se dever á falta de contextualização
no próprio autor da obra, sendo que as suas opiniões têm todas um fundamento que por vezes
não está 100% explícito apenas com a leitura deste livro, sendo também necessário
conhecimento da obra do autor.

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Bibliografia

Molinuevo, José Luis


La deshumanización del arte en clave de futuro passado / José Luis Molinuevo
In: Revista de occidente. - Madrid, 1923, p. 43-60. - Nº 168 (Maio 1995). ISSN 0034-8635
Ortega y Gasset, José, 1883-1955 / Estética / Criticismo
Ortega y Gasset, José, 1883-1955

- La deshumanizacion del arte y otros ensayos de estetica / Ortega Y


Gasset. - Madrid : Alianza, reimp. 1987. - 234 p. ; 18 cm. - Esta reedición de La deshumanización
del arte incluye, además del ensayo que da título al volumen, una serie de artículos que Ortega
no recogió en ninguno de sus libros. En ellos se comprueba la persistencia con que supo extraer
de la experienca del arte notas relevantes para el curso de sus formulaciones filosóficas. En esta
nueva edición -revisada conforme a los originales- se incluye el discurso " La verdad no es sencilla
" , publicado recientemente con carácter póstumo, y un apéndice, inédito hasta la fecha, al
ensayo " Sobre el punto de vista en las artes "

- Cássio Oliveira, Rodrigo


ANTI-REALISMO E SUBJETIVIDADE EM ORTEGA Y GASSET, VI Jornada de pesquisa em Filosofia,
Universidade Católica de Goiás.Ano de publicação: 2008

sites

-Dísponível na WWW: http://www.ortegaygasset.edu/la-fundacion/jose-ortega-y-gasset

-Autor: Equipa do buscabiografias.com – José Ortega y Gasset,


Filósofo y ensayista español. Data da edição: Dezembro de 1999. Dísponível na WWW:
http://www.buscabiografias.com/biografia/verDetalle/1222/Jose%20Ortega%20y%20Gasset

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