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09/12/2019 Karl Marx versus Jean-Paul Sartre e Freud - DM Online

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Opinião

Karl Marx versus Jean-Paul


Sartre e Freud
REDAÇÃO Curtir 0 Compartilhar
19 de março de 2015 23:12 | Atualizado há 5 anos

Ney Gonçalves ,Especial para Opinião Pública

Até então Marx e o marxismo haviam sido considerados como contrários a todas as formas de
pensamento “burguês”. Agora, porém, contando com o quadro mais completo da obra de Marx,
muitos marxistas tentaram assimilar abordagens não-marxistas. Há dois exemplos marcantes disso.
O primeiro é a obra do lósofo existencialista Jean-Paul Sartre. O existencialismo era uma defesa da
liberdade do indivíduo que combinava um protesto contra a tendência de tratar seres humanos
como coisas com uma forte insistência na realidade da responsabilidade humana. Em seu manifesto
existencialista O existencialismo é um humanismo, Sartre escreveu “O homem simplesmente é. Não
que ele seja simplesmente o que se considera ser, mas é o que quer ser, e como se concebe depois de
já existir – como quer ser depois desse salto para a existência. O homem nada mais é do que aquilo
que ele faz de si mesmo”. Isso parece estar muito distante do marxismo, que põe em evidencia a
maneira pela qual os seres humanos em massa, são determinados pela sua história e pelas
circunstâncias sociais. Não obstante, como Sartre acabou sendo levado a considerar o marxismo
como “a loso a de nossa época”, procurou fundi-la com suas opiniões existencialistas. Isso exigiu “a
reconquista do homem dentro do marxismo”, com o restabelecimento da dimensão humana do
marxismo que havia no Marx da juventude, mas que foi eliminada mais tarde pela interpretação mais
dogmática. O resultado foi uma obra maciça, como o titulo proibitivo de Crítica da razão dialética.
Embora tortuosa e obscura, ela está cheia dos brilhantes insights e descrições psicológicas que
sempre caracterizaram o trabalho de Sartre. Nela a ênfase ainda recai principalmente sobre o
indivíduo. Como o próprio Sartre disse, numa frase notável, enquanto para o marxismo tradicional o
poeta Valéry era apenas um intelectual pequeno-burguês, o marxismo existencialista gostaria de
mostrar porque nem todo intelectual pequeno-burguês era uma Valéry. “Marxismo contemporâneo”
escreveu Sartre, “perdeu totalmente o sentido do que é ser um homem; para preencher as lacunas,
conta apenas com a psicologia de Palvov”. Com sua falta de qualquer dimensão historia séria, sua

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ênfase maior na liberdade do que na determinação e sua insistência em partir dos indivíduos, a obra
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de Sartre estava muito longe do marxismo clássico. Serviu, porém, para cristalizar muitas das 
tentativas bastantes vagas, na época, de descobrir “um marxismo com face humana”.

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A obra de Freud e de seus seguidores – nosso segundo exemplo- poderia parecer estar, à primeira
vista, ainda mais em desacordo com Marx. A interpretação dada por Freud à sexualidade
inconsciente e infantil levava a uma explicação da atividade humana muito diferente da
determinação pelo econômico de Marx. Para Freud, o marxismo parecia mais uma racionalização que
disfarçava as molas fundamentais da ação humana; e os marxistas há muito rejeitaram o freudismo
como um produto ideológico da Viena do m de século. Mas um dos discípulos de Freud, Wilhem
Reich, era também marxista, e ressaltou a necessidade de libertar o proletariado da repressão em
todas as esferas de vida – em particular, a sexual. Reich a rmava que a única maneira de resolver os
problemas edípicos descobertos por Freud era a dissolução da família de classe média. Reich tinha
con ança nas mulheres e nos jovens que, como mais dominados do que o resto da sociedade, tinham
melhores possibilidades de ver através da mecânica da repressão. Mas Reich não gostava de Lenin.
Em sua opinião, o bolchevismo preparou o caminho para o fascismo, reforçando o autoritarismo nos
partidos e sindicatos. Em uma série de conferências que realizou na União Soviética no nal da
década de 1920, sugeriu que, sem a revolução sexual, o comunismo degeneraria num Estado
burocrático.

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Isso bastou para convencer as autoridades soviéticas a proibir a psicanálise, que havia desfrutado de
certa voga na Rússia. Caluniado tanto pelos comunistas ortodoxos como pelos psicanalistas
ortodoxos, Reich foi uma voz solitária. Eric Fromm, autor prolí co e popular, começou a vida como
freudiano e como marxista, mas, ao produzir sua obra in uente, O medo à liberdade, por exemplo,
em 1941, já havia superado a ambos. Foi Marcuse que produziu em seu Eros e civilização, a tentativa
mais consistente de unir Marx e Freud. Seu estudo dos obstáculos psicológicos à libertação levou-o a
um radicalismo utópico. Freud considerara a repressão sexual na sociedade como eternamente
necessária, devido ao con ito entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. Mas, para
Marcuse, era a organização social do trabalho na sociedade capitalista que subordinava os instintos
à realidade. Com o progresso da tecnologia, essa repressão, justi cada em condições de escassez,
tornou-se desnecessária e abriu-se o caminho para uma sociedade que podia passar sem repressão,
abolindo o trabalho alienado. Tal opinião afasta-se da intenção original de Marx, e qualquer
casamento entre este e Freud resultou sempre no predomínio de um sobre outro. A nal de contas,
Freud rejeitou Marx explicitamente, com a simples a rmação de que “a agressão não foi criada pela
propriedade”.

(Ney Gonçalves, escritor e pesquisador, autor dos livros: Valor e Crise, Marxismo, Estado e Crise do Capital e
Introdução ao Marxismo e Conceitos Básicos da Analise Econômica Marxista (no prelo, Ed. Expressão
Popular).

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